joão henrique gomes de sousa

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João Henrique Gomes de Sousa - Das nulidades à "fruit of the poisonous tree doctrine" (Escutas telefónicas e efeito à distância) Pelo Dr. João Henrique Gomes de Sousa(*) 1 - INTRODUCÃO De há muito que, preocupados com certas práticas de investigação policial, instrução dos autos para julgamento e, porque não dizê-lo, de julgamento, nos interrogávamos sobre se essas constituíam “a melhor prática”, se a actual jurisprudência dos tribunais portugueses daria resposta adequada aos ditames constitucionais, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem(1) e da já abundante jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a matéria(2). Principalmente ao nível da prova, já que é em sede de meios de prova, dos meios da sua obtenção e proibição da sua produção e valoração que a judicatura de primeira instância mais necessitaria de apoio doutrinário e jurisprudencial e onde o poder judicial joga muito do seu prestígio. E não o obterá mantendo práticas, muitas delas subconscientemente herdadas do Código de Processo Penal de 1929 e seguindo posições desde há muito ultrapassadas e que conduzem, necessariamente a uma, no mínimo, tímida afirmação dos direitos do homem, dos “Direitos Fundamentais” contidos na Constituição da República Portuguesa. Caberá ao poder judicial saber acautelar situações deste jaez, tendo em vista que as ditas Constituição e Convenção visam, precisamente, acautelar os abusos cometidos em violação dos direitos aqui em presença no caso concreto, “… a vida privada e familiar, domicílio e … correspondência” — artigo 8.°, n.° 1 da Convenção e artigo 26.°, n.° 1 da CRP. Recordando que é, de entre outras, função do poder judicial evitar os abusos das polícias ou, na expressiva terminologia do U.S. Supreme Court, os abusos dos “empregados do executivo”, não vale aqui argumentar com uma qualquer inconstitucionalidade (melhor dizendo, com a recusa de aplicação de norma invocando a sua inconstitucionalidade, já que a declaração desta é competência do Tribunal Constitucional) de um qualquer artigo do Código de Processo Penal relativo a estas matérias, numa afirmação pela negativa do que se pode defender de forma clara pela sã interpretação daqueles preceitos e jurisprudência. A sede factual que tem originado as mais acesas discussões jurisprudenciais e doutrinais nesta matéria parece centrar-se na obtenção de prova através de escutas (telefónicas e electrónicas) e buscas, designadamente as domiciliárias. Pelo menos é isso que ressalta da leitura da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, do US. Supreme Court, do Tribunal Constitucional Espanhol e dos tribunais portugueses. Em Portugal tudo aponta para que a “costura” meramente processualista em que se encontram enredados os tribunais portugueses, ao reduzir a questão a um mero prazo de validação, se comece a romper, precisamente, num desses pontos, as escutas telefónicas. Admitindo que na matéria a abordar seja indiferente separar a análise desses dois pontos de facto, iremos centrar esta pequena contribuição na análise das escutas

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João Henrique Gomes de SousaEscutas

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Joo Henrique Gomes de Sousa - Das nulidades "fruit of the poisonous tree doctrine"(Escutas telefnicas e efeito distncia)

Pelo Dr. Joo Henrique Gomes de Sousa(*)

1 - INTRODUCO

De h muito que, preocupados com certas prticas de investigao policial, instruo dos autos para julgamento e, porque no diz-lo, de julgamento, nos interrogvamos sobre se essas constituam a melhor prtica, se a actual jurisprudncia dos tribunais portugueses daria resposta adequada aos ditames constitucionais, da Conveno Europeia dos Direitos do Homem(1) e da j abundante jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a matria(2).

Principalmente ao nvel da prova, j que em sede de meios de prova, dos meios da sua obteno e proibio da sua produo e valorao que a judicatura de primeira instncia mais necessitaria de apoio doutrinrio e jurisprudencial e onde o poder judicial joga muito do seu prestgio.

E no o obter mantendo prticas, muitas delas subconscientemente herdadas do Cdigo de Processo Penal de 1929 e seguindo posies desde h muito ultrapassadas e que conduzem, necessariamente a uma, no mnimo, tmida afirmao dos direitos do homem, dos Direitos Fundamentais contidos na Constituio da Repblica Portuguesa.

Caber ao poder judicial saber acautelar situaes deste jaez, tendo em vista que as ditas Constituio e Conveno visam, precisamente, acautelar os abusos cometidos em violao dos direitos aqui em presena no caso concreto, a vida privada e familiar, domiclio e correspondncia artigo 8., n. 1 da Conveno e artigo 26., n. 1 da CRP.

Recordando que , de entre outras, funo do poder judicial evitar os abusos das polcias ou, na expressiva terminologia do U.S. Supreme Court, os abusos dos empregados do executivo, no vale aqui argumentar com uma qualquer inconstitucionalidade (melhor dizendo, com a recusa de aplicao de norma invocando a sua inconstitucionalidade, j que a declarao desta competncia do Tribunal Constitucional) de um qualquer artigo do Cdigo de Processo Penal relativo a estas matrias, numa afirmao pela negativa do que se pode defender de forma clara pela s interpretao daqueles preceitos e jurisprudncia.

A sede factual que tem originado as mais acesas discusses jurisprudenciais e doutrinais nesta matria parece centrar-se na obteno de prova atravs de escutas (telefnicas e electrnicas) e buscas, designadamente as domicilirias. Pelo menos isso que ressalta da leitura da jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, do US. Supreme Court, do Tribunal Constitucional Espanhol e dos tribunais portugueses.

Em Portugal tudo aponta para que a costura meramente processualista em que se encontram enredados os tribunais portugueses, ao reduzir a questo a um mero prazo de validao, se comece a romper, precisamente, num desses pontos, as escutas telefnicas.

Admitindo que na matria a abordar seja indiferente separar a anlise desses dois pontos de facto, iremos centrar esta pequena contribuio na anlise das escutas telefnicas, pois que as buscas efectuadas em territrio nacional ainda no ganharam o relevo que j alcanou a matria das escutas telefnicas.

Sabe-se porque as escutas telefnicas ganharam bastante relevo, mas desconhecemos porque o no ganharam ainda as buscas, tendo presente que o carcter massivo e indiferenciado de concretas buscas efectuadas, potenciadas por mandados de busca sem concretizao(3), so violadores do artigo 26., n. 1 da CRP e ar-tigo 8. da Conveno Europeia dos Direitos do Homem, facto, alis, j assim considerado na deciso Miailhe v. Frana, de 27-02-1993(4).

Centrando, no entanto, a nossa anlise, nas escutas telefnicas, importa apurar quando que as escutas telefnicas so licitamente obtidas e em que medida e, tendo presentes os interesses em jogo a inviolabilidade da vida privada e das telecomunicaes e o princpio nemo tenetur se ipsum accusare, por um lado, e o interesse comunitrio na perseguio deste tipo de crimes, por outro verificar se foram observadas as normas contidas nos artigos 187. a 189. do Cdigo de Processo Penal, entendidas ou interpretadas estas de forma restritiva, assegurando os direitos dos arguidos e o interesse colectivo de perseguio penal.

Naturalmente que parte da resposta se encontra na prpria observncia dos comandos contidos nos artigos do Cdigo de Processo Penal citados. Tambm dos princpios constitucionais e dos constantes da Conveno Europeia dos Direitos do Homem.Por a se comear a anlise da questo posta nos autos.

Duas questes se suscitam:Quando so as escutas telefnicas vlidas e aptas para nelas fazer assentar parte ou a totalidade da convico do Tribunal na imputao dos factos aos arguidos?Quais as consequncias e seu alcance da eventual nulidade dessas escutas, considerando o disposto no artigo 189. do Cdigo de Processo Penal e 32., n. 8 da CRP?

2 - DA JURISPRUDNCIA DO TEDH

Face ao teor do artigo 8., n. 2 da CRP, a Conveno Europeia dos Direitos do Homem vigora na ordem jurdica interna portuguesa com valor infra constitucional, com valor superior s leis ordinrias(5).

E componente do patrimnio comum europeu da liberdade, esse direito geral europeu, integrando no s o texto da Conveno e seus protocolos, tambm a jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pelo que o estudo e ponderao dessa jurisprudncia sequncia lgica da obrigao assumida pelo Estado portugus, implicando a obrigao de os juzes nacionais terem presentes as linhas evolutivas dessa jurisprudncia(6).

