jornal boca do inferno edição 27

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Boca do Inferno Jornal dos estudantes de Letras da UFPR | Edição 27 | Setembro de 2014 NESTA EDIÇÃO Amyr Borhot, Ana Carolina Werner da Silva, Assionara Souza, Bruna Motta, Caetano Galindo, Carolina Bender, Camilla Nater, Carla Cursino, Cesar Felipe Pereira, Chardie Batista, Daniel Martineschen, Evelyn Cieszynski, Guilherme Bernardes, Gustavo Jugend, Hugo Simões, João Carvalho, Juan José Saer, Julian Tuwim, Leonardo Gonçalves Fischer, Marcelo Paiva de Souza, Marina Tortelli, Mario Benedetti, Milena Wandembruck, Nylcéa Pedra, Pedrita Setenareski, Priscila Scoville, Sarah Garcia, Suelen Trevizan, Vinícius Figueiredo, Yohan S. Barcz.

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Jornal dos estudantes de letras da UFPR. Edição 27, setembro de 2014.

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Page 1: Jornal Boca do Inferno Edição 27

Boca do InfernoJornal dos estudantes de Letras da UFPR | Edição 27 | Setembro de 2014

NESTA EDIÇÃO Amyr Borhot, Ana Carolina Werner da Silva, Assionara Souza, Bruna Motta,

Caetano Galindo, Carolina Bender, Camilla Nater, Carla Cursino, Cesar Felipe Pereira,

Chardie Batista, Daniel Martineschen, Evelyn Cieszynski, Guilherme Bernardes, Gustavo Jugend,

Hugo Simões, João Carvalho, Juan José Saer, Julian Tuwim, Leonardo Gonçalves Fischer,

Marcelo Paiva de Souza, Marina Tortelli, Mario Benedetti, Milena Wandembruck, Nylcéa Pedra,

Pedrita Setenareski, Priscila Scoville, Sarah Garcia, Suelen Trevizan, Vinícius Figueiredo, Yohan S. Barcz.

Page 2: Jornal Boca do Inferno Edição 27

05Daniel Martineschen

10Evelyn CieszynskiSarah Garcia

11Leonardo Gonçalves FischerCesar Felipe Pereira

28Hugo Simões

29Milena Wandembruck

Textí

cu

los

08Yohan S. Barcz

10Gustavo Jugend

22Chardie Batista

26Bruna Motta

27Suelen Trevizan

06Julian TuwinMarcelo Paiva de Souza

07Juan José SaerAmyr Borhot

12Mario BenedettiCamilla Nater Nylcéa Pedra

Versário

Trad

uçõ

es

03Editorial

04EnsaioAna Carolina Werner da Silva

14Entre e VistaCaetano GalindoEditores do Boca

21ResenhaCarla Cursino

23ObjetivaCamila Bender Vinícius Figueiredo

30Cal

31ClassificadosCartum

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Índice Editorial

O que temos feito, o que podemos fazer

Depois de mais de dois anos de silêncio, o Boca do Inferno volta a circular, renascido das profundezas da negligência e do esquecimento. Que encerremos essa era silenciosa para fazer jus ao nosso nome. Falemos, então! Há muito assunto para pôr em dia em apenas um editorial, alguns inclusive são bastante espinhosos, mas precisam ser tocados para que, ao abrirem ferida, reconheçamos a sua existência e lidemos com eles de modo concreto.

O leitor deve estar se perguntando o motivo desse longo intervalo sem publicação. Aqueles que têm mais tempo de casa sabem que a história do Boca sempre foi marcada por idas e vindas. Isso acontece, porque é uma publicação que depende do Centro Acadêmico de Letras tanto em questão financeira quanto na execução do projeto. Se não tivemos jornal desde 2011, esse é apenas um sintoma da fragilidade da representação estudantil do nosso curso. Aqui começam a despontar os primeiros espinhos.

Em 2013, passamos longos meses sem nenhuma chapa gerindo o CAL, com um sistema de presidência pro tempore que evidentemente era insuficiente para dar conta de todas as demandas, e o pior é que essa não foi a primeira vacância. O professor Caetano Galindo comenta na entrevista desta edição que também vivenciou uma situação semelhante em sua época de graduação. Mesmo com uma chapa em atuação hoje, grupo do qual faço parte e com o qual compartilho os acertos e as falhas, há a sensação de que muitas coisas ficam por fazer.

Será que os alunos têm medo do CAL? Haverá um desinteresse geral por política? E, mesmo que não seja esse o caso, por que vivemos uma realidade tão calcada nesse mito?

São mais de 800 alunos matriculados na graduação de Letras. Desses, mesmo se retirar a parcela dos que mal pisam no campus, ainda sobram algumas centenas de estudantes que frequentam o prédio da Reitoria diariamente. Nosso curso, pela sua amplitude, se compõe de muitos perfis. Por que não aproveitamos essas característica que é bem nossa para experimentarmos vários perfis de política estudantil? Embora às vezes pareça que é preciso ostentar certo discurso, certo vestuário, certa conduta social, nada disso torna alguém um líder se não houver trabalho efetivo pela coletividade – e trabalho há de sobra.

Torço para que nas próximas eleições esses vários perfis apareçam e para que cheguem dispostos a encarar o trabalho duro. Dinheiro em caixa há, diálogo com a coordenação e com outras instâncias administrativas do curso também, o que nos falta talvez sejam ideias e energias renovadas e, o principal, continuidade. Esse quesito, a meu ver, tem sido o calcanhar de Aquiles das gestões do CAL que pude acompanhar, inclusive da minha chapa.

Não basta apenas chegar com disposição ao aprendizado e ao trabalho, é preciso mantê-la durante todo o período da gestão – e essa é a parte difícil, daí tantos membros se afastarem ou se emudecerem ao longo do caminho. É também essencial à continuidade a integração de novos estudantes para que eles assumam posteriormente a liderança. Centralização e personalização de tarefas podem funcionar por um breve período, mas criam dependência e põem em risco projetos como o deste jornal. Com a reformulação recente do Estatuto, chapas horizontais agora são previstas, e acredito que sejam uma ótima oportunidade para que os membros do CAL exerçam mais plenamente as atribuições da representação estudantil.

Com relação ao Boca, acabamos atingidos pela mesma falta de continuidade. Muita gente em gestões passadas se interessou por ele e trabalhou para que as edições se sucedessem, tanto é que eu tive a oportunidade de conhecer a publicação numa fase em que ela saía com alguma regularidade. O problema, a meu ver, é que costumava ser o projeto de uma única pessoa e, na ausência desse indivíduo, adeus jornal.

Tendo isso em vista, ao assumir o cargo de editora-chefe desta edição, optei por ignorar minha autócrata interna, aquela voz que nos diz que podemos fazer tudo sozinhos. Iniciei, então, um longo processo de reestruturação do Boca, baseado na capacitação de um grupo para continuar o trabalho com ou sem minha presença. A palavra-chave, repito, é continuidade. Terei sido bem-sucedida no meu intento se, mesmo que não haja pessoas em gestões futuras do CAL interessadas e qualificadas para publicá-lo, ele continuar existindo por outras vias. É a política estudantil que mantém este jornal vivo, isso é fato, mas que seja uma política menos vulnerável a eventuais crises de representação política institucionalizada.

A reestruturação começou em março deste ano, quando ofertei um curso de editoração a partir do qual se nomearam os participantes mais habilidosos para formar o comitê editorial do Boca. Tivemos oito selecionados – vejam quem são eles no expediente desta edição –, que estão incumbidos de organizar o jornal até março de 2015. No início do próximo ano, ou talvez até antes, se prevê um segundo treinamento para selecionar um novo grupo de editores.

A chefia geral do comitê por ora continua sendo exercida por um membro do CAL, mas há a possibilidade de o(a) editor(a)-chefe também ser escolhido(a) a partir de um processo seletivo que considere as habilidades específicas da função. Esse é um cenário que pode vir a se concretizar se a comunidade de Letras achar conveniente, a partir de discussões e votações em Assembleias Gerais.

De qualquer forma, será sempre obrigação do CAL fornecer suporte e receita para a impressão do Boca, direito que devemos cobrar de nossos representantes formais em qualquer situação.

Tradicionalmente o Boca tem exercido o papel de vitrine para os trabalhos de colegas e os de pessoas que, de alguma forma, têm contato com o nosso curso. Como resultado disso, apresentamos uma grande quantidade de poemas, textos de ficção, traduções e artes gráficas nesta edição. Além do pessoal da casa, tivemos a colaboração também de artistas de fora, como se pode ver pelos ensaios fotográficos, pelas ilustrações e pela renovação do projeto gráfico. Isso tudo é ótimo, mas será que é o máximo que o Boca pode nos oferecer?

Acredito que seja possível, sim, ousar ainda mais e aproveitar este canal de comunicação também para melhorar o nosso curso. Um jornal como este pode exercer funções como discussões acadêmicas, aproximação do mercado de Letras, integração entre as habilitações, parceria com a pós-graduação e denúncia de problemas que afetam o dia a dia dos beletristas. Essa é a parte mais complicada de se pôr na prática, pois, quando abrimos a chamada de textos, recebemos quase exclusivamente trabalhos literários alheios a estas questões.

O comitê editorial tentou, na medida do possível, angariar textos que explorassem essas várias outras possibilidades e tivemos ótimas respostas, só que aparentemente as grandes polêmicas não encontraram ainda solo fértil entre nós. Essa é uma aspiração que fica para as próximas edições. Os temas são muitos, basta coragem para assinar os textos. Afinal, quem nunca achou falhas no currículo? Quem nunca sofreu com a precariedade da estrutura do campus? Quem nunca teve reclamações contra a ARI ou outros órgãos da Universidade? E isso para não falar da longa greve dos servidores, que tão silenciosa como começou terminou abafada pelas vuvuzelas da Copa.

Este exemplar que chega às suas mãos é simples, mas ao menos ele existe e é nosso, isto é, dos estudantes de Letras. Com muitos assuntos ainda por dizer e tão pouco espaço em um único editorial, só me resta desejar que venham outras edições em breve. Vida longa e muitos textos audaciosos para o nosso Boca do Inferno!

Suelen Trevizan é editora-chefe do Boca do Inferno e membro da atual gestão do CAL, Vem ni mim, Bakhtin!

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Suelen Trevizan

Page 3: Jornal Boca do Inferno Edição 27

Ensaio

CHOQUE DE CONSCIÊNCIAS,

EMBATE DE VOZESAnálise da noção de identidade a partir do conceito bakhtiniano de polifonia em um conto de David Foster Wallace.

Ana Carolina Werner da Silva

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o considerar os estudos feitos pelo teórico Mikhail Bakhtin – cujos Aconce i tos podem ser uma

importante chave teórica para se discutir narrativas de diversos gêneros – a respeito da relação entre o “eu” e o “outro”, não pude deixar de analisar, mesmo que brevemente, esta narrativa condensada, como o próprio título explicita, de David Foster Wallace, que apresenta uma situação banal e cotidiana, ou melhor, prosaica, temas caros ao teórico russo.

Segundo Bakhtin, o “eu” não se define somente por introspecção; ao contrário, define-se também pelos “outros”, ou seja, a visão que temos de nós mesmos é muito limitada, é apenas uma voz, uma perspectiva. Dessa forma, para que a complexidade do ser seja contemplada, precisamos do olhar do outro. Portanto, como princípio base do dialogismo, devemos enxergar a palavra como produto da relação entre um sujeito que fala e o seu interlocutor. A base do diálogo está no discurso, que é isento de neutralidade e

permeado de intencionalidade: em outras ainda não foi pronunciado. O embate palavras, as frases que pronuncio são frutos dessas vozes que compõem o indivíduo faz de outras frases, e, de acordo com o próprio parte da sua constante construção.Bakhtin, não existe discurso virgem ou No fim da micronarrativa de original, no sentido estrito da palavra. É Wallace há uma pergunta/confirmação que esta a situação com a qual nos deparamos ao se repete: “não é mesmo não é mesmo não é ler a história narrada no conto de mesmo”, pergunta essa que passa ao leitor Wallace.Apesar de não haver nenhuma uma impressão de continuidade e que pode citação direta dos enunciados das ser interpretada como uma abertura do personagens, nos é permitido fazer texto ou como uma constante repetição da inferências a respeito do diálogo ocorrido situação ali apresentada. A imagem do entre elas. Sabemos que os discursos do mundano, do cotidiano e do banal sujeito falante se interpenetram e teor izada por Bakhtin está bem antecipam a resposta do interlocutor. O representada neste conto do autor norte-autor do conto, então, utiliza este aspecto americano, assim como nos seus três característico do diálogo a fim de ironizar a romances Broom of the system, Infinite banalização das relações humanas e, da jest, e no póstumo The pale king, nos quais mesma forma, da vida pós-industrial, tal preocupação com o universo das relações colocando as consciências das personagens humanas e o embate entre consciências é em atrito. Percebemos que o discurso de levado ao extremo, tecendo o discurso cada uma delas depende, profundamente, polifônico no cruzamento de pontos de de uma antecipação da resposta do vista.interlocutor; portanto, não podemos O autor apresenta em poucas ignorar a sua importância para a resposta linhas, neste conto, um episódio, um futura. momento, somando as vozes de um

Na narrativa de Wallace, esta intervalo no contínuo da vida, como se a antecipação está clara, pois uma das história fosse escrita e apagada, marcando a personagens, o homem, faz uma piada presentidade em que vive o homem “esperando ser apreciado”; a mulher ri moderno, e, principalmente, como o forçadamente “esperando ser apreciada”; o homem não existe fora das relações com os colega que os apresentou não gosta de outros, que o constroem; mas, ao mesmo nenhum deles, mas finge que gosta tempo, coloca este mesmo episódio num (“ansioso como estava por conservar boas ciclo, ainda que este seja repetitivo e vazio relações a todo momento”), provavelmente de significado, como a vida e as relações esperando ser apreciado também. Ou seja, humanas nesta história radicalmente isso demonstra que a consciência é um condensada da vida pós-industrial.campo de embate de várias vozes, dentro dela temos o universo do ''já dito'' que nos permite projetar um discurso/resposta que

Quando foram apresentados, ele fez uma piada, esperando ser apreciado. Ela riu extremamente forte, esperando ser apreciada. Depois, cada um voltou para casa sozinho em seu carro, olhando direto para a frente, com a mesma contração no rosto. O homem que apresentou os dois não gostava muito de nenhum deles, embora agisse como se gostasse, ansioso como estava por conservar boas relações a todo momento. Nunca se sabe, afinal, não é mesmo não é mesmo não é mesmo.

¹ WALLACE, David Foster. Breves entrevistas com homens hediondos. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia da Letras, 2005

Ana Carolina Werner da Silva é formada em Letras pela UFPR. Atualmente estuda o romance Infinite jest, de David Foster Wallace.

Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial

Versário

Daniel Martineschen

ICEBERG

Àsuperfície desponta o pico, mas ninguém conta com o

mundo por baixo dele,só um décimo de sua grandeza,

da qual só conhece quem esbarra,mesmo por acidente, e afunda, em mergulho

inconsciente, lúcido e ébrio, que amarra e prende,indissociável e indiferente, para todo o sempre,

naprofundeza.

DA LÓGICA CIRCULAR CARROCRATA

Quanto mais ruas, mais espaço.Quanto mais espaço, mais carros.Quanto mais carros, menos espaço.Quanto menos espaço, menos ruas.Quanto menos ruas, menos carros.Quanto menos carros, mais espaço.Quanto mais espaço, mais ruas.

Qual o elo fraco dessa roda?Qual a tangente de saída?A guerra tá mesmo perdida?Será mesmo assim tão foda?

5

Daniel Martineschen, anno 1981, é doutorando em estudos da tradução, tradutor do alemão (técnico, literário, juramentado), (ex-)informático pela UFPR. Traduz o Divan do Goethe e traduziu Travessia de Anna Seghers, pela editora da casa. Poesia para ele é incipiência, exercício, brincadeira, luta contra a timidez.

No instante em que pensei,curioso o que se passou:passou tanto tempoque o instante se expandiu –e já passou.

o indizívelé indivisívelmesmo se visível;risívelé o esforço pífiode (des)dizê-lo,arrancar-se os cabelos,dedicar-se décadas a fioa desentretecer o enredado.

não quer dizer que seja inútilo vão (oco, interstício)que se parece divisar no sensível.é só que supô-lodefinitivo, matriz de crivode todo o perceptívelé querer devorar e continuar tendo todo o bolo.

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Tradução

Jest taka jedna Zosia, Nazwano j¹ Zosia-Samosia, Bo wszystko “Sama! Sama! Sama!” Wa¿na mi dama! Wszystko sama lepiej wie, Wszystko sama robiæ chce, Dla niej szko³a, ksi¹¿ka, mama Nic nie znacz¹ - wszystko sama! Zjad³a wszystkie rozumy, Wiêc co jej po rozumie? Uczyæ siê nie chce – bo po co, Gdy sama wszystko umie? A jak zapytaæ Zosi: – Ile jest dwa i dwa?

– Osiem! – A kto by³ Kopernik?

– Król! – A co nam Œl¹sk daje?

– Sól! – A gdzie le¿y Kraków?

– Nad Wart¹! – A uczyæ siê warto?

– Nie warto! Bo ja sama wszystko wiem I œniadanie sama zjem, I samochód sama zrobiê, I z wszystkim poradzê sobie! Kto by siê tam uczy³, pyta³, Dowiadywa³ sie i czyta³, Kto by sobie g³owê ³ama³, Kiedy mogê sama, sama! – Toœ ty taka m¹dra dama? A kto g³upi jest?

– Ja sama!

Tem uma certa Neusinha Nove!Que chamam de Neusinha- – Dr. Oswaldo Cruz foi?Euzinha, – Presidente!Com ela é tudo – Sete de setembro é?

“Eu! Eu! – Tiradentes!Eu!” – Come-se vatapá em?Que prima donna, Deus meu! – Belém!Tudo ela só já conhece, – E estudar, não convém?Tudo ela faz e acontece, – Nem vem!A escola, o livro, a mamãe – Eu sei tudo tintim por tintimbalela E a sobremesa é toda pra mim,Pura e simples, pois tudinho é Faço euzinha até um avião,ela! Comigo não tem perrengue não!Não é uma sabe-tudo, Quem vai aprender, e perguntar,De que serve então juízo, E ler, e descobrir, e errar,estudo? Queimar pestana e toutiçoAprender – não faz por onde, Sem que se precise disso!Na hora ela não responde? – Grande sabichona!Mas pergunte a Neusinha na E a boboca de quem se escreveu?prova: – Eu, eu! – Quanto é quatro mais quatro?

– Nove!

Julian Tuwim

Zosia Samosia

Neusinha Euzinha

Trad. Marcelo Paiva de Souza

Julian Tuwim (1894-1953), poeta e tradutor, nasceu em Lodz, numa família de classe médiade judeus assimilados. Estudou Direito e Filosofia na Universidade de Warszawa (Varsóvia), sendo integrante de diversos movimentos literários, entre esses, cofundador do cabaret literário Picador e do grupo de poesia Skamander. Foi o primeiro poeta polonês a trazer para a poesia a linguagem cotidiana, escrevendo de forma inovadora e para públicos múltiplos. O poema “Zosia Samosia” foi extraído de Tuwim (Varsóvia: Babel Studio, 2013), publicação organizada por Agnieszka Drewno e cofinanciada pelo Ministério da Cultura e do Patrimônio Nacional da Polônia.

Marcelo Paiva de Souza é professor do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da UFPR e tradutor.

Pedrita Setenareski (1987-), estudante de Letras polonês pela UFPR, nasceu em Curitiba. Com a parte materna da família, teve contato com tradições culturais polonesas. Além de estudar essa língua, também se dedica a ensiná-la. Seus hobbies são o desenho, a caricatura livre e a escrita.

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Tradução

Juan José SaerTrad. Amyr Bohot

O conto “Cambio de domicilio” foi publicado primeiramente no livro La mayor, de 1976, relançado em Cuentos completos, de 2001.

á uns dois anos, me mudei de casa e mudei de pra lá ou mais pra cá das coisas, de não se encaixar em nome. A política favoreceu um pouco minha nenhuma definição, de não saber nunca de um modo certo Hdecisão; em Buenos Aires, a polícia tinha me se sonhava ou se estava acordado, de não saber o que

fichado durante uma manifestação e, como eu não tinha, responder, às vezes, a alternativas bem definidas que os apesar de minhas ideias avançadas, nenhum respaldo outros me mostravam. Durante anos me pareceu que essa solidário por não pertencer a nenhuma organização inépcia era individual, subjetiva, que minha história pessoal clandestina, me pareceu razoável mudar de domicílio e tinha se desenvolvido de tal modo que eu tinha ficado como desaparecer por um tempo. Assim, peguei o ônibus e vim preso dentro dela, sem muita capacidade de decisão, e que os para esta cidade, onde no verão se cozinha à beira do grande outros tal como eu os via desde fora não experimentavam, rio. neste mundo, o menor incômodo. Em dois anos, no

Nada incentiva mais a reflexão do que as viagens. entanto, desapareceram minha voz tabacada, meu sotaque Na noite móvel e ruidosa do coletivo, o olho viajante segue portenho, mas o pântano antigo que jaz e às vezes se sacode, aberto, insone, ou antes alerta, à música do mundo. Foi no pesado, mais embaixo, mandando sinais de vida, deixa coletivo, na verdade, que a ideia de suplantar um simples ato entender que ou não escolhi a máscara conveniente ou nós, de autoproteção por uma mudança radical de identidade me os homens, qualquer que seja a cor de nosso destino, não ocorreu, súbita e febril. Começaria outra vida com outro estaremos nunca à altura das circunstâncias ou, melhor dito, nome, outra profissão, outro aspecto físico, outro destino. do mundo.Emergiria, com cinco ou seis braçadas vigorosas, do mar de meu passado a uma praia virgem. Sem família, sem amigos, sem trabalho, sem um piccolo mondo antico em cujo ventre vegetar, o futuro se apresentava para mim liso e luminoso, e terno, sobretudo, como um recém-nascido. Instalei-me numa pensão, falsifiquei meus documentos, operei minha transformação física e consegui um emprego de vendedor de livros em domicílio. Os jornais me davam por morto. A polícia paralela, se dizia, tinha se encarregado de mim. Mas o terror que reinava não deixava passar à superfície mais que alusões ambíguas.

Isto já faz mais ou menos dois anos. No segundo ou terceiro mês de minha nova existência, como percebi que meus hábitos não haviam mudado muito, decidi modificar meus gostos e meus costumes de um modo sistemático. Deixei de fumar; como sempre detestei os ensopados de feijão e a língua-de-vaca, passei a comê-los todos os dias até que começaram a ser meu alimento preferido; decidi escrever com a mão esquerda e introduzi variantes capitais em minhas convicções profundas. De modo que ao fim do ano minha personalidade tinha mudado por completo. Me parecia ser, como se diz, outro homem.

Digo “me parecia ser”, como se pode ver, e não “era”. À distância, me dou conta de que foi um certo emplastramento de minha vida, do qual era apenas

consciente, o que me incitou a mudar: a sensação de andar em círculo, de não avançar, de estar sempre um pouco mais

Juan José Saer (Santa Fé, 1937- Paris, 2005) é celebrado como um dos principais autores argentinos da era pós-Borges. Foi professor de Estética na Universidade de Rennes, na França, para onde se mudou em 1968 em autoexílio. Publicou contos, poemas, romances e ensaios.

Amyr Borhot, aluno do primeiro ano da graduação de Letras, acha curioso escrever em terceira pessoa sobre si mesmo e aproveita a ocasião para agradecer a Ele, o Acaso, “sem o qual, nada”, como disse o poeta.

MUDANÇA

DOMICÍLIO

DE

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Textículos

aquela manhã, ao acordar, seu primeiro terminando a faculdade de psicologia e tem um sorriso de matar. Vocês pensamento foi: irão esbarrar um no outro quando o motorista frear diante de um N cachorro, rir da situação, pedir desculpas e trocar telefones.

“Que motivo tenho para me levantar da cama?” Eventualmente acabarão se casando e vivendo na felicidade pelos Permaneceu por alguns minutos dedicando-se à questão, próximos 21 anos, até o dia de sua morte.”

mas nada nesse mundo era capaz de lhe fornecer uma resposta E ele perguntaria a deus:conclusiva. “A morte dela ou a minha?”

Pensou na família que morava no interior, na tia-avó que E o senhor dos senhores responderia:morrera na semana passada, depois em seu emprego na agência de “Ah, se eu dissesse perderia a graça.”publicidade e no computador e na tela de vintetantas polegadas que lhe Ele então se levantaria, escovaria os dentes – estes mesmos esperavam dentro da mesma sala refrigerada todos os dias, onde se que cedo ou tarde apodreceriam de qualquer forma –, tomaria um sentia como um farto peru no fundo do congelador de um banho, comeria duas torradas com patê de frango e calçaria os sapatos, supermercado. alcançaria a rua e caçaria o futuro.

A qualquer hora, tinha certeza, seria pego pelas pernas e Mas não havia deus nenhum lhe explicando seu grandioso destrinchado sobre uma tábua gigante, uma mão invisível arrancando plano, de forma que chegou a pensar que permanecer em casa poderia suas entranhas e substituindo-as por recheios diversos. até mesmo ser sua salvação, a despeito de todas as balas perdidas,

Por um segundo pensou em qual seria a sensação da farofa colisões mortais e garotas de cabelo castanho que estariam à espreita entrando rabo adentro e na cor que sua pele assumiria após sair do para lhe furar o coração. forno, passando por mãos e talheres até ser devorado em uma mesa sob Viver era um ato de pirataria biológica, uma navegação as graças de uma família católica. paradoxal e sangrenta atrás de recompensas ilegítimas: todos no

Já estava na cama havia dez minutos e o despertador tocou mesmo barco, cada um sua própria ilha.novamente. Mas desde sempre soubera que o mundo é um lugar

Ainda não conseguia encontrar um motivo para se levantar. perigoso, afinal, não era sobre isso que sua mãe lhe alertava ao segurá-lo “Tenho que chegar ao trabalho em meia hora”, pensou. pela mão e ensiná-lo a verificar os dois lados da rua antes de atravessá-

Calculou mentalmente o tempo que levaria em cada atividade, la?começando por escovar os dentes, passando pela ducha e o banheiro O problema é que ninguém lhe diz para qual lado olhar antes vaporizado, depois o café da manhã e o trajeto até a agência. de atravessar a realidade e cedo ou tarde você acaba debaixo da carreta Concluiu que chegaria pelo menos dez minutos atrasado. do destino, esmigalhado por todas as escolhas ruins que fez até então.

Mas o atraso, por si só, pareceu-lhe mais uma justificativa Ficou ali deitado, pensando a respeito, por dois ou três dias.para permanecer na cama (afinal, iria atrasar-se de qualquer modo) do Ainda não conseguia encontrar um motivo para se levantar.que para se levantar dela. Nada mais queria que uma única razão para vestir-se e voltar

Em sua cabeça, enquanto coçava a barba rala e crescente de ao cotidiano, uma vontade qualquer que lhe faria abrir a janela e sua queixada, perguntou-se: respirar um pouco, motivar-se novamente e se deixar encantar pela

“O que ganho levantando da cama hoje? Outro dia de vida.trabalho, outra semana iniciada, o eterno ciclo se repetindo após cada Fechou os olhos, espreguiçou-se na cama. Tentou sentir madrugada, e de novo e de novo até o fim dos tempos. De qualquer alguma coisa.forma saio da cama agora e volto a ela depois, para então sair dela mais Qualquer coisa.uma vez e assim por diante.” Definitivamente não estava encantado. Nem mesmo

Decidiu tomar um atalho na vida: permaneceria na cama, instigado ou curioso. Talvez fosse falta de ar fresco, pensou. E se que era afinal seu ponto de partida e chegada noite após dia, dia após lembrou de que o oxigênio é responsável pelo desgaste das células. noite após dia. Refletiu se valeria a pena diminuir o ritmo da respiração na tentativa de

Sentia-se um oroboro, um que já tivesse engolido a cauda há retardar o envelhecimento, mas decidiu que não era um esforço tanto tempo que chegava a sentir os próprios dentes batendo à nuca. necessário, visto que não tinha objetivos a serem alcançados. O

Apoderou-se dele uma súbita necessidade de que o mundo emprego na agência – provavelmente perdido a essa altura –, o contato lhe desse explicações, de que deus (qualquer um) batesse à porta e lhe com os amigos, a convivência com outros seres humanos iguais a ele, dissesse: nada lhe era atrativo suficiente para que desejasse sair dali e colocar-se

“Olá, filho, tenho um plano na medida para você. em movimento.Acompanhe: hoje você vai chegar atrasado à agência e, por conta desse No sétimo dia percebeu que suas costas e metade da perna atraso, terá que pegar o ônibus das 8h10, em vez do tradicional esquerda estavam presas ao colchão. Raízes de pele e tecido se expresso das 8h. No trajeto você encontrará uma pequena garota de interligavam em uma simbiose perfeita, fundindo seu corpo à cama.cabelos castanhos, alguns anos mais jovem que você. Ela está Ainda não conseguia encontrar um motivo para se levantar.

