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COSTA, Jean Henrique; SOUSA, Michele de. (orgs.). Política de turismo e desenvolvimento: reflexões gerais e experiências locais. Mossoró, RN: Fundação Vingt-Un Rosado, 2010.

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Política de Turismo e Desenvolvimento

Refl exões Gerais e Experiências Locais

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Jean Henrique Costa & Michele de Sousa(Organizadores)

Política de Turismo e Desenvolvimento

Refl exões Gerais e Experiências Locais

Série “C” – Volume 1582 – Março de 2010

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Catalogação da Publicação na Fonte.Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

Política de turismo e desenvolvimento: refl exões gerais e expe-

riências locais. / Jean Henrique Costa; Michele de Sousa (Org.). - Mossoró, RN: Fundação Vingt-Un Rosado, 2010.

288 p. - (Coleção Mossoroense, Série “C” – Volume 1582 )

ISBN: 978-85-89888-48-6 1. Turismo. 2. Políticas públicas. 3.Turismo - Desenvol-

vimento . I. Costa, Jean Henrique. II. Sousa, Michele de. IV.Título.

UERN/BC CDD 338.4791

Bibliotecária: Jocelania Marinho Maia de Oliveira CRB 15 / 319

Copyright © Jean Henrique Costa, Michele de Sousa (orgs.), 2010.

RevisãoRosa Maria Mesquita Leite

DiagramaçãoValdianio Macêdo

CapaRick Weakmann

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SUMÁRIO

PREFÁCIO _______________________________________________ 07

Para além do consenso e das evidências: breve introdução __________________________________________ 09

Turismo, produção do espaço e desenvolvimento desigual: para pensar a realidade brasileira _____________________________ 15Rita de Cássia Ariza da Cruz

Turismo, desenvolvimento desigual e relações de trabalho no litoral potiguar _________________________________ 39Jean Henrique Costa

O reverso da interiorização: análise do turismo em Aquiraz/CE ____________________________ 69Michele de Sousa

Plano Nacional de Turismo 2007/2010: análise e desafi os de sua implementação _______________________ 99Heidi Gracielle KanitzJeff erson Dantas Freire de Morais Liége Azevedo Martins Maria Arlete Duarte Araújo

Gestão do território para o turismo e implicações na mudança do imaginário social e ambiental: o Ceará virtualizado ______________________________________ 123Ingrid Carneiro de LimaRaimundo Freitas Aragão

Análise institucional da estruturação do turismo em Fortaleza ___________________________________ 141José Orlando Costa Nunes

Competitividade turística e diferenciação espacial no Pólo Costa das Dunas/RN/Brasil __________________________ 159Maria Aparecida Pontes da Fonseca Rosana Mazaro

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O papel do residente na produção do espaço turístico em Natal/RN ____________________________ 181Karina Messias da SilvaMaria Aparecida Pontes da Fonseca

Interfaces socioambientais do turismo sustentável em Icapuí/Ceará (1995-2000)______________________ 199Maria Betânia Ribeiro Torres

Do turismo cultural à política pública de eculturismo ___________ 221Christian Dennys Monteiro de Oliveira

Turismo cultural: refl exões e possibilidades de desenvolvimento no RN ____________ 243Th adeu de Sousa Brandão

Sítios geológicos, geoconservação e ecogeoturismo na região Seridó do Rio Grande do Norte _____________________ 257Wendson Dantas de Araújo Medeiros

Sobre os autores __________________________________________ 281

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PREFÁCIO

Os estudos sobre o turismo têm se constituído em um im-portante campo de confl uência de saberes e práticas. Ultrapassando fronteiras disciplinares, impostas mais por lógicas institucionais do que pela dinâmica no processo de produção do conhecimento, esses estudos têm contribuído para alargar a nossa compreensão de alguns dos fenômenos sociais mais signifi cativos da atualidade. Por outro lado, e não menos importante, os estudos sobre o turismo têm im-plicado na incorporação de novos e sofi sticados aportes dos estudos sobre território, meio ambiente, relações de poder e dinâmicas so-cioeconômicas locais.

Prática social integrante ao conjunto de atividades constituti-vas da socialização das classes médias e das elites, o turismo está cada vez mais associado ao fl uxo de pessoas e bens sobre os lugares. E a intensifi cação desses fl uxos não apenas provoca novos e inesperados processos socioculturais, como, por exemplo, o aumento exponencial da demanda por identidades, mas também tem implicado em uma profunda hierarquização dos territórios. Em consequência, assiste-se a entrada em cena não apenas de novos atores, mas também da reconquista de legitimidade por atores que pareciam, na década de 1990, condenados ao ocaso, dado que se vivia em um mundo no qual a ideologia do livre mercado como suprassumo da racionalidade parecia ter alcançado uma inabalável hegemonia. Referimo-nos aos defensores do planejamento e da intervenção reguladora do Estado.

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Caso se considere positiva a renovação da legitimidade social do planejamento e da intervenção estatal na vida política e social contemporânea, há que se reconhecer o devido tributo dessa con-quista aos estoques de conhecimentos aportados pelos estudos sobre o turismo. Esses estudos, especialmente aqueles dedicados à pro-dução de diagnósticos socioambientais da turistifi cação dos lugares, contribuíram para chamar a atenção das imensas perdas, para além da depleção de recursos naturais, provocadas pela ausência de mar-cos regulatórios garantidos pela ação do Estado.

Há que se relevar também os ganhos epistemológicos da emergência desse verdadeiro movimento teórico que é o campo dos estudos sobre o turismo. Referimo-nos, em especial, ao que poderí-amos denominar de reforço da epistemologia do território. Durante muito tempo, especialmente no grande campo das ciências sociais, tivemos a dominância, mesmo que não explicitada, de uma apreen-são do mundo social no qual a força modeladora do território era desconsiderada. Os estudos sobre o turismo têm conseguido afi rmar a ideia de que o espaço é socialmente construído, sendo o territó-rio um suporte fundamental das relações e processos sociais. E essa é uma perspectiva que encontra ancoragem em alguns dos autores tomados como clássicos da moderna ciência social. Pensa-se, por exemplo, nas instigantes e pioneiras proposições de Georg Simmel.

Espaço de cruzamento de saberes e práticas transdisciplinares, o campo de estudos do turismo será reforçado com a publicação do presente livro. Aqui estão reunidos trabalhos que se inserem muito fortemente no que já se constitui como uma expressão da tradição da área: a refl exão alicerçada em investigações fundamentadas em-piricamente. O resultado é um mosaico dos processos de territoria-lização (e desterritorialização) impulsionados e impulsionadores do turismo, em especial no litoral do Nordeste do Brasil.

Prof. Dr. Edmilson Lopes Júnior

Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universida-de Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

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PARA ALÉM DO CONSENSO E DAS EVIDÊNCIAS: BREVE INTRODUÇÃO

Refl etir acerca da atividade turística hoje signifi ca pensá-la de maneira relacional no âmbito de suas várias interfaces: econômica, social, cultural, ambiental e política. Se as coisas são na medida em que estão, por conseguinte, não há como compreender e explicar de-terminados fenômenos de maneira fragmentada. O real é relacional e, em sua concretude, requer, ipso facto, uma forma de tratamento, embora objetiva e racional, mais sensível em suas várias conexões e singularidades históricas. É preciso, como Bourdieu1, ver as relações entre as realidades e não apenas “pensar em partes [dela] que podem, por assim dizer, ser vistas claramente”.

A tessitura do mundo atual não permite mais as fragmenta-ções cartesianas. Essas já tiveram o seu apogeu e, apesar de pontu-almente ainda abrolharem determinadas respostas, não possuem a mesma faculdade explicativa de tempos pretéritos. Presentemente as conclusões “estilhaçadas” fi cam mais para “um certo” didatismo ingênuo do que para inferências enérgicas.

Não faremos aqui uma valoração ao discurso do “complexo” bastante presente no campo científi co-fi losófi co atual. Ora, que a natureza dos fenômenos é complexa não é nenhuma novidade e, por esta razão, não há pretexto para proclamar um altar especial para

1 BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia refl exiva. In: ________. O poder simbólico. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

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teorias que assim se assumem. Empreitamos, nesta obra coletiva, uma tentativa de desobscurecer, por meio do trabalho da crítica do pensamento, alguns discursos limitados acerca da atividade turísti-ca, geralmente, oriundos de certa tradição de cunho funcionalista e/ou técnico-administrativa. Infelizmente, essas alocuções pouco frutíferas permanecem tão arraigadas em parte do debate turístico que chavões ainda hoje são anunciados como a grande novidade da academia, não sabendo esses doutrinários, pois, que não passam de ideias com pretensões ortodoxas. Não são construções, destarte, nem críticas, nem compreensivas. Não passam, de tal modo, de sim-ples esquematismos pouco úteis.

A instabilidade, dinamicidade, imprevisibilidade e incertezas do momento atual requerem novas maneiras de pensar. Na atividade turística as coisas não se processam diferentemente. As mesmas altera-ções das diversas questões sociais gerais são também experimentadas.

Nas vicissitudes do debate acadêmico acerca do turismo, ba-sicamente ligadas ao tema do desenvolvimento local, encontrar-se-ão várias temáticas de pesquisa voltadas a objetos como: turismo e geração de emprego; distribuição versus concentração de renda; impactos ambientais; participação comunitária; avaliação de polí-ticas públicas; espaço do residente e do turista; segregação socio-espacial; precarização do trabalho; processos de aculturação; espe-culação imobiliária etc. Essas temáticas conjeturam concretamente o presente momento da atividade, isto é, um breve progresso em que a mesmo vem ganhando visibilidade não apenas como cam-po instrumental-administrativo, ligado à gestão de equipamentos de alimentação, hospedagem e agenciamento, mas, principalmente, como um campo de saber que necessita de maiores investigações críticas acerca de seus supostos benefícios socioeconômicos.

O debate entre os saberes sociológico, geográfi co, antropo-lógico, da ciência econômica, da teoria política etc., fortalece as in-vestigações sobre a temática, na medida em que traz para o campo disciplinar do turismo distintas perspectivas epistemológicas. Não

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existe um olhar metodológico turístico, mas olhares sobre o turismo. No entanto, mesmo com esse avanço já sentido, muitas das análises que vêm sendo feitas sobre a atividade carecem de uma apreciação objetiva sobre sua substância empírica. Muitas apologias vêm sendo feitas. Distintas ideologias, sobretudo econômicas e políticas, são reproduzidas face ao debate sobre o turismo. É necessário quebrá-las. Tornar visível o obscurecido. Além disso, muita análise de cunho meramente descritivo tem sido veiculada. Estudos que, via de regra, carecem de consistência teórico-metodológica e que, na melhor das hipóteses, apresentam alguma discussão fundada em referenciais deslocados de sua realidade empírica. Não passam, pois, de senso comum revestido com bibliografi a. Hipoteticamente, nova repro-dução ideológica.

A ideologia, tomada na clássica abordagem marxista, na rela-ção entre as formas invertidas de consciência e a existência material dos homens, não é meramente uma relação entre o erro e a verdade. É, nas palavras de Tom Bottomore2, uma inversão que obscurece o verdadeiro sentido das coisas. Uma inversão que vai além de uma simples ilusão. Trata da “distorção do pensamento que nasce das contradições sociais e as oculta”.

Este livro é obra coletiva que, em meio a consensos e dissen-sos, reconhece a atual importância do debate em pauta e se lança no desafi o de uma nova empreitada intelectual. O conteúdo impresso nas páginas desta obra não necessariamente se une a um todo orgâ-nico. Há determinadas divergências, assim como também se verifi -cam acordos intelectuais. Cada coautor é responsável pela forma-conteúdo de sua comunicação, todavia, consentidos pela organiza-ção deste escrito coletivo. Pensamos através de uma inquietação de Anthony Giddens3 e reconhecemos que “se há uma multiplicidade

2 BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

3 GIDDENS, Anthony. O que é ciência social? In: ________. Em defesa da Sociologia. São Paulo: UNESP, 2001.

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de perspectivas teóricas, que sejam bem-vindas. Uma multiplicidade de teorias seria uma situação mais desejável do que o dogmatismo originário do predomínio de uma tradição teórica específi ca”.

A obra se dirige mais a uma vontade cognitiva de desvendar parte do “aparente”. De fazer a crítica do pensamento. De dar um passo a frente. De desobscurecer as apologias, as paixões políticas e os fortuitos discursos empresariais. Sair, em tentativa, do communis sensus; ou ainda, como diria Bourdieu, do “senso comum douto”, ou, de teorias parciais (teoria tradicional), seguindo a perspectiva crí-tica de Adorno e Horkheimer.

Esse “ir além”, este “devir metodológico”, in verbis, busca o entendimento de partes da realidade que, aos olhos de muitos, são valorativamente árduas. Apenas lembrando Max Weber4, um juízo de valor tenta esconder aqueles elementos da realidade que lhe são incômodos. Aqui não se trata de juízos de valor sobre a ativida-de turística, embora todos estejamos, naturalmente, abertos a essa possibilidade. Buscamos, assim como Weber, reconhecer que o co-nhecimento valorativo, além de ser uma cosmovisão, ainda não nos oferece um caminho metodológico consistente. Assim, buscamos imprimir, abertamente ou não, nos limites de cada capítulo deste livro, por necessidade e dever objetivo, os caminhos metodológicos de cada autor.

Passeando pelas páginas impressas neste volume o leitor en-contrará expressiva heterogeneidade que vai desde a análise da pro-dução do espaço turístico à análise da cultura apropriada como fenômeno de lazer. Deste modo, pensa-se, inicialmente, acerca da produção do espaço turístico na realidade brasileira a partir da te-oria do desenvolvimento desigual e combinado, seguido por outro capítulo enfocando a análise das condições e relações de trabalho no turismo potiguar sob a mesma perspectiva teórica. Em seguida,

4 WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento na ciência social e na ciência política. In: ________. Metodologia das ciências sociais. Parte 1. 4. ed. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001.

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refl ete-se sobre a interiorização da atividade e seus efeitos em mu-nicípios litorâneos, tendo como destaque, o destino Aquiraz-Ceará. Prosseguindo, analisa-se o Plano Nacional de Turismo (2007/2010) objetivando pensar suas limitações e desafi os na atual conjuntura de nossa realidade nacional. Pensa-se também, no texto ulterior, acerca da construção da imagem turística do estado do Ceará, a partir de um imaginário turístico socioambiental que explora a ideia de mito-paraíso e esconde, em consequência, o “outro lado do espelho”, ou seja, o conjunto de problemas concretos existentes. Avançando, faz-se uma análise institucional da estruturação de um destino já consolida-do (Fortaleza/CE), a partir da Teoria da Ação e Institucionalização. Em seguida, um novo texto analisa, a partir da análise comparativa de dois municípios turísticos potiguares (Natal e Tibau do Sul), até que ponto as condições competitivas dessas duas cidades correspondem “aos fatores determinantes globais que caracterizam um desempenho competitivo superior e sustentável para destinos turísticos atuais e de futuro”. O capítulo posterior enfatiza o papel do residente diante do processo de urbanização turística em Natal, a partir dos conceitos de inserção passiva e ativa. O texto subsequente avalia a política de de-senvolvimento do turismo em Icapuí-CE (1995-2000), abordando os efeitos materiais dessa com as interfaces socioambientais do período. Como não poderia faltar numa publicação multifacetada, dois artigos refl etem acerca do turismo cultural, um com ênfase mais de constru-ção teórica (a partir do conceito de eculturismo como um vetor de consolidação da educação na construção de uma cultura turística), outro com foco num caso empírico: o estado do Rio Grande do Nor-te, investigando os limites e possibilidades de uma prática tão falada e tão pouco racionalmente vivente. Por fi m, fecha-se este escrito coleti-vo com um singular capítulo problematizando um novo segmento de mercado intitulado ecogeoturismo, tanto em sua dimensão conceitual quanto em sua realidade no RN.

Escrita genericamente por sociólogos, geógrafos, turismólo-gos, fi lósofos e administradores, a obra se conduz àqueles que pos-

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suem o turismo como objeto de estudo e que desejam vê-lo com outro olhar, distante da mecânica lógica administrativa. Busca-se aqui uma visão crítica e sempre disposta a questionar as supostas “evidências dadas” do mundo turístico atual e suas várias nuanças de realidade. A obra tem limitações, mas também apresenta possi-bilidades explicativas. Citando o fi lósofo alemão Immanuel Kant5 (1724-1804), “nem neste mundo nem fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado bom sem limitação, a não ser uma só coisa: uma boa vontade”.

Assim, encerrando esta apresentação, pensamos que esta pu-blicação, se não disser coisa nova, pelo menos dirá algo com uma nova forma: sine non nova, saltem nove. Portanto, um pequeno passo já está sendo dado.

Aos leitores, mira vital deste escrito, desejamos um bom pro-veito nesta caminhada, embora aprazível, nem sempre idílica.

Jean Henrique Costa

Michele de Sousa(Organizadores)

Mossoró, 04 de setembro de 2009.

5 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Tradução Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2005.

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TURISMO, PRODUÇÃO DO ESPAÇO E DESENVOLVIMENTO DESIGUAL:

PARA PENSAR A REALIDADE BRASILEIRA

Rita de Cássia Ariza da Cruz

O desenvolvimento desigual é, no mínimo, a expressão geográfi ca das contradições do capital.

(Neil Smith, 1988)6

A primeira premissa orientadora da análise empenhada neste texto é a de que o turismo, compreendido como prática social e, so-bretudo, como atividade econômica é um vetor produtor de espaço.

Outra premissa orientadora desta análise é a de que a abor-dagem geográfi ca do turismo não pode furtar-se a considerar o mo-vimento da totalidade-mundo como contexto geral no interior do qual se desenrolam essa e todas as outras atividades humanas.

É nesse sentido que recorremos ao conceito de “desenvolvi-mento desigual”, originalmente proposto por León Trotsky (desen-volvimento desigual e combinado), no início do século XX, e discuti-do por diversos autores ao longo do século passado.

A partir da ideia de desenvolvimento desigual, empenhamos uma análise crítica da realidade brasileira no que diz respeito à sua

6 SMITH, Neil. Desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.

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relação com o desenvolvimento da atividade turística e seu lugar no processo social e histórico de produção do espaço, primeiramente pensando na escala nacional e, em seguida, recorrendo a casos espe-cífi cos em escala local.

Desenvolvimento desigual

Para Michael Löwy (2001), uma das mais importantes con-tribuições da teoria do desenvolvimento desigual e combinado de Trosty reside no fato de esta representar uma tentativa signifi cativa de “romper com o evolucionismo, a ideologia do progresso linear e o euro-centrismo”. Ainda segundo Löwy (2001), essa teoria é uma tentativa de dar conta da lógica das contradições econômicas e so-ciais dos países do capitalismo periférico ou daqueles dominados pelo imperialismo, compreendido este como uma fase da história marcada pela formação de “impérios”, fundados na propriedade econômica monopolista e na realização de investimentos espacial-mente disseminados.

A análise de Trotsky recai sobre a Rússia do início do século XX e o reconhecimento de diferenças espaciais internas nesse país, iluminadas por uma refl exão acerca de sua inserção no mundo capi-talista, conduzem o autor a refl etir sobre uma forma de desenvolvi-mento que se dá de forma desigual e contraditória:

Sobre o imenso espaço da Rússia [...] encontram--se to-dos os estágios da civilização: desde a selvageria primitiva das fl orestas setentrionais onde se alimentavam de peixe cru e faziam suas preces diante de um pedaço de madeira, até as novas condições sociais da vida capitalista, onde o operário socialista se considera como participante ativo da política mundial e segue atentamente [...] os debates do Reichstag. A indústria mais concentrada da Europa sobre a base da agricultura mais primitiva. (TROTSKY, 1909 apud LÖWY, 2001).

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Tanto quanto desigual e contraditório, o desenvolvimento é compreendido por Trotsky como fruto de um movimento “combi-nado”, ou seja, que se processa de forma combinada no movimento da totalidade:

Desta lei universal da desigualdade dos ritmos decorre uma outra lei que, na falta de uma denominação mais apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento com-binado, no sentido da reaproximação de diversas etapas, da combinação de fases distintas, do amálgama de formas arcaicas com as mais modernas. (TROTSKY, 1909 apud LÖWY, 2001).

A ideia de totalidade é também fundante da teoria do desen-volvimento desigual e combinado de Trotsky posto que parte do en-tendimento do capitalismo como um modo de produção que se rea-liza em escala mundial. Na verdade, conforme aponta Smith (1988), o capitalismo representa a primeira vez na história em que um modo de produção se coloca, para o mundo, como um modo de produção hegemônico. “O capitalismo (...) preparou e, num certo sentido, realizou a universalidade e a permanência do desenvolvimento da humanidade” (TROTSKY, 1909 apud LÖWY, 2001).

A ideia de desenvolvimento desigual, por sua vez, está dire-tamente relacionada ao conceito de Divisão Territorial do Trabalho – DTT. Segundo Smith (1988), “a divisão do trabalho na sociedade é a base histórica da diferenciação espacial de níveis e condições de desenvolvimento. A divisão espacial ou territorial do trabalho não é um processo separado, mas está implícito, desde o início, no concei-to de divisão do trabalho”.

Se, por um lado, o trabalho é “dividido territorialmente”, por outro, essa divisão não se dá no sentido de produzir, exclusivamen-te, um desenvolvimento igualitário. Considerando imanências do modo de produção capitalista, como a produção social da riqueza e sua apropriação privada, é mister reconhecer que o desenvolvimento

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se dá no âmbito de um processo contraditório entre outras razões porque o capital é seletivo do ponto de vista espacial. Como assevera Chesnais (1996, p.18), “não é todo o planeta que interessa ao capi-tal, mas somente partes dele”.

Turismo e produção do espaço7

Desde que o fi lósofo francês Henri Lefèbvre cunhou, nos anos 60 do século XX, a expressão “produção do espaço”, a mesma tem sido utilizada nos mais diversos sentidos e, neste caso, a primei-ra necessidade que se nos coloca é defi nir o que entendemos por ela.

Ao se debruçar sobre uma discussão acerca de uma das princi-pais categorias de análise da Geografi a - o espaço – e, especialmente, sobre o espaço urbano (como em “O direito à cidade”), as ideias e as obras de Lefèbvre se tornam objeto de acaloradas discussões e infl uenciam o pensamento de geógrafos espalhados pelo mundo. E como em ciências sociais não há verdades absolutas, é certo que essas discussões jamais fi ndarão.

De modo sintético e objetivo, a produção do espaço signifi ca-va para Lefèbvre a própria (re)produção da vida, ou seja, viver é, em síntese, produzir espaço.

Neil Smith vê na concepção de “produção do espaço” uma possibilidade teórica para superar o dualismo, historicamente cons-truído, entre espaço e sociedade. Conforme o autor, “não é verdade que espaço e sociedade “interagem”; é uma lógica histórica específi ca (a do acúmulo de capital) que guia a dialética histórica do espaço e da sociedade” (1988, p.122), já que “[...] duas coisas somente podem interagir ou refl etir-se mutuamente se elas forem defi nidas, em primeiro lugar, como coisas separadas” (1988, p.122-3).

Na defesa desta concepção, reverbera Smith (1988, p.123): com “a produção do espaço”, a prática humana e o espaço são integrados

7 Publicado originalmente no livro: CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Geografi as do turismo: de lugares a pseudolugares. São Paulo: Roca, 2007. Adaptado.

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no nível do próprio conceito de espaço. O espaço é, para Smith, um produto social; um espaço geográfi co que é abstraído da sociedade torna-se uma “amputação” fi losófi ca, declara o autor.

Tal afi rmativa pode ser corroborada pelo pensamento de Mil-ton Santos. Ao discutir a distinção entre espaço e paisagem, Santos lembra o projeto norte-americano, durante a Guerra Fria, de pro-duzir uma bomba de nêutrons, capaz de aniquilar toda a vida, sem, entretanto, destruir os objetos (construções). Caso os americanos tivessem levado a cabo seu projeto, afi rma Santos (1996, p. 85): [...] o que na véspera seria ainda o espaço, após a temida explosão seria apenas paisagem.

Converge, também, consequentemente, o pensamento de Milton Santos sobre a produção do espaço com o pensamento de Lefèbvre e de Smith. Conforme Santos (1994, p. 88): [...] não há produção que não seja produção do espaço, não há produção do espaço que se dê sem o trabalho. Viver, para o homem, é produzir espaço.

É a partir de tais pressupostos que Smith defi ne o que en-tende por produção do espaço e, neste caso, se aproxima muito do pensamento de Lefèbvre. Para Smith (1988, p. 132), a sociedade não mais aceita o espaço como um receptáculo, mas sim o produz; nós não vivemos, atuamos ou trabalhamos “no” espaço, mas sim produzimos o espaço, vivendo, atuando e trabalhando.

Há, todavia, uma diferença importante entre os pensa-mentos de Lefèbvre, de Smith e de Milton Santos relativamente à concepção de “produção do espaço”. Para o primeiro, apoiado na tese reproducionista originada da experiência do capitalismo pós Segunda Guerra, é a reprodução das relações de produção o fi o condutor do processo em tela; para o segundo, a teoria repro-ducionista pura, defendida por Lefébvre, teria sido superada por acontecimentos históricos dos anos 80, em que, novamente, ques-tões tradicionais de trabalho e da produção demonstram que con-fl itos sociais característicos da sociedade de classes capitalista não foram superados (Smith, 1988). A obra de Milton Santos deixa

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clara, também, que suas análises são fundadas na produção e não na reprodução.

Embora tais diferenças se apresentem como clara divergência teórica entre os autores, é preciso lembrar que não há reprodução que não seja, também, produção. Não é por acaso, portanto, que é o próprio Lefèbvre quem cunha a expressão “produção do espaço”.

Um ponto comum entre os três autores citados é o enten-dimento de que a produção do espaço é, antes de tudo, um pro-cesso social e, consequentemente, histórico. Todavia, adverte Smith (1988, p.120): [...] por mais social que ele possa ser, o espaço geográfi co é manifestadamente físico; é o espaço físico das cidades, dos campos, das estradas, dos furacões e das fábricas.

O reconhecimento dessa natureza do espaço, ao mesmo tem-po concreta e abstrata, está na base da defi nição miltoniana de espa-ço: “O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 1996, p. 51).

É Milton Santos quem propõe, por sua vez, o conceito de “for-mação socioespacial” (em 1977) como conceito-chave na busca pelo entendimento do mundo. Cabe dizer aqui, então, que não há confl ito entre esse e o conceito de “produção do espaço”, cunhado por Le-fèbvre. Uma formação socioespacial é fruto de um processo social e histórico de produção do espaço. Também não há divergência entre a conceituação de espaço de Milton Santos e a de Smith, não ao menos no que se refere à sua historicidade, a seu conteúdo social e à sua con-cretude. Quando Santos fala em formação socioespacial, refere-se à es-cala das nações, embora não discuta à sua aplicação a outras possíveis escalas de análise. O conceito de produção do espaço não diz respeito, a priori, a uma escala específi ca de análise, mas a obra Lefebvriana que dá forte ênfase aos espaços urbanos e, por consequência, às escalas local e metropolitana. Sobre formação socioespacial, coloca Santos:

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Fora dos lugares, produtos, inovações, populações, di-nheiro, por mais concretos que pareçam são abstrações. A defi nição conjunta e individual de cada qual depende de uma dada localização. Por isso a formação socioespacial e não o modo de produção constitui o instrumento ade-quado para entender a história e o presente de um país. Cada atividade é uma manifestação do fenômeno social total. E o seu efetivo valor somente é dado pelo lugar em que se manifesta, juntamente com outras atividades. (SANTOS, 1996, p. 107).