E convm no omitir que o cidado europeu, como sujeito de direito internacional, titular da pretenso ao respeito dos direitos que lhe so directamente reconhecidos e exercitveis tanto no plano interno como no plano supranacional, abreviando, goza da tutela da jurisdio plena do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Protocolos 9 e 11(7).

Tendo presente os artigos 18., n. 2, 32., n. 8 e 34., n. 1 e 4 da CRP, mas tambm o artigo 8. da Conveno Europeia dos Direitos do Homem, as escutas telefnicas so uma ingerncia de uma autoridade pblica no direito ao respeito pela vida privada e familiar do cidado.

Nem vale argumentar que a literalidade do artigo 8., n. 1 da Conveno no refere explicitamente a violao das telecomunicaes, pois que pacfico para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que as conversas telefnicas se inserem nos conceitos de vida privada e correspondncia, como se pode extrair dos casos Klass e outros c. Alemanha (06-09-1978), Malone c. Reino Unido (02-08-1984) e resulta implcito de toda a sua jurisprudncia sobre a matria.

O TEDH tem resumidamente assumido alguns princpios, que se devem entender norteadores da jurisprudncia portuguesa(8).

Admitindo que as intercepes telefnicas so uma interferncia por uma autoridade pblica no respeito pela vida privada, essa interferncia deve estar de acordo com a lei, deve perseguir um ou mais objectivos legtimos e que seja necessrio atingir tais objectivos numa sociedade democrtica.

O termo de acordo com a lei requer, no apenas que a medida tenha alguma base na lei domstica, mas tambm que a lei domstica confira algum grau de proteco contra interferncias arbitrrias, o que inclui o ser acessvel e que se possam prever as consequncias da sua aplicao.

Com o objectivo de evitar abusos de poder, so estabelecidas as seguintes salvaguardas mnimas na regulamentao das escutas telefnicas:

A definio das pessoas suspeitas a ter os seus telefones sob escuta por ordem judicial; A natureza das ofensas que possam dar origem a tal ordem; Um limite na durao das escutas telefnicas; A previso de procedimento para elaborao de relatrio sumrio contendo as conversaes interceptadas; As precaues a tomar em ordem a comunicar as gravaes intactas e integralmente, com o fim de serem inspeccionadas pelo juiz e pela defesa; A previso das circunstncias que determinam que as gravaes sejam apagadas ou destrudas.

Ora, desde logo, dois dos pontos indicados no tm, na legislao portuguesa, a devida e adequada regulamentao.

Um limite na durao das escutas telefnicas; As precaues a tomar em ordem a comunicar as gravaes intactas e integralmente, com o fim de serem inspeccionadas pelo juiz e pela defesa.

O Cdigo de Processo Penal no prev qualquer prazo mximo para a durao das escutas telefnicas.Se atendermos prtica instituda, outro dos critrios de conformidade(9) verificamos que o hbito de autorizar escutas por 30 ou 90 dias redunda, face s sucessivas e crnicas prorrogaes, em prazos de escutas superiores a um ano.

Essa prtica que se deve qualificar como desproporcionada e, como tal, ilcita.No conhecida, pelo autor, disposio legal que preveja, na Europa, um prazo terminal para as escutas telefnicas.

Sabe-se, no entanto, que tal no acontece em Frana, em Espanha e na Itlia.Em Frana, o artigo 100.-2. do Code de Procdure Pnale prev um prazo inicial de quatro meses para a escuta autorizada, renovvel nas mesmas condies de forma e durao (Elle ne peut tre renouvele que dans les mmes conditions de forme et de dure)(10).

Em Espanha, a leitura do Ttulo VIII do Livro II da Ley de Enjuiciamento Criminal, designadamente o artigo 579., n.os 2 e 3, no permite descortinar um terminus para o prazo de escutas ao afirmar que o Juiz pode autorizar a observation de las comunicaciones por um perodo inicial de trs meses, prorrogable por iguales perodos.

Na Itlia, o artigo 267., n. 3 do Cdice di Procedura Penale prev um prazo inicial de quinze dias, prorrogvel pelo Juiz por periodi sucessivi di quindici giorni.

No obstante se aceitar que ser possvel outra leitura(11), quer-nos parecer que o pargrafo 100 b) (2) do StPO, a seguir ao inicial perodo de trs meses como perodo mximo para a realizao das escutas, apenas admite uma prorrogao de trs meses, o que daria, nesta interpretao, um prazo mximo de seis meses.

De qualquer forma, a prtica judiciria europeia inclina-se para dificultar uma durao ilimitada ou indefinida (12) das escutas telefnicas, longe da discutvel prtica judiciria portuguesa que conduz a perodos de escutas superiores a um ano, desproporcionados, portanto.

Quanto s precaues a tomar em ordem a comunicar as gravaes intactas e integralmente, com o fim de serem inspeccionadas pelo juiz e pela defesa, verificamos que o Cdigo de Processo Penal, designadamente no n. 3 do artigo 188., a inviabiliza, pois que a leitura conjugada com o n. 5 do mesmo preceito demonstra que o JIC ordena a destruio na pendncia do inqurito, sem que defesa seja dada a possibilidade de a elas ter acesso em fase contraditria do processo. essa a prtica judiciria.

Ou seja, a defesa no tem, nem poderia ter face a esta regulamentao e prtica, acesso integralidade das escutas efectuadas.

E a exigncia contida na dita jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aponta para a necessidade de a defesa ter acesso a todas as escutas realizadas e no apenas quelas que j foram filtradas pelo JIC.

As dificuldades prticas de instituir tal sistema no so inultrapassveis e os direitos de terceiros podem ser devidamente assegurados (designadamente o direito reserva de intimidade)(13).

O legislador portugus parte do princpio de que a audio de tais intercepes pelo JIC suficiente, dispensando-se de prever a possibilidade do exerccio do contraditrio quanto a todas elas.

Ora, em inqurito, as escutas so escolhidas, transcritas e juntas aos autos segundo a perspectiva de investigao policial e de instruo da acusao, da no resultando que outros passos dessas escutas no possam ter relevo essencial para a defesa.

da mais elementar cautela supor que a devam ter.Negar tal evidncia pr em causa um dos mais basilares princpios do processo penal, o do contraditrio, negar um dos elementos essenciais do due process of law, do processo justo e equitativo.

E esse relevo para a defesa tanto pode assentar numa vertente de autenticidade das mesmas, designadamente a imputao das conversaes ao arguido (as escutas destrudas podem pr em causa essa imputao, ou mesmo os conhecimentos de testemunhas arroladas, pois que j nos defrontmos com caso concreto em que uma das testemunhas foi arrolada, por ter emprestado o telemvel a terceiro cujas chamadas foram interceptadas), mas tambm numa vertente mais substancial, pois que as escutas destrudas podem conter passagens que ponham em causa o sentido atribudo a excertos das que foram juntas aos autos nos termos do artigo 188., n. 3 do Cdigo de Processo Penal.

Em concluso, a eliminao de parte das escutas em inqurito, antes de exercido o contraditrio sobre o seu teor integral, uma violao do artigo 8. da Conveno.

igualmente uma violao do artigo 6. da Conveno Europeia dos Direitos do Homem.A este respeito concordamos com o voto de desconformidade parcial do Juiz Loucaides no acrdo Khan v. Reino Unido (2000) quando afirma no poder admitir que seja equitativo um processo cujo desenvolvimento seja contrrio lei(14).

O Juiz Loucaides considerou que o termo quitable, no sentido do artigo 6. da Conveno, requer o respeito pela preeminncia do direito, designadamente o dos direitos do homem enunciados na Conveno.

Arriscamos mesmo afirmar que uma violao do artigo 8. da Conveno arrastar consigo, necessariamente, uma violao do artigo 6., caso o elemento de facto que suporta a desconfor-midade com o artigo 8. seja valorado como elemento da condenao.

Assim, pelas razes apontadas, o n. 3 do artigo 188. do Cdigo de Processo Penal desconforme aos artigos 6. e 8. da Conveno Europeia dos Direitos do Homem, numa leitura que permite a destruio das escutas realizadas nos autos antes de sobre elas (o seu contedo integral, ressalvados os direitos de arguidos e de terceiros reserva de intimidade, atravs do JIC) ser exercido o contraditrio.