8

LENÇOL HUMANOYohan S. Barcz

9

Yohan S. Barcz cumpriu pena no curso de Jornalismo e agora tenta se recuperar para fazer algo que preste. Entre a prática da quiromania e a escrita, prefere a primeira, por uma questão de domínio técnico. Multi-instrumentista, utiliza a música apenas para justificar o uso contumaz de entorpecentes.

Priscila Cristina Nascimento Lopez de Scoville. Um nome tão grande quanto a simpatia e a modéstia. Estuda História Memória e Imagem na UFPR desde 2011. Talvez suas coleções de desenhos feitos e fotografias tiradas sejam maiores do que o número de livros sobre o Egito Antigo, seu tema de pesquisa acadêmico.

Page 6: Jornal Boca do Inferno Edição 27

Textículos

A Fotógrafa

assara a noite acordada com o olhar fixo no além-mar e a máquina de recolher instantes em torno do pescoço. Goma há horas entre os dentes e um pote de açúcar ao lado. PAtribuía ao horizonte a exigência incerta de um vermelho que se acotovelasse entre o azul

e o azul rasgando a noite de seus olhos, extirpando-lhe saudade e monotonia. Próximo à hora inexata buscou gentilmente o chiclete, deitou-lhe no pote ao

lado cobrindo-lhe com aquele cristal doce: hora de aurora. Juntou seu colar fotográfico ao olho direito e enamorou-se do infinito. Mas quando a bola que se queria rubra despontou no horizonte quarada ao laranja, os braços daquela fotógrafa vacilaram. Exigia demais do mar, exigia demais do horizonte. Exigia do sol mais do que se podia exigir.

No dia seguinte o botão da câmera ainda guardava sua digital em açúcar. Na mesa da cozinha apenas uma folha branca com um círculo escuro no meio restava junto a uma caixa de lápis de cor, mais aquele pote de doce. A fotógrafa arrancou o grafite da caixa e desatinou vermelho no céu e no mar. Desatinou vermelho no sol. Desenterrou a goma do pote, entrelaçou-a entre os dentes e sorriu de leve; a noite de seus olhos era, finalmente, alvorada.

Gustavo JugendRays of joy, they multiply. (Gogol Bordello)

Gustavo Jugend, curitibano, é mestrando em Filosofia pela UFPR. Pesquisa ética, ontologia e poesia, além de lecionar no Ensino Médio. Também publica contos no blog exvotar.wordpress.com.

10

Quero andar por aíaté meu cabelo tocar as pontas dos dedosraízes confusas buscando no céunuvens de desapego

Quero voar por aíaté de meus braços caírem penase de meus olhos as ramasfugitivas da leveza

De meu ser resta pouco além de ser

Sarah Garcia

Sarah Garcia é uma paulistibana, natural da capital de São Paulo, mas com o coração curitibano. Tem 20 anos, cursa Letras português-espanhol na UFPR e tenta fazer poesia (y otras cositas más) no blog porquenaoentao.blogspot.com.br.

grão de areia:

a miragem da chuva seca

Evelyn Cieszynski, curitibana, é aluna de Letras da UFPR. Escreve também para a revista literária Varal do Brasil (varaldobrasil.com).

Revolvendo

EvelynCieszynski

11

Versário

Cesar Felipe Pereira

Saussureana

Essa noiteSaussure me sussurrou no ouvido:

“Não creia no que dizem,não lhes dê ouvidos”.

O suíço estava doido,saturado dos alunos.

Disse haverem confundido tudo:sumido com o original,

publicado absurdos.“Não é que são safados?,

acabaram com meu Curso.Tais palavras não são minhas!”,

já berrava o pobre homemcom cólera quase secular.

“Grande gênio, pai dessa ciência?Isso não é meu,

não mereço esse trono!”.

Por meu lado, sob o travesseiro a cabeça,associações, langue, parole,

tudo rodando,me deixando quase louco.

Até que quando,veio à ideia aquele clarão,

potente relâmpago.Única palavra:

“Possenti”.Forte aguardente,

Seu Sírio é Saussure!

Triste sombra em pleno outono:Se Caetano roça a língua de Camões,

Ferdinand acaba com meu sono!

Leonardo Gonçalves Fischer

Nesta estrada abandonadaQue o passar dos tantos anosNem sequer mudou em nadaSobre seus trajetos planos,Inda toda em chão batidoPor galopes e por passosQue o tempo transcorridoJá lhes apagou os traços,

Despontava a silhuetaParecendo imaginária,Augural tal qual cometa,Tão distante, solitária,Vinha um viandante velhoQue trajava um gasto pálio,Em suas mãos o EvangelhoE um cajado de carvalho;

Seu alforje penduradoQue o tempo mal conservaCarregava abarrotado,Tendo todo tipo d' erva,Ervas d' ancestral culturaQue resiste ao oblívioTrazem para o povo a curaE às dores seu alívio.

Ia errante pelas viasComo um filho desta terra,Como o monge àqueles diasAntes da funesta guerraEm que ardeu TaquaruçuSob obuses flamejantes,Sobre os campos do IguaçuDantes tão mais verdejantes.

Ia o velho calmamenteQuando então o avistaram,Agitou-se toda gente,Todos alto então gritaram:“Olha o monge! Olha o monge!Ele enfim ressuscitou!”Mas marchava o velho ao longe,Foi-se e nunca mais voltou.

Romance das vias do Taquaruçu

Leonardo Gonçalves Fischer nasceu em Caçador-SC, em 1993, e residiu durante muitos anos em Fraiburgo, no mesmo estado. Atualmente cursa Letras português-grego, bacharelado em estudos da tradução, na UFPR.

Cesar Felipe Pereira nasceu em Curitiba, em 1983, numa madrugada gelada. É formado em Letras e Cinema e, no momento, finaliza o mestrado em Estudos Literários na UFPR. Está no prelo seu livro de estreia de poemas antes do COMEÇO depoisDO FIM. Tem acessos de megalomania, acredita no poder da arte e não gosta mais de Chico Buarque.

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Tradução

A NOITE DOS FEIOSO conto original, “La Noche de los Feos”, pertence ao livro

La muerte y otras sorpresas, publicada pela editora Alfaguara em 1968.

Trad. Camilla Nater e Nylcéa Pedrambos somos feios. Nem sequer minutos, admiramos as respectivas belezas meia depois tivemos que pedir dois cafés vulgarmente feios. Ela tem a maçã do herói desajustado e da doce heroína. Pelo para justificar nossa permanência Ado rosto deformada. Desde os oito menos eu sempre fui capaz de admirar o prolongada. Logo me dei conta de que

anos, quando lhe fizeram a operação. bonito. Minha aversão reservo para meu tanto ela como eu estávamos falando com Minha asquerosa marca junto à boca vem rosto e às vezes para Deus. Também para o uma franqueza tão ofensiva que ameaçava de uma queimadura atroz, ocorrida no rosto de outros feios, de outros espantalhos. ultrapassar a sinceridade e tornar-se um começo de minha adolescência. Talvez devesse sentir pena, mas não consigo. quase equivalente da hipocrisia. Decidi Também não se pode dizer que tenhamos Na verdade, é que são como espelhos. Às aprofundar-me. olhos ternos, essa sorte de poucos pela qual vezes me pergunto o que teria ocorrido na “Você se sente excluída do os horríveis conseguem deixar de lado a mitologia se Narciso tivesse a maçã do rosto mundo, não é mesmo?”beleza. Não, de modo algum. Tanto os dela deformada, ou tivesse as bochechas “Sim”, disse, ainda me olhando.quanto os meus são olhos de ressentimento, queimadas por ácido, ou lhe faltasse metade “Você admira os charmosos, os que só refletem a pouca ou nenhuma do nariz, ou tivesse a testa costurada. normais. Você queria ter um rosto tão resignação com que enfrentamos nosso Esperei-a na saída. Andei uns equilibrado como esta menininha que está à infortúnio. Talvez isso tenha nos unido. metros junto dela, e logo lhe falei. Quando sua direita, apesar de você ser inteligente, e Talvez unido não seja a palavra mais se deteve e me olhou, tive a impressão de e l a , a j u l g a r p o r s u a r i s a d a , apropriada. Me refiro ao ódio implacável que vacilava. Convidei-a para conversarmos irremediavelmente estúpida.” que cada um de nós sente por seu próprio um pouco em um café ou uma confeitaria. “Sim”.rosto. Aceitou de imediato. Pela primeira vez não pude

Conhecemo-nos na entrada do A confeitaria estava cheia, mas sustentar meu olhar. cinema, fazendo fila para ver dois nesse momento uma mesa foi desocupada. “Eu também queria isso, mas charmosos quaisquer na telona. Ali foi onde À medida que passávamos entre as pessoas, existe uma possibilidade, sabe, de que eu e pela primeira vez nos examinamos sem ganhávamos gestos e sinais de assombro você cheguemos a algo.”simpatia, mas com uma obscura pelas costas. Minhas antenas estão “Algo como o quê?”solidariedade; ali foi onde registramos, já particularmente ligadas para captar a “Como nos amarmos, oras. Ou desde o primeiro olhar nossas respectivas curiosidade doentia que as pessoas têm, esse simplesmente nos darmos bem. Chame solidões. Na fila todos estavam a dois, além sadismo inconsciente dos que tem o rosto como queira, mas há uma possibilidade.” disso, eram autênticos casais: esposos, comum, milagrosamente simétrico. Esta Ela franziu a testa. Não queria dar namorados, amantes, avozinhos, e sei lá vez, no entanto, não era nem sequer esperanças.mais o quê. Todos – de mãos ou braços necessária minha adestrada intuição, já que “Prometa-me que não vai me dados – tinham alguém. Só eu e ela meus ouvidos conseguiam registrar achar um louco.” tínhamos as mãos soltas e contraídas. murmúrios, tossezinhas, falsas pigarreadas. “Prometo.”

Com detenção, insolência e sem Um rosto horrível e único possui “A possibilidade é se deixar levar curiosidade, olhamos nossas respectivas evidentemente seu interesse. Mas duas pela noite. Na noite total. Na escuridão. feiuras. Reparei na deformação de sua face feiuras juntas constituem por si próprias um Entende?”com a autoridade que me era outorgada por espetáculo maior, aos menos coordenado; “Não.”minhas bochechas encolhidas. Ela não ficou algo que se deve olhar em companhia, junto “Você tem que me entender. A vermelha. Gostei que fosse dura, que a pessoas bem parecidas com as quais o escuridão. Onde você não me veja, onde eu devolvesse minha inspeção com uma olhada mundo merece ser dividido. não a veja. Seu corpo é lindo, não sabia?”minuciosa à área lisa, brilhante, sem barba, Nos sentamos, pedimos dois Sorriu. A deformação das da minha velha queimadura. sorvetes, e ela teve a coragem (gostei disso bochechas se tornou levemente escarlate.

Finalmente entramos. Sentamo- também) para pegar da bolsa seu espelho e “ Mo ro s o z i n h o , e m u m nos em filas diferentes, mas próximas. Ela arrumar o cabelo. Seu lindo cabelo. apartamento, e fica perto daqui.”não conseguia me olhar, mas eu, mesmo “Que está pensando?”, perguntei. Levantou a cabeça e me olhou com a escuridão, conseguia distinguir sua Ela guardou o espelho e sorriu. O questionando-me, averiguando sobre mim, nuca de cabelos loiros, sua orelha carnuda poço das bochechas mudou de forma. tentando desesperadamente chegar a um bem formada. Era a orelha do seu lado “Um lugar comum”, disse, “tal diagnóstico.normal. como esse”. “Vamos”, disse.

Durante uma hora e quarenta Falamos bastante. Uma hora e

Mario Benedetti

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ão só apaguei a luz como também fechei a cortina Tive que recorrer a todas minhas reservas de coragem, dupla. Ao meu lado ela respirava. E não era uma mas fiz. Minha mão subiu lentamente até seu rosto, encontrou a Nrespiração ofegante. Não quis que eu a ajudasse a cicatriz, e começou uma lenta, convincente e convencida

despir-se. carícia. Na verdade meus dedos (a princípio um pouco Eu não via nada, nada. Mas pude notar que agora ela trêmulos, em seguida progressivamente serenos) passaram

estava imóvel, à espera. Estiquei cuidadosamente uma mão, até muitas vezes sobre suas lágrimas. encontrar seu peito. Meu tato me transmitiu uma versão Então, quando eu menos esperava, sua mão também estimulante, poderosa. Assim, vi seu ventre, seu sexo. Suas mãos chegou à minha face, e passou e repassou a costura e a pele lisa, também me viram. essa ilha sem barba da minha marca sinistra.

Nesse instante entendi que devia sair (e tirá-la) Choramos até o amanhecer. Desgraçados, felizes. daquela mentira que eu mesmo tinha fabricado. Ou tentado Logo me levantei e abri a cortina dupla.fabricar. Foi como um relâmpago. Não éramos isso. Não éramos isso.

Mario Orlando Hardy Hamlet Brenno Benedetti Farrugia nasceu no ano de 1920, em 14 de setembro, na cidade uruguaia de Paso de Toros, e faleceu em 17 de maio de 2009, na capital, Montevidéu. Escritor e poeta, fez parte da Geração de 45 e teve mais de 80 livros publicados, muitos deles traduzidos para mais de 20 idiomas.

Camilla Nater, curitibana, é graduanda do primeiro ano de Letras e verdadeiramente apaixonada pela língua espanhola e suas muitas facetas

Nylcéa Pedra é professora no curso de Letras da UFPR. Gosta muito do que faz. E, entre uma aula e outra, brinca seriamente de traduzir.

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Entre e vista

CAETANO GALINDO

NÃO PERDE TEMPOCOM PUBLICAÇÕES DE UMA TRADUÇÃO E UMA COLETÂNEA DE CONTOS PREVISTAS PARA OS PRÓXIMOS MESES, O PROFESSOR AINDA PÕE A LEITURA EM DIA ENQUANTO PASSEIA COM O CACHORRO.

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Galindo é conhecido principalmente por dois feitos homéricos. A nível nacional, por ter traduzido o romance Ulysses, de James Joyce, e, no âmbito do curso de Letras, por ministrar a disciplina de Língua Portuguesa V semestres a fio. Os editores trataram de ambos os assuntos, como não poderia deixar de ser, mas procuraram descobrir também outras facetas do entrevistado: músico, aluno, pesquisador, vice-coordenador, leitor, contista e poeta – ou ex-poeta, segundo ele. Acabou que, no clima de Copa, a conversa se enveredou até por temas futebolísticos (adivinhem para qual time ele torce?).

