jongo no sudeste

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Inventário Nacional de Referências Culturais e Elaboração do Dossiê para Registro do Jongo no Sudeste

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dossi iphan 5

{ Jongo no Sudeste }

dossi iphan 5

{ Jongo no Sudeste}

img

dossi iphan 5

{ Jongo no Sudeste}

Bendito, louvado seja o Rosrio de Maria, Bendito pra Santo Antnio Bendito pra So Joo Senhora SantAna Sarav meus irmos.Canto de abertura dos jongueiros da Serrinha em suas apresentaes.

Tava dormindo Angoma me chamou Disse levanta povo Cativeiro se acabou.Canto de vrias comunidades jongueiras.

p r eS I d e nt e da r e pBLIC a

Luiz Incio Lula da Silvam I nI St r o da C U LtU ra

Departamento de Patrimnio ImaterialGerente de Ident IfIC ao

Centro Nacional de Folclore e Cultura PopularCHefe da d IVISo tCnI Ca

Gilberto Gil moreirap r eS I d e nt e d o I p Han

ana Gita de oliveiraGerente de r eGIStro

Lucia YunesCHefe do S etor de pe S QU I Sa

Luiz fernando de almeidap r oC U r a d o r a- C He fe federa L

ana Cludia Lima e alvesGerente de apo Io e fomento

ricardo Gomes LimaCHefe do m USeU de fo L C Lo r e e dI So n Carne Iro

tereza Beatriz da rosa migueld I r e to r a d e pat rI mn Io I mater I a L

teresa maria Cotrim de paiva Chaves

Vnia dolores estevam de oliveiraCHefe da B IBLI oteCa am a d eU a m a r aL

marcia Santannad I r e to r d e pat r Im nI o mater I aL e fI S C a L I Za o

marisa Colnago CoelhoCHefe da dI fUSo C ULtU r a L

dalmo Vieira filhodIretor de mUSeUS e CentroS CULtUraIS

Lucila Silva tellesdIVISo adm InIStratIVa

Jos do nascimento Juniord I r e to r a d e p L a n eJ amento e a d mI n I St r a o

arlete rocha Carvalho Luiz otvio monteiro

maria emlia nascimento SantosC o o r d e na d o r a- G era L de pe SQUIS a, d o C Um e nta o e refer nCI a

Lia mottaC o o r d e na d o r- Ge ra L de promoo do pat rI m nI o C U Lt Ura L

Luiz philippe peres torellyd Ir e to r a d o C e nt ro naCI ona L de fo L C Lo r e e CU LtU ra p opUL ar

Claudia marcia ferreiraS U p e rI nt e n d e nt e re GI ona L no eS p rI to S a nto

tereza Carolina frota de abreuS U p e rI nt e n d e nt e re GI ona L no rI o de J a n eI r o

Carlos fernando de Souza Leo andradeS U p e rI nt e n d e nt e re GI ona L em S o paU Lo

Victor Hugo moriI nSt I t Uto d o pat rI mn Io HIStr IC o e a rt St I C o naC I o na L

SBN Quadra 2 Edifcio Central Braslia Cep: 70040-904 Braslia-DF Telefone: (61) 3414.6176 Fax: (61) 3414.6198 www.iphan.gov.br [email protected]

Inventrio Nacional de Referncias Culturais e Elaborao do Dossi para Registro do Jongo no Sudestep r oJ e to C eL eB r a e S e S a Bere S da C U Lt U r a p o pU La r Co o r d e na o Gera L

Edio do Dossied Io de texto

Ficha Tcnica Jongo no Sudester eGIStro do JonG o no S U d eSt e

Srgio de Sre VIS o de texto

Processo no. 01450005763/2004-43p roponente S :

Graa mendes Vera Limatexto de aBert Ura

Centro Nacional de Cultura Populardata de aB ertUra do p r o Ce S So :

Letcia C. r. ViannaCo o r d e na o d e pe SQUIS a

equipe do InrC/Jongo - CnfCp/Iphantexto pr InCIpa L

elizabeth travassosaS S I St e nt eS d e p eSQUIS a

elizabeth travassospro Jeto G r fICo

adalton Silva, ana maria Gouva, andr felippe, antnio Carlos monteiro Chaves, aressa rios, Carla ramos, Cleo Vieira, dli de Castro ferreira, Gabriela Barros moura, Gilberto augusto da Silva, Igor Higa, Letcia dias, Lcio enrico, maria Goretti fernandes, ricardo moreno, rita Gama e thiago aquino.a p oI o

24/05/2001 Pedido de Registro aprovado na 48a. reunio do Conselho Consultivo do Patrimnio Cultural, em 10/11/2005 Inscrio no Livro de Registro das Formas de Expresso em 15/12/2005.

Victor Burtonpro Gramao VISUaL

deborah Vilarino Inara Vieira pedro Ivo oliveiramapa

Universidade federal do estado do rio de Janeiro (Unirio), Grupo Cultural Jongo da Serrinha, rede de memria do Jongo, associao Cultural Cachura!, paulo fortes, edgar fonseca, alberto Ikeda, paulo dias e comunidades jongueiras: Serrinha, fazenda de So Jos da Serra, Barra do pira, miracema, pinheiral, Santo antnio de pdua, Bracu, mambucaba (angra dos reis); Guaratinguet, Cunha, piquete, So Lus do paraitinga, So mateus e Conceio da Barra, daniel reis, rebecca de Luna Guidi e andra falco.

antnio Jos pedral deborah Vilarino Inara VieirafotoG rafIa

andr felippe Cleo Vieira dcio daniel elisabete mendona francisco moreira da Costa Jos moreira frade ricardo Lima rita Gamatran SC r I eS mUSIC aIS

P G I NA 2 J oNG o A rt e s A NAto d e MAr I A L uI z A s A N to s VI e I r A, d e tAu bAt (sP ) . Ac e rVo d o M u s e u d e FoL c Lo r e e dI s oN c Ar Ne I r o . Foto : F rA Nc I s c o dA c o s tA . P G I NA 4 A Pr e s eN tA o d e c AxA Mb u NA P rA A P bL Ic A d e MI r Ac e M A (rJ ) , eM 1997. Foto : r I cA r d o G oM e s L I M A.

elizabeth travassos Gabriela moura Igor Higa mariana Limaar QUIVo de part ItUra S

marclio Lopes

sumrio

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Jongo no Sudeste }

10 APRESENTAO 12 INTRODUO 13 Inventrio da cultura negra 14 Histria de f e poesia 15 registro e salvaguarda 17 mapa

18 CAXAMBU, JONGO E TAMBOR 19 Histria e identificao dos grupos 25 diversidade e unidade 49 notas 50 os pontos 51 Voz entre ritmos e movimentos 55 enigmas e magia 59 notas

60 FONTES BIBLIOGRFICAS 62 ANEXO partituras

APRESENTAo

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P GINA 8 G ILberto AuGusto d A sILVA, do Jo NG o d e P Iquete ( sP), No 1 1 o eNcoN tro de J oNGue I ros, e M 2006. Foto: Fr ANcI sco d A c ostA. P GINA Ao LA do r odA de Jo NGo. co MuNI dA de r e MAN esce N te de quILo M bo LA s de sANtA r ItA do br Acu Foto: rI tA G AMA .

A bA Ixo d e tA Lh e d e co N JuNto d e J oNG o , A rt e s A NAto d e I dA L I NA co s tA b A r r o s , d e tAu bAt (s P ) . Ac e rVo d o M u s e u d e FoL c L o r e e d Is oN cAr N e I r o . Foto : F rA NcI s c o dA co s tA .

ambu, batuque, caxambu, jongo. manifestao cultural afro-brasileira, o jongo o tema deste 5 volume da srie de dossis sobre os bens culturais de natureza imaterial registrados. o jongo uma forma de expresso que integra percusso de tambores, dana coletiva e elementos mgico-poticos. tem suas razes nos saberes, ritos e crenas dos povos africanos, sobretudo os de lngua bantu. cantado e tocado de diversas formas, dependendo da comunidade que o pratica. Consolidou-se entre os escravos que trabalhavam nas lavouras de caf e cana-de-acar localizadas no Sudeste brasileiro, principalmente no vale do rio paraba do Sul. um elemento de identidade e resistncia cultural para vrias comunidades e tambm espao de manuteno, circulao e renovao do seu universo simblico.

T

proclamado patrimnio Cultural Brasileiro em novembro de 2005 pelo Instituto do patrimnio Histrico e artstico nacional, o jongo foi registrado no Livro das formas de expresso. o registro teve como base a pesquisa desenvolvida pelo Centro nacional de folclore e Cultura popular, e teve como suporte a metodologia do Inventrio nacional de referncias Culturais. ao tornar pblicos processos e resultados desse trabalho, o Iphan contribui para o reconhecimento e o respeito a esse patrimnio pela sociedade brasileira. pedindo licena ao jongueiro velho, com este livro saudamos a todos os jongueiros novos. Sarav! Luiz Fernando de Almeida Presidente do Iphan

introduo

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tAMbores do Jo NGo d e tAMAN dA r, e M G uAr AtING uet , ( s P). Foto: Fr ANcI sco d A costA .

Inventrio da cultura negra

m novembro de 2005, o jongo foi proclamado patrimnio cultural brasileiro pelo Conselho Consultivo do Instituto do patrimnio Histrico e artstico nacional (Iphan) e registrado no Livro das formas de expresso. este registro teve como base a pesquisa para o Inventrio nacional de referncias Culturais (InrC), desenvolvido pelo Centro nacional de folclore e Cultura popular (CnfCp/Iphan). o inventrio buscou as expresses de origem africana relacionadas cultura do caf e da cana-deacar na regio Sudeste que tm elementos comuns: dana de roda ao som de tambores e cantoria com elementos mgico-poticos. foi observada uma variedade de representaes musicais, coreogrficas e simblicas que, de modo geral, esto compreendidas nas mesmas categorias analticas jongo, tambu,

E

caxambu, tambor e batuque que guardam elementos comuns e tambm particularidades conjunturais nos diferentes contextos onde so cultivadas: periferias metropolitanas e de pequenas cidades e comunidades rurais. foram verificadas diferentes instncias de tenses sociais, como questes e clivagens raciais e de classe, tenses de ordem religiosa, questes relativas integrao do jongo ao mercado de bens na cultura de massa em contraste com a relativa invisibilidade e excluso scioeconmica das comunidades e grupos tradicionais. no processo de inventrio foram visitadas sete comunidades jongueiras no estado do rio de Janeiro: na cidade do rio, no bairro de madureira, foi inventariada a comunidade do morro da Serrinha; no municpio de Valena, a comunidade da fazenda So Jos. o jongo foi pesquisado, ainda, em Barra

do pira, miracema, pinheral, Santo antnio de pdua. e tambm em comunidades como Bracu e mambucaba, junto a angra dos reis. no estado de So paulo foram identificadas e contatadas as comunidades jongueiras de Guaratinguet, Cunha, piquete, So Lus do paraitinga e Lagoinha. no esprito Santo, grupos de jongo de So mateus e Conceio da Barra foram identificados. H indcios de que na regio Sudeste existem outras comunidades e grupos de praticantes do jongo. durante a pesquisa percebeuse o interesse das comunidades e grupos no sentido de apresentar candidatura do jongo ao registro como patrimnio nacional. e assim o processo de registro foi conduzido pelo CnfCp/Iphan e deferido pelo Conselho Consultivo tendo em vista a importncia do jongo no panorama cultural brasileiro.

