jornal boca do inferno #26

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ISSN 2178-308X 2 4 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR Jornal Boca do Inferno Publicação do Centro Acadêmico de Letras da UFPR Edição 26 - julho a setembro/2011 EDITOR José Olivir de Freitas Junior CONSELHO EDITORIAL Elisa Tisserant de Castro Luciane Alves Ferreira Mendes Maria Isabel Silveira Bordini Willian Pinheiro REDAÇÃO Aguinaldo Roberto Moreira José Olivir de Freitas Junior Taira Sakr Thayse Letícia Ferreira FINALMENTES SOBRE A VÍRGULA Vírgula pode ser uma pausa... ou não. “Não, espere.” “Não espere..” Ela pode sumir com seu dinheiro. “23,4.” “2,34.” Pode criar heróis. “Isso só, ele resolve.” “Isso só ele resolve.” Ela pode ser a solução. “Vamos perder, nada foi resolvido.” “Vamos perder nada, foi resolvido.” A vírgula muda uma opinião. “Não queremos saber. “Não, queremos saber.” A vírgula pode condenar ou salvar. “Não tenha clemência!” Não, tenha clemência!” Uma vírgula muda tudo. ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação. Detalhes Adicionais: Se o homem soubesse o valor que tem a mulher andaria de quatro à sua procura. Se você for mulher, certamente colocou a vírgula depois de MULHER. Se você for homem, colocou a vírgula depois de TEM! ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA E X P E D I E N T E IMAGENS A prisão de Cristo (Caravaggio, 1602) Narciso (Caravaggio, 1594-1596) Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo celin.ufpr.br livrodoescritor.blogspot.com “Sem título” (manuscritos de Lima Barreto) armonte.wordpress.com chkreb.wordpress.com mrm2124.com Luana do Valle s118842024.onlinehome.us noumena4.wordpress.com lordshadowbane.deviantart.com fromoldbooks.org outras imagens da internet, sem indicação de autoria Os textos assinados não refletem necessariamente a opinião deste joral. ISSN 2178-308X COLABORADORES Carlo Giacomitti Cecília Broilo Cristiano Mello de Oliveira Daiane de Fernandez Daniel Martineschen Eva Cristina Rodrigues Avelar Dalmolin Francisco de Matteu Jéssica D. Clemente Natasha Durski Rodrigo Francisco Barbosa Sara Duim Dias Sérgio Ferreira Vinicius Ferreira Barth Ygor Raduy DIAGRAMAÇÃO Fernando Zago IMPRESSÃO Editora e Gráfica Paraná Press TIRAGEM 2000 exemplares

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Page 1: Jornal Boca do Inferno #26

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8-3

08

X

24 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR

Jornal Boca do InfernoPublicação do Centro Acadêmico de

Letras da UFPREdição 26 - julho a setembro/2011

EDITORJosé Olivir de Freitas Junior

CONSELHO EDITORIALElisa Tisserant de Castro

Luciane Alves Ferreira MendesMaria Isabel Silveira Bordini

Willian Pinheiro

REDAÇÃOAguinaldo Roberto MoreiraJosé Olivir de Freitas Junior

Taira SakrThayse Letícia Ferreira

FINALMENTES

SOBRE A VÍRGULAVírgula pode ser uma pausa... ou não.“Não, espere.”“Não espere..”

Ela pode sumir com seu dinheiro.“23,4.”“2,34.”

Pode criar heróis.“Isso só, ele resolve.”“Isso só ele resolve.”

Ela pode ser a solução.“Vamos perder, nada foi resolvido.”“Vamos perder nada, foi resolvido.”

A vírgula muda uma opinião.“Não queremos saber.“Não, queremos saber.”

A vírgula pode condenar ou salvar.“Não tenha clemência!”Não, tenha clemência!”

Uma vírgula muda tudo. ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da suainformação.

Detalhes Adicionais:

Se o homem soubesse o valor que tem a mulher andaria de quatro à sua procura.

Se você for mulher, certamente colocou a vírgula depois de MULHER. Se você for homem, colocoua vírgula depois de TEM!

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA

EXPEDIENTE

IMAGENSA prisão de Cristo (Caravaggio, 1602)

Narciso (Caravaggio, 1594-1596)Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

celin.ufpr.brlivrodoescritor.blogspot.com

“Sem título” (manuscritos de Lima Barreto)armonte.wordpress.comchkreb.wordpress.com

mrm2124.comLuana do Valle

s118842024.onlinehome.usnoumena4.wordpress.com

lordshadowbane.deviantart.comfromoldbooks.org

outras imagens da internet, sem indicaçãode autoria

Os textos assinados não refletem necessariamente aopinião deste joral.

ISSN 2178-308X

COLABORADORESCarlo Giacomitti

Cecília BroiloCristiano Mello de Oliveira

Daiane de FernandezDaniel Martineschen

Eva Cristina Rodrigues Avelar DalmolinFrancisco de MatteuJéssica D. Clemente

Natasha DurskiRodrigo Francisco Barbosa

Sara Duim DiasSérgio Ferreira

Vinicius Ferreira BarthYgor Raduy

DIAGRAMAÇÃOFernando Zago

IMPRESSÃOEditora e Gráfica Paraná Press

TIRAGEM2000 exemplares

Page 2: Jornal Boca do Inferno #26

EDITORIAL .............................................................................................. 2

ENSAIODo tradutor literário................................................................................ 3

MATÉRIASSem metáforas estruturais, aqui, discussão é guerra .......................... 4O que é uma Empresa Júnior? ............................................................... 5Celin, o zero e o infinito, lamento sobre um não-fazer acadêmico.... 6Atividades formativas: o que, como e quando cumprir ...................... 6

RESENHA"Ribamar", de José Castello .................................................................... 7

ARTIGOSOs manuscritos e as fontes primárias de Lima Barreto .................. 8-9

LECTURAS HISPANOAMERICANASFilosofía del lenguaje y lingüística ................................................. 10-11

ENTRE E VISTAEva Dalmolin .....................................................................................12-14

2 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR CAL UFPR . BOCA DO INFERNO . 23

NESTA EDIÇÃO

“Não sejam como as multidões cambaleantes quedespencam dos píncaros azulados”. É com as pala-vras da ilustre vice-diretora do nosso Setor de Ciên-cias Humanas, Letras e Artes que inicio a difíciltarefa de redigir um editorial. O editorial, por exce-lência, traz a opinião do editor sobre assuntos dasmais variadas ordens. Ou não. O meu editorial,particularmente, sempre tem relação com uma coi-sa em duas: ou é sobre o que você vai encontrar naspáginas seguintes, ou é sobre algum assunto que nãofoi incluído na pauta, mas que merece alguma aten-ção da nossa (de todos) parte.

Pois bem, metaeditoriais à parte, quero falar hojesobre as formaturas. A frase com que iniciei a con-versa desta edição foi proferida na cerimônia decolação de grau dos nossos queridos colegas decurso, que nos deixaram para a vida profissional.Não que isso seja ruim, claro, mas sempre dá aque-la saudade daqueles que nos acompanharam porum longo tempo e que, “de repente, não mais quede repente”, somem da vista. Sorte, muita sorte aeles, que vão encarar agora o que nós, que ficamos,ainda não conhecemos (calma, leitor, estou falan-do de formatura, não de morte).

Voltando à conversa, o que quero expressar aquié o que muitos dos que se formaram perguntam:para que diáfanos serve a tal da colação de grau?Bem, é uma pergunta embaraçosa. As autoridades(não me refiro à polícia nem a especialistas emformaturas, é óbvio) que participam desse tipo deevento sempre defendem a cerimônia com argu-

Tem dúvidas, sugestões, quer contribuir com textos ouapenas falar conosco? Envie e-mail para

[email protected]@[email protected]@[email protected] e abra a Boca!Estamos à disposição!

EDITORIALmentos do tipo “é um ritual de mudança de status,igual ao de completar a maioridade ou ao de casar”,ou ainda “temos que ter uma cerimônia, porquesenão todo o tempo despendido na graduação pare-ce não ter tido um fim”. Particularmente, nenhumdeles me convence. Claro, é muito emocionantereceber um canudo com o comprovante de que pas-samos uma etapa importante, mas não é só por issoque fazemos um curso superior. Já pensou se todosque entrassem na universidade esperando pelo diada formatura? Que formação teria você se pensasseassim? Sejamos realistas: tem muita gente por aí quepensa exatamente isso. Mas tem gente que não.Gente que optou por uma área do conhecimento,que escolheu por – supostamente – gostar, que vaiestudar com afinco porque é o que quer fazer. Esteé o tipo de profissional que se espera que saia donosso curso. Se esperássemos outra coisa, mudáva-mos de curso (e instituição também). É, acho quemudei de assunto.

Voltando ao foco, o que vi e tenho visto, na minhanão tão longa experiência com formaturas alheias(afinal, só sou editor porque ainda não sou forma-do...), é que aquele rito de passagem, conclusão daetapa, ou seja lá o eufemismo que dão por aí para oevento, me parece nada mais que o cumprimentoprotocolar de uma cerimônia vazia, que não mostraa real dimensão do que fizemos durante quatro oucinco anos. Quero chamar à atenção que me refiroaqui, não ao ato de conquistar algo que lutamos aduras penas para conseguir, não é esse meu pensa-

TEXTÍCULOS

estava onde sempre esteve, ensimesmo. ansiava deslocar-se de si.resolveu descascar, extinguir-se em camadas.deixou-se de molho por dias, até a pele enfim soltar.vísceras puseram-se a mostra, ficou pleno pelado, exposto, posto em si.vislumbrou a pele esparramada ao redor, casca oca, disfarce disforme.a tudo brutalmente sentindo sem o refinamento da epiderme.entranhas estranhavam o toque áspero do ar que esbarrava.aproximara-se de si ao revés. também habitava seu avesso.adentrava-se ao esvaziar-se?

resolveu arriscar. reduziu o intestino pela metade, arrancou um lado dopulmão, extraiu baço, rim, córnea, uma ou outra articulação.percebeu-se cérebro e coração. e ainda braço, tronco e mão, para o caso

de querer desligar a pulsação.quando mais se encurtava, mais se concentrava, como se a alma tivesse

que se encolher para caber no que restava.

pôs-se a cutucar cérebro. cada beliscão, uma explosão. algum membroque não mais existia se contorcia, o dedão do pé ausente tremia, cheirode infância ressurgia, nublava, chovia, coçava, ardia. a mente resgatavatudo que não mais havia.

hesitou.pararia coração, encerraria veias ventilação.mente sufocaria e alma desnutriria.

ausente de visão, nó cego deu na artéria.energia restante bombeou bambeando, sinapse entrou em ápice.o último estímulo nervoso relaxou.

luz, sombra, escuridão.e, agora, ainda havia?

ausente de tudo, nada. nadava ainda em si.plenamente, sem mente.como nunca e sempre.chorou sem olhos, estremeceu sem cérebro, pulsando presença ausente

de bomba-coração.

tendeu a negar, mas entendeu.abraçou-se sem braços e lhe disse mudo,enfim,sim

ACEITAÇÃOHELDER SANTANA[divaneo.blogspot.com]

AMORES PERROSMATTEU

tenho certeza de que me amaaliás disso nunca duvidei

tu tens é medo do amor que senteporque ele é mais forte que ti

sabes bem tambémque me trata male sequer merece

minha companhiatal amor que sente

mas já te disse uma vezporém direi novamente

tente se perderde mim completamente

que vou te lembrarnão menos que eternamente

quem tu ése o que tu sente

tu foste eueu çfui te sempre

o leite que bebes do seiose está roto e azedo ultimamente

outrora foi doce e quentealimento do seu crescimentovital para tua vida presente

nem tua mãe nem tudo que já te deu sustentote atreves a odiar completamenteà ela e à mim não seja indiferente

ou ao sêmen, sangue e vinhoque bebeste anteriormente

toda noite antes de dormirou depois de com outro trepar

você vai se sentir sozinhae pensar que podia sonhar

com sortecomigo ao se deitar

no seu sonho irreal eu te amoe nunca te abandono

não importa a dor que me causaser viralata sem dono

mas você vai ouvir pra acordarescute bem para se lembrar

“por mais que você encha essa sua bucetinhaseu coração sem mim vai vazio continuar”me perdoe se doer a verdade que enuncio

não abro tuas pernas para meramente te foderabro teus olhos para que possas me entender

DESPEDIDABalanço da gestão .................................................................................. 15

TRADUÇÃOJohann Wolfgang Von Goethe: uma palavra aos jovens poetas ....... 16When we two parted ............................................................................. 17

sub-realidadeNão é sobre amor .................................................................................. 18

TEXTÍCULOSAconchegante imensidão ...................................................................... 19Inércia ..................................................................................................... 20Réquiem .................................................................................................. 21Vinho....................................................................................................... 22Ah como tece! ......................................................................................... 22Principado escarlate .............................................................................. 22Aceitação ................................................................................................ 23Amores perros ........................................................................................ 23

FINALMENTES ..................................................................................... 24EXPEDIENTE ........................................................................................ 24

mento. O que não consigo digerir é que quandofinalmente terminamos o curso, antes da festa todaque vem em seguida somos obrigados a passar poruma maçante exibição da brilhante oratória dosnossos dirigentes (queira ver a citação que coloqueina primeira linha deste texto), que serve tão somen-te para nos causar imenso enfado até que possamoscomemorar, com todas as conotações e denotaçõesque cabem na palavra, nossa vitória pessoal que é acompletude da formação.

Acho que é necessário reforçar que não sou con-tra o festejo, a comemoração e tudo mais. O quequero dizer com esse editorial-manifesto é que,independente de como damos fecho ao período porque passamos, não precisamos de sessões parnasi-anas de exibicionismo ou decoreba de discursos.Precisamos sim do reconhecimento da luta que tive-mos (e vencemos, é claro, senão não faríamos for-matura), que é o que acontece logo após a fastidiosacerimônia. Talvez seja por isso que, a cada ano, maise mais formandos optam pela formatura sem sole-nidade, conhecida carinhosamente por “extrema-unção” de fim de curso. Ah, antes que eu me esque-ça, para fechar com chave de ouro, nada melhorque citação de formatura: “por que nesta noite, omomento é o presente”.

Page 3: Jornal Boca do Inferno #26

TEXTÍCULOS

22 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR CAL UFPR . BOCA DO INFERNO . 3

DO TRADUTOR LITERÁRIO1

3 “Saudade” em alemão, mas a saudade do que está longe, do que ainda não se viu.

4 Nos sentidos goethiano e herderiano do termo: tanto o que é canônico (“bom”) quanto o que

é supranacional, expressão literária do espírito humano.

ENSAIO

DANIEL MARTINESCHEN[[email protected]]

Já há muito se debate acerca do que diferencia otexto literário dos demais textos, definidos de ma-neira circular como “não-literários”. Depois de milê-nios de discussão, passando por perspectivas teóri-cas das mais diversas, mais ou menos objetivizantes,mais ou menos subjetivizantes, mais ou menos(des)estruturantes, ainda não há consenso do queseja um texto literário – eppur si muove: mesmo assimconseguimos diferenciar um romance de uma bulade remédio, um conto de um relatório técnico, umpoema de um texto quebrado em linhas de 10 síla-bas, uma tese de doutorado de um romance picares-co (por mais semelhos que às vezes sejam). Quandofazemos – e fazemos! – essa distinção, parece aquelasituação em que brasileiros tentam definir a palavrasaudade para um estrangeiro. Todo brasileiro sabe oque ela significa, sabe o que sente, mas mesmo assimnão consegue explicar de maneira “objetiva” o queseja saudade – eppur si muove: continuamos sentindosaudade, sabendo quando ela aparece e a diferenci-ando de raiva, enjoo, êxtase religioso ou coceira.

Deve haver, portanto, alguma característica queseja, mesmo que inexprimível, característica (perdoe opleonasmo) do texto literário. Talvez o ponto departida mais seguro seja o de que todo texto literárioé a expressão do espírito criativo de um(a) autor(a),da visão de mundo peculiar de uma pessoa, que resol-veu transformá-la em palavras (a pessoa a visão, nãoo contrário (?)). Cada ser humano procura, encontrae/ou cria significados nas coisas da vida, que nãonecessariamente são osmesmos para os outros.Um pôr-do-sol pode ser acoisa mais sensacional eprofunda para alguém queenxergue as cores pasteldo céu nesse momento e sinta a desaceleração danatureza e “entre no clima”; da mesma forma, podeser um evento tão banal quanto uma topada numparalelepípedo para quem se entende vivendo sobreuma bola de terra girante em torno de uma bola defogo girante. Esses seres humanos atribuem signifi-cados diferentes ao evento “pôr-do-sol”, que no dici-

um texto literário chama a atenção

para si porque diz mais do que está

falando. E é neste ponto se diferencia

de outros textos

onário tem uma definição que talvez não compreendaestes e nem os mais de seis bilhões de outros signifi-cados particulares que se possa criar.

O texto literário é um produto de criação, de ressig-

nificação do mundo e das palavras. É uma obra dearte, que lida com objetos, imagens, ideias de ma-neira criativa e inovadora – no sentido de atribuir àspalavras significados que não sejam os do dicioná-rio ou que se sirvam a um propósito (re)criador.Esse procedimento é sentido pelo que os formalis-

tas russos chamaram deestranhamento: um textoliterário chama a aten-ção para si porque dizmais do que está falan-do. E é precisamente nes-

te ponto que o texto literário se diferencia de ou-tros textos, pois seus significados estão para alémdo que o dicionário e a sintaxe determinam. Emtextos jornalísticos, científicos, de âmbito empre-sarial, previsão do tempo, trabalhos escolares (háclaramente zonas fuzzy), etc., não se trata de criarnovos mundos, novos significados, mas falar doque já existe. A literatura cria, a não-literaturaexplica, analisa, define, está sob controle.