O que vocês leem a seguir são os melhores momentos desta conversa, que, desculpem os puritanos da língua, conserva a maioria dos traços de oralidade. O propósito é que os leitores tenham uma experiência mais próxima à do encontro daquela tarde. Assim, aqueles que nunca tiveram a oportunidade de assistir a aulas ou palestras sobre Ulysses (e foram muitas só na Reitoria) nem de cursar Língua V talvez saiam com pelo menos uma vaga impressão desta figura notória sob tantos aspectos.

E para os ansiosos: a tradução de Infinite jest, de David Foster Wallace, deve sair em novembro pela editora Companhia das Letras. Galindo adiantou que edição será extensa e visualmente bem caprichada, por isso, é melhor ir poupando os níqueis até lá.

A VÉSPERA DO JOGO D E A B E RT U R A D A NCOPA DO MUNDO, OS

EDITORES DO BOCA DO INFERNO E N C O N T R A R A M O P R O F E S S O R CAETANO GALINDO NA SEDE DO CAL PARA CERCA DE UMA HORA DE CONVERSA. FOI UM BATE PAPO BASTANTE INFORMAL, REPLETO DE MOMENTOS CÔMICOS, COMO SE VERÁ A SEGUIR. PARA COMPLETAR O TIME, H O U V E A P A R T I C I P A Ç Ã O D A FOTÓGRAFA MARINA TORTELLI , CONVIDADA ESPECIALMENTE PARA REGISTRAR O EVENTO.

Suelen Trevizan: Nós percebemos que você lavar as mãos e me afastar do Joyce. Mas quem que eu fiz com o Faraco. Tanto eu quanto ele costuma caminhar lendo, inclusive vimos faz alguma coisa é ele. Eu tenho a sorte, nesse temos conversas metafísicas estranhas até hoje, você entrando agora há pouco na cantina sentido, de estar vinculado ao nome dele, de e gente falou “vamos fazer um negócio meio lendo um livro. Pode explicar para a gente estar vinculado a esse livro. filosófico e psicológico estranho sobre o futuro como funciona essa técnica de leitura? verbal”, daí entrou o Agostinho e depois que Caetano Galindo: Não sei, sempre me Suelen: Uma das coisas que eu achei curiosa entrou o Plotino na história. Mas era pareceu uma perda de tempo ir de um lugar no seu currículo Lattes foi você fez linguística românica na minha cabeça. Eu fiz o para outro sem estar fazendo nada. Eu resisto mestrado sobre Santo Agostinho e Plotino. projeto de doutoramento para estudar o em usar a palavra “obsessivo”, porque ficou Qual era o seu interesse de pesquisa naquele vocabulário romeno do século XVII na desagradável depois matéria da Folha, mas eu momento e como mudou para James Joyce? Alemanha. Fui aprovado pelo DAAD, ganhei a sempre fui obcecado com a coisa de perder Caetano: Eu entrei no curso de Letras, como bolsa, estava com tudo certo para embarcar, tempo. Eu odeio ficar à toa, eu nunca fico à toa. vocês provavelmente, sem saber o que se fazia quatro anos na Alemanha, indo e tranquilo. Na época em que eu vinha para a faculdade, eu no curso de Letras. Eu entrei com uma vaga Mas foi quando eu me separei da minha achava uma perda de tempo ficar andando de ideia de que escritores faziam Letras, entrei para primeira mulher e eu tinha uma filha pequena, um lado para o outro sem estar fazendo nada. ver o que ia acontecer, assim na louca. Voltando daí falei “pô, não vou passar quatro anos longe Eu gostava muito de ouvir música, mas ouvir mais atrás ainda, eu estava no conservatório e da minha filha que está crescendo”. Eu cancelei música para mim é muito perigoso, porque me eu saí por causa de uma lesão. Então, eu estava a bolsa, voltei para cá, perdi um ano nessa desconcentra de um jeito muito absurdo. Ler em casa de bobeira, e o meu irmão ia fazer história, porque as seleções de doutorado não, eu consigo. Desde que eu tinha treze ou vestibular, eu falei “vou fazer vestibular com o tinham passado, e o projeto que eu ia fazer lá quatorze anos comecei a fazer isso. Sei lá, meu irmão” e escolhi Letras. Sempre li muito, não tinha como fazer aqui, aliás, não tem até sessenta por cento das coisas que eu li nos sempre gostei de literatura basicamente. hoje. Se eu quiser fazer linguística histórica do últimos vinte anos de vida eu li andando. Ninguém gosta de linguística antes de entrar romeno, não tenho para onde ir. Aí eu demorei

em Letras, porque ninguém sabe o que é um tempo e pensei “pô, preciso inventar outra Suelen: E nunca houve nenhum acidente? linguística antes de entrar em Letras. coisa”. Daí foi o momento de surto hedonista Caetano: Não. Meu irmão, que faz a mesma em que eu falei “quer saber, já que eu não vou coisa, uma vez caiu na garagem de um prédio, Juliana Corrêa: Nem depois às vezes, fazer aquilo, vou fazer um negócio que me dê na rampa, mas eu não. É invicto para mim, quanto mais antes de entrar... tesão de fazer, só isso”. Daí eu queria ler Ulysses nem susto, muito tranquilo. Caetano: Pois é, eu fiz Linguística I já com o a fundo, queria estudar Ulysses. Sempre tive essa

Mercer, que para mim foi uma figura central na ligação com o Bakhtin, falei “pô, tenho a Vinícius Figueiredo: Em 2012, a revista minha vida, e tipo chapei. Falei “esse negócio impressão que dá para tirar um caldo” e Época elegeu você uma das 100 pessoas de linguística é muito legal”. Meu mundo virou inventei esse projeto. Perdi mais um ano nisso, mais influentes do Brasil. do avesso quando eu fiz Linguística I. Daí, uma porque não consegui convencer ninguém de Caetano: Eles erram nessas coisas, eles estão daquelas histórias bocós, já no segundo que esse projeto era possível e as pessoas se enganados. semestre eu tinha uma namorada que fazia negavam a me orientar. Todo mundo que eu

Letras e ela ia fazer uma optativa de noite. Eu pedia me dizia “você é louco, não vai conseguir Vinícius: Como você influencia as pessoas, falei “pô, vou arranjar uma optativa de noite fazer”. Aí acabei fazendo na linguística. De Caetano? para poder vir para cá também” [risos]. A única início tentei fazer na literatura, acabei fazendo Caetano: Eu não influencio ninguém, cara. Eu que me encantou um pouquinho era uma na linguística, porque o Fiorin me conhecia e mal tento influenciar vocês. Eu acho que o história do português com o padre Afonso falou “tá, vamos fazer”. E foi a decisão que Joyce influencia muita gente e eu acho que virei Robl, que vocês também não conheceram. Vim mudou minha vida, porque a partir daí eu não essa criatura ligada à fortuna dele, daqui fazer a optativa do padre Afonso e conheci a saí mais disso e me enterrei nessa história da provavelmente para o resto da minha carreira. linguística histórica. Pensei “porra, me achei”. tradução. Eu sou o cara que é o portador de Joyce para as No primeiro ano eu já sabia que queria fazer pessoas. Não me incomoda, gosto muito, linguística histórica e aprendi romeno por Vinícius: Um comentário pessoal, você inclusive continuo com esse projeto. A gente causa disso, estudei filologia por conta durante como professor, até andando lendo, tem vai fazer Dublinenses para o ano que vem, vai a graduação. Entrei no mestrado para fazer um ar muito erudito.fazer O Retrato do artista do quando jovem para linguística histórica de línguas românicas, foi o Caetano: É a calva [risos].2016, eu ainda tenho o plano de fazer o que fiz. Era futuro verbal romeno e português, Finnegans Wake, ou seja, eu não estou querendo

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Vinícius: Só que em uma das entrevistas terminei, eu falei para a Sandra “cara, me deu saímos da banda, e ela continuou com outro você disse que começou lendo Sherlock uma vontade de ser inteligente agora, preciso nome. Holmes e Agatha Christie, algo um pouco ler umas coisas complicadas”. Você se sente mais pop. Eu queria saber se isso ainda está dolorosamente burro de ter lido aquilo [risos]. Suelen: Como era o nome da banda?na sua vida. Caetano: Chamava Bichos Buenos. Agora Mas eu não tenho nada contra, eu vario bem. Caetano: Eu estou vendo The game of thrones chama Garellis, mas não sei se eles estão Na verdade, hoje muito menos, porque tem agora, isso é pop, né? tocando mais. Eles ficam praticando bullying pouco tempo, pouca disponibilidade. E entre

para eu voltar, mas eu não tenho mais nem ler o Knausgård, que tá na minha lista, que Suelen: E o que você está achando da quarta guitarra hoje, vendi a minha no ano passado.todos os meus amigos falam que eu tenho que temporada? ler, e ler dois ou três romances policiais que Caetano: Eu ainda estou na segunda. Acho Juliana: Então a ideia inicial era ser músico podem ser uma merda, eu vou ler um negócio muito difícil encarar aquele negócio de e daí você decidiu fazer Letras?que é garantido. Mas a verdade é que estou dragãozinho, feitiços e tal, mas ao mesmo Caetano: A ideia inicial desde, sei lá, os ficando mais velho e estou ficando menos pop.tempo é megaviciante, você quer saber o que quatorze anos de idade, era ser músico. E eu vai acontecer com aquelas pessoas. É um teria sido músico. Não fosse uma lesão, eu teria Vinícius: E música?novelão. A gente está vendo, não sabe se vai ficado no conservatório feliz e contente, sem Caetano: Pior ainda. Hoje faz uns cinco ou seis encarar até o final, não, mas a gente está por duvidar de nada. E como a Sandra me fez ver, anos que eu estou me tornando quase enquanto indo bem. Eu não tenho grandes ela que insistia em dizer isto e ela que me patologicamente incapaz de ouvir música pop. escrúpulos, não, cara, com essa coisa do pop ou convenceu disto, eu continuo sendo músico. E E eu sempre ouvi muita música pop, eu tive do não pop. Essa resposta é meio complicada. ela tem razão, porque música é daquele grupo banda.No ano passado, eu tive uma recaída em de atividades que entorta a cabeça da pessoa. romance policial e passei um pedaço lendo Você pensa como músico – eu falo daquele Vinícius: Contam as más línguas que existe romance policial. Montei uma wishlist na músico que estudou e tal, não do cara que toca uma banda de Letras.Amazon só de romances policiais, achei uma Caetano: Foi uma vez só. Quer dizer, não sei se violão em casa –, porque é um reino de porrada de coisas, li um monte de coisa, porque continuou depois, mas foi para um estruturas abstratas que te enviesa o jeito de me deu vontade de ler romance policial de encerramento de uma Semana de Letras. Eu, o pensar. Uma das minhas melhores alunas de novo. Em geral eu leio muito rápido, e romance Max na bateria, o Gustavão, que hoje é linguística até hoje que passaram por aqui, eu policial eu leio doentiamente rápido, então para mim é uma coisa tranquila de se fazer passeando com o cachorro na rua.

Juliana: Você teria vergonha de ser visto lendo algo assim?Caetano: Nunca.

também tem um quadro muito grande de professor da UTFPR, acho, e mais um menino que carreguei para as coisas que eu faço. pessoas que só leem Harry Potter, daí eu acho que hoje está fazendo doutorado.até compreensível. Eu não tenho muito Suelen: E que tipo de aluno você era na problema com isso, não. Agora, a bem da graduação? Você se envolvia com política Suelen: E qual era o estilo dessa banda?verdade, não sei se é a idade, começa a rolar estudantil?Caetano: Era mais blues.uma sensação de novo de perda de tempo. Hoje Caetano: Não. No nosso tempo o centro eu não consigo mais ler Agatha Christie nem acadêmico estava praticamente morto. Tinha Suelen: Então ainda era um pouco cult, não Sherlock Holmes, que eu já li e tal, porque eu havido uma geração que tem fama até hoje, tão pop.penso “pô, poderia estar lendo coisa melhor”. Caetano: Não, mas o que a gente fazia, o que a uma geração meio gloriosa do tempo em que o Rola uma sensação de culpa um pouco, que é minha banda – isso vocês vão por, né [risos] – Marcelo Sandmann e o Paulo Soethe estavam profissional. Ler ficção por diversão já rola uma propriamente fazia era mais tosco. Era uma no centro acadêmico.Eles são anteriores a mim. sensação de culpa, eu deveria estar lendo crítica coisa meio punk, meio pub rock inglês. E a Na minha época, eu estava morto, confesso que literária e tal. gente fazia umas versões em português de coisas não tinha nenhum interesse. O CAL estava

bizarras, tipo Toy Dolls. A gente tinha uma tentando se reerguer. Quando eu cheguei, Juliana: Acho que acontece o contrário. A fixação por Toy Dolls e fazia versões em tinha centro acadêmico, teve uma recepção e gente perde um pouco a vontade de ler português, eu e o meu irmão, a gente que tal, mas não tinha grandes atividades, não tinha literatura no curso, porque tudo tem que ser escrevia as letras e se divertia horrores. A gente uma sede, nada. Não me envolvia muito com uma coisa profunda. tocava junto desde os vinte anos, mas no final isso nada, não. Frequentava as aulas, mas Caetano: Mas para mim é uma coisa de quase

era uma banda de tiozinhos. Uma vez por também não era nenhum modelo de presença.manifesto pessoal. Eu sempre fiz questão de semana a gente ia lá para suar e gastar dinheiro nunca parar de ler ficção e nunca parei, desde em estúdio. A gente nem tocava mais ao vivo Suelen: Na grade que você pegou como que entrei como aluno de graduação. E não é só estudante tinha Língua Portuguesa V?quase, mas chegou uma hora que não deu mais. uma obrigação do tipo “Deus não gosta, a Caetano: Não com esse nome. Tinha Língua Os horários não batem mais, todo mundo tem academia não gosta”, de repente eu não tenho Portuguesa IV, que a princípio era linguística filho, todo mundo tem emprego, todo mundo mais essa vontade. Eu li um romance bocó histórica do português, mas a gente fazia com o tem rotina diferente, não rola. Eu e meu irmão americano mês passado e, assim que eu

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ARA MIM É UMA COISA DE QUASE MANIFESTO PESSOAL. EU SEMPRE FIZ QUESTÃO DE NUNCA PPARAR DE LER FICÇÃO E NUNCA PAREI, DESDE