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J o s rese Nde tocAN do tA M bu. A Prese N tAo d e cAx AM bu e M sANto A N t NI o de P duA, 1976. Foto: Jos More Ir A F r Ade.

Histria de f e poesia

orma de expresso afro-brasileira, o jongo integra percusso de tambores, dana coletiva e prticas de magia. acontece nos quintais das periferias urbanas e de algumas comunidades rurais do Sudeste brasileiro, assim como nas festas dos santos catlicos e divindades afro-brasileiras, nas festas juninas, no divino e no 13 de maio da abolio dos escravos. o jongo uma forma de louvao aos antepassados, consolidao de tradies e afirmao de identidades. ele tem razes nos saberes, ritos e crenas dos povos africanos, principalmente os de lngua bantu. So sugestivos dessas origens o profundo respeito aos ancestrais, a valorizao dos enigmas cantados e o elemento coreogrfico da umbigada. no Brasil, o jongo se consolidou entre os escravos que trabalhavam nas lavouras de caf e cana-

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de-acar, no Sudeste brasileiro, principalmente no vale do rio paraba do Sul. nos tempos da escravido, a poesia metafrica do jongo permitiu que os praticantes da dana se comunicassem por meio de pontos que os capatazes e senhores no conseguiam compreender. Sempre esteve, assim, em uma dimenso marginal, em que os negros falam de si, de sua comunidade, por meio da crnica e da linguagem cifrada. tambu, batuque, tambor, caxambu. o jongo tem diversos nomes, e cantado e tocado de diversas formas, dependendo da comunidade que o pratica. Se existem diferenas de lugar para lugar, h tambm semelhanas, caractersticas comuns em muitas manifestaes do jongo.

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IN teG rAN tes do J oNG o de s o M Ateus ( es) Foto: Fr ANcI sco d A costA .

REGISTRO E SALVAGUARDA

A

o longo do sculo 20, as comunidades jongueiras estiveram envolvidas em complexos e dinmicos processos socioculturais que condicionaram diferenas e especificidades. no Sudeste brasileiro, em muitas das comunidades com descendentes de escravos, o jongo desapareceu, tanto pela disperso de seus praticantes em conseqncia da migrao e dos processos de urbanizao, como pelo obscurecimento destas prticas por outras expresses de maior apelo junto ao crescente mercado de bens simblicos. ou tambm devido vergonha motivada pelo preconceito, expresso pelos segmentos da sociedade abrangente, relativo s prticas culturais afrobrasileiras. em outras comunidades, no entanto, o jongo tem sido um fator de integrao, construo de identidades e reafirmao de valo-

res comuns estratgias em que a memria e a criatividade so fundamentais. diante das desigualdades econmicas, da excluso social e da invisibilidade deste fazer cultural junto aos demais segmentos da sociedade brasileira, as comunidades jongueiras tm desenvolvido solues prprias, alternativas para a preservao de seus saberes e expresses. as crianas, por exemplo, que durante muito tempo no podiam freqentar as rodas de jongo, hoje so estimuladas a aprender o canto e a dana de seus ancestrais. e, em muitas comunidades, no mais necessrio ser filho de jongueiro para ser considerado jongueiro. a aproximao de pesquisadores e estudiosos, bem como, mais recentemente, de jovens das camadas mdias urbanas, fez com que a participao em uma roda de jongo no estivesse mais limitada aos integrantes das co-

munidades jongueiras. alm disso, algumas comunidades passaram a fazer apresentaes artsticas, nas quais as rodas de jongo acontecem sob a forma de espetculo. assim, aos jongueiros se coloca o desafio de dialogar com os processos da cultura de massa e do universo do entretenimento e, ao mesmo tempo, manter os fundamentos de sua prtica. essas questes tm sido tratadas de forma crtica pelos jongueiros por meio de iniciativas como o encontro de Jongueiros evento anual que rene comunidades e praticantes do jongo de So paulo e do rio de Janeiro (os recursos so parcos para que as comunidades capixabas possam participar). e tambm por meio da rede de memria do Jongo, nascida a partir do encontro de Jongueiros, com o objetivo de, segundo seus idealizadores, estreitar os laos de sociabilidade entre as comunida-

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tA Mbor de Jo NGo do Ac e rVo do Museu de Fo L c Lore ed Iso N c Ar Ne Iro. Foto: Fr ANc Isco d A c o s tA .

des jongueiras e fortalecer os canais de articulao com a sociedade em geral. este processo de mobilizao e organizao a prova de que as comunidades jongueiras esto conscientes de que possuem um bem cultural de grande valor, um conjunto de saberes ancestrais, testemunhos de sofrimento, mas tambm de determinao, criatividade e alegria dos afro-descendentes. nesse sentido, o registro do jongo como patrimnio cultural do Brasil o reconhecimento por parte do estado da importncia desta forma de expresso para a conformao da multifacetada identidade cultural brasileira. este registro chama a ateno para a necessidade de polticas pblicas que promovam a eqidade econmica articulada com a pluralidade cultural; polticas que garantam a qualidade de vida e a cidadania. e condies de auto-

determinao para que as comunidades jongueiras mantenham vivo o jongo nas suas mais variadas formas e expresses.equipe do Inventrio Nacional de referncias culturais / Jongo/ centro Nacional de Folclore e cultura Popular / Iphan

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d Istr I buIo Geo GrFI cA d os G ruP os de c Ax AM bu, J oNGo e tAM bor I de NtIFIc Ados PeL o INrc eN tre 2002 e 2006.

So mateus

esprito santo

miracema Santo antnio de pdua

so Paulopiquete Guaratinguet Lagoinha So Luis do paraitinga pinheiral angra dos reis

rio de JaneiroValena Barra do pira rio de Janeiro Quissam

n o S L

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caxambu, jongo e tambor

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c AsAL dAN A Jo NGo No 11 o eNcoN tro de J oNG ue Iros, e M 2006. Foto: Fr ANcIsco d A costA.

s formas de expresso denominadas caxambu, jongo, tambor e tambu so encontradas em diversos locais na regio Sudeste do Brasil, mais especificamente no vale do rio paraba do Sul e no litoral fluminense e capixaba. por suas semelhanas quanto forma e ao significado, so tratadas em conjunto neste Livro de registro do patrimnio Cultural Brasileiro. a palavra jongo aqui usada como termo genrico que abrange angona ou angoma, caxambu, tambor e tambu, salvo quando necessrio apontar as acepes mais restritas de cada uma das denominaes. Caxambu, jongo e tambor consolidaram-se como formas expressivas e ldicas da populao escrava que se concentrava nas fazendas de caf e cana-de-acar da regio Sudeste. Quando da abolio da escravido, estavam integradas vida cultural das comunidades afro-

A

HISTRIA E IDENTIFICAO DOS GRUPOS

descendentes, ligadas sua viso de mundo, crenas religiosas e divertimentos. perpetuaram-se, ao longo do sculo 20, em diversos ncleos populacionais das zonas rurais e das cidades pequenas, de onde foram levadas, tambm, para o rio de Janeiro, ento capital da repblica. durante a pesquisa foram visitados os lderes e integrantes de sete grupos de jongo no estado do rio de Janeiro: 1 em angra dos reis,

o grupo congrega moradores das comunidades de Bracu e mambucaba; 2 em Barra do pira, o grupo integrado pelos remanescentes de dois antigos ncleos jongueiros; 3 o caxambu de miracema; 4 o Jongo de pinheiral; 5 o Jongo da Serrinha, situado no morro de mesmo nome, na cidade do rio de Janeiro; 6 o caxambu de Santo antnio de pdua; 7 o tambor do Quilombo de So Jos da Serra, no municpio de Valena. Cinco grupos no estado de So paulo tambm foram identificados e contatados: 1 o jongo do bairro tamandar, em Guaratinguet, atualmente representado por dois grupos; 2 o jongo de Cunha; 3 o jongo de piquete; 4 o jongo de So Lus do paraitinga; 5 o jongo de Lagoinha. no litoral do esprito Santo foram contatados jongueiros de So mateus e Conceio da Barra. as informaes

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r o dA d e J oNGo . A s s o cI A o quI L oMb oL A d e tA M A NdA r . 1 1 o e Nc o N t r o d e J oNGu eI r o s , eM 2 0 0 6 . Foto : F rA NcI s c o dA c o s tA .

sobre os grupos de So paulo foram sistematizadas pelos pesquisadores da associao Cultural Cachura! e, no caso de piquete, por pesquisadores do lugar. o inventrio restringiu-se aos grupos mencionados, mas isso no significa que somente nessas localidades esto vivos o caxambu, jongo e tambor. pelo contrrio: sabese que existem outros grupos e que a configurao dos atuais ncleos jongueiros pode se alterar, em curto perodo de tempo, devido a vrios fatores. Localidades onde existem conhecedores do jongo, mas onde a forma de expresso est latente, podem ser mobilizadas pelo movimento dos jongueiros das comunidades vizinhas. os grupos atuais podem cindir-se e gerar outros ou somar foras para viabilizar suas festas e apresentaes pblicas. aps o registro do jongo como patrimnio cultural brasileiro, em

novembro de 2005, o Iphan iniciou a elaborao de um plano de Salvaguarda, em conjunto com os grupos antes enumerados. ao longo do processo, outras comunidades manifestaram o desejo de participar da discusso das perspectivas contemporneas para essa forma de expresso. So elas: jongo de Campos, tambor da fazenda machadinha em Quissam e jongo de porcincula (rJ), jongo de So Jos

dos Campos (Sp), jongo de Carangola (mG) e de presidente Kennedy (eS). no possvel dar conta em relato nico das particularidades histricas e contemporneas do jongo em cada um desses locais. tambm so diferentes os papis que a dana desempenha hoje na vida social das comunidades mencionadas. os atuais jongueiros so, geralmente, descendentes de jongueiros. Vivem em bairros pobres das cidades, onde so trabalhadores - ativos ou aposentados - e estudantes. ali se radicaram seus avs e bisavs no perodo ps-abolicionista, em zonas intermdias entre campo e cidade. alguns deles, nascidos na primeira metade do sculo 20, fizeram um percurso migratrio entre o local de origem, geralmente uma vila ou rea rural, e a cidade onde moram agora. Guardam lembranas vvidas das rodas que viam quando crianas, dos

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c oM uNI dA de de P I quete. 1 1 o eNcoN tro de J oNGue I ros, FAzeNd A, 2 006. Foto: Fr ANcI sco d A costA .

cantos que ouviam e das histrias que seus pais e avs contavam sobre o jongo. medida que se multiplicavam os deslocamentos geogrficos da populao trabalhadora, alguns jongueiros ficaram isolados e assistiram transformao dos interesses culturais e recreativos das novas geraes em suas famlias. o caxambu deixou de ser danado em diversos locais, por vrios moti-

vos: os conhecedores da tradio faleceram sem deixar herdeiros, as converses religiosas recentes impedem alguns membros das comunidades de participar da dana e no h mais, nas proximidades das moradias, os espaosos terreiros para danar. de um modo geral, a irradiao dos modos de vida e valores associados modernidade tornou os tambores alvo de desprezo e indiferena, quando no de

represso. outros fatores negativos so a condio duplamente desfavorecida dos conhecedores das danas como integrantes das camadas pobres e como negros e o fato de deterem conhecimento restrito que no compartilhado por suas vizinhanas. no processo de modernizao da sociedade brasileira, ao longo do sculo passado, muitos saberes tradicionais foram rechaados, principalmente quando associados s prticas culturais e religiosas dos trabalhadores negros. antes ainda, quando esses trabalhadores eram escravos nas fazendas do vale cafeeiro, suas formas de expresso haviam sido objeto de represso direta, alternada com tolerncia supervisionada. a Lei n 3 de 16/01/1893, do Cdigo municipal da antiga Vila Vieira de piquete, proibiu batuques, sambas, caterets, cana-verde e outros sem prvia permisso