Alis, para este desiderato, nem seria necessrio o recurso previso do artigo 8. da Conveno.O artigo 26., n. 1 (reserva da intimidade da vida privada e familiar) e os n.os 1 e 4 do artigo 34. da CRP (inviolabilidade do domiclio, correspondncia e telecomunicaes) contm previso com semelhante alcance. Alis, bem mais explcito.

Impe-se, pois, uma mais exigente posio da jurisprudncia portuguesa numa interpretao restritiva nesta sede e consequente ateno abusiva intromisso na vida privada, no domiclio, na correspondncia ou nas telecomunicaes por parte das entidades policiais e fazer operar de forma plena a nulidade contida no n. 8 do art. 32. da CRP e no artigo 126., n. 3 do CPP.

Convm relembrar que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem atende prtica do Estado e no apenas sua lei. E que este conceito lei definido como um conceito de lei material, devendo atender-se ao direito escrito e no escrito; e que no domnio do direito escrito lei o texto escrito em vigor, tal como as jurisdies competentes o interpretam(15).

Isto , sempre a jurisprudncia, no caso a portuguesa, estar sob escrutnio, como o esteve a jurisprudncia francesa nos casos Huvig e Kruslin.

3 - A) DAS FORMALIDADES PROCESSUAIS

Outra perspectiva dever ser a processual, na sua vertente de cumprimento do formalismo processual da regulamentao nacional das escutas telefnicas.

Em regra, ainda nesta sede de pressupostos processuais, a maioria dos casos resume-se a apurar se, no caso concreto, algum procedimento no cumpre o estabelecido na regulamentao das escutas telefnicas, tal como previsto nos artigos 187. e 188. do Cdigo de Processo Penal.

Numa primeira anlise para constatar se foram observados os pressupostos formais do artigo 187. do Cdigo de Processo Penal, se as escutas telefnicas foram autorizadas por Juiz de Instruo, realizadas nos prazos concedidos pelo JIC e se estamos face a crimes de catlogo.

Aps, se depois de realizadas as escutas, foi dado o devido cumprimento ao disposto no artigo 188. do Cdigo de Processo Penal, mormente os seus nmeros 1 e 3, uma das questes a que se tem resumido a anlise das escutas telefnicas em Portugal e que tem funcionado como uma barreira para o correcto posicionamento do problema, na nossa humilde opinio.

Dispe, a este respeito, o n. 1 do artigo 188. do Cdigo de Processo Penal que, lavrado o auto de intercepo e gravao, este levado imediatamente, juntamente com as fitas gravadas ou elementos anlogos, ao Juiz de Instruo que, se os considerar relevantes, ordenar a sua transcrio e juno aos autos. Questo nuclear tem sido apurar o que se deve entender por imediatamente.

Esta matria est j profundamente analisada pela jurisprudncia portuguesa e pelo Tribunal Constitucional.

Sobre ela j foram lavrados, pelo menos, os acrdos da mesma entidade, com os nmeros 407/97, 347/01, 379/04, 223/05 e 528/2003 (os acs. 411/02 e 198/04 abordam questes conexas). Estes acrdos do TC contm j um acervo suficiente de critrios que devem seguir-se dada a sua razoabilidade.

Sem nos pronunciarmos sobre o entendimento presente e futuro da jurisprudncia da entidade constitucional sobre este ponto especfico, quer-nos parecer que a questo do prazo assume menor relevncia da que habitualmente lhe atribuda, sendo um dos critrios mas no o nico e, porventura, no o mais importante para apurar se ocorreu um acompanhamento contnuo e prximo temporal e materialmente da fonte das escutas pelo JIC.

De qualquer forma, a histria da jurisprudncia constitucional sobre esta matria est feita no Ac. do TC n. 426/05 e seria estultcia pretender fazer melhor.

Mas certo como se afirma no Ac. n. 407/97 que o conceito indeterminado imediatamente no pode estar na dependncia de factores como a falta de meios tcnicos e humanos.

Naturalmente que entender o imediatamente com o seu sentido literal implicar que o JIC deva ter acesso ao auto de transcrio em questo de horas. Alis, o mesmo termo utilizado no n. 2, in fine, do artigo 106. do Cdigo de Processo Penal, daqui retirando a prtica judiciria o entendimento de que o imediatamente tem sentido literal.

Ser acautelar devidamente a danosidade social das escutas telefnicas. Ser, igualmente, uma forma de as inviabilizar? Ou ser, ao invs, altura de recordar o aforismo do mal menor do Justice Holmes?

3 - B) DO CONTROLO DAS ESCUTAS

Mas o mais relevante ainda em sede de pressupostos formais no se reconduz a uma questo formal de observncia de um determinado prazo.

que os autos demonstram, em regra e de forma insofismvel, que no ocorre um acompanhamento contnuo e prximo temporal e materialmente da fonte das escutas pelo JIC.

Mais, a naturalidade com que a ausncia de controlo do JIC encarada ressalta de informaes policiais que se juntam aos autos, aps muitos dias de escutas realizadas sem que o JIC a elas tenha tido acesso, informando, por exemplo, que o contedo das comunicaes interceptadas podem, a partir de (determinada data), ser a todo o tempo verificadas pelo M. JIC.

Alis, vrios processos j por ns julgados so exemplos flagrantes de que a possibilidade de controlo pelo JIC meramente terica.

As escutas esto sobre controlo da Polcia Judiciria e, media-tamente, das restantes polcias, isto , sob controlo do executivo e fora de controlo directo ou indirecto do poder judicial.

Alis, essa ausncia de controlo patente quer na fase de escutas quer na fase de destruio das mesmas. O JIC limita-se a, muito tempo depois, homologar ou no as opes policiais e, mesmo a destruio das gravaes se resume a um controle meramente formal (ordena, por despacho, a sua destruio polcia, no controlando, efectivamente, essa destruio que, assim, deixada ao executivo, atravs das polcias)(16).

Isto , tendo presente que a interveno do poder judicial visa acautelar, evitar, os abusos das polcias, a prtica evidenciada, mesmo que permitida pela opo do poder executivo de retirar as escutas telefnicas do poder de controlo do JIC (remetendo esse controlo para a polcia) e permitida pela literalidade dos nmeros 1, 3 e 4 do artigo 188. do Cdigo de Processo Penal, violadora do artigo 8. da Conveno Europeia dos Direitos do Homem e artigo 26., n. 1 da CRP.

Isso mesmo, quanto violao do artigo 8. da Conveno, foi j afirmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem nos casos Klass e outros contra a Alemanha (1978) e Miailhe contra a Frana (1993) de forma assaz clara.

No caso Klass o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no considerou violado o artigo 8. da Conveno por no existir prova ou indcio de que a prtica realmente seguida o evidenciasse (pargrafo 59 da deciso). Isto , seria violado tal preceito caso existissem a prova ou indcio referidos.No caso Miailhe, de forma mais explcita, considerou existente a violao do artigo 8. da Conveno afirmando a necessidade de que a legislao e a prtica do Estado recorrido oferecessem garantias adequadas e suficientes contra os abusos (pargrafo 37 da deciso).

Assim, a questo de apurar em que medida a realidade orgnica, organizativa e tcnica dos meios pblicos de investigao e instruo processual penal, posta ao servio das escutas telefnicas, se reflectir na anlise a envidar ganha o seu devido relevo.

Tratou-se de opo legislativa e do poder executivo no colocar meios tcnicos que permitissem o controlo imediato das escutas telefnicas pelo poder judicial.

Com isto no se pretende afirmar que a realizao das escutas esteja no domnio absoluto do poder judicial, nem isso tem sido entendido dessa forma pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Pretende-se apenas significar que ao juiz deve ser dada a possibilidade de, efectiva e imediatamente, controlar as escutas efectuadas. O que no acontece.

No cabe ao poder judicial salvaguardar as opes dos poderes legislativo ou executivo que no acautelem devidamente a defesa dos direitos do cidado.

Bem pelo contrrio, cabe-lhe assegurar tais direitos, os consagrados na CRP e na CEDH, mesmo contra principalmente contra as opes do executivo que se revelem (como esta se revela) violadora daqueles deveres fundamentais, por ausncia (impossibilidade) de controlo judicial efectivo nos termos da sua prpria legislao.

Tambm por esta razo devemos concluir que a nulidade das escutas telefnicas consequncia.Mas ter relevncia preencher o conceito relativamente indeterminado de submisso imediata (Ac. 596/97 do TC).