Outra postura metodológica de Milton Santos, fundamental a esta análise, diz respeito ao conceito de Divisão Territorial do Tra-balho (DTT). Por diversas vezes, ao longo de sua vasta obra, o autor chama a atenção para a necessidade de se recorrer ao conceito de DTT para se compreender a organização espacial do mundo ou as diferentes formações socioespaciais. Não há produção do espaço que se possa compreender apartada de um entendimento de que o mun-do é regido por uma Divisão Internacional do Trabalho (DIT) e essa divisão internacional não é apenas uma divisão social do trabalho, mas também e, fundamentalmente, uma divisão territorial do tra-balho. A divisão internacional do trabalho é processo cujo resultado é a divisão territorial do trabalho, afi rma Santos (1996, p.106).

Estado e Mercado ainda são atores hegemônicos da produção do espaço. Embora ao longo da história do modo de produção ca-pitalista mudanças profundas tenham ocorrido nos papéis desempe-nhados por um e por outro, ambos continuam sendo ordenadores daquele processo.

Para Milton Santos (1994, p.101)8, Estado e Mercado for-mam um par dialético, mas isto não elimina o fato de que o Estado exerça o seu auxílio ao Mercado. Neste caso, o autor chama a atenção

8 O conceito de Estado remete, também, a uma observação sobre níveis de governo, como nos chama a atenção Milton Santos. No caso brasileiro, o Estado se faz representar em três níveis: o federal, o estadual e o municipal.

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para a subserviência cada vez maior do Estado aos interesses (muitas vezes mesquinhos e imediatistas) do Mercado.

Subserviente ou não ao Mercado, o Estado tem uma inques-tionável hegemonia na produção do espaço, dado seu papel de ente regulador das relações sociais e provedor de infraestruturas. Todo o conjunto de normas que emana do Estado regula tanto a vida pública quanto a vida privada. Não se pode, portanto, confundir “enxugamento da máquina estatal” com diminuição do Estado.

Por fi m, cabe ainda nesta discussão uma referência às escalas geográfi cas de análise. Há situações concretas nas escalas local e re-gional, em que agentes de mercado tomam para si a hegemonia do processo de produção do espaço no sentido de assegurar a consecu-ção de seus interesses. Não são incomuns os casos de empresas que abrem vias de circulação e implementam todo tipo de infraestrutura necessária à realização de seus negócios, não raras vezes, inclusive, subvertendo normas.

Daí a necessidade de se “dar nome aos bois”, ou seja, o Mer-cado não é um amálgama de empresas hegemônicas a render todo o tempo e em todos os lugares, o Estado. O Mercado é formado de sujeitos, ou melhor, de agentes. A forma como uma pequena indús-tria, voltada para um mercado consumidor regional, participa da produção do espaço é diferente, por exemplo, daquela de indústrias multinacionais, muito mais exigentes com relação à disponibilidade de infraestruturas e à efi ciência e rapidez dos fl uxos.

Por outro lado, a hegemonia de um e de outro não anula as possibilidades de contra-movimentos. A sociedade civil organi-zada, seja na forma de associações, de Organizações Não-Gover-namentais ou outras, pode “tomar para si as rédeas do processo”, como demonstram experiências nas escalas local e regional. A au-sência ou inefi ciência do Estado e a voracidade conquistadora de agentes de mercado obrigam sociedades a reagirem na luta cotidia-na pela sobrevivência.

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Esse é o pano de fundo sobre o qual se desenrola o turismo, sendo não mais que uma pequena parte de um imenso jogo de rela-ções. Se a produção do espaço é um processo complexo e confl ituo-so, entender a participação do turismo no mesmo requer o desven-damento de sua natureza, de sua complexidade e de seus confl itos. É o mundo que explica o turismo e não o contrário.

Há que se considerar, também, que a maior parte do turismo feito no mundo se dá em espaços previamente ocupados, ou seja, em lugares em que populações historicamente se estabeleceram e nos quais vivem. Apreender o papel do turismo na produção do espaço é tarefa, portanto, metodologicamente bastante complexa. O turismo é uma prática social e uma atividade econômica que, no mais das vezes, se impõe aos lugares, mas ela não se dá sobre uma tabula rasa, sobre espaços vazios e sem donos.

Portanto, não são apenas Estado, Mercado e turistas que produzem os espaços relativos aos fazeres turísticos, mas também as sociedades que vivem nesses lugares, parte delas transformada, por força de novas contingências, em empreendedores turísticos ou, mesmo em muitos casos, atuando como contrarracionalidades às determinações hegemônicas. A produção do espaço envolve seu uso e apropriação e, neste caso, o confl ito termina por ser imanen-te ao processo.

Na busca, assim, por caminhos metodológicos que nos con-duzam a análises teoricamente fundamentadas acerca das possíveis relações entre turismo e espaço, entendemos ser a “produção do espaço” um conceito revelador porque diz respeito a um processo revelador. Não há produção do espaço que:

• não remeta a uma divisão territorial do trabalho;• não requeira uma análise sobre sujeitos sociais envolvidos; • não diga respeito a ambas as dimensões do espaço geográ-

fi co, ou seja, à suas dimensões material e imaterial; • não seja social e histórica.

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Desenvolvimento local, expressão do desenvolvimento desigual

O conceito de desenvolvimento está, certamente, entre os mais imprecisos do vocabulário comum e acadêmico-científi co.

Equivalido a crescimento, crescimento econômico, progres-so, o conceito de desenvolvimento tem transitado entre leituras mais e menos economicistas ganhando novas adjetivações (tais como “sustentável” e “local”), motivadas pelo nascimento de no-vos paradigmas.

Segundo Oliveira (2002), debates acerca da ideia de desen-volvimento econômico acirraram-se no pós Segunda Guerra, mo-mento em que é criada a Organização das Nações Unidas (1945) que defi ne, por exemplo, a década de 1960 como “Primeira Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento”. Nesse momento, a ONU entende desenvolvimento como um processo de crescimento econômico das nações.

É a partir do fi nal da década de 1940 que economistas estru-turalistas começam a encarar o desenvolvimento como algo distin-to do crescimento (Oliveira, 2002), ou seja, o crescimento passa a ser compreendido como uma mudança quantitativa em uma dada estrutura enquanto desenvolvimento seria uma transformação qua-litativa de uma estrutura econômica e social (SCATOLIN, 1989 apud OLIVEIRA, 2002).

O crescimento econômico tem sido considerado por muitos um pressuposto indispensável para o desenvolvimento, já que a po-pulação mundial cresce e, consequentemente, as demandas por bens materiais e imateriais. Conforme Oliveira (2002):

[...] O desenvolvimento deve ser encarado como um pro-cesso complexo de mudanças e transformações de ordem econômica, política e, principalmente, humana e social. De-senvolvimento nada mais é que o crescimento [...] transfor-mado para satisfazer as mais diversifi cadas necessidades do ser humano, tais como: saúde, educação, habitação,

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transporte, alimentação, lazer, entre outras. (OLIVEIRA, 2002, p. 40).

O questionamento do paradigma crescimento econômico = desenvolvimento leva ao nascimento do conceito de desenvolvimen-to sustentável, propalado pelo Relatório Brundtand (1987). Esse re-latório, motivado por uma discussão, em escala mundial, sobre os limites do crescimento econômico no que diz respeito ao uso dos recursos naturais, propõe uma mudança de paradigma que, em cer-to sentido, aproxima-se da abordagem estruturalista nascida ainda na década de 1940.

O desenvolvimento sustentável circunscreve o crescimento eco-nômico ao desenvolvimento humano e social, colocando, ainda, em completa evidência, a necessidade de equilíbrio ambiental.

O reconhecimento, pelas sociedades, dos efeitos perversos do crescimento econômico e do desenvolvimento econômico, que des-consideram os desdobramentos indesejados desse processo sobre a vida no planeta, fez do conceito de desenvolvimento sustentável um paradigma a partir do fi nal do século XX, período em que se con-solida o processo de globalização. Sobre a globalização e seus efeitos perversos, coloca Santos:

De fato, para a grande maior parte da humanidade a glo-balização está se impondo como uma fábrica de perversida-des. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam e velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informa-ção. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os cinismos, a corrupção. (SANTOS, 2000, p. 20-1).

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O quadro social descrito por Milton Santos coloca em xeque ideias utópicas sobre uma possível escala global do desenvolvimen-to sustentável. É, possivelmente, também por esta razão, que ganha corpo, ainda no fi nal do século XX, a ideia de desenvolvimento local.

O conceito de desenvolvimento local parece ser um herdei-ro direto do conceito de desenvolvimento sustentável e, embora os mesmos não sejam sinônimos, a literatura que consagra ambos aponta para indiscutíveis convergências entre eles, posto que ambos têm em seu cerne o pressuposto de que o desenvolvimento tem de ser, sobretudo, humano e social.

Desenvolvimento local é, segundo Carestiato (2000) apud Mattos e Irving (2005):

Um modelo de desenvolvimento que permite a construção de poder endógeno para que uma dada comunidade possa autogerir-se, desenvolvendo seu potencial socioeconômico, preservando o seu patrimônio ambiental e superando as suas limitações na busca contínua da qualidade de vida de seus indivíduos. (CARESTIANO, 2000, p. 27).

A ideia de poder endógeno relaciona-se, diretamente, ao con-ceito de “empoderamento”, derivado do inglês “empowerment”, con-ceito esse que começa a ser difundido a partir dos anos 70, nos EUA, e que embora tenha íntima relação com o ambiente empresarial, é assimilado por cientistas sociais que lhe atribuem uma abordagem hu-manitária, conforme se pode auferir a partir da defi nição que segue:

O conceito de empowerment se tornou nos últimos tem-pos uma das mais requisitadas “buzz words” relativamen-te à intervenção social. O número de artigos e trabalhos acadêmicos onde se lhe faz referência tem aumentado em várias publicações de âmbito internacional ligadas ao serviço social e à política social. Neste artigo defi nimos empowerment como um processo de reconhecimento, criação e utilização de recursos e de instrumentos pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmos e no

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meio envolvente, que se traduz num acréscimo de poder - psicológico, sociocultural, político e econômico - que permite a estes sujeitos aumentar a efi cácia do exercício da sua cidadania. (PINTO, Carla. In: Política Social –1998, Lisboa: ISCSP, 1998, p. 247-264)9.

A partir das conceituações ora explicitadas, conclui-se que desenvolvimento local não envolve, necessariamente, crescimento econômico, mas sim o alcance de melhores condições de vida pelos meios disponíveis em uma dada comunidade ou sociedade vivendo em um dado lugar. Nesse sentido, o desenvolvimento local é um processo socializante, no qual as comunidades envolvidas são prota-gonistas de seu tempo e de seu espaço e não sujeitos hegemonizados. Trata-se de uma expressão espacial, em verdade, do desenvolvimen-to desigual.

O turismo como instrumento do desenvolvimento local

Como disse Alain Lipietz (O capital e seu espaço, 1988), “não há regiões pobres, mas regiões de pobres”, fazendo uma clara alusão à distribuição espacial da pobreza cujo completo entendimento so-mente pode ser pautado por uma análise profunda sobre seu contrá-rio, ou seja, sobre a distribuição espacial da riqueza, sobre a Divisão Territorial do Trabalho, sobre os princípios daquilo que Trostky cha-mara de “desenvolvimento desigual e combinado”.

A pobreza tem, em essência, uma causa estrutural e como fenômeno social não pode ser alijada de contextos históricos e es-paciais. A pobreza na Região Semiárida do Nordeste brasileiro, por exemplo, não é fruto das condições naturais da região, embora não se possa negar que tais condições agravam os efeitos da pobreza bem como constituem, ao mesmo tempo, difi culdades conjuntu-rais à sua superação.

9 Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/textos/empowerment.htm>.

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No caso brasileiro, embora o país tenha, reconhecidamente, manchas de riqueza e de prosperidade econômica e social, a pobreza está em todos os rincões da nação, suscitando o reconhecimento de que a pobreza não é endêmica e que sua compreensão passa, neces-sariamente, pelo entendimento de dinâmicas sociais edifi cadas ao longo do tempo e no espaço.

Turismo e desenvolvimento na escala das nações

Com todas as ressalvas metodológicas que possam ser feitas, a comparação entre Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi-mento (PNUD), um indicador de qualidade de vida, e ranking do turismo internacional que é produzido pela Organização Mundial do Turismo - OMT, relativo à recepção de fl uxos internacionais de turistas, nos permite construir algumas refl exões que, ao fi m e ao cabo, iluminam o conceito de desenvolvimento local.

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Quadro 1 – Vinte países maiores receptoresde turistas em 200410 X IDH, 2007/200811

PAÍS IDH (posição no mundo)1. França 10º2. Espanha 13º3. Estados Unidos 12º4. China 81º5. Itália 20º6. Reino Unido 16º7. México 52º8. Turquia 84º9. Alemanha 22º10. Federação Russa 67º11. Áustria 15º12. Canadá 4º13. Malásia 63º14. Ucrânia 76º15. Polônia 37º16. Hong Kong, China 21º17. Grécia 24º18. Hungria 36º19. Tailândia 78º20. Portugal 29º

Uma das ressalvas metodológicas a se fazer diz respeito ao fato de que a Organização Mundial do Turismo reconhece que a maior parte do fl uxo de turistas do mundo é “doméstica”, ou seja, diz respeito a fl uxos intranacionais. Todavia, é sabido que o turismo internacional tem importante impacto sobre as economias nacionais ao promover, por exemplo, a entrada de divisas nesses países. Além disso, o ranking da OMT, utilizado no quadro acima, diz respeito ao número de turistas e não à receita gerada por essa atividade.

10 Conforme a Organização Mundial do Turismo - OMT.11 Conforme o Programa das Nações para o Desenvolvimento – PNUD. Disponível

em: <http://hdr.undp.org/en/statistics>.

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Outra ressalva importante diz respeito ao fato de que ambos os dados (ranking da OMT e IDH) referem-se a um momento da história dessas nações, não havendo qualquer possibilidade de se au-ferir, pelos mesmos, os processos subjacentes.

Diante do exposto, há que se reconhecer que somente uma análise aprofundada sobre cada caso poderia revelar o real impacto do turismo sobre o IDH de cada nação considerada. Ainda assim, insistimos nessa comparação porque entendemos que a mesma é indicativa de processos importantes em curso. Abaixo, listamos al-gumas dessas refl exões.

a. O México, sétimo colocado no ranking da OMT (2004) tinha, naquele ano, o 52º IDH do mundo;

b. Apesar de ser a 8ª nação que mais recebe turistas no pla-neta, a Turquia tem o 84º IDH;

c. A Tailândia, colocada entre os vinte destinos mais visita-dos do mundo, tinha, em 2004, o 78º IDH do planeta.

O Brasil, não listado no Quadro 1, ocupa o 29º lugar no ranking da OMT, mas tem melhor IDH que a China.

A principal hipótese que levantamos a partir desse confronto é a de que, se de um lado o desenvolvimento econômico, o social e humano parecem ser importantes fatores propulsores do turismo internacional (pela geração de fl uxos emissivos) de uma nação, do outro a recíproca não é, necessariamente, verdadeira. De fato, esses desenvolvimentos são frutos de um complexo feixe de fatores históricos, econômicos, sociais e políticos, do qual o turismo é apenas uma pequena parte.

Essa hipótese nos ajuda a compreender a aceitação que tem a ideia de desenvolvimento local relacionada ao turismo, que se coloca, mesmo, como um novo paradigma também no fi nal do século XX.

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Turismo e desenvolvimento local – dois exemplos em território brasileiro

Conforme anteriormente colocado, o conceito de desenvolvi-mento local distingue-se de todas as outras abordagens sobre desen-volvimento que o antecedem porque demarca uma escala geográfi -ca, a escala local. A escala local remete a uma dada sociedade e ao território em que essa sociedade vive e com o qual tem uma relação mais próxima.

O processo de globalização, todavia, impacta as relações hie-rárquicas entre as diferentes escalas geográfi cas, rompendo com pa-drões históricos constituídos. A fl uidez das ações hegemônicas e sua capacidade cada vez maior de penetrar os mais recônditos rincões do planeta impõem desafi os a todo e qualquer projeto de desen-volvimento local, associado ou não à atividade do turismo, ou seja, em tempos de mundialização dos mercados, desenvolvimento local soa contraditório. Neste caso, cabe dizer que entendemos que o desenvolvimento local resulta da hegemonia de lógicas horizontais (endógenas) que se contrapõem a lógicas verticais (exógenas), embo-ra submetido, naturalmente, às contradições do modo de produção capitalista no seio do qual se desenrola.

Dadas as difi culdades em se superar as contradições as quais fi zemos alusão no parágrafo anterior (produção social da riqueza e sua apropriação privada; produção social do espaço e sua apropria-ção também privada, por exemplo), experiências reconhecidamente bem sucedidas de desenvolvimento do turismo com base local, em território brasileiro, têm se restringido a experiências do chamado “turismo comunitário”, compreendido este como uma forma de tu-rismo em que comunidades locais assumem o comando do desen-volvimento do turismo em seus territórios. Esse é o caso, por exem-plo, de Silves no Amazonas, e Prainha do Canto Verde no Ceará.

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A experiência de Silves, Amazonas

Silves é um município do estado do Amazonas, maior estado da Região Norte do Brasil, distando cerca de 300 km da capital do estado, Manaus. Sua sede está localizada em uma ilha fl uvial, no Rio Urubu. Com uma população de pouco mais de 8.200 pessoas, Silves tem uma área de 3.747 km2, no interior da qual se destaca a presen-ça de lagos ricos em peixes e, até poucos anos atrás, ameaçados por uma exploração descontrolada.

Considerando a importância dos lagos para a comunidade moradora de Silves, setores progressistas da Igreja Católica que atu-am no município estimularam a população local a unir-se em tor-no do interesse comum de proteger um de seus mais importantes recursos: o ecossistema lagunar e a ictio-fauna por ele abrigada. É assim que nasce, em 1993, a ASPAC (Associação de Silves para a Preservação Ambiental e Cultural).

A institucionalização dessa associação de moradores é o pre-ceito legal necessário para a solicitação de recursos junto a orga-nismos governamentais ou não-governamentais, como acontece um ano depois do surgimento da ASPAC.

Em 1994, a Associação recebe apoio fi nanceiro do governo da Áustria e da Organização Não-Governamental WWF-Brasil, o que permitiu a construção de um “hotel de selva”, na verdade a “Pousada Aldeia dos Lagos”.

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Vista Aérea da Pousada Aldeia dos LagosDisponível em: <http://www.viverde.com.br/aldeia.html>

A Pousada Aldeia dos Lagos é gerida pela comunidade local, que teve de aprender, por meio de ofi cinas de capacitação, aspectos da gestão em hotelaria.

Os recursos gerados pela Pousada – que tem 90% de seus hós-pedes estrangeiros – revertem para os associados da ASPAC, além de promover projetos de proteção de lagos do município.

A atividade do turismo é utilizada pela população de Silves como alternativa à pesca comercial e predatória. Ao ocupar o pesso-al ribeirinho em atividades diretamente relacionadas ao hotel e aos passeios oferecidos aos visitantes, o turismo gera renda para o lugar, além de possibilitar a preservação de um de seus mais importantes recursos naturais, que provê o peixe, base da alimentação dessa po-pulação. É por isso que Silves pode ser considerado um exemplo concreto de como a atividade turística pode ser um instrumento do desenvolvimento local.

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A experiência da Prainha do Canto Verde

Prainha do Canto Verde é o nome que se dá a uma comu-nidade formada por pescadores artesanais (cerca de 1100 pessoas), localizada no município de Beberibe, estado do Ceará, Região Nor-deste do Brasil.

Vista parcial da Prainha do Canto Verde, Ceará, BrasilDisponível em: <http://www.fortalnet.com.br/~fi shnet/>

Embora vivendo por gerações nessas terras, a comunidade de pescadores de Prainha do Canto Verde não dispunha de documen-tação de posse dessas terras e, por isso, começou a sofrer uma feroz pressão de agentes imobiliários, ávidos pela exploração das qualida-des ambientais e paisagísticas do lugar. Essas pressões chegaram ao extremo de ações criminosas como o incêndio provocado na casa de um pescador, enquanto toda a sua família dormia. Todos escaparam com vida.

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Esse incidente, dada a sua gravidade, reforça na comunidade local o sentimento de união em torno de uma causa comum: a pro-priedade legal do solo.

Com o apoio do Centro de Defesa e Proteção dos Direitos Humanos e da Igreja Católica, no Ceará, a comunidade da Prainha do Canto Verde enfrentou uma longa batalha judicial estendida pe-los últimos vinte anos.

De outro lado, a comunidade enfrentava difi culdades em vi-ver somente a partir da pesca artesanal. E é nesse sentido que acon-tece uma importante transformação no lugar.

Um executivo da Swissair (até 1992), de nome René Schärer, decide dedicar-se ao empreendedorismo social e, por ter conhecido a Prainha do Canto Verde e as difi culdades dessa comunidade de pescadores, envolve-se com a comunidade e decide instrumentalizá-la para o desenvolvimento de um turismo com base comunitária.

A partir do uso de técnicas de planejamento participativo, a comunidade é estimulada a pensar criticamente o uso de seu territó-rio e o desenvolvimento do turismo. Foi a comunidade que decidiu não querer um turismo massivo.

As casas dos pescadores foram adaptadas para receberem tu-ristas, sendo construídos apartamentos independentes, com banhei-ro que, embora simples, são limpos e aconchegantes. Existem hoje, em Prainha do Canto Verde, aproximadamente 40 leitos. Mais que isso, a comunidade, articulada, tem conseguido impedir a entrada de especuladores, ao construir uma espécie de “pacto social”, pelo qual todas as famílias se comprometem a não vender seus imóveis para sujeitos estranhos ao lugar.

A pesca continua sendo a principal atividade econômica da comunidade e o turismo uma atividade complementar. A renda ge-rada pelo turismo de base comunitária dinamiza a economia local e fortalece os laços sociais entre os membros da comunidade.

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À guisa de conclusão

Embora os exemplos utilizados neste texto digam respeito a pequenas localidades, não consideramos o desenvolvimento local algo passível de ser alcançado apenas nesses casos.

Entretanto, é preciso reconhecer que quanto mais populosa uma localidade, sobretudo quando pensamos em cidades, as com-plexas teias de relações políticas, econômicas e sociais constituem, não raras vezes, obstáculos mais difíceis de serem transpostos no sentido de socializar os efeitos desejados do turismo.

Por outro lado, se se considerar o fato de que há uma cres-cente internacionalização da atividade econômica do turismo, so-bretudo no que diz respeito à expansão mundial de redes hoteleiras e, cada vez mais, de empresas que atuam no mercado imobiliário de residências secundárias, faz-se necessário reconhecer que o desenvol-vimento local termina por ser uma forma de resistência ou mesmo uma contra-racionalidade à racionalidade hegemônica do capital.

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MATTOS, Flávia Ferreira; IRVING, Marta de Azevedo. Nos rumos do eco-turismo e da inclusão social. O caso da Resex Marinha do Delta do Parnaíba (MA/PI). Caderno Virtual de Turismo, dez/2005. Disponível em: <http://www.ivt-rj.net/sapis/anais2005/eixo5/mattos.htm>. Acesso em: 10 out. 2008.

OLIVEIRA, Gilson Batista de. Uma discussão sobre o conceito de desenvolvi-mento. Revista FAE, Curitiba, v. 5, no 2, p. 41-48, mai./ago. 2002.

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PINTO, Carla. Empowerment: uma prática de serviço social. In Política So-cial. Lisboa: ISCSP, 1998, 247-264 p.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização, do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

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TURISMO, DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E RELAÇÕES DE TRABALHO NO LITORAL

POTIGUAR12

Jean Henrique Costa

O turismo no Estado do Rio Grande do Norte (RN) é apre-sentado constantemente pela mídia como uma fonte de “desenvolvi-mento” local, dados os investimentos auferidos e a real/potencial ge-ração de “empregos” em seus diferentes setores. As políticas públicas de turismo no RN foram e são responsáveis pela captação de inves-timentos privados e sua consequente geração de postos de trabalho.

Em meados dos anos 90, o Governo do RN implementou o “Programa de Desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Norte” - PRODETUR/RN I, com vistas à competitividade local enquanto destino regional e nacional. O referido Programa foi res-ponsável por diversos investimentos em infraestrutura nos espaços envolvidos, muito embora de forma assimétrica. Tais investimentos contribuíram para reforçar ainda mais os discursos positivos sobre o binômio “turismo e emprego”.

12 O presente artigo foi resultado da dissertação de mestrado do autor, aprovada pelo Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografi a da Universidade Federal do Rio Grande do Norte no ano de 2007. Uma versão parcial e reduzida do texto se encontra publicada como: Políticas públicas, turismo e emprego no litoral potiguar. In: Caderno Virtual de Turismo, COPPE/UFRJ, Vol. 8, n. 2, p. 115-129, 2008.

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Em decorrência desses discursos acríticos acerca do turismo enquanto gerador de empregos e desenvolvimento local é que se justifi cou esta pesquisa, já que não se questiona a qualidade dos em-pregos gerados pela atividade turística; e, de maneira análoga, não se questionam os custos sociais desta política pública, isto é, a perti-nência de seu modelo de “desenvolvimento”.

A partir da problemática delineada acima, as questões que nortearam este trabalho foram: em que medida a política pública de turismo denominada de PRODETUR/RN I foi efi caz para a ge-ração de empregos nos municípios contemplados? Quais as carac-terísticas desses empregos? E como esses empregos se distribuem e repercutem espacialmente nos municípios integrantes?

Dessa forma, a área delimitada para o estudo abrangeu os seis municípios englobados por esse programa: Natal, Parnamirim, Ceará-Mirim, Nísia Floresta, Extremoz e Tibau do Sul. A delimita-ção temporal compreende o início de implantação do referido pro-grama, ou seja, 1996, estendendo-se até os dias atuais. A pesquisa de campo fundamentou-se na aplicação de 18613 questionários com

13 O número de 186 trabalhadores pesquisados não é sufi ciente para uma inferência probabilística com margem de erro segura. Conclui-se, por conseguinte, que todas as conclusões do estudo se referem apenas ao caso em questão. Foram aplicados 104 questionários com trabalhadores in loco nos equipamentos de hospedagem destes municípios. Outros 50 foram aplicados, de forma autoinstruída, com trabalhadores transeuntes pelo sindicato da categoria (Sindicato dos Empregados no Comércio Hoteleiro e Similares do RN – SECHS). E por fi m, outros 32 foram coletados com estudantes de dois cursos superiores em turismo que ora estavam ingressos no mercado de trabalho (turístico), também autoinstruídos. A pesquisa de campo direta foi realizada nos meses de março e abril do ano de 2006.