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tA Mb o r e s d e J oNG o . Foto : r I tA GA M A. P G I NA Ao L Ad o I Nt eG r A Nt e s d o J oNGo d e s o MAt e u s (e s) , c oM e s tA NdA rt e e tA Mb o r e s . Foto : F rA NcI s c o dA c o s tA.

das autoridades. nas leis municipais de Vassouras, em 1831 e depois em 1838, os senhores tentaram impedir que os escravos das fazendas realizassem o que chamaram de danas e candombes. temiam que os encontros propiciassem aos escravos a chance de organizar sociedades secretas, aparentemente religiosas, mas sempre perigosas, pela facilidade com que alguns negros astutos podem us-las com finalidades sinistras (citado por Stein, 1985:204).1 ao mesmo tempo, precisavam tolerar os divertimentos dos escravos: caso contrrio, colocariam em risco a sobrevivncia de seus trabalhadores. as relaes que os jongueiros estabeleceram com os setores dominantes da sociedade, com as autoridades civis e os agentes religiosos variaram ao longo do tempo e do espao, dando lugar a histrias locais nicas. Histrias de continuidade quase

secreta ao longo de dcadas, como a do crculo de familiares, vizinhos e amigos que freqentavam a casa de maria Joana monteiro a Vov maria Joana rezadeira , no morro carioca da Serrinha. pouco visveis para outros segmentos sociais alm dos moradores dos arredores, os jongueiros do lugar foram ativos no processo de dar a conhecer sua dana e msica em outros crculos, sob a forma de espetculos (Gandra, 1995). por outro lado, abandonar o divertimento herdado das geraes antecessoras e aderir a formas de expresso associadas vida urbana moderna podem ter sido, em outros contextos, estratgias de proteo contra o estigma da escravido (Ianni, 1966). a partir de pesquisas de campo realizadas desde os anos 1950, maria de Lourdes Borges ribeiro verificou a existncia do jongo em numerosos municpios do Sudeste.2

Isso permite comparar a distribuio espacial do jongo na atualidade e em meados do sculo 20. a mancha coberta pela rea jongueira no mapa da regio Sudeste permanece a mesma, mas a incidncia do jongo diminuiu. no obstante, as ltimas dcadas do sculo 20 se caracterizaram pelo esforo consciente de preservao e revitalizao do jongo em praticamente todas as localidades mencio-

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nadas. o processo foi desencadeado pelos descendentes de antigos jongueiros com o apoio de animadores culturais e dos movimentos sociais. eles afirmam o valor propriamente cultural da tradio de seus ancestrais, arregimentam familiares e vizinhos e levam o jongo a novos espaos pblicos. para garantir a continuidade dos grupos, adotam medidas para transmitir aos jovens os conhecimentos que receberam e desenvolveram. entre as estratgias de reproduo desses conhecimentos esto a formao de grupos mirins e de escolas de jongo, alm das apresentaes em escolas e em festivais de cultura. a articulao entre grupos jongueiros e movimentos sociais, especialmente os que congregam a populao negra, tambm contribui para tornar o jongo significativo como forma de expresso contempornea. atualmente o jongo atrai estudantes e artis-

tas, integra-se a projetos sociais de organizaes no-governamentais e ao poltico-cultural de movimentos negros. despontam novas lideranas jongueiras, geralmente assumidas por homens jovens, em contraste com os antigos donos do jongo, quase sempre idosos respeitados, guardies dos tambores, e com as mes, tias e vs que, em geraes anteriores, foram donas do tambu. memria coletivamente cultivada dos tempos do cativeiro e da abolio temas recorrentes nos cantos dos jongueiros , testemunho da criao cultural de escravos e de homens livres negros, o jongo foi noticiado ao longo de todo o sculo 20, na regio Sudeste. Constitua, como ainda constitui em algumas comunidades, divertimento associado devoo aos santos do perodo junino, aos oragos locais, a So Benedito, Santa Luzia, So Jos

e tantos outros. animava as noites festivas com a dana luz da fogueira, a reunio de parentes e vizinhos, a argcia na criao e na decifrao de versos enigmticos, a bebida e a comida compartilhadas. era no caxambu que os escravos faziam o comentrio ferino, mas disfarado, do comportamento de seus supervisores e senhores. nesse contexto, os jongos eram cantos de protesto, subjugado, mas resistente, observou Stein (1985:207).3 ali foram se organizando, ao longo do tempo, relatos da experincia da escravido e da abolio, mesmo quando a grande maioria dos jongos, por serem improvisados, no se cristalizavam a ponto de serem os cantos repetidos e transmitidos de boca em boca. Independentemente disso, caxambu, jongo e tambor esto associados lembrana de que os antepassados foram escravos e que, apesar de privados da liberdade,

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sue LLe N , wAr L ey e J ohNAtA N . tA Mb o r e s d o JoNGo dA s e r rI N h A . Foto: F rA Nc I s c o dA costA. PGINA Ao L Ad o d etAL h e d e c oN JuNto d e JoNG o , A rt e s A NAto d e IdALINA c o s tA b Ar r o s , de tAu bAt (s P ) . Ac e rVo do Mus e u d e FoL c L o r e ed IsoN cAr N e I r o . Foto: F rA Nc I s c o dA c ostA .

mantiveram um espao de expresso prpria que escapava ao controle senhorial. Vrios indivduos das comunidades visitadas se reconhecem como descendentes de escravos e, alguns deles, como descendentes de africanos. H cantos que falam disso: so textos que organizam uma parcela da memria da escravido no Sudeste. nessa regio, as grandes propriedades dependeram do trabalho escravo at s vsperas da

abolio. os plantadores de caf tinham de adquirir escravos em outras regies do Brasil ou recm-chegados da frica (ver mattos e rios, 2005, a respeito das peculiaridades da memria da escravido no Vale do paraba). alm de favorecer o cultivo de uma memria da escravido e da abolio, os cantos chamados de pontos so continuamente criados e transformados, referindose tambm ao presente imediato, freqentemente em tom crtico e mordaz: tanto choram o tempo do cativeiro como riem do mensalo.4 folcloristas, historiadores e etnomusiclogos documentaram o jongo quase sempre em cidades pequenas, ocasionalmente em algumas reas rurais, e na cidade do rio de Janeiro. Sua visibilidade na cena cultural contempornea desta cidade e de outras capitais, dana-

do e cantado por descendentes de jongueiros ou recriado por msicos e danarinos profissionais, traz tona a discusso sobre as possibilidades de conservao de formas de expresso tradicionais como prticas vivas e significativas. Integrando-se ao mercado de espetculos afro-brasileiros e ao poltica local de comunidades negras, o jongo responde a desafios anlogos aos que se apresentam para os herdeiros de outras formas de expresso tradicionais.

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DIVERSIDADE E UNIDADE

Sobre o vocabulrio tambor, tambu, angona, caxambu e jongo so palavras que tm mais de um significado. no nvel genrico, designam a totalidade da forma de expresso e o prprio evento em que ocorre. em outro nvel, tm acepes especficas. assim, caxambu o nome dado ao tambor de maiores dimenses do conjunto instrumental que acom-

panha a dana, em vrios locais. em miracema e em Santo antnio de pdua (rJ), a palavra generalizouse e designa a forma de expresso em sua totalidade, envolvendo canto, dana, festa. Segundo maria de Lourdes B. ribeiro, caxambu tanto o instrumento membranofone quanto a dana, em minas Gerais. analogamente, tambor (e tambu) o nome de um dos tambores que acompanha a dana. faz par com o candongueiro, este de menores dimenses. na fazenda So Jos da Serra (rJ), por exemplo, o tambu um dos dois tambores do conjunto instrumental e tambm toda a dana. os trs termos caxambu, jongo e tambu alternam-se na fala dos moradores desse local. em areias (Sp), o jongo era chamado tambm de angona, nome dado ao tambor maior do conjunto. a tendncia, pois, de generalizar, para a forma de expresso

como um todo, o nome do tambor maior angona, caxambu ou tambu. J a palavra jongo pode designar, mais restritamente, a expresso vocal associada dana e ao evento festivo. Cantar ou tirar um jongo sinnimo de cantar ou tirar um ponto. atualmente, parece haver preferncia pela denominao genrica caxambu no norte fluminense, enquanto na regio sul do estado do rio e em So paulo (incluindo a capital), jongo mais freqente como termo genrico. Segundo Claudionor paulino de Jesus, o non, de Santo antnio de pdua (rJ), a diferena entre jongo e caxambu que jongo a queda que a gente tira para cantar, no ? a msica que tira para poder cantar, para poder debater, comandar um com o outro [entrevista aos pesquisadores do InrC]. Segundo antnio farias toms

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tAdeu, bruNo, rodrIGo e KLAuss: tocAdores de tAMbor dA AssocIAo quILoMboLA de tAMANdAr, No 11 o eNcoNtro de JoNGueIros. Foto : F rA Nc I s c o dA co s tA. P G I NA Ao L Ad o M uLh e r to cA tA Mb u d u rA Nt e A Pr e s eNtA o d e cA xA Mb u eM s A Nto A N t N Io d e P d uA (r J ) , eM 1 9 7 6 . Foto : J o s M o r eI r A F rA d e .

(nico), tambm de Santo antnio de pdua, ele passa a ser jongo depois que se ajunta tudo. porque o caxambu o comeo, juntando todo mundo. a o jongo, quando comea o desafio de um para outro, e as outras pessoas formam o coral, a j se diz jongo. (...) o caxambu completo, com as peas todas. Segundo antnio fernandes do nascimento (toninho Caneco), no Quilombo de So Jos da Ser-

ra o pessoal diz: vamos danar um tambu, vamos fazer um tambu. mas danar mesmo a dana do caxambu. palavra antiga: danar o tambu. a palavra antiga da comunidade danar o tambu: hoje vai ter tambu. Cantar cantar o jongo. o jongo o canto durante o tambu [entrevista a pesquisadores da Unirio]. outras denominaes locais da dana foram registradas por pesqui-

sadores na primeira metade do sculo 20: catamb no litoral sul do esprito Santo, bate-caixa em So Bento do Sapuca (Sp), bendengu (rJ) e corim (Sp) (ver ribeiro, 1984:17). atualmente, a modalidade vocal do jongo no ocorre em separado da dana, seno raramente, nas conversas e brincadeiras entre jongueiros. Sabemos, graas reconstruo histrica do jongo nas fazendas de caf da regio de Vassouras, entre 1850 e 1900, que o jongo podia ser cantado a qualquer hora, como passatempo durante o trabalho na plantao, por exemplo. no amplo terreiro prximo s senzalas, eles [os escravos] jogavam gua sobre suas cabeas e rostos, umedecendo e esfregando braos, pernas e tornozelos. os retardatrios apareciam na porta das senzalas murmurando o jongo que haviam composto e que satirizava o supervisor tocando o sino:

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Esse diabo de bembo No tenho tempo de abotoar minha camisa, esse diabo de bembo (Stein, 1985:161).5 os descendentes desses trabalhadores forneceram a Stein informaes valiosas sobre o jongo cantado em meio faina nos cafezais. o lder de uma turma de lavradores lanava um canto, que era tambm uma charada, conforme todos percebiam. ele cantava o primeiro verso e o restante de sua turma cantava em coro o segundo verso. o lder da turma vizinha tentava decifrar o enigma cantando e sua turma o acompanhava. Stein acrescenta: os jongos cantados em lnguas africanas eram chamados quimzumba; os cantados em portugus, mais comuns medida que diminua o nmero dos velhos africanos na fora de trabalho, visaria (Stein, 1985:162).6 nos sbados noite, os escravos reuniam-se para dan-

ar com dois ou trs tambores e essa ocasio de divertimento era chamada de caxambu. o vocabulrio do jongo se caracteriza pela presena importante de palavras originrias de lnguas bantu (angoma, caxambu, jongo, tambu, cumba, zambi, ganazambi, guai) e de noes e valores que se relacionam com os das populaes africanas e afro-americanas: reverncia aos mortos; uso mgico da palavra cantada e da metfora, qual se atribuem foras que atuam sobre os vivos e sobre as coisas; crena na possesso por divindades e espritos ancestrais, que deve ser evitada no jongo, mas produzida em rituais religiosos da umbanda; preferncia pelas formas de canto e dana dialogais (ortiz, 1985), com alternncia ou entrelaamento de solistas e grupos; polirritmia de tambores de tamanhos e tipos diferentes. entretanto, no h con-

senso entre os estudiosos quanto s propostas de etimologia do vocabulrio jongueiro. Segundo nei Lopes (2003:123), jongo deriva do vocbulo umbundo onjongo, que designa uma dana dos ovimbundos. o antroplogo fernando ortiz documentou, em Cuba, formas cantadas, rituais, entre grupos congos. eram destinadas a enkangar (da palavra conguesa nkanga, que significa amarrar) ou preparar um feitio de amarre, quer dizer, que sujeite a vontade de uma pessoa ou esprito (ortiz, 1985:61). essa idia de enfeitiar por meio de versos cantados que amarram est presente nas vrias comunidades jongueiras da atualidade. diz-se que o jongo fica amarrado quando um jongueiro lana um ponto que ningum consegue compreender. desatar um ponto, conseqentemente, deslindar seu sentido.

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t e s tA N d o A A F I NA o d o s tA Mb o r e s . J oNG o d e P I Nh eI r A L . Foto : eL I zAb e t h t r AVA s s o s .

a palavra angona (e as variantes angoma e ingoma) aparece freqentemente no texto de cantigas. de acordo com nei Lopes, deriva do termo multilingstico ngoma, tambor, das lnguas quimbundo ou quicongo (2003:29). Sarav meu candongueiro, Sarav angoma-puta, Salve caxambu, Sarav jongueiro, diz parte do ponto cantado na Serrinha. Tava dormindo Angoma me chamou Disse levanta povo Cativeiro se acabou, cantam jongueiros de vrios locais, entre eles os de piquete. angoma-puta ou simplesmente

puta o tambor-de-frico usado pelas comunidades jongueiras de miracema e de Santo antnio de pdua. foi noticiado nos jongos paulistas com os nomes de boi ou ona (ribeiro, 1984:19-20). puta, por sua vez, tem origem no quimbundo (Lopes, 2003: 179). de acordo com o etnomusiclogo Gehrard Kubik (1990), ntambu o nome de um tambor em angola. ainda Kubik (1990) que relaciona candongueiro nome de um dos tambores do jongo no Brasil a kaunjangera, dana que documentou na provncia de Hula (angola). a presena de vocabulrio africano no jongo foi fartamente noticiada. Vrios jongueiros consultados por alceu maynard arajo nos anos 1940, com mais de 60 anos na ocasio, contaram que seus pais eram africanos ou, mais especificamente, angolanos (mas no h genealogias detalhadas nos trabalhos

desse autor). Um dos pontos que o pesquisador registrou em areias diz: Papai era negro da Costa, mami era nega banguela, papai come gost de mami, foi e cas cum ela (arajo, 1964:203). os moradores do Quilombo de So Jos da Serra, no municpio de Valena (rJ), forneceram informaes relevantes sobre a origem de seus ancestrais s historiadoras Hebe mattos e ana maria Lugo rios (mattos e rios, 2005). o senhor manoel Seabra, octogenrio, e sua irm Zeferina nascimento, falecida em 2003, contaram que seus pais nasceram na prpria fazenda e que os avs paternos ali chegaram adquiridos como escravos. o pai, ventre livre, chegou fazenda quando ainda era beb

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M ANoe L se AbrA d AN A No qu ILoM bo de s o Jos d A s err A ( rJ) Foto: G A br Ie LA bArros M our A.

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tA Mb o r e s dA c oM uN IdA d e d e tA M A NdA r ( rJ) . Foto : F rA NcI s c o dA c o s tA . P G I NA Ao L Ad o e s tA NdA rt e dA c oM uN IdA d e J oNGu eI rA d e s o M At e u s ( e s ) . Ac e rVo d o Mu s e u d e Fo Lc Lo r e e dI s oN c A r NeI r o . Foto : F rA Nc I s c o dA co s tA.

de colo, tendo sido comprado da Bahia juntamente com seus prprios pais, um africano e uma baiana. Segundo manoel Seabra, este av paterno era da nao cabinda. os avs maternos, por sua vez, nasceram ventre livres na fazenda. as historiadoras observam que a memria de dona Zeferina situa trs geraes ascendentes a partir de suas relaes com a escravido e o territrio da fazenda: os avs que foram cativos, os pais ventre livres, e sua prpria gerao de cidados nascidos livres. dona nair porfrio, nascida em 1907 em piquete, conta que seu pai Geraldino porfrio veio menino de So Lus do maranho, como escravo roubado, para trabalhar na lavoura de caf. Continuou a trabalhar na mesma fazenda aps a abolio. em sua casa, os jongueiros festejavam o 13 de maio (ver Gouva, 2005).

estes exemplos confirmam que em torno da dana organizamse, h tempos, memrias familiares que remontam escravido e libertao, chegada nas lavouras cafeeiras de africanos e seus descendentes, vindos de vrios lugares da frica e do Brasil: No dia 13 de maio Quando o senhor me batia Eu gritava por Nossa Senhora, meu Deus Quando a pancada doa. [cantado por Claudionor, do caxambu de Santo antnio de pdua]. Oi bota fogo na senzala Onde negro apanhou [cantado pelo jongo de angra dos reis]. Meu cativeiro, meu cativer (bis) Trabalha nego, no quer trabalhar

No meu tempo de cativeiro Negro apanhava do Senhor Rezava Santa Maria Liberdade meu pai Xang [cantado por jongueiro de Guaratinguet]. Oi negro, que t fazendo Oi, na fazenda do senhor? Sinhozinho mandou embora Pra qu que negro voltou? Dia treze de maio Cativeiro acabou E os escravos gritavam Liberdade, senhor! [cantado pelos jongueiros do Quilombo de So Jos da Serra].

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Contextos de apresentao as festas de santos padroeiros, as do perodo junino, de nossa Senhora do rosrio e Santa rita, as de algumas divindades afro-brasileiras, como Iemanj e os pretos-velhos, as comemoraes do dia do trabalho (1 de maio), da abolio (13 de maio) e do dia da Conscincia negra (20 de novembro), bem como os aniversrios de pessoas importantes das comunidades, so ocasies que mobilizam os jongueiros para cantar e danar. eles se apresentam tambm em festejos promovidos pela administrao pblica e por organizaes da sociedade civil. s vezes, o grupo de uma localidade convida os jongueiros da comunidade vizinha para sua festa. Como o jongo danado em locais abertos terreiros na proximidade das residncias, praas pblicas atrai assistentes que no danam e no so jongueiros.

outro faz outra. andava por essas costas tudo. danava em paraty, danava no frade. mas eu me alembro muito de jongo, eu vendo o tambor batendo (...) toda a minha vida [entrevista a pesquisadores do InrC]. desde 1996 realiza-se anualmente o encontro de Jongueiros. trata-se de uma espcie de festival itinerante, sediado a cada ano por um grupo, em sua cidade. at o momento tm participado jongueiros dos estados do rio de Janeiro e de So paulo, mas a tendncia de se agregarem, progressivamente, outros grupos. durante um ou dois dias consecutivos, as comunidades se renem para discutir suas diferentes perspectivas sobre a tradio jongueira, seus problemas, suas estratgias e esperanas. alm disso, sempre danam noite, em um logradouro pblico, e cada grupo se

embora as datas festivas tenham sido sempre as mais propcias dana, a roda de jongueiros podia se formar em qualquer dia, segundo tia Luza (maria Luiza do rosrio), de angra dos reis: no tinha hora, nem dia certo para acontecer, dava vontade (...). o dia que dava, era esse dia mesmo (...). Chegava de noite, um fazia uma fogueira, uma faz uma coisa,

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to d o s o s oLh A r e s s e VoLtA M PAr A A r o dA d e Jo NGo No 1 1 o e Nc oN t r o d e J oNGu eI r o s , eM 2 0 0 6 . Foto : F rA Nc I s c o dA c o s tA . P G I NA Ao L A d o de tA Lh e d e c oN J uNto d e J oNGo , A rt e s A NAto d e I dA L I NA c o s tA b Ar r o s , d e tAu bAt (sP ) . Ac e rVo d o M u s e u d e FoLc L o r e ed I s oN cAr N e I r o . Foto : F rA Nc I s c o dA c o s tA .

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apresenta por um perodo determinado. o primeiro encontro aconteceu em 1996, em Santo antnio de pdua (rJ), idealizado por Hlio machado, admirador do jongo e professor do campus avanado da Universidade federal fluminense (Uff) naquela cidade. desde o V encontro, realizado no ano 2000, passaram a fazer parte da programao do evento, alm das rodas de jongo, debates sobre temas de interesse dos grupos e oficinas para intercmbio de conhecimentos e experincias. os encontros atraem pesquisadores, artistas e estudantes. a partir deles surgiu o movimento chamado rede de memria do Jongo, que tem por objetivo estreitar os laos de solidariedade entre comunidades praticantes, criar e fortalecer canais que favoream a articulao entre jongueiros e entre estes e a sociedade em geral. 7

Caxambu, jongo e tambor so criaes originais das populaes negras do Sudeste. elas apresentam alguns traos comuns quanto aos modos de atuao e significados, que fundamentaram a deciso de registr-las como uma forma de expresso una: a) a formao dos participantes numa roda animada por pelo menos dois tambores de tamanhos diferentes; b) os solos coreogrficos de indivduos ou de casais, geralmente no centro da roda; c) as vrias formas de alternncia entre um solista (homem ou mulher) que puxa o ponto e o coro dos danarinos que o repete, na ntegra ou parcialmente, ou que canta um estribilho; d) os pontos, geralmente improvisados, que constituem enigmas a serem decifrados por outros solistas; e) as narrativas sobre os efeitos extraordinrios produzidos por pontos no decifrados ou pelo poder que emana do

jongo; f) as reverncias aos ancestrais jongueiros e, algumas vezes, aos tambores, com eles identificados. nos pargrafos seguintes ser abordado cada um dos itens separadamente, exceo dos pontos, aos quais se dedica um outro captulo. essa separao apenas um artifcio de exposio, uma vez que nenhum aspecto existe isoladamente dos demais.

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PA r s oL I s tA No Jo NGo dA se r r I N h A. Foto : F rA Nc I s c o dA c o s tA . P G I NA Ao L Ad o tA Mb o r d o quI Lo Mb o d e s o J o s dA s e r rA. Foto : G Ab r I eL A bAr r o s Mou rA.