Nesse sentido, traduzir um texto literário é, pri-

O gosto não é mais o mesmo,A visão da velhaRezando baixo num canto,Entoando seus mantras,Não lhe traz um sentimentoPreciso.Você sabe que acabou.

As longas conversas duram cada vezMenos.E são cada vezMenosAgradáveis...Positivas...Construtivas...Instrutivas.Você sabe que acabou.

Sobe-lhe a boca o gosto da bileSó de ouvir falar.Causa-lhe dor de cabeça eUlcerações no trato gástricoSe tiver de visualizar a cena.Você sabe que acabou.

Você entende.Aceita, deve aceitar que acabou.Pois, de fato, acabou, meu velho.E até que acabou rápidoNão foi?Quase nem sentiu o fim;Quase nem foi possível determiná-lo.Mas agora consumadoVocê sabe que acabou.

Então, você sabe que acabou.Deixe de ser inconveniente,Seu incompetente, sua mulaBestial!Peça logo outro desses!Não deixe minha taça vaziaMuito tempo: ela esfria.Eu gosto de vinho quente!

Não se faça de avarentoNão combina com esse saberVocê e eu sabemos que não foi só issoQue acabou.Acabaram-se também os tira-gostos.

Garçom, mais um,E uma tábua de petiscos, por favor,Porque essa garrafaAh, essa ele sabeVocê sabe também,Acabou.

VINHOJÉSSICA D. CLEMENTE

AH COMO TECE!RODRIGO FRANCISCO BARBOSA

[[email protected]]

E essa boca que nem mesmo fala?Respira inerte carregando a baba;

Poe’m lábio seco despedida e choroQue tampouco aqui, cabem dois sonhos tolos.

E se t’ investe a cólera funestaQue põe gast’o corpo de sanguínea face,Apressa pois, remédio d’ânimo corado

Que na boca o amor torna-se já minguado.

Ah, sem demora quando a boca é fala,E de cabo a boca já desembestadaTram’entre dois guardar espaço,

A galope eu sei que a dor não passa.

Ah, sem demora quando a boca é fala,Que nos põe a frente tudo já que cala,Qual pernud’aranha circuland’o passo

Estes lábios vis vão teceland’o nada.

Sereno e mal amadoFixado nas tarântulasTantas em seu mundoArruinado pelo pecado

Escorre em sua faceSeria um orvalho, uma lágrima?

Ou seria uma dádivaPelo que lhe é imposto?

Seus entes já não lhe convémSuas lembranças já não lhe convém

Finito prazer, prevista tragédiaInfeliz desfecho, perpétua culpa

Em seu mundo não existe mais ninguémPermanece viva apenas sua tristeza

E a falsa beleza de quem o matouCom o atraente perfume de seu amargo veneno

PRINCIPADOESCARLATE

FERNANDO ZAGO

meiramente, entender as ressignificações que essetexto produz, logo é uma leitura. Em segundo lugar,é reproduzir essas ressignificações em uma língua/cultura diferente da do original. Para isso, dicioná-rio só não basta, é necessário artesanato. Traduzirum texto literário é, portanto, trabalho artístico tãocriativo quanto o do original. Terceiramente, tradu-zir um texto literário é mais do que reproduzir o“sentido original” em outra língua; é produzir esse“sentido” de uma forma tão idiossincrática e criativaem uma língua quanto foi feito na língua original.Nesse sentido, reforça-se o caráter artístico e cria-tivo da tradução literária. E, finalmente, traduzirliteratura é aproximar culturas, criando espaços deinteração e de intercâmbio cultural e financeiro.

Essa última palavra, financeiro, paira muitas vezescomo um fantasma dúbio sobre o tradutor literário.Enquanto se mete nessa “roubada” de recriação artís-tica, por amor à arte e à tradução, o tradutor literárioestá submetido a uma lógica prática: deve traduzirbem o que é bom, o que vende, e deve traduzir rápidoe no prazo. Muitas vezes nem escolhe o que vai tradu-zir, entrando em um projeto editorial e tendo depodar escolhas e impulsos que não se coadunem comesse projeto. Isso tudo condiciona e pode limitar otrabalho do artista-tradutor, no entanto não o des-motiva: este, diferente do tradutor técnico, escolhe aembaixada em que vai trabalhar por amor a ela, porum sentimento de Fernweh de tudo que foi escrito emoutra língua e ainda não foi reescrito na sua.

Nesse sentido, o tradutor literário tem lugar ga-rantido na embaixada sem sede da interação weltli-

terária, mesmo que sua arte pareça “menor” ao mer-cado, tanto da parte de quem vende quanto de quemcompra. Mas talvez esteja em melhor lugar que otécnico: pode até ganhar menos, mas seu nome e suadicção aparecem na obra de arte reescrita. O tradu-tor técnico, parece, está condenado mais drástica edefinitivamente à posição de sombra, de agente não-agente, do motorista de ônibus que não está ali, pois“só transporta daqui pr’ali”. Oxalá o tradutor deixe,um dia, de ser vulto e sua atividade deixe de sermeramente “instrumental”!

1 Ensaio apresentado à disciplina Crítica e Prática de Tradução 3, ministrada pelo

Professor Caetano W. Galindo no 1º semestre de 2011.

2 http://www.phdcomics.com

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4 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR

MATÉRIAS

SEM METÁFORAS ESTRUTURAIS, AQUI, DISCUSSÃO É GUERRATHAYSE LETÍCIA FERREIRA

Para a teoria semântica referencial, uma expressão signi-fica algo diferente dela própria. Levando o statement acimaem consideração, podemos dizer que agimos de acordo como modo como percebemos as coisas, pois o ato da enunciaçãoestá além da fala, já que possuímos muito mais do queconhecimento linguístico inato. Outra coisa é que há tam-bém uma situação externa que convenciona a ideia prévia doque vamos enunciar. Temos contexto no mundo e é justa-mente por possuirmos contexto que estruturamos nossa falaatravés de metáforas, porque nosso sistema cognitivo é denatureza metafórica. Dessa maneira o discurso é construídoa partir de relações estabelecidas por metáforas cognitivasanteriores a cada um de nós. Podemos observar determinadasestruturas do discurso, onde uma situação é construídaparcialmente através de outra; como exemplo clássico, temosa seguinte frase: “Discussão é guerra” (LAKOFF & JOHN-SON, 2002), onde o ato de discutir é metaforicamente estru-turado como uma guerra; o debate verbal possui a mesmaorganização do confronto físico: há um conflito, adversári-os, um objetivo, há vencedores e perdedores etc. Uma grevetambém possui essa relação metafórica de “discussão é guer-ra”, por isso é parcialmente compreendida em forma deguerra. A partir do dia 15 de junho de 2011 a situação em nossauniversidade não foi conduzida de maneira metafórica. Adiscussão foi guerra, uma guerra evidentemente pacífica ebem estruturada em alguns momentos, mas que não perdeua legitimidade enquanto luta, combate.

Podemos observar um longo histórico de luta em nossopaís contra o governo federal, no que se refere à educação e,no entanto, o problema não é resolvido. Há uma péssimaqualidade em todas as etapas do ensino em decorrência daspéssimas condições oferecidas pelo governo. A estrutura éprecária, falta material, os professores e funcionários rece-bem valores quase simbólicos pelo seu trabalho e, além detudo isso, ainda há a depreciação do ensino pelos própriosparticipantes do processo educacional.

Para que a educação em nosso país melhore, é necessáriauma mobilização de todas as instâncias. Tal mobilização seefetivou em várias universidades do país, incluindo (espe-cialmente) a nossa Universidade Federal do Paraná. Ummovimento desses é necessário para que o governo compre-enda que os indivíduos que não possuem tanto “poder”(juridicamente falando) são aqueles que mais possuempoder quando unidos. Assim, quando professores, funcio-nários e alunos se unem por uma causa comum, os objetivospodem ser alcançados, mas isso só ocorre quando há ocombate (indireto, em nosso caso).

Em 2011, o movimento grevista da Universidade Federaldo Paraná teve início com a paralisação dos servidorestécnico administrativos, os quais reivindicavam melhorescondições de trabalho – o que também acarretaria em umauniversidade pública e de qualidade a todos. Tendo em vistaque o movimento grevista abarcou mais universidadespúblicas, havia duas pautas: uma local, que continha ospedidos mais específicos. A outra, nacional, continha ospedidos eternos da educação. As reivindicações a nívelnacional possuíam como principais pontos o aumento dopiso salarial da categoria, a isonomia de salários e benefíci-os, a contratação de mais servidores e uma pauta bastantepolêmica em nosso país: a exigência da não criação daempresa brasileira de serviços hospitalares (EBSERH), aqual tiraria toda a autonomia dos hospitais-escola federais,entre eles o nosso Hospital de Clínicas. A criação da EB-SERH nada mais é do que a privatização dos hospitais

nacionais e tal fato não seria ruim apenas para os servidores,mas também para a própria UFPR e toda a comunidade(acadêmica e externa), se pensarmos que isso traria prejuízoao atendimento ao público e levaria a um sucateamentoainda maior do serviços hospitalares.

A partir desse momento instauraram-se assembleias per-manentes, para deliberações acerca da greve e do diálogo coma Reitoria e com o governo federal. Os servidores mantiveramo comando de greve firme, fazendo reuniões, passeatas eprincipalmente pressionando a Reitoria para que as pautaslocais fossem resolvidas. O diálogo foi realmente complica-do, tanto que a classe dos servidores foi a última a declarar ofim da greve. Com a paralisação dos servidores, laboratóriosnão funcionavam, as bibliotecas permaneceram fechadas eos alunos não puderam fazer suas matrículas no portal doaluno, já que os responsáveis pelo portal são servidorestécnicos da UFPR. A partir disso, o movimento paredistacomeçou a ter “voz”, afinal, a situação ia além do “não ter aula”e “pesquisas estagnadas”, principalmente para aqueles estu-dantes que dependem diretamente de alguns serviços dauniversidade, como o Restaurante Universitário (RU).

Enquanto os servidores não voltaram ao trabalho, o Con-selho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE) adiou a volta às

aulas de semana a semana. Isso soava como uma promessa decomeçar a fazer exercícios físicos, algo do gênero “semanaque vem eu começo”

Assim, nossa promessa de volta às aulas era mantida. Asituação foi tão postergada que a comunidade acadêmica nãoesperava mais respostas das reuniões do CEPE, pois sabía-mos que semana que vem haveria uma nova promessa paramais uma semana. Por fim, o calendário acadêmico foi adiado.

Compreendendo a legitimidade da greve dos servidores, osalunos aderiram à greve. Suas reivindicações incluíam mora-dia nos campi Litoral e Palotina, revisão do caráter explora-tório das bolsas permanência, contratação de professores,ampliação do horário de funcionamento do RU (até mesmopara oferta de café da manhã), além da campanha nacionalsobre os 10% do PIB para a educação. Dessa maneira, a grevefoi tomando força. O Diretório Central dos Estudantes(DCE) promoveu assembleias frequentes e mobilizou gran-de número de estudantes, além de ter realizado “programasculturais” durante o período de greve. O movimento estu-dantil que se apresentou nos mostrou o verdadeiro “espíri-to” do movimento estudantil, revigorado por uma pautaforte e importante. Entretanto, tivemos a infelicidade deperceber que, além disso, havia uma grande influênciapolítica (no sentido “politiqueiro”, e não “politizado”) den-tro do movimento. A partir do momento em que alunos

aparecem em manifestações trajando camisetas vermelhomarxistas ou então empunhando bandeiras de partidos co-munistas trotskyanos, perdeu-se boa parte da credibilidadedo movimento estudantil enquanto tal. Tendo em vista queo movimento não se caracteriza pela visão ideológica de UMAclasse, às vezes pareceu muito mais uma intriga partidária doque uma luta verdadeira para melhorar a nossa educaçãouniversitária pelos universitários.

A princípio, a paralisação estudantil não foi “reconhecida”.Parecia aos alunos, de um modo geral, uma grande besteira,afinal, sem professores e sem técnico-administrativos nãohaveria aula de maneira alguma. Mas, por outro lado, aparalisação era legítima, os alunos tinham pautas próprias eaderiram à greve enquanto apoio político às outras causas.Após duas assembleias estudantis e uma unificada (estudan-tes, professores e funcionários), no dia 26 de agosto osestudantes ocuparam o prédio da Reitoria, em uma manifes-tação para conseguir resolução para as reivindicações solici-tadas. O Magnífico, Professor Zaki Akel Sobrinho, apresen-tou um documento com respostas a dezesseis pautas, consi-deradas emergenciais pelos estudantes, entre elas o aumentode 50% no número de bolsas, com reajuste anual em relaçãoà inflação, o aumento de 20% no valor de todas as bolsas, oaumento da quantidade de exemplares e títulos de livros nasbibliotecas (trinta por estudante, por curso) e a abertura dasbibliotecas das 06h30 às 23h30. Com essa resposta “positi-va”, os estudantes se reuniram em mais uma assembleia geralno dia 30 de agosto e votaram pelo fim da greve estudantil.

Os professores aderiram à greve no dia 16 de agosto e, assimcomo as outras duas classes da universidade, instauraramassembleia fixa, apresentando reivindicações próprias decaráter emergencial. As propostas eram a implantação deprogressão automática na carreira, o estabelecimento delimite máximo de alunos por sala de aula e a diminuição dolimite máximo de horas-aula. A partir das pautas de cadaclasse universitária, fez-se uma pauta unificada e emergen-cial, a qual obteve resposta de nosso Super Reitor. No dia 24de agosto, o Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE)aprovou a retomada do calendário acadêmico. Em seguida,professores e estudantes retiraram-se do movimento grevis-ta com suas pautas emergenciais “prometidas”.

Como resumo de nossa greve, podemos dizer que a luta foiboa, nossa discussão foi guerra. Com as três categorias denossa universidade unidas conseguimos reivindicar o quenos falta para uma educação de melhor qualidade. Com asvárias manifestações, mostramos a todos que o movimentoestudantil ainda está presente (apesar das bandeiras polí-ticas) e que, quando categorias se unem, as necessidadespodem ser sanadas. Infelizmente, apesar de todo o movi-mento grevista, ainda somos obrigados a mostrar as “gló-rias” alcançadas não como já realizadas, mas como emandamento. Em nossa guerra (greve) lutamos contra ocorte de 3,1 bilhões no orçamento da educação, divulgadopela Super Presidenta em 2011, além dos dois cortes efeti-vados em 2010, os quais já somavam a absurda quantia de2,34 bilhões. Assim, com todas as glórias alcançadas comnossa discussão, não nos sobra nem o pão e nem o circo, masnão devemos nos preocupar, pois, segundo o documentoenviado como resposta às pautas pelo Super Reitor, a Reito-ria resolverá todos os problemas do mundo, “assim que agreve findar”. Infelizmente, o término já se deu e nenhumsuperpoder se manifestou na Reitoria. Então, aguardare-mos até que o próximo motim se faça necessário ou entãoaté que a metáfora estrutural não possua mais uso.

RÉQUIEMYGOR RADUY

TEXTÍCULOS

Mas como persistir na poesiase já não há quem ouça o canto?

E se nem mesmo sabes o que cantare se o canto te sai torto e amargo?

E se nem te lembras mais o que é “poesia”,se o próprio mundo já não quer saber,se as coisas do mundo se recusam?

Não te cansas nunca de cantar sem ser ouvido?Não te ressentes nunca da aridez do entorno?Até quando serás imune à indiferença?

Onde teu orgulho, tua ira, teu desprezo?Onde a tua impaciência?Serás tu um espantalho ou tens sangue?

E talvez já não exista razão para cantar.E talvez já não haja o que cantar.E talvez já nem haja mais aquilo que se chama “canto”.

(E certamente virão a ti outros poetas,se ainda houver algum que conheças,alguns virão cegos, outros em frangalhos,virão como fantasmas, com mortalhas,e tentarão te persuadir, te alegrar,combaterão com eloquência o teu fastio,dizendo que tens que prosseguir,que é preciso que sejas forte,que a poesia deve resistir,que a poesia é o que dá sentido,que desistir da poesia é desistir da vida.

E te verás entediado em meio deles.E talvez diga a eles algumas palavras amargas,ou ofereça a eles o teu melhor sarcasmo.

Pois embora tal discurso seja beloe embora concordes com o que dizem,tu sabes , como eles mesmo o sabem,que nada daquilo faz sentido algum,a não ser dentro daquele estrito círculo.)

O peso das coisas, as lufadas da manhã,as dores do corpo e as saliências do corpo:serão ainda objeto da poesia?

E se não houver mais objeto no mundoe à poesia nada mais reste senão cantar sobre si mesma,e se não houver mais objeto possível senão o próprio canto?

E se a dor, a época sombria, os desmandos,o repuxo do tempo, o ir-e-vir das coisas,e se nada disso puder volver-se em poesia?

Ou pior: se o mundo se recusar, afastandocom um gesto rude o verso, se o verso forrompido, violentado ou pior – ignorado, suspenso?

Canta o silêncio.Canta a sombra.Canta o nada, se for preciso.