A efi cácia quanto a geração de empregos pelo PRODETUR/RN I mensurou-se através de dados secundários sobre os empregos turísticos formais existentes no RN, numa evolução temporal do ano de 1994 a 2003, período de vigência do Programa. Esses dados apoiaram-se nos estudos de Pedrosa e Freire (2005), IPEA (2006) e IBGE/CEMPRE (2004).

As características dos empregos foram levantadas a partir da análise de blocos temáticos e suas respectivas variáveis componentes, ou seja, genericamente: histórico do trabalhador na atividade turística; remuneração; jornada de trabalho; benefícios; saúde ocupacional/segurança no trabalho; e relação sindical. Tais variáveis foram obtidas em campo (trabalhadores captados diretamente nas empresas – por

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trabalhadores empregados no turismo litorâneo potiguar, além da realização (secundária) de entrevistas com atores sociais diretamente ligados ao tema. A seguir, tem-se a estruturação teórica do escrito e suas considerações empíricas.

A natureza do espaço turístico

O espaço geográfi co para a Geografi a do Capitalismo, confor-me termo trabalhado por Neil Smith (1988), signifi ca, nas palavras de Milton Santos (1999), um sistema de objetos cada vez mais ar-tifi ciais, a partir de ações igualmente artifi ciais estranhas ao lugar e seus habitantes. Assim posto, defi ne-se o mesmo como um espaço socialmente produzido, condicionado e condicionante, distante da noção de espaço receptáculo presente na geografi a tradicional. O es-paço turístico, por sua vez, assim como os demais (industrial, agrí-cola etc.), constrói-se sob essa mesma fundamentação, embora com certas singularidades.

O espaço turístico não foge desta lei capitalista inexorável e se converte em mercadoria, passando a comandar os ditames de toda a lógica de ordenamento e condução da vida de muitas cidades. No atual contexto de globalização, o espaço turístico assume uma função pro-dutiva, pelo fato de tratar-se do uso de fatores físicos e culturais que precisam de toda uma série de serviços para que sejam passíveis de serem comercializados turisticamente. Tais espaços turísticos, na medida em que materialmente se tornam mais complexos (competitividade em-presarial), criam e recriam novas formas e arranjos espaciais: redes de empresas, serviços específi cos, infraestrutura, órgãos públicos setoriais,

acessibilidade) e analisadas através de apreciação quantitativa. Por fi m, a distribuição e repercussão espacial destes empregos se referem à

abrangência desta política pública de turismo, no sentido de avaliar em que medida o PRODETUR/RN I induziu a geração de empregos nestes seis municípios contemplados e qual a repercussão espacial dos empregos nestas localidades. Este foi o interesse central da pesquisa, uma vez que avaliou a atuação do Programa no RN e a pertinência do seu modelo de desenvolvimento, observando-se os espaços que ganharam e os que perderam.

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postos de trabalho etc. Estes últimos, expressos sob a forma da catego-ria “emprego”, auferem as populações locais novas formas de inserção na vida econômica, muito embora o conteúdo e as perspectivas dessa inserção não correspondam às expectativas descritas pelas apologias da atividade turística, devido às regras do jogo estipuladas pelo novo perío-do de acumulação capitalista.

A acumulação fl exível do capital e o emprego turístico

A acumulação fl exível do capital trouxe para a reprodução da força de trabalho uma série de implicações nada idílicas. Antunes (2002) aponta os fatores que conduziram ao advento desta acumu-lação não-rígida e exemplifi ca algumas de suas características, tais como a necessidade do trabalhador ser fl exível, isto é, operar várias máquinas, rompendo a ideia do homem-máquina fordista (polivalên-cia do trabalhador); o trabalho em equipe, rompendo com o trabalho especializado e parcelar fordista; a organização do trabalho fl exível, ou seja, agilidade na adaptação do maquinário e dos instrumentos para que novos produtos sejam elaborados; Kanban, Just in Time, fl exibi-lização, terceirização, subcontratação, CCQ [círculos de controle da qualidade], Controle da Qualidade Total, eliminação de desperdício, gerência participativa, sindicalismo de empresa, entre tantos outros que se propagam profundamente (ANTUNES, 2002).

Essa fl exibilidade para Bresciani (1996) pode ser visualizada através da chamada terceirização de mão de obra, do achatamento da pirâmide hierárquica e das mudanças na organização da produção. Dessa forma, o toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os, através de horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratados, dependendo das condições de merca-do. Essa fl exibilização, de acordo com Giddens (2004), se materializa na produção fl exível, no trabalho em equipe e no trabalhador poli-valente. Como resultado global do processo, Antunes (2002) afi rma

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que houve uma desproletarização do trabalho industrial, onde parale-lamente efetivou-se uma expressiva expansão do trabalho assalariado, a partir da enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços. Concomitantemente, verifi cou-se uma signifi cativa heterogeneização do trabalho, expressa também através da crescente incorporação do contingente feminino no mundo operário. Vivencia-se também uma subproletarização intensifi cada presente na expansão do trabalho par-cial, temporário, precário, subcontratado, ‘terceirizado’, que marcam a atual sociedade no capitalismo avançado.

Na realidade brasileira, essas mudanças advieram pós década de 90. Mattoso (1999) alerta para dois pontos fundamentais que ocorreram economia brasileira, mesmo estes sendo em nível mun-dial: 1. Desemprego elevado; 2. Precarização das condições e rela-ções de trabalho. Essas duas transformações negativas não ocorre-ram somente num setor econômico, ainda que se possa sentir mais acentuado em alguns, realça o autor. Também não podem ser atri-buídos à falta de capacidade dos trabalhadores, conforme mostra a falsa ideia de “empregabilidade” difundida pelo neoliberalismo, nem exclusivamente a elementos internacionais, tecnológicos ou sa-zonais, como já se ousou alardear. Como coloca Mattoso (1999), a deterioração do mercado de trabalho brasileiro na década de 1990 foi um fenômeno de amplitude nacional, resultado do intenso pro-cesso de desestruturação do mercado de trabalho ocorrido nos anos 90, sobretudo, durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Tal período teve como ponto principal uma acentuada redução da capacidade de geração de empregos formais. Essa constatação é fundamental para o entendimento do problema em questão, já que se inicia, mais abertamente e de uma forma sem precedentes na recente história do país, a precarização das condições e relações de trabalho sob o rótulo da fl exibilização.

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Natureza e expansão do turismo potiguar

O turismo no Estado do Rio Grande do Norte inicia-se com a construção da Via Costeira14 (meados dos anos 80), resultado da política de mega-projetos para a Região Nordeste. A construção dessa Via Costeira baseia-se no que usualmente se chama de priva-tização do patrimônio público a baixo custo, fenômeno esse ligado à privatização de dilatados trechos de litoral voltados ao capital, pri-vatização signifi cativamente errática quanto ao sistema geral de pre-ços ligado à base fundiária e de caráter eminentemente excludente da população local. Francisco de Oliveira, citado por Lopes Júnior (2000), considera tal fenômeno como o desenvolvimento econô-mico via afi rmação do Estado de mal-estar social. Para Cavalcanti (1993, p. 127-128), a expansão do turismo no RN não fugiu a essa regra estrutural de desenvolvimento, “em que o Estado assumiu pa-pel decisivo possibilitando ao capital privado condições atrativas, além de fornecer a esse capital toda a infraestrutura necessária a sua instalação e expansão”. Assim como colocou Lopes Júnior (2000), Cavalcanti (1993, p. 129) também é contundente ao afi rmar que o projeto de maior impacto do Governo do Rio Grande do Norte referente ao turismo, dentro do quadro de desenvolvimento privi-legiado pelo II PND, foi o projeto Parque das Dunas/Via Costeira.

O atual quadro empírico revigorou-se ainda mais com a im-plementação do “Programa de Desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Norte”, intitulado PRODETUR/RN, em sua primeira versão, implementado “efetivamente” entre os anos de 1995 e 2002. Esse, em sua primeira versão no Rio Grande do Norte, abarcou seis municípios potiguares, no qual possibilitou uma nova, porém de-sigual, dinâmica de interação espacial (ver mapa 01). Estes, Natal, Parnamirim, Ceará-Mirim, Nísia Floresta, Extremoz e Tibau do Sul

14 Avenida litorânea construída ao longo de uma área de preservação ambiental intitulada de “Parque das Dunas”, voltada para a construção de hotéis de grande porte na orla natalense, ligando as praias do centro da cidade à praia de Ponta Negra, localizada em seu extremo sul.

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ganharam uma nova conotação no cenário turístico estadual, uma vez que a política de turismo foi responsável por investimentos em infraestrutura nesses municípios envolvidos.

CARTOGRAFIA: Josué Alencar Bezerra, 2007.Mapa 01 – Localização da área de estudo: PRODETUR/RN I - municípios e estratos.

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Primeiramente, esta política pública de turismo no RN, não apenas no discurso, mas efetivamente em suas ações, foi o agente viabilizador do turismo potiguar. Isto se deu não através da omissão do Estado, mas fundamentalmente a partir de suas ações, implemen-tando a materialidade da infraestrutura (por exemplo, a ampliação e modernização do Aeroporto Internacional Augusto Severo, reur-banização do bairro de Ponta Negra, estradas de acesso etc.); crian-do o ambiente competitivo para as empresas (incentivos indiretos diversos); e divulgando o produto turístico RN no cenário nacional e internacional. Natal, segundo documentos ofi ciais do Programa, foi o município mais tocado pelas ações do PRODETUR/RN I, abar-cando cerca de 80% dos recursos (FONSECA, 2005).

O espaço produzido por essas ações foi um espaço construído capitalisticamente com fi ns turísticos e não com fi ns sociais na pers-pectiva do residente. Isso leva a refl etir sobre o lugar do morador na nova lógica de produção e organização do espaço, com vistas ao des-manche da ideia patriótica consensual que o turismo é condição ím-par para o desenvolvimento do estado e a criação de um novo pensar, fundamentado num novo modelo de desenvolvimento econômico.

A assimetria no espaço turístico potiguar e as características do emprego na atividade

As considerações empíricas da pesquisa apontam para a exis-tência de uma assimetria no espaço turístico potiguar, onde Natal é o espaço que recebe os maiores benefícios proporcionados pela ati-vidade, enquanto os demais municípios dão sustentação à atividade turística natalense. Dessa forma, os municípios periféricos (todos, exceto Natal) englobados no PRODETUR/RN I exercem o papel de subprodutos da cidade capital, onde a precarização das relações de trabalho se acentua ainda mais nesses espaços “secundários”. A política pública ao invés de tentar equalizar os benefícios da ativida-de nos seis municípios, contribui substancialmente para reforçar o nível de centralidade de Natal.

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O PRODETUR/RN I foi capaz de gerar, indiretamente, sig-nifi cativos empregos15, muito embora a maioria desses se situe nos níveis operacionais da atividade, com as características vislumbradas pela pesquisa de campo (baixa escolaridade, ínfi mos rendimentos, informalidade, elevadas jornadas de trabalho, baixo grau de sindi-calização etc.); os empregos que são gerados se localizam expressiva-mente em Natal16; e os demais municípios servem como elementos de apoio para a capital enquanto produto central das decisões sobre o turismo no estado do RN, tendo, portanto, uma repercussão so-cioespacial restrita.

As condições e relações de trabalho que se estabelecem na ati-vidade turística seguem a tendência estrutural vigente atualmente

15 Pedrosa e Freire (2005) utilizam dados da Relação Anual de Informações Sociais - RAIS (Ministério do Trabalho e Emprego - MTE) para caracterizar a relação entre a ampliação da demanda empresarial e a paralela oferta de empregos criados. No RN, as autoras apontam uma variação de 535,12% quanto ao aumento no número de estabelecimentos turísticos e uma variação de 68,74% quanto ao crescimento de empregos na atividade turística, tomando como recorte temporal os anos entre 1994 e 2003 – período de vigência do PRODETUR/RN I. Considerando os empregos formais criados pela atividade turística no RN, no ano de 1994, havia 689 estabelecimentos operando na atividade ocupando 10.802 trabalhadores; enquanto que, no ano de 2003, houve um aumento para 4.376 estabelecimentos e 18.227 empregos criados, ilustrando as variações já descritas (muito embora esse crescimento se verifi que basicamente em Natal).

16 Tal centralidade se evidencia através dos dados contidos no Plano de Desenvolvi-mento Integrado do Turismo Sustentável do Pólo Costa das Dunas (ca. 2002), em avaliação ao PRODETUR/RN I, ao apresentar estimativas (construídas percentu-almente pelo presente autor) que mostram que 83,69% dos empregos criados se concentram em Natal, enquanto que, no período do estudo, Tibau do Sul detinha apenas 7,1%, Extremoz 4%, Parnamirim 3,53%, Nísia Floresta 1,05% e Ceará-Mirim apenas 0,58%.

Essa desproporção é também verifi cada nos dados contidos no Sebrae RN (2002), onde se observa novamente uma acentuada e previsível centralidade natalense quanto aos empregos turísticos do RN. Em Natal, vê-se uma concentração de 79,86% dos empregos totais do espaço turístico do PRODETUR/RN I; Tibau do Sul, 2º lugar nessa desproporção, inseri-se no jogo de forças com apenas 12,24%; Extremoz com 3,90%; Parnamirim com 2,04%; Nísia Floresta com 1,33%; e Ceará-Mirim, novamente último da lista, participando com apenas 0,59% dos empregos turísticos.

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no mundo do trabalho, ainda que com características singulares re-sultantes das especifi cidades do setor: sazonalidade, limitada racio-nalização do trabalho, demanda elástica, bem de consumo supérfl uo e baixa profi ssionalização da mão de obra. Dessa forma, parte da literatura estudada caracteriza as condições de trabalho em turismo como tendo as seguintes características: são as maiores taxas de rota-tividade do setor; há elevada e crescente participação de trabalhado-res autônomos e das pequenas fi rmas; vigoram mecanismos distin-tos de formação de salários – capital humano, gênero, raça, idade, sindicatos etc. (ARBACHE, 2001); verifi ca-se baixa remuneração e baixa escolaridade dos trabalhadores (FONSECA; PETIT, 2002); parte expressiva dos trabalhadores situa-se nos níveis operacionais, enquanto uma ínfi ma parcela está nos níveis de direção, inclusive gerenciamento (PAIVA, 1995); há o caráter sazonal da atividade, fraca qualifi cação, baixa produtividade, fl utuação do pessoal (tra-balho apenas como interesse transitório) e condições de trabalho penosas e pouco atrativas, devido à jornadas de trabalho altas e em horários inadequados (CUNHA, 1997).

Ocorre rotatividade de mão de obra aos objetivos das empresas; empregados em diferentes postos de funções (polifuncionalidade); es-tratégia do distanciamento que envolve o deslocamento das relações internas da política de empregos através de relações comerciais do mer-cado por meio da subcontratação e de outros procedimentos seme-lhantes; fl exibilidade de pagamento – trabalhadores essenciais e perifé-ricos; uso generalizado de empregados em turno parcial, para dar conta das fl utuações da demanda durante o dia, de empregados temporários, sazonais, que atendam o muito conhecido caráter sazonal dessa mesma demanda, e da subcontratação para certas funções; nítida divisão quan-to a fl exibilização do gênero, na forma e na amplitude dessas várias e fl exíveis práticas de trabalho (URRY, 1996). Há elevado percentual de trabalhadores atuando em tempo parcial; elevado percentual de traba-lhadores temporários; importante presença de mulheres com contratos em tempo parcial; escasso número de mulheres em cargos de maiores

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responsabilidades; importante presença de jovens, com baixa qualifi -cação, empregados no setor esporadicamente; menor remuneração do que outros setores econômicos; maior número de horas trabalhadas por semana, com horários e turnos especiais; e baixo grau de sindicali-zação (OMT, 1998).

Correlacionando os dados com desvendado bibliografi ca-mente, percebe-se uma similaridade bastante clara entre o conteúdo trabalhado pelos estudos revisados e o obtido via pesquisa de cam-po, ou seja, os dados in loco. Veem-se nos dados colhidos com os trabalhadores, de maneira geral, trabalhadores predominantemen-te jovens (68,2% possuem entre 18 e 33 anos); baixa escolarida-de média (38,4% não possuem sequer o ensino médio completo); não realização de cursos específi cos para o exercício do trabalho, principalmente nos municípios periféricos; trabalhadores oriundos de uma ampla gama de atividades desconexas ao turismo (72,1%); motivação profi ssional fortemente aliada à falta de trabalho (41,3%) e indicação de terceiros (35,6%;) rotatividade da mão de obra eleva-da nos primeiros anos de trabalho; percentual expressivo de traba-lhadores sem vínculo formal de trabalho (24%); baixo rendimento salarial (61,5% recebem até 1 salário mínimo; 31,7% recebem entre 1 e 2 salários mínimos; e somados, 93,2% recebem até 2 salários mensais); importante presença das remunerações extras como me-canismo de complementação salarial (57,7%); baixo percentual de benefícios de integração do trabalhador na empresa, basicamente restritos a alimentação na mesma (80,8%) e ajuda no transporte (53,8%); percentual signifi cativo de desconto desses mesmos bene-fícios (36,5%); acentuado regime de trabalho fl exível, ou seja, sem turno estável de trabalho (30,8%); ampliação da jornada de traba-lho (8,7% informaram trabalhar acima de 14 horas diárias, sobre-tudo na alta estação); marcante presença da hora-extra de trabalho (63,5%) e baixo percentual de remuneração dessa hora-extra sob a forma “dinheiro” (28,8%); importante percentual de trabalhadores sem folga semanal (10,6% trabalham os sete dias semanais); existên-

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cia de doenças ocupacionais, basicamente cansaço físico e mental; e baixo grau de sindicalização (41,3% não são sindicalizados).

A realidade da precariedade vigente nessas condições e rela-ções de trabalho se acentua fortemente nos municípios periféricos (Ceará-Mirim, Extremoz, Parnamirim, Nísia Floresta e, em menor escala, Tibau do Sul). No espaço natalense vigoram as condições laborais mais atrativas, sobretudo devido à complexidade do es-paço turístico vigente e as maiores possibilidades de inserção dos trabalhadores nos benefícios da atividade. Essa afi rmação ratifi ca o construído pela hipótese da pesquisa, já que a assimetria teve como agente indutor o Estado ao privilegiar Natal como espaço principal. O Estado reforça a desigualdade existente previamente.

Sintetizando o apresentado, o PRODETUR/RN I, ao re-forçar o nível de centralidade natalense frente a sua hinterlândia subsidiária, contribuiu robustamente para a não inserção dos mu-nicípios periféricos na dinâmica luminosa do turismo potiguar, restando a estes, genericamente, a condição de subprodutos do turismo natalense e a visível baixa atratividade da ocupação labo-ral turística. Não há outra nomenclatura para esta análise que não seja a precarização das condições e relações de trabalho, em maior escala, nos espaços deprimidos.

Distribuição e repercussão espacial dos empregos turísticos potiguares

a) Natal: o produto turístico central

A centralidade natalense no espaço geográfi co potiguar emer-ge, simultaneamente, à ocupação da capitania do Rio Grande, ain-da no século XVI, na medida em que o ralo povoamento inicial e as estruturas de administração deste espaço se concentravam no embrião da atual urbe, fundamentalmente em razão da localização litorânea (menores adversidades naturais, posição estratégica mili-

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tar e solo circundante de melhor produtividade). Essa centralidade, mesmo compartilhada em algum período de tempo com a produ-ção agropecuária mossoroense, historicamente se verifi ca em Natal, principalmente por abrigar o aparato político-burocrático do estado e, recentemente (três últimas décadas), suas atividades mais moder-nas, onde o turismo possibilitou ao espaço uma nova funcionalidade econômica, juntamente com diversas atividades terciárias e o setor da construção civil.

Felipe (2002, p. 233) é sucinto ao afi rmar que no Rio Grande do Norte os detentores do poder, enquanto sujeitos ativos da domina-ção, submetem-se à lógica global do capital e criam as condições para a concentração de investimentos em Natal e seu entorno. Esse autor exemplifi ca tal afi rmação com dados sobre a reforma do Aeroporto In-ternacional Augusto Severo, a urbanização do bairro de Ponta Negra, a construção do complexo viário do estádio de futebol Machadão etc., sem falar dos investimentos também direcionados à cidade em déca-das recentes (pós 1980): Via Costeira, Rota do Sol etc. Todos esses investimentos foram efetivados na capital “em prol do RN”.

Furtado (2005), em apreciação mais geral, afi rma:

O mesmo se verifi cou nas políticas de turismo, que privi-legiaram aqueles locais onde a resposta ao capital privado era mais imediata, concentrando maior infraestrutura em determinadas cidades do país com tradição na atividade e relegando a um plano secundário locais que, embora pos-suidores de potencialidades, careciam de investimentos mais pesados para responder à racional visão de lucro que os empreendedores da iniciativa privada demandavam. (FURTADO, 2005, p. 60).

O PRODETUR/RN I, enquanto política pública, não foge a regra e segue tal tendência intrínseca à natureza do Estado capitalis-ta, ou seja, parafraseando Marx: perpetuar a dominação de classes. Em outras palavras, o planejamento no modo de produção capita-lista expressa os interesses da classe hegemônica e objetiva “ocultar/

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amenizar” os confl itos sociais. Francisco de Oliveira (1981, p. 23, grifo nosso) é enfático ao dizer que “o planejamento não é encarado, portanto, apenas como uma técnica de alocação de recursos, em qualquer nível, nem como uma panaceia [remédio para todos os males]; escapa, pois, [...] a discussão muitas vezes bizantina [tola] sobre a neutralidade do planejamento e seu oposto, sobre seu cará-ter revolucionário”.

Interpretando Oliveira (1981, p. 24), ao sintetizar o plane-jamento no capitalismo como “a forma de racionalização da repro-dução ampliada do capital”, tem-se que as políticas públicas de tu-rismo não são políticas destinadas à “massa da população” e sim ao capital. Uma vez que tais ações do PRODETUR/RN focalizam genericamente suas principais estratégias em Natal (força centrípeta que busca vantagens locacionais), e que destina para os demais mu-nicípios obras de peso inferior (basicamente estradas), fi ca evidente que, ao contrário de seu discurso social e democrático17, o objetivo de tal programa foi benefi ciar o espaço turístico natalense (a elite política e o capital não estão na periferia). Esse benefi ciamento deu-se mediante a inclusão dos espaços secundários (litoral de Parnami-rim, Ceará-Mirim, Extremoz, Nísia Floresta e Tibau do Sul) como apêndices do turismo natalense, ampliando, assim, a dependência desses espaços deprimidos frente à modernidade do espaço turístico de Natal.

Essa força centrípeta que atrai investimentos para dadas loca-lidades é proporcionada pelas vantagens locacionais de cada espaço (vantagens criadas e naturais). Cabe ao Estado tentar minimizar es-sas vantagens locacionais. No entanto, o que vem se observando é

17 “O Governo do Estado se propõe a dar continuidade ao processo de desenvolvimento econômico e social de toda a região impactada pelos investimentos que provocaram o início desse processo, envolvendo-se todos os municípios benefi ciados com investimentos públicos, no sentido de proporcionar crescimento equilibrado, harmônico e sustentável” (PLANO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO DO TURISMO SUSTENTÁVEL DO PÓLO COSTA DAS DUNAS, ca. 2002, grifo nosso).

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que o Estado, contrariamente, tende a reforçar essas desigualdades, via seletividade espacial em suas ações.

Além dos efeitos diretos em Natal produzidos por essas ações turísticas, há ainda a movimentação correlata de outros setores, prin-cipalmente o da produção imobiliária. De acordo com Felipe, “essa concentração de recursos, que chega também a estrutura urbana da cidade de Natal, cria condições para dinamizar a construção civil que, nesses últimos anos, verticaliza o crescimento da cidade; assim como o comércio, que se moderniza com os centros comerciais, com os sho-ppings e as novas redes de supermercados” (FELIPE, 2002, p. 234).

Fonseca, Petit e Ferreira (2002, grifo nosso) mostram em seu estudo que os investimentos do PRODETUR-RN alocados para a ampliação e consolidação de uma rede viária nas áreas interiores (notadamente em Parnamirim, área conurbada com Natal) não se justifi cam pela ativida-de turística, inexistente na área. Para elas, essa constatação evidencia uma outra questão: Mais do que dar suporte à atividade turística, a aplicação de recursos em infraes-trutura ocorreu pela necessidade de criação de espaços qualifi cados para a expansão do parque habitacional de Natal e dos investimentos dos produtores imobiliários, destinados a uma demanda formada por segmentos de renda diferenciada [...] A proximidade com a capital, os menores preços praticados pelo mercado imobiliário, as menores restrições de uso e ocupação do solo, aliado aos investimentos ocorridos no sistema viário de Parna-mirim, explicam o incremento da produção imobiliária nesse município ao longo dos anos noventa. (FONSECA; PETIT; FERREIRA, 2002).

Diante deste quadro de seletividade espacial, isto é, segundo Corrêa (2003), do homem (Estado) decidir “sobre um determinado lugar segundo este apresente atributos julgados de interesse de acordo com os diversos projetos estabelecidos”, Natal emerge com tais predi-cados julgados como economicamente viáveis. Em contrapartida,

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a marginalização espacial é um resultado matematicamente lógico: periferizam-se aqueles espaços em que as formas-conteúdo não são passíveis, de imediato, de valorização frente ao mercado. Para Felipe:

Os lugares do Rio Grande do Norte, principalmente as cidades sertanejas, tanto no Seridó, como na região cen-tral e na região oeste do estado, têm pela frente uma luta gigantesca para se afi rmar como lugar e como morada de uma sociedade particular, pois irão se confrontar com a lógica política – que é também econômica, que concen-tra capitais via políticas e programas governamentais em Natal e na sua precoce área metropolitana [...] que exclui os lugares que não se modernizam ou que não têm uma mercadoria para ser vendida nesse mercado global. (FE-LIPE, 2002, p. 234-235).

Sendo assim, uma luta - inexistente ao olhar imediato e im-buído em ideologias do “desenvolvimento a qualquer preço” (CRUZ, 1999) - acentuadamente desigual se manifesta entre os espaços di-nâmicos (legais) e os periféricos (ilegais), numa conjuntura em que a própria reprodução da periferia é acentuadamente dependente da ação social do Estado. Este, por sua vez, abstém-se de suas funções sociais para conduzir a viabilidade de interesses de grupos que no turismo vêm auferindo riquezas, gerando, por conseguinte, novas dependências via marginalização espacial. Essas dependências se le-gitimam através desta nova racionalidade espacial, em que alguns espaços se submetem e são controlados pelos espaços hegemônicos.

Quanto à reprodução social dos trabalhadores diretamente ocupados na atividade, a mesma dicotomia centro/periferia, embora numa discrepância reduzida, vigora no quadro atual das condições e relações de trabalho do turismo norte-rio-grandense. Considera-se uma “discrepância reduzida” em razão de que Natal, por ter um es-paço materialmente racionalizado para a atividade, hipoteticamente deveria apresentar um grau de precarização das relações de trabalho signifi cativamente menor. No entanto, o que se observa nos dados

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da pesquisa é uma precariedade geral, mesmo Natal possuindo algu-mas singularidades que tornam o emprego turístico em seu espaço mais atrativo.