Modos de danar Cada um dos traos enumerados anteriormente elaborado de maneira diferente pelas comunidades jongueiras. portanto, h variaes que fogem possibilidade de registro. observa-se, com relao formao para a dana, que os percussionistas ficam prximos da roda ou dela fazem parte. tocam os instrumentos sentados ou de p, dependendo dos tipos e das dimenses dos tambores, bem como das condies do espao da festa ou apresentao. no jongo de Lagoinha, porm como no de Cunha e, antigamente, nos de Bananal, So Jos do Barreiro e outras localidades do Vale do paraba paulista , os percussionistas ocupam o centro da roda. s vezes a roda gira no sentido anti-horrio, outras vezes os participantes danam e cantam numa roda que permanece parada.

os movimentos da dana tambm so variados. o jongo da Serrinha consolidou uma seqncia de passos bastante caracterstica. os danarinos movem-se em crculo at que dois deles se dirigem ao centro da roda, espontaneamente, onde executam um solo coreogrfico. fazem-no at que outro integrante da roda substitua uma das pessoas do par solista, aproximando-se com movimentos graciosos.

assim sucedem-se os danarinos, em entradas e sadas coordenadas por eles mesmos, com movimentos e expresses faciais e pela percepo coletiva da durao adequada de cada exibio. possvel que se trate do mesmo jongo de corte em que o jongueiro que quer danar corta ou interrompe um dos que esto no centro da roda para tomar-lhe o lugar ou jongo carioca, que a pesquisadora maria de Lourdes B. ribeiro contrasta com o jongo de roda, sem par solista, e com o jongo paulista, onde vrios casais danam ao mesmo tempo (ribeiro, 1984:11-12). a comunidade da Serrinha a nica a realizar sistematicamente o passo denominado tabe, descrito por edir Gandra (1995): o danarino pisa o cho com o calcanhar do p direito, em seguida repousa toda a planta do p no cho, exatamente no tempo forte do compasso; com

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este apoio, d um pequeno impulso para prosseguir (Gandra, 1995:68). os danarinos andam em crculo na cadncia do tabe, cantando e batendo palmas, e os solistas tambm se dirigem ao centro da roda executando o passo. ao danar um defronte ao outro, os dois solistas aproximam-se para dar a umbigada e logo se afastam um do outro com um giro do corpo. a umbigada um gesto coreogrfico em que dois danarinos se aproximam e, erguendo os braos e inclinando o torso para trs, encostam ou quase encostam seus umbigos. ela ocorre ao longo da exibio do par de solistas, quando da troca de par ou nas entradas e sadas da roda. esse elemento coreogrfico de provvel origem na regio do antigo reino do Congo liga o jongo grande famlia das danas de umbigada proposta por edison Carneiro (1982).

em alguns grupos de caxambu e jongo atuais no h umbigadas. no tambor do Quilombo de So Jos da Serra e no jongo de Guaratinguet, os participantes danam na roda sem sair do lugar, cantando e batendo palmas. os solistas ocupam o centro da roda aos pares e ali se alternam de maneira espontnea. ao se aproximarem em passos ritmados pela msica, os dois solistas, que se defrontam, giram ligeiramente o corpo esquerda ao levar a perna direita frente, para logo apoiar o corpo sobre o p direito. como se quisessem encostar seus respectivos joelhos. Logo que o p direito se apia no cho, o corpo do danarino impulsionado e ele d passos de recuo girando sobre si mesmo e afastando-se do par. a dana consiste, pois, num contnuo ir-e-vir ao centro da roda, e em aproximaes e afastamentos coordenados dos solistas.

no jongo de piquete, tal como se apresenta atualmente, o cantor solista dana no centro da roda, sozinho ou convocando outros para substitu-lo. no h descrio verbal, entretanto, que d conta da graa e da originalidade com que se exibem diversos solistas, as mulheres girando as saias, os homens fazendo variaes a partir dos movimentos bsicos. algumas exibies individualizadas podem acontecer fora da roda, se a festa estiver animada. alis, um dos aspectos destacados na literatura precisamente a inventividade corporal dos jongueiros.

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A Nt N I o F e rNA Nd e s d o NAs c I Me Nto , o toN I Nh o c A Ne c o , d o quI Lo Mb o d e s o J o s dA s e r rA (r J ) . Foto : t h I AGo AquI No . P G I NA Ao L Ad o A N to N I o FAr I As toM s d o cA xA Mb u d e sA Nto A N t N I o d e P d uA . Foto : t h I AGo AquI No .

Modos de cantar do mesmo modo como na dana os participantes ocupam ora o centro, como solistas, ora a roda, como partes de um conjunto, no canto tambm h alternncia entre indivduo e grupo. Quem canta ou diz o ponto sempre um indivduo, logo seguido pelos participantes, que respondem em unssono. numa das formas habituais de

alternncia, o ponto cantado integralmente pelo solista repetido tambm na ntegra pelo coro; outra possibilidade o coro no repetir as palavras do ponto, mas cantar a mesma melodia com slabas como l-l-l-l; outra, ainda, o ponto ser apresentado na ntegra pelo solista e, da em diante, nas repeties, ser dividido em duas partes, sendo a primeira cantada pelo solista, a segunda pelo coro.

nem todos os integrantes de grupos jongueiros participam como solistas e poucos deles improvisam pontos. as habilidades de dizer pontos novos ficaram mais restritas, na atualidade, o que resulta numa tendncia fixao de um repertrio conhecido e memorizado pelo grupo. em alguns casos, a prpria funo de cantor(a) solista exercida por apenas duas ou trs pessoas da comunidade, que se revezam, enquanto os demais participam do coro e da dana. entretanto, h lugares como Lagoinha (Sp) em que a improvisao de pontos ainda a regra. as apresentaes em logradouros pblicos clubes, escolas, centros culturais, praas cada vez mais freqentes, impem o uso de amplificao sonora para os tambores e, principalmente, para os solistas. alguns grupos fazem uso, ento, de dois microfones, um para

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o solista que puxa o ponto, outro para um cantor que responde ao solista e orienta, assim, o restante do grupo. o ponto improvisado se parece s vezes com um recitativo ad libitum num modo vocal intermedirio entre a fala e o canto. enquanto o solista entoa seu ponto, os tambores no soam. muitas vezes o solista lana o ponto gesticulando de modo intenso, o corpo ligeiramente curvado e um dos braos erguido, movimentando-se com passos largos na proximidade dos tambores. Quando seu ponto chega ao fim para ser ento repetido por ele mesmo em dilogo com o coro , os tambores entram e, com eles, tem incio a dana. repetese o ponto at que o solista grite machado! (interjeio usada pelos grupos do estado do rio de Janeiro) ou cachoeira! (comum nos grupos do estado de So paulo), ao

que os tambores e a dana cessam. s vezes o ponto cessa sem a interjeio. Logo, o mesmo solista vai tirar outro ponto ou ser substitudo na funo. acontece tambm de o solista se dirigir ao grupo e assistncia com um discurso de louvao aos santos, agradecimentos e saudao aos presentes e aos ausentes. por isso, diz-se que o jongueiro vai rezar, lanar, jogar, soltar ou atirar o ponto (ribeiro, 1984:24). onde a improvisao de pontos deixou de ser praticada, consolidou-se um repertrio de cantigas que o grupo canta habitualmente. Isso aconteceu no Quilombo de So Jos da Serra, em Quissam, em piquete e outros locais. na Serrinha foram consagrados os jongos da tradio oral do Vale do paraba e dos morros do rio de Janeiro, com acrscimos atribudos a autores individualizados.

Amarrar e desamarrar estreitamente ligados ao canto, os poderes do jongueiro se exercem por meio de pontos que contm enigmas e podem ser usados em demandas. So chamados pontos de demanda aqueles cantos executados na inteno de desafio, crtica, rixa ou encante (Gandra, 1995:70). Batuques, tambores e jongos no so ritos de liturgias, mas esto associados, de diversas maneiras, umbanda (ribeiro, 1984; Gandra, 1995, Cavalcanti, 1985). os jongueiros explicam que jongo e umbanda so prximos, mas no se confundem. o respeito aos integrantes mais velhos de cada grupo e, especialmente, aos jongueiros velhos falecidos, sempre lembrados nas rodas, um indcio de afiliao dessa forma de expresso a sistemas de crenas de origem banta.

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Ao L Ado t I A MA rIA , do J oNG o dA se r r INh A. Foto: Fr ANcIsco d A c o s tA. A b A Ixo M e zeF erINA, do qu I Lo Mbo de so Jos d A s e r r A. Foto: Fr ANcI sco d A co s tA .

muitos praticantes do jongo so fiis da umbanda e algumas lderes de comunidades jongueiras so ou foram mes-de-santo: maria Joana monteiro, na Serrinha, me Zeferina, no Quilombo de So Jos da Serra, dona aparecida ratinho, no caxambu de miracema. entretanto, como explicaram, o caxambu no se destina incorporao das entidades e s por descuido ocorrer a possesso de algum danarino.

Quando um grupo comea a danar, comum o(a) solista puxar um ponto de reverncia a nossa Senhora do rosrio, a So Benedito ou simplesmente a deus. Bendito, louvado seja o Rosrio de Maria, Bendito pra Santo Antnio Bendito pra So Joo Senhora SantAna Sarav meus irmos cantam jongueiros da Serrinha na abertura de suas apresentaes. Peo licena a Deus Nesta terra que eu piso Nesta terra que eu piso, cantam os de pinheiral no incio de suas apresentaes. Sarav So Benedito Nossa Senhora do Rosrio,

canta o pessoal do Quilombo de So Jos da Serra. essa saudao inicial, compreendida pelos jongueiros como um pedido de licena e que pode incluir vivas a deus, a maria Santssima e a todas as coisas mencionada por vrios etngrafos do jongo (Gandra, 1995; ribeiro, 1984). Um jongueiro de aparecida do norte (Sp) disse a maria de Lourdes B. ribeiro que qualquer jongueiro pode fazer a orao de abertura, que exerce uma fora protetora: Se ele sarav assim, lastre, ningum pode mais com ele, ningum pe ponto em cima dele, todas as foras so dele [sic] (1984:50). do mesmo modo, o jongo pode ser finalizado com um louvado seja deus!, seguido da resposta para sempre seja louvado!. edir Gandra tambm menciona os ritos de abertura do jongo

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toNI N h o c A Ne c o , NA FAze N d A s o J o s dA serrA . Foto : F rA Nc I s c o dA c ostA.

pontos cantados em louvao de santos ou entidades, pedidos de licena para comear a dana e de encerramento pontos de despedida (Gandra, 1995:72). Segundo tia Luza, de angra dos reis, convm ao jongueiro cantar um ponto pedindo licena aos mais velhos da roda. ela exemplifica: cheguei na angoma tinha muita diferena quero cantar meu pontinho e meus pais velhos do licena [cantado em entrevista aos pesquisadores do InrC]. assim que a dana comea, alguns participantes se ajoelham diante dos tambores e fazem o sinal da cruz. edir Gandra menciona ritos especialmente endereados aos tambores, executados antes de o

jongo comear, em geral ao abrigo dos observadores externos. eles so dedicados a entidades pretos velhos, cativos falecidos e recebem oferendas na forma de comida e bebida. trata-se, segundo depoimento de moradora do Quilombo de So Jos da Serra, de aes destinadas a firm-los para que possam tocar sem chamar as entidades. Um dos fenmenos mais caractersticos do

jongo sua conexo sistemtica com a umbanda, dada pela linguagem (o termo ponto s usado com o significado de canto nesse contexto), pelo repertrio vocal (alguns pontos de jongo so conhecidos em terreiros de umbanda e vice-versa)8, pelo uso dos mesmos tambores e pela prpria filiao religiosa dos participantes, a maioria deles fiis das religies afro-brasileiras. da a necessidade de se negociarem constantemente as fronteiras entre jongo e umbanda. maria de Lourdes B. ribeiro definiu o jongo como arte operatria de magia (1984:12), tal a importncia dos relatos sobre o poder mgico dos pontos cantados, capazes de produzir efeitos extraordinrios. antnio fernandes do nascimento, conhecido como toninho Caneco, conta que o som dos tambores mudava, ficava rouco, sob efeito do canto de algum