Pois para ti, infame, já não é possível parar de cantar.Achas que pode decidir sobre as coisas da poesia?É antes, a poesia que decide sobre ti: tu és apenas umservo.

Então, continuarás cantando.Não porque queiras ou porque tenhas assim decidido.Algo que não conheces decidiu por ti.

Porém, não sejas ingênuo;poupa-te a ti mesmo de ser toloe reconhece o óbvio e explícito:o mundo em que vives já não quer teu canto,o mundo já nem sabe do que te ocupas,o mundo tem em vista outros interesses,dos mais úteis, mais rentáveis.

E estás condenado ao desprezoe o teu canto não será ouvidoe tudo o que fizeres - todo teu labor,todo o teu sangue, toda a alegria doteu canto e toda dor que ali condensas,e o sumo das coisas que ali injetas,e o giro de tudo que ali cristalizas – será tudo em vão.

E se te jogares de um alto edifícionão sentirão falta de ti nem do canto.Ou se te retirares para longeninguém perceberá a tua ausência.

Pois o teu canto preciososerá desmantelado pelo vento, pelo tempo.

E o teu corpo será corroído.

E assim como acontece a tudo e todos,serás sugado pelo funil do esquecimento,tu e o teu canto, ambos já em pedaços.

E só quando houver cessado o teu cantoe embora já nada sintas,e embora já nem mesmo existas – só, ali, então, conhecerás a paz.

CAL UFPR . BOCA DO INFERNO . 21

Page 5: Jornal Boca do Inferno #26

TEXTÍCULOS

INÉRCIA

Entro no ônibus. Entre os vários rostos inexpressivos e

fatigados, finalmente meu olhar encontra um assento va-

zio. Caminho com dificuldade até o meu destino, colidindo

várias vezes com bolsas e braços. Ao me sentar, encaro diante

de mim uma cena que até poderia ser trivial, não fosse ela

intrinsecamente assustadora. Duas estátuas de carne se

encontram nos assentos a minha frente. As mulheres, de

olhos fechados, parecem promover um encontro com um

mundo extra-real, imersas num sono profundo que,

apesar do sopro de vida, as aproxima muito mais do

silêncio da morte. Sinto-me diante de dois cadáveres

que esperam a inércia da vida para assumirem seus

postos na história do ser.

Os rostos imóveis não cedem ao balanço do

ônibus e nem às eventuais bolsadas. A espera

cansada vence. No entanto, de repente, uma delas

abre lentamente as pálpebras e vislumbra a

realidade da qual factualmente não per-

tence. O falso cadáver traz em si, final-

mente, um suspiro de existência. Em al-

guns minutos, o ato passivo de observar o

mundo ao redor se estende à passageira

ao seu lado. Ainda absorta em seu estado

dissimulado de morte, pestaneja, em

busca do conforto em que repousava sua

vida segundos atrás. Não consegue reab-

sorver seu estado, e se convence em olhar

tediosamente a paisagem lá fora.

Entretanto, essa vida não lhes apraz.

Em instantes, os pares de olhos fe-

cham novamente, retornando ao

silêncio fúnebre a que se conde-

nam, vazio de sentidos, mo-

vimentos, e, sobre-

tudo, vazios de ser.

20 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR CAL UFPR . BOCA DO INFERNO . 5

NATASHA DURSKI

O QUE É UMA EMPRESA JÚNIOR?MATÉRIAS

Todo mundo já deve ter ouvido falar, masninguém sabe ao certo. Afinal, o que é umaempresa júnior?

Uma empresa júnior (EJ) é uma associação civilsem fins lucrativos e com fins educacionais, for-mada exclusivamente por alunos de um cursosuperior ou técnico. Assim sendo, a gestão deuma EJ é feita pelos próprios alunos. O primeiroobjetivo da EJ é promover a iniciação dos alunosde um curso à experiên-cia profissional. Em ou-tras palavras, a EJ devefomentar o crescimentopessoal e profissional doaluno-membro, atravésda inserção deste aluno no mercado de trabalho.Esta inserção se dá por meio da prestação deserviços à comunidade interna e externa ao cur-so e à instituição. Além disso, os serviços da EJsão, por excelência, de baixo custo, o que só épossível porque a EJ se enquadra no chamadoterceiro setor da economia. O terceiro setor éaquele que congrega, entre outras, as ONGs(organizações não-governamentais), que fazemo papel de disponibilizar à sociedade o que oprimeiro setor (governo) não disponibiliza, fa-zendo isso sem ter por objetivo o lucro (setivesse esse fim, seria do segundo setor, o setorprivado). Exatamente por não ter fins lucrati-vos, a EJ tem a vantagem de ter reduzidos custosoperacionais e de tributação.

EMPRESAS JUNIORES NO BRASILAs EJ surgiram aqui no Brasil no final da

década de 1980, mais precisamente em 1988,com a criação da Empresa Junior da FundaçãoGetúlio Vargas. Em 1989, vieram a JR-ADM daUFBA, a Poli JR da Escola Politécnica da USP eassim por diante. Na UFPR, temos vários exem-plos de empresas juniores (ver box). Algumas EJparticipam das Federações de Empresas Juniores(no Paraná temos a Federação Paranaense), assimcomo da Confederação Brasileira de EmpresasJuniores, a Brasil Júnior (BJ), que funciona comoórgão regulador do Movimento Empresa Júnior,atuando para garantir uma cultura de qualidade

TAIRA SAKR

entre as EJ, orientando-as para que haja umpadrão estrutural mínimo comum a todas elas.

A NOSSA EMPRESA JÚNIOR!A diretoria do CAL, incentivada pelo espírito

empreendedor de alunos de tantos outros cursose instituições, pensou: por que não termos emuma EJ de Letras? Na última Assembleia Geraldos Estudantes de Letras, realizada em dezeno-

ve de setembro, o CALdeu o pontapé inicial paraa criação da nossa Em-presa Júnior. Naquelaassembleia foi escolhidaa comissão que elabora-

rá o estatuto da futura EJ, que irá ofertar servi-ços de consultoria nas áreas do nosso curso,como  revisão, tradução, produção de materialdidático de Literatura, Línguas e Linguística.Poderá ofertar também o ensino de línguas (es-trangeiras, clássicas e português) para os própri-os estudantes de Letras e, se for o caso, para acomunidade externa. Tudo isso a preços módi-cos, que servirão para manter a empresa. Os

As EJs da UFPRAs EJs da UFPRAs EJs da UFPRAs EJs da UFPRAs EJs da UFPRCENTRAL AGRÁRIA Empresa Júnior do Setor de Ciências AgráriasCIVIL JR Empresa Júnior de Engenharia Civil da UFPRCOEM Consultoria de Engenharia Mecânica da UFPRCOPLAF Empresa Júnior de Consultoria e Planejamento Florestal da UFPRECOS Empresa Júnior de Biologia da UFPREJ AMBIENTAL Empresa Júnior de Engenharia AmbientalEJEQ Empresa Júnior de Engenharia Química da UFPR EMJEL Empresa Júnior de Assessoria em Eletro-Eletrônica da UFPREMMATI Empresa Júnior de Matemática IndustrialFÁBRICA DE COMUNICAÇÃO Empresa Júnior de Comunicação SocialINFO JR Empresa Júnior de Informática da UFPRJR CONSULTORIA Empresa Júnior do Setor de Ciências Sociais Aplicadas da UFPRJÚNIOR DESIGN Empresa Júnior de Design da UFPRMADTEC Empresa Júnior de Engenharia Industrial MadeireiraMARIS Empresa Júnior de Ciências do MarTRILHAS Empresa Júnior de Turismo da UFPR

a EJ de Letras, que terá comopúblico principal pessoascarentes, que não podem

pagar Uma escola particular

estagiários e contratados, que deverão obrigato-riamente ser alunos do curso, poderão receberum salário, mas que será simbólico, visto que suaatuação será contada como atividade voluntáriae formativa, que pode ser contabilizada nas 200horas previstas em currículo, que precisamoscumprir. Outro aspecto importante é o carátersocial da EJ de Letras, que terá como públicoprincipal (no caso das aulas de línguas e texto)pessoas carentes (mas carentes mesmo!), quenão podem pagar um curso de línguas em umaescola particular. Esse tipo de trabalho enfatizao fim não lucrativo, citado logo acima. Valelembrar que é esse tipo de iniciativa que faz adiferença para uma grande parcela da populaçãodo nosso país, onde quem tem menos recursostambém tem menos oportunidades para melho-rar a própria vida e a vida da família.

Então, por que não ter uma empresa júnior deLetras? Seria mais uma oportunidade de colocar-mos em prática nosso conhecimento, com asvantagens de fazer um trabalho social de grandevalor e dar mais visibilidade ao mais que reco-nhecido curso de Letras da UFPR!

Page 6: Jornal Boca do Inferno #26

CELIN, O ZERO E O INFINITO, LAMENTOSOBRE UM NÃO-FAZER ACADÊMICO

MATÉRIAS

AGUINALDO MOREIRA

6 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR

Tramita junto à Procuradoria da República (au-tos no. 1883-2011-10) uma denúncia de improbi-dade administrativa contra o Celin/UFPR, é um atoextremo diante da política arbitrária adotada pelainstituição, que tem preterido estagiários do Cursode Letras em prol de pessoas que são estranhas aomeio universitário, que sequer têm formação emLetras e ali atuam como professores em línguas dasnossas licenciaturas. Lembremos que a escola foicriada com fins formativos e é uma incoerênciatermos uma instituição como o Celin, aberta à mul-ticulturalidade e refratária à comunidade discentede uma Universidade Pública. Aliás, público é odinheiro que entra nos cofres da nossa universida-de através de Guias de Recolhimento da União,pagas por 3500 alunos dos mais variados cursos docentro de línguas, um curso de 60 horas custa R$435,00; é uma conta de milhões. Como é emprega-do este dinheiro? Será uma improbidade o desvir-tuamento do uso do bem coletivo, quando utiliza-do para pagar pessoas sem a mínima titulação aca-dêmica específica? Estamos falando no âmbito de

ACONCHEGANTE IMENSIDÃO

Ela observava o mar, sentada num banco, sozi-

nha. Tinha a pele bronzeada pelo sol, longos

cabelos cacheados e loiros, um olhar suave,

azul como o céu. Seu corpo era esbelto, suas

mãos, finas e compridas. Era encantadora.

Quando a solidão apertava seu peito, costumava

olhar o mar e vagar pela imensidão azul-esverdea-

da, passeando, apenas com os olhos, por toda a praia.

Nesses momentos, sua beleza tornava-se ainda mais

evidente. O sol deixava seus cabelos dourados, e seus olhos brilhavam,

agora com um ar melancólico que a fazia ainda mais doce.

A falta que ele fazia a tornava menos alegre, dando-lhe um sorriso

tímido e um olhar triste. Já haviam se passado anos, mas sua vida não

seria mais a mesma. Já tentara mudar de cidade, conhecer novas

pessoas, novos amores, mas nada fora capaz de apagar a marca

deixada por aquele amor. A maneira repentina com que seus planos

e sonhos foram destruídos deixou uma cicatriz em seu peito, que fazia

questão de esconder. Mostrá-la seria como provocar a curiosidade alheia.

Explicá-la seria ainda mais doloroso, por trazer à memória aquele dia que tanto

desejava esquecer.

Cansada de tanto tempo perdido e tantas tentativas frustradas, levanta-se e

caminha em direção ao mar. Seus passos são lentos, como os de quem não deseja

chegar a lugar algum, mas com a decisão de quem escolhe um caminho. A praia

parece tão longa, o mar parece tão distante. Até que então ela sente a água tocar

seus pés, acariciá-los como quem os deseja, como quem os quer para si. O calor do

mar toma conta de suas pernas, um calafrio se espalha por todo seu corpo. Seus

seios, seus ombros, seu pescoço vão sendo submersos pela amplitude azul. Seus

cabelos são recebidos pela água cálida, enquanto ela continua andando. Seu

corpo é acolhido por aquela aconchegante imensidão, que a envolve com a paz

que tanto desejou.

SARA DUIM[minhaconstanteinconstancia.blogspot.com]

TEXTÍCULOS

CAL UFPR . BOCA DO INFERNO . 19

ATIVIDADES FORMATIVAS: O QUE,COMO E QUANDO CUMPRIR

uma, repetimos, Universidade Pública que formaprofessores. Existe ética acadêmica nisto?

Para os estudantes de Letras, que representa-mos a maioria dos interessados no Celin, é lamen-tável não conseguirmos participar dele, ou ver-mos colegas aos prantos porque não realizaram otão almejado sonho de estagiar na escola-escola.É claro que um estudante ou recém-formado nãotem a competência de um professor profissionalde língua, que embora não graduado tem, porexemplo, dez anos de experiência e ainda vivênciano exterior; mas, cremos que, para uma empresasem ética social é bem mais fácil e produtivo con-tratar pessoas assim. Entretanto, de que compe-tência falamos? Daquela que nos é transmitida naacademia? Que é tão valorizada quanto despreza-da. Qual será o fim do Celin?

Nós, discentes e docentes graduados, estamosimpotentes diante dos obscuros plenos poderesde um “caso de sucesso”. É como se, neste cami-nho, somente pudéssemos olhar as estrelas refle-tidas em poças d’água.

A maioria de nós já deve estar ciente que, além da carga horária que cumprimos em sala de aula

ou em estágio supervisionado, temos no nosso currículo, aliás, nos currículos 2007 e 2009, uma

quantidade de horas a que chamamos de “atividades formativas”. Bem, se ainda não sabiam,

leiam até o fim.

Na UFPR, as atividades formativas são reguladas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão

– CEPE, particularmente através da resolução XX/XX. Em síntese, são “atividades extra-curricu-

lares que forem consideradas pelo colegiado do curso, após análise criteriosa da documentação

comprobatória, como complementares à formação do aluno”. Como saber que atividades são

formativas? Fácil. Em 2008 o Colegiado do Curso de Letras aprovou uma Instrução Normativa (IN

01/08), que diz o que é considerado atividade formativa para nós, assim como qual o “peso” de cada

atividade, isto é, o que vale mais e o que vale menos (vide quadro 1). É importante lembrar que as

atividades, que devem somar duzentas horas, podem ser feitas no decorrer da graduação e, para

efeito de contagem, deve-se apresentar os documentos comprobatórios (certificados, declarações

e coisas do gênero) à Coordenação no penúltimo semestre antes da formatura (vide quadro 2).

peso1,0

peso0,75

peso0,5

VALOR POR ATIVIDADEAtividade na área de Letras (Estudos Linguísticos,Estudos Literários e Estudos da Tradução)oferecidas por instituições de ensino superior:

Atividades em áreas afins à área de Letrasoferecidas por instituições de ensino superior:

Atividades na área de Letras (EstudosLinguísticos, Estudos Literários e Estudos daTradução) oferecidas por outras instituições:

TIPOS DE ATIVIDADEParticipação em eventos acadêmicos: 100 horas

Monitoria de disciplinas:1 semestre, 30 horas / 2 semestres, 45 horasBolsa (Iniciação Científica, Extensão, Licenciar):

01 ano, 60 horas / 02 anos, 90 horasEstágio não obrigatório supervisionado: 60 horas

Estágio não obrigatório não supervisionado: 30 horasCursos de extensão: 100 horas

Prêmios na área de Letras: 02 horasPublicação de trabalhos: até 20 horas por trabalho

Representação discente:30 horas (com comprovação de freqüência)

Page 7: Jornal Boca do Inferno #26

RESENHA

“RIBAMAR”, DE JOSÉ CASTELLOSÉRGIO FERREIRA

18 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR CAL UFPR . BOCA DO INFERNO . 7

Não foi lendo a sinopse que me interessei pelaleitura de Ribamar; tampouco conheço outrosescritos de José Castello. O que me empurroupara aquelas páginas foi a frase de abertura doromance: “Meu mal tem uma origem precisa: souobcecado por Franz Kafka.” Tomando a citaçãocomo se fosse uma descrição precisa de minhaprópria condição, senti-me na obrigação de con-tinuar a leitura daquelas linhas. Mas o narrador-personagem vai muito mais além da obsessão. Elenão apenas vê a si mesmo em Kafka, mas tambémaponta semelhanças entre a relação do escritortcheco com o pai, Hermann, e sua própria relaçãocom o pai, Ribamar. As primeiras pági-nas parecem mostrar um adolescenteressentido com a sombra que o paiprojeta em sua vida - mesmo depois demorto - utilizando-se de clichês e luga-res comuns para descrever esta relação;mas quem não parece um adolescentediante do poder que a figura paternaexerce sobre os filhos? A idade é fatorinsignificante quando o assunto “pai” éposto na roda. Mesmo para o homemde quarenta anos, que se consideravivido, com família constituída, dian-te do pai, diminui-se e age como umjovem receoso e inexperiente.