Releva sobremaneira nesta anlise parcial a ausncia de soluo encontrada pela jurisprudncia no constitucional sobre o significado do conceito relativamente indeterminado de submisso imediata, o que no seria especialmente difcil com o recurso ao conceito de acto urgente, no fora a preocupao de salvaguardar as opes legislativas e executivas erradas.

Rstias da posio clssica do princpio da procura sem limites da verdade que elege a realizao efectiva da justia penal em transcendente interesse do estado de Direito cuja promoo ou salvaguarda pode sobrepor-se aos direitos fundamentais e legitimar o seu sacrifcio?(17)

Se a resposta for afirmativa poderemos ter a uma prtica judiciria. To s! Longe do desejvel poder judicial, portanto.

4 - DOS PRESSUPOSTOS MATERIAIS PARA AUTORIZAO

No entanto, questes mais substanciais so negativamente evidenciadas.A autorizao para a realizao das escutas estar, naturalmente, dependente de outros pressupostos materiais, segundo entendimento unnime da jurisprudncia e doutrina alems(18)

E no se v razo para que os Tribunais portugueses sejam menos exigentes na verificao desses pressupostos. Ao invs, a leitura comparada entre o artigo 187. do Cdigo de Processo Penal e o pargrafo 100 a) do StPO alemo conduz a uma igual exigncia na ordem jurdica portuguesa.

De facto, seria mais restritivo o elenco de crimes de catlogo do artigo 187. do Cdigo de Processo Penal, no fora a infeliz alnea a) do n. 1 do Cdigo de Processo Penal (crimes punveis com pena de priso, no seu mximo, superior a trs anos).

O pargrafo 100 a) do StPO (Condies relativas intercepo de comunicaes) elenca nos seus nmeros um elevado rol de crimes passveis de intercepo nas telecomunicaes. Mas esse inventrio pormenorizado de crimes acaba por ser mais restritivo do que os crimes de catlogo previstos no artigo 187. do nosso Cdigo de Processo Penal devido abertura dada pela alnea a) deste preceito.

De qualquer forma, a metodologia e cuidados utilizados so idnticos nos dois ordenamentos jurdicos, pelo que no vemos razes para diferenciar o tratamento do regime de cautelas constante da jurisprudncia alem.

A mais abalizada voz da doutrina portuguesa nesta matria no se cobe de afirmar a proximidade no ser mesmo arriscado, a sobreposio substancial entre o direito portugus e alemo(19).

So os seguintes os critrios ou pressupostos materiais de admissibilidade das escutas telefnicas(20):

A existncia de um crime de catlogo - um dos crimes previstos no artigo 187. do Cdigo de Processo Penal - e que se trate da ocorrncia de crime consumado ou de tentativa punvel data, ou de actos preparatrios com ocorrncia de factos punveis (o Cdigo de Processo Penal no pode dar guarida a meras medidas preventivas)(21); A ocorrncia de uma forma relativamente qualificada de suspeita da prtica do crime, exigindo um determinado nvel de concretizao ; no se exigindo a existncia de fortes indcios, no bastam as meras suspeitas ou boatos no confirmados; A observncia do princpio da subsidiariedades ser admissvel a escuta quando a descoberta da verdade dos factos for, de outra forma, impossvel ou essencialmente dificultadana sua dupla vertente:

i) S ser admissvel recorrer s escutas depois de esgotados todos os restantes meios de investigao e o aumento de custos ou de trabalho no justificam a autorizao para a realizao de escutas;ii) Que a escuta telefnica seja um meio, em concreto, adequado a obter o resultado; que as escutas e s elas, sejam idneas a descobrir os factos em investigao (sentido restritivo que atribudo por Costa Andrade expresso se houver razes para crer que a diligncia se revelar de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova do artigo 187., n. 1 do Cdigo de Processo Penal;

A limitao das escutas a um universo determinado de pessoas ou ligaes telefnicas.

Poder admitir-se que as escutas telefnicas ficam geralmente limitadas a um universo determinado de pessoas e ligaes telefnicas do lado dos suspeitos da prtica de um qualquer ilcito criminal.Em regra trata-se de investigao de crimes de catlogo, tais os enumerados no artigo 187. do Cdigo de Processo Penal.

Mas j o mesmo se no poder dizer quanto ocorrncia de uma forma relativamente qualificada de suspeita da prtica do crime, de um determinado nvel de concretizao e da observncia do princpio da subsidiariedade na sua dupla vertente.

Receamos que, mesmo sendo pouco exigentes e como a experincia vai demonstrando, o incio dos processos se fique pelas meras suspeitas ou boatos no confirmados, seja inexistente uma forma relativamente qualificada de suspeita da prtica do crime, um determinado nvel de concretizao e se olvide o princpio da subsidiariedade (s ser admissvel a escuta quando a descoberta da verdade dos factos for, de outra forma, impossvel ou essencialmente dificultada).

Constata-se, muitas vezes, que no h evidncia de crime consumado data do pedido de colocao de telefones sob escutas; no ocorre uma forma relativamente qualificada de suspeita e no observado o princpio da subsidiariedade.

que a prtica diz-nos que a investigao policial se tem vindo a degradar precisamente devido existncia da possibilidade de efectuar escutas telefnicas. Demasiadas vezes, os indcios surgem, apenas, como consequncia imediata e mediata das escutas efectuadas.

Mais, as escutas efectuadas so demasiado frequentemente e de forma patente, uma forma fcil de poupar trabalho de investigao por outros meios.

Assim, conclumos afirmando que nos casos em que no sejam observados os pressupostos indicados se dever fazer operar o disposto no artigo 189. do Cdigo de Processo Penal e cominar as escutas efectuadas de nulidade, sejam quais forem os requisitos e condies no observados, pois que a lei as no distingue.Que nulidade ser essa e qual o seu regime questo que se analisar infra.

5 - DA ACEITAO DO EFEITO DISTNCIA

Quais as consequnciase seu alcanceda nulidade das escutas, considerando o disposto no artigo 189. do Cdigo de Processo Penal, 32., n. 8 e 34., n. 4 da CRP?

No entendemose porque estamos em sede de meios de provaque se trate de simples aplicao do disposto no ar-tigo 120., n. 3, al. c) do Cdigo de Processo Penal.

Tratar-se-ia de afirmar que, a haver nulidade (processual), ela teria ocorrido em inqurito e, nos termos daquele preceito, estaria sanada pelo decurso do prazo legal de arguio(22) (23).

Ou, mesmo sendo insanvel, reduzi-la a uma mera nulidade processual sem efeitos consequenciais.Este tem sido um entendimento corrente na prtica judiciria.

Mas no se trata, no artigo 189. do Cdigo de Processo Penal, de simples nulidade processual, sim de proibio de prova, mais concretamente, de proibio de valorao da mesma, por se entender ter sido essa a inteno do legislador portugus, a de proibir a valorao de qualquer prova obtida mediante mtodo proibido de prova, para mais no mbito das escutas telefnicas, considerando o dano social que, reconhecidamente, lhes est associado na rea nuclear e inviolvel da vida privada(24).

Estamos longe, portanto, das meras nulidades insanveis, sanveis ou meras irregularidades (artigos 119.,120.,121. e 123. do mesmo diploma).

Ao invs, devemos ter presente o artigo 118., n. 3 do Cdigo de Processo Penal, que excepciona o regime das proibies relativas prova.

Consideramos ser caso de aplicao do disposto no artigo 126., n.os 1 e 3 do Cdigo de Processo Penal, que afirma a proibio de valorao de provas ( no podendo ser utilizadas, as provas ) obtidas mediante intromisso na vida provada nas telecomunicaes sem o consentimento do respectivo titular, ressalvados os casos previstos na lei.

Que se no pode limitar s causas de nulidade contidas no n. 1 do artigo 126. do Cdigo de Processo Penal, com excluso das que se encontram previstas no n. 3 do mesmo preceito.

Em todos os casos previstos no artigo 126. do Cdigo de Processo Penal a proibio de valorao das escutas efectuadas desde logo evidente.

Trata-se, aqui, de dar prevalncia ao princpio da dignidade do homem, da sua intocabilidade e da consequente obrigao, para todo o poder oficial, de a respeitar e de a proteger (25) na sequncia da aceitao da existncia de uma tenso dialctica inarredvel entre tutela dos interesses do arguido e tutela dos interesses da sociedade representados pelo poder democrtico do Estado (26).

Em vez do princpio da procura sem limites da verdade, vigora hoje a regra de que toda a actividade probatria, que implique uma interveno mais ou menos relevante nos direitos individuais, postula invariavelmente a necessria legitimao legal (27).