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r o dA d e J oNGo d e tA M A NdA r , eM G uAr At I NGu e t, I Nt e r I o r d e s o PAu Lo . Foto : F rA NcI s c o dA co s tA.

feitios tantas vezes mencionados na tradio oral dos jongueiros so coisa do passado. mesmo quando o ceticismo prevalece, os jongueiros contam os eventos atribudos a seus antepassados, tais como fazer crescer uma bananeira numa noite, fazer cair um rival que no foi capaz de decifrar um ponto, e assim por diante. mestre darcy do Jongo narrava na abertura de suas apresentaes: jongueiro: (...) eles amarram o tambu, amarram o som do tambu. existe isso. amarrando o som do tambu, ento todas as pessoas que esto participando da dana, quando saem (...) ficam passando mal, doentes... por isso que a chefe [do tambu] umbandista, uma pessoa que mexe com trabalho e entende de espiritismo. (...) ento, se acontecer um fato desse, ele sabe desfazer aquilo. (...) por isso, quando a gente sai com o tambu, tem que pedir autorizao para minha me porque j vai com segurana. ningum pega tambu e sai batendo por a porque (...) tem mironga. mironga o segredo. [toninho Caneco, em entrevista a pesquisadores da Unirio]. ouve-se dizer tambm que os (...) [os antigos jongueiros] faziam nascer bananeiras que aps serem germinadas davam frutos como por encantamento. era espetada uma faca no caule dessa bananeira, de onde jorrava vinho, segundo a histria. So fatos que eu no vi e minha me tambm no viu, ento eu chamo de lenda. mas a gente continua a respeitar muito essa dana devido a ser uma das mais profundas manifestaes da cultura

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A Prese NtAo de c Ax AM bu NA P r AA PbLIc A de MI rAceMA (r J) 1 9 97. Foto: rI cArdo G oMes L IMA .

negra do Brasil. uma dana em que todos participam. pertence linha dos pretos-velhos. para a gente cantar, tem que benzer estes tambores que so como semideuses [gravao em vdeo realizada por Bianca Brando, Ceclia mendona e Luisa pitanga, em 2000]. Conta tia Luza, de angra dos reis, que um jongueiro pode cantar assim para se proteger contra o quebranto e o mau-olhado lanados por feiticeiros: Quando eu aqui cheguei Padre, Filho, Esprito Santo Se eu me benzer primeiro Por causa de algum quebranto. Um quebranto, Se eu me benzer primeiro Por causa de algum quebranto [cantado em entrevista a pesquisadores do InrC].

Seu Juca, Jos Gomes de moraes, de Barra do pira, contou que viu um cara ficar abraado a um p de couve desde umas duas e meia da madrugada at no outro dia, mais ou menos 10 horas da manh. Srgio Belarmino, lder do grupo de jongo filhos de angola, de Barra do pira (rJ), contou que antes de iniciar a roda os participantes rezam um Pai Nosso para as pessoas que j morreram porque eles morrem, mas o esprito deles fica rodando ali [entrevistas aos pesquisadores do InrC]. paulo dias refere-se aos jongueiros como feiticeiros da palavra, expresso que sintetiza com muita propriedade o que singulariza o jongo no complexo de formas afro-brasileiras. diz o pesquisador: a linguagem figurada do jongo e o desafio atravs de enigmas relacionam-se com prticas africanas

como o uso constante de provrbios e metforas que representam a palavra dos ancestrais assim como os desafios em que se lanam enigmas, como foi registrado entre os povos bantus tonga e ngola. outro trao do pensamento tradicional africano presente no jongo a idia de que a palavra proferida com inteno, e ritmada pelos tambores, pe em movimento foras latentes do mundo espiritual, fazendo acontecer coisas. Conta-se que os pontos dos jongueiros de outrora tinham o poder de fazer crescer bananeiras nos quintais. So as mirongas, os segredos dos jongueiros feiticeiros da palavra (dias, 2003:4). o folclorista alceu maynard arajo (1964) registrou o modo como augusto rita, lder do jongo em Cunha nos anos 1940, iniciou uma roda. tirou o chapu, ajoelhou-se e persignou-se. deu alguns

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tAMbor e s d o Jo NGo d e so MAt e u s ( e s ) . Foto: Fr A Nc I s c o dA costA.

toques no tambu, outro tocador respondeu no candongueiro. apoiou ento a mo sobre o instrumento, ergueu o brao e gritou: Viva as almas... Viva So Binidito... Viva o Santo Cruzeiro... Viva So Jos... Viva nosso padroro... Viva as autoridade... Viva o povo de Cunha... Viva a padrora.... (arajo, 1964:214). o mesmo autor, pesquisando em So Lus do paraitinga, registrou as rezas dos lderes jongueiros antes de danar, algumas misturando locues em lngua africana e frases em portugus. 9 da mesma forma, comum os jongueiros iniciarem suas apresentaes, atualmente, com saudaes s divindades e aos presentes.

Conjuntos instrumentais os tipos e o nmero de instrumentos e o modo de combin-los variam de grupo para grupo na rea jongueira. nos conjuntos observados durante o inventrio, so usados basicamente instrumentos membranofones (tambores e putas), de tamanhos e tipos diversos. alm desses, aparecem tambm uma vara de madeira que percute o corpo de um dos tambores (em uso no jongo de pinheiral), um chocalho (no jongo de tamandar) e um tambor de madeira (caixote percutido com duas baquetas de madeira, no grupo de angra dos reis). Geralmente, o tambor maior, denominado tambu ou caxambu exerce a funo de solista do conjunto, isto , nele executado no somente um ostinato de base, como no candongueiro ou nos demais tambores, mas tambm variaes.

os tambores podem ser, basicamente, de trs tipos. os de tronco escavado, cobertos com pele de animal presa por pregos, so fabricados artesanalmente nos ncleos jongueiros. Conforme conta antnio fernandes do nascimento, do Quilombo de So Jos da Serra: (...) [o negro velho] fazia uma picada pra dentro da mata e ia procurar a madeira, no ? a encontrando a madeira ele queimava, ele cortava a tora e queimava o miolo para esculpir atravs do fogo, e ia apagando a borda dele em volta com um pano molhado. Levava s vezes at seis meses para fazer o tambor. terminava de fazer, ele promovia uma festa na regio e convidava outro jongueiro de fora para participar da roda do jongo, no ? a vinha outro jongueiro de fora, era apresentado o tambor [toninho Caneco, em entrevista aos pesquisadores da Unirio].

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tA Mb o r e s s o A F I NAd o s NA Fo Gu eI r A. Foto : t h I AGo AquI No .

alguns desses tambores de tronco oco so centenrios e vm sendo transmitidos como herana dentro da comunidade. a pele deste tipo de tambor distendida pelo calor, por isso eles so colocados prximos a uma fogueira. os percussionistas podem umedecer o couro com cachaa durante o processo de aquecimento, at atingir a afinao desejada. Um outro tipo aquele em que a membrana presa por um sistema de cordas fixadas a um anel de metal que abraa o corpo do tambor. afinado mediante a presso exercida por cunhas de madeira sobre as cordas e sobre o anel. H tambm o de fabricao industrial cujas membranas so presas por um sistema de canoas e parafusos. as putas grandes so apoiadas no cho e seguradas entre as pernas do tocador, que se debrua sobre a extremidade aberta do tambor para

friccionar a haste interna. tm aproximadamente 40 cm de dimetro. as menores, apoiadas sobre os joelhos do percussionista, tm cerca de 25 cm de dimetro. o grupo do Quilombo de So Jos da Serra se apresenta com dois tambores de tronco escavado, denominados tambu e candongueiro. o jongo de tamandar, por sua vez, costuma se apresentar com um nmero maior de tambores, de

tronco escavado e de fabrico industrial. nessa localidade aparece um pequeno chocalho de lata, com punho, tocado por um dos integrantes. outro grupo de tamandar, ligado associao Quilombola, levou quatro tambores para sua exibio. o conjunto de Santo antnio de pdua inclua, na mesma ocasio, cinco tambores dos trs tipos assinalados acima e uma puta grande.

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Ao L Ad o e A bA I xo tA Mb o r e s d o c AxA M b u d e s A Nto AN t N I o d e Pd uA (r J ) , No 8 o e Nc o Nt r o d e J oNG u eI r o s , eM 2 0 0 3 . Foto : t h I AGo AquI No .

o caxambu de miracema apresenta dois tambores afinados a fogo, dois tambores afinados por sistema de cunhas e duas putas, uma grave e uma aguda. o jongo da Serrinha se apresenta com trs tambores afinados por parafusos. o grupo de angra dos reis usa dois tambores com afinao a parafuso, um caixote de madeira tocado com duas baquetas e um tambor afinado por cunhas, mais grave, como solista, isto , que realiza variaes no padro rtmico-meldico bsico, executado em ostinato. o jongo de pinheiral usa dois tambores, um grave solista e um agudo acompanhador. no corpo do tambor grave percutida uma vara de madeira por um percussionista (mulher ou homem que se posiciona de p ao lado dos tambores). o grupo de piquete inclui trs tambores afinados a parafuso. os pesquisadores registraram,

na primeira metade do sculo 20, diversos conjuntos constitudos por dois tambores, chamados tambu e candongueiro, um tambor-defrico chamado puta e um chocalho empunhado geralmente pelo cantor. alceu maynard arajo documentou os seguintes conjuntos instrumentais do jongo. em areias (Sp), o conjunto era constitudo por dois tambores de tronco escavado e dimenses diferentes, tambu e

candongueiro, o chocalho angia, feito de lata, em formato de caneca com ala, e o rarssimo cordofnico urucungo (1964:203) que nenhum outro autor menciona em conexo com o jongo e do qual no se tem notcia entre os grupos atuais. o tambu o tambor de tronco escavado, com uma das extremidades revestida por pele de animal. o tambor menor, candongueiro, tinha o formato de clice, em areias e outros locais de So paulo. os tambores so encostados no cho e presos ao corpo dos instrumentistas por correias de couro. foi registrada a denominao quinzengue dada ao tambor em forma de clice. trata-se do mesmo tambor usado no batuque paulista, que Gehrard Kubik aproxima de um instrumento morfologicamente idntico, de moambique, embora o nome quinjengue ou quinzengue seja angolano.