No início, o que mais chama atençãoé a forma como o narrador/persona-gem constrói a imagem do idoso - comrepugnância, nojo, aversão à condiçãofísica do ser humano nesse último es-tágio de sua existência. Ele encontra-se no asilo onde seu pai está internadoe ajuda-o a tomar banho. Tudo nocorpo do homem velho lhe causa re-pulsa: a barba, os lábios, os músculosenvelhecidos e “[...] Aquele sexo mor-to, de onde eu vim.” Esta repulsa pos-sui duas fontes: a primeira, e já citada,é o repúdio pela velhice por si só; asegunda é a repulsa não pela velhicecomo condição da vida, mas a velhicede seu pai em especial, aquele homemque passou anos de sua vida projetan-do uma sombra de grandeza, sobera-nia e potência viril na vida do filho,

mas que agora é visto em uma realidade físicadecadente. O que o filho deve fazer com a imagemsolidamente estruturada e temível que ele crioudo pai ao longo da vida, quando agora ele o vêcomo um ser deteriorado e incômodo? É justa-mente a busca pelo “o que fazer?” que move onarrador-personagem de volta a sua terra natal egera toda a narrativa do livro. (Para mais sobreesta perspectiva recomendo o conto A preocupa-

ção de um pai de família, de Franz Kafka.).Na cidade em que foi criado ele procura por

pessoas que possam ter convivido com o pai e seaproxima delas com a desculpa de que está escre-

vendo a biografia do homem. Em um asilo en-contra um velho com idade suficiente para tervivido na cidade no mesmo período em que o paie passa a fazer perguntas ao velho, que com umamemória não muito boa, diz de primeira queprovavelmente não o conheceu. A partir dessemomento Ribamar torna-se um livro basicamen-te de citações, aliás, não necessariamente nessemomento, pois as citações ocorrem desde o início,mas aqui elas se intensificam, ou por inabilidadedo autor em lidar com a temática ou por ser umacaracterística do narrador-personagem. No finaldas contas a sensação é a de que as palavras lidas

não são originais, não são de fato dequem conta a história, pois ele se vê nosescritos de outros autores. Para tudo onarrador-personagem acha um equiva-lente, na maioria das vezes em Kafka –seja em sua obra ou mesmo em dadosbiográficos -, mas também em ManuelBandeira, em Robinson Crusoé de Dani-el Defoe e outras poucas mais, que sãorevistas à exaustão. Decerto, pouca coi-sa se lê a respeito do pai e mesmo donarrador-personagem, pois a todo omomento em que este rememora situa-ções e episódios de sua vida com o pai,ele se embrenha na vinha de Kafka,traçando o que ele enxerga como sendofatos equivalentes.

A verdade é que, depois de Carta ao

pai, qualquer outro livro que se propõea tratar o tema já é olhado com certadesconfiança. Desconfiança esta quetive intensamente. Não se deve dizerque nunca mais o tema será tratadocom a brevidade e a pontualidade coma qual ele já foi trabalhado por Kafka –sem querer entrar em questões como aficcionalização ou não do teor dos fatosnarrados na carta -, mas, por mais agra-dável que tenha sido ler curiosidadessobre a vida do escritor tcheco, dentreoutras do tipo, Ribamar me pareceunadar, nadar, e morrer na praia. Seuobjetivo pode não ter sido assemelhar-se com a carta de Kafka, mas as compa-rações são inevitáveis.

sub-realidade

NÃO É SOBRE AMORWILLIAM PINHEIRO[ sub-realidade.blogspot.com ]

O mágico não levava jeito com a corda bamba. Suavarinha era pequena demais para manter-lhe oequilíbrio, que ele mal conseguia equilibrar a car-tola em sua cabeça. A plateia, evidentemente, tor-cia para que ele caísse.

Do outro lado da corda, sentada sobre algo queparecia ser um trampolim, a bailarina, vestida paraencenar O Lago dos Cisnes, segurava um algo quependia do teto e que parecia com um trapézio.

Lá embaixo, o palhaço tentava chamar toda aatenção para si. Ele recitava um poema chato sobrecomo o mundo havia sido criado enriquecido comrimas pobres e iambos e troqueus.

Meu papel era fazer com que tudo desse errado.Eu seria o primeiro a rir quando um deles falhassee a puxar vaia quando o truque fosse mal executadoou a piada fosse sem graça. E, para isso, eu carrega-va comigo uma espingarda.

...Seria muito mais simples se em vez de ter de se

equilibrar o mágico pudesse transformar a cordanuma prancha ou algo largo e firme o suficientepara que se pudesse simplesmente caminhar sobreela. Ou quem sabe uma corda invisível presa ao tetoque o fizesse não só se manter equilibrado, mas sercapaz de flutuar levemente sobre o picadeiro.

A bailarina olhava para ele como se pacientemen-te o esperasse. Ela era sem dúvida a criatura maisatraente, porque misteriosa, de todas sob aquelalona. Havia um brilho terno em seus olhos; umacoisa que eu não mesentia capaz de fazerdar errado.

De propósito, deiatenção ao palhaço;

ninguém mais estava olhando para ele; era maisfácil que ele arrancasse pena das pessoas do querisos. Era dramática sua situação; se eu conseguissefazer dar errado, eu estaria, paradoxalmente, fa-zendo com que as pessoas rissem do palhaço.

Minha responsabilidade era a maior de todas. Eumudaria o curso das ações; aquele espetáculo aoavesso tomaria outras proporções devido simples-mente à minha presença e, sobretudo, à minha von-tade. Se alguém deveria ser culpado, esse era eu.

…O mágico era um mágico. E não um mago. O que

ele fazia era enganar as pessoas, se aproveitar desuas falhas de percepção e se usar de apetrechostecnológicos para que todos acreditassem nele.Mas sabia que ninguém acreditava. Se ele fossemago, ele implantaria sua verdade nas pessoas;elas acreditariam e nem questionariam. Ele pode-ria se transformar num dragão e salvar a princesa.Ele não teria que estar ridiculamente se equilibran-do sobre uma corda frouxa no alto de um circofalido para um público respeitavelmente imbecil.Ele não precisaria se submeter a tanto para podercortejar uma dama, a sua dama.

A dama havia se posto em pé sobre o trampolim;seu brilho nos olhos e suas sobrancelhas clamavampela ajuda; era possível sentir a insegurança nadelicadeza com que segurava o trapézio; suas per-nas, tremendo, faziam o trampolim sacudir. Elaestava prestes a cair e nós, todos nós, riríamos e

iríamos para a casa contentes e, principal-mente, satisfeitos.

O palhaço falava da chuva que molha-va as almas impiedosas que deixavam

de existir por terem sido esquecidas eabandonadas; falava asneiras sobre

criaturas de carbono que achavam

que um dia virariam diamantes. Era ridícula a con-vicção estampada debaixo de sua maquiagem; maseu preferia não rir para que não parecesse que oengraçado era o palhaço. Sua metáfora era sarcásti-ca e corrosiva, mas, vinda de baixo, não nos atingia.

Por isso, naquela noite eu ia querer usar balas defestim; meu objetivo era chocar e não, nunca, ma-chucar. Limpei a arma e carreguei uma bala em cadacano; eu sentia que ela sabia melhor do que eu o queaquilo significaria.

…Com todo o cuidado, apoiei a espingarda entre as

pernas e coloquei os dois canos dentro da minhaboca; delicadamente, estiquei meu braço alcancei ogatilho, de modo que a arma fizesse um ângulo retocom meu nariz; relaxei meu corpo e olhei em volta.

Os três atores em cena estavam parados – a nãoser pelo tremelicar das pernas da bailarina, o levechacoalhar da corda que o mágico penava em man-ter firme e o suspiro profundo do palhaço de olhosvazios –, a audiência ensandecida estava tensa ecalada.

Puxei o gatilho e ouviu-se um estrondo. No mes-mo instante a bailarina desequilibra-se e cai – noseu rosto nós todos vemos seu desespero; a cordabamba do mágico arrebenta e ele vê sua morte lheesperando no chão de braços abertos; todos vemosa bailarina não sendo forte o suficiente para sus-tentar seu próprio corpo soltando seus dedos deli-cados do trapézio. Víamos todos, com uma misturade ânimo, excitação e alegria, a morte deles sorrin-do lá embaixo.

Na mesma velocidade que o inesperado tinhacomeçado, o mágico prende-se magicamente à cor-da, que, num movimento centrífugo, o joga emdireção à bailarina. Ele consegue alcançá-la no ar e,como num passe de mágica, os dois chegam ao chãosão e salvos. E quando seus pés tocam o chão umarevoada de pombos brancos eclode em direção aocéu; no fundo acende-se um coração vermelho feitoem neon.

O respeitável público aplaude em pé, sem enten-der. Rosas são jogadas ao picadeiro. Sob as rosas,o palhaço: o tiro o havia atingido. Já não maisrespirava e ninguém mais o via. Seu último discursose tornou seu epitáfio. E era sempre assim: cada vezque eu me matava, era sempre o palhaço que mor-ria. Era sempre o palhaço que morria.

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ALGUNS PRESSUPOSTOSÉ difícil escapar à tentação de esmiuçar os escritos de Lima

Barreto, o qual, possuidor de uma imbatível retórica mili-tante e de um estilo de caráter social, mesmo no desempe-nho frenético de ser cronista de jornal de época, sabia fisgarnovos leitores e compor a sua ficção em plena RepúblicaVelha. Podemos crer, quando o assunto é levantar alusõesas obras lidas e consultadas, Lima atinge um grau satisfató-rio, tendo em vista as variadas fontes que embeveceu o seudiscurso romanesco. O escritor carioca era freqüentadorassíduo da Biblioteca Nacional, e um contumaz leitor doscompêndios universais de filosofia, história universal eliteratura. Não foi à toa, que o seu último e póstumo livroDiário no Hospício recebeu fortes influências e correlaçõesda obra Recordações da Casa dos Mortos, do escritor russoTheodor Dostoievski. E resta destacar, que Lima foi umaespécie de intelectual autodidata e canalizador de muitosprojetos culturais (Linguagem suburbana, estilo caricato ecômico, entre outros) que antecipou muito daquilo queoutros escritores confeccionaram posteriormente nos seusromances.

Indubitavelmente, que o escritor Lima Barreto tenhasofrido na pele um exagerado grau de racismo e afastamen-to das elites intelectuais de época. Racismo e pobreza foramos dois principais vocábulos que cercaram o seu árduocotidiano no mundo das letras e da sua fiel missão de“queimar os seus navios” (a carga semântica dessa tradici-onal frase utilizada por Lima expressa a sua paixão peloofício de ser escritor, da própria literatura). Lutar nacondição de mulato desamparado e residir no subúrbio dacidade do Rio de Janeiro foram fatores discriminatórios queprovocaram a falta de credibilidade nos seus escritos en-quanto o autor estava vivo.

Na verdade, o escritor Lima Barreto era contra qualquercultura de privilégios a todos os tipos de pessoas, inclusive,cabe aqui se relatar, a existência, da sua parte, desde ocomeço de sua carreira, uma forte perseguição aos douto-res: “Para a massa total dos brasileiros, o doutor é maisinteligente do que outro qualquer, e só ele é inteligente; ésábio [...]”, ressalta Lima. É notável, verificarmos ao longode seus trabalhos certa aversão para aquilo que chegava doexterior, assim como a cultura letrada, baseada nos moldesda universidade. Na mentalidade de Lima o nosso Brasildeveria ser uma nação justa sob vários desses aspectos, e,para continuar exercendo o seu ofício com destreza, preci-saria fazer da sua arte literária, uma espécie de militância edenúncia social sobre os variados problemas que observavanas elites cariocas.

Longe do chauvinismo literário pregado pelos “almofadi-nhas da literatura”, Lima combateu nos seus árduos escri-tos, cobertos de irreverência popular e erros de gramáticapara perpetuar em um horizonte de defesa a seu grandiosodesejo: fazer da literatura uma profissão digna. Enfim, Limaproduziu com sua espontaneidade uma literatura semprecedentes na história de nossa nação, buscando mesclarsuas inquietudes e angústias, canalizando-as e projetando-as para permanecer eternamente na memória de nossosescritores e pesquisadores. Obviamente, esse tipo de estu-do aqui ofertado, servirá de ferramenta ou balizamentointelectual para seu acervo bibliográfico científico.

ARTIGOS

OS MANUSCRITOS E AS FONTESCRISTIANO MELLO DE OLIVEIRA

MANUSCRITOS DE LIMA BARRETONos arquivos pessoais da obra barretiana é possível en-

contrar diversos tipos de manuscritos que abrangem aseguinte forma: esquemas de trabalho, roteiros, distintostipos de rascunhos, índices, sínteses e resumos, recortes dejornais, recortes de revistas, cartas íntimas, folhas manus-critas e exemplares de seu ofício. Isto é, textos manuscritoscom anotações nas margens, entrelinhas e folhas de guarda,rasura a lápis ou a tinta na letra do escritor, reescritos à suamaneira. Assíduo e leitor da variedade jornalística existentena época foi Lima Barreto, possivelmente, o maior guarda-dor de recortes de jornais e que o lia com freqüência na suarepartição ou na própria Biblioteca Nacional. Provavelmen-te, Lima Barreto colecionou uma boa parcela de recortes derevistas e jornais de época para justificar o fundo históricorealista que articulava o cenário nos seus trabalhos literá-rios. Dentro dessas coleções, Lima fichou assuntos, multi-plicando seus traços, realizando sínteses rápidas, guardan-do tiras dentro dos seus volumes, adicionando de formagradativa esquemas e lembretes. O curioso disso tudo é queboa parte desses manuscritos estão em folhas do antigoMinistério da Guerra e, boa parte possui riscos no título dainstituição, indicando que Lima escrevia muitas anotaçõesdurante o horário de seu expediente. Portanto, as fontesprimárias da sua produção intelectual estão voltadas aosprincipais elementos das muitas habilidades da vida destenotável escritor: jornalista, cronista, romancista e amanteda cultura brasileira.

Nesse sentido, esses documentos e manuscritos estãolocalizados de variadas formas e aspectos: esboços de car-tas, tiras, anotações soltas, rascunhos improvisados, entreoutros. Em tempos atuais, todos se encontram em plenoestado satisfatório de conservação, mesmo amarelados eum pouco corroídos, possibilitando assim variadas emprei-tadas de pesquisas e investigações. Exposto em linhas geraisessa conjuntura pode ser consultada para aquele pesquisa-dor mais curioso que deseja saber os percalços genéticos esondar quais foram às principais inquietações intelectuaisde Lima Barreto. Todo esse manancial produtivo pode serencontrado, atualmente, na seção de manuscritos da Bibli-oteca Nacional, e neles estão contidos pistas e rastros de umescritor que varou distintos episódios históricos (Transiçãodo regime monárquico para o republicano, revolta da vaci-na, reforma do prefeito Pereira Passos, etc) e conseguiuobservá-los através de suas lentes aguças. Gradativamenteo alvoramento dos seus escritos acaba tomando rumo emvariadas pesquisas e investigações ao longo de muitos per-cursos acadêmicos. Lima observou tudo e registrou deta-lhes como se fosse um grande historiador preocupado coma memória de sua nação. Em suma, esse organismo vivochamado Rio de Janeiro do final do século XIX e inicio do XXfez parte da sua história e ficção. Cidade que Lima teve apreocupação e paixão de descrever todo um acervo dedetalhes históricos que fez parte da sua rotina e de sua vida.

Mas esse contexto histórico, sobretudo, nas fases quevivenciou Lima Barreto, está demarcado pelas tradiçõesincrustadas na história oficial de várias instituições, emparticular a própria Biblioteca Nacional, onde Lima tantoleu, pesquisou e freqüentou. Não foi à toa que tambémironizou em forma de crônica aquele próprio espaço e

ambiente. “A diretoria da Biblioteca Nacional tem o cuidadode publicar mensalmente a estatística dos leitores que aprocuram, das classes de obras que eles consultam e dalíngua em que as mesmas estão escritas.” […] “O Estado temcuriosas concepções, e esta, de abrigar uma casa de instru-ção, destinada aos pobres-diabos, em um palácio intimida-dor, é das mais curiosas.”1 Se formos fundo nas concepçõesestabelecidas por Lima, porém, observamos que ela mesmaé complexa, tendo em vista, o forte paradoxo que era anação brasileira frente ao número de leitores naquele perí-odo. Curioso seria imaginarmos a grandiosidade de referên-cias adicionais que Lima consegue atingir, sejam elas diretasou indiretas, certamente, caberia um grandioso estudo deinvestigação. Mesmo assim, cabe o leitor mais informadopela seqüência de ironias, tentar ao menos imaginar comotudo isso foi confeccionado ou arquitetado para melhorresolução, aliás, são desses fragmentos, que melhor resgatao interesse imaginário.

Sem dúvida, foi através desse pano de fundo histórico edocumental que o autor de Policarpo Quaresma conseguiuobservar, através de suas marcas pessoais, todo um roteiro

1 ___________,Lima. “A biblioteca”, In: Contos reunidos. Belo Horizonte: Crisálida.

2005. p. 171

TRADUÇÃO

Caros colegas, apresento a tradução de “When we two parted”, do poeta britânico oitocentista Lord Byron, realizada por meus alunosda ‘Oficina de prática de tradução literária’ neste primeiro semestre de 2011. O texto abaixo foi apresentado como trabalho final da oficina,tendo sido elaborado pelos seguintes alunos: Anna Beatrice Reis Fernandes, Juliano Costa, Laura Faraone Prieto e Stephanie daSilva Madeira. Toda a proposta rímica e métrica, assim como as soluções estilísticas e vocabulares foram de consenso do grupo.

Parabéns a todos pelo trabalho.

WHEN WE TWO PARTEDVINICIUS FERREIRA BARTH*

WHEN WE TWO PARTEDWhen we two partedIn silence and tears,Half broken-hearted

To sever for years,Pale grew thy cheek and cold,

Colder thy kiss;Truly that hour foretold

Sorrow to this.