Enfim, um reconhecido pendor tico na prossecuo processual e na conduta do Estado, uma exigncia de superioridade tica do Estado ... sem o que ser prrica toda a vitria alcanada na luta contra o crime , como afirma o Prof. Costa Andrade.

Ou, na terminologia do US Supreme Court, de no permitir a produo de prova ou valorar prova inconsistente com os padres ticos e destrutiva da liberdade pessoal (caso Nardone II).

Certo que a matria em anlise se perfila na discusso sobre os efeitos a atribuir constatada nulidade, apurar se a mesma reconduz a uma proibio de valorao da prova assim obtida.

Por tradio, face nossa caracterstica de pas continental, tributrio da jurisprudncia penal e processual penal alem, no admira que, ainda hoje, as rstias da ultrapassada posio clssica alem se reflictam na nossa prtica, de que a constante reduo mera nulidade sanvel de casos de autntica proibio de prova e sua valorao mero exemplo.

Reconduz-se essa posio clssica com origem no Tribunal constitucional alemo a fazer apelo a um princpio geral de ponderao (28) que erige a realizao efectiva da justia penal em transcendente interesse do estado de Direito cuja promoo ou salvaguarda pode sobrepor-se aos direitos fundamentais e legitimar o seu sacrifcio, que se consubstanciam numa justia funcio-nalmente capaz (29), numa luta eficaz contra o crime e no receio de uma paralisao do processo(30).

Doutrina que se no deve hoje aceitar dada a dimenso totalitria dos direitos humanos, exigncia de superioridade tica do Estado, da prevalncia a dar ao princpio da dignidade do homem.

Em resumo e sem necessidade de verter aqui as vrias teorias que a jurisprudncia e a doutrina alems elaboraram sobre o tema (teoria da esfera jurdica, dos trs graus, do fim de proteco da norma e dos direitos de domnio da informao), certo que se constatou a incapacidade das solues tericas globais para abarcar a realidade das proibies de prova e de formular uma teoria do efeito distncia e se constatou a sua irredutvel hipoteca s singularidades do caso concreto(31).

Constatao que, igualmente, levou Roxin a afirmar ser correcto recusar concepes globais e procurar a soluo para as proibies individuais de produo de prova separadamente, numa anlise dos distintos interesses comprometidos no caso e a sua ponderao ou Hauf a propor a ponderao do caso concreto, com a ajuda do princpio do fair trial(32).

Contrariamente crena geral que a maioria da jurisprudncia portuguesa espelha no resulta deste estado de coisas uma posio inflexvel da doutrina e jurisprudncia alems contra a aceitao dos efeitos das regras de excluso (exclusionary rules) do direito americano(33).

Seria assim, no dizer do professor Costa Andrade, at ao final da dcada de 60.Metodologia e efeitos que a doutrina alem se predispe a aceitar, agora que constatou, no dizer do Prof. Costa Andrade, que as coisas se jogam, no essencial, na determinao dos critrios de identificao e demarcao das hipteses concretas de efeito distncia, com referncia a precedentes jurisprudenciais (os casos do dirio e do gravador)(34).

assim que, no que taint doctrine (doutrina da ndoa ou Makel-Theorie, rplica germnica da teoria da fruit of the poisonous tree), como o Prof. Costa Andrade refere(35) e Roxin analisa em vrios casos concretos(36), se discutem agora os efeitos da resultantes.

Se os seus efeitos apenas se restringem ao meio de prova obtido directamente de maneira proibida ou se so extensivos (efeito extensivo, efeito distncia) aos meios de prova indirectamente obtidos, ou seja, se os meios de prova obtidos atravs e na sequncia de meio de prova proibido podem ser valorados pelo Tribunal.

Referindo que nos termos da fruit of the poisonous tree doctrine uma proibio de valorao probatria se estende tambm aos meios de prova obtidos indirectamente, Roxin acaba por afirmar que tambm no processo alemo se deve admitir um efeito extensivo pois, de outro modo, as proibies de prova podem ser iludidas mais facilmente (37).

Como refere o Prof. Klaus Tiedmann no Relatrio Geral do colquio preparatrio do XXV Congresso da Associao Internacional do Direito Penal, subordinado ao tema Mouvements de rforme de la Procdure Penale et la Protection des Droits de lHomme (Toledo, Espanha1992), certains rapports se prononcent en faveur de la fameuse doctrine ds fruits de larbre empoisonn qui exclut, cot de la preuve illicite, les preuves ultrieures qui en drivent(38).

Das concluses desse colquio saram as Recomendaes de Toledo para um processo penal justo. Afirma a recomendao n. 10: Todas as provas obtidas com violao de um direito fundamental, bem como as provas consequenciais, so nulas, no podendo ser valoradas em nenhum momento (39).

E quanto ao processo espanhol, a jurisprudncia do respectivo Tribunal Constitucional clara na aceitao do efeito distncia, no obstante a Constituio espanhola no conter artigo correspondente ao n. 8 do artigo 32. da Constituio da Repblica Portuguesa.

Apesar disso, o Tribunal Constitucional espanhol tem deduzido a existncia da nulidade da prova obtida com a violao de um direito fundamental.

Aun careciendo de regra legal expressa que establesca la interdicion procesal de la prueba ilicitamente adquirida, hay que reconocer que deriva de la posicin preferente de los derechos fundamentales en el ordenamiento y de su afirmada condition de inviolables la impossibilidade de admitir en el proceso una prueba obtenida violentando un derecho fundamental. Esta garantia deriva de nulidade radical de todo acto publico o privado violatorio de las situaciones juridicas reconocidas en la Constitucin y de la necesidad institucional por no confirmar, reconocindolas efectivas, las contraven-ciones de los mismos derechos fundamentalesSentena 114/84 do TC espaol(40).

Por maioria de razo tal doutrina deve vingar no ordenamento jurdico portugus, vista a redaco do artigo 32., n. 8 da CRP e artigos 118., n. 3, 126., n.os 1 e 3 e 122., n. 1 do Cdigo de Processo Penal.E os artigos 118., n. 3 e 122., n. 1 do Cdigo de Processo Penal so particularmente relevantes neste ponto.

Igual apelo fazia j o Prof. Figueiredo Dias em 1996:Assim se recusa a doutrina que os alemes cognominam de Fernwirkung des Beweisverbots e os americanos do fruit of the poisonous tree com o argumento (o mau argumento) de que tal se impe luz do interesse, de outra forma no realizvel, da verdade material e da punio de um real culpado. Com o que se acaba afinal por jogar o valor absoluto da dignidade do homem, ali violado, contra interesses relativos que quele no deviam nunca sobrepor-se (41).

A idntica concluso chega o Prof. Costa Andrade, sob reserva de ulterior reflexo(42), quando afirma que tambm as proibies de valorao decorrentes das escutas telefnicas andaro normalmente associadas ao efeito distncia(43).

E acrescenta que o efeito distncia parece configurar um momento nuclear do fim de proteco do artigo 126. do Cdigo de Processo Penal na direco do arguido. Uma concluso reforada pela considerao suplementar e decisiva de que s o efeito distncia pode aqui prevenir uma to frontal como indesejvel violao do princpio nemo tenetur se ipsum accusare (44).

6 - A JURISPRUDNCIA PORTUGUESA

Tambm os tribunais portugueses iniciam agora, timidamente, o caminho da aplicao da teoria da fruit of the poisonous tree. O Tribunal da Relao de Lisboa(45), confirmou brilhante acrdo (que reproduz nas partes relevantes) do Tribunal da Comarca de Angra do Herosmo (2. Juzo) de 13-06-2003, num caso de apreenso de correspondncia.

Sabendo-se que existiam na estao dos Correios duas embalagens dirigidas me de um dos arguidos, dois agentes da GNR ali se dirigiram para levar tais encomendas ao aeroporto, onde as passaram no RX e as fizeram exibir aos ces treinados para esse efeito e, constatando-se com uma certeza quase absoluta, que continham dois sabonetes de haxixe, foram de novo colocadas na estao postal e posteriormente entregues na residncia da destinatria.

Mais tarde essas encomendas foram apreendidas, agora mediante a emisso dos competentes mandados judiciais.