Racional e quantitativamente os empregos se concentram em Natal: por ser o espaço privilegiado pelo turismo no RN, contar com a melhor infraestrutura/serviços e também por ter mais am-pla oferta de mão de obra. Tal constatação é concreta e os dados colhidos e fontes secundárias, apesar de serem limitadas, oferecem contribuições à realidade da atividade. Sob o aspecto quantitativo, a distribuição espacial do emprego turístico nos municípios analisa-dos se concentra em Natal, tendo Tibau do Sul com uma parcela, em termos relativos locais, importante no nível de ocupação.

Por outro lado, referindo-se as variáveis vigentes nas condi-ções e relações de trabalho, percebe-se uma diferenciação do empre-go turístico natalense em relação aos demais municípios. O emprego turístico natalense em vigor apresenta remuneração menos abjeta; qualifi cação profi ssional mais expressiva; fi liação sindical menos des-conexa; política empresarial de benefícios mais presente; jornada de trabalho, embora ampla, menos distante da CLT etc. Todavia, e isso é o fundamental, estes ainda são bastante precários, em conformi-dade à tendência estrutural vigente no setor em nível global. Mes-mo assim, o avanço da materialidade do espaço turístico de Natal contribui para uma maior inserção e reprodução do trabalhador na atividade, embora não seja possível tornar o trabalho mais sedutor nas dimensões alardeadas.

b) Periferização dos demais municípios turísticos

A consequência mais límpida deste processo é a periferiza-ção dos municípios secundarizados pelo PRODETUR/RN I. Na medida em que a ação da política benefi cia Natal em detrimento dos demais espaços contemplados pelo Programa, atribui a estes uma menor capacidade de inserção no quadro de desenvolvimento

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turístico do Estado, gerando novas e acentuando pretéritas depen-dências. Não se pode esperar, conforme acredita o poder público, que os benefícios se estendam a periferia involuntariamente. O setor privado necessita de vantagens locacionais e estas não se dão, salvo raros casos, de forma espontânea.

No âmbito discursivo, o PRODETUR/RN ostenta constan-temente sobre a necessidade de interiorizar o turismo no estado, através de ações estruturais e de qualifi cação da mão de obra. O discurso democrático se apresenta como a “bandeira” em prol da política de turismo, fazendo lembrar a ideia de pátria expressa por Carlos Vainer (2000). Tais práticas discursivas exploram a questão da busca do “equilíbrio” entre os municípios e em suas mensagens de “bem-comum” alardeiam retóricas quase sempre consensuais en-tre a população. O mais grave disso é que tais retóricas produzidas pelas classes dirigentes são também incorporadas por muitos agen-tes da sociedade civil, dentre eles organizações não-governamentais, cursos de turismo (inclusive superiores), associações etc. O sacrifício do intelecto weberiano parece imperar naqueles que “atuam” no tu-rismo potiguar!

Pinheiro afi rma que a organização do espaço dá-se mediante a organização internacional do trabalho que gerou e continua gerando espaços diferenciados. A autora é enfática ao dizer que:

As características de dependência desses espaços determi-nam uma hierarquia espacial, que no nosso caso é verda-deiramente indesejável, pois se de um lado temos espaços que lograram vantagens locacionais ao capital e este por sua vez acumulou-se gerando dinamismo econômico e social, já de outro lado encontramos espaços periféricos dos primeiros, que nada mais são do que fornecedores de mão de obra e matérias-primas ao dinamismo econômico que fora engendrado. (PINHEIRO, [1970?], p. 53).

Posto assim, com a centralização de Natal, dada pelo logro das vantagens locacionais induzidas pelo PRODETUR/RN I, os

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espaços litorâneos de Extremoz, Ceará-Mirim, Parnamirim, Nísia Floresta e, em menor escala, Tibau do Sul (uma dessas “exceções”), passam a ser apêndices demandantes de “matérias-primas e mão de obra” para a capital do Estado, uma vez que Natal já possui es-tas vantagens locacionais e a política de turismo contribuiu para reforçá-las. Esses espaços, já deprimidos turisticamente em suas formas-conteúdo, agora são responsáveis por suprir as defi ciências do espaço turístico natalense, efetivamente através do movimento oscilante e efêmero do turista de Natal para a área de “integração” do PRODETUR/RN I. Em termos concretos, o turista, em mui-tos casos, geralmente movimenta a economia natalense (hotelaria, agência de receptivo, bares, restaurantes, guias, transportes etc.) e, quando ocioso ou curioso, visita os atrativos dos espaços periféricos circundantes. A economia dos serviços de passeio de buggy-turismo muito bem exemplifi ca esta realidade, resultado do deslocamento de turistas dos hotéis de Ponta Negra/Via Costeira para as dunas de Genipabu, Pitangui e adjacências.

Desta forma, quais os benefícios advindos do turismo poti-guar para a periferia? Gastos ínfi mos na limitada cadeia de serviços destes espaços marginais!? A coordenadora técnica da SETUR/RN (informação verbal)18 afi rma que se não fossem os investimentos do PRODETUR/RN I, haveria muito menos empregos caso as obras estruturais não tivessem ocorrido. Ora, concordamos que estes pou-cos e precários empregos melhoram pontualmente a vida de x ou y. No entanto, o custo social desta política pública é altíssimo, tendo em vista o montante de recursos alocados para a requalifi cação (desi-gual) desses espaços. Quanto a isso concordamos com um dos entre-vistados, quando afi rma (informação verbal)19 que “há uma inserção dessa população [local] nesses equipamentos [turísticos], mas [que] não é aquela que a gente estuda nos livros”.

Concernente às condições e relações de trabalho, há uma acentuação na precariedade dos empregos vigentes no setor, sobre-

18 Informação fornecida pela coordenadora técnica da SETUR/RN – 2006.19 Informação fornecida por docente de Curso Superior em Turismo.

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tudo nestes espaços onde o grau de dinamicidade da atividade é menor, em especial, o litoral de Ceará-Mirim, Extremoz, Parnami-rim e Nísia Floresta. Nestes, há uma menor oferta de “emprego” e as variáveis aqui analisadas não revelam um quadro otimista para as populações locais.

A pertinência do modelo de desenvolvimento turístico adotado pelo poder público potiguar: um breve desfecho

Diante das considerações expostas, uma inquietante questão emerge como sequela da aludida política pública de turismo, ou seja: qual foi a pertinência social do PRODETUR/RN I para os espaços secundarizados pelas ações do programa e em que medida o mesmo contribuiu para a redução das desigualdades entre os espaços?

Concordamos com a afi rmação de Pinheiro ([1970?], p. 66) quando é dito que “caso trouxéssemos um histórico sobre a atuação do Estado concernente ao planejamento [...] verifi caríamos que em todas as oportunidades a acumulação do capital foi privilegiada. Portanto, o que interessa é reiterar sempre que possível o caráter antissocial do planejamento na vigência do sistema econômico em que vivemos”.

Por um lado, então, historicamente, vale lembrar a contundente teoria do desenvolvimento desigual, ampliada20 pela noção de desigual e combinada por Leon Trotski (BOTTOMORE, 2001). Para Bottomo-re, a lei do desenvolvimento desigual signifi ca que países, sociedades, nações, (espaços, dizemos) etc., desenvolvem-se segundo ritmos dife-rentes, “de tal modo que, em certos casos, os que começam com uma

20 “Embora países relativamente atrasados, sob a forma de capitalismo do laissez-faire, tenham atravessado, em linhas gerais, fases de desenvolvimento semelhantes às atravessadas pelos países adiantados algumas décadas antes, isso já não pode ocorrer sob o imperialismo. Em lugar do crescimento orgânico, a maior parte dos países menos desenvolvidos passou por um processo de combinação de desenvolvimento e subdesenvolvimento. As economias desses países aparecem como uma combinação de um setor moderno e [...] um setor tradicional”. (BOTTOMORE, 2001, p. 99, grifos do autor).

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vantagem sobre os outros podem aumentar essa vantagem, ao passo que, em outros casos, por força dessas mesmas diferenças de ritmo de desenvolvimento, os que haviam fi cado para trás podem alcançar e ul-trapassar os que dispunham de vantagem inicial” (2001, p. 98).

Sendo assim, de acordo com o próprio Trotski, “a desigualdade do desenvolvimento histórico é [...] desigual para os diversos estados e continentes”, onde as condições geográfi cas e históricas são determi-nantes, havendo, portanto, uma medida de desigualdade para cada espaço (TROTSKI, 1981, p. 191). Assim se manifesta o autor dian-te da teoria:

Antes de tudo, seria certo dizer que toda a história da hu-manidade se desenvolve sob o signo do desenvolvimento desigual. O capitalismo já encontra os diversos setores da humanidade em graus diversos de evolução, cada um com suas próprias contradições internas profundas [...] É ape-nas gradualmente que [o capitalismo] consegue dominar a desigualdade que herdou, para rompê-la e modifi cá-la com seus métodos e com seus sistemas [...] Mas apro-ximando os vários países e equiparando os níveis de seu desenvolvimento, o capitalismo opera com seus métodos, isto é, com métodos anárquicos, que minam continua-mente o seu próprio trabalho, opondo um país a outro e um setor da indústria a outro, favorecendo o desenvol-vimento de certas partes da economia mundial, freando e fazendo regredir outras. Só a combinação destas duas tendências fundamentais, centrípeta e centrífuga, ambas consequências da própria natureza do capitalismo, explica a conexão viva do processo histórico. (TROTSKI, 1981, p. 194-195, grifo do autor).

Para Michael Löwi (1995, p. 73), a “teoria do desenvolvi-mento desigual e combinado é interessante não apenas por sua con-tribuição à refl exão sobre o imperialismo, mas também como uma das tentativas mais signifi cativas de romper com o evolucionismo, a ideologia do progresso linear e o euro-centrismo [...] Trata-se pro-

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vavelmente da maior contribuição21 de Trotsky à teoria marxista”. Problematizando sobre Trotski, Löwi (1995) cita que os diferentes estágios de desenvolvimento não estão simplesmente um ao lado do outro, numa espécie de coexistência congelada, mas se articulam; combinam-se num processo de desenvolvimento capitalista criado pela união das condições locais (atrasadas) com as condições gerais (avançadas), formando uma amálgama social cuja natureza não pode ser defi nida pela busca de lugares comuns históricos, mas somente por meio de uma análise com base materialista.

Outro interessado pelo tema do desenvolvimento desigual é Neil Smith (1988), ao estabelecer as bases gerais para a diferenciação espacial no capitalismo e, especifi camente, a partir de sua base econô-mica, já que para ele “quaisquer que sejam as razões para a desigual-dade pré-capitalista, elas são bastante diferentes daquelas pertinentes ao capitalismo”. Smith menciona que a divisão do trabalho na socie-dade é a base histórica da diferenciação espacial de níveis e condições de desenvolvimento (1988, p. 152). Afi rma ainda que na maior parte da História humana, a divisão do trabalho esteve baseada na diferenciação das condições naturais, mas que com o desenvolvimento das forças pro-dutivas sob o capitalismo, a lógica que preside a localização geográfi ca afasta-se cada vez mais de tais condições naturais (1988, p. 157).

Avançando na discussão, Smith argumenta que a diferenciação do espaço geográfi co, chamada por ele de divisão territorial do traba-lho, deriva da divisão social do trabalho mais geral (1988, p. 159). Desta forma, a diferenciação geográfi ca do mundo capitalista ocorre em duas instâncias:

Na escala dos capitais individuais, o processo de diferen-ciação é bastante direto; o capital é concentrado e cen-

21 Citando Ernest Mandel, Löwi (1995, p. 79) menciona que “a ideia do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo mundial é — com a exceção da concepção de Marx sobre a determinação econômica da luta de classes — a tese marxista mais amplamente assimilada desde há meio século, mesmo que raramente seja feita referência ao seu autor. Esta infl uência — direta ou difusa — exerceu-se particularmente no domínio da economia política, mas também, de forma mais limitada, em outras ciências sociais, como a história, a sociologia ou a antropologia”.

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tralizado em alguns lugares em detrimento de outros. Na escala da divisão particular do trabalho – a divisão da economia em setores específi cos – a diferenciação do espaço geográfi co é menos direta. Ela ocorre de manei-ra cíclica de acordo com a igualização da taxa de lucro dentro de dado setor, e com o movimento resultante do capital entre os setores, daqueles com uma baixa taxa de lucros para aquelas com uma taxa de lucro mais alta. (SMITH, 1988, p. 168).

Paralela a essa tendência à diferenciação locacional dos capi-tais, há uma tendência oposta, ou seja, a igualização das condições de produção (embora seja continuamente frustrada pela diferencia-ção do espaço geográfi co). Marx, citado por Smith (1988), reconhe-ce que o capital é um nivelador. Essa generalização, afi rma Smith parafraseando Marx, é provocada pela observação de que o capital exige em cada esfera da produção igualdade nas condições de exploração do trabalho. Assim, ocorre uma tendência para a igualização das condi-ções de produção e do nível de desenvolvimento das forças produtivas.

Smith (1998, p. 170) argumenta que na “constante oposição à tendência para a diferenciação, a tendência para a igualização e a contradição resultante são os fatores determinantes mais concretos do desenvolvimento desigual”, expressa pelo desenvolvimento tec-nológico que, por sua vez, é acentuado pela competição econômica. Nesse ponto, ele assim se manifesta:

A competição é o fl uxo social que generaliza a necessida-de de inovação por toda a economia. Supondo condições de trabalho semelhantes, novas técnicas adotadas por um capital devem ser igualadas ou superadas por outros capi-tais no mesmo setor, se quiserem sobreviver no mercado. (SMITH, 1988, p. 171).

Destarte, novamente nas palavras de Marx citado em Smith (1988, p. 182, grifo nosso): “se considerarmos o elemento material da acumulação, ela signifi ca apenas que a divisão do trabalho exige

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a concentração dos meios de subsistência e dos meios de trabalho em pontos particulares, ao passo que anteriormente estavam espa-lhados e dispersos”, enquanto que no nível dos capitais individuais, a concentração e a centralização do capital oferecem o impulso central para a diferenciação geográfi ca.

Visualiza-se, consequentemente, a própria natureza desigual que vivenciam os espaços no modo de produção capitalista, dada pelo fundamento da reprodução ampliada do capital via busca por vantagens competitivas. Por outro lado, porém indissociável do pri-meiro, há um ponto nevrálgico da dominação no caráter elitista da política profi ssional que limita o resultado da ação do Estado. Tal afi rmação repousa no fato de que o planejamento está ligado ao Estado e, por conseguinte, a interesses particulares.

Assim sendo, o PRODETUR/RN, na medida em que se in-sere nesse contexto geral do capitalismo periférico potiguar (misto de modernidade e tradicionalismo na esfera produtiva22), enquadra-se no movimento desigual de valorização dos espaços, desigualdade esta que não é neutra e que encobre uma racionalidade empirica-mente perceptível nos dados obtidos em campo: a reprodução do capital via concentração de recursos públicos em Natal. Os empre-gos foram gerados em grande parte decorrente dessa política pública de turismo. No entanto, não com o ritmo e amplitude do discursa-do pelos apologistas.

Diante do cenário exposto, a ação do PRODETUR/RN I via Estado de mal-estar social - como denomina Francisco de Oliveira - se consolidou através do que chamamos de disfunção pública, ou seja, quando a mobilidade de recursos públicos, que deveriam retornar a população por meio de seus anseios mais urgentes, é transferida (deslocada) visando o benefi ciamento do capital.

De tal modo, evitando fatalismo e não partindo da premissa que as coisas vão-se reverter (conforme se percebeu na fala dos entre-vistados do poder público), concordamos com Mattoso e Pochmann

22 Modernidade material da atividade e tradicionalismo nas relações de trabalho; diferenciação espacial entre os espaços.

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(1995) quando afi rmam que “o enfrentamento dos problemas que afetam o mundo do trabalho (desemprego, precarização, reduções salariais, elevação da jornada de trabalho) difi cilmente poderá ser re-alizado através de políticas limitadas ao mercado de trabalho, sejam elas de maior ou menor desregulamentação”. Em outras palavras, são necessárias políticas públicas reguladoras, em um contexto de crescimento econômico mais acentuado, pautadas no melhoramen-to material das condições de vida da população – infraestrutura de saneamento, habitação, transportes, educação, saúde etc. O PRO-DETUR/RN não partiu dessa premissa e o resultado foi o observa-do: criação de postos de trabalho23, embora marcadamente indiretos (induzidos pela atividade da construção civil, em especial, devido ao boom da produção imobiliária), precários e informais.

Dentre os diversos pontos negativos do Programa assinala-dos24 em sua primeira versão, há um sine qua non se poderia encerrar e avaliar esta política pública, isto é, a falta de compromisso com a população local e o planejamento estatal dirigido ao visitante – com fi ns, é claro, da reprodução do capital. A isso denominamos de pla-nejamento centrípeto do capital, uma vez que os anseios mais urgentes do residente são limitados frente às aspirações mais imperativas do capitalista, restringindo os benefícios da atividade para alguns espa-ços luminosos e reforçando as desigualdades espaciais. Desta forma, a pertinência social do PRODETUR/RN é seletiva e materializada pelo poder público.

A título de desfecho, aliás, concorda-se com Pinheiro (1970?], p. 66) quando afi rma que “é preciso antes de tudo acreditar no pro-

23 Tendo em vista a realidade local deprimida concernente ao desemprego e condições de vida. 24 Em entrevista concedida, o Subsecretário Estadual de Turismo e representante do

PRODETUR/RN apontou algumas defi ciências do Programa em sua primeira versão, dentre elas: 1. Simplesmente se implantando infraestrutura o turismo não acontece naturalmente; 2. Faltou na 1ª versão a questão do envolvimento e conscientização da população [que para ele está sendo realizado na 2ª versão]; 3. A coordenação à distância do Programa, ou seja, a partir do Banco e o Ministério do Turismo. Outro entrevistado (docente UnP) também assinalou alguns pontos negativos. Dentre eles: as obras aconteceram antes dos planos diretores; o fortalecimento institucional não foi o que deveria ser; e a questão ambiental que não foi totalmente observada.

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cesso social e sentir que tal processo trará à tona as verdadeiras aspi-rações sociais que deverão criar novas estruturas e um modo de vida mais condizente com a natureza humana”. Assim colocado, pen-sar alternativas para além do capital, conforme expressão de István Mészáros25, capazes de empreender o grande desafi o de “forjar novas formas de atuação capazes de articular intimamente as lutas sociais, eliminando a separação entre ação econômica e ação político-parla-mentar” (ANTUNES, 2002, b), pode se constituir numa alternativa ao poderio da relação Estado/Capital, pois:

O processo de autoemancipação do trabalho não pode restringir-se ao âmbito da política. Isto porque o Estado moderno é entendido por Mészáros como uma estrutu-ra política compreensiva de mando do capital, um pré-requisito para a conversão do capital num sistema dotado de viabilidade para a sua reprodução, expressando um momento constitutivo da própria materialidade do capi-tal. (ANTUNES, 2002, b).

O PRODETUR, concordando-se parcialmente com Telles (2005), “é [...] um instrumento alimentador [no] processo de desen-volvimento, todavia, insufi cientemente para viabilizar o crescimento e as expectativas estabelecidas anteriormente. Neste sentido, além do uso racional dos recursos públicos alocados ao turismo, depende da capacidade de investimentos do setor privado, tanto na amplia-ção da oferta como na atração da demanda turística agregada”. Esta dependência do setor privado é um fator limitante no conteúdo de seus objetivos, além da questão da seletividade espacial de suas ações se concentrarem em Natal. Acrescentemos, ainda, o problema da precariedade dos postos de trabalho em nível ínfi mo de remunera-ção. Nas palavras do entrevistado representante dos trabalhadores26, “têm algumas empresas que oferecem algum tipo de condições [de

25 Resenha empreendida por ANTUNES, Ricardo. Resenha de Para Além do Capital, de István Mészáros. Revista Espaço Acadêmico. Ano II, nº 14, julho de 2002. b

26 Informação fornecida pelo representante do SECHS/RN – 2006.

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trabalho] mais humanas, apesar de serem pouquíssimas [expressivas em Natal]”.

Achar que a precariedade desses empregos é algo efêmero é rejeitar as características fundantes do trabalho em turismo (sazona-lidade, produto supérfl uo, demanda elástica etc.). A explicação dada pelo representante estadual do PRODETUR/RN, de que, por a ati-vidade ser recente e pela consequente falta de organização do “lado mais fraco” – os trabalhadores – o patronato teria maiores condições para se organizar, é correta e pertinente. No entanto, considerar que isso é passageiro e que o jogo vai se alterar/equilibrar evidencia uma pobreza analítica bastante acentuada, uma vez que as regras do jogo são ditadas pelo capital fl exível e suas formas de gerenciamento da força de trabalho. Não querendo perpetrar nenhum pessimismo e nem ambicionando expor “o fi m da história”, seria uma inversão es-trutural a priori difícil de se conceber no âmbito do modo de produção capitalista atual. Fora essa questão, geografi camente, até mesmo nos países desenvolvidos o trabalho em turismo apresenta grande pre-cariedade, conforme apontaram os dados da OMT (1998). Negar estas constatações é desconsiderar todo o conhecimento produzido pelas ciências sociais longo de suas distintas trajetórias. E esse in-deferimento produz males consideráveis, tendo em vista que novas versões desta e de outras políticas de turismo estão em andamento e a surgir.

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O REVERSO DA INTERIORIZAÇÃO: ANÁLISE DO TURISMO EM AQUIRAZ/CE

Michele de Sousa

O município de Aquiraz está inserido na Região Metropolita-na de Fortaleza, na costa leste do Estado do Ceará. Possui uma área territorial de 481 km2, sendo 30 km de litoral, distante aproximada-mente 26 km da capital.

Do ponto de vista histórico e cultural, detém várias edifi ca-ções do início do século passado e conserva atividades tradicionais como a pesca, artesanato, engenho e casas de farinha; porém, este município é mais conhecido por seu conjunto de belas praias.

Os dados apresentados neste artigo são oriundos de pesquisa realizada no biênio 2004/2005 e pretendem mostrar como o tu-rismo tem se desenvolvido em uma localidade que recebe um dos maiores fl uxos de turistas que chegam ao Ceará via Fortaleza, segun-do indicadores turísticos apresentados pela Secretaria de Turismo do Estado do Ceará.

A “invenção” do turismo no Estado do Ceará

A atividade turística no Ceará é recente. Seu fomento teve início na década de 1970 com a criação da Empresa Cearense de Turismo S/A – Emcetur, no ano de 1971, com o objetivo fomentar e gerir o turismo no Estado.

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Apesar da inexperiência na administração do turismo pelo re-ferido órgão, sua criação estava em consonância com o começo de declínio da considerada época do “milagre econômico brasileiro” 27 e a busca de opções de desenvolvimento econômico, ocorrendo, as-sim, conforme Benevides (1998), o “(re)descobrimento do Nordeste pelo turismo, concebido como espaço de atratividade e de potencia-lidades turísticas”.

Em 1979, o governo Virgílio Távora desenvolveu o primeiro Plano Integrado de Desenvolvimento Turístico do Estado do Ceará, o qual fez um diagnóstico do Estado e dividiu o Ceará em seis regi-ões e cinco centros turísticos, abrangendo trinta e oito municípios.

Foi o governo Tasso Jereissati, no entanto, no fi nal da década de 1980, que passou a considerar em seu Plano de Mudanças a atividade turística como associada ao desenvolvimento e crescimento econômi-co cearense (CORIOLANO, 1998). Assim, em 1989, o Programa de Desenvolvimento do Turismo em Área Prioritária do Litoral do Cea-rá, o PRODETURIS, zoneou o litoral em quatro regiões turísticas, sinalizando uma proposta de planejamento para o desenvolvimento turístico do litoral cearense.

Esse zoneamento serviu de base ao Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste - PRODETUR-NE no Estado do Ceará (PRODETUR/CE), em 1992; que, no primeiro momento, atendeu a costa oeste do Estado em virtude da constata-ção de maior vulnerabilidade ambiental e de acelerado processo de crescimento populacional.

Em 1995, foi elaborado o Plano de Desenvolvimento Susten-tável do Estado do Ceará, no qual estava inserido o turismo, desta-cado como um dos segmentos de maior dinamismo na formação do PIB do Estado (CEARÁ, 1995). Para desenvolver a atividade turística, ainda em 1995, foi criada a Secretaria de Turismo do Es-tado do Ceará – SETUR-CE e com ela uma política que planejava

27 Trata-se do período entre os anos de 1967 e 1974, em que o Brasil cresceu economicamente em torno de 10% ao ano.

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este segmento para um período de longo prazo (1995 a 2020). A missão seria transformar o Ceará num destino turístico consolida-do, mediante basicamente o marketing promocional, implantação de infraestrutura geral e turística – particularmente - qualifi cação de mão de obra e captação de negócios e investimentos turísticos (CEARÁ, 1998).

Para isto, concorreu a criação do novo imaginário cearense, dife-rente do existente até então. O sol, antes das inclementes secas que cau-savam sérios transtornos à população, passa a ser o sol do verão que não tem fi m nas praias cearenses, o sol da “Terra da Luz”. Com efeito, essa nova “metáfora do sol” alcançou êxito e colocou Fortaleza, associada a um turismo de “sol e mar”, como uma das cidades mais visitadas no Brasil.

Teles (2006) aponta que o turismo no Ceará, no período de 1995 a 2005, apresentou um incremento do fl uxo turístico em tor-no de 11,7% ao ano, sendo Fortaleza o portão de entrada e principal destino dos visitantes. Os esforços da administração pública durante todo esse período, no entanto, foram no intuito de descentralizar este fl uxo e as receitas oriundas dos gastos efetuados pelos turistas para outros municípios do Estado, promovendo assim, um processo de interiorização do turismo.

As pesquisas da secretaria de turismo do Estado revelam que os esforços empreendidos obtiveram êxito levando em consideração que entre os anos de 1998 e 2005 aproximadamente 51,4 % dos visitantes deslocaram-se para outros municípios, sendo a preferência desses as localidades litorâneas (TELES, 2006).

Dentre as localidades mais visitadas, de acordo com os In-dicadores Turísticos do Ceará, entre os anos de 1995 a 2006, estão os seguintes municípios: Caucaia (Praia do Cumbuco), Aracati (Praia de Canoa Quebrada), Beberibe (Praia de Morro Branco), Jijoca de Jericoacoara (Praia de Jericoacoara) e Aquiraz (Praia do Porto das Dunas).

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A descoberta do litoral cearense: as práticas marítimas em Aquiraz

A partir do século XX, Macedo (2002) chama a atenção para a mudança na ocupação da zona costeira antes de caráter urbano, produtivo e agrícola e, agora, destinada para o veraneio e o turismo de férias. Nesse sentido, Moraes (1999) também aponta como ve-tores de ocupação mais recentes os processos de urbanização, indus-trialização e exploração turística.