The dew of the morningSunk chill on my brow–It felt like the warning

Of what I feel now.Thy vows are all broken,

And light is thy fame:I hear thy name spoken,And share in its shame.

They name thee before me,A knell to mine ear;

A shudder comes o’er me–Why wert thou so dear?

They know not I knew thee,Who knew thee too well:

Lond, long shall I rue thee,Too deeply to tell.

I secret we met–I silence I grieve,

That thy heart could forget,Thy spirit deceive.

If I should meet theeAfter long years,

How should I greet thee?With silence and tears.

* Vinicius Ferreira Barth (mestrando em Literatura pelo PPG-Letras - UFPR)

QUANDO NÓS DOIS PARTIMOSquando nós dois partimosem silêncio, em prantos,

em corações partidose lástimas de anos tantos,

quão branca a face torna e quão gelada,mais gelado ‘inda é teu beijo;previu aquela hora marcada

a angústia que nesta hora vejo

o orvalho da auroraescorreu, frio, em mim –

como aviso de outrorado que sinto, enfim.

teus votos quebraram,e a luz é teu brilho:do teu nome falam,

e da vergonha compartilho.

te dão nome diante de mim,som lúgubre que ressoa;

tremores passam por mimpor que me foste tão boa?não sabem que te conheci,quem te conhece tão bem:

tanto sofrerei por ti,e entanto não saiba ninguém.

escondo te conhecer –silencio meu lamentar,

o que teu coração possa esquecer,teu espírito enganar.

se acaso eu te encontrardepois de anos tantos

como te encarar?com silêncio, em prantos.

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PRIMÁRIAS DE LIMA BARRETOde testemunhos para fins de elaboração da sua obra artís-tica. O contexto histórico-político da República Velha (1900-1920) serviu como cenário para formular novos pensamen-tos e transformá-los em realidades à qual representou combastante otimismo. Dessa forma, recolheu variados ma-teriais que lhe interessavam e pudessem ser aproveitadospara a confecção de suas ficções. Diversos acontecimentosfizeram o cenário de fundo de vários enredos: em Clara dosAnjos, teremos a transformação dos subúrbios; Memóriasdo Escrivão Isaias Caminha, teremos o cenário dos expedi-entes jornalísticos; Numa e Ninfa, teremos o palco especu-lativo e acirrado da política de época; Vida e obra de M. J.Gonzaga de Sá, teremos o cenário das antigas repartiçõespúblicas, enfim essa tapeçaria romanesca acaba condicio-nando um olhar mais interrogativo e problemático quevisa sondar os possíveis liames históricos que Lima tantoabarcou durante sua carreira literária. Lima conseguiuconcatenar toda essa conjuntura buscando ousar ao má-ximo das vertentes referenciais de fim dos oitocentos einício dos novecentos. Portanto, é possível compreenderque o escritor Lima Barreto, colecionou por longa data,variado jornais e documentos de época, com a finalidadede reproduzir e arquivar para posteori algo que pudessereaproveitar em seus escritos.

Não seria leviano afirmarmos que Lima Barreto articu-lava seus trabalhos de forma audaciosa e improvisada,possivelmente comandados pelos desejos ou impulsos deordem mental. Por isso, é comum verificarmos através dosseus estudos críticos uma luta constante por parte doescritor carioca pelo próprio ofício de ser um intelectualbem sucedido, ou ao menos fazer lograr êxito nas suasobras. Possivelmente, na pena do escritor carioca as pala-vras “audaciosa” e “improvisada”, tenham significadosquase parecidos, designando ora a justiça naquilo queacreditava fazer através das palavras, ora sendo capaz deimprovisar novos recursos para conseguir terminar seusescritos. Para o criador de Policarpo Quaresma, a redaçãoera sempre um fato inacabado, sujeito a recomposições,mesmo quando em forma de artigos já publicados emjornais. Boa parte de suas redações e esboços são marcadospela atitude frenética da correção e de uma obra sempreaberta a inserções vocabulares e textuais. Por esse motivo,é notório afirmarmos que mesmo quando o texto já estavapublicado, Lima ainda fazia correções buscando verificarnaquilo que poderia aperfeiçoar ou ao menos cuidar comas suas imperfeições.

Era no afã e na luta a favor dos curtos e vertiginososexpedientes, enquanto era amanuense de guerra, que Limareproduziu tudo aquilo que observou e constatou atravésdas suas lembranças. Talvez seja esse o principal mote peloqual seu dossiê genético é sustentado por diversos percalçosimprodutivos da própria escrita. As rasuras e rabiscos,abundantes, testemunho notório do refundir ao rascunharou passar a limpo, acabam definindo diferentes etapas deconstrução e confecção do texto de Lima Barreto. Nessesentido, a falta de acabamento dos seus escritos, a redaçãoincompleta em determinadas etapas que a compõem, opreparo das idas e vindas agitados dos raros expedientesociosos no Ministério da Guerra. O fluxo das fases de criaçãona pena que correu, ou na raras vezes que usou a máquinade escrever, que nem sempre remou ao seu favor, assimcomo, as árduas etapas que resolveu fazer uso da gramáticaou mesmo a preguiça de consultá-la, enfim tudo isso valeupela memória que deixou e é um grandioso acervo de suas

maturações intelectuais. E ampliam, portanto, a compreen-são da obra de um autor percebendo o desdobramento dassuas árduas etapas de um leitor e crítico de Lima Barreto.

Além disso, o escritor carioca vivia numa constante lutacom sua própria caligrafia, que paradoxalmente considera-va o fruto dos seus principais empecilhos. Por essas razões,podemos postular que a letra de Lima é uma combinaçãonervosa de rapidez, movimento agitado, tentativa de per-feição, enfim uma série de apetrechos que remam peladificuldade de fazer algo a favor das letras. Ao escrever dessaforma, podemos supor que Lima não conseguia reescreverpacientemente seus trabalhos artísticos. Tampouco, tenta-ria escrevê-los em uma máquina de escrever para satisfazersuas possíveis deficiências de cunho organizacional. É evi-dente que isso tudo deixava o escritor carioca ainda maisaflito e perplexo com as queixas dos seus editores. Provavel-mente, essa premunição anunciada através desses escritos,possa realmente explicar uma falta de organização criteri-osa e definição dos assuntos que gostaria de tratar com maisvontade e espontaneidade. Universo que, no âmbito dotrabalho de Lima, reúne árdua escolha vocabular, hesita-ções, permuta de frases e sintagmas lexicais, conectivos,enfim mudanças de direção e rumo. Com efeito, tudo issoacaba abrindo novas lacunas na sua imaginação, ao tentarabsorver novas idéias; encarar as recriações e reinvenções devocabulário e caminhos para execução das técnicas de nar-rativas. Podemos supor, portanto, que o resultado desseprocesso criativo acabe abarcando o próprio repouso dosoriginais para uma futura divina inspiração. No entanto,cabe salientar que naquele período Lima não era adepto àparafernália tecnológica que surgira durante sua vida artís-tica e literária. 2Esse jogo de ir e vir é que alimentava o prazerao perfeccionismo de sua obra. Vejamos as palavras deGilberto Freire a tal respeito: “A Lima Barreto faltou forma-ção universitária ou seu justo equivalente: o conhecimentoque reuniu sobre os assuntos de sua predileção vê-se peloseu diário íntimo que foi um saber desordenado e como elepróprio boêmio”3

ALGUMAS CONCLUSÕESDeclaramos no inicio desse estudo que muitos estudiosos

e pesquisadores ficaram instigados em esmiuçar os escritosde Lima Barreto. Ou seja, muitos leitores desejavam saberquais foram as principais circunstâncias que cercaram oofício do romancista carioca. É por esse motivo que nostempos atuais é possível identificarmos muitos resquíciosdessas confluências e entrelaces dessas confluências nassuas respectivas obras. Um bom exemplo seria o conto Ohomem que sabia javanez,onde apresenta a prova dessasmaturações que brotam nas linhas e nas entrelinhas, fazen-do alavancar várias problemáticas interligadas nesses dis-cursos, sejam através das inúmeras rasuras, sejam atravésdas escolhas vocabulares. Tentamos, ao longo deste artigo,perfazer essa linha de raciocínio exploratório dos principaisrastros e pistas genéticas do romancista Lima Barreto.Outrossim, esboçar algumas reflexões sobre seus manuscri-tos, guardados a “sete chaves” na Biblioteca Nacional.

Ampliando, deliberadamente, os limites do tema propos-to, nosso objetivo também foi remontar de forma reflexiva,o arquivo dos seus manuscritos, tido como fontes primárias

que fazem parte da memória literária do Brasil do inicio doséculo XX. Investigar esse arquivo, localizado na BibliotecaNacional, significa compreender as principais circunstânciashistóricas, sociais e artísticas que envolvia o projeto literáriode Lima Barreto. Tais curiosidades e inquietações de pesqui-sa podem elucidar grandes detalhes sobre o papel do escri-tor na sociedade daquele período, assim como alavancarnovos estudos a esse assunto ainda tão pouco explorado ediagnosticado para futuros trabalhos. Observamos, final-mente, concluindo e reiterando, que no tom geral dasconsiderações tecidas aqui, junto com uma grande pitada deanalogias e aspectos sociológicos nosso artigo tentou ofere-cer algumas possibilidades de produção de sentido para amajestosa narrativa de Lima Barreto. Tais sugestões epossíveis direções de leitura procuram fornecer apoio einterpretação para outros contos que o escritor se empe-nhou em realizar e demonstrar através de uma crítica anossa própria sociedade.

REFERÊNCIASBARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. Rio deJaneiro: José Olympio. 2002.BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. Rio deJaneiro: Brasiliense. 1969.__________, Lima. Clara dos Anjos. Rio de Janeiro: Brasi-liense. 1969.__________, Lima. Recordações do Escrivão Isaias Caminha.Rio de Janeiro: Brasiliense. 1969.__________, Lima. Numa e Ninfa. Rio de Janeiro: Brasilien-se. 1969.___________, Lima. “Como o homem chegou”, In: Contosreunidos. Belo Horizonte: Crisálida. 2005.___________,Lima. Diário no hospício e o Cemitério dosvivos. São Paulo: Cosaicnaify. 2010.___________,Lima. “A biblioteca”, In: Contos reunidos.Belo Horizonte: Crisálida. 2005.___________, Lima. “Miss Edith e seu Tio” In: Feiras eMafuás, São Paulo: Mérito, 1953.FREYRE, Gilberto. Vida, forma e cor. Record, Rio de Janeiro:1987.HISTROGILDO. Pereira Silva. Lima Barreto o escritor mal-dito. São Paulo. Gráfico. 1976OAKLEY. R. J. Lima Barreto e o destino da literatura. São Paulo.Unesp. 2011.

SOBRE O AUTORCristiano Mello de Oliveira (Rio de Janeiro, 1976) é

pesquisador do CNPq pela UFSC, reside em Florianópolis.Autor de artigos científicos publicados em revistas acadêmi-cas brasileiras e do livro “Ficção e documento. Debates eentrevistas imaginárias sobre temas polêmicos com Mariode Andrade”.

SERVIÇOPara o pesquisador que deseja conhecer melhor as

fontes primárias do acervo de Lima Barreto, basta sedirigir à Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional,situada à Avenida Rio Branco, 219, Cinelândia – Rio de

Janeiro/RJ. A Divisão fica no terceiro andar e estáaberta de segunda a sexta-feira das 10h00 às 16h00. O

acervo é de consulta local e é necessário fazeragendamento prévio. Para conferir outros detalhes,

acesse o sítio da BN: www.bn.br/portal.

2 Para uma leitura mais aprofundada sobre tal perspectiva aconselhamos a obra de

FLORA, Sussekind. Cinematógrafo de Letras, São Paulo: Cia das Letras 1990.

3 FREYRE, Gilberto. Vida, forma e cor. Record, Rio de Janeiro: 1987. p. 258

TRADUÇÃO

JOHANN WOLFGANG VON GOETHE: UMA PALAVRAAOS JOVENS POETAS (INÍCIO DE 1832, ESPÓLIO)

UM PREFACINHODaniel Martineschen

Neste texto, Goethe, já no fim da vida, dirige-se à juventude poética da sua época, inclusive ao poeta MelchiorMeyr, que lhe escreveu se apresentando e pedindo-lhe opinião sobre alguns poemas. Podemos reconhecer nesteescrito o Goethe experiente, que fala com a propriedade de quem tem larga vivência nas coisas do mundo e doespírito – neste caso, da poesia – e que julga de valor dar um conselho aos jovens que visam a caminhossemelhantes. Goethe, com autoridade mas muita humildade, fala como aquele vovô bonachão que já passou portudo na vida e que, lúcido e carinhoso, olha para seus netos e netas com esperança e expectativa, mas tambémcom siso ao lhes jogar na cara a batata quente da Fortsetzung, da continuidade/continuação da poesia alemã. Otexto foi publicado postumamente no volume do espólio organizado por Eckermann, famoso pelo livro“Conversações com Goethe”

UMA PALAVRA AOS JOVENS POETASJohann Wolfgang von Goethe (Tradução de Daniel Martineschen)

Nosso mestre é aquele sob cuja orientação nos exercitamos progressivamente em uma arte e aquele que, àmedida que nos aproximamos mais e mais da maturidade, nos transmite, passo a passo, as bases segundo as quaisalcançaremos ativamente e com a maior certeza o fim almejado.

Nesse sentido, não fui mestre de ninguém. Se, porém, eu tiver que expressar o que me tornei para os alemãesem geral, em especial para os poetas jovens, então posso certamente me chamar de seu libertador; pois eles seconscientizaram por mim do fato de que, assim como o ser humano tem que se fazer vivo de dentro para fora,o artista tem que igualmente agir de dentro pra fora, na medida em que ele, faça o que fizer, vai continuar semprea desenterrar o seu próprio indivíduo.

Se ele se lança assim de mente fresca e alegre ao trabalho, então certamente vai manifestar o valor de sua vida,a superioridade e a graça, talvez também a superioridade graciosa que lhe foi dada pela Natureza.

Aliás, consigo dizer muito bem quem influenciei dessa maneira; de certa forma nasce daí uma poesia natural,e é só assim que é possível ser um original.

Felizmente nossa poesia está num estágio técnico tão elevado e é tão óbvio que se pode ter um ganho digno,que podemos ver emergirem criações maravilhosamente deleitosas. Isso sempre pode melhorar, e ninguém sabepara onde isso pode nos levar – mas cada um deve, de fato, conhecer-se a si mesmo, saber julgar-se a si próprio,pois aqui nenhum padrão de medida externo e estrangeiro poderá ser-nos de alguma ajuda.

Que se diga rapidamente do que tudo isso depende. O poeta jovem só deve expressar o que vive e persiste, emqualquer forma que seja; que ele seja rígido ao por de lado todo espírito contrário, todo mal querer, toda má falaçãoe aquilo que só sabe negar: pois disso não sai nada.

Não posso recomendar com maior seriedade aos meus jovens amigos que se observem a si próprios, pois comisso vão obter certa facilidade na expressão rítmica e, por conseguinte, ganhar mais e mais em conteúdo.

Conteúdo poético é, contudo, o conteúdo da vida de cada um. Ninguém pode dá-lo a nós; talvez possamobscurecê-lo, mas nunca atrofiá-lo. Tudo o que é vaidade, ou seja, tudo que é infundadamente autocongratulatóriovai ser tratado pior do que jamais foi.

Declarar-se livre é uma grande presunção, pois assim a pessoa declara que quer dominar-se a si própria – e quemconsegue fazer isso? Aos meus amigos, os jovens poetas, dirijo-me aqui da seguinte forma: vocês não tem agora,na verdade, nenhuma norma, e vocês devem achá-la por si mesmos; basta que se questionem, em cada poema,se ele contém algo vivido e se esse algo os compele.

Não se sintam compelidos se vocês lamentarem para sempre uma amada que perderam por causa da distância,da infidelidade ou da morte. Isso não tem absolutamente nenhum valor, e mais ainda se vocês sacrificarem nissotanto dom e tanto talento.

Que nos fixemos numa vida progressiva e examinemo-nos quando houver ocasião; pois é nesses momentosque se prova se estamos e, em análise posterior, se estivemos vivos.

REFERÊNCIASGOETHE, J.W. [Ein Wort für junge Dichter]. In: “Goethes Werke in zwölf Bänden”. Berlin/Weimar: Aufbau-

Verlag, 1981, v. 11, p. 452-3 )ECKERMANN, J. P. Conversações com Goethe. Lisboa: Vega, 1947, tradução parcial de Luis Silveira.

DANIEL MARTINESCHEN[[email protected]]

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LECTURAS HISPANOAMERICANAS

FILOSOFÍA DEL LENGUAJECECILIA BROILO

INTRODUCCIÓNCuando los lingüistas nos enfrentamos a los textos

de Filosofía del Lenguaje solemos tener la impresiónde que están invadiendo nuestro terreno, nos cuestaaceptar que en ámbitos de otra disciplina se hable desintaxis, deícticos o fuerza ilocutiva.

Es fácil comprobar que hay temas que aparecentanto en el índice de un tratado de Filosofía del Len-guaje como en el de uno de Lingüística, y que autorescomo Platón y Aristóteles, Wittgenstein y Austin,tienen su lugar en los textos de ambas disciplinas.