Considerando existirem dois casos de nulidade, a apreen-so das encomendas nos correios e a passagem das mesmas no RX, o Tribunal considerou nula toda a prova obtida, no admitindo a convalidao da prova pela emisso, posterior, dos mandados judiciais validamente emitidos, fazendo actuar o efeito distncia nos termos dos artigos 126., n. 3 e 179., n. 3 do Cdigo de Processo Penal, este ltimo com apelo ao disposto no artigo 194., n. 1 do Cdigo Penal.

O Supremo Tribunal de Justia, por seu lado, parece entreabrir a porta para aceitar discutir a doutrina do fruto da rvore envenenada.

Em acrdo de 05-01-2005(46) admite discutir os efeitos consequenciais o chamado efeito distncia, Fernwirkung des Beweisverbot ou, na formulao americana, fruit of the poisonous tree, apenas no o fazendo por inexistncia de alegao factual.

Mas logo de seguida afirma no parecer que o Cdigo de Processo Penal acolha a extenso da excluso probatria determinada pelo efeito de contaminao, ideia que nos parece contrariar mantendo o argumento em sede de processo penal o disposto nos artigos 118., n. 3, 122., n. 1 e 126, n. 1 e 3 desse diploma.

Mas o mesmo Supremo Tribunal de Justia acaba por aceitar o efeito distncia, embora em verso mitigada, no acrdo de 6 de Maio de 2004(47).

Essa mitigao assenta na distino entre meios radicalmente proibidos de obteno de prova, contidos no n. 1 do artigo 126. do Cdigo de Processo Penal(48), para os quais face sua violao aceita a plenitude do efeito distncia, e os meios previstos no n. 3 do mesmo preceito que no sero absolutamente proibidos.

Quer-nos parecer salvo melhor opinio que este acrdo, sendo notvel na documentao, arrojo da posio e no olvidando o especfico enquadramento constitucional, no atribuiu a este o devido alcance.

que a Constituio da Repblica Portuguesan. 8 do artigo 32. explcita, ao contrrio da espanhola, na afirmao da existncia de nulidade de todas as provas obtidas mediante tortura, coao, ofensa da integridade fsica ou moral da pessoa, abusiva intromisso na vida privada, no domiclio, na correspondncia ou nas telecomunicaes.

Ou seja, todo o elenco das nulidades previstas no artigo 126. do Cdigo de Processo Penal, no distinguindo entre as nulidades do n. 1 e as do n. 3.

E no se alcanam razes para que a jurisprudncia estabelea essa distino.Alis, nem o legislador ordinrio o faz. que o legislador tem que ressalvar os casos contidos no n. 3, quer pela possibilidade de actuao dos meios coercivos do Estado, quer pelo consentimento do lesado (que nesses casos sero permitidos, ao contrrio do que acontece nas hipteses do n. 1, que nunca permitiro o consentimento ou a possibilidade de actuao coerciva do estado). Essa parece-nos ser a nica razo para a distino entre as nulidades dos nmeros 1 e 3 do artigo 126. do Cdigo de Processo Penal.

O citado aresto faz apelo, para fundar essa distino s, por si designadas, nulidades absolutas para lhes atribuir maior valor e alcance (no efeito distncia).

Sendo uma tipologia tpica da previso do artigo 98. do Cdigo de Processo Penal de 1929, que a doutrina e a jurisprudncia classificavam de nulidades absolutas e nulidades relativas, no pode ter hoje uma repristinao que reconduza a uma interpretao do artigo 126. aparentemente desconforme com o teor da previso do n. 8 do artigo 32. da Constituio da Repblica Portuguesa.

Esquece, por outro lado, que as ditas nulidades no restringem o seu alcance proteco de direitos individuais, mas prpria realizao do Estado de Direito, atravs da salvaguarda daqueles direitos.

Por seu turno, em notvel acrdoAcrdo n. 198/2004(49)o Tribunal Constitucional, admitindo explicitamente a fruit of the poisonous tree doctrine, historiando-a, vem a consagrar uma das suas excepes, as declaraes confessrias do arguido.

7 - A FRUIT OF THE POISONOUS TREE DOCTRINE E SUAS EXCEPES

Se as coisas se jogam, no essencial, na determinao dos critrios de identificao e demarcao das hipteses concretas de efeito distncia, sensato aceitar que analisar os contributos do US Supreme Court dever ser o primeiro passo a dar, reconhecendo que quase um sculo de teorizao daquele Tribunal ter a sua utilidade, mesmo que se defenda que a diversa mentalidade jurdica e policial possa ter algum peso nessa anlise.

Para mais admitindo que as decises do Supremo Tribunal alemo e do Supremo Tribunal americano (e, agora, do Supremo Tribunal de Justia e do Tribunal Constitucional portugueses) tm decises recentes que so manchas de sentido contrrio na direco de um horizonte comum de convergncia(50).

De facto, desde a sua primeira formulao em 1914, no caso Weeks(51), mas de forma mais incisiva nos casos Silverthorne Lumber(52), Nardone II (53) e Mapp v. Ohio(54) que o U.S. Supreme Court (55) tem vindo a elaborar aquela que ficou conhecida pela expresso utilizada em Nardone II pela expresso do Juiz Frankfurter, fruit of the poisonous tree.

A deciso no caso Mapp v. Ohio um dos casos que, juntamente com Miranda v. Arizona, 384 US 436 (1966) e a expanso do alcance do habeas corpus, fez parte da revolution from above desencadeada pelo US Supreme Court nos anos 60 sob a liderana do Chief Justice Earl Warren(56).

Na essncia j que a matria se encontra muito bem desenvolvida no referido acrdo 198/2004 do Tribunal Constitucional, pelo Prof. Costa Andrade (57) e documentada no acrdo de 06-05--2004 do Supremo Tribunal de Justiaa doutrina assenta na interpretao e aplicao da 4.a Emenda(58) do Bill of Rights (os dez primeiros Amendments da Constituio dos EUA) e determina a excluso (regra da excluso, exclusionary rule) das provas obtidas pela acusao atravs da violao dos direitos constitucionais do arguido (acusado) no podendo ser usadas contra este, aqui se incluindo as provas reflexas, secundrias ou indirectas (as obtidas atravs da primeira, mesmo que aquelas sejam licitamente obtidas) (59).

A esta regra foram sendo adicionadas vrias limitaes ou excepes (limitations ou exceptions), j que tais factos no ficam sagrados e inacessveis, designadamente:

Aexcepo da fonte independente (independent source exception)fixada desde logo na deciso Silverthorne Lumber ca v. USque aceita as provas que foram ou poderiam ter sido obtidas por via autnoma e lcita, mantendo-se a prova primria ilcita abrangida pela regra de excluso.Aexcepo da descoberta inevitvel (inevitable discovery exception) com origem na deciso Nix v. Wil-liams, 467 U.S. 431 (1984) que determina a aceitao das provas que inevitavelmente seriam descobertas, mesmo que mais tarde, atravs de outro tipo de investigao.Aexcepo da ndoa (ou mcula) dissipada (Clean-sedou purged taint exception) com origem nas decises Nardone (II) e Wong Sun(60) estabelecendo que uma prova, mesmo que proveniente de prova ilegal, seja aceite sempre que apresente autonomia suficiente para dissipar a ndoa.

No caso Wong Sun discutia-se um acto independente praticado de livre vontade (independent act of free will), uma confisso do arguido aps uma deteno ilegal, sendo a confisso um acto posterior e esclarecido.

Da resultou a afirmao de uma teoria abrangendo todos os actos de prova provenientes de actos de vontade livre e esclarecida, abrangendo as declaraes, mesmo que confessrias, do arguido e os depoimentos de testemunhas.

Aexcepo da boa f da conduta policial (good-faith exception to the exclusionary rule) defendida por deciso no caso U. S. v. Leon(61) com seguimento no caso Arizona v. Evans (1995).

Constatou-se em julgamento ter havido erro de um magistrado na emisso dos mandatos de busca por inexistncia de causa provvel.

O Tribunal considerou que a confiana do oficial de polcia na deciso do magistrado quanto existncia de causa provvel, a permitir a emisso de mandados de busca, era objectivamente razovel e a aplicao da sano extrema da excluso da prova assim obtida era inapropriada.

Esta ltima excepo no foi referida pelo acrdo 198/2004 do Tribunal Constitucional atendendo, talvez, sua discutvel aceitao pelo US Supreme Court(62).