A zona litorânea, historicamente, foi ocupada por pobres e pescadores. As pessoas das classes abastadas, que tinham forte ligação com o sertão da cultura algodoeira, se estabeleciam em Fortaleza no centro da cidade, longe do mar. Por meio de um processo cultural com origem na Europa, no entanto, iniciou-se, primeiramente em Fortaleza, uma relação diferente das pessoas com o mar, antes ocupado por pobres, pescadores, pelo porto e as relações de troca, passou a ser também local de práticas terapêuticas e posteriormente cenário para a prática do lazer e até mesmo da habitação. A respeito disso, Dantas (2002) afi rma que

[...] as novas práticas marítimas, representativas da in-corporação dos hábitos europeus pelas referidas classes, suscitam tímido movimento de urbanização das zonas de praia. Movimento iniciado nos anos 1920-1930 na praia de Iracema, que se amplia, pouco a pouco, até os anos de 1970, primeiro com a urbanização da praia do Meireles, segundo com a incorporação gradual, pelo veraneio, das praias dos municípios vizinhos de Fortaleza. (DANTAS, 2002, p. 46).

Assim, após 1970, a cidade de Fortaleza volta-se para o mar, ocorrendo, segundo Dantas (2002), a construção de calçadões e pó-los de lazer nas zonas de praia para atender a demanda interna de lazer para os habitantes e a procura externa com a incorporação gra-dativa da atividade turística, refl etindo-se na urbanização das praias

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de Iracema, Meireles, construção do calçadão da avenida Beira-Mar e da Praia do Futuro, para citar as mais conhecidas. Com o advento das vias urbanas e ônibus, esses locais passaram a ser frequentados também pelos pobres, deixando insatisfeita a classe mais abastada. Desta maneira, “os amantes da praia, não satisfeitos com o estado das zonas de praia fortalezense – poluídas ou ocupadas por atores indesejáveis - podem, após a chegada do carro, utilizar as vias de cir-culação para se deslocar às praias distantes de Fortaleza” (DANTAS, 2002, p. 77).

É neste momento que Aquiraz se insere no processo de uso do seu espaço para lazer, incluindo a apropriação para o veraneio e, posteriormente, para o turismo. Lima (2002) avoca esse fato, mais claramente, quando argumenta que

[...] a prática do veranismo, a valorização do morar a bei-ra-mar e a incorporação dos espaços à dinâmica turística, de maior expressão, inicialmente em Fortaleza, levaram a incorporação de vários lugares da zona costeira cearense, começando com algumas localidades praianas em muni-cípios vizinhos (Iparana e Icaraí em Caucaia, Prainha em Aquiraz) e, em seguida, se expandido para localidades em municípios mais distantes (Iguape em Aquiraz, Cumbu-co em Caucaia) [...] em alguns pontos determinados sur-giram enclaves turísticos, particularizados pela presença do turista que deseja manter-se protegido e distante da realidade local das comunidades. É o que ocorre quan-to aos empreendimentos turísticos do tipo Hotel Praia das Fontes (Beberibe), ‘Beach Park’ e ‘Aquaville Resort’ (Aquiraz), ‘Marina Park’ (Fortaleza) e ‘Cidade Turística de Porto Canoa’ (Aracati). (LIMA, 2002, p. 67 - 68).

O espaço litorâneo passa a se inserir numa nova racionalidade, relacionada ao consumo, onde não apenas o valor de uso (atende um desejo ou necessidade particular) é importante, mas também o valor de troca (objeto de barganha para conseguir outras mercadorias) (HAR-VEY, 2004), ou seja, é a transformação do lugar em mercadoria na

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medida em que “a apropriação do espaço e os modos de uso tendem a se subordinar cada vez mais ao mercado” (CARLOS, 2002).

Moraes (1999) entende que “o valor dos lugares no litoral é mais elevado do que na hinterlândia, o que acaba por condicionar um dire-cionamento de seus usos” e em função disto esses lugares “fi cam dispo-níveis para utilizações de maior rentabilidade no uso do solo”. Moraes (1999, p.19) grifa, ainda, que essa interação com o mar proporciona alguns usos quase exclusivos do litoral, sendo identifi cado atualmente como relevante espaço de lazer, propício para as atividades turísticas e de veraneio.

De acordo com Macedo (2002), “a urbanização turística de se-gunda residência é, no início do século XXI, o mais importante fator de transformação e criação de paisagens ao longo da costa brasileira”. Em Aquiraz, pode-se ver claramente este tipo de ocupação que teve início na década de 1970 e nos vinte anos seguintes se intensifi cou, estando hoje presente na paisagem artifi cial das praias do município. Esse crescimen-to populacional de modo desordenado das cidades litorâneas ocorre em razão das novas populações que se instalam nas localidades ou mesmo a população fl utuante de visitantes. Além disso, o surgimento de outras atividades econômicas que passam a infl uenciar o modo de vida da co-munidade, provoca danos ao meio físico e às populações nativas.

Os espaços, antes das comunidades locais, são objeto da apro-priação e dão lugar a segundas residências e/ou empreendimentos hote-leiros e de lazer, ocorrendo uma ocupação desenfreada do território por novos agentes, culminado na expulsão das comunidades, geralmente para áreas mais afastadas e menos valorizadas, caracterizando muitas vezes o surgimento de favelas. Desta maneira, o veraneio e a ativida-de do turismo foram também fatores que proporcionaram a ocupação litorânea brasileira, e não foi diferente no litoral do Ceará, sendo este fator decisivo na propagação de equipamentos imobiliários (hotéis, pousadas, parques aquáticos, marinas, resorts).

Espaços disputados entre a comunidade e agentes externos a esta, a natureza intocada e a tranquilidade dos lugares recém-descober-

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tos adquirem um valor inestimável, “espaço-mercadoria” vendido para o turismo que comercializa a ideia de paz e tranquilidade perdidas no cotidiano das grandes cidades e em todos os seus problemas urbanos e que, segundo Carlos (2002, p. 53), valoriza “os lugares da não produ-ção industrial, não degradados pela atividade produtiva, não poluídos, que têm sua valorização exatamente enquanto modelo de ocupação que se justapõe ao primeiro”; e oferecido ao veranista que quer possuir um “pedacinho” deste paraíso. Moraes (1999) exprime que

[...] o valor contido numa localidade pode determinar as formas economicamente viáveis de sua ocupação, num quadro em que as vocações locais e suas vantagens compa-rativas atuam como fatores de objetivação dos usos, mas cuja decisão repousa no campo da hegemonia política e dos embates sociais. Campo esse que ultrapassa muito a mera racionalidade econômica. (MORAES, 1999, p. 20).

No valor de uma terra estão implícitos vários fatores, como as condições locais, os recursos naturais e o valor social que ela adquire no mercado imobiliário que a situa como local revelador de status ou mesmo o próprio Estado, quando inibe ou induz o uso dos solos mediante as legislações ou as políticas.

Moraes (1999) adverte para o fato de que o Estado, como produtor de espaços, é

[...] o maior agente impactante na zona costeira, com capacidade de reverter tendências de ocupação e gerar novas perspectivas de uso, sobretudo pela imobilização de áreas (mediante seu tombamento) e pela instalação de grandes equipamentos ou dotação de infraestrutu-ras (como estradas, portos, ou complexos industriais). (MORAES, 1999, p. 25).

Cabe ao Estado a responsabilidade de nortear, mediante os planejamentos urbanos, o crescimento das cidades e o ordenamento do solo por meio de políticas; porém a especulação imobiliária, por

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vezes, direciona os investimentos em infraestrutura. Dantas (2002, p.78) evidencia que, “[...] embora os empreendedores imobiliários ofereçam os loteamentos, é ao Estado que se fazem as exigências dos novos frequentadores das zonas de praia, acostumados aos confor-tos da sociedade urbano-industrial”. Macedo (2002, p.205) observa ainda que a transformação sucede de forma rápida e se intensifi ca com a abertura de estradas, integrando “o antigo paraíso à rede viá-ria nacional e, consequentemente, favorecendo a chegada de maio-res fl uxos de visitantes”.

Os fatores citados decorrentes do processo de urbanização tu-rística do litoral podem ser verifi cados em Aquiraz. Seu litoral possui aproximadamente 30 km de extensão, compreendendo seis praias: Porto das Dunas, Prainha, Iguape, Presídio, Barro Preto e Batoque. O Município pertence à Região Metropolitana de Fortaleza. Esta proximidade proporciona uma maior valorização dos terrenos, es-pecialmente no Porto das Dunas, que já é considerado um bairro da Capital cearense (inclusive nas propagandas das imobiliárias é vendido como tal).

O Porto das Dunas, localizado a 22 km de Fortaleza, é ine-gavelmente a porção do litoral aquiraense que recebe mais turistas, estando sempre presente nas pesquisas da SETUR-CE como uma das praias mais visitadas do Ceará. Sem dúvida, além de sua beleza cênica, o “complexo turístico Beach Park” é um atrativo importante, tour quase unânime nos roteiros dos pacotes de quem viaja a Forta-leza. Esse empreendimento atrai novos investimentos turísticos na área, especialmente os hoteleiros.

O Porto das Dunas abrange também a Área de Proteção Am-biental - APA do rio Pacoti, criada em fevereiro de 2000, pelo De-creto Estadual no 25.778, a fi m de preservar e nortear as atividades socioeconômicas nessa área. A fi scalização e o gerenciamento são de responsabilidade da Superintendência Estadual do Meio Ambiente – SEMACE, que desenvolve atividades de fi scalização esporádicas na unidade de conservação. Apesar de existir uma legislação am-

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biental que proíbe algumas práticas nessas áreas, pode-se observar a ocorrência de algumas delas na APA do Pacoti, tais como: o corte da vegetação (para utilizar como combustível ou uso do terreno para constituir áreas de lazer como campos de futebol, barracas e bares), construções em local proibido e a poluição (principalmente pela ausência de saneamento básico e coleta defi ciente de lixo). (SILVA, 2005).

A paisagem artifi cial é composta pela presença de belas man-sões, condomínios, terrenos loteados, hotéis (equipamentos volta-dos para o lazer e o turismo), parque eólico. Além disso, podem ser observadas edifi cações com até quatro andares. A proliferação dessa urbanização vai descaracterizando e encobrindo a paisagem do local.

O litoral cearense encontra-se loteado e esse fenômeno ocorre também em Aquiraz. No Porto das Dunas já é possível encontrar algumas imobiliárias instaladas com o intuito de negociar os lotes ainda à venda, além de placas espalhadas ao longo de sua extensão, que dão a conhecer às pessoas que visitam o local os imóveis que ainda podem ser comprados, sejam eles casas, fl ats, apartamentos ou terrenos.

Em visita, realizada a um dos últimos loteamentos postos à venda em 2004 (Loteamento Porto das Dunas), localizado nas du-nas, pôde-se perceber que os terrenos mais valorizados eram os que tinham vista para o rio Pacoti, a poucos metros do mangue, e, se-gundo o corretor: “Uma vista que não será perdida nunca porque nesse local não poderá ser construído mais nada. Além disso, têm-se duas vistas privilegiadas a do rio e do mar”. Sem nenhuma infraes-trutura, o corretor informou que, neste local, as casas faziam uso de poços e fossas sépticas. No que se refere à coleta de lixo e à melhoria do acesso, disse ainda que a Prefeitura de Fortaleza implementaria tais ações, em virtude da proximidade da Capital e pelas reivindica-ções dos futuros moradores.

Apesar do traçado regular de suas vias, algumas se encontram em precário estado de conservação, fi cando inclusive impedidas ao

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tráfego de veículos automotores, agravando-se este fato nos períodos chuvosos, difi cultando o acesso inclusive para os pedestres. Existem apenas duas vias asfaltadas, uma que dá acesso ao Aquaville e outra ao Complexo Beach Park; as demais são em piçarra.

A respeito dos anúncios publicitários veiculados, ou mesmo no momento em que são mostrados os terrenos pelos corretores, não há menção ao fato de que os loteamentos estão na jurisdição municipal de Aquiraz. Dessa forma, em função de uma indústria imobiliária, imbuída da busca incessante pelo lucro, há uma indu-ção à comercialização de um imóvel como se estivesse localizado em Fortaleza. Têm-se aí duas questões: a pressão sobre a área de tal manancial podendo trazer contaminação deste e dos recursos retira-dos dele; e o possível direcionamento da administração pública pela especulação imobiliária.

Com relação ao exposto, é interessante observar que vem ocorrendo um processo de “(re)descobrimento” da costa do Brasil e não é diferente no Ceará. Já se fala até em uma “(re)colonização” em virtude do número expressivo de investimentos de portugueses e espanhóis na costa cearense. Além desses e de outros estrangeiros, há também brasileiros, geralmente da região Sul ou Sudeste, que ao chegarem à costa litorânea cearense, encantam-se com a beleza cênica do local e adquirem imóveis para serem utilizados em outros retornos ao Ceará, fi cando estes aos cuidados de caseiros, geralmente habitantes da localidade.

Esse processo pode ser observado também em Aquiraz, especial-mente no Porto das Dunas, onde já é possível ver placas das imobiliá-rias em três idiomas, vislumbrando aquela demanda. Paradoxalmente a isso, porém, pode-se notar nesta última localidade uma signifi cativa quantidade de residências fechadas, de arquitetura bem diferente dos domicílios da população local, número expressivo de placas em algu-mas destas casas e apartamentos, que expõem frases como: “aluga-se por temporada” (no intuito de suprir as despesas do imóvel) ou “vende-se”, o que se acredita ser a “ociosidade” dos imóveis um dos principais

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motivos, além da falta de infraestrutura de transporte, segurança, ilu-minação e comércio, justifi cado pela ausência de uma substancial po-pulação fi xa, mas sentida pela população e comerciantes que habitam no local.

Afora essas considerações, outro aspecto observado é o cres-cimento da construção de condomínios residenciais, inclusive por incorporadoras multinacionais. Essa oferta pode estar destinada tan-to a demanda, já citada, dos que querem possuir um refúgio num “paraíso”, bem como atender as pessoas que desejem morar, o que já existe, tendendo a aumentar porque há vias de acesso ao local bem pa-vimentadas, como a CE-025, e previsão de outra (ponte sobre o Rio Cocó) e, além disso, há cerca de uma década tem ocorrido em Forta-leza a ocupação e urbanização da porção leste da cidade. Loteamento emblemático desse processo é o condomínio Alphaville, que suscitou várias dúvidas a respeito de sua localização, mas na verdade ainda per-tence ao município de Eusébio, fi cando no limite com o município de Aquiraz. Sendo assim, não seria nenhuma surpresa um incremento do uso residencial no Porto das Dunas, apesar da precária infraestru-tura no local, e, certamente, para pessoas que possuem rendas privile-giadas, pois essa área já constitui hoje um território elitizado.

Certamente por tal razão os preços praticados no comércio do Porto das Dunas sejam elevados, principalmente nas proximi-dades do complexo Beach Park. Esse notável processo de elitiza-ção teve início com a posse dos terrenos “disponíveis” (áreas vazias destinadas a uma futura especulação imobiliária) e com a compra das casas e expulsão dos primeiros habitantes que viviam naquele lugar, pelos especuladores.

Diante disso, foi tarefa impossível para os habitantes mais anti-gos da localidade manter seus terrenos diante da “poderosa” especula-ção imobiliária. Mesmo os que esboçaram resistência, por fi m, tiveram de vender suas casas e terrenos. Verdadeiramente, estes habitantes, cuja maioria é composta de pescadores, foram retirados de seus terrenos e casas, tendo que se deslocar para outros lugares longe do mar.

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Nesse sentido, o Porto das Dunas tornou-se, visivelmente, um território elitizado, apresentando enclaves turísticos (resorts, condomínios residenciais e/ou turísticos) que impedem o acesso de pessoas indesejáveis, como, por exemplo, os antigos moradores, com anteparos de cercas e guaritas. É o que expressa Carlos (2002), quando diz que

[...] a extensão da propriedade privada no espaço restrin-ge ainda mais o seu acesso, vinculado, cada vez mais, à possibilidade de realização de um valor de troca criando o acesso diferenciado dos lugares da vida cotidiana e, com isso, contribui para o aprofundamento da segregação es-pacial. (CARLOS, 2002, p.49)

Personifi cação desta segregação espacial pode ser encontrada no Porto das Dunas, onde os pescadores “perderam” não apenas seus imóveis, mas também, o acesso ao mar. Ocorreu a proibição, pela administração do complexo do Beach Park, do ofício do pescador, seja com jangada ou com tarrafa, ou mesmo a simples passagem dos pescadores naquela praia e, especialmente, em frente ao complexo.

Trata-se de um empreendimento que se iniciou a partir de um restaurante à beira-mar, em 1985, sendo hoje detentor de uma infra-estrutura de serviços que conta com parque aquático e um hotel/spa (Beach Park Suítes Resort) numa área de 170 mil m2. E, segundo o PDDU (2001), ainda hoje a ocupação e implantação de edifi cações no Porto das Dunas seguem as normas da administração do Beach Park.

Uma prática desse complexo, reproduzida também por outros empreendimentos da área, é a “privatização” da praia, ou seja, ter-renos de marinha demarcados por cercas. Nesse contexto, a Cons-tituição Federal de 1988, no Art. 20, inciso VII, outorga à União a propriedade sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos. O Decreto - Lei Federal no 9.760/46 defi niu estas áreas, a saber:

Art. 2º - São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente para

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a parte da terra, da posição da Linha do Preamar Média de 1931:a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a infl u-ência das marés;b) os que contornam as ilhas situadas em zonas onde se faça sentir a infl uência das marés.Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, a infl uência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelos menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.Art. 3º - São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artifi cialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.

E, no que concerne à restrição do uso da praia aos pescadores, a Lei Federal no 7.661/88, acrescenta:

Art. 10 - As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os tre-chos considerados de interesse da Segurança Nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específi ca.§ 1º - Não será permitida a urbanização ou qualquer for-ma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou difi culte o acesso assegurado no caput deste artigo. § 2º - A regulamentação desta Lei determinará as carac-terísticas e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.§ 3º - Entende-se por praia a área coberta e descoberta pe-riodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos até o limite onde inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema. 

Há ainda outros pontos que merecem atenção em todo este processo, por exemplo, o fato de os funcionários dos empreendi-

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mentos turísticos, em sua maioria, procederem de Fortaleza (onde estão localizados os cursos que oferecem formação) e não de Aqui-raz, sendo o motivo disto a falta de mão de obra qualifi cada na área em apreço, quando uma das maiores preocupações que se escuta dos moradores do Município é a falta de emprego, principalmente, para os jovens.

No litoral cearense em geral e, em Aquiraz em particular, transformações ocorrem desde o início deste processo de urbaniza-ção, como mudanças nas paisagens, anteriormente existentes, me-diante ações impactantes, tais como desmatamento, aplainamento de dunas, aterramento de lagoas, abertura de ruas, loteamentos e edifi cações de pequeno, médio e grande porte. A grande quantidade de imóveis e empreendimentos construídos nesses espaços litorâne-os “turísticos” exerce grande pressão no meio ambiente, nos servi-ços e infraestrutura urbanos. Esses equipamentos, geralmente, não possuem abastecimento de água e esgotamento sanitário, contudo fazem uso de poços artesianos, comumente cavados perto das fossas rudimentares, originando a probabilidade de contaminação dos re-cursos hídricos.

Numa visão geral, podemos observar alguns problemas co-muns no litoral de Aquiraz, tais como a remoção dos autóctones dos espaços que antes pertenciam às comunidades locais e que sofreram apropriação e deram lugar a segundas residências e/ou empreendi-mentos hoteleiros e de lazer, ocorrendo uma ocupação desenfrea-da do território por novos agentes. As comunidades, em virtude da venda ou expulsão de seus imóveis, foram se distanciando do mar, seu local de trabalho por excelência, sendo empurrados para áreas menos valorizadas e sem infraestrutura, incorrendo numa segrega-ção espacial desses agentes.

Essas comunidades, de acordo com alguns de seus membros, sofrem ainda com o desemprego e a falta de perspectivas para a po-pulação mais jovem, podendo ser uma das causas de problemas so-ciais como a prostituição e uso de drogas. Mesmo com a previsão da

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chegada de empreendimentos hoteleiros no município, fator citado por vários moradores entrevistados como uma esperança de melho-ria na geração de empregos, há carência de mão de obra qualifi cada para ocupar os cargos que forem ofertados. Em decorrência disso, quando são absorvidos pelas empresas existentes, esses habitantes assumem ocupações que exigem pouca qualifi cação e, consequente-mente, menores remunerações.

Outro fator que tem contribuído para a falta de trabalho e diminuição da renda é a falta de turistas trazidos pelos ônibus receptivos que movimentavam, quase diariamente, restaurantes, barracas e os centros de artesanato. Esses turistas têm sido levados para praias mais distantes como Canoa Quebrada, Morro Branco e Praia das Fontes. O motivo dessa evasão é que as empresas de receptivo, que como toda organização visa o lucro, sugerem aos turistas os lugares onde eles têm melhores acordos de comissão e melhor infraestrutura para oferecer ao seu cliente, aspecto que tem deixado a desejar nos últimos anos nas localidades de Aquiraz. Quando é o cliente que escolhe a praia que ele quer visitar, escolhe sempre as que são mais conhecidas ou divulgadas, o que não acon-tece com as praias deste Município.

As localidades também sofrem com danos ambientais como: desmatamento de dunas e construções em locais inapropriados como área de dunas ou de mangue, ações essas que infl uem na dinâmica dos sedimentos ocasionando acúmulo de areia no leito dos rios, casas e barracas; desmatamento do manguezal e pesca predatória, além do uso de compressores pelos mergulhadores, recursos que podem estar ocasionando a redução do número de peixes e crustáceos; ausência de infraestrutura de abastecimento de água, saneamento básico e limpeza (a decomposição do lixo a céu aberto produz chorume), causando a contaminação dos re-cursos hídricos.

Percebe-se que, com exceção do Porto das Dunas que se dife-rencia em alguns aspectos das outras localidades que foram expos-

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tas, todas as demais compartilham problemas sociais, econômicos, ambientais, culturais e estruturais semelhantes. Assim, procuramos sistematizar no Quadro 01, visualizados com maior clareza, esses impactos e onde ocorrem.

Quadro 01 - Problemas sociais, econômicos, ambientais, culturais e estrutu-rais encontrados nas localidades litorâneas do município de Aquiraz – 2005

LOCALIDADES PROBLEMAS

PORTO DAS

DUNAS PRAINHA PRESÍDIO IGUAPE BARRO

PRETO

SOCIAIS

EXPULSÃO/ REMOÇÃO DOS AUTÓCTONES X X X X X

“PRIVATIZAÇÃO” DA PRAIA X

SEGREGAÇÃO ESPACIAL X X X

MÃO-DE-OBRA SEM QUALIFICAÇÃO X X X X

PROSTITUIÇÃO E DROGAS X X X

AUMENTO DA VIOLÊNCIA X X X

ECONÔMICOS

DESEMPREGO X X X X

REDUÇÃO DO FLUXO DE TURISTAS X X X X

DECRÉSCIMO DAS ATIVIDADES COMERCIAIS X X X X

AMBIENTAIS

DESMATAMENTO DE DUNAS E/OU MANGUE X X X X X

EDIFICAÇÕES EM LOCAL INAPROPRIADO X X X X X

DESVIO DA DINÂMICA DOS SEDIMENTOS X X

TRANSFORMAÇÃO/ARTIFICIALIZAÇÃO DA PAISAGEM X X X X X

CONTAMINAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS X X X X X

PESCA PREDATÓRIA X X X X

TRÁFEGO DE AUTOMÓVEIS NA FAIXA DE PRAIA X X X X

ACÚMULO DE LIXO X X X X X

CULTURAIS

DESPARECIMENTO PROGRESSIVO DAS ATIVIDADES TRADICIONAIS

X

X

X

X

ESTRUTURAIS AUSÊNCIA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA X X X X X AUSÊNCIA DE SANEAMENTO BÁSICO X X X X X VIAS EM ESTADO PRECÁRIO X X X X X

Organizado por: Michele de Sousa.

Assim, no curso da “descoberta” do litoral e de suas trans-formações, podem-se ver vários fatores que ocorrem e interferem

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no cotidiano desses ambientes litorâneos e das comunidades que ali vivem. Essas mudanças se dão continuamente, em vários níveis, como expressa muito apropriadamente Carlos (2002) ao dizer que

[...] o processo de produção/reprodução do espaço se re-aliza de modo ininterrupto, apresentando, em cada mo-mento da história, características específi cas – um pro-cesso que envolve vários níveis: o político que produz o espaço de dominação (posto que o poder político se rea-liza no espaço); o econômico que produz o espaço como condição e meio da realização da acumulação e, fi nalmen-te, o social, isto é, a realização da vida cotidiana enquanto prática socioespacial. Estes três planos articulados e justa-postos revelam a dinâmica espacial iluminando os confl i-tos e contradições em torno desta produção. (CARLOS, 2002, p. 47 - 48).

Turismo: o “mito” do desenvolvimento

O desenvolvimento deve ser imaginado a partir de uma melho-ria na sociedade como um todo, ou seja, melhoria na qualidade de vida para todos. O turismo é visto pelas gestões públicas como uma ativi-dade importante para compor este desenvolvimento. Pode-se consta-tar isto em alguns fragmentos do Plano Nacional do Turismo (2003), quando trata dos princípios orientadores para o desenvolvimento do turismo, como por exemplo:

[...] A multidisciplinariedade do setor, os impactos eco-nômicos, sociais, ambientais, políticos e culturais gera-dos pelo Turismo exigem um processo de Planejamento e Gestão que orientem, discipline e se constitua em um poderoso instrumento de aceleração do desenvolvimento nos níveis municipal, regional e nacional.Buscamos, por intermédio do Turismo, contribuir para o de-senvolvimento do país gerando um amplo processo de mu-danças que envolvem o cidadão, o estado e o setor produtivo.

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[...] O aumento da competitividade do setor, o seu im-pacto na melhoria das condições de vida da população, a descentralização das decisões e o respeito ao meio am-biente, são pilares para a construção de um novo padrão de desenvolvimento, no qual todas as regiões possam cres-cer de forma integrada.Com o Turismo poderemos desconcentrar o crescimento econômico, reduzir desigualdades e criar novas oportuni-dades para a construção de um Brasil melhor, guiados por princípios universais da ética.[...] Desta forma, podemos afi rmar que todos os Pro-gramas, Projetos e Ações do Plano Nacional do Turismo terão como pressupostos básicos a ética e a sustentabili-dade e como princípios orientadores os seguintes vetores de governo: redução das desigualdades regionais e sociais, geração e distribuição de renda, geração de emprego e ocupação, equilíbrio do balanço de pagamentos (Ibidem, p. 19-20).

Observa-se, nesses princípios, um discurso que considera o turismo como uma espécie de “salvador da pátria”, atividade que trará desenvolvimento regional e local com inclusão social, redu-ção das desigualdades e oferta de emprego e renda. Além disso, esse processo se dará guiado por diretrizes de sustentabilidade, ou seja, um desenvolvimento de forma economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável.