El lenguaje nos permite comunicarnos e infor-mar a nuestros interlocutores, esto es posibleporque usamos expresiones con significado quese vinculan con el mundo a través de la referencia.El significado y la referencia son dos aspectoscentrales en el estudio del funcionamiento dellenguaje y en su análisis han participado tanto losfilósofos del lenguaje como los lingüistas durantesiglos de indagación teórica.

La reflexión metalingüística nació con la Filosofía yen la mayor parte de su historia ha estado incluida enella. Desde el principio los límites entre estos camposdel conocimiento son borrosos. Por otra parte, laFilosofía del Lenguaje establece relaciones interdis-ciplinarias con otras áreas filosóficas como la Meta-física, la Teoría del Conocimiento, la Lógica, la Éticao la Estética de acuerdo con la variación de su centrode interés. Asimismo, la relación entre la mente y ellenguaje es una constante que se manifiesta en otroscampos del saber como la Psicología y la Sociología.

Estas comprobaciones llevan a afirmar que el trata-miento de algunos problemas de la Filosofía del Len-guaje debe ser necesariamente interdisciplinario,especialmente teniendo en cuenta que la vinculaciónentre Filosofía y Lingüística posibilita  la explicaciónde cuestiones como las que plantean la Pragmática yla Semántica.

En este trabajo se realiza una indagación teórica entorno a estas cuestiones desde la perspectiva delinvestigador en Lingüística que se acerca a la Filosofíadel Lenguaje en busca de enfoques esclarecedores desus propios objetos de estudio.

Para cerrar esta Introducción deseo incluir unpárrafo de Ivonne Bordelois quien, desde la Lin-güística, pero con una mirada casi poética, haceuna caracterización de ese objeto de estudio tanescurridizo que es la lengua:

Piénsese en la ridícula paradoja queencierra la común expresión ‘dominaruna lengua’. Las lenguas son ellasmismas dominios inmensos detradiciones, vastos léxicos que se nosescapan, reglas gramaticalessubterráneas de las que apenasalcanzamos a atisbar los mecanismos,métricas tan espontáneas comomisteriosas, poéticas realizadas yotras maravillosas por cumplirse. Denada de todo esto corresponde ni esposible apropiarse: sólo cabe aquí unacontemplación admirada, un humilde ytenaz estudio que arranque de lacerteza de la inaccesibilidad total desu objeto último. (Bordelois, 2003: 14).

DESARROLLO1. Un enfoque "tradicional"Aunque, como dijimos, la Lingüística y la Filosofía

tienen un origen común, durante mucho tiempo abor-daron sus problemas de manera aislada hasta que, yaen el siglo XX, en las dos disciplinas aparecieronlíneas teóricas que propiciaron la vinculación deambos campos del conocimiento.

Es necesario partir de la afirmación de que la Filo-sofía tiene entre sus problemas fundamentales elestudio de cuál es la naturaleza misma de la investi-gación filosófica. La determinación acerca de qué es unproblema filosófico es en sí una cuestión filosófica y losfilósofos han dedicado mucho tiempo y esfuerzo atratar de desentrañarla. (Valdés Villanueva, 1991: 10).

Por su parte, la Lingüística moderna se ha esforza-do por separarse de la Filosofía y suele definirse a símisma como el estudio científico del lenguaje, enfa-tizando su carácter empírico frente al enfoque másbien apriorístico de los filósofos. (Valdés Villanueva,1991: 12). Cabe recordar que Ferdinand de Saussureestablece, en su Curso de Lingüística General, comotarea de la Lingüística, en tercer lugar: “c) deslindarsey definirse ella misma”. (Saussure, 1988: 34).

La Filosofía analítica y los filósofos del lenguajecomún por un lado, y los lingüistas formales por otro,iniciaron caminos de reflexión que, aunque no siem-pre acercaron estas áreas del saber entre sí, en todoslos casos obligaron a los estudiosos a saltar los límitesde sus respectivas disciplinas. La Filosofía del siglo

XX estuvo marcada por el ‘giro lingüístico’ que surgióa partir de la Filosofía analítica.

Este giro lingüístico se puedecaracterizar, breve y toscamente,como la creciente tendencia a tratarlos problemas filosóficos a partir delexamen de la forma en que éstosestán encarnados en el lenguajenatural. (Acero y otros, 1996: 15).

Este movimiento dentro de la Filosofía ha produci-do de manera simultánea una renovación también enlos estudios del lenguaje.

Es más, en muchas ocasiones esprecisamente la Filosofía del Lenguajela disciplina que tiende un puente haciaciencias empíricas como la Lingüística yla Psicología a través del cual laFilosofía toda resulta fecundada,renovada. (Acero y otros, 1996: 15).

Tuvo gran importancia el hecho de que los filósofoshayan advertido que los problemas filosóficos sonsiempre formulados y abordados inmersos en surealidad lingüística, por lo cual la Filosofía del Len-guaje debe resolver problemas que, en muchos casos,son de naturaleza lingüística. Por eso dice ValdésVillanueva que, de alguna manera, todo filósofo esfilósofo del lenguaje porque casi todos los filósofos sehan ocupado en algún momento de cuestiones relaci-onadas con la lengua. (Valdés Villanueva, 19: 17).

Asimismo, la lógica formal moderna necesita aden-trarse en cuestiones lingüísticas en la medida en queaspira a ser una teoría científica del razonamientoválido. Esto es así porque es el análisis lingüístico delas expresiones que componen los enunciados lo quepone al descubierto su comportamiento lógico.

El análisis de las relaciones del lenguaje con la realidadconduce a la Semántica mientras que las vinculacionesentre el lenguaje y la acción humana llevan a la Pragmá-tica. Éstas son las dos vías más importantes que se abrenpara el enfoque interdisciplinario de la manera como loestamos planteando. (Acero y otros, 1996: 23).

Parecería entonces que determinar el campo de laFilosofía del Lenguaje es una tarea difícil ya que seríainsuficiente decir que se ocupa de los conceptos de

Senhoras, senhores, chegamos ao fim de mais uma gestãoneste Centro Acadêmico de Letras da UFPR. Mas o fim, paraalguns, nunca é um fim, é um novo começo: o começo de umacoisa diferente. Do período em que estive à frente do órgão derepresentação dos alunos de Letras, levo comigo uma experiên-cia fantástica, que é conhecer as pessoas por outro viés. Não queeu não faça isso estando fora do CAL, é óbvio. O que quero dizeré que, enquanto fui o “senhor presidente”, como costumambrincar os meus colegas, percebi o quão extraordinário é poderfazer diferença na vida das pessoas. Bem, vou ter que explicarmelhor, acho que estou sendo muito vago.

A priori, um centro acadêmico tem por objetivo promover obem-estar dos estudantes de um curso. Parece simples, mas nãoé. Não quero recuperar aqui o histórico de batalhas que o CALtravou pela qualidade do ensino no nosso curso de Letras, masvou fazer algumas referências para que vocês leitores decidamse consigo defender minha tese do “fazer diferença”.

Primeiro, acho que é válido citar a vitória contra a tão faladacisão. Quando resolvemos usar do nosso pouco prestígio parafazer retroceder o processo que estava em andamento (lem-brem-se que a palavra cisão quase foi solenemente abolida dovocabulário oficial dos nossos professores), tivemos uma sériede empecilhos que fariam qualquer um desistir, tamanho foio desgaste que tivemos. Para citar alguns poucos exemplos,tivemos que fazer uma versão for dummies do estatuto daUFPR para um departamento, incluindo aí até uma operaçãomatemática, porque aquele insistia em dizer que nossa “cota”de representantes era menor do que a que “exigíamos” (com-provou-se que estávamos certos); fizemos uma campanhacontra o bullying sem ter nenhum caso registrado e confirma-do só porque pessoas disseram que os “bullynadores” éramoso próprio CAL (e ainda sofremos a acusação velada de que acampanha foi uma “jogada política” para a minha reeleição,acreditam?); fomos forçados a escrever um pedido às pressas(vindo de uma regra inventada que dizia que tínhamos queescrever os pedidos a ser feitos em reuniões) para podermoster a presença de outros alunos em uma reunião departamental(que desconfio ser pública); e por aí vai... Mas, apesar de nadar-mos contra a correnteza, conseguimos o nosso intento. Conti-vemos o processo. O que isso significa?

Ah, para uns significa ter que esperar a poeira baixar paraatacar por outro ângulo. Para outros, significa que os alunos (napessoa dos seus representantes) cumpriram seu papel social.Bem, até aqui não fiz nada para comprovar como “fizemosdiferença”. Engana-se, senhor leitor. Fizemos sim. Se vocêpensa que todas essas ações fizeram comprovar a “militância”

BALANÇO DE GESTÃOOLIVIR FREITAS

renhida de estudantes, gastou seu tempo. Se você pensarmelhor, vai perceber que, quando barramos a cisão, nãofizemos nada por nós. É garantido por leis, decretos e burocra-cias que quem entra num determinado curso tem o direito determiná-lo com o formato que tinha quando entrou, inde-pendente de reformas curriculares e coisas do gênero. Então,vejam só, defendemos estudantes! Mas, diferente do quedisse logo acima, não foram os estudantes de Letras atuais,que estão lendo este jornal (esperamos, pelo menos). Foramos estudantes de amanhã, meus caros. Sim, aqueles alunosque ainda nem sabem que vão optar por Letras no vestibular.Nós garantimos para eles a formação tão maravilhosa quantoa que estamos tendo, sem faltas nem excessos. Posso con-cluir, então, que fizemos diferença na vida de alguém? Eu achoque sim. E faremos mais, se for necessário.

Uma pecha irremediável essa nossa, confesso. Lutar por umfuturo melhor, me parece, deixou de ser a grande ambição demuita gente. Agora, sei, você está pensando que eu estou sendoidiotamente panfletário, mas não. Qual é o ideal dos seus pais,senão que você tenha um futuro melhor que o deles? E, outravia, qual é o futuro que você deseja para si e para os seus? Issoé o que nos interessou e nos interessa. Lutamos pela Educaçãocom E maiúsculo e não vamos largar o osso. Agora, com umanova perspectiva à frente, teremos um trabalho tão, senãomais, complicado do que o que tivemos, que é o de dar cara novapara o nosso curso. Como? Graças a nós, ou melhor, graças aonosso empenho, o curso vai ser reformulado. Uma comissãofoi criada e está trabalhando para fazer o diagnóstico dasituação atual do nosso curso e, depois de divulgados osresultados, poremos as mãos na massa para moldar a novaproposta de curso, que vai ter a opinião de cada uma das partesdo coletivo: alunos e professores.

Por que falar de cisão mais uma vez? Simples: era uma denossas metas enquanto gestão. Obrigatoriamente estaria aqui.É claro que existem outras coisas. Não foi só para isso que fomoseleitos. Dentre nossos demais ganhos, podemos contabilizar osucesso da criação de um evento específico de avaliação contínuado nosso curso, a Semana de Avaliação (a primeira foi emoutubro do ano passado); a continuidade do trabalho de repre-sentação (não pense que é fácil representar mil alunos, meu caroleitor); a promoção das inúmeras atividades que complemen-tam nosso currículo; a expansão dos meios de comunicaçãoentre o CAL e os alunos (se você acha que não, confira nossaspáginas nas redes Facebook, Orkut, Twitter, Slideshare, GooglePlus, Blogger, além deste jornal que você lê); etc.

Não vou negar que tivemos também algumas derrotas. É um

encargo que assumimos quando eleitos. Mas justifico alguns, àrevelia da opinião que corre de que não fazemos nada: nãoconseguimos realizar a maioria das obras que previmos para asede do CAL – na maior parte porque dependíamos da UFPR oude outros para tal (alguém conhece um marceneiro que trabalhefor free?); não pudemos terminar a necessária reforma doestatuto do CAL porque, nas assembleias que tivemos, a discus-são sobre outros pontos de pauta se alongou tanto que nãopudemos tocar no assunto – felizmente conseguimos dar inícioà reforma com a última assembleia, quando foi eleita a comissãorevisional; não abrimos a Empresa Júnior em 2011, muitoporque a greve atrapalhou nossos planos (não pense que euestou criticando a greve, só estou constatando um fato), mas acomissão de criação também já foi escolhida.

Enfim, alguns pontos contra, outros a favor, naturalmente.Com progressos e retrocessos, trancos e barrancos, ou seja lácomo preferem dizer, fizemos uma gestão que rendeu algumacoisa, mesmo que muitos não consigam enxergar isso.

A propósito, nomear os bois faz parte do protocolo.Então, gostaria de agradecer, aos que, pouco ou muito,fizeram a diferença:

Aguinaldo Roberto MoreiraAlexander do Amaral

Ana Elisa Lima GermanoCaius Marcellus Ferreira

Carlo GiacomittiCarlos Henrique Lima Félix

Carlos Mauricio Carneiro FilhoClaudio Luciano OrnellasEduardo Cardoso XavierElisa Tisserant de Castro

Everson Willian Pinheiro da SilvaHenrique Mancini

Luciane Alves Ferreira MendesMaria Isabel Silveira Bordini

Mirian CardosoTaira de Fátima Sakr de Oliveira

Thayse Letícia FerreiraTiago Rodrigues da Silva

Agradeço também a todos os que acreditaram no trabalhoque fizemos neste período, especialmente aos que nos apoiarame não mediram esforços para que atingíssemos os nossosobjetivos. A estes, que não nomeio aqui para não correr o riscode esquecer o nome de alguém, minha gratidão.

E até mais ver, jovens!

PROGRAMA DA GESTÃO1. Formulação do estatuto e implantação da Empresa Júnior de Letras2. Reformulação do estatuto do CAL, adequando-o ao novo Código Civil.3. Requisição, junto ao Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, de um espaço para o funcionamentoda Empresa Júnior.4. Requisição, junto ao Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, de um espaço para instalação deuma sala de estudos para a graduação.5. Manutenção da periodicidade do Boca do Inferno6. Criação do “Mimeógrafo”, informativo semanal do curso de Letras.7. Restauração do antigo Cineclube, desta vez com novo nome: “Cinematógrafo de Letras”8. Continuidade na representação discente nas instâncias representativas do curso e da UFPR9. Aumento do número de eventos sociais promovidos pelo Centro Acadêmico de Letras10. Reforma da sede do CAL

MORRA, DANTAS! Chapa eleitas para agestão 2011-2012 do CAL

PRESIDENTEOlivir Freitas (Inglês noturno)

VICE-PRESIDENTEBel Bordini (Português-Inglês)

SECRETÁRIAThayse Ferreira (Português-Alemão)

TESOUREIRAGabi Gonçalves (Português-Alemão)

COORD. CULTURALCarlo Giacomitti (Português-Alemão)

Elisa Castro (Português-Alemão)

COORD. DE IMPRENSATaira Sakr (Português diurno)

Sérgio Ferreira (Português-Alemão)Paula Malhadas (Português-Espanhol)

COORD. SOCIALAguinaldo Moreira (Português diurno)Gilberto Pereira (Português-Italiano)

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14 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR CAL UFPR . BOCA DO INFERNO . 11

significado y de referencia, o de sus vinculaciones conel mundo. La Filosofía del Lenguaje es mucho más quetodo eso. Según Acero, Bustos y Quesada:

Básicamente, como formulaciónpuramente descriptiva, cabe afirmarque se desarrolla en tres direcciones:la metodología de la lingüística, lainvestigación de los fundamentos deesta ciencia y lo que, a falta de mejordenominación, se puede llamarlingüística filosófica. (Acero y otros,1996: 26-27).

Por otra parte, en relación con la metodología de laLingüística, desde la perspectiva filosófica, se pre-sentan dos problemas importantes y muy producti-vos para el análisis como son el de los universaleslingüísticos y el de las reglas gramaticales.

Por lo tanto, si la Lingüística actual se ocupa decuestiones como la competencia del hablante paraproducir e interpretar enunciados o los universaleslingüísticos, se estaría ocupando de áreas tradicio-nalmente reservadas a los filósofos.

Asimismo, la Lingüística se ha acercado o alejado,en distintos momentos de su historia, del enfoquecentrado en la sintaxis, o sintaxicentrismo, y esaoscilación la ha alejado o acercado respectivamentede la Filosofía del Lenguaje. De manera que las inter-conexiones entre lingüística y filosofía del lenguajecomplican el problema aunque simultáneamente re-presentan una vía para su esclarecimiento.

Para cerrar estas reflexiones se pueden citar las pala-bras de Acero, Bustos y Quesada: “… no es posible trazarninguna frontera sensata entre Filosofía del Lenguaje yLingüística…” (Acero y otros, 1996: Ídem 37).

2. Una mirada "novedosa"Frente a esta perspectiva, que podríamos llamar tra-

dicional, K. Korta presenta una postura distinta puestoque opina que toda la Filosofía del Lenguaje es Filoso-fía de la Lingüística o de las Ciencias del Lenguaje.

Yo, sin embargo, quiero argumentarque, por mucho que la relación de losfilósofos del lenguaje y los lingüistasen el siglo XX sea prácticamente lahistoria de un desencuentro, la

Filosofía del Lenguaje sí ha sidoFilosofía de la Lingüística […] unexamen más pausado de la cuestiónrevela que los fundamentos de granparte de la Lingüística, que loslingüistas no hacían, estaban siendoelaborados por lógicos y filósofosinteresados en cuestionessemánticas y pragmáticas. (Korta,2002: 345).

Dice también Korta que no queda claro qué debeincluirse en el ámbito de la Filosofía y qué en el de laLingüística, ya que orientaciones como la ‘Semánticafilosófica’ o la ‘Pragmática filosófica’ involucran en-foques de ambas disciplinas.