A regra de Weeks e subsequentes excepes constituem um acervo de comandos simples e operativos, no existindo qualquer princpio ou normativo que impea a sua plena aplicao ao processo penal portugus. Bem ao invs, mostram-se de acordo com os princpios e normativos constitucionais e da CHDH e a sequncia lgica de uma s leitura do artigo 122., n. 1 do Cdigo de Processo Penal, na ausncia de regras e princpios adequadamente definidos pela doutrina e jurisprudncia portuguesas e europeia continental.

8 - CONSIDERAES FINAIS

A regra de excluso e suas excepes permitem-nos melhor interpretar o artigo 122., n. 1 do Cdigo de Processo Penal e, subsequentemente, aplic-lo aos casos concretos da vida judiciria.

Quais so, ento, os actos afectados que dependem do primeiro acto invlido, por via da inicial nulidade, nos termos do artigo 122., n. 1 do Cdigo de Processo Penal?

Sendo as escutas invlidas por patente nulidade de proibio de prova (alis, a primeira srie nula de escutas inquinaria todas as restantes), so afectadas se delas directamente dependentes, todas as buscas realizadas (domicilirias e no domicilirias), todas as apreenses e detenes, fotografias, vigilncias policiais, que no sejam excepcionadas pelas limitaes regra de excluso.

So estes, portanto, os frutos da rvore envenenada a que o Tribunal no deve atender para evitar que a mancha, a ndoa da prova ilicitamente obtida, se propague sentena (63).

Caber, ento, aos Tribunais portugueses desenvolver um esforo interpretativo, maxime de adequao, da regra de excluso e suas limitaes ao universo jurdico social portugus, caso no surja alternativa credvel, como ocorre no momento.

Admitimos, no entanto, que a diversa mentalidade jurdica portuguesa sinta algum desconforto face a to clara prevalncia dos direitos individuais sobre a Razo de Estado. E os reflexos sociais da aplicao pura e dura de tal doutrina podero conduzir a um aumento do descrdito no sistema de justia nos casos em que pormenores de cariz processual, aparentemente insignificantes ou como tal apresentados, inviabilizem o conhecimento substancial em casos de grande gravidade ou repercusso pblica.

Ser, pois, aconselhvel estabelecer uma vlvula de segurana que evite esses resultados, sem optar por qualquer teoria que inviabilize os ganhos advenientes deste conjunto de regras (maxime pelo afastamento da pretenso de purificar a prova ilcita pela coisificao ou materializao da prova no processo, o que representaria um retrocesso grave), o que pode ser encontrado na j citada Carta Canadiana dos Direitos e Liberdades.

Dispe a Carta Canadiana dos Direitos e Liberdades (artigo 24., n. 2) que quando um Tribunal conclua que a prova foi obtida de forma a infringir ou negar quaisquer direitos ou liberdades garantidas pela Carta, essa prova deve ser excluda se, olhando a todas as circunstncias, a sua admisso no processo traria Justia descrdito, m reputao (disrepute).

A jurisprudncia canadiana estabeleceu trs critrios essenciais para a admisso ou excluso da prova ilicitamente obtida, os chamados factores Collins, expostos na deciso Collins (Regina v. Collins, [1987] 1 S.C.R. 265).

So eles:1) - O efeito da admisso da prova na fairness do julgamento;2) - A seriedade da conduta policial;3) - Os efeitos da excluso da prova na (imagem da) administrao da justia.

Se os dois primeiros se encontram j abrangidos pelo conjunto de regras da doutrina da rvore envenenada, o terceiro factor, conhecido como o terceiro factor Collins apresenta-se como uma novidade, realando j no os efeitos tico-processuais da admisso da prova ilicitamente obtida sim, ao invs, os efeitos da excluso sobre a imagem da justia (Disrepute may also result from the exclusion of evidence).

Esse factor relacionado pelo Supremo Tribunal Canadiano com a violao trivial de uma violao da Carta de Direitos, a essencialidade da prova e a gravidade da acusao, conduzindo a uma necessria anlise sobre se a administrao da justia, considerando todas as circunstncias, ser melhor servida ou pela admisso ou pela excluso da prova.

Nessa apreciao o tribunal deve considerar a trivialidade da violao das regras de admisso da prova, se a prova a admitir ou excluir essencial para sustentar a acusao e a seriedade do ilcito cometido (quanto mais grave o crime, maior a m reputao adveniente da excluso, excepto se a admisso da prova resultar num julgamento injusto).

O conceito de m reputao faz apelo, necessariamente, a pontos de vista comunitrios, que o Supremo canadiano figura em termos de pessoa razovel (reasonable person), desapaixonada e plenamente consciente das circunstncias do caso concreto, determinando que o juiz no deve proferir deciso que seja inaceitvel para a comunidade, desde que esta no esteja tomada pela paixo ou influenciada pela presso dos factos e que ns poderamos reconduzir figura do bonus pater famlias.

Uma dvida final resolvida pelo US Supreme Court, de forma sugestiva.Quando confrontado com as crticas formuladas (s exclusionary rule) de tornar incapazes de actuao as foras policiais na luta contra o crime, respondeu o U.S. Supreme Court (caso Elkins v. US, 364 US 206) que aquelas regras tinham o propsito de compelir ao respeito pelas garantias constitucionais da nica forma efectivamente disponvelremovendo o incentivo sua inobservncia.

Na mesma deciso afirmou que, aps cerca de meio sculo de vigncia da regra de excluso (rule of Weeks) ainda no tinha sido sugerido que o Federal Bureau of Investigation se tivesse tornado ineficaz ou que a administrao da justia criminal nos tribunais federais americanos tivesse entrado em rotura.

Entre ns, no aceitar o efeito distncia, com o alcance que fica exposto, redundaria em no aceitar a nulidade (melhor se diria, a proibio de valorao de prova), constitucionalmente declarada. Seria a sua negao. Nenhum efeito lhe seria reconhecido, nem aos valores que tutela, a proteco da vida privada e do domiclio e negar os prprios fundamentos do Estado de Direito.

Seria, por outro lado, permitir o abuso das foras policiais, legitimadas a esse abuso pela inoperacionalidade das proibies constitucionais.

Seria um resultado pleno de non sense que a constituio protegesse aqueles valores e cominasse a sua violao com uma nulidade e uma interpretao do ordenamento infra constitucional e/ou a prtica judiciria permitissem a subsequente valorao das provas ilicitamente obtidas.

Citando o Justice Clark no caso Mapp v. Ohio (1961), no existe guerra entre a Constituio e o bom senso.

Essa ser a nica forma de acautelar, na prtica, os direitos que a Constituio da Repblica Portuguesa e a Conveno Europeia dos Direitos do Homem consagram.

Assim, hesitantes entre a prtica judiciria e o Poder Judicial, ser de chamar colao um princpio bsico que norteia o poder judicial, expresso por Madison: dever essencial dos Tribunais (independentes) resistirem a qualquer usurpao sobre os direitos (dos cidados) expressamente estipulados na Constituio.

Tambm por aqui se afirmar um Poder Judicial digno e actuante.Que isso seja parte de uma revoluo a partir de cima o que se deseja.

Notas:

(*) Juiz do Crculo Judicial de vora.

(1) Conveno para a Proteco dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, adoptada em Roma a 4 de Novembro de 1950, com entrada em vigor na ordem internacional a 3 de Setembro de 1953. Foi assinada por Portugal a 22 de Setembro de 1976 e provada para ratificao pela Lei n.o 65/78, de 13 de Outubro, publicada no Dirio da Repblica, I Srie, n. 236/78; entrou em vigor na ordem jurdica portuguesa a 9 de Novembro de 1978.

(2) Por todos, ver Irineu Cabral Barreto, A Conveno Europeia dos Direitos do Homem, Almedina, 3.a Ed. 2005.

(3) A Constituio Americana, curta mas excepcionalmente pragmtica, v a Quarta Emenda prever de forma precisa a forma de emitir mandados de busca: particularly describing the place to be searched, and the persons or things to be seized.

(4) Como afirma o citado aresto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, les saisies subies ... revtirent un caractre massif et sourtout indifrenci ....

(5) Irineu Cabral Barreto, A Conveno Europeia dos Direitos do Homem, Almedina, 3.a Ed. 2005, pg. 45.

(6) Vitalino Esposito, in A aplicao prtica dos princpios da Conveno Europeia dos Direitos do Homem no processo penal italiano Revista Portuguesa de Cincia Criminal, Ano 4, Fase. 2 Abril-Junho de 1994, pgs. 221-222.