É verídica a capacidade que o turismo tem de transformar os lugares, e isso pode acontecer em diferentes aspectos e ser induzido por agentes distintos. O Estado, por exemplo, dota as localidades com infraestrutura para promovê-las e atrair investimentos dos agentes pri-vados que implantam infraestrutura turística, sendo ambas primordiais para o desenvolvimento turístico. Conforme entende Cruz (2000, p.25), esta “apologia ao turismo como vetor de desenvolvimento deve ser ponderada”. Ela completa, dizendo:

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[...] Desenvolvimento turístico não é sinônimo de desen-volvimento, pois nenhuma atividade econômica setorial pode assegurar um desenvolvimento global que contem-ple todas as dimensões da vida social. [...] O modelo de desenvolvimento que se tem levado a cabo no Brasil, por exemplo, ao qual está subordinado também o turismo, é concentrador de renda, excludente e perpetuador de de-sigualdades socioespaciais. O setor turístico (conjunto de atividades econômicas diretamente relacionadas à práti-ca social do turismo), inserido neste contexto, reproduz, como qualquer outro setor produtivo, as contradições do sistema. Que possibilidades tem o turismo de promover, neste contexto, algum desenvolvimento local ou regional? (CRUZ, 2000, p. 25).

Lemos (2002, p. 76) concorda com as ponderações de Cruz (2000) e acrescenta que a atividade turística “[...] pode represen-tar é uma alternativa de crescimento econômico, que é o aumento da produção de bens e de serviços que irão redundar no aumento do Produto Nacional Bruto”, concluindo assim, que o desenvolvimen-to passa por uma conjuntura bem mais ampla.

Um argumento que, talvez, contribua para essa teoria desen-volvimentista é o efeito multiplicador do turismo. Segundo a EM-BRATUR, 52 setores da economia são impactados diretamente por esta atividade. Rabahy (2003) descreve de uma forma bastante clara como tal ocorre:

De uma forma geral, o funcionamento dos mecanismos que geram os efeitos indiretos dos gastos turísticos pode ser assim descrito: inicia-se com os gastos efetuados pelos visitantes, os quais geram salários e rendas para diversos setores envolvidos, de natureza bem diversifi cada, como os hotéis, restaurantes, agências de viagens, empresas de transporte, localidades de recreação, comércio e uma série de outros ramos de produção de bens e serviços. Os gas-tos diretos efetuados em um dado setor concorrem para a

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geração de renda em várias outras etapas precedentes, pela solicitação de bens primários, intermediários ou fi nais de outros setores produtivos, consubstanciando então os chamados efeitos indiretos. (RABAHY, 2003, p. 66).

Esse “efeito-cascata de escoamento” reforça a teoria da distri-buição de renda e da geração de emprego, que realmente acontecem, embora, no turismo, a maioria das ocupações seja malremunerada. As melhores remunerações estão nos cargos de gerência que, nas pequenas organizações, são ocupados, geralmente, pelo proprietário e seus familiares e nas grandes empresas por pessoas que tenham qualifi cação para desempenhar estas funções o que, difi cilmente, um autóctone de um município pequeno e mais afastado dos centros de formação profi ssional terá. Também a respeito disso Krippendorf (2001) discorre:

Ninguém pode contestar a importância do turismo no que se refere a empregos e rendimentos. Ele ocupa cer-ca de dez milhões de pessoas no mundo inteiro, e vários outros milhões de indivíduos vivem indiretamente dis-so. Entretanto, há o reverso da medalha, que raramente é evocado nos debates políticos: no setor turístico, a maio-ria dos empregos não é atraente. As condições de trabalho são rigorosas: horas extras, horários irregulares, sobrecar-ga de acordo com a estação do ano e comprometimento pessoal a favor do cliente. Ademais, os salários são infe-riores à média. As opções profi ssionais e as possibilidades de carreira são restritas. Muitas atividades não são qualifi -cadas e são socialmente desfavorecidas, como os trabalhos efetuados nos bastidores dos hotéis, sejam nas cozinhas ou nos quartos. (KRIPPENDORF, 2001, p. 72).

Ainda em relação a essas questões, os empreendimentos hote-leiros de cadeias internacionais, inclusive os instalados nos resorts, ge-ralmente demandam para os cargos executivos pessoal dos países dos investidores, importam equipamentos ou produtos para satisfazer uma

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demanda internacional e remetem grande parte do lucro para os paí-ses de origem, fi cando pouco para as comunidades receptoras, ou seja, uma contribuição limitada para o desenvolvimento local (KRIPPEN-DORF, 2001; CRUZ, 2000). Como se pode notar, existe uma repro-dução da lógica concentradora e excludente do capital, onde os maiores e mais fortes fi cam com a maior parte e os menores e mais fracos com a menor parte. Isso acontece tanto na escala global, como na local.

Além desses fatores negativos, há outros, já amplamente cita-dos por diversos autores, tais como os passivos ambientais, sociais e culturais, nos quais o turismo tem o seu quinhão, especialmente nas localidades receptoras do turismo de massa. Estes não são contabi-lizados e assumidos em nenhuma conta, por nenhum dos agentes (turistas, empreendedores), fi cando os autóctones com o prejuízo.

Não há, porém, discussão que não tenha dois lados. O tu-rismo também tem seus aspectos positivos, alardeados pelos inves-tidores que obtém lucro e pelo Estado que aposta numa melhoria econômica, afora serem características desejadas pelas comunida-des das localidades turísticas que almejam por melhores perspec-tivas de vida.

Desenvolvimento do turismo em Aquiraz

O sistema turístico denota a importância do equilíbrio e vin-culação entre suas partes (oferta turística, demanda turística, infra-estrutura e superestrutura) para o seu bom funcionamento. Diante disto, entre os meses de janeiro de 2004 e julho de 2005, foram re-alizadas pesquisas em Aquiraz com os agentes do turismo na locali-dade, representantes desse sistema, para análise do desenvolvimento da atividade no município.

Foram encontrados, em Aquiraz, equipamentos com boa es-trutura de hospedagem em todo o litoral, merecendo destaque os equipamentos localizados no Porto das Dunas. Alguns empreendi-mentos, no entanto, revelavam necessidade de reforma, ociosidade e

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difi culdades fi nanceiras, sendo a ausência de hóspedes e, consequen-temente de receitas, fator predominante para compor tal realidade.

Exemplo disso é o Camping Barra Encantada, localizado no Barro Preto, estrutura de lazer e hospedagem que, nos primeiros anos da década de 1990, recebia em torno de 10 ônibus de visitantes por dia e empregava em média 20 pessoas. No ano de 2005, pouco movimentado, empregava apenas 4 pessoas, sofrendo com a ausên-cia de visitantes e turistas.

Já o Praia Bela Park Hotel, localizado na Praia do Porto das Dunas, apesar de apresentar uma estrutura em bom estado de con-servação, encontrava-se fechado, devido a baixa demanda de turistas. Sua estrutura havia sido inaugurada no fi nal da década de 1990, ten-do sido classifi cado como três estrelas junto à EMBRATUR. Mesmo hotéis de rede, como o Íbis Porto das Dunas, foram vendidos. No Alto da Prainha, encontraram-se também um hotel fechado e pou-sadas em difícil situação fi nanceira, onde o proprietário relatava ter pago parte das despesas do seu estabelecimento com a remuneração proveniente de sua aposentadoria, em decorrência dos gastos serem superiores às receitas.

Tal quadro obviamente apresentava interferência na quanti-dade do número de empregos, que já é normalmente afetada pela sazonalidade da atividade turística. Sendo assim, ocorria um acrés-cimo da oferta de trabalho temporário sempre em períodos com maior fl uxo de pessoas, como o carnaval ou alta estação.

A taxa de ocupação dos estabelecimentos na baixa temporada girava em torno de 20% e 50% e o tempo médio de permanência era de 2 dias (fi nal de semana – demanda de fortalezenses). Na alta temporada, a ocupação variava entre 70% a 100%, permanecendo os hóspedes de 3 a 7 dias, em média.

Em relação aos empregos, observou-se que, nos hotéis e pou-sadas da Prainha, Presídio, Iguape e Barro Preto, os funcionários são praticamente todos das comunidades do entorno, mas, em razão da maior frequência nos fi nais de semana, poucos são fi xos, de modo

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que a maioria é chamada a trabalhar quando há maior movimento de hóspedes ou visitantes, e remunerados pelo seu dia de trabalho, enquanto os garçons recebem comissões por suas vendas.

Nesse aspecto o Porto das Dunas possuía características dife-rentes, a maioria dos funcionários advinha de Fortaleza. Havia um obstáculo que difi cultava o acesso dos moradores do entorno aos trabalhos naquela localidade, a carência de transporte28.

Nos maiores empreendimentos, como no hotel do Complexo Beach Park, a maioria dos funcionários era proveniente de Fortaleza, enquanto que nos hotéis de menor porte, cerca de 50% dos empre-gados eram de Aquiraz. Destes, aqueles que tinham melhor instru-ção e boa desenvoltura, chegavam a ser recepcionistas, mas a maioria trabalhava como garçom e nos serviços de cozinha, limpeza e ma-nutenção. Tanto no Porto das Dunas como nas outras localidades, a média salarial dos funcionários fi xos é de 1 salário mínimo, mas para algumas funções, havia acréscimo proveniente de comissionamento.

Os meios de hospedagem pouco contribuíam para o aumento da renda do comércio local que poderia ocorrer advindo do pro-vimento destes estabelecimentos. As compras para abastecimento dos meios de hospedagem eram feitas, a maioria, em Fortaleza. A compra de frutas e hortaliças, no entanto, era realizada no próprio Município. A contribuição dos hóspedes neste sentido, também era irrelevante, tendo em vista que seu maior consumo era realizado no próprio meio de hospedagem.

Quanto às barracas de praia presentes no litoral da Prainha, Iguape e Barro Preto seu abastecimento era realizado na própria lo-calidade. A maioria absoluta dos proprietários era de moradores das próprias localidades. Esses equipamentos foram citados pelos mo-radores como um importante gerador de trabalho, visto que 100% dos funcionários das barracas são pessoas da própria comunidade. Cada uma delas mantinha em torno de 2 a 10 pessoas empregadas durante o ano todo.

28 O transporte nesta área é restrito para difi cultar o acesso e o fl uxo de pessoas “indesejadas”.

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Tanto os barraqueiros quanto os funcionários dos empreen-dimentos hoteleiros manifestaram insatisfação em relação a alguns aspectos manifestos no desenvolvimento da atividade turística no município, tendo sugerido então que o destino Aquiraz tivesse uma melhor divulgação, além de melhoria da infraestrutura das vias que dão acesso às localidades, melhoria da limpeza, mais linhas de trans-porte, ampliação do número de eventos durante o ano e melhor divulgação também dos atrativos histórico-culturais, o que poderia confi gurar mais um estímulo para atrair visitantes, tendo em vista que Aquiraz se encontrava praticamente fora da rota dos receptivos (com exceção do Beach Park).

As sugestões encontram coro com as afi rmações dos turis-tas29 pesquisados que em sua maioria (63%) estavam hospedados em Fortaleza, tendo chegado a Aquiraz por intermédio de amigos, taxistas ou serviço de receptivo. Ao serem perguntados se haviam co-nhecido o patrimônio histórico e o artesanato local, mesmo os que estão hospedados no município de Aquiraz, respondiam que sim e faziam menção à cidade de Fortaleza.

Perguntou-se também sobre qual classifi cação eles dariam a alguns itens que são de extrema importância para a atividade turís-tica, podendo responder com as seguintes opções: péssima, regular, boa e excelente. Assim, pôde-se observar na Figura 1 que o item que obteve maior reprovação foram os preços. O atendimento ao turista obteve a melhor classifi cação. Outro item bem classifi cado foi a alimentação. Apesar de, no geral, todos os itens terem sido bem classifi cados, merecem atenção os mais de 30% (se somados a classifi cação regular e péssima) obtidos pelos itens: infraestrutura turística e limpeza. Destaca-se, ainda, que a porcentagem dos meios de hospedagem expostos na Figura 1, abrange apenas as pessoas hos-pedadas no Município de Aquiraz e este item obteve classifi cação muito positiva.

29 Aplicação de 60 questionários em julho de 2004 e janeiro de 2005 nas localidades litorâneas.

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Com exceção dessas perguntas, as pessoas citaram outros itens considerados defi cientes, como ausência de maior divulgação, ban-co 24 horas, transportes, salva-vidas, lixeiras, opções de melhores restaurantes, sinalização e, ainda, melhorar as condições das vias de acesso às praias. Nos aspectos positivos, foram citadas a beleza natu-ral das praias, a tranquilidade, a ausência de ambulantes e a simpatia das pessoas.

Figura 1 – Classifi cação atribuída pelos turistas entrevistados em Aquiraz para alguns itens importantes no cenário da atividade turística. Organizado por: Michele de Sousa.

De maneira geral, as pessoas que visitam Aquiraz têm boa im-pressão das localidades pesquisadas, apesar das defi ciências citadas por elas. Deixaram registradas, porém, a ideia de que um lugar com aspectos naturais tão bonitos, o que a maioria deles busca, deveria ter melhor infraestrutura e mais divulgação para que outras pessoas também pudessem conhecê-lo. Especialmente aqueles que retornam frequentemente ao local há alguns anos, preocupam-se, particular-mente, com a conservação da natureza (praia) que, apesar de ainda ser bela, para eles já não é mais a mesma.

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Considerações fi nais

O município de Aquiraz, até a década de 1960, era uma lo-calidade essencialmente agrícola. A partir de 1970, passaram a ser incorporadas ali as práticas marítimas da modernidade, como o ve-raneio e o turismo, atividades que ocasionaram mudanças neste lu-gar, especialmente, as socioambientais.

Desde a política estadual de turismo, elaborada em 1995, pelo “governo das mudanças” que visava à interação dos agentes do turismo para incrementar a competitividade do setor e, consequen-temente, o Estado do Ceará como destino turístico, Aquiraz se inse-re na óptica desenvolvimentista do turismo.

Todavia, algumas questões para a melhoria da qualidade de vida da população e para o desenvolvimento da atividade turística, de ma-neira mais efi ciente e que produza menos impactos negativos devem ser consideradas, tal como a defi ciência na oferta de serviços públicos (educação, saneamento básico, abastecimento de água, entre outros).

Foram percebidos alguns problemas de ordem social, econô-mica, ambiental e cultural nas localidades litorâneas de Aquiraz, tais como: segregação espacial dos habitantes locais, jovens sem qualifi ca-ção para ocupar postos de trabalho, desemprego, redução do fl uxo de turistas, artifi cialização da paisagem, contaminação dos recursos hí-dricos, desaparecimento progressivo das atividades tradicionais, vias em estado precário de tráfego, entre outros problemas. Entende-se que a atividade turística pode vir a exacerbá-los, mas não se consegue detectá-la como sendo a origem destes. Sendo o veraneio anterior ao turismo no Município, poderia ter contribuído mais expressivamente para incrementar estes problemas. Em alguns aspectos, como o am-biental, por exemplo, os próprios moradores são agentes que impac-tam o meio ambiente em que vivem quando desmatam o mangue, abrem o leito dos rios, praticam a pesca predatória, entre outras ações. Neste sentido, programas de educação ambiental são importantes para a sensibilização, e consequente conscientização, a respeito da conserva-ção dos bens naturais.

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É necessária também a criação de normas para a implementa-ção de loteamentos, pelos incorporadores imobiliários, que exercem forte pressão sobre os recursos naturais e estruturais, quando nego-ciam imóveis, sem, contudo, dotá-los com um mínimo de infraes-trutura, além de serem os grandes responsáveis pelas redefi nições espaciais da localidade e expulsão das comunidades locais.

Quanto à situação da atividade turística no Município, a pre-sença de turistas se confi gura mais evidente na localidade do Porto das Dunas, mais especifi camente, no Beach Park. Nas demais localidades, a presença do veraneio se apresenta mais fortemente e o “desapareci-mento” progressivo de turistas nessas comunidades produz inquieta-ção, especialmente nas pessoas que dependem economicamente deste fl uxo, como, por exemplo, as rendeiras e os barraqueiros. A infraes-trutura cada vez mais precária de estradas e equipamentos turísticos, porém, tem levado os receptivos para outros municípios. Essa situação se refl ete na carência de empregos, proporcionada, também, pela bai-xa escolaridade e qualifi cação profi ssional da população, resultando na ocupação de cargos com menores remunerações nos empreendimen-tos. A falta de perspectivas para os jovens já se refl ete em problemas sociais, como o uso de drogas e a prostituição.

A visão da atividade turística como estratégia de desenvol-vimento, compartilhada por governos, populações, empresas etc., muitas vezes não atenta para o fato de que o turismo, sozinho, não pode trazer “desenvolvimento”, que se trata de um conceito bem mais amplo, e sim, crescimento econômico.

Para atingir melhorias que almejem contemplar as localidades de Aquiraz, como um todo, e as comunidades que nelas vivem, toda-via, é preciso capacidade de organização social e efetiva participação popular nos processos de mudança no Município e, principalmente, vontade política para utilização dos instrumentos legais, como as políticas públicas e as leis, no sentido de promover um desenvolvi-mento social e econômico mais equitativo e justo, procurando ainda resguardar os recursos ambientais e culturais.

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PLANO NACIONAL DE TURISMO 2007/2010: ANÁLISE E DESAFIOS

DE SUA IMPLEMENTAÇÃO

Heidi Gracielle Kanitz Jeff erson Dantas Freire de Morais

Liége Azevedo Martins Maria Arlete Duarte Araújo

O turismo confi gura-se como um dos mais importantes e promissores segmentos econômicos do país, apresentando taxas de crescimento percentuais superiores à média mundial em ter-mos de fl uxo turístico receptivo, de receita turística cambial e de geração de empregos.

A atividade turística, assim como outras formas de ativida-de econômica, existe em um ambiente moldado por muitas forças distintas. Uma das forças mais importantes se manifesta através de uma rede complexa de políticas, leis, regulamentações e outras ações governamentais. Para compreender melhor como o envolvimento governamental afeta a indústria turística, as ações do setor público podem ser classifi cadas em quatro categorias gerais: planejamento, políticas, desenvolvimento e regulamentação. Em cada uma dessas áreas, os governos cumprem um papel único e vital, seja facilitando ou desestimulando o turismo (OMT, 2003).

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Com relação ao desenvolvimento, a Organização Mundial do Turismo (2003) ressalta que o governo tem importante participa-ção no planejamento da atividade turística, podendo controlar o processo, assumindo o papel de empreendedor, com a possibilidade de coordenar ações voltadas para a melhoria da infraestrutura, bem como projetos voltados para a educação e treinamento. A função regulamentadora do governo é importante para a atividade, visto que boa parte da mesma é dirigida à proteção do consumidor. As ações regulamentadoras surgem também a partir de uma preocupa-ção com os recursos ambientais e culturais do destino turístico.

Como processo, o planejamento tem um forte sentido de in-tangibilidade e não pode, portanto, ser confundido com um plano, que é um documento que reúne um conjunto de decisões sobre de-terminado tema/área/setor. Planejamento governamental nada mais é do que o planejamento que se faz no âmbito das administrações públicas, considerando-se suas diferentes escalas de gestão (CRUZ; SANSOLO, 2003).

A política pública, por sua vez, é parte do processo de planeja-mento governamental e envolve tudo aquilo que um governo decide fazer ou não relativamente a um dado setor da vida social. Vista as-sim de forma tão abrangente, a política pública funde-se ao próprio processo de planejamento, com a diferença de que o planejamento é o processo e a política pública é o posicionamento da administração pública frente a um aspecto da vida social em um dado momento. Esse posicionamento pode ser exposto na forma de um documento - tal como o plano - e ter, consequentemente, a visibilidade que se espera de uma política pública ou não (CARVALHO, 2000).

Portanto, uma política pública de turismo pode ser enten-dida como:

O conjunto das decisões e ações relativas à alocação im-perativa de valores que se encontram consubstanciadas, amparadas legalmente nos programas, projetos, planos,

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metas e orçamentos dos poderes públicos (federal, es-tadual ou municipal) referentes ao turismo. (CRUZ, 2000, p.40).

Por incorporar um amplo conjunto de atividades, da compe-tência de diferentes atores e agências estatais e privadas, as políticas públicas em turismo são, por excelência, multissetoriais e, na sua im-plementação, tornam-se extremamente complexas. Esse, aliás, tem sido um dos motivos das difi culdades de sua implementação, como aponta-do por Beni (2006). Assim, em outras políticas setoriais, podemos en-contrar programas, projetos e atividades com forte rebatimento sobre o turismo, como é o caso da infraestrutura, das políticas urbanas, de desenvolvimento regional, de emprego e renda e, mais recentemente, de preservação ambiental e do patrimônio histórico-cultural.

A presença de uma política nacional de turismo é importan-te para estabelecer as metas e direcionar o desenvolvimento do setor. Através das políticas, os governos podem articular seus objetivos para o turismo e suas preocupações com relação a seus impactos.

Nessa perspectiva, este artigo tem por objetivo discutir o Plano Nacional de Turismo 2007/2010, a partir da análise de suas propostas para o desenvolvimento da atividade turística no país com a preocupa-ção de apontar os desafi os a serem enfrentados para que as metas pro-postas possam ser atingidas. Para tanto, serão utilizadas informações de fontes variadas e documentos ofi ciais constantes no site do Ministério do Turismo e da Embratur.

A estrutura do artigo contempla, além desta introdução, um breve histórico sobre as políticas públicas voltadas para o turismo; em terceiro lugar, faz uma descrição das metas e macroprogramas contidos no PNT 2007/2010; em quarto lugar, destaca os desafi os a serem enfrentados para a consecução de tais metas e, fi nalmente, tece algumas considerações sobre os objetivos do Plano à luz dos desafi os identifi cados.

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Políticas públicas de turismo no Brasil

A história das políticas públicas em turismo vincula-se ao Estado de Bem-Estar social e tem na sua origem “a regulação do trabalho, a limitação do seu tempo, as férias remuneradas, a aposen-tadoria, a evolução dos transportes, da comunicação, além de outras conquistas da sociedade moderna” (PEREIRA, 1999, p. 9).

Uma digressão histórica sobre políticas nacionais de turismo no país mostra que nem sempre essas políticas foram claramente explicitadas, além de terem se reduzido a aspectos parciais da ati-vidade. Isso repercutiu, negativamente, sobre as políticas públicas para o setor, estabelecidas em outras escalas de gestão (regional, es-tadual e municipal), pois, como afi rma Cruz (2000, p.9), “sem a referência de uma política nacional, políticas e planos de turismo – considerando-se essas diferentes escalas – ignoraram a possibilidade de concatenação entre si e com outras políticas setoriais”.

A valorização da atividade turística no Brasil, a partir da déca-da de 1990, resulta de diversos fatores conjugados, como o crescente signifi cado econômico do setor de serviços no mundo e, inserido neste, o turismo; a chamada potencialidade natural turística do país; a disponibilização de capitais estrangeiros para fi nanciamento de projetos e os posicionamentos público e privado favoráveis ao de-senvolvimento da atividade. Um marco dessa mudança é a Política Nacional de Turismo, instituída durante o primeiro mandato do go-verno Fernando Henrique Cardoso (1995/1998), cuja fi nalidade era promover e incrementar o turismo como fonte de renda, de geração de emprego e de desenvolvimento socioeconômico do país. (CRUZ, 2000; FONSECA, 2005).

Com 24 programas nacionais para o setor turístico, o governo FHC implantou o “Avança Brasil”, tendo como ponto de partida o Programa de Desenvolvimento do Turismo - PRODETUR, fi nan-ciado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Isso possi-bilitou o direcionamento de investimentos na ordem de US$ 133 milhões para a melhoria de aeroportos e, em fase seguinte, US$ 560

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milhões para melhorias futuras, incluindo a recuperação de monu-mentos históricos e a preservação ambiental. (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, 2002).

Em seguida, nesse contexto, adota-se a ideia proposta pela Organização Mundial do Turismo (OMT, 1994) de que o turismo ocorre efetivamente nos destinos, ou seja, nos municípios, e que são os munícipes os verdadeiros conhecedores das potencialidades do território onde residem. O Instituto Brasileiro de Turismo – EM-BRATUR começa então a repassar as diretrizes de desenvolvimento diretamente às prefeituras, baseando-se na participação comunitária e na formação de conselhos.

Dessa forma, a municipalização ganhou força e o Programa Nacional de Municipalização do Turismo – PNMT, cujo surgimen-to se deu no governo Itamar Franco, infl uenciou a Política Nacional de Turismo da gestão seguinte, em princípio, uma continuidade des-te. Tal programa sobreviveu até o fi m da gestão de FHC, em 2002.

O princípio norteador do PNMT foi a descentralização das ações por meio da municipalização visando fortalecer o Poder Pú-blico Municipal para que, em conjunto com as instituições privadas e os representantes da comunidade, assumisse a corresponsabilidade e fosse partícipe da defi nição e da gestão das políticas, dos progra-mas e das ações locais voltadas para o desenvolvimento do turismo sustentável (EMBRATUR, 1999). Os órgãos estaduais passaram a ser parceiros do processo de municipalização e deixaram de ser re-presentantes das políticas federais nos estados.

Com a implantação do PNMT, o governo federal pretendia alcançar alguns resultados, tais como:

A melhoria da qualidade de vida de milhões de brasilei-ros que vivem em regiões com potencial turístico; a di-versifi cação qualitativa dos bens e serviços produzidos e da infraestrutura receptiva do turismo nacional; a gera-ção de novos empregos e a manutenção dos existentes; o aproveitamento da mão de obra não qualifi cada, com sua

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consequente capacitação; a redução das desigualdades re-gionais; o maior aporte de divisas ao balanço de pagamen-to; a integração socioeconômica e cultural da população; a proteção ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural; a inserção do Brasil no cenário internacional, constituindo-se uma imagem externa positiva. (EMBRA-TUR, [2000?], p.9 in FONSECA, 2005).

Porém, constatou-se que uma signifi cativa fatia de recursos fi nanceiros foi destinada aos grandes destinos receptores de turistas do país, a grandes projetos de empresas ou a grupos corporativos do setor, relegando aos pequenos municípios o papel de meros partici-pantes de exaustivas discussões sobre a importância do turismo e ou-tras questões que talvez nunca se transformem em realidade para os setores, tanto públicos quanto privados locais (CARVALHO, 2008; CRUZ, 2001).

Além disso, outro gargalo importante na continuidade do PNMT foi que os municípios não estavam dotados de recursos téc-nicos e humanos para trabalhar o planejamento turístico adequa-damente, o que truncava o andamento das ações: chegava-se até à fase de discussões e conscientização, porém quando era necessário avançar na elaboração de projetos e propostas tecnicamente viáveis não havia profi ssionais qualifi cados para tal, e os governos estaduais e federal também não possuíam contingente sufi ciente de técnicos para suprir a demanda, sem contar o fato de não haver reconheci-mento por parte do poder público do potencial existente nos bancos das faculdades de turismo até o momento.

No entanto, a grande crítica que se faz ao programa refere-se à sua incapacidade de transformar – ou avançar – essa grande mobi-lização para um patamar mais elevado no intuito de materializar re-sultados concretos para as comunidades locais. O PNMT perdeu-se em sua própria estrutura e grandiosidade, porém não se pode omitir que o seu legado de mobilização deixou as bases para o lançamento

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das políticas do próximo governo, fundamentada na regionalização do turismo.