También expresa que, si bien no caben dudas acercade que los lingüistas y los filósofos del lenguaje hantenido intereses distintos y han realizado sus estudi-os de manera autónoma, es paradójico que:

…ha sido precisamente la Filosofía delLenguaje la que ha establecido losfundamentos de dos de las ramasprincipales de la Lingüística: laSemántica y la Pragmática. Si esto esasí, si la Semántica y la Pragmáticaconstituyen la Lingüística no históricajunto con la Sintaxis […] entonces no esverdad que la Filosofía del Lenguajehaya estado alejada desde susorígenes de la Lingüística. (Korta,2002: 347).

Quizás el origen de las confusiones esté en elhecho de que tanto el filósofo-lingüista como ellingüista-filósofo abordan problemas y temas simi-lares, pero siempre es posible distinguir cuándocada uno de ellos está haciendo “…Lingüística (Fo-nética, Fonología, Morfología, Sintaxis, Semánticay Pragmática) o hace Filosofía de la Lingüística”(Korta, 2002: 354). Por ejemplo, dice también, esfácil la distinción entre el Chomsky lingüista y elChomsky filósofo, y lo mismo sucede con Austin.

Para finalizar, es pertinente citar la recomenda-ción de Korta: “Por eso, es más necesario quenunca el trabajo colectivo cooperativo entre filó-sofos del lenguaje, lingüistas y científicos cogniti-

vos en general” (Korta, 2002: 355).

CONCLUSIONESLa lengua es un objeto de estudio de difícil aprehen-

sión. Para los filósofos del lenguaje puede ser vehícu-lo, código, representación, herramienta o instinto; sela puede estudiar desde la concepción cartesiana o apartir de una concepción antropológica.

Para algunos lingüistas lengua es lo mismo quelenguaje, para otros no lo es; a lo largo de varios siglosde práctica de reflexión metalingüística la han carac-terizado como sistema de signos, diccionario mental,institución social, producto, proceso, y de muchasotras maneras según sus bases teóricas e interesesepistemológicos.

En esta breve revisión acerca de los distintos mo-dos de acercamiento de filósofos del lenguaje ylingüistas a su objeto de estudio hemos podido, almenos, mostrar que un enfoque interdisciplinarioes imprescindible para cualquier investigador queintente abordar este objeto tan especial.

BIBLIOGRAFÍA-Acero Fernández, J. J., Bustos, E., Quesada, D.,

(1996) Introducción a la Filosofía del Lenguaje, Cáte-dra, Madrid.

-Bordelois, I. (2003) La palabra amenazada, Librosdel zorzal, Buenos Aires.

-Korta, K. (2002) “Hacer Filosofía del Lenguaje” enRevista de Filosofía, 27 (2), 337-359.

- Saussure, F. de (1916) Curso de lingüística general,Losada, Buenos Aires, 1988.

-Valdés Villanueva, L., (comp.) (1991) La búsqueda

del significado – Lecturas de Filosofía del Lenguaje, Tec-nos, Madrid.

Y LINGÜÍSTICA

BREVE CURRÍCULUM DE LA AUTORACecilia Broilo es Licenciada y Profesora en Letras

Modernas por la Universidad Nacional deCórdoba, Especialista en Problemáticas

Lingüísticas Contemporáneas y Magíster enCiencias del Lenguaje por la Universidad Nacional

de Catamarca. Es docente de esta últimaUniversidad en las cátedras Lingüística y

Metodología de la Investigación Lingüística. Harealizado numerosas publicaciones y

presentaciones en congresos, dicta cursos deposgrado y es responsable de proyectos de

investigación.

ENTRE E VISTA

Nessa mesma época também se instalou uma rivalidade aquino Setor [de Humanas] por conta das eleições para a Reitoria.Nós já tínhamos tido um grupo, quase 12 (doze) anos antesquando o prof. Faraco abrangia a todos, mas depois o grupofoi setoriando, dividiu-se durante a gestão do Prof. Faria e,depois, ficou ainda mais dividido antes e depois durante agestão do Prof. Carlos Antunes, como reitor.

Então, era difícil você falar: “eu pertenço a esse grupo”. Masachava que era muito melhor você achar que não pertence agrupo nenhum: nem faraquista ou faraquete nem carlista oucarlete.

Só que exatamente por não “ser de grupo nenhum” isto mecegava, eu não enxergava o que estava acontecendo politica-mente e academicamente entre os dois departamentos. O queme preocupava e me preocupa é seguir o que dizia um dos maisqueridos professores do DELEM, e falecido, o João Alfredo,que sempre citava um dito português: “Quem tem competên-cia, se estabelece”. Procuro sempre, me esforço sempre para“me estabelecer”, agora você sabe porque...

Eu tinha e tenho uma grande amizade/admiração e eu achoque eles também tinham/têm por mim. No DELIN em especialpelo professor Caetano, professor Edson e a professora Sandradentre outros, em especial o professor Marcio Guimaraes quefoi o meu vice e agora é o Coordenador; como tinha e tenhoainda amizade e respeito também aqui pelos professores doDELEM, em especial pelas professoras Lucia Zanette, TerumiVillalba, e todos os professores de inglês e o professor Nadalin,que é muito querido por mim.

Mas eu não percebia que a preocupação muito grande noDELEM aqui era a extensão, o CELIN, e lá no DELIN havia umagrande preocupação com a pesquisa. Não que um fizesse sópesquisa e outro só extensão, mas o grande foco era diferenteem cada caso. Quer dizer, nenhum deles estava errado, issotudo já estava gerando...

[BOCA] O foco de um era diferente do foco de outro...Então na primeira reunião que eu fiz com representantes

dos departamentos no Colegiado, já percebi que eu não podiapor na mesma reunião as mesmas pessoas, e no momento queeu tinha que dizer: a coisa não é bem assim, infelizmente, vocênão é entendida por todos. E o coordenador do curso não tempartido, não tem departamento, ele tem que trabalhar.

[BOCA] ... pelo cursoPelo curso... e é difícil. Então, apesar de que, eu lhe digo com

certeza, de nada disso eu me arrependo, por tudo que, eu játinha mais de trinta anos, eu tinha a coordenação comoobjetivo, eu tinha quase todo tempo participado de colegiado,sendo coordenadora da área de inglês, representando tam-bém o departamento lá na associação dos professores e já tinhafeito parte do CEPE uma vez, foi quatro anos. Quando eucheguei à coordenação, eu pensei: Ah, não preciso de mais nadana vida, consegui chegar onde eu queria.

[BOCA] Ainda mais, que se pensar que coordenar umcurso de Letras, que é um curso bastante complexo,em relação aos demais cursos da universidade, é umdesafio...

...é um desafio enorme. E ao mesmo tempo, nem todas ashabilitações são entendidas por todos. E pra você coordenar...

[BOCA] ...cada uma funciona um pouquinho diferente,apesar de serem parecidas por serem do mesmo curso.

E, ao mesmo tempo, você não pode estagnar academica-mente. Alguns anos antes, eu tinha começado o ensino adistância. Me aperfeiçoei. Eu fazia parte do NEAD, o núcleo àdistancia. Mas me afastei, porque realmente percebi que nãome dava bem com a política de ensino pago que estava alidentro. Tinha saído um grupo de ensino pago à distância, mas

que as outras pessoas que estavam ali dentro naquele momen-to também. E era uma rigidez muito grande, politicamentefalando. Mas, pra mim, academicamente ajudou, porque tam-bém investi nessa parte do aperfeiçoamento de tutoria adistância, atendimento.

Eu estava também na coordenação, eu estava começando.Então decidi que, além de continuar na área de inglês, deveriatentar uma outra língua; comecei a estudar o hebraico, que eujá tinha começado. Só que talvez nem todos entendiam aminha posição, e talvez não entenderiam a minha participaçãono colegiado do CELIN!

Um dos dias mais felizes foi quando a professora Mariza Rivade Almeida, diretora do CELIN, e o professor Rodrigo Gonçal-ves, que era o vice-diretor, me perguntaram se eu queria sercoordenadora do hebraico no CELIN – eu disse que queria.Além do que faço, a cultura hebraica é o que mais gosto domundo. Estudei hebraico por muitos anos, por dez anos, e fuipara Israel cinco vezes. Só que de novo, a visão que se tinha nãome fazia talvez muito aceita no Colegiado do CELIN. Apesarda professora Sandra Monteiro, então diretora no CELIN, terdito que me queria na coordenação do hebraico no Celin,queria que eu continuasse fazendo o que gosto.

Mas sou como alguém que fica a vida toda no ensinopúblico: não consigo seguir regras muito rígidas. A professoraTarcisa, que é a nossa atual diretora do SCHLA, sempre mediz carinhosamente que sou legalista. Eu digo: sou legalista,mas é preciso ser legalista pra tentar ser justo. E isso tambémestou aprendendo agora que voltei para o CEPE. Meu primei-ro mandato já está terminando e já fui eleito para o segundo.Se contar o período anterior, esse já é na verdade o terceiro,indo para o quarto mandato. Estou aprendendo que épreciso pesquisar legislação, ajudar as pessoas com legisla-ção, e ainda ter que trabalhar; tem que ter jogo de cinturapra trabalhar com isso, e ser legalista.

Então o que acontece: não pude parar com a vida acadêmi-ca, tive que continuar; não pude parar com a profissão, queé o que eu mais gosto. Sempre me perguntam quando vou meaposentar. Respondo que não vou nunca, que vou ficar aquiaté o ultimo dia da minha vida, porque é o que eu gosto.Enquanto eu tiver saúde vou continuar aqui. Então, o queganhei quando eu saí da coordenação: voltou aquela atmos-fera que eu já tinha tido no DELEM antigamente. Todo aquelecompanheirismo voltou, sem restrição, sem nenhuma má-goa. Pelo menos é o sentimento que tenho. Talvez porqueagora eu não era mais a coordenadora do curso, trabalho queé sempre e sempre pelos alunos.

[BOCA] Essa é a visão que o setor tem. Ser justo às vezesnão é o que as pessoas querem que seja.

Você é coordenador para os alunos, então você tem que sersempre pros alunos. E ? dos seus colegas. Mas quando você écolega e não mais coordenadora, a visão é muito mais light.

Então muitas vezes tem essa parte; cada vez que eu escuto asrisadas do professor Márcio com os alunos, eu sinto falta dessecontato.

[BOCA] O coordenador do curso se envolve muito maiscom a vida acadêmica dos estudantes, de como funcio-na, de como eles estão indo, do que o professor. Claro,ele vai dar aula, tudo bem, se envolve com os seus alunosdurante o período de aula, mas ele não vê o aluno comotudo que ele ta fazendo, como uma pessoa que escolheuma coisa e não escolhe outra, ou que tem os seusproblemas. Acho que o coordenador trabalha muitomais com essa humanidade do estudante do que com esseacademicismo, essa coisa do estudante estar ali só praaprender e depois acabou o relacionamento entre eles.O coordenador conhece mais.

Eu sempre dizia no Fórum dos Coordenadores e em reuni-

ões com a PROGRAD: “Não falem dos meus alunos! Só eu possobrigar com eles. Mais ninguém pode!”

E daí, apesar de que você também tem que trabalhar. Equando você também é coordenador, você tem que com osolhos da universidade você tem que lutar.

Percebi enquanto coordenadora que para entregar o ca-nudo com o diploma na formatura dos alunos, o coordena-dor tem que ter acompanhado todas as etapas. Tem que irao NAA e ficar insistindo que mandem os documentos dosformandos; depois tem que selecionar um dia na área dediplomas ou lá na imprensa/gráfica para fazer o diplomas; aítem que ficar telefonando para os alunos virem assinar;depois tem que praticamente brigar com a pessoa que vaireconhecer os diplomas.

Isto tudo para no dia da formatura poder dizer: essecanudo aqui tem alguma coisa dentro, não joguem pra cima,em festa. Mas, para chegar naquele momento, demora ecusta muito, mas vale a pena olhar para os alunos erguendoo canudo no ato da formatura e com o diploma dentro, essediploma que você mandou preparar, que você carimbou, quetodos assinaram e que você entrega na hora da formatura,e não depois – e isto nas duas formaturas: com e sem

solenidade.E a família entende isso, porque você daí, você passa a

viver, você se apega aos alunos de tal maneira... Na Feira deProfissões, por exemplo, eu ficava com os alunos pratica-mente o tempo todo, preocupada se eles estavam comendo– o que eles estavam comendo; pela presença deles, mepreocupava com cada um deles. E se eles perdem aula,alguém vem atrás, algo na família. Você é apegada. Então sãoquatro anos você fica ali.

Aqui no CEPE, o que eu percebo, você também vive, mas nãoconvive só uma comunidade, você vive toda uma comunidade.Não são mais somente os seus alunos, mas os alunos de outroscursos, todos os alunos da UFPR.

[BOCA] Abrange muito mais, dá pra cada vida, mesmoque acadêmica de todo um grupo.

E é uma satisfação quando os alunos me perguntam o que euacho ou qual é a legislação. Parece que apertam um botão aquie querem que saia a legislação. Pensam isso porque sabem quejá tenho experiência, que estudei. Então, isso para mim é umasatisfação.

[BOCA] Saber que as pessoas sabem que o seu trabalhoé importante e é útil.

É uma coisa muito agradável. A gente não é remunerada pelotrabalho de representação nos Conselhos, mas um simples“obrigado” é gratificante. E nem sempre você ouve, muitasvezes ficam bravos com você, por você aparecer no CEPE. Masse você sentir que está construindo, que você está ajudando auniversidade a crescer.

Agora, por exemplo, nós temos um movimento pós-grevemuito difícil, e até às vezes me sinto desanimada, mas voltoatrás, tento falar com o [Reitor] Professor Zaki, que nemsempre é inatingível, ou consigo falar com o Professor Mulinari,que é também muito atencioso, para tentar resolver algumacoisa. Mas ao mesmo tempo você tem que falar com a Diretora,com a vice-diretora, as professoras Tarcisa e Norma, que, devodestacar, são atenciosas também. E você não pode esquecer quevocê faz parte de um departamento, que você tem que dar a suacontribuição.

Então é isso. Não sei se falei de tudo; momentos políticos,acadêmicos, de família. Só quero agradecer a vocês do BOCA porterem me entrevistado e me dado a chance de falar um poucoda minha vida como parte da UFPR .

[BOCA] Eu acho que foi bem produtivo. Agradecemosmuito pela entrevista.

Page 12: Jornal Boca do Inferno #26

CAL UFPR . BOCA DO INFERNO . 1312 . BOCA DO INFERNO . CAL UFPR

ENTRE E VISTA

EVA DALMOLINENTRE E VISTA

Hoje em dia é importante que a pessoa tenha passado todasas fases do ensino regular para alcançar uma boa colocação.Mas, antes, nos anos 1980, para receber progressão salarial eobter mérito acadêmico bastava ter publicações e produção naárea. E eu publicava, e ainda publico, e produzo muito.

Publiquei artigos da minha área e de outras. Trabalheiespecialmente com a revista da UFPR na área de CiênciasGeodésicas, fazendo tradução de artigos internacionais.

Eu colaboro com a revisão e com a ajuda aos que têmdificuldade com o abstract em inglês. Você sabe que hoje em diaé muito importante para a divulgação do trabalho da pessoaque haja pelo menos um resumo da obra em língua estrangeira,especialmente o inglês. Até para quem vai solicitar validação dediploma estrangeiro vemos o caso da tradução aparecer, já queé obrigatório que todos os documentos sejam traduzidos dalíngua estrangeira para português.

O tempo passou. Tive meu terceiro filho. Eu continueitrabalhando na área de inglês. Voltando um pouco a história,é bom lembrar que, na época da minha entrada, os professoresdas áreas colaboravam com a coordenação do curso nasmatrículas. A coordenadora da época era a professora JamileCuri, que também era coordenadora da área de francês. Fuientão percebendo que eu tinha jeito para aquele tipo detrabalho, o trabalho administrativo da coordenação. Me aju-daram também as dicas da Professora Otília Arns, que eraminha orientadora na prática de ensino. Ao perceber que eutinha facilidade pra isso, e também por já participar doscolegiados, pensei em tentar entrar na coordenação. Acheique, por já ter experiência e por já ter atuado por dez anoscomo professora do curso, não haveria problema nenhum.Mas quando tentei entrar na coordenação como vice, percebique já havia alguém selecionado para este cargo por um outrogrupo. Descobri, por uma colega, que o problema era porqueeu não fazia parte do “Movimento dos Professores”. Eu nãosabia o que era isso. Achava que para ser coordenador ou vicevocê só tinha que ser professor do curso, participar do colegi-ado, ser competente, etc. O “movimento” em questão era ummovimento político dentro da universidade. Na greve seguin-te, então, com a ajuda do Professor David Shepherd, professorda área de inglês e representante do Departamento na Asso-ciação dos Professores, passei a frequentar as reuniões domovimento. Me candidatei então a vice-coordenadora doDepartamento e perdi por poucos votos – a vice-coordenado-ra eleita ganhou de mim por uns nove votos apenas. A minhacandidatura como que chacoalhou um pouco os dois Departa-mentos de Letras e talvez tenha sido o primeiro momento emque eles entraram em debate. No desenrolar dos fatos, acabeiparticipando efetivamente do movimento grevista dos pro-fessores e “entrei para o Movimento dos Professores”.