(7) Vitalino Esposito, ob. cit., pg. 219.

(8) Jurisprudncia resumida e resultante dos acrdos Huvig v. Frana (1990), Kruslin v. Frana (1990), Valenzuela Contreras v. Espanha (1998) e Kopp v. Sua (1998).

(9) Deciso no caso Miailhe v. Frana, de 27-02-1993.

(10) As condies de forma encontram-se previstas nos artigos 100. e 100.-1. do Code de Procdure Pnale: a pena prevista deve ser superior a dois anos de priso, as escutas so efectuadas sob a autoridade e controlo do juiz de instruo e a deciso deve comportar todos os elementos de identificao da ligao a interceptar e a infraco que motiva o recurso intercepo.

(11) V.g. Maria de Ftima Mata-Mouros, in Sob escuta, Principia, 2003, pgs. 23 e 24.

(12) Aut. e ob. cit., pago 24.

(13) Aut. e ob cit., pags. 35 a 37.

(14) Caso em que a condenao assentou, unicamente, num elemento de prova aparelho de escuta colocado num domiclio considerado violador do artigo 8. da Conveno Europeia dos Direitos do Homem.

(15) Casos Huvig e Kruslin citados.

(16) O nosso Cdigo de Processo Penal (artigo 188., n. 3) determina que o JIC ordena a destruio das transcries das escutas que no so juntas ao processo mas no se pronuncia quanto destruio das que permanecem nos autos. O Cdigo de Processo Penal italiano, por seu lado, prev que a destruio das escutas seja feita sob o controle do Juiz artigo 269., n. 3 e o artigo 269., n. 2 dispe, como regra geral, que le registrazioni sono conservate fino alta sentenza non pi soggeta a impugnazione.

(17) Prof. Costa Andrade, in Sobre as proibies de prova em processo penal, Coimbra Editora 1992, pg. 30.

(18) Prof. Costa Andrade, ob. cit., pgs. 289 a 294.

(19) Costa Andrade, Manuel, ob. cit., pg. 188.

(20) Autor e ob. cit., pg. 289.

(21) Schluchter, citado por Manuel da Costa Andrade, ob. cit., pg. 290.

(22) IAs escutas telefnicas obedecem, sob pena de nulidade, aos requisitos enunciados nos artigos 187. e 188. do Cdigo de Processo Penal; havendo algum desrespeito queles requisitos, gerador de nulidade, tal vcio h-de ser invocado at ao momento prescrito no artigo 120., n. 3 alnea c) do mesmo cdigo, no o sendo, a nulidade fica sanada. Ac. STJ de 21/10/92, doc. N. SJ199210210428093, in http://www.stj.pt/

(23) Tambm Maia Gonalves, Meios de Prova, in O novo Cdigo de Processo penal C.E.J., Almedina, Coimbra, 1988, pg. 252.

(24) No sentido de que a nulidade reconduz proibio de prova, ver Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal II, Verbo Lisboa, pg. 178.

(25) Para uma reforma global do processo penal portugus, Figueiredo Dias, Prof., in Para uma nova justia penal, Almedina, 1996, pg. 206.

(26) Prof. Figueiredo Dias, Jorge, ob. e loc. cit.

(27) Prof. Costa Andrade, Manuel da, ob. cit., pg. 22.

(28) A realizao da justia penal representa um valor nuclear do Estado de Direito susceptvel de ser levado balana da ponderao com os direitos fundamentais. In Costa Andrade, ob. cit., pg. 30.

(29) Formulao no segundo caso do dirio: A constituio no reconhece um significado especial apenas tutela da personalidade mas tambm a uma justia funcionalmente capaz sem a qual no se pode contribuir para a manifestao e actualizao da prpria justia. Cit. por Costa Andrade, ob. cit., pg. 30-31.

(30) Autor e ob. cit., pgs. 29 e 30.

(31) Aut. e ob. cit., pg. 183.

(32) In Derecho Procesal Penal, Editores del Puerto, Buenos Aires, 2000, pg. 194, aqui igualmente se referindo o acordo de vrios autores alemes. Quanto a Hauf ver a respectiva nota 5.

(33) No se pode dizer que o direito alemo no reconhece qualquer Fernwirkung s proibies de prova e s a benefcio de lea poder continuar a apontar-se como maioritria a posio dos que respondem negativamente ao problema da vigncia de uma fruit of the poisonous tree doctrine no contexto do direito processual germnico v. g. Prof. Costa Andrade, ob. cit., pg. 172.

(34) Ob. cit., pgs. 176 e 183.

(35) Ob. cit., pg. 175.

(36) Ob. cit., pg. 205.

(37) Roxin, ob. cit., pg. 205.

(38) Revue Internationale de Droit Penal ano 64 3. e 4. Trimestre de 1993, pg. 830.

(39) Recomendaes de Toledo para um processo penal justo, in Revista Portuguesa de Cincia Criminal, ano 2., fasc. 4., Outubro-Dezembro de 1992, pg. 654.

(40) Ver, igualmente, as sentenas 81/98, 49/99, 94/99, 161/99, 171/99, 8/200 e 28/2002 do Tribunal Constitucional espanhol.

(41) Prof. Figueiredo Dias, Jorge, ob. cit., pg. 208.

(42) Sendo a obra citada de 1992, o Prof. Costa Andrade vem a reforar as ideias expostas em Maro de 2004 no I Congresso de Processo Penal, na sua conferncia Das escutas telefnicas in I Congresso de Processo Penal, Almedina 2005, pgs. 215-224.

(43) Sobre as proibies de prova em processo penal, Prof. Costa Andrade, Coimbra Editora 1992, pg. 317.

(44) Ob. cit., pg. 315.

(45) Ac. de 23-06-2004, sendo relator o Desembargador Antnio Rodrigues Simo Col. Jur. Ano XXIX, Tomo 3, pg. 149.

(46) Supremo Tribunal de Justia Proc. 04P3276, sendo relator o Cons. Henriques Gaspar.

(47) Supremo Tribunal de Justia Proc. 04P774, sendo relator o Cons. Pereira Madeira.

(48) Tortura, coaco ou, em geral, ofensa da integridade fsica ou moral das pessoas.

(49) Deciso de 24-03-2004. Proc. 39/94 1.a Seco sendo Relator o Cons. Moura Ramos.

(50) Herrmann, citado por Costa Andrade, Manuel da, ob. cit., pg. 187.

(51) Weeks v. US, 232 US 383 (1914) Justice Day.

(52) Silverthorne Lumber Ca v. US, 251 US 385 (1920) Justice Holmes.

(53) Nardone (II) v. US, 308 US 338 (1939) Justice Frankfurter.

(54) Mapp v. Ohio, 367 US 643 (1961) Justice Clark para alm de estender a doutrina aos Estados considerado um caso referncia (Landmark Supreme Court case on the exclusionary rule).

(55) A jurisprudncia americana pode ser consultada em http://www.findlaw.com/ /casecode/supreme.html ou no site indicado no Ac. 198/2004 do Tribunal Constitucional (http://www.law.comell.edu/supct/search/).

(56) Criminal ProcedureExamples and Explanations, Robert Blomm e Mark Brodin, Little, Brown and Company, 2.a Ed. 1996, pg. 3.

(57) Obra cit., pgs. 170-172.

(58) The right of the people to be secure in their persons, house, papers, and effects, against unreasonable searches and seizures, shall not be violated, and no Warrants shall issue, but upon probable cause, supported by Oath or affirmation, and particularly describing the place to be searched, and the persons or things to be seized.

(59) De igual forma e explicitamente, afirma a Carta Canadiana dos Direitos e Liberdades (artigo 24., n. 2) que quando um Tribunal conclua que a prova foi obtida de forma a infringir ou negar quaisquer direitos ou liberdades garantidos pela Carta, essa prova deve ser excluda se, olhando a todas as circunstncias, a sua admisso no processo traria Justia descrdito, m reputao.

(60) Wong Sun v. US - 371 US 471 (1963) Justice Brennan.

(61) Deciso no caso U. S. v. Leon, 468 US 897 (1984).

(62) A deciso tem declaraes de discordncia dos Justice Brennan e Marshall, preocupados com o gradual estrangulamento da exclusionary rule.

(63) Esta ideia base igualmente expressa noutra terminologia por autores alemes (tambm pela jurisprudncia constitucional espanhola) quando referem um nexo normativo entre a violao da lei e a sentena ou uma causalidade entre o vcio e a sentena.