Quando ainda candidato à presidência da república, o atual governo já manifestava publicamente a importância que daria ao turismo em sua gestão, caso fosse eleito. A criação do Ministério do Turismo em 01/01/2003 (Medida Provisória nº 103), primeiro dia do mandato do governo Lula, é emblemática do status conferido por este governo ao turismo na administração pública federal, uma vez que, pela primeira vez na história do país, o turismo tem um Ministério todo para si.

O turismo deixou de ser “sobrenome” para se tornar um mi-nistério independente, com ministro de Estado exclusivo e com ver-bas próprias, ganhando posicionamento diferenciado e status-quo depois dessa medida. Com a criação do Ministério do Turismo, foi implementado o “Plano Nacional do Turismo – Diretrizes, Metas e Programas”, que estabeleceu os rumos para o desenvolvimento da atividade turística no Brasil para o período 2003/2007.

Assim, como afi rma Santana apud Silveira (2005):

With the introduction of the PNT (National Tourism Policy), Brazil has for the fi rst time a clear national policy for tourism, which had as macro strategies: the planning, development, and promotion of tourism through the ar-ticulation of the government and the private sector; the implementation of basic and tourism infrastructure; the training of human resources in tourism in general; and the decentralization and modernization of tourism admi-nistration. (SILVEIRA, 2005, p. 5).

A partir do PNT 2003/2007, o governo federal realizou uma série de mudanças em sua estrutura administrativa para possibilitar a criação de um canal de comunicação mais efetivo com os gover-nos estaduais e, ao longo do tempo, conseguiu compartilhar com o poder público estadual a responsabilidade pela condução do desen-volvimento turístico do país (SOLHA, 2005).

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Esse órgão lançou, em 2004, o Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil, como instrumento de execução das políticas (BENI, 2006). Percebe-se que o modelo de gestão apoia-se na regionalização do turismo, incorporando a noção de território e de arranjos produtivos, como eixo estruturante dos macropro-gramas do Plano Nacional - ainda que Beni aponte para a falta de compreensão do mercado sobre a intenção do Governo com a re-gionalização. Segundo o autor, o que se tem visto com frequência são “cenários de roteirização regionalizada em vez de regionalização sustentável do turismo, este sim o alvo e a meta do governo federal”. Por sua vez, Caio Luiz de Carvalho (in FONSECA, 2005) responde a esse processo dizendo que “é uma pena que tenham ‘matado’ o Pla-no Nacional de Municipalização por mesquinhez de assessores que iludiram o atual ministro” visto que o referido programa possuía, em sua essência, uma melhor capacidade de atender às premissas de regionalização sustentável.

Baseado nos resultados do Plano Nacional de Turismo 2003/2007, o PNT 2007/2010, objeto de estudo deste artigo, traz uma série de estratégias e medidas que buscam representar um im-portante estímulo ao mercado interno. São propostas que visam o fortalecimento do turismo interno, com o intuito de abrir portas para a inclusão social, tendo ainda o claro objetivo de manter e aper-feiçoar todas as iniciativas que já estavam em curso no Ministério.

Conhecendo o PNT 2007/2010

O Plano Nacional de Turismo 2007/2010, cuja temática evi-dencia o cunho social das ações, apresenta diretrizes, metas e pro-gramas do setor, exposto em um documento com 88 páginas. A proposta do PNT é ser um

[...] instrumento de planejamento e gestão que coloca o turismo como indutor do desenvolvimento e da geração de emprego e renda no País [...] avançando na perspectiva

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de expansão e fortalecimento do mercado interno, com especial ênfase na função social do turismo. (MTUR, 2007, p.5).

Dentre as ações a serem desenvolvidas, destacam-se o fortale-cimento do turismo interno, promoção do turismo como fator de desenvolvimento regional, investimento em qualifi cação profi ssio-nal e geração de emprego e renda, bem como “assegurar o acesso de aposentados, trabalhadores e estudantes a pacotes de viagens em condições facilitadas e garantir ainda mais condições para a promo-ção do Brasil no exterior” (MTUR, 2007, p.11).

Com base em um diagnóstico dos problemas enfrentados pelo setor de turismo (MTUR, 2007), foram estabelecidos objetivos gerais e específi cos. Entre os objetivos gerais estão: desenvolver o produto turístico brasileiro com qualidade, contemplando as diver-sidades regionais, culturais e naturais; promover o turismo como um fator de inclusão social, por meio da geração de trabalho e renda e pela inclusão da atividade na pauta de consumo de todos os bra-sileiros; fomentar a competitividade do produto turístico brasileiro nos mercados nacional e internacional e atrair divisas para o País. Quanto aos objetivos específi cos, propõe-se garantir a continuidade e o fortalecimento da Política Nacional do Turismo e da gestão des-centralizada, entre outros.

O Ministério do Turismo se orienta pelas diretrizes defi nidas no Plano Nacional de Turismo, estruturado por um conjunto de macroprogramas e programas que, alinhados com os programas e as ações do Plano Plurianual de Governo, estabelecem, segundo o documento, as condições para a sua efetivação no âmbito do gover-no federal. As metas para o período 2007/2010 apresentam-se da seguinte maneira: Meta 1: promover a realização de 217 milhões de viagens no mercado interno; Meta 2: criar 1,7 milhão de novos empregos e ocupações (sendo esta cumulativa); Meta 3: estruturar 65 destinos turísticos com padrão de qualidade internacional; Meta 4: gerar 7,7 bilhões de dólares em divisas (MTUR, 2007).

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Tais metas do PNT são orientadas por 8 (oito) macroprogra-mas. Os mesmos são constituídos por um conjunto de programas que organizam, por temas afi ns, as diversas atividades executivas da atuação ministerial e seus parceiros. Os programas, por sua vez, se desdobram em diversas ações, que traduzem o seu detalhamento em projetos e atividades que visam propiciar o alcance das metas.

Os macroprogramas são os seguintes: Macroprograma 1, que diz respeito ao Planejamento e Gestão. A ele estão vinculados os se-guintes programas: Programa de Implementação e Descentralização da Política Nacional de Turismo, Programa de Avaliação e Monito-ramento do PNT e Programa de Relações Internacionais.

Nele, explicita-se que ao Ministério do Turismo cabe a per-manente articulação entre os diversos setores, públicos e privados, relacionados à atividade, no sentido de compartilhar decisões, agili-zar soluções, eliminar entraves burocráticos e facilitar a participação de todos os envolvidos no processo de crescimento do setor. Coloca como um dos objetivos a descentralização da execução das ações defi nidas no Plano Nacional de Turismo, em alinhamento com os planos macrorregionais, estaduais, regionais e municipais do turis-mo. Sugere a implementação de mecanismos de acompanhamento e avaliação de desempenho do turismo, mas sem especifi car de que forma e por quem este controle será exercido.

Percebe-se um incremento relativo às ações do PNT 2003/2007 quando ele prevê a promoção da transversalidade do tema turismo por meio de uma ação de integração interministerial, particularmente onde sua interface com outros setores se torna estra-tégica, como no transporte aéreo, na infraestrutura básica, no desen-volvimento regional e na preservação do meio ambiente e da cultura.

Traz uma meta ambiciosa no que diz respeito à geração de emprego e renda, estendendo as possíveis benesses, advindas da ati-vidade aos países da América do Sul, quando coloca que

[...] cabe ao programa acompanhar e avaliar as políticas e decisões internacionais relacionadas ao desenvolvimento

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do turismo, estreitar laços com outros agentes da comuni-dade internacional, com vistas à troca de experiências no setor, além de realizar os esforços necessários à implemen-tação de ações de cooperação técnica bilateral ou multi-lateral que promovam a geração de emprego e renda e a aplicação de medidas de facilitação de fl uxos de pessoas entre os países da América do Sul. (MTUR, 2007, p.61).

O Macroprograma 2 refere-se à Informação e Estudos Turísticos e é composto pelo Programa Sistema de Informações do Turismo e pelo Programa de Competitividade do Turismo Brasileiro.

De acordo com o documento, a geração de indicadores básicos para a análise do setor de turismo é essencial para garantir as condições necessárias para que se apure a magnitude da atividade e se avalie o seu impacto na economia, bem como os seus impactos de caráter socio-ambiental. Estão inclusas neste programa as ações relativas à realização e disseminação de estudos e pesquisas sobre o turismo e a compilação e sistematização de registros administrativos que subsidiem as ações, tanto da área pública, quanto da área privada. (MTUR, 2007, p.63)

O Macroprograma 3 aborda o tema Logística de Transportes. Traz, alinhado a ele, os seguintes programas: Programa de Ampliação da Malha Aérea Internacional, Programa de Integração da América do Sul e o Programa de Integração Modal nas Regiões Turísticas.

Busca tratar das questões relativas à desrregulamentação da ati-vidade, custo de combustível e bilateralidade, bem como do proble-ma das limitações relativas à infraestrutura para o transporte terrestre e aquaviário, não só com relação à integração de diferentes modais e como complemento para a acessibilidade aérea, mas também e, prin-cipalmente, como uma forma de acessibilidade, fundamental para a expansão do consumo turístico no País, particularmente para os deslo-camentos de âmbito regional e intraestadual.

Dentre seus objetivos, pretende atuar na transformação de des-tinos turísticos nacionais em destinos regionais sul-americanos, fomen-tar o turismo e o comércio regional, visando impulsionar a indústria

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do turismo de lazer e negócios e viabilizar as redes nacionais e sul-ame-ricanas com potencial econômico, por meio da identifi cação de novos destinos turísticos e de negócios.

Já o Macroprograma 4 é defi nido pela temática Regionalização do Turismo. Os programas que o compõem são: Programa de Planejamento e Gestão da Regionalização, Programa de Estruturação dos Segmentos Turísticos, Programa de Estruturação da Produção Associada ao Turismo, Programa de Apoio ao Desenvolvimento Regional do Turismo.

A regionalização do turismo, implantada pelo Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil (lançado em abril de 2004 como uma das estratégias do PNT 2003/2007) propõe a estrutu-ração, o ordenamento e a diversifi cação da oferta turística no País e se constitui no referencial da base territorial do Plano Nacional de Turis-mo. Constitui, dessa forma, um modelo de gestão de política pública descentralizada, coordenada e integrada, com base nos princípios da fl exibilidade, articulação, mobilização, cooperação intersetorial e inte-rinstitucional e na sinergia de decisões, como estratégia orientadora dos demais macroprogramas, programas e ações do PNT.

No escopo desse macroprograma integram-se, de acordo com o PNT, os programas de apoio ao fi nanciamento para o desenvolvimento regional – PRODETUR E PROECOTUR – que interagem em um processo de complementaridade.

Esse macroprograma do PNT tem por objetivo promover o desenvolvimento e a desconcentração da atividade turística; apoiar o planejamento, a estruturação e o desenvolvimento das regiões turísti-cas; aumentar e diversifi car produtos turísticos de qualidade, contem-plando a pluralidade cultural e a diferença regional do País; possibilitar a inserção de novos destinos e roteiros turísticos para comercialização; fomentar a produção associada ao turismo, agregando valor à oferta turística e potencializando a competitividade dos produtos turísticos; potencializar os benefícios da atividade para as comunidades locais; integrar e dinamizar os arranjos produtivos do turismo; aumentar o tempo de permanência do turista nos destinos e roteiros turísticos e; dinamizar as economias regionais (MTUR, 2007).

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Assim, numa ação integrada dos governos estaduais, o pro-grama identifi cou e estão sendo trabalhados, prioritariamente, 87 roteiros que abrangem 474 municípios em 116 regiões turísticas.

O Macroprograma 5 trata do Fomento à Iniciativa Privada. A ele correspondem os programas de Atração de Investimentos e de Financiamento para o Turismo. De acordo com o plano, o processo de desenvolvimento sustentável nas sociedades modernas está vin-culado à disponibilidade e acessibilidade ao crédito, para expansão dos negócios que realizam as atividades de produção de cada setor econômico. A atividade turística é executada, fundamentalmente, pela iniciativa privada e envolve um amplo leque de oportunidades para o desenvolvimento da oferta de serviços.

Traz como objetivos ampliar e melhorar a oferta de equipamen-tos e serviços turísticos em todo o País; incentivar a micro, pequena e média empresa, facilitando o acesso ao crédito; gerar novos postos de trabalho por meio da ampliação e diversifi cação dos equipamentos turísticos; fortalecer o mercado interno por meio do fi nanciamento ao consumidor fi nal; gerar divisas, promovendo a captação de investidores para o Brasil; captar investidores para projetos localizados em regiões potenciais remotas, ainda não desenvolvidas; divulgar as oportunidades de investimentos no turismo, sensibilizando os potenciais investidores para o desenvolvimento da atividade no País (MTUR, 2007, p.71).

A infraestrutura pública é tratada no Macroprograma 6. A ele se vinculam os programas de Articulação Interministerial para Infraestrutura de Apoio ao Turismo e o Programa de Apoio à Infra-estrutura Turística.

No escopo do plano, discorre que as parcerias público-pri-vadas devem ser também consideradas como uma das alternativas para alavancar a implantação e manutenção da infraestrutura nas regiões turísticas. Dotar um município ou região de infraestrutura turística de apoio é proporcionar as bases para a expansão da ativida-de turística, por meio da criação de condições para implantação de equipamentos, para o acesso de turistas, para a melhoria da qualida-

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de do produto turístico e o fortalecimento da economia da região. Essas ações devem ser orientadas por um trabalho de identifi cação e quantifi cação das necessidades de infraestrutura, de modo a ofe-recer soluções que garantam a melhoria na capacidade, segurança e qualidade de atendimento ao turista. Devem considerar as necessi-dades de pessoas com defi ciência ou com mobilidade reduzida e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida nos destinos turísticos. Estrategicamente, as regiões devem ser preparadas para receber os investimentos como forma de otimizar os resultados e minimizar os impactos (MTUR, 2007, p. 72).

O PNT aponta que parte signifi cativa dos recursos que via-bilizam as infraestruturas turísticas provém de emendas orçamen-tárias, sendo fundamental a realização de um trabalho permanente junto aos parlamentares por parte do governo federal, estados e municípios para que seus pleitos priorizem os programas do Plano Nacional nas regiões turísticas. Percebe-se, no entanto, a fragilida-de na viabilização e concretização dessas ações, visto que, histori-camente, as políticas públicas de turismo nunca foram prioridade para os governos.

Destaca-se, no entanto, que dentro destes programas está refe-renciada a intenção de que haja ações de gestão governamental relativas à promoção da integração interministerial, particularmente, Cidades (saneamento ambiental), Transportes (sistema viário), Cultura, Meio Ambiente, Integração Nacional e Defesa, entre outros Ministérios, de modo a estabelecer parcerias intersetoriais para o atendimento das de-mandas relativas ao desenvolvimento das regiões turísticas, no que se re-fere às infraestruturas públicas, atendidas com recursos orçamentários.

Outro ponto de relevância são as discussões para que se garanta a acessibilidade para pessoas com defi ciência ou mobilidade reduzida em todos os equipamentos turísticos do país. Tais colocações são inéditas dentro do Plano Nacional de Turismo desenvolvido desde o ano de 2003, confi gurando-se em uma mudança positiva nas diretrizes para o desenvolvimento da atividade.

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O Macroprograma 7 trata da Qualifi cação dos Equipamentos e Serviços Turísticos e traz, subordinados a ele, o Programa de Normati-zação do Turismo, o Programa de Certifi cação do Turismo e o Progra-ma de Qualifi cação Profi ssional.

É sabido que o grande número de empregos gerados pelo tu-rismo, a sazonalidade e a alta rotatividade nos postos de trabalho requerem um esforço adicional em especial para a qualifi cação dos recursos humanos. Nesse sentido, é fundamental a implementação de uma política de qualifi cação que oriente as instituições respon-sáveis pelo fi nanciamento, formulação e oferta de cursos para os diversos setores que integram a cadeia produtiva do turismo, nos seus diversos níveis, desde a formação gerencial e acadêmica até os níveis operacionais, com os empregados de menor qualifi cação. As instituições de pesquisa e de ensino superior, relacionadas ao tu-rismo, devem participar da formulação e implementação dessa po-lítica (MTUR, 2007, p.74). Reforça-se essa premissa pelo fato de que a baixa qualifi cação profi ssional dos prestadores de serviços na atividade turística no Brasil, resultante da defi ciência das políticas educacionais no país, constitui fator limitante ao desenvolvimento da atividade que, como outros setores econômicos, necessita de mão de obra qualifi cada.

Esse macroprograma busca então, através dos seus progra-mas, promover a qualifi cação e o aperfeiçoamento dos agentes atuantes em toda a cadeia produtiva do turismo, nos diversos ní-veis hierárquicos, tanto do setor público quanto do setor privado. Deve, dentre outras atribuições, apoiar a elaboração de normas técnicas brasileiras e estimular ações voltadas para a certifi cação de pessoas, produtos e empreendimentos.

A Promoção e Apoio à Comercialização é tratada no Macropro-grama 8. Em consonância a ele estão os programas de Promoção Na-cional do Turismo Brasileiro, o Programa de Apoio à Comercialização Nacional, Programa de Promoção Internacional do Turismo Brasileiro e Programa de Apoio à Comercialização Internacional.

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Esse último macroprograma traz questões relacionadas às ações de marketing que compreendem a publicidade, as ações promocionais e de relações públicas, com base na Marca Brasil, assinalando que deve ser consolidada a imagem de um país moderno, com credibilidade, alegre, jovem, hospitaleiro, capaz de proporcionar lazer de qualida-de, novas experiências aos visitantes, realização de negócios, eventos e incentivos, tornando-o competitivo nacional e internacionalmente.

Por fi m, deve ter como essência a realização de experiências positivas de conhecimento, integração e valorização das riquezas culturais e naturais do País, para a difusão e promoção de um tu-rismo seguro, qualifi cado, diversifi cado e sustentável. No mercado interno deve buscar, fundamentalmente, promover o aumento de viagens com a inserção de novos grupos de consumidores até então excluídos desse tipo de consumo (MTUR, 2007).

Análise e desafi os do PNT 2007/2010

O Plano Nacional de Turismo 2007/2010 traz consideráveis mu-danças quando comparado ao PNT 2003/2007, principalmente pelo fato de estar referenciado pelos resultados alcançados quando da concreti-zação do Plano anterior. Algumas mudanças são signifi cativas no que diz respeito à participação de entidades acadêmicas, à análise de dados relati-vos ao crescimento da atividade e à adequação das metas a uma possível realidade. Ainda assim, alguns aspectos devem ser analisados.

No que diz respeito à apresentação do plano, sinaliza-se que ele foi fruto de todos os segmentos turísticos, traduzido em um tra-balho integrado de cooperação e participação entre diversos setores do governo, da iniciativa privada e do terceiro setor, bem como das instituições com assento no Conselho Nacional de Turismo – CNT. Entretanto, não há indicação com relação à paridade de participação desses segmentos.

O seu processo de construção foi iniciado em 2006 com a elaboração do documento referencial Turismo no Brasil 2007/2010,

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por solicitação do próprio Conselho. Para sua realização, o PNT mobilizou os quadros técnicos do Ministério do Turismo – Secre-taria Nacional de Políticas de Turismo, Secretaria Nacional de Pro-gramas de Desenvolvimento do Turismo e Embratur, tendo como referências estudos e pesquisas de instituições acadêmicas do País e consultorias especializadas. Tal informação o diferencia do Plano elaborado para o período de 2003/2007, o qual não contou com representações de área acadêmica nem de proteção aos direitos do consumidor, conforme descreve Noia et al. (2007, p.7)

O PNT 2007/2010 traz modifi cações metodológicas impor-tantes que alteram metas anteriormente estabelecidas. Por exemplo: ao invés de utilizar desembarques nacionais, passa-se a adotar o nú-mero de viagens domésticas para medir o fl uxo turístico interno; a geração de divisas com o turismo passa a ser medida exclusivamente por dados ofi ciais do Banco Central do Brasil. Entretanto, não sina-liza de forma clara e explícita a metodologia utilizada para a constru-ção do plano como um todo.

A estrutura de gestão mostra-se coerente e bem planejada, mas o questionamento que se levanta é com relação ao nível de capacita-ção dos que fazem parte deste processo que permeia a implantação das ações previstas no PNT: secretários de turismo, representantes nos fóruns estaduais, ou seja, se tais agentes multiplicadores do turismo estarão aptos a exercerem o seu papel.

Como um todo, apresentam-se bem alinhadas as metas com os macroprogramas e programas apresentados, porém o plano ainda enxerga o turismo como uma atividade redentora para os problemas econômicos, sociais e políticos do Brasil, reforçando a visão ufanista que permeia os discursos ofi ciais.

Tal visão é reforçada na fala institucional do Presidente da República na abertura do plano em que afi rma:

O século XXI vai ser marcado como o século do desenvol-vimento sustentável e da preservação do meio ambiente. O turismo ambiental e sustentável tem aqui um potencial

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no qual poucas nações do mundo podem se comparar ao Brasil. Nossas belezas naturais, rios, fl orestas, mananciais, praias e montanhas são um atrativo sem concorrência neste mundo assustado pelo aquecimento global e pela destruição da natureza. (MTUR, 2007, p. 5).

Deve-se atentar, portanto, para o exagero que permeia tais afi rmações, pois como explica Trigo (2005, p.100) “o Brasil não possui atrativos exclusivos para o turismo internacional. Há praias, fl orestas, campos belíssimos, mas essas belezas naturais podem ser encontradas em outros lugares do planeta, apesar de serem extrema-mente exuberantes no Brasil”.

O turismo não é uma questão apenas de vocação, uma vez que o potencial turístico não é dado naturalmente, mas sim como resultado de uma construção cultural. Enquanto produto, ele é fruto de um conjunto de condições decorrentes de relações entre cultura, mercado e políticas públicas que venham proporcionar o desenvolvimento da atividade.

Alerta Souza (1997) que a noção de desenvolvimento deve ser compreendida como:

Um processo de superação de problemas e conquistas de condições (culturais, técnico-tecnológicas, político-ins-titucionais, espácio-territoriais) propiciadoras de maior felicidade individual e coletiva, exigindo “considerações simultâneas das diversas dimensões constituintes das re-lações sociais (cultura, economia, política) e, também, do espaço natural e social”. (SOUZA, 1997, p. 17).

O discurso governamental que permeia o Plano Nacional de Tu-rismo gera uma espécie de crença generalizada de que o país tem todas as condições para se destacar no ranking internacional de destinos tu-rísticos quando, na verdade, um melhor posicionamento do Brasil nes-te ranking depende não apenas das ações tomadas internamente, mas, inclusive, de externalidades sobre as quais não se têm possibilidades de ingerência. Entre essas externalidades destacam-se os modismos inter-

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nacionalmente produzidos pelos agentes hegemônicos da publicidade, do marketing, do agenciamento de viagens bem como a competição cada vez mais acirrada com outros destinos tropicais.

Assim, o principal desafi o que se percebe será o de aliar os ob-jetivos descritos com as ações dos poderes públicos durante o período de execução do PNT, lançando novas bases para a continuidade do programa pelas gestões posteriores.

Sem mudanças na política regional que se tem levado a cabo no Brasil há décadas, com um privilégio latente a dadas porções do território, não há setor da economia que possa minimizar disparidades socioeconômicas entre uma e outra região.

Com relação a esse ponto, convém destacar a difi culdade de uma atividade, tão vulnerável como a turística, desencadear ou pro-mover a redução das desigualdades regionais desarticulada de outros tipos de políticas públicas. Para Balastreri (1997), o turismo é uma das alternativas para reduzir a exclusão social, uma vez que oferece novas oportunidades de investimentos e empregos para uma mas-sa crescente de desempregados que o mercado formal não absorve. Mas, mesmo com relação ao suposto potencial de geração de empre-gos, é importante observar que grande parte dos empregos gerados por essa atividade mantém-se durante apenas três ou quatro meses ao ano, nos períodos de alta temporada. Ressalta-se, ainda, o alto grau de informalidade do trabalho turístico (FONSECA, 2005).

Outra questão relevante dentro da discussão dos desafi os a se-rem enfrentados refere-se à capacidade técnica dos governantes locais, visto que são eles os fomentadores das ações de planejamento, capaci-tação e promoção dos roteiros diversos a serem criados em função da descentralização prevista. Observa-se que uma fatia considerável dos que fazem parte da alta direção administrativa dentro das secretarias e coordenações de turismo nos municípios e estados não possui o co-nhecimento necessário para gerir a atividade. Diante disso, percebe-se certo desalinhamento entre o que propõe a teoria e o que se apresenta na prática.

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Dentro das discussões atuais, assumem um papel relevante os assuntos relacionados à prática do turismo sexual. Nesse ponto, destaca-se o papel da EMBRATUR como promotora da imagem do Brasil no exterior. Percebe-se que atualmente o papel desenvol-vido pelo Instituto Brasileiro de Turismo assemelha-se ao de um Convention Bureau Nacional. A mesma EMBRATUR que até a dé-cada de 1980 promovia o Brasil por meio da tríade carnaval, praia e futebol, hoje, preocupa-se em divulgar a diversidade de “Brasis” no exterior.

Desvincular a imagem do país do estigma do turismo sexual mostra-se uma tarefa das mais difíceis, visto que as origens dessa marca encontram-se vinculadas às primeiras políticas públicas rela-cionadas à área. Note-se que a empresa, quando fora criada, como menciona Santos Filho (2004), “objetivava desviar a atenção inter-nacional para os graves problemas sociais e passar a ideia de país dos trópicos e núcleo mundial do pecado capital”, ou seja, toda e qualquer atividade relacionada ao turismo, para que, de forma legal pudesse atuar, deveria ser obrigatoriamente registrada, autorizada e fi scalizada pela EMBRATUR. Manteve-se tal situação até o fi m da ditadura militar e, durante todo esse período, o governo deteve con-trole sobre o desenvolvimento do turismo divulgando a imagem do país no exterior, contextualizada na liberdade sexual. Os refl exos são sentidos até os dias atuais.

Por fi m, a participação efetiva das comunidades locais torna-se imprescindível para a execução dos programas. Silveira (2005) traz uma consideração fundamental quando se refere à participação da comunidade em todos os processos que permeiam as políticas públicas de turismo:

Last but not least, the community should be the main benefi ciary of tourism development and treated like an important actors of the process (GANDARA, 2004; WTO, 1997), as all other stakeholders. It is not pos-sible to develop a destination without the approval of

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the community or overlooking their opinion. Tourism is an activity performed by people and with people and to people, and both tourists and hosts should be at the same side enjoying its benefi ts. In that sense, both groups should be heard and taken into consideration when such an important development tool is conceived. (SILVEIRA, 2005, p. 11).

Assim, em um contexto de complexidades e particularidades, os desafi os apontados devem permear todas as discussões sobre o futuro da atividade turística no País.

Considerações fi nais

O novo status adquirido pelo turismo na administração públi-ca federal nada mais é do que um refl exo da reconhecida e crescen-te importância que tem a atividade do turismo hoje, sobretudo no plano econômico, por sua capacidade de dinamizar diversos setores produtivos, gerar riqueza, renda e empregos. Em tempos de globali-zação, de desemprego estrutural, de crescimento da pobreza, o setor serviços e, inserido nele, o turismo, tem jogado um papel cada vez mais importante para as sociedades.