Perceba como tudo se cruza: a ditadura, a história dauniversidade e a história do curso. Nessa época o ProfessorFaraco foi eleito o primeiro presidente da APUFPR. Atuandono movimento grevista, tive a oportunidade de conhecerpessoas e fazer amizades. A seguir, acabei entrando comorepresentante do meu Departamento na APUFPR, porque oProfessor David Shepherd não só saiu da Associação, mastambém pediu demissão da UFPR, por motivos familiares.

Desempenhei minhas funções na Associação, até que, nadiretoria dos Professores Lafayete e Zanete, fui convidada afazer parte da diretoria da APUFPR.

O tempo foi passando, continuei participando dos colegia-dos, fui coordenadora e vice-coordenadora da área de inglêsdiversas vezes (hoje, ao total, somei 25 anos como coordena-dora da área).

Em 1999, quando eu era diretora de imprensa da APUFPR,recebi a orientação e o pedido da Professora Milena Martinez,do Departamento de Ciências Sociais (que falou comigo emnome de um grupo de professores), para eu me candidatar ao

CEPE como representante do Setor de Humanas. A princípiofiquei lisonjeada e espantada ao mesmo tempo quase assus-tada , porque havia outra professora do meu Departamentoque eu sabia que sairia como candidata. Fui conversar com estaprofessora então, cuja competência eu reconhecia, e ela medisse que não havia problema, que eu também devia mecandidatar e tentar. Concorri e ganhei a eleição, para minhasurpresa.

No CEPE o nosso trabalho é o de orientação e comunicaçãocom os nossos representados. Logo que entrei fiz uma amiza-de muito grande [aqui no curso], que perdura até hoje, como Professor Benito martinez, do Departamento de Linguísti-ca, Letras Clássicas e Vernáculas, que era então o coordenadordo curso, e também com a professora Lígia [Negri], que era achefe do mesmo departamento. A Professora Marilene [Wei-nhardt] também já estava aqui e fazia parte dessa novageração, com a qual logo me identifiquei. O meu Departamen-to, por sua vez, também gostou da minha atuação no CEPE,e é este trabalho que tenho buscado repetir neste meu atualmandato, e quando terminou o meu primeiro mandato deagosto de 1999 a agosto de 2001, fui re-eleita no CEPE portodos para mandato de agosto de 2001 a agosto de 2003.Naquela altura ainda não tínhamos (ou talvez eu não tivesse)muita facilidade em nos comunicar por e-mail, fazíamosmuita coisa por carta. Era muito papel. Tanto que, ao finaldo meu primeiro mandato,juntei uns oito volumes depareceres do CEPE e do COUN,que resolvi guardar para quepudesse ajudar, eventualmen-te, nas atividades do meu De-partamento e também do Se-tor, como de fato ajudou.

Um pouco antes da minha entrada no CEPE, surgiu nosDepartamentos aqui um movimento que iniciou a construçãodo Centro de Línguas, que era a menina dos olhos de todos nós,dos dois Departamentos. A ideia era que os alunos da gradu-ação tivessem um local para trabalhar.

[BOCA] Para porem em prática aquilo que eles (osalunos) aprendiam...

Exatamente. A primeira diretora foi a Professora LúciaCherem. Eu fiquei como coordenadora de Inglês. Na época nãopensávamos em número de turmas. Eram poucas as turmasde inglês no CELIN. A primeira vez em que chamamos nossosalunos para dar aula, e em que eu os vi pegando a pastinha [coma lista de chamada] debaixo do braço, até chorei de emoção,de vê-los indo para sala de aula. Porque agora não era mais eua “cria” como me chamava a professora Otilia Arns, a quemmuito admiro até hoje, mas quem estava criando era eu, comtodos os demais professores do Curso de Letras.

Porém, com o desenrolar dos fatos, aconteceu que oCentro de Línguas foi crescendo demais, descolando-se umpouco da ideia original. Nesse ínterim, tive um problemade saúde, porque caí e quebrei a perna, e tive que me afastarum pouco do trabalho no Centro de Línguas. Quandovoltei, a coisa já estava muito grande, e percebi que aquelanão era a minha visão do que devia ser o Centro de Línguas.Então saí da Coordenação de inglês do CELIN, não mecandidatei a isto mais.

Continuei dando as minhas aulas, continuei no CEPE e naextensão, que eu já praticava, mas na qual passei a atuar deuma outra maneira. O diretor do Setor de Humanas nessaépoca, Professor Carlos Roberto Antunes, me falou que queriaque eu fosse representante do SCHLA no Comitê de Extensãoda Universidade.

Fui e fiquei sete anos lá, somando todos os meus períodosde mandato. Isso foi concomitante à criação do CELIN, que foi

criado aos poucos. Nesse processo [de criação do CELIN],fazíamos muitas reuniões, para elaboração de currículo etc.

Foi também na época dessas reuniões que tivemos a ideia deque deveríamos fazer um exame de nivelamento por ocasiãoda entrada dos alunos [no curso de Letras], por conta dogrande número de desistências que havia.

Também foi nesta época que o Professor Erasmo foi eleitocoordenador do curso e me chamou para ser a vice no mandatodele. Desde o início ele me falou que precisaria de um vice queefetivamente realizasse os trabalhos da coordenação numtrabalho de coordenação compartilhada, porque na época eleestava cuidando do pai doente e não poderia cumprir asatividades da coordenação no período da noite. Nós nosorganizamos de forma que eu fazia o trabalho de coordenado-ra no período noturno e ele no diurno.

Em mais um capítulo histórico da Área de Inglês: comdiversas aposentadorias, entraram num concurso os professo-res Michael Watkins, Mail de Azevedo e Cecilia Mendes (jáfalecida), num outro as professoras Marisa Riva Almeida eClarissa Jordão, num tercceiro a professoras Liana Leão e LuciCollin e mais recentemente, depois de outras aposentadorias:professores Francisco Fogaça, Alessandra Coutinho e ReginaHalu. As professoras já aposentadas, Regina e Marcia vierampor transferência da Universidade de Minas Gerais.

Volto ao período em que tive a coordenação compartilhadano Curso de Letras, de 1999 a2011, quando era Vice do pro-fessor Jose Erasmo Gruginski elogo depois de alguns anos ....

Desenvolvi essas atividades,cumpri o mandato, continueiatuando na APUFR como re-presentante do DELEM. O tem-

po foi passando, até que, numa dada ocasião, aquelas mesmaspessoas que, lá atrás, tinham dito que eu não podia mecandidatar a vice-coordenadora porque eu não fazia parte do“Movimento dos Professores”, chegaram para mim e pergun-taram se eu não queria ser a coordenadora do curso de Letras.Eu fiquei muito feliz por ter sido reconhecida.

No tempo dos meus primeiros mandatos no CEPE aparece-ram outras pessoas, outras lideranças. O Professor Benito, aProfessora Lígia, a Professora Sandra Monteiro, estavam entreaqueles que sempre me apoiaram no CEPE e depois se mani-festaram apoiando, querendo que eu fosse a coordenadora. Eeu não escondo que esse era o objetivo da minha vida.

Mas então, em agosto de 2005, começaram as divergênciasentre os dois departamentos, quando eu já era coordenadorado Curso de Letras. Pois já havia então uma ideia de criação deduas habilitações. E também havia, entre os dois departamen-tos, muita divergência quanto à visão de universidade.

Outros professores fora do SCHLA e perguntavam então“de onde eu era”, qual era meu departamento, quer dizer, dequal visão eu compartilhava. Mas eu era a coordenadora docurso todo, então dizia que coordenador de curso pertencenaquele momento ao Curso e a nenhum departamento.

[BOCA] Seu papel então foi o de mediar isso num cursode Letras unificado...

Exatamente. E digo que não foi fácil. Em agosto de 2005aconteceu uma coisa interessante. A Professora Rosana SáBrito, professora da Área de Inglês, era então a diretora doNAA e eles tinham já introduzido o tal do SIE, que nãofuncionava direito. Tanto que a professora Clarissa Jordão,também da área de Inglês, tinha acabado de ser coordena-dora e saiu da coordenação dizendo que não gostaria de serde novo Coordenadora nunca mais, por conta dessas mu-danças e da intolerância que existia na época na PROGRADem relação aos coordenadores.

Volto agora a falar do status quo da carreira do magistériosuperior. Houve um decreto do governo que transformava ocargo de todos os professores que não tinham estabilidade,isto é: professores auxiliares, visitantes e colaboradores (inclu-sive estrangeiros) em professores de carreira, “estatutários”.Assim passaram para a carreira os professores José ErasmoGruginski, Guido Engel, Eloise Grein, Rosana de AlbuquerqueSá Brito e Zilma Ruppel. Neste ínterim, entraram por concursopara professor auxiliar as professoras Vera Lucia Posnik, Lei-min Kou e Gertrud F. Fhram. Fizemos concurso para professorassistente eu e as professoras Brunilda Reichmann, Celia Arns,Ziole Malhadas e Eliana Bettega. Aconteceu que, nos explica-ram na época, se optássemos por entrar pelo concurso quetínhamos feito e no qual tínhamos sido aprovadas, perdería-mos níveis na carreira. Em outras palavras, se fossemos peloconcurso de Assistente, ficaríamos no nível I, se continuásse-mos no contrato que já tínhamos como professor auxiliar deensino (meu caso e das professoras Eliana Bettega, Célia Arnse Brunilda Reichmann) iríamos para o nível III de professorassistente. Na época, o salário não era ruim, então optamospor permanecer com o regime em que estávamos. Aí passa-mos a ter 40 horas com dedicação exclusiva, como Professorcargo de assistente nível III. Daí que todos os professores,concursados ou não, entraram para o quadro docente, até osestrangeiros, o que até então era proibido por lei, na área deInglês, incluindo foi o caso das professoras Inge Marcus eMaria Ascension Jimenez.

Na primeira oportunidade que tive para fazer doutorado,conversei com meu marido e decidimos escolher a mesmainstituição. Mas não sabíamos que a resposta para a solicitaçãode bolsa de estudos vinha em cima da hora da partida para oestrangeiro. Na verdade, a resposta do órgão de fomentodemorava e muito mesmo, vinha em cima da hora para aviagem. Nesse meio tempo, eu engravidei. Esperamos respos-ta da bolsa, mas demorou tanto que eu tive minha primeirafilha justamente na semana que a resposta positiva chegou.Como lá nos Estados Unidos eles cobravam a bolsa para quefossemos aceitos, não tínhamos (meu marido e eu) planejadonada para a nossa ida, não tínhamos sido informados de queera possível ir se preparando para a ida mesmo sem a respostada bolsa, e, assim sendo, acabamos eu e ele não indo para oconvênio, daquela vez.

Na segunda oportunidade, com apoio dos professores doDELEM, em especial da Área de Inglês, me candidatei nova-mente à bolsa de estudos. Desta vez, me preparei para a ida,escolhemos eu e o meu marido a universidade nos EUA etudo mais. Nesta época já estava grávida de meu segundofilho. Quando chegou a resposta do pedido de bolsas, meumarido tinha ganhado bolsa, mas eu não. Então, meumarido escolheu não ir, para não separar a família. Emseguida, pensei comigo que eu, como professora de línguainglesa, tenho que ter conhecimento aprofundado na lín-gua, mais do que qualquer coisa, inclusive do que o douto-rado em área diferente do ensino de língua inglesa, num paísonde esta língua é falada.

Na minha graduação, além de ser monitora em Inglêse de Literatura Brasileira, eu estudava no Interamerica-no. Eles davam uma bolsa para quem tivesse as melhoresnotas em todas as classes. Eu ganhei a bolsa para os EUA.Fiquei lá três meses, na casa de uma família, com quemtenho amizade até hoje.

nária, Engenharia Florestal, na recém-criada pós em Geografia,até nas Ciências Geodésicas, para onde fui designada pelaCoordenadora da Área de Inglês, professora Otíia Arns. Comoo contrato com a UFPR demorou, não recebi o valor retroativodeste período. Uma outra professora, Cecília Erthal, que davaaulas na pós de Geografia, conseguiu reaver este valor. Poroutro lado, além de ter encontrado meu marido na pós emCiências Geodésicas, o coordenador do programa de PG tinhauma verba que dava para pagar o professor de inglês.

As aulas de inglês do programa de pós não eram como alíngua estrangeira instrumental que temos hoje. Havia muitosconvênios com universidades de fora e os professores de lávinham dar aula aqui. Por isso, os alunos tinham que estarhabilitados para entender a língua do professor visitante.Fiquei lá dois anos.

Concluo, então, que minha carreira acadêmica já inicioumesclada com a minha vida pessoal. As duas andam juntasaté hoje.

Logo após a graduação, fui selecionada no curso de mes-trado em Santa Catarina (UFSC). A professora Otília disse,então, para que eu ficasse, que a UFPR abriria curso demestrado em seguida. Como eu já trabalhava aqui, e minhacarga horária era de 12 horas, pude fazer o mestrado juntosem maiores problemas. Entretanto, antes de começar omestrado, a professora Otília, junto com o professor EuricoBach, que era do Departamento de Linguística, ofereceramum curso de especialização. O mestrado começou em segui-da nas áreas de inglês e português. Mais tarde, a configura-ção das áreas do curso mudou para Estudos Linguísticos eEstudos Literários. Hoje em dia, as duas áreas do mestradoforam separadas e, em vez de pós-graduação em Letras,temos dois cursos: pós em Linguística e pós em Literatura.Isso aconteceu no ano passado.

O que eu queria dizer é que minha carreira se mistura coma minha vida familiar, permeada também pela própria históriado curso de Letras, até mesmo do programa de pós-graduação.Quando fizemos o curso de mestrado, a turma era formadapor mim, pela Cecília Erthal, pela Eliana Bettega, pelo FlávioArns, que hoje é vice-governador do Paraná, e até o CarlosFaraco, que foi reitor da UFPR. Nós fomos os alunos pioneirosdaquele curso.

Devo incluir nesta tomada histórica que a equipe era peque-na formada pelos professores Suzana Pinheiro Machado, Wo-lodymyr Kulcynski, Anna Stegh, Cecilia Erthal, Eliana Bettega,além da professora Otilia Arns e o professor Heriberto Arns.

Voltemos a minha vida profissional e acadêmica.Em seguida, mais uma vez, minha vida familiar interfere

na vida acadêmica. Os professores de Letras conseguiammuitos convênios para a UFPR. Entre eles, com o ConselhoBritânico. Naquela época, o professor Heriberto Arns e aprofessora Otília Arns conseguiram duas bolsas de dou-torado na Inglaterra, mas a condição era que o aluno tinhaque partir para o Reino Unido imediatamente. Aconteceuque a pessoa que fosse teria que ficar lá durante todo operíodo, cerca de quatro anos. Como eu e boa parte dosmeus colegas éramos casados, ficava difícil fazer a escolhade ir e deixar a família aqui imediatamente.

Então foram para a Inglaterra a professora. Ce-cilia Erthal e o professor Wolodymyr Kulczyinki,

que não teve problema para levar a família,esposa e dois filhos .

[BOCA]Primeiramente, gostaríamos que a professo-ra nos contasse um pouco a respeito da sua carreiraacadêmica.

Começarei pela minha graduação: sou formada em LetrasPortuguês e Inglês. Fiz duas coisas que vejo os estudantesfazerem hoje: fui voluntária em Prática de Ensino, com aProfessora Otília Arns e fui monitora, com a ProfessoraCassiana Carolo Lacerda, em Literatura Brasileira. Dessetempo, sou contemporânea da Professora Marilene Wei-nhardt, nós estudamos juntas no tempo da graduação; elaera estudante de francês e eu de inglês. Também estudaramcomigo a Professora Denise Guimarães de Literatura Brasi-leira, o Professor Udo Siemens, de alemão, a ProfessoraSandra Monteiro, do francês.

O voluntariado aproximava o aluno do orientador. Então,fui muito próxima das duas professoras que me orientaram.Em seguida à graduação, fiz concurso para professora auxiliar.Poderia ter escolhido a Literatura Brasileira, mas acabei optan-do pela Língua Inglesa. Sempre houve polêmica sobre o pro-fessor auxiliar de ensino. Hoje em dia, este cargo passou a serna carreira universitária o de professor auxiliar, que é seguidopelo assistente, pelo adjunto, pelo associado e, finalmente,pelo professor titular.

Então, logo que terminei a graduação, fiz o concurso paraprofessor auxiliar, que se costumava chamar de seleção, masfuncionava como um concurso público. Como ainda estáva-mos no período da ditadura militar, a “ficha” dos aprovados noconcurso passava pelo representante do SNI (Sistema Nacionalde Informações) na Universidade e ia para Brasília, para apro-vação. No meu caso, levou um ano o processo. O concurso foiem dezembro e a minha nomeação aconteceu somente emnovembro do ano seguinte. Durante este tempo, eu espereitrabalhando na UFPR. O único dinheiro que recebia era docurso de pós-graduação em que eu dava aulas. Foi nesse cursoque conheci meu marido, Quintino Dalmolin, que faziamestrado em Ciências Ge- o d é s i -cas. Lá eu era professo- ra deinglês. Naquela épo-ca, nós (do DE-LEM) dávamosaula para vá-rios cursosde pós-gra-d u a ç ã o ,d e s d eMedici-n aV e -teri-

“.,..chegaram para mim eperguntaram se eu não queria ser

a coordenadora do curso deLetras. Eu fiquei muito feliz por

ter sido reconhecida.”"