QUE ENTREI COMO ALUNO DE GRADUAÇÃO.Vinicius: É que tem uma valoração. Se passa um aluno de Letras lendo Harry Potter, você consegue ver os olhares negativos de outros alunos.Caetano: Até imagino que tenha, cara. Mas o problema é

estava dando Língua V para ela, e você sabe aquele aluno que você fala e de repente você vê que tem uma pessoa que está entendendo as coisas, que está percebendo os problemas profundos, a pessoa que abre o olho na hora certa? Eu fui descobrir que a menina veio de conservatório. Os músicos têm uma cabeça diferente. Ruim para muita coisa, os músicos tendem a ser muito toscos em termos de cu l tura gera l , eu v iv i em conservatório e a gente sabe disso bem, mas eles têm uma cabeça privilegiada para certas coisas. E

professor Sandmann, o pai do Marcelo e da que ler o livro do Cristóvão, porque tem um chamaram para ser júri no primeiro ano. Eu Ludmila, e ele era muito mais ligado à professor de filologia de 70 anos e tal”. O não podia me inscrever. Quando eu fui parte do morfologia. Acabava virando uma morfologia assunto, sim. Fui eu que emprestei o livro para júri de conto, vi que o nível da produção dos histórica, uma disciplina bem diferente da que o Cristóvão tirar os exemplos, fui eu e Faraco inscritos era bacana, mas que não era nada de a gente faz hoje. que lemos para dar uma copydeskada no outro mundo. Na verdade, a gente premiou um

negócio e tal. Do assunto, sim, tem uma livro do José Roberto Torero, profissional, um Suelen: Você imaginava que ia ser, de certa familiaridade. Teve momentos em que eu ousei livro bom e tal, mas eu falei “olha, daria para forma, o herdeiro do professor Sandmann? dar uns pitacos quando eu li o livro, dizendo ficar aqui entre os cinco ou seis se eu fizesse Caetano: Eu imaginava que ia ser o herdeiro “cara, nesse momento, alguém com essa cabeça naquele ano”. No ano seguinte, eu inscrevi o do padre Afonso. Eu fiz disciplina com ele logo não deixaria de pensar x” ou tipo “a etimologia livro de poesia e catei uns contos que eu nem cedo. Em 1993 fiz aquela optativa e em 1994 desta palavra é muito legal”. tinha me dado conta de que tinha escrito ao fiz filologia românica. Eu adiantei só para fazer longo dos anos, um aqui, outro ali. Juntei com ele, que estava se aposentando. Ele se Vinícius: Puxando o gancho do Cristóvão aquilo, dei uma engordada para chegar no aposentou logo depois, no meio da minha Tezza, como é o Caetano escritor? número mínimo de páginas e mandei. Eu graduação. Eu sabia que havia um claro, e esse Caetano: O Caetano escritor não existe. achava que tinha chance na poesia e que conto claro não foi preenchido. O Faraco ficou dando era um tiro no escuro. Acabou que eu ganhei no linguística românica durante esse tempo, e ele Juliana: Mas não escreveu um livro de de contos e o de poesia não foi nem

contos?estava para se aposentar também. Nunca mencionado. Então, naquele momento, falei Caetano: Não. Eu escrevi um livro, nem bem imaginei que eu ia ser professor da Federal. Eu “chega com a história da poesia, de fato isso não escrevi um livro.imaginava que eu ia fazer o que o padre Afonso interessa para ninguém”. Se me der vontade

fazia, isso eu gosto de fazer em qualquer lugar. daqui a cinco anos de escrever uma poesia, eu Vinícius: E poesia? Eu tenho um pedido escrevo, se eu quiser até publicar no jornal, para fazer também, eu ia fazer no final, mas Suelen: Pregar? publico. Mas agora, de repente, as pessoas vou fazer já. A gente gostaria de fazer um Caetano: Não, o padre Afonso não pregava. acham que eu sou escritor de contos, mas não é convite para você publicar na próxima esse o caso, cara. Eu escrevi aqueles vinte contos edição do Boca um poema seu.Vinícius: Influenciar pessoas? [Risos] ali. Agora eu precisei aumentar um pouco, Caetano: Não, não, eu matei essa parte.Caetano: Dar aula desse negócio, isso eu porque a Companhia pediu para eu aumentar

achava legal. Mas a Federal nunca tinha para publicar, acho que vai ter uns trinta contos Suelen: Como assim? Você queimou ou passado pela minha cabeça. É muito diferente, no livro final, mas de fato não sei se tenhouma coisa assim?cara. Hoje vocês entram aqui e, alguns de vocês Caetano: Arre, vou ser primitivo assim de pelo menos, já têm a noção do que é uma queimar um computador? [Risos] Vamos por carreira de professor de Ensino Superior, o que partes, então. Desde a graduação eu escrevia o mestrado e o doutorado representam. O poemas, nunca diria que eu era ou sou poeta, nosso tempo era muito amadorístico, sério. escrevia poemas ocasionalmente, muito Entrei no mestrado basicamente porque eu ocasionalmente. Nunca escrevi como hábito, tinha feito uma IC na linguística histórica com como rotina, como nada. Nos últimos vinte a professora Odete. Chegou um momento anos eu devo ter escrito, sei lá, cinquenta meio patético em que eu sentei com ela e falei poemas, alguns bem ruins, na verdade. Nunca “me explique o mundo, porque eu estou escrevi como hábito. É uma coisa que de vez em fazendo a IC com você na linguística histórica, quando me dava uma vontade, pensava “acho acho mó legal, mas eu gosto muito de que isso aqui vai ficar legal” e a coisa não saía literatura, vou bem na literatura, tenho um muito da minha cabeça. Teve, por exemplo, um desempenho legal e tal, o que você acha que eu poema que saiu na Folha de S. Paulo faz uns três devo fazer no mestrado?”. Olha que ridículo, anos. Na minha cabeça o poema se chama né, cheguei para a orientadora e ela me deu a “Lepanto”, mas saiu como “Já que além das resposta que, de novo, salvou a minha vida. Eu flores brancas”. Aquele poema foi assim: teve lá ia fazer Saramago se fosse o meu mestrado. Ela um motivo para eu escrever, e a coisa ficou uma falou “você vai fazer o mestrado em Saramago, semana rodando na minha cabeça, daí eu falei vai ser você e mais duzentos. Você vai fazer um “vou ter que pôr essa merda no papel, senão não mestrado em linguística histórica do romeno vai me deixar em paz”, daí fiz. Mas de lá para cá vai ser só você. Na hora que tiver um concurso, não escrevi mais nada, faz uns três ou quatro você vai ter um diferencial na mão”. Nunca anos. Fazia eventualmente e mostrava para tinha pensado em concurso, falei “pô, deve ser algumas pessoas, mas as reações sempre foram bom isso aí que ela falou”, me inscrevi para muito “argh”. Quando eu comecei a ter uma fazer o mestrado na histórica. Um ano depois o intimidade com o pessoal da Companhia das Faraco se aposentou. Na verdade, eu entrei na Letras, eu mostrei para eles o original, vaga do mestre. perguntei “vocês têm interesse?”. E a resposta deles basicamente foi “ninguém teria interesse Suelen: O último livro do Cristóvão Tezza, nisso, isso é muito hermético, incompreensível que traz inclusive agradecimentos às suas e desagradável, ninguém quer”. leituras, tem como protagonista um

professor de filologia românica. Você se Juliana: Publicar poesia já é difícil...identifica em alguma coisa com aquele Caetano: E ainda sem nenhum interesse... personagem?Falei “tá”. Quando apareceu o Prêmio Paraná, Caetano: Não, é outra geração, outro mundo. falei “vou me dar uma última chance, vou Acho que tem mais a ver com a geração do inscrever o meu livro de poesia, se não ganhar Fiorin e do Faraco, o pessoal que viveu aquilo. nada eu enterro a carreira”. Só que daí me O próprio Fiorin me escreveu dizendo “tenho

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ÚSICA É DAQUELE GRUPO DE ATIVIDADES QUE MENTORTA A CABEÇA DA

PESSOA. VOCÊ PENSA COMO MÚSICO [...], PORQUE É UM REINO DE ESTRUTURAS ABSTRATAS QUE TE ENVIESA O JEITO DE PENSAR.

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muito mais para fazer além daquilo. Acho que Eu gosto de enigma, eu gosto de forma, gosto resenha ruim. Tenho contato com ele até hoje, aquilo não é ruim, acho que é legal, eu gosto. de estrutura. É até uma conversa comum lá em acho que faz dez anos essa história. Mas foi Eu acho legal que eu consegui gostar daquelas casa: a Sandra e eu vamos ver um filme, ela minha primeira resenha, dizia “o tradutor pesa coisas e outras pessoas teriam algum interesse percebe todas as ressonâncias históricas do na mão”, o tipo de crítica que eu recebo às vezes por elas. O problema da poesia é que eu gosto tema, e eu percebo “pô, você viu que o primeiro até hoje.muito das coisas que eu escrevo, mas só eu e o terceiro ato tinham a mesma duração e que [risos]. tinha a mesma cena que recorria três vezes a Suelen: A questão de adaptar, é isso?

Caetano: Não sei, uma questão que eu chamo, cada meia hora do filme?”. Eu vejo estruturas.quando estou de bom humor comigo mesmo, uma espécie de responsabilidade, de chamar a Juliana: Nossa, você é muito Mário de

Andrade para mim. Eu estou na pira de responsabilidade. Muito frequentemente os Mário de Andrade, estou estudando as tradutores podem pecar por excesso de estruturas dele. humildade, por excesso de servilismo, com essa Caetano: Ah, é? Já não basta me dizerem que conversa de “não, eu sou apenas o porta-voz do eu pareço o Mário de Andrade? [Risos] autor”. Você não consegue um bom resultado

assim. Para conseguir um bom resultado, você Suelen: E você gosta dessa comparação? tem que chamar a responsabilidade, matar no Caetano: A coisa física? Eu já deixei de me peito e dizer “eu vou fazer essa merda e vou incomodar. escrever bem, porque sei escrever romance

direito”. O leitor não está se importando se Juliana: Mas por que se incomodar? você é servil ou não, o leitor quer saber se você Caetano: Não, nunca teria me incomodado, escreve bem português, é isso que o leitor vai eu achava engraçado só. Mas, à medida que eu ver. Um bom texto, bonito, fluente ou feio, do fui ficando velho e que eu fui ficando careca, jeito que o autor tiver decidido que aquilo vai isso foi ficando mais frequente. Teve um Vinícius: Por que não publicar isso no ser. Para mim é superparadoxal. Normalmente momento na Abralic de São Paulo que era Boca? o grande elogio para mim é quando a pessoa constrangedor. A gente andava pelos Caetano: Não, vai estragar o jornal. Aquilo é elogia o autor: “a bela prosa de fulano, num corredores e vinham desconhecidos apertar muito estranho, realmente não tem nenhum estilo refinado”. Não é a prosa de fulano que minha mão e diziam “alguém já te disse?”. E eu interesse. você está lendo, é a minha prosa e que bom que “já, alguém já me disse, não precisa nem você acha legal.perguntar o que você quer me dizer”. Mas o Suelen: Estranho como? Tente descrever momento mais legal foi no Prêmio Paraná, no para a gente essa estranheza. Juliana: É diferente da revisão, né, em que o

Caetano: Não sei te dizer, cara. Eu acho que primeiro, em que o vencedor de romance foi o revisor evita aparecer.tem duas graças de escrever poesia para mim. Alexandre Vidal Porto. Deem uma googleda na Caetano: O tradutor, na minha opinião, é Uma é a coisa estritamente formal e sonora, e cara dele. Ele é diplomata e estava em Tóquio e paradoxal. Quanto mais ele tentar se apagar, isso já me abre uma porta muito grande para veio para cá só para receber o prêmio, achei mais ele vai aparecer, porque ele vai fazer “estou cagando para o sentido do poema, eu uma puta honra, uma puta demonstração de merda, ele vai deixar o original transparecer. O quero que ele soe do jeito que eu quero que ele respeito dele. Ele estava lá, vieram me tradutor que se apaga vai deixar o texto com soe”. Em geral, não escrevia com metro fixo apresentar, a gente apertou a mão, parou e ficou cara de traduzido, vai deixar o texto com cara nem com rima fixa nem nada, mas as se olhando. Aí eu olhei para ele e falei “você está da língua original, vai deixar o texto com aquela preocupações eram estritamente de como eu pensando qual de nós dois é mais parecido com cara de um texto literário de segunda ordem. O queria que aquilo soasse, que barulho aquilo o Mário de Andrade, né?”. Ele falou t e x t o l i t e r á r i o q u e é t r a d u z i d o teria – cabeça de músico. E a outra coisa de que “exatamente” [risos]. É superpatético, fiquei transparentemente fica com cara de “estou eu gostava muito era usar poesia para falar de pensando “é ele que parece mais com o Mário lendo a second best thing, não estou lendo o alguma coisa de um jeito absolutamente de Andrade”. original”. O tradutor que se afirma, que tem incompreensível. Para mim era um grande uma certa pretensão, uma certa confiança no prazer, por exemplo, vou falar de dor de barriga seu taco, diz “não, eu sei escrever o negócio, vou (nunca fiz isso), mas de um jeito que as pessoas fazer”. Óbvio que ele continua com a não consigam perceber que é de dor de barriga consciência de que está escrevendo o livro de que se trata, conseguir tirar alguma coisa dali outra pessoa, mas veja a terminologia que seja a abstração de uma descrição. Tipo esse “escrevendo o livro de outra pessoa”, ele tem poema da Folha, esse “Lepanto”, tem a palavra que obedecer a níveis de registro, tipos de “Lepanto” que ajuda, mas é sobre um quadro escolhas, estilo de cada um. Mas o cara que que eu vi no museu e achei bacana. Mas não chama a responsabilidade, “não, vou fazer isso vou dizer “vi um quadro e tal”. Escrevo coisas porque eu sei fazer, vou fazer direito e eu tenho abstratas, cores e formas. Isso eu acho muito Suelen: E falando em se incomodar, você já que encarar isso com a minha capacidade

recebeu alguma crítica ruim sobre o seu legal e é infantil, né, totalmente infantil: “que textual”, esse cara vai aparecer mais. Fulano vai trabalho?legal, fiz uma coisa que ninguém entende”. ler e vai dizer “não, fulano fez isso e fez aquilo”. Caetano: Ô, de monte! [Pausa] Não, de É que nem juiz de futebol. O juiz de futebol, monte, não [risos]. Na verdade, a primeira Suelen: Indo para um lado um pouco para desaparecer, tem que estar muito resenha que publicaram de uma tradução psicanalítico, parece que tem relação com o convicto, muito seguro, muito cheio de si.

seu passatempo de fazer palavras cruzadas, minha, foi da minha primeira tradução, falava tem a coisa do enigma e de decifrar, só que mal dela. Foi no Rascunho, aqui. E, Suelen: Como é a sua relação com o ao contrário, você não está decifrando, está curiosamente, na hora em que saiu a resenha, Cristóvão Tezza? Vocês estão sempre lendo cifrando. eu fiquei muito agradecido e pensei “pô, o cara o trabalho um do outro? Fazem críticas Caetano: Total. É uma coisa que até brigo um leu a tradução atentamente, apontou ferozes ao outro ou rola um coleguismo?pouco às vezes comigo mesmo, porque a minha problemas aqui”. Eu pedi o contato de Caetano: Não, cara. Críticas ferozes nem tem relação com literatura é muito pautada por isso. resenhista e escrevi para ele para agradecer a motivo para fazer. A gente teve uma grande

‘‘

‘‘ NOSSO TEMPO ERA MUITO AMADORÍSTICO, SÉRIO. OVOCÊ CHEGAVA NO FINAL

DO CURSO, E DE REPENTE UM OU DOIS PROFESSORES DIZIAM 'PUXA, VOCÊ PODERIA FAZER O MESTRADO'. EU NUNCA TINHA PENSADO NESSA POSSIBILIDADE, NO QUE QUER DIZER FAZER UM MESTRADO.