A criação, pela primeira vez na história do país, de um Minis-tério do Turismo é um paradoxo em relação ao sentido e à impor-tância que tem o turismo para este governo. Como uma atividade multifacetada, capaz de mobilizar dezenas de setores produtivos, de movimentar contingentes de pessoas pelos territórios, de transfor-mar os lugares, o turismo mostra que não é um tema passível de ser tratado apenas por um organismo da gestão pública. As interfaces entre turismo e outras práticas sociais e produtivas são fortes e evi-dentes; daí a problemática da concentração de ações voltadas ao seu desenvolvimento em um único órgão da administração.

Uma cultura de valorização do turismo não é algo que se constrói da noite para o dia ou por meio de atos administrativos ou

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de diplomas legais. Isso somente pode ser construído social e histori-camente. E, historicamente, a administração pública federal no Bra-sil jamais tratou o turismo, de fato, como uma atividade relevante.

Concebida como política de correção de “desequilíbrios re-gionais”, a Política Nacional de Turismo poderá não atingir os ob-jetivos propostos se os desafi os, citados anteriormente, não forem vistos com seriedade por todos os atores envolvidos no processo de planejamento e execução de ações alinhadas às diretrizes do PNT.

A questão central e fi nal que pode ser colocada diz respeito às limitações que tem o turismo assim entendido para produzir os efeitos desejados pelas sociedades e pelo governo, ou seja, um desen-volvimento econômico traduzido em melhores condições de vida para os brasileiros de um modo geral e não apenas para agentes de mercado ou parte das populações de núcleos receptores de turistas. O turismo deve ser entendido como um setor da vida social e, como tal, com capacidade limitada para mudar as condições sociais histo-ricamente construídas no Brasil.

O turismo tem que ser compreendido como uma atividade transversal a diversos setores da vida social e se tiver que ser uma prioridade para este ou para os próximos governos terá que ser lem-brado pelas agendas das políticas públicas de diversos organismos públicos. O turismo pode ser sim um meio para se melhorar as con-dições de vida de muitos brasileiros, mas, para tanto, não poderá mais ser tratado como um fi m.

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GESTÃO DO TERRITÓRIO PARA O TURISMO E IMPLICAÇÕES NA MUDANÇA DO IMAGINÁRIO SOCIAL E AMBIENTAL: O

CEARÁ VIRTUALIZADO

Ingrid Carneiro de LimaRaimundo Freitas Aragão

Segundo Castro (2001), da relação entre natureza e sociedade emerge a essência do discurso que paulatinamente compõe o imaginá-rio social do lugar. Ainda mais, da relação entre sociedade e natureza supõe, necessariamente, duas dimensões: a concreta, efetivada no ní-vel de subsistência, e outra simbólica, elaborada a partir de elementos da natureza gravados no imaginário social. É a partir da fusão das di-ferentes dimensões continentes nessa relação que o imaginário social se torna campo privilegiado para as ações políticas e sociais.

Como exemplo, podemos citar os pilares ideológicos, de cunho naturalista, dos grupos políticos que comandaram o Ceará por longo período quando formularam e difundiram seus argumen-tos acerca do seu território, nesse caso, o Semi-árido cearense, pas-sando a compor a imagem de um Estado vitimado pelas secas. Dessa forma, esses argumentos tornaram-se, nos discursos e representações das elites, a raiz dos problemas que desolavam o Estado. Tal unifi ca-ção desses discursos fundamentou a formação do imaginário local e dos valores a ele associados (CASTRO, 1997, 2001).

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Apropriada pelo discurso político, embasada em produção in-telectual regional e nacional, a tragédia natural tornou-se suporte dos grupos dominantes locais frente ao Governo Federal para a obtenção de vantagens políticas e recursos fi nanceiros, ato caracterizador do ce-nário político cearense até a chegada ao poder de novos atores, os quais direcionaram uma visão diferente sobre o Estado e, dessa nova visão, emergiu outro discurso, notadamente associado ao turismo.

É através dessa atividade que a gestão governamental inver-teu por completo o papel tradicionalmente atribuído à natureza cearense e, além disso, aliou qualidades diferenciadas à sociedade. Dessa forma, constituiu-se o turismo em principal negócio e forma de melhorar as vantagens comparativas do espaço cearense frente à competitividade do mundo contemporâneo (CASTRO, 2001) e capaz de fomentar imagem positiva do Ceará e de seus governantes (ARAGÃO; DANTAS, 2005).

Portanto, no Ceará, onde natureza e sociedade são retrabalha-das pelo turismo e estão orientando os novos rumos da economia e do imaginário do Estado, agora não mais apresentados em seu caráter “hostil” e “miserável”, mas envoltas em novos revestimentos.

Neste novo momento, natureza e sociedade são reconvertidas em parceiras e aliadas de um novo discurso, culminando num novo quadro simbólico não mais coletivo – social, não mais articulado e transmitido através de antigos meios como os relatos de viagens, litera-tura, música, causos etc. Entende-se esse quadro como proveniente de um planejamento articulado em gabinete, cujos resultados desembo-cam em novas práticas políticas, utilizando-se de substrato baseado no marketing turístico e constituído, sobremaneira, de imagens virtuais.

Nesse contexto, o novo imaginário, o turístico, foi arquiteta-do com objetivos de realçar e evidenciar outra visão sobre o Ceará, contribuindo fortemente para a imposição do pensamento único (SANCHEZ, 2003).

Portanto, a natureza e a sociedade cearenses foram replaneja-das para usufruto da nova política, produzindo arcabouço de imagens

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essencialmente positivas que, ao longo do tempo, passaram a ser dis-seminadas constantemente pelas diferentes mídias e assimiladas pelos “turistas-consumidores” (POUTET, 1995), envoltos de desejos, so-nhos, fetiches e fantasias.

O suporte de análise deste artigo se baseia, fundamental-mente, em questionários aplicados aos turistas e em peças promo-cionais e institucionais produzidas pela Secretaria de Turismo do Ceará (SETUR/CE). Constata-se, por conseguinte, que a publici-dade e a propaganda governamental vêm conseguindo substancial-mente mudar o antigo imaginário cearense desembocando, essen-cialmente, em imaginário virtual. É o que pretendemos explicitar logo a seguir.

Turismo como atividade prioritária: mais do que um projeto econômico

O turismo foi integrado à política de desenvolvimento econô-mico do Ceará no fi nal da década de 1980, com a adoção de proje-tos prioritários associados a discursos políticos que o transformam, grosso modo, em poderoso instrumento de poder argumentativo a serviço do Estado e capaz de salvar a economia local.

A racionalidade retrocitada se nota no discurso da base polí-tica aliada, ao indicar o Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Ceará (PRODETUR/CE), instrumento capaz de promover a sadia distribuição de renda e a erradicação da miséria no Estado. Inusitado nesta perspectiva é o discurso do parlamentar Jackson Pereira, ao apresentar a atividade turística como a única ha-bilitada a realizar “[...] este milagre” (PEREIRA, 1995). Atribui-se a essa atividade uma “missão divina”, garantia da redenção econômica e da melhoria das condições de vida do cearense, até então vitimado pelas secas, nos termos apresentados pela ideologia ofi cial.

Imbuídos dos elementos discursivos há pouco mencionados, empresários, políticos e governo criaram, ao utilizarem-se da mídia

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na difusão de seus argumentos, ambiente propício à implantação da atividade turística no Ceará. Discorrendo a respeito, Ouriques (2005) assinala dispor “o discurso em defesa do turismo” de “grande poder de persuasão”, chegando a seduzir a sociedade inteira, de tal forma que as opiniões divergentes são rotuladas, imediatamente, de “inimigas do progresso”.

A estratégia governamental de marketing, minuciosamente planejada, concebe ideário de “vocação natural” do turismo cea-rense indicando a natureza como dádiva divina posta à disposição da sociedade de consumo, notadamente dos amantes de praia. Por conseguinte, o Ceará é apresentado como um novo paraíso tropical.

Com ênfase no ideário há instante referido, o governo, jun-tamente com a iniciativa privada, alia às características de seu terri-tório as necessidades eminentemente econômicas, investindo tanto no tombamento dos atrativos naturais, principalmente o litorâneo - e culturais - como na instalação de complexos turísticos capazes de inte-grar a infraestrutura e os serviços nas áreas de elevado potencial turís-tico. Fabrica-se, dessa forma, a “vocação natural” do turismo cearense.

A racionalidade socioeconômica denota fragilidade do ideário da “vocação natural”, haja vista implicar a apropriação econômica da natureza, história e cultura pelo turismo (OURIQUES, 2005). Referenciando Knafou, Benevides (1998) remete à “turistifi cação” dos lugares, decorrente do estabelecimento de infraestrutura e de produção de imagem conferente da vocação turística cearense. Me-dida fundamental nesse sentido foi a da formação do “Pacto de Co-operação”, ideologia criada pelos principais grupos econômicos-po-líticos do Ceará na intenção de reunir autoridades governamentais e civis no sentido de pensar e organizar campanhas de convencimento dos cearenses acerca da “vocação” turística do Estado e do turismo como vetor de crescimento.

No primeiro domínio, o da “vocação” turística, a promoção de campanhas educativas, com vistas a criar mentalidade turística na população, é estruturada nos momentos de encontro propicia-

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dos pelo “Pacto de Cooperação”. Nessas campanhas, apresenta-se o turismo como atividade carente de colaboração e responsabilidade de todos os fortalezenses e cearenses. A sociedade, de forma geral, é convidada a participar dessa empreitada, dado evidenciado nos fôlderes, com slogans como: “Motorista de táxi, trate bem o turista” e “Deixe o turista com vontade de voltar”.

No segundo domínio, o do turismo como vetor de crescimen-to, as diferentes mídias se armam de referências e exaltações político-turísticas, estampadas e fazendo alusão às maravilhas do Ceará nas primeiras páginas de jornais (Folha de São Paulo, Th e Economist, Th e New Times, Wall Street Journal) e revistas (Veja e News Week) de circulação nacional e internacional.

O conjunto das exaltações das manchetes midiáticas e as me-didas ofi ciais direcionadas à atividade evidenciam caráter triunfalista do Estado e de seus governantes. Tais fatos conduziram ao destaque de uma sociedade de conquistas e êxitos. A título de exemplo, a novela “Tropicaliente” é representativa desta asserção. Resultado de parceria estabelecida entre a Rede Globo e o Governo Ciro Gomes, aponta para enfoque de reforço da imagem do Estado como possui-dor de uma natureza preservada, “infraestrutura turística, moderni-dade e indústrias [...]” (SANCHEZ, 1994, p. 90).

Exemplo desse caráter de exaltação e triunfalismo podem ser apreendidos no discurso de posse do governador Tasso Je-reissati, no seu segundo mandato, em 1995. Ao reportar-se ao governo Ciro Gomes, de mandato anterior, e à sua própria admi-nistração, conclamou:

Consolidou-se a imagem positiva do Ceará. O Ceará pas-sou a ser parte da agenda internacional com o trabalho científi co das universidades e da FUNCEME. Através da ICID, o Estado liderou o movimento mundial que colocou a questão das regiões semi-áridas do planeta na agenda da conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento. [...] Hoje, ainda há os que

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subestimam as mudanças, mas o país reconhece a nossa experiência como fecunda e criativa. O Ceará passou a ser visto no país e no exterior como um caso de sucesso, em termos de modernização das fi nanças e das políticas públicas. Mudou a realidade, mudou a imagem, mudou a mentalidade (Assembléia Legislativa do Estado do Ceará. Divisão do Serviço de Taquigrafi a e Revisão de Anais).

Tais triunfalismos evidenciaram, nas intenções das políticas públicas de desenvolvimento do turismo cearense, suplantação do direcionamento puramente econômico e salvador. Além do propó-sito de trazer divisas, os governantes o utilizaram como aparato ide-ológico, na difusão de imagens promotoras dos atrativos naturais e culturais associadas às imagens governamentais. Apresenta-se, nestes termos, racionalidade característica das políticas de marketing políti-co, aquela que associa a publicidade à propaganda e vice-versa (DO-MENACH, 1963), capaz de construir imagem positiva do Ceará e de sua nova elite política (“Governo das Mudanças”).

Nos termos indicados, associados aos imperativos socioeco-nômicos e políticos, a lógica de desenvolvimento da atividade turís-tica apresenta-se como argumento justifi cativo da modernização do Estado, cujos desdobramentos resultam de um lado na ruptura de ideário relacionado à semi-aridez (seca, fome, miséria, coronelismo etc.) e do outro a integração do Estado à economia turística.

Arquitetado e difundido todo arcabouço imagético das trans-formações do imaginário em âmbito local, tornou-se necessário ex-pandi-lo e reforçá-lo em caráter nacional e internacional. Criou-se, então, o “paraíso” Ceará, estampado em milhares de veículos pro-mocionais institucionais como fôlderes, vídeos, brochuras etc. As novas confi gurações naturais e sociais cearenses serão apresentadas nos próximos itens.

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O paraíso ressignifi cando a natureza cearense

Da vasta e diferente forma de publicidade institucional posta a modifi car o imaginário ligado à natureza “trágica” cearense desta-camos a brochura “Fortaleza-Ceará: Terra da luz” a qual reverte por completo a imagem tradicional do Ceará. Essa brochura, produzida em 1995, faz parte das estratégias de marketing da denominada era dos “empresários-políticos”30, indicando que a tão veiculada “voca-ção natural” do turismo cearense foi “minuciosamente planejada” em gabinete pelos agentes ligados ao marketing turístico governa-mental. A concretização do “paraíso”, desde então, começou a ser referência em workshops, congressos turísticos nacionais e interna-cionais, encontros e demais atividades ligadas ao ramo.

Vejamos a maneira como aconteceu a recriação da nature-za cearense. A brochura apresenta de início a localização estratégica do “paraíso”. Ela é moldada, desta forma, em perspectiva valorativa com o consumidor-turista, pois ele, ao chegar e iniciar seu consumo, torna-se o astro principal: “No Nordeste do Brasil, bem abaixo da linha do Equador, existe um lugar criado pela natureza para você brilhar: O Ceará, a terra da luz”. Em segundo momento, são enal-tecidas suas características desde já devidamente adequadas:

Quem vem ao Ceará tem todo o tempo do mundo para se divertir. Agitação com festas, música e dança ou a con-templação da natureza. Para os amantes do mar é possível praticar esportes náuticos incríveis, como passear de jet-ski nas águas calmas e verdes de mais de 570 quilômetros de praias, ou sobrevoá-las de ultraleve, contemplando dunas, falésias e imensos coqueirais. Ou então se deliciar observando a vasta fauna e fl ora marítima formadas por golfi nhos e todos os tipos de peixes e plantas deste rico

30 Esta fase corresponde à chegada (em 1986) ao poder político de um grupo de empresários originários do Centro Industrial do Ceará (CIC) que assume o governo estadual. A denominação “empresários políticos” foi cunhada por Costa (2005). Essa Administração estadual fi cou tradicionalmente conhecida como “Governo das Mudanças” devido ao slogan adotado em campanha.

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litoral. Já para os amantes da natureza a sugestão é deixar o ar puro e agradável ser respirado no lado mais verde do Ceará. O lado do campo, das serras e das montanhas do interior cearense. O Ceará é perfeito também para o lazer de quem procura tranquilidade, fugindo da vida estressante das grandes cidades. Acordar mais tarde, ver o mar, sentir o sol e a brisa dos ventos em cenas paradisíacas que você costuma ver apenas na TV ou no cinema. Ou então respirar o verde, caminhar pela manhã nas serras e ver os pássaros e plantas. Não deixe de conhecer uma das nossas maiores atrações: o ar puro. No Ceará, tudo o que você vai lembrar é que ainda existe ar puro nesse mundo, que as colinas são verdes e que os rios ainda começam nas nascentes. Mas se isso não é tudo que você precisa para ser feliz, ainda existem cachoeiras, as encostas e os vales. Tem também as serras com suas fl ores e pássaros e a beleza in-descritível de luzes e formas de grutas de parques naturais. Nós preferimos sintetizar tudo e chamar de Ceará.

O reino turístico, acima descrito, revela a elaboração do “pa-raíso” cearense, dos lugares nele inseridos e, principalmente, da na-tureza. Vê-se claramente a inversão e subtração de suas característi-cas tradicionais dominantes, neste caso, o Semi-árido é substituído por “campo” e “colina” sempre verdes acarretando mudança de seu signifi cado tradicional. Do estado de “rejeição”, passa-se ao estado de “contemplação”.

Como podemos observar, as novas imagens que acompanham o “paraíso” Ceará são representativas de uma invenção turística e se traduzem na reutilização do espaço cearense considerado por longo período histórico como essencialmente “hostil”. Essa clássica carac-terística outrora associada ao Estado é completamente apagada em favorecimento da beleza, do pitoresco da paisagem e ainda dos be-nefícios do sol e do ar. Reforçando essa reelaboração da natureza, observamos que o sol, outrora símbolo da “hostilidade climática” é transformado e estilizado, tendo agora a imagem benéfi ca e atraente.

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Nesse caso, Costa (2005) esclarece que agora, o mesmo sol passa a oferecer incondicionalmente o “beijo da fecundidade” e não mais o da “morte”, e não só para o turismo, mas também para recentes e emergen-tes ramos da economia como a capitalizada agricultura irrigada, diferen-ciada da “estagnada” agricultura tradicional e de subsistência.

A respeito dessas transformações, Cazes e Knafou (1992) nos chamam a atenção para a invenção do lugar turístico. Segundo eles, o lugar turístico para ser concretizado, em primeiro momento, começa por uma nova leitura do território onde atua, conduzindo à subtração de seu uso dominante, o que eles chamam de “poder de subversão interior”. Em segundo momento, ocorre a incorporação de novos es-paços no lugar, designados por eles como “poder de conquista exterior do turismo”. Trata-se, então, da “inversão da utilização tradicional do território” e também da “mudança de seu signifi cado”.

A utilização do clima benéfi co e da paisagem pitoresca pela publicidade estatal se inscreve perfeitamente na estratégia de rever-são da imagem trágica cearense. Cria-se todo um cenário positivo para opô-lo às conotações negativas relacionadas ao “antigo” cená-rio natural. Sobre ele se constrói e se ajusta todo um imaginário turístico a fi m de ocultá-lo mediante a seleção de particularidades consideradas mais pertinentes e edifi cando em torno delas a imagem do paraíso. É a criação da “terra prometida”, do “paraíso perdido”, discursos da propaganda política, sendo apropriada pelo turismo e aproximando o homo turisticus coletivo de sua necessidade de felici-dade e de consumo dos lugares.

Porém, nesse processo de invenção do mito “paraíso” cearen-se, a formatação da paisagem natural emudece a heterogeneidade do Estado, sendo apresentado ao turista e ao próprio cearense por meio de seletivas imagens, um espaço homogêneo, essencialmente puro e como símbolo de liberdade. As questões sociais e econômicas, apresentadas a seguir, são também extremamente relevantes nesse processo, pois sua renovação foi posta a se equiparar às qualidades positivas da natureza.

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O social e o econômico renovados: ressignifi cando a condição humana

As campanhas de marketing, elaboradas durante o “Governo das Mudanças”, estão incrustadas desse ideário de renovação, atu-almente consolidado no novo imaginário brasileiro. O social e o econômico renovados são constantemente divulgados, constituindo “cenários” positivos fundados na modernização do Estado e em ca-racterísticas diferentes das tradicionais de seu povo.

O discurso pautado no ideário da modernização do Estado e na alta qualifi cação do cearense é uma constante, insistindo nas imagens produzidas pelas campanhas promocionais, em mostrar o Ceará economicamente desenvolvido com “ícones de progressos tecnológicos” acessíveis a todos:

Prédios na orla marítima, transportes modernos, instru-mentos náuticos, esportes radicais, aparelhos eletrônicos e trabalhadores utilizando equipamentos sofi sticados ou com proteção para trabalhos especializados. (FROTA; SILVA, 2003, p. 230).

A infraestrutura produtiva (redes viárias e ferroviárias, portos, aeroportos, linhas de transmissão de energia e co-municações) promissora e em ampliação; a nova postura da administração pública, que estaria empreendendo ver-dadeiro leilão de incentivos em busca de novas empresas e, fi nalmente, o excelente nível de desempenho dos tra-balhadores que, para surpresa de diretores de empresas de fora aqui sediadas, possuiriam qualidades tão boas quanto as dos melhores trabalhadores de qualquer estado brasilei-ro. (COSTA, 2005, p. 265).

Reforçando os argumentos anteriores, aponta-se, grosso modo, para a estereotipagem da comunidade local, representada como

[...] pessoas de paletó e pasta executiva, família em res-taurante de luxo, hóspedes nos grandes hotéis da cidade

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e ou fazendo caminhadas no calçadão da Beira-mar. Os trabalhadores são apresentados de duas formas: ou usan-do equipamentos sofi sticados e proteção especial para tra-balhos especializados ou de forma poética, e nesse caso, [...] um pescador artesanal numa cena contra a luz de um pôr do sol nas praias cearenses. A cultura popular toma a forma folclórica e é associada às formas recentes de co-mercialização do lazer e das artes como o carnaval fora de época. (FROTA; SILVA, 2003, p. 230)

Muitos dos fôlderes turísticos são contundentes em termos de divulgação das transformações sociais e econômicas. Por exem-plo, o folder “Ceará, Brasilien, Brazil”, publicado no ano de 2000, destinado a turistas, operadoras, investidores e agentes de viagem e elaborado para ser divulgado em feiras e eventos em línguas ale-mã e inglesa com o objetivo de alcance internacional está carregado dessa ideologia. A importância deste se revela na apresentação feita do Estado, divulgando os pilares consolidados da Modernidade que sustentam o discurso propagandista governamental.

O Governo, por intermédio desse folder, modifi ca defi niti-vamente a imagem do Ceará. Nota-se a preocupação de transmitir imagem positiva do Estado no Exterior. Tratando-se de folder ela-borado por órgão cuja função é implementar a atividade turística, o turismo é apresentado como elemento capaz de reforçar a imagem de um Ceará economicamente desenvolvido. O turismo aparece, nesse sentido, como vitrine para a economia globalizada, sequiosa por ambiente de progresso, efi caz e de qualidade, associada a um contexto de estabilidade e segurança.

A esse propósito Costa (2005) acentua haver

[...] idealização de uma imagem-síntese [...] a simbolizar um local altamente promissor para o mundo dos negó-cios. Defi nido como um dos principais centros de inves-timento mundial, [...] ideal à multiplicação da riqueza e à sofi sticação da qualidade de vida dos que aqui viessem

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investir, em razão da existência de recursos naturais ainda intocados e mão de obra abundante, de boa qualidade e de custo incomparável à existente na maioria do resto do mundo. (COSTA, 2005, p. 264).

O Governo, nesse e em outros diferentes fôlderes, utiliza o tu-rismo para reforçar a imagem do Ceará como estável, avançado e mo-derno, parâmetros garantidores de retorno fi nanceiro dos investimen-tos. O citado folder constitui, à luz do discurso da propaganda estatal, verdadeiro “guia de investimentos”, estruturado de forma a contem-plar em seletivas imagens a totalidade do território cearense. O turista/empreendedor é convidado a visitar a “monumentalidade” do Ceará e investir nesse mercado.

Veremos, a partir de agora, as marcas do bombardeamento da publicidade turística e da propaganda política no imaginário dos turistas que visitam nosso Estado.

As marcas: os turistas como assimiladores e transmissores do novo imaginário

Na verdade, as campanhas publicitárias associadas à publicida-de e propaganda estatal contribuíram para consolidação e acentuação de uma série de tópicos sobre o Ceará que já se consideram solidifi -cados no novo imaginário brasileiro descrito anteriormente. E, para reforçarmos o embasamento de tal perspectiva, aplicamos questioná-rios nos meses de julho de 2004 e julho de 2005, meses de maior fl uxo turístico como os de dezembro e janeiro, objetivando observar os desdobramentos da chamada “inversão” de um imaginário antigo, repleto de conotações negativas para um imaginário novo, o turístico, que tem existência mais recente. Buscamos, enfi m, verifi car se o anti-go imaginário cearense está sendo modifi cado e se o novo está sendo solidifi cado ou cristalizado no imaginário do turista.

No mês de julho de 2004, desembarcaram em Fortaleza, de acordo com a Secretaria de Turismo do Ceará - SETUR, 187.382

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turistas e no mês de julho de 2005 visitaram a Capital 220.878. Cole-tamos então uma amostra aleatória de cem turistas para responderem a um questionário, sendo 50 no mês de julho de 2004 e 50 em julho de 2005, espaço de tempo importante para análise dos resultados.

Respondidas a um número signifi cativo de perguntas, a amos-tra apresentou os seguintes resultados: levando-se em conta a imagem que os turistas tinham antes de viajar (Figura 1), 37% tinham em suas mentes praia e sol. Já as belezas naturais totalizaram 29% característi-cas essas associadas diretamente ao contexto “paraíso”. A modernida-de despontou na opinião de 14%. Entre os 100 turistas dessa amostra, 14% optaram por não responder que imagem tinha do Ceará antes de viajar. Apenas 6% deles declararam que antes de viajar para o Ceará tinham em seu imaginário o conjunto das imagens negativas tradicio-nais tais como sertão, seca, pobreza, calor e miséria.

Figura 1 – Imagem antes de viajar para Fortaleza/Ceará

Não obstante às respostas anteriores, os turistas ainda decla-raram que, ao chegarem a Fortaleza, depararam-se com imagens e paisagens que provocaram surpresas e vislumbramento por possuir potencial a despeito de ser forte destino para o turismo devido à sua diversidade de atrações. A imagem ou as imagens são também colo-cadas como verdadeiras “ilhas da fantasia” (CRUZ, 2002).

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No que concerne às imagens fi xadas até o momento de res-ponderem ao questionário, 55% declararam ter consigo imagens positivas de Fortaleza e do Estado; 29% disseram que estavam mar-cando as imagens de sol e mar. A imagem de paraíso estava na mente de apenas 4% enquanto a mesma percentagem, isto é, 4% tinham a imagem de alegria, festas e Fortal. Somente 8% dos turistas consul-tados consideraram que as imagens negativas estavam relacionadas a preços altos, violência e falta de consciência ecológica.

Figura 2 – As imagens que fi caram no imaginário dos turistas

A grande maioria dos turistas remete ao novo imaginário, ora colocado pelo Estado, visto que esse imaginário vem sendo “bom-bardeado” tanto pela publicidade governamental como privada, in-serindo “cenários” positivos. Essa perspectiva é traduzida e, ao mes-mo tempo, percebida em função dos dados obtidos pelas respostas e mostradas na Figura 3. As imagens que foram divulgadas corres-ponderam às expectativas desses turistas, ou seja, em torno de 92%. Somente 8% afi rmaram que a imagem de Fortaleza e do Ceará não atendeu às expectativas, dado que reforça sobremaneira a mudança de imaginário dos turistas que visitam essa cidade.

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Figura 3 – Expectativas fi nais dos turistas acerca de Fortaleza e do Ceará

Os resultados apresentados correspondem também às pon-derações de Dantas (2004) sobre o “mar e o marítimo” em destina-