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M e s t r e or o zI Mb o c oM cA Nd oGu eI r o e tA Mb u . APr e s eN tA o d e cAx A Mb u eM s A Nto AN t N I o d e Pd uA, 1 9 7 6. Foto : J o s M o r eI r A F rA d e .

em taubat, o conjunto era composto pelos dois tambores mais a angia: uma cestinha de bambu, toda fechada, tendo numa parte um pedao de folha-de-flandres. dentro h pedrinhas e contas de rosrio de capi. tem uma pequena ala por onde segurado (1964:204). os participantes, entretanto, contaram ao pesquisador que sentiam falta da puta. em Cunha, o conjunto era composto de trs ou quatro tambores, chamados angona, candongueiro e tambu, mais cadete ou guzunga. os trs primeiros, de grandes dimenses (mais de um metro de altura o primeiro), os tocadores deitavam-nos no cho e sentavamse a cavalo sobre os instrumentos para percutir suas peles. o tambor menor era carregado pelo tocador. alm deles, havia tambm puta, tambor de frico de cerca de 30 cm de comprimento, 15 ou 20 cm

de dimetro, uma das extremidades coberta por um couro. o tocador colocava o instrumento entre os joelhos e mantinha a seu lado uma cabaa com gua para molhar o pano com o qual friccionava a haste interna da puta. alm dos tambores, aparecia ainda o guai, um chocalho de lata com ala. maria de Lourdes B. ribeiro documentou quatro tipos de chocalho, chamados guai, inguai, angoi ou anguai: o de cestinha de taquara tranada (semelhante ao caxixi integrado ao berimbau), de lata de goiabada com ala lateral, de cone de lata com cabo, de cilindro de lata ou de dois cones de lata unidos, todos cheios de seixos ou chumbo (1984:20). foram registrados nos diversos trabalhos sobre jongo outros nomes dados aos tambores: pai Joo e pai toco ao tambor maior; Joana, ao pequeno; caununga e estrelinho, ao

par (grande e pequeno); caxambu, viajante e candongueiro (ao trio de tambores grande, mdio e pequeno). maria de Lourdes registrou ainda Maria, papai, angoma, trovoada, papai-velho e chibante, para o tambor grande, e mexeriqueiro e mancad, para o pequeno (1984: 21). pesquisando no municpio de Vassouras nos anos 1940, Stanley Stein obteve as seguintes informaes referentes instrumentao da

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r o dA d e J oNGo d e tA M A NdA r eM A Pr e s eNtA o No 1 1 o e Nc o N t r o d e J oNGu eI r o s , eM 2 0 0 6 . Foto : F rA NcI s c o dA c o s tA .

dana do caxambu na regio, entre 1850 e 1900. Com base em relatos orais e algumas observaes diretas dos poucos caxambus que ainda ocorriam em Vassouras, naquela poca, soube que havia um casal de tambores, chamados caxambu e candongueiro, aos quais se somava, eventualmente, um terceiro tambor chamado chamador. os instrumentistas ficavam de um dos lados da fogueira acesa. no outro lado, (...) sentavam-se os negros velhos, geralmente africanos, a quem um ex-escravo chamou a macota (gente da frica, gente sabida). Supervisionando a sesso, estava o rei do caxambu algumas vezes acompanhado por sua rainha. Somente rei e rainha tinham nguizu presos aos punhos e tornozelos, que produziam um acompanhamento percusso dos tambores quando eles danavam (Stein, 1985:205-6). 10

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c oN J uNto d e JoNG o d e IdA L I NA dA c o s tA bA r r o s. Ac e rVo d o Mu s e u d e FoL c Lo r e e dI s oN c A r NeI r o. Foto : Fr A Nc I s c o dA c o s tA.

o nico documento que menciona um tipo de chocalho (guizos) preso s pernas dos danarinos, alm de fornecer a valiosa informao acerca da existncia dos papis de rei e rainha do caxambu. *** as formas de expresso aqui registradas esto ligadas, provavelmente, aos antigos batuques mencionados pelos administradores coloniais e cronistas do Brasil Colnia e Imprio (ver Carneiro, 1984; tinhoro, 1990 e 1991; reis, 2001 e 2002, entre outros). a palavra batuque era usada de maneira genrica e imprecisa pelos observadores externos sempre que se deparavam com dana e canto ao som de tambores. por isso, o termo pode esconder referncias a rituais religiosos afro-brasileiros que os administradores no sabiam distin-

guir de celebraes como caxambu e jongo. a relao entre as formas histricas e as atuais se baseia em indcios tais como a disposio dos danarinos (ora em roda, como no caxambu, ora em fileiras que se defrontam, uma masculina, outra feminina, como no batuque), a umbigada, o canto ao som de palmas e dos tambores. edison Carneiro listou as danas de umbi-

gada no Brasil, numa faixa que se estende do litoral do maranho ao de So paulo. apoiando-se em registros oitocentistas produzidos por viajantes portugueses os relatos do explorador alfredo de Sarmento e dos militares Hermenegildo Capelo e roberto Ivens , Carneiro props, ainda, a tese de um vnculo gentico entre as danas de umbigada no Brasil e os batuques testemunhados na regio de angola e do

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GI L b e rto AuGu s to d A s I LVA . J oNGo d e P Iqu e t e. Foto : Fr A Nc I s c o dA c o s tA .

Congo. ali os viajantes viram tanto a dana em roda, com umbigada do par solista, como a dana em fileiras opostas. Carneiro inclinouse, pois, pela idia de expresses artsticas bantu-descendentes, o que encontra reforo nas conexes sistemticas entre jongo e umbanda, nas evidncias de culto dos ancestrais, nos enigmas cantados. at o momento os estudos no permitem ir muito alm das suposies desse pesquisador, que acentuam mais a unidade formal do que a heterogeneidade das danas, sem falar das seguidas metamorfoses por que passaram e continuam passando, ao longo do tempo, e que implicam em novos significados que lhes so continuamente atribudos. possvel que investigaes futuras venham esclarecer a nebulosa histria dos elementos que propiciaram a consolidao dessa forma de expresso no Sudeste e suas pos-

sveis conexes com outras formas espalhadas pelo territrio nacional. Contudo, a documentao disponvel a partir das primeiras dcadas do sculo 20, apesar de suas lacunas, unnime quanto relevncia do jongo na vida social de numerosas comunidades. ele , alm de testemunha eloqente dos percalos na constituio de uma memria de descendentes de escravos, um instrumento contemporneo para a elaborao de identidades sociais positivas dessa populao.

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notas

1.In municipal regulations, first of 1831 and later in 1838, 15 planters attempted to restrict such occasions, which they grouped under the heading of dances and candombes, to slaves belonging to one fazenda lest the meeting afford opportunity to organize occult societies, apparently religious, but always dangerous, by the ease with which some clever negro may use them for sinister ends. Yet planters also realized that slaves needed diversion, that it is barbarous and unreasonable to deprive the man who toils from morning to night... from amusing himself, and that africans in general deeply enjoy certain amusements (este e outros trechos de Stein citados adiante foram traduzidos por elizabeth travassos). 2.So eles: Cunha, Caapava, Ilhabela, Salespolis, So Jos dos Campos, Votuporanga, Caraguatatuba, Lorena, miracatu, piraununga, redeno da Serra, taubat, Iguape, Ubatuba, pindamonhangaba, areias, Lagoinha, So Jos do Barreiro, Bananal, Queluz, Silveiras, Cachoeira paulista, piquete, Guaratinguet, aparecida, Jacare e So Luis do paraitinga (estado de So paulo), rezende, Barra mansa, Volta redonda, Barra do pira, pinheiral, arrozal, pira, parati e angra dos

reis (estado do rio de Janeiro), a regio compreendida entre Carmo da Cachoeira e passa Quatro (estado de minas Gerais) e no litoral sul do estado do esprito Santo (ver ribeiro, 1984:13). 3.In this context, jongos were songs of protest, subdued but enduring. 4.ficou conhecido como mensalo o pagamento recebido ilegalmente por parlamentares e que foi objeto de investigao ao longo de praticamente todo o ano de 2006. o jongo cantado pela comunidade de angra dos reis diz: oi, minha gente/ nosso Brasil to bom/ Quem t estragando ele/ esse tal de mensalo. 5.at the large faucet near the senzallas, they splashed water over their heads and faces, moistening and rubbing arms, legs, and ankles. tardy slaves might appear at the door of senzallas muttering the slave-composed jongo which mocked the overseer ringing the bell: that devil of a bembo taunted me / no time to button my shirt, that devil of a bembo. 6.Jongos sung in african tongues were called quimzumba; those in portuguese, more common as older africans diminished in the labor force, visara. 7.datas e locais de realizao dos encontros de Jongueiros: 1996 Santo antnio de pdua (rJ); 1997 miracema (rJ); 1998 Santo antnio de pdua; 1999 rio de Janeiro; 2000 angra dos reis (rJ); 2001 Valena (rJ); 2002 pinheiral (rJ); 2003 Guaratinguet (Sp); 2004 rio de Janeiro; 2005 Santo antnio de pdua; 2006 Valena. 8.Beira-mar e deixa angoma melhorar, por exemplo, so cantados em terreiros de umbanda no rio, com variaes. 9.primeiramente sarav Guananzamba, Guananzamba do cu, abaxo de Guananzamba, sarav santo por santo, abaxo de santo por santo, sarav santo cruzro,

abaxo de santo cruzro, sarav santo que me troxe, debaxo do santo que me troxe, saravo galo por galo, pequeno por pequeno que seja, saravo dono das casa, saravo festro, saravo tudo im geralmente (arajo, 1964:223). 10.Supervising the whole session, was the king (rei) of caxambu sometimes joined by his queen. on wrists and ankles king and queen alone wore nguizu which produced an accompaniment to the drumbeats when they danced. participants walked first to greet the king and kissed his hand. then. the king began the caxambu. dressed in what one ex-slave called a red flannel outfit and hat bearing a cross, the king entered the dancing circle (roda) and, approaching the drums reverently, knelt with bowed head and greeted them. arising, he sang the two lines of his jongo riddle, the drummers swung into the batida, while assembled slaves repeated the refrain, clapped hands, and entered the dancing circle (Stein, 1985:205).

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os pontos

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r odA de J oNG o d e tAMAN dA r e M A Prese NtAo No 1 1 o eNcoN tro de J oNGue I ros, e M 2006. Foto: Fr ANcI sco d A c ostA.