‘‘

‘‘

AZIA [POESIA] EVENTUALMENTE E FMOSTRAVA PARA ALGUMAS

PESSOAS, MAS AS REAÇÕES SEMPRE FORAM MUITO 'ARGH'.

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‘‘

‘‘UITO FREQUENTEMENTE OS TRADUTORES PODEM MPECAR POR EXCESSO DE

HUMILDADE, POR EXCESSO DE SERVILISMO, COM ESSA CONVERSA DE 'NÃO, EU SOU APENAS O PORTA-VOZ DO AUTOR'. VOCÊ NÃO CONSEGUE UM BOM RESULTADO ASSIM.

‘‘

‘‘ TRADUTOR, NA MINHA OPINIÃO, É PARADOXAL. OQUANTO MAIS ELE TENTAR

SE APAGAR, MAIS ELE VAI APARECER, PORQUE ELE VAI FAZER MERDA, ELE VAI DEIXAR O ORIGINAL TRANSPARECER.

internacional de Bakhtin em 2004. Assim, a gente bateu num ponto teórico lá e trocou umas farpas no melhor estilo “bons amigos”. Eu já morava lá no prédio do lado dele, mas foi a única vez que nós discordamos sobre alguma coisa. O Cristóvão é das pessoas mais generosas da face da Terra, é um negócio assustador. Ele é uma das criaturas mais felizes e contentes e abertas do mundo, é incrível. A reação das pessoas ao ver o Cristóvão é muito legal. A casa dele está sempre cheia de gente, todo mundo que passa em Curitiba vai lá fazer um tour literário, todo mundo vai como via-crúcis na casa do Cristóvão, e é um prazer para todo mundo. Ele chama fulano e ele chama alguém para ficar junto com fulano. Tipo, Coetzee foi almoçar na casa dele e ele chamou a gente, porque ele precisava de mais gente que falasse inglês para manter a conversa andando. Ele está sempre cheio de gente em volta dele, sempre feliz e contente e, o que eu disse, é uma figura muito generosa. Foi ele que me botou para traduzir comercialmente, porque ele disse “você precisa traduzir para as editoras e tal”.

Suelen: E o Paulo Henriques Britto? Você primeiro entrou na Companhia e depois conheceu ele, ou foi o contrário?Caetano: Foi mais ou menos. Eu conhecia ele universitariamente, ele tinha vindo aqui para um evento, convidado pelo Maurício, e fui eu que fiz o meio de campo, fui pegar ele no aeroporto e tal. Tinha conhecido ele pessoalmente ali. Eu entrei na Companhia sem passar por ele. Depois fui descobrir que não foi tão sem passar por ele, porque foi uma história bem mais tortuosa. Eu tinha feito um livro para a Rocco que a editora nunca publicou. Aí vim a saber depois que a Companhia comprou os direitos daquele livro. Eu pedi o contato para um amigo da imprensa daqui para escrever para a Companhia para dizer “olha, eu posso refazer a tradução para vocês”, porque eu queria que o livro fosse publicado, aliás, não foi até hoje.

Suelen: Que livro era?Caetano: Os contos completos do Saul Bellow. Setecentas laudas que a Rocco me pagou e nunca publicou. Aí eu mandei o texto e eles falaram “não, não queremos publicar os contos”, mas o André Conti, que é o editor com quem eu mais trabalho até hoje, falou “se você quiser, dá uma revisada num dos contos e me manda que eu considero um teste para você trabalhar para a gente”. Falei “tá bom”. Mandei e, a partir daí, comecei a trabalhar para eles. Eu achava que eu tinha entrado na Companhia só por causa disso, muito depois eu soube que eles deram uma sondada com o Britto. Eles perguntaram ‘‘quem é esse cara que

Mário de Andrade Caetano Galindo em entrevista exclusiva para o maior e melhor jornal Boca do Inferno.

diz que traduziu o Joyce e tal?”, devem ter procurado no Google, alguma coisa assim. E o Britto já tinha notícia da minha tradução, já tinha me conhecido aqui, falou “dá uma chance para ele”. Porque eu achei muito estranha essa história, muito fácil. E foi tudo muito fácil um pouco porque o Britto intercedeu. É outra dessas histórias. Eu sou uma criatura de muita sorte. Minha trajetória acadêmica ou profissional sempre foi muito cheia de encontros com gente muito generosa. Os meus dois orientadores foram pessoas centrais para qualquer coisa que eu tenha feito na vida, a figura do Cristóvão, sem nem falar a Sandra, que não vale. O Britto foi outra dessas figuras, ele é tipo um santo para mim, total santo padroeiro mesmo. E o trabalho que a gente fez com o Ulysses lá na casa dele, o tempo que ele dedicou àquilo para mim é um negócio sem qualquer possibilidade de paga, preço ou que quer que seja.

Suelen: Bom, a gente já falou do escritor, do poeta, do músico, do tradutor, do pesquisador...Caetano: Ex-poeta, ex-músico...

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Assionara Souza é escritora e finge que sabe desenhar.

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Suelen: ... mas falta falar do vice- não podia deixar aquilo às moscas. Só tinha a vi na seleção, nunca vi os caras jogarem, não sei coordenador. Como que você foi se meter gente, vai a gente. O João foi lá para o sacrifício, de nada. Mas Copa do Mundo é Copa do nessa enrascada? está dando conta do recado perfeitissimamente, Mundo e eu sou totalmente bocó e infantil. Caetano: Como que eu caí nessa, né? Uai! e eu estou fazendo o possível para não atrapalhar Assim, tem gente que diz “vamos torcer contra o Acontece o seguinte, cara, é o lado excelente e o demais e para colaborar no que eu posso ali, mas Brasil”. Que se foda, a partir de amanhã eu sou lado horrível de uma universidade pública, de a coordenação de Letras é um negócio bocó neymarete. Se me derem uma camiseta uma federal: o fato de que a gente não tem uma inconcebivelmente confuso. verde e amarela, eu ponho. Eu sou simplório casta de administradores, o fato de que a gente neste sentido, nunca tive problema. E veja, eu tem que tocar o barco. É o lado ruim, porque Juliana: Caetano, o que você acha do curso de cresci durante a ditadura militar, meu pai é obviamente, como eu costumo dizer às pessoas, Letras que a gente tem aqui no geral? Se a sua hiperpolitizado, meu pai é um cara ranzinzão um concurso para professor de Letras filha chegasse e dissesse “quero fazer Letras”, desse tipo até hoje: “ah, a seleção é manipulada, a

você deixaria?automaticamente seleciona os piores mídia usa a seleção para manipular este país”, Caetano: Essa é outra história. Porque a minha administradores do mundo [risos]. São pessoas torce contra nos jogos e não sei o que mais. Para filha eu gostaria que fizesse Letras, mas ela não que leem romances, são pessoas que fazem a mim é simples e bocó. Sou da geração quer. Eu até entendo. Ela fica meio de saco árvore sintática. E a gente tem que tocar o traumatizada do Telê Santana, achava que cheio, porque já teve aula com vários ex-alunos negócio, tem que tocar o departamento, a nunca ia ganhar uma Copa do Mundo. A partir meus e tal. As pessoas ficam esperando que, coordenação, tem que fazer comissão disso, de amanhã sou bocó, estou feliz e contente, e porque ela é minha filha, ela tem os meus comissão daquilo. Lógico que a gente não viva Neymar para todo o sempre!interesses, e não é o caso. Ela é outra pessoa, faz nasceu para isso, lógico que não tem quase outras coisas, e eu até acho saudável que ela ninguém com vontade de fazer isso, mas para Juliana: Uma pergunta que sugeriram no queira sair da sombra.mim é uma questão meio de serviço militar, Facebook, o que você está lendo hoje?

acho que a gente tem que cumprir. Tenho Caetano: Hoje, neste momento? Submundo, do Vinícius: Então não vai ter uma dinastia certeza de que, se todos os professores se dessem Don DeLillo.Galindo?ao trabalho de cumprir essa parcela, a nossa vida Caetano: Não vai ter uma dinastia Galindo, seria muito fácil. Nós somos 33 professores do Vinícius: Uma pergunta comum é “que livro não. A Beatriz faz vestibular este ano, né, mas ela o entrevistado recomenda?”, mas que livro Delin. Se todo mundo fosse chefe durante dois não quis fazer isso aqui, não. Jamais diria para você não recomenda?anos, nem ia dar para todo mundo ser chefe ela não fazer Letras. Primeiro porque eu acho Caetano: Que livro eu recomendo eu ia dizer durante dois anos, era um revezamento que, no geral, é uma escolha, e eu não pensava Ulysses. Que livro eu não recomendo? Ficção? tranquilo, cada um era uma vez e pronto, mas quando fiz, porque simplesmente não pensava Esse livro besta que eu li no mês passado é um não é todo mundo que aceita. Eu até no assunto, mas eu acho que é uma escolha que eu não recomendo, chama Absurdistão, de compreendo, tem certos perfis, por exemplo, eu profissional muito segura fazer Letras. Você não um cara chamado Gary Shteyngart, um russo não ia conseguir ser coordenador, ia ser demais vai ficar rico? Não vai. Mas você não vai ficar que mora nos Estados Unidos. Todos dizem para a minha cabeça. Mas eu fui vice-diretor do desempregado, não vai morrer de fome, não vai “grande sátira”, mas achei muito bocó, não Celin, eu fui suplente de departamento, chefe de para a indigência. Segundo, eu acho que em recomendo a ninguém.departamento. A coordenação foi assim, cara. O termos subjetivos que a gente tem um curso Márcio tinha que sair, o coitado, senão ele ia muito bom hoje. Eu acho que em algumas Vinícius: E The game of thrones, vai ler?mofar lá dentro. Ele fez tudo o que podia para habilitações talvez haja certos problemas a se Caetano: Nem a pau! Tenho coisa melhor para gerar a melhor situação de transição possível, a resolverem, mas acho que, na média possível e fazer da vida. Oito mil páginas de história de coordenação está com funcionários, está com real, eu diria que temos um curso excelente, e as dragão? Não, obrigado.uma rotina de funcionamento estabelecida. avaliações gerais sempre dão conta disso.Completamente diferente do que ele e a Eva

Suelen: Cuidado, porque você é muito pegaram quando chegaram lá. Só que, mesmo influente e vai destruir a carreira desses Vinícius: Qual a sua opinião sobre a Copa do assim, ninguém queria encarar o trabalho. Ele escritores.mundo? Caetano é futebolístico?me convidou para ser coordenador, e eu falei Caetano: Vou acabar com o Martin, ele vai Caetano: Caetano não é nada futebolístico, não “Márcio, desculpa, eu não vou conseguir”. Para sofrer muito por minha causa [risos]. Não, não vê futebol. mim é demais aquilo, aliás, para qualquer ser pretendo ler. Até em alguns momentos confesso humano é demais aquilo. A coordenação de que pensei “hum, será que?”, porque eu tenho Suelen: Não torce para ninguém?Letras é um negócio astronômico. Ele falou “tá,

Caetano: Não, a prova de que eu não entendo neura de olhar o IMDB depois que vejo os tudo bem” e continuou indo atrás de gente, mas nada de futebol é que eu torço para o Coritiba episódios, e às vezes diz “no livro isso é diferente” não achava ninguém. Na véspera do final do [risos]. Mas isso é carga genética, meu pai e eu penso “nossa, valia a pena ler?”, mas eu prazo de inscrição, ele me liga em casa e fala “o educou a gente como coxa e a gente é coxa. Vai tenho que ler o Knausgård antes. Eu tenho que João aceitou a coordenação, mas não tem fazer o que? Não tem o que fazer. Mas não ler o Proust! Eu tenho 40 anos de idade e não li o ninguém para ser vice. Você aceita ser vice?”. Eu acompanho nada, não vejo nada. 90% dos Proust. Você acha que vou passar o Martin na falei “tá, dá para fazer”. Além de respeito pelo jogadores da seleção eu só sei quem são porque frente do Proust? Não vou!curso e tal, rolava um respeito pelo Márcio ali,

Marina Tortelli, gaúcha que mora em Curitiba há 6 anos. Cursa Fotografia na Universidade Tuiuti do Paraná e é completamente apaixonada pela profissão. Seu trabalho pode ser visto na página do Facebook, O Que Marina vê (fb.com/MarinaTortelliFotografia).