VOZ ENTRE RITMOS E MOVIMENTOS

O jongo tem um dizer e dois entender Gilberto augusto (Jongo de piquete) assim que [os jongueiros] rezam seus pontos diante de ns, que somos os seus saravados, e tudo vemos, registramos e ignoramos. maria de Lourdes Borges ribeiro, O jongo

C

hama-se ponto a expresso vocal do jongo.1 S muito raramente ela ocorre fora das rodas de caxambu ou tambor e, nestes contextos ritualizados e festivos, a expresso vocal indissocivel da sonoridade dos instrumentos e dos movimentos dos danarinos. o ponto de jongo, ou simplesmente o jongo, pode ser lanado pelo solista como uma espcie de recitativo, numa modalidade vocal prxima da fala. diz-se, alis, que o jongueiro reza um ponto ou tira

um ponto. Lanado por um indivduo, homem ou mulher, e escutado pelos circunstantes, incluindo os percussionistas, o recitativo se transforma, quando vai chegando ao fim, num canto curto: pode ser um dstico em que um dos versos repetido, ou um terceto, s vezes uma quadra. os tambores comeam ento a soar, impondo um arcabouo rtmico-mtrico firme ao canto e incitando os participantes dana. Quem est na roda entra em um dilogo cantado com o solista, ora repetindo o ponto que ele cantou, na ntegra ou em parte, ora entoando uma segunda parte, ou ainda engajando-se em alguma outra forma de alternncia com o solista. o canto dialogado prossegue enquanto o pessoal da roda dana ao som dos tambores e, s vezes, de palmas coletivas que acrescentam sonoridade dos instrumentos uma

outra linha rtmica. a durao desse ponto cantado imprevisvel, pois est relacionada com o sentido que adquire naquelas circunstncias e com o nimo do grupo. pode ser, por exemplo, uma louvao aos santos ou um pedido de licena para cantar, o que freqente nos momentos iniciais da celebrao. Se for uma provocao velada a um outro jongueiro da roda ou uma charada proposta aos demais poder se estender at que algum venha calar os tambores com os gritos de machado! ou cachoeira!. Se algum for referido de maneira satrica, responder com a mesma verve; se algum matar a charada, ir cantar sua interpretao, isto , desatar o ponto em voz alta, na proximidade dos tambores. Se ningum puder faz-lo, o canto continua e o jongo fica amarrado. trata-se, portanto, de um longo colquio, com exibies de

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P G I NA Ao L Ad o d I Lz e t e Pe r eI r A c oM e s tA N dA rt e d e s o b eN e dI to d o J oNGo d e s o MAt e u s (e s) . Foto : F rA NcI s c o dA c o s tA.

argcia, debates entre solistas que se sucedem junto aos tambores e dilogos continuados entre solistas e coro. numa roda que acaba de se formar, quem d incio aos pontos geralmente ocupa uma posio de destaque no grupo, seja por sua idade e respeitabilidade, seja por sua capacidade de liderana. nas festas e apresentaes atuais comum a amplificao da voz que prope o ponto e que se desloca at as proximidades dos tambores para cantar ao microfone. em alguns grupos, vrios pontos executados consecutivamente assumem um desenho meldico muito semelhante, embora as palavras do canto variem. claro que em apresentaes nas quais o controle do tempo escapa aos grupos em shows ou festivais a tendncia os grupos lanarem mo de um repertrio de pontos conhecidos e memorizados que so cantados por solistas,

com responsrio em unssono dos demais danarinos. assim, previamente fixados, alguns pontos se repetem nas exibies de diversos grupos, com pouca ou nenhuma margem para os recitativos improvisados. alm disso, so cada vez mais raros os ncleos onde ainda vivem vrios jongueiros da velha cepa, que tanto lanam pontos cifrados como sabem que esto ouvindo um ponto cifrado quando ele lanado. ainda assim so observados, na atualidade, os dois tipos de pontos: 1. o que comea como o recitativo de mtrica livre e estilo vocal prximo da fala e tirado de improviso por um jongueiro para dar incio apresentao de seu grupo, pedir licena a deus e aos santos, louvar colegas e anfitries, comentar situaes do momento. Um novo ponto pode surgir, de improviso, nesse momento, mas nada permite prever se ele ser retido na

memria dos participantes. esse recitativo improvisado semelhante ao que mrio de andrade descreveu detalhadamente na anlise do samba-rural paulista (andrade, 1991[1937]) seguido imediatamente pela parte propriamente cantada. Logo que o solista apresenta a parte cantada do ponto, os tambores convocam a dana do grupo. a recitao improvisada faz-se acompanhar de movimentao corporal expressiva do solista. alguns acompanham com o chocalho guai. 2. o segundo tipo o ponto no improvisado. o solista comea sua atuao cantando um ponto do repertrio de seu grupo ou do repertrio compartilhado por vrios grupos jongueiros. Geralmente canta o ponto todo uma vez, sem os tambores, os quais entram quando tem incio a primeira repetio. quando o coro entra tambm e comea o jogo de alternncia entre

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solista e coro. ambas as modalidades de expresso vocal foram assinaladas pelos estudiosos. Veja-se a descrio de maria de Lourdes B. ribeiro: o primeiro [ponto falado] uma louvao, uma saudao, um sarav, menos cantado do que declamado em melopia [...] de longe em longe, uma pancada surda no tambu lastreia as palavras do cantador, que vai saravando, que vai invocando, e faz todo o crculo, meio abaixado, quase de joelhos, at o ponto de partida. e fecha a saudao. (ribeiro, 1984:11) Segundo alceu maynard arajo (1964:223), antes de cantar, o dono dos instrumentos faz a reza, uma abertura falada com certa formalidade, um pedido de licena. mas esta distino entre recitativo e canto no relevante para os

prprios jongueiros, que consideram ponto tudo o que se manifesta vocalmente no caxambu ou tambor. as diferenas que eles reconhecem entre os pontos dizem respeito no ao modo de interpretao vocal, mas sim s funes e efeitos dos jongos. H, pois, uma tipologia dos pontos que largamente conhecida nas comunidades jongueiras. os pontos so classificados, de acordo com a funo que desempenham, os efeitos que produzem e as relaes que criam entre os participantes, em dois grandes grupos bsicos: pontos de visaria e pontos de gurumenta (gromenta ou ingoromenta). os pontos de visaria ou bizarria so cantados para louvar entidades, pedir licena, contar e comentar fatos do cotidiano, alegrar e animar os danarinos, dar a despedida, ao fim da roda. Solista - Padre, Filho, Esprito Santo

Primeiro que sai daqui Vamos saravar terreiro Com Deus e a Virgem Maria Coro - O li l l l l... cantam os jongueiros de pinheiral para dar incio dana. tia maria Luza, de angra dos reis, rememora um canto de abertura da roda destinado a pedir a proteo de deus contra algum quebranto: Quando eu aqui cheguei Padre Filho, Esprito Santo Se eu me benzer primeiro Por causa de algum quebranto Um quebranto, Se eu me benzer primeiro Por causa de algum quebranto. feitos os ritos de abertura, seguemse pontos de visaria. assim cantam

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tA Mb o r dA c oMuN Id A d e r e M A Ne s c eNt e d e quI L oMb oL A s d e s A NtA r I tA d o br Ac u , eM ANG r A d o s r eI s (r J ) . Foto : r I tA GA M A.

os jongueiros de Barra do pira, por exemplo: Solista Na minha fazenda Tem um boi que sabe ler Na minha fazenda Tem um boi que sabe ler Coro Mas se voc no acredita C vai l que voc v em funo das prescries rituais

de pedido de licena e louvao, endereados aos santos, s entidades da umbanda, s almas dos jongueiros velhos e aos anfitries da festa, os jongueiros da Serrinha subdividem o grupo da visaria em pontos de louvao, saudao e despedida (Gandra, 1995). J os pontos de demanda, gurumenta ou gromenta prestam-se ao desafio e tm poderes de encante. na Serrinha, so subdivididos

em pontos de demanda ou porfia, isto , de desafio inteligncia dos participantes, que devem decifrar os enigmas das letras; de gurumenta propriamente dita, ou seja, que provocam e atiam rixas entre os participantes; e os de encante, que produzem efeitos mgicos. na maioria dos ncleos jongueiros, contudo, fala-se basicamente de visaria que pode, eventualmente, render uma pequena disputa, para experimentar a fora da cabea do adversrio (arajo, 1964:222) e de gurumenta quando reina a competio entre os jongueiros afamados, chamados de galos. os mais respeitados e temidos pelo poder mgico de seus pontos so chamados cumbas, isto , feiticeiros.2 Homens e mulheres atuam como solistas. alguns jovens tambm cantam pontos do repertrio. Hoje, as crianas danam e h at a

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enigmas e magia

formao de grupos mirins, embora a maioria dos testemunhos assegure que essa uma novidade. antigamente, as crianas apenas ouviam e viam o jongo, mas no entravam na roda. em taubat, arajo documentou o seguinte ponto, cantado por uma mulher: Mi chamaru di Maria Maria num queru s Maria padeci muito Eu num quero padec (1964:201). o mais interessante que o folclorista ouviu, na mesma ocasio, comentrios masculinos na roda, estranhando o fato de uma mulher tirar pontos. portanto, possvel que em alguns lugares os galos e cumbas tenham sido homens. no Quilombo de So Jos da Serra, os jongueiros realizam um rito denominado bno da fo-

gueira e que consiste no canto de um ponto pedindo ao Senhor da pedreira que abenoe tanto o fogo como as pessoas da comunidade: Solista Ah, eu fui no mato Buscar a lenha Eu passei na cachoeira Molhei a mo Solista e coro Senhor da pedreira Benze essa fogueira depois da fogueira abenoa todos os irmos.

rajo (1964:214) define ponto como pergunta versificada, cantada definio corroborada pelos jongueiros entre os quais realizou sua pesquisa. Um deles, na cidade de Cunha (Sp), acrescentou que, em quimbanda ou magia negra, ponto era sinnimo de feitiaria. arajo registrou vrios enigmas lanados por jongueiros e suas respectivas interpretaes. mas nem sempre os jongueiros do explicaes acerca dos jongos que cantaram e que no foram desamarrados nas rodas. os enigmas so formulados a partir de substituies do sentido prprio das palavras. Um dos mais citados na literatura sobre o jongo, ainda cantado por vrios grupos, diz: Com tanto pau no mato/ embava coronel. foram registradas variantes, como: tanto pau de lei/ que tem no mato/ embava coronel. trata-se de uma crtica autoridade local, equiparada embava,

a

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tIA M A rI A cA NtA JuN to coM Pe r c u s sI oN Is tAs d o J oNG o dA s e r rI N hA . Foto: F rA Nc I s c o dA c ostA.

madeira oca e de pouca serventia. Com tanta gente boa, logo esse comanda!, cantam os jongueiros em sua linguagem metafrica. tambm arajo que descreve: Qualquer pessoa pode cantar desatando o ponto. [...] Geralmente ficam porfiando somente dois jongueiros e cada qual procura cantar coisas mais difceis de serem desatadas. os pontos so sempre feitos de improviso. num Jongo logo aparecem os dois jongueiros que se destacam e pem a porfiar. ao jongueiro vencedor assiste o direito de tomar posse dos instrumentos do adversrio que no conseguiu desatar seus pontos e, portanto, foi derrotado. (1964: 215). tia maria Luiza, de angra dos reis, rememora as provocaes que ocorriam no jongo quando era

criana. e adverte para o risco de um participante pouco experiente lanar um ponto que poder ser interpretado como gurumenta: Se eles vissem uma pessoa, um minutinho, sair da rinha, eles olhavam l a pessoa, espera. Ia l no tambor, batia e cantava aquele ponto. Se a pessoa no soubesse responder, ficava todo enrolado. o negcio do ponto no jongo assim, por acaso eu, nem ela e nem outro no pode botar um ponto de jongo, nunca a gente sabe se vai estar mexendo com algum [risos]. tem que saber que a gente no est mexendo com algum [entrevista aos pesquisadores do InrC]. mrio de andrade registrou um jongo recolhido pelo poeta dantas mota em minas Gerais, em 1944: Pergunta Pai vio j morreu faz cem anos,/ puruque cotovelo de pai ta memo?

Resposta Cotovelo de paio vio eu mufina ele debaixo de minha camunga. Pergunta Puruque macumbi subiu na serra e marimb ronc? Resposta Culpa mboare. Pergunta Qual o pssaro que pass no rungo, travess calunga sem cabea? Resposta Na sexta-feira da paixo eu mufina este passo debaixo de minha camunga (andrade, 1989:273). embora a anotao no esclarea se havia dana concomitante, e tampouco o modo como se sucediam as perguntas e respostas, o autor acrescentou um glossrio que traduz as palavras isoladas obscuras tanto por serem estrangeiras como por seu uso figurativo. ainda segundo o recolhedor, pai vio o pinheiro; cotovelo de pai veio o n de pinho; mufinar cozinhar, camunga panela, macumbi, veado, marimb corao, mboare, cachorro, rungo navio, calunga, mar. o pssaro que passou no run-

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go e atravessou o mar sem cabea o bacalhau, que ser cozinhado na Sexta-feira da paixo3.