ão são poucos os livros que sofre com problemas de comportamento lugar no mundo. buscam inspiração em Alice no na escola e que gosta de chocolate e do A temática da passagem da Npaís das maravilhas e que mar. Porém, a experiência ao lado de infância para a vida adulta não é

narram sagas incríveis, repletas de Felix o levará a investigar seu próprio novidade para Grossman. O autor já aventura e fantasia. É o caso de Garoto passado e descobrir segredos sobre sua retratou o tema em outras duas obras, Zigue-Zague, escrito em 1994 pelo família que mudarão toda a sua vida. Duelo e Ver: amor, ambas publicadas no israelense David Grossman e lançado no Tudo indica que o leitor está Brasil. Em Garoto Zigue-Zague, Brasil neste ano pela Companhia das diante de um livro infanto-juvenil, Grossman coloca um menino de quase Letras. O livro mescla elementos porém esta seria uma primeira impressão treze anos diante de importantes extraordinários a situações bastante reais errônea. O narrador de Garoto Zigue- questões e decisões. Em sua aventura, para lembrar o leitor da aventura que é Zague é o próprio Nono, já adulto, que Nono entenderá que os limites entre o crescer e tornar-se adulto. relembra a aventura vivida dias antes de certo e o errado são muito mais frágeis e

Tal qual Alice, o garoto Nono é seu bar mitzvah. Contudo, o que muito mais complexos na vida adulta. E conduzido a um mundo bem diferente do interessa não é exatamente o que fica claro o quão confuso o menino se seu, no qual se depara com uma série de aconteceu com o menino, mas sim as sentia diante dessa nova perspectiva de pessoas e situações fantásticas. A poucos questões reveladas ao longo desses ver e compreender o mundo e o quanto a dias de seu bar mitzvah, Nono embarca acontecimentos. O leitor até pode experiência foi enriquecedora para sua em um trem de Jerusalém a Haifa com o encarar a obra como um livro de vida.objetivo receber conselhos de um tio não aventura, mas Grossman vai além. O que Vale destacar a estrutura muito querido. A viagem é uma exigência ele explora é a complexidade das relações narrativa de Garoto Zigue-Zague. Escrita do pai do garoto, Iacov, e de sua humanas. Conforme a história se de modo não-linear, aos poucos a obra companheira Gabi – que cuida do garoto desenrola, Nono é “empurrado” ao revela pistas e fatos importantes para a desde que a mãe dele, Zohara, morreu. A mundo adulto e começa a entender e compreensão da complexidade de cada princípio, o passeio parece um presente viver algumas dessas questões, como o personagem. Grossman esforça-se para de grego de Iacov, detetive e maior herói difícil relacionamento entre Iacov e Gabi atrair o leitor ao universo criado no livro de Nono. Porém, Nono nunca chegará a ( e l e n u n c a q u i s a s s u m i r o (o que ele faz com maestria no romance A seu destino previsto. Ainda no trem, ele relacionamento com a companheira, que mulher foge – um livro que vale muito, conhecerá Felix Glick, um sujeito que, ameaçava, assim, abandoná-lo), as muito a pena). O leitor mais atento ou assim como o Coelho Branco de Alice, escolhas de Felix que o levaram a viver com “faro de detetive” consegue desatar atrairá o garoto para viver uma grande como um fugitivo da polícia e longe de os nós e compreender a lógica da trama. aventura. sua amante, a atriz Lola Ciperola. Mas nada que compromete o livro, pois

Garoto Zigue-Zague é um O livro atinge seu ponto alto chega-se a um ponto em que o mais romance de formação. Os dois dias de quando Nono descobre a história de interessante não é saber o que vai aventuras narradas no livro não apenas Zohara – até então, ela era para ele apenas acontecer, mas sim como. marcam a passagem de Nono da infância a mulher que o trouxera ao mundo e O resultado é um livro para a vida adulta, como moldam sua morrera em seguida. Grossman traz à cativante. É difícil não se identificar, em personalidade. O que faz o menino cena a figura de alguém muito à frente de alguma medida, com Nono, pois aceitar o convite suspeito de Felix e seu tempo, que jamais se encaixaria na Grossman evoca em cada leitor o garoto desviar sua trajetória é muito menos a recém-nascida Israel e que jamais zigue-zague – aquele que não se promessa de chegar ao seu verdadeiro assumiria o lugar designado às mulheres enquadra em categoria alguma, que presente de bar mitzvah e muito mais a de sua época: esposa e mãe de família. Ou deseja ser livre e que aprende que crescer possibilidade de encontrar a resposta seja, Zohara representa todo um grupo pode ser dolorido, mas é, de fato, para a pergunta que lhe é lançada: “quem de pessoas “desajustadas”, com o qual o libertador.sou eu?”. Até então, Nono acreditava ser próprio Nono se identifica, e ela faz o que um garoto com nada de especial, que todo desajustado tentar fazer: buscar seu

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Resenha

Em Garoto Zigue-Zague, David Grossman conta a história de um menino comum para marcar o rito da passagem para a vida adulta.

UMA AVENTURA UNIVERSAL

Carla Cursino

Carla Cursino é jornalista e estuda Letras-Francês na UFPR.

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ntem foi minha primeira vez, e uma coisa que demore muito, porém, Não vemos a hora de encontrar algum não só isso, foi também a quando acaba, o que se sente é conhec ido ou conhec ida pa r a Oprimeira vez da pessoa que indescritível. desabafarmos e falar sobre o ocorrido.

estava comigo. Minha amiga. Dá uma moleza nas pernas, o E como tudo na vida tem Não sei como explicar a corpo todo relaxa e fica trêmulo, não sempre uma primeira vez, eu também tive

sensação. É uma mistura de medo, conseguimos pensar em nada, a não ser a minha, mas sobre ela posso dizer que apreensão e euforia, um temor interno, sobre o fato ocorrido, ainda mais quando não gostei nem um pouco e aposto que a um calor que incendeia as entranhas. O é a nossa primeira vez e vemos que tudo minha amiga também não deve ter coração acelera num ritmo alucinado e correu bem. gostado.retumbante e também surge um ar de Então cada um descreve Espero não ter que passar por mistério sobre o que vai acontecer e como alguma coisa que sentiu enquanto tudo aquilo outra vez.vai ser. acontecia. Em que momento teve mais Bom, foi assim que na noite

É meio estranho quando chega medo, maior apreensão e o que sentiu passada me tornei um homem. Um a nossa hora, porque nós nunca estamos quando soube que aquilo realmente homem que sofreu um assalto numa realmente preparados, e acabamos nos estava acontecendo. esquina qualquer do centro da cidade. preocupando muito mais com a pessoa No final, agradecemos por Perdi alguns pilas, e deixei de lado a ideia que está conosco do que com nós estarmos bem e por os dois terem passado de que estas coisas acontecem apenas com mesmos. e saído dessa numa boa. outras pessoas, e nunca com a gente.

Além do mais, não sabemos o Quando voltamos ao que Acho que minha amiga ficou que fazer ao certo. Por isso, tentamos estávamos fazendo antes de termos nossa sem seu celular.acalmá-la, confortá-la, para que no final primeira vez, fitamos as pessoas que Mas ambos saímos ilesos, sem tudo acabe bem para os dois. passam para ver se não são suspeitas ou se nenhum arranhão, exceto, é claro, os

E assim vai acontecendo. Não é suspeitam do que ocorreu com a gente. arranhões psicológicos.

Textículos

Minha primeira vezChardie Batista

Chardie Batista nasceu em Curitiba em 1985. Surfa, anda de skate, é formando em Letras pela UFPR, futuro professor. Não tinha nada publicado, essa é a primeira vez. Gosta de filmes, música e literatura.

Carolina Bender & Vinícius Figueiredo

sse ensaio, às custas de muita nicotina, tabaco e álcool dissolvido em milho, Enasce como uma grama por entre os

petits-pavés incertos de uma calçada secular do centro velho de Curitiba. O clique da foto dura mais que o sorver de um copo, o tragar de um marlboro vermelho. As flores da ira e as vinhas do mal vicejam sustentadas por vícios e amores, sinônimos quase que antagônicos. O tremido do embriagado, que se briga com poesia incauta e vertigem em forma de gole, absorve uma noite infinita de noites. Uma garrafa ou duas, dois filmes fotográficos ou três, a noite passa, a noite anda e a fotógrafa e o poeta, rodeados de amigos, gracejam por entre as pessoas que buscam calor na mítica Curitiba gélida de afeto. A lírica simula um tempo quase beatnick, uma aura de anos sessenta ou setenta que ainda reverbera pelos capotes e pelas meias-calças beges das meninas que bebem mais que homens. Um brinde!, além de uma puxada e prensada longa aos vícios, aqui expressos segundo os olhares torpes de Carolina Bender e Vinícius Figueiredo.

o círculo do copo embebe algo que baudelaire já dizia há muito antes de você sequer ter idade para pedir uma cachaça no bar do seu aluizio. ele embebe uma alma de grito, de veneno e de vício que você, criança, ainda nem sequer cogitou, ergo sum. a boca do inferno do copo começa na tua garganta, vê se aprende.

existe uma selva intricadamente urbana nessa foto, ô pedro. não consegue ver? – guria, só porque o céu é cinza e o concreto nu está pintado de branco e preto? – não, pedro, porra. olha pro mato virgem deflorado, olha pros fios e praquela merda de tênis jogado lá em cima. cadê o bucólico que a gente tanto queria, cadê?

Objetiva

Uma Curitiba noturna e alguns dos clássicos vícios do homem pretensamente comum vistos sob o olhar de uma câmera

ENTRE A MÃO E O COPO

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o contato íntimo entre o lábio sujo de batom lilás e a boca da garrafa de vidro contendo algum líquido alcoólico incolor enumera uma série de fatores x e y que culminam na resposta da vida que eu acabei de esquecer de anotar e agora veja você!, já veio e já foi, como uma frase sem vírgulas, sem pausa para respirar.

os olhos de quem vê veem uma corr-[ida-(iqueira-{ enteza}) ], série de coisas que a objetiva não capta. veem os rastros dos ratos que passam a caminho do trabalho, roer queijo e desarmar ratoeiras em vãos empregos conseguidos com o terceiro grau e uma carta de recomendação. veem gatos, veem pombos, pulgas e cães, bichos variados - variáveis. o quê eles [ou eu] viam era uma foto minha, arrancada do álbum e colada no meio fio, enganchada com uma garrafa de álcool e uma carteira de cigarros vazia. foto alheia aos carros, aos animais, à rotina, a minha filosofia de botequim e ao próprio tempo. entre a mão e o copo restaalgo a se esquecer, algo a se afogar. loucuras para entornar, sanidades para engendrar.

Vinícius Figueiredo é roteirista, contista e poetista nas horas vagas da vida social (virtual) e profissional. Ele ia fazer alguma piada ruim sobre terceira pessoa, mas preferiu dizer que nas horas não-vagas trabalha no Boca do Inferno.

Carolina Bender é o heterônimo de Ana Carolina Santos, designer, professora de Arte e fotógrafa. Já expôs no soho de NY City e atualmente se dedica a fotos experimentais e passeios com sua mascote, Mini Pizza. Para conferir o trabalho dela acesse behance.net/anacarolcarolima

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a pichação agride meu senso de cores bem definido, esse meu defeito no olhar que me obriga a ver claro e escuro separados por uma linha oculta que separa o bem do mal e esconde de mim os gritos de gaza e os gritos dos índios do passado de um país que não é o meu, mas quero muito que fique sendo, então aí penso na ucrânia, na chechênia e nas agruras do sertão africano e também no baiano. devaneios me puxam de volta, reparo nos carros, nos corcéis de aço e explosão elétrica que me protegem do mundo não-civilizado e penso que o meu copo está vazio e o cigarro está no fim, acabando como a letra do grafite que mal se encerra e começa em outra. trago fundo, mas não engulo.

eu te fumo num trago, porra. te fumo numa puxada de pulmão vazio, numa só estocada contra o meu peito ardente, cinza e chama, fagulha daquilo que eu sinto por você, ausência mais que plena.

me lembro como se fosse ontem, pedro. ele me disse um sorriso, respondi com um verso

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Textículo

ExcursãoBruna Motta

Bruna Motta nasceu em 1995, em Curitiba. Atualmente estuda Letras na UFPR.

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s pés tocam o chão gelado de azulejos brancos. Imediatamente, Oos olhos se abrem com o choque

de temperatura. Não reconheci nada ao meu redor. Dei voltas por todos os cômodos da casa em busca de alguém. Um rosto familiar que sorrisse. Sentaríamos no chão e acenderíamos um cigarro para falar sobre a noite anterior. Não havia móveis e nem o vento batia. Apenas um calendário todo rasgado indicava o dia de hoje. Dia 04 de abril. As paredes cor de salmão davam um ar de demência para o lugar. O sol, já não era possível vê-lo, talvez ainda estivesse lá escondendo sua luz.

Algo se agitava dentro de mim. Um sentimento intenso que me fazia querer invadir a casa assim como ela havia me invadido. Olhar através das portas até ver o que eu não enxergava. Descascaria as paredes salmão com as unhas até encontrar a mensagem que eu não conseguia identificar. Nem bela a casa era. Não que sua beleza importasse, mas o ar que se respirava lá dentro, esse sim importava. Meus pulmões inspiravam e se enchiam de um pavor domado. Cheguei até mesmo a pensar que aquilo era a felicidade. Mas quando eu expirava o ar, e ele se perdia, era como se tivessem levado a vida de mim.

Não era possível! Não podia ser que não houvesse algum motivo justificando minha presença ali. Dia após dia procurando e não encontrando. Correndo e não chegando a lugar nenhum. Gritando para ninguém ouvir. Não era possível que não houvesse algum motivo. Devia ter algo que eu estava deixando passar. Um sinal, um sonho, uma voz. Qualquer coisa. Não podia ser, não era! Mas então, qual o motivo?

Se já não estava à beira do delírio, o Nunca soube como cheguei na calendário marcava meu aniversário. Na casa. Não era essa a resposta que eu minha infatigável busca, encontro algo buscava. Sair de lá nunca quis. O vazio que nunca havia visto. Estava lá, no ajeitava as minhas prateleiras, botava primeiro quarto da casa, um espelho e um ordem, me organizava. Eu não tinha mais copo d'água. Um presente de aniversário, pressa. Só precisava saber o que era supus. Nenhum ruído, tudo tão esperado de mim antes que o tempo me silencioso. Alguém esteve comigo. roubasse a razão. Resolver o enigma. Alguém invadiu minha casa. Alguém Decifra-me ou devoro-te, a casa diria. invadiu a mim. Rolei no chão. Fechei os olhos. Dancei. Sentei no chão em frente ao Uma casa trancada e ocupada em todos os espelho para decifrar aquela mensagem. cantos pela única coisa que eu temia e a Precisava ser forte ou me esgotaria antes única coisa que me agradava: meus mesmo de começar a entender o que se próprios pensamentos. passava. Essa era a função do espelho! Ele Duraria o tempo em que mostrava minhas forças indo embora, aos durasse o copo d'água. poucos, mas cada vez mais. O rosto sem cor, os olhos sem expressão, o corpo magro. A casa salmão, os azulejos brancos, não haviam móveis.

Mistérios Reitorianos

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inda encontro glitter nos recantos mais ele nunca tinha utilizado até então: tinta responder pelo menos uma das questões que me escondidos da minha mochila, assim metalizada e composições abstratas. Antes, por perturbavam após a reposição veloz das peças Acomo no estojo, no caderno, na pasta, mais caricatos que fossem, seus trabalhos ainda desaparecidas: como ele soube tão rápido do

na nécessaire – quem desconfiaria de que brilho é se filiavam à linha de pintura representativa. roubo? Ele frequenta a Reitoria diariamente, contagioso? Vestígios de um crime que sequer Aproveito a deixa para apresentar um mesmo durante a greve de servidores e o recesso tento esconder. Pelo contrário, venho aqui para breve histórico da trajetória desse artista que, de Copa? Ele possui informantes por aquelas confessá-lo: semanas atrás roubei todos os apesar de iluminado, permanece ignorado por bandas?anúncios de pintura em tela que encontrei nos seus pares. As primeiras obras dele que eu vi, e Hoje acredito que tenha sido mera prédios D. Pedro Pai e Filho. Poupei apenas os isso já faz alguns anos, seguem o estilo de croqui obra do acaso. Como artista inovador que é, ele desenhos das portas dos banheiros, por motivo de moda: um homem de terno e uma mulher de teria passado por ali para uma troca já que explicarei mais adiante. vestido de festa, ambos decorados com muito programada dos cartazes e, ainda que

Assim como a feminista que, há glitter, bem ao gosto dos anos setenta. Será uma surpreendido pela ausência dos antigos, estaria exatamente um século, atacou a Vênus de pista sobre a idade do pintor? Esses desenhos em posse de uma nova leva que solucionou Velásquez a machadadas para criticar o estão até hoje em portas de banheiros, como os rapidamente o problema. Ou haverá uma conservadorismo do governo britânico – aliás, do terceiro e do quarto andar do D. Pedro Jr. Eis explicação mais mirabolante? Às vezes até parece como alguém transita livremente pela National o motivo para preservá-los, afinal, quem sou eu que ele é não um único artista, e sim uma legião. Gallery portando um machado? –, meu delito para tentar apagar a História da Arte? Talvez ele seja um estado de espírito que, também tinha uma finalidade política. Eu queria Exceto por esses retratos masculinos e eventualmente, acomete todos nós sem nos provocar o misterioso autor dos cartazes para femininos, que, a propósito, renderiam um darmos conta.observar como ele se posicionaria. Esperava estudo interessante sobre representação de Quanto aos frutos do meu roubo, qualquer reação, a qualquer momento. gênero, as demais pinturas vêm sofrendo uma ainda os guardo em minha casa. Tenho

Admito que houve também renovação constante. São raras as semanas sem expectativas de que um dia eles sejam momentos de insegurança. E se ele nunca novidades. O artista já passou por fases temáticas devidamente valorizados e me rendam uma respondesse? E se eu tivesse arruinado os como princesas, super-heróis, paisagens fortuna. É bem sabido que o mercado de arte negócios e a autoestima do artista? E se nós bucólicas, catálogos de joias. A gama de serviços sempre teve um pezinho no crime, vide os saques fôssemos privados daquelas obras que tanto ofertados também é ampla: anunciou cursos de cometidos durante as guerras e o funcionamento alegram os intervalos entre as aulas? Cogitei pintura em tela, seda e cerâmica, conserto, de um mercado negro, constante mesmo em devolver os anúncios para seus lugares originais, compra e venda de joias, inclusive do tipo tempos de paz. Os desenhos de que eu mais mas não foi preciso. A resposta veio em menos de vintage, mostrando-se antenado não apenas às gosto estão colados na parede da minha sala, 48 horas. Cada parede saqueada ostentava um tendências das belas-artes como às da alta como uma Mulher Maravilha azul, divinamente novo cartaz, em alguns casos até dois ou três. A costura. Com relação às técnicas, variou entre contornada com glitter, e uma tela abstrata em vantagem das férias é que a gente tem tempo para lápis-de-cor, colagem, tinta guache e canetinha. que ele, num acesso de ternura, assinou: checar esse tipo de coisa. Em todas essas fases, a constante sempre foi o Carneirinho.

Cerca de trinta novos cartazes, todos glitter, a sua marca mais autoral. Recentemente, pintados à mão, em menos de dois dias. Como ele chegou a expor alguns trabalhos que fogem a isso era humanamente possível? Minha primeira essa regra, mas a expressão artística chegou a tal suposição era que ele tivesse um estoque antigo e ponto de individualidade e força que, mesmo só precisasse dedicar alguns minutos para fixá-lo assim, consegue-se atestar facilmente a autoria nas paredes. Mas, sendo conhecedora do estilo das obras.do artista, logo percebi que os quadros eram A observação desse ciclo de renovação recentes, uma vez que empregavam técnicas que das pinturas exibidas na Reitoria ajuda a

Suelen Trevizan

O artista mais brilhante da UFPRQuem é o pintor que divulga os cursos de seu atelier em cartazes extravagantes pelos andares da Reitoria?

Suelen Trevizan é jornalista e mestre em Estudos Literários pela UFPR. Além de pequenos delitos, comete textos literários e opinativos no blog sularien.blogspot.com.br.

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límpida

o meu peito dilata a água queme filtra. há apenas pedrase areia em meu aquárioamadeirado. talvez vocêse pergunte em que cantoforam parar os peixinhosas algas e os crustáceos.eu não sei. em mim háapenas um aquárioamadeirado que me filtraa todo o tempo eborbulha certa ausênciaem minhas pálpebras.

mba

o belo é uma imposição naturala cada semovente salbípede ou aladofilho de formedorimanado

o belo é uma composição casualo múltiplo transsocialmito engasgadode cada ossodorminado

o belo é uma reação visceralcasa de mãe ancestralo ão carnembaladocórrego fossomoacirdo

semana

a cama de dois tem umrola, enrola, vira e nadapassa a noite étriste a solidão pesada

Milena Wandembruck

Ich kann nicht an dich denken.Von der fertigen Fahrt, die meinen Kopf verlassen hat,kann ich mich nur an den Mond erinnernund an den Windund an die Nacht.

In meinen täglichen Gedanken stehst du nichtdu bist mehr als täglich für mich.Ich setze mich unter die Bäumeund denke an das Wetter."Von dir kann ich nur träumen..."

Ich denke nicht an dich...

Milena Wandembruck estuda Letras alemão na UFPR. Gosta tanto de poesia que resolveu escrever as suas próprias e publicá-las no blog everlastingpresent.blogspot.com.br.

Hugo Simões nasceu em Guaíra, na beira de um rio-fronteira. (incon)Formou-se em Direito na UFPR em 2013. Nunca publicou, pois vive no futuro descrito por Enoch Soames.

Textículo

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Hugo Simões

Thy Freedom

i.

Kiselev: “Eu acho que impor multas aos gays por propaganda homossexual para menores não é suficiente. Eles deveriam ser proibidos de doar sangue, esperma.E seus corações, em caso de acidente deautomóvel, deveriam ser enterrados nosolo ou queimados, como inadequadospara a continuação da vida”

ii.

engulag-me ó pátria

queime meu coraçãoqueime minha rosca

(eis que a luta de classesrussa atinge o gozo anal)

'The Paideuma Zamba' by Francis Fukuyama(int.: Slavoj Žižek)

o Harold, i miss you

tua pós-utópica transcriação qohéletanta- como falar de ti sem acorrentar o vento?

ignorou o polimidiático facto de que a reconstrução ideogrâmica do império chinês

se faz com ossoscurvadinhos sob

@_+=[?*¨&#$%"ºª~`>¬³^!§{

(nevertheless Harold, we fist you

diria Kamerad Lênin ''Várias vezes tentei lerMaiakóvski e nunca pude ler mais que três

versos: sempre durmo.'')

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Classificados

31

João Carvalho é Ilustrador e Desenvolvedor Web. Tem barba grande, mas não bebe tanto quanto a barba representa. Em 2010 não tinha muito o que fazer, criou o "Semteroquefazer" e desde então ter o que fazer nunca mais foi problema. Para conhecer e acompanhar melhor seu trabalho acesse: http://fb.com/semteroquefazer

Caríssimos estudantes de Letras, Artes e afins! A R.NOTT MAGAZINE, revista virtual de arte e cultura, quer te conhecer! Se você é artista e possui uma produção e uma proposta, seja escrevendo versos eróticos ou expondo urinóis em museus, entre em nosso site e confira como fazer para mandar o seu trabalho e talvez estrelar uma de nossas próximas edições na coluna R.YOU! Quer conhecer mais conteúdos de primeira? Venha nos visitar: www.rnottmagazine.com We R.Nott!

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Bom dia, quero uma cópiadesses textos aqui para aaula de hoje, por favor.

30 minutos depois...

Ao todo deu:23 reais e78 centavos.

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CAL

Um ano para reorganizar a casa, reformar o que tava capenga e deixar tudo arrumadinho para quem vem chegando.

Balanço da gestão Vem ni mim, Bakhtin!

u era calouro deste curso. Tinha feito Movimento O Pátio é Nosso, pra conseguir do CA exigem muito. Uma pressão interna e três semestres de História, mas o espaço dos estudantes e ajudou a realizar o externa cobrando resultados do que a gente Elarguei na Grande Greve de 2012. campeonato de bets. A pressão funcionou e se propôs a fazer também pesa. Mas eu não

Então era, sim, um ambiente novo. Soube de hoje não há carros no pátio. me arrependo. Nem nenhum de nós. A um pessoal se organizando pra montar uma Mas, voltando aos assuntos gente sabia que montar uma chapa pra chapa pra concorrer ao Centro Acadêmico internos, sempre procuramos ser uma gestão concorrer ao CA ia dar trabalho. E que se a de Letras e fui ver qual era. Gostei do que transparente. Tanto que realizamos reuniões gente conseguisse se eleger ia dar mais tava acontecendo. Participei, mas mantive abertas pra decidir como seria a trabalho ainda. Assumimos esse risco ao pra mim mesmo que só iria apoiar. Não reformulação do trote dos novos calouros – mesmo tempo com medo e confiança. queria me envolver demais. uma das nossas promessas de campanha. Queríamos fazer alguma diferença. Mesmo

No decorrer das reuniões fui me Chegando no dia tudo ocorreu bem. Teve no meio de toda a repercussão positiva e tornando mais ativo. Quis estar envolvido. bera até tarde, teve participação massiva dos negativa, com nossos acertos e erros, demos Até que assumi de uma vez que estaria na tal calouros, teve diversão e, o mais importante, nosso melhor.chapa. não houve repressão. Obrigado a todos que fizeram

Desde o começo assumimos essa Começando o outro semestre, parte disso e que, de alguma forma, posição horizontal, o que significa que não fomos logo tratando de ver a reforma do ajudaram e ajudam todos os dias a construir haveria hierarquias e que cada um faria um estatuto. Foi meio maçante a maratona de um lugar melhor para todos, principalmente pouco de tudo. Todos concordaram que assembleias daquele período. Mas não tinha para nós, beletristas.seria o melhor jeito de nos organizarmos. outro jeito. A participação do maior número Alguns de nós vinham de outros cursos, possível de estudantes era necessária. Hoje outras graduações inclusive, e tinham mais temos um estatuto com dispositivos novos, noção do que era um CA. Mesmo assim, sempre buscando beneficiar ainda mais depois de passado um período eleitoral mais nosso corpo discente, como os grupos de ou menos conturbado, a empolgação era estudos contando horas formativas. Outra grande pra fazer tudo que desse pra fazer. fonte de horas que surgiu esse ano, aliás, foi o

Reorganizar toda a representação C I N E - C A L , s e m p re c o m f i l m e s discente para além dos membros da diretoria interessantes e debates.do CAL foi uma das primeiras coisas. A Outra coisa ótima está na sua gente queria incentivar mais gente a mão! A volta do Boca do Inferno, com participar da política estudantil, mesmo produção dos alunos e para os alunos. Um pessoas de fora da nossa gestão. O Conselho espaço ótimo dentro do nosso curso. Que de Representantes de Habilitações e Ênfases não nos deixe nunca mais.existe pra isso, pra deixar os estudantes ainda Não foi uma gestão perfeita, por mais perto do que acontece dentro das mais que a gente quisesse muito. Quanto a decisões departamentais e nos colegiados do algumas coisas só foi possível dar a fagulha curso. inicial, porque, acreditem, um ano é bem

Sempre prezamos por uma pouco. A reforma nos andares tá pra rolar, a interação com todos. E depois da eleição revitalização da sede do CAL também. Isso seria ótimo realizar uma festa no DCE pra numa parceria com a CADI (Centro comemorar. Deu trabalho? Deu. Pra juntar Acadêmico de Design). A reforma curricular grana, pra ir atrás do som, pra comprar bera, está acontecendo e os estudantes precisam pra deixar tudo numa boa. Imprevistos cada vez mais estar cientes disso e opinar. ocorrem, como a ameaça de fechamento do Não podemos deixar o CAL morrer mais prédio para reformas, que felizmente não uma vez. Somos todos integrantes desse aconteceu. Mas no geral foi tudo muito bem Centro Acadêmico e queremos que ele viva e e a gente conseguiu pôr o caixa do CA no nos represente. Participem!positivo, o que já conta bastante. A festa Foi foda. Reuniões semanais que entrou pra história do curso e da UFPR, de duram horas cansam. Ter todo o seu t a n t o s u c e s s o . P u t a o r g u l h o . semestre pra cuidar, com xerox pra ler,

Também pela mesma época, o trabalho pra fazer, seminário pra preparar, CAL se envolveu ativamente com o prova pra estudar e ainda cuidar das coisas

Propostas da chapa para a gestão 2013-4

- Promover eventos que gerem horas formativas.- Estabelecer um calendário para o curso.- Melhorar a comunicação (coordenação-CAL-alunos).- Propor debates sobre a situação do curso.- Revisar o estatuto e a representação discente.- Promover eventos sociais (a.k.a. festas).- Reformular a recepção e o manual dos calouros.

Guilherme Bernardes nasceu em Curitiba em 1993, mas passou boa parte da vida em Santa Catarina. Começou sua vida na UFPR em 2011 no curso de História, porém, em 2013 deu início a sua jornada em Letras português-latim, com ênfase em estudos da tradução. Gosta de literatura brasileira contemporânea, música instrumental e filmes parados.

Guilherme Bernardes

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BOCA DO INFERNOJornal dos estudantes de Letras da UFPREdição 27 / Setembro de 2014ISSN 2178-308X

CONTATOE-mail: [email protected]: http://jornalbocadoinferno.blogspot.comFacebook: Jornal Boca do Inferno

EDITORA-CHEFESuelen Trevizan

CONSELHO EDITORIALAnna LegroskiIamni RecheJuliana CorreaLeandro CavalheiroJefferson AraújoVinícius FigueiredoRaphaël GhünnterMariana Capel Xavier

PROJETO GRÁFICOJéssica C. Sperka

COLABORADORESAmyr BorhotAna Carolina Werner da SilvaAssionara Souza Bruna MottaCarolina BenderCamilla NaterCarla CursinoCesar Felipe PereiraChardie BatistaDaniel MartineschenEvelyn CieszynskiGuilherme BernardesGustavo JugendHugo SimõesJoão CarvalhoLeonardo Gonçalves FischerMarcelo Paiva de SouzaMarina TortelliMilena WandembruckNylcéa PedraPedrita SetenareskiPriscila ScovilleSarah GarciaYohan S. Barcz

IMAGEM DA CAPAÊxtase de Santa Teresa (Bernini, 1645-1652): fotografia da escultura disponível na Internet sem indicação de autoria, assim como as demais imagens desta edição que não apresentam assinatura.

IMPRESSÃOEditora e Gráfica Paraná Press

TIRAGEM1000 exemplares Os textos assinados não refletem necessariamente a opinião deste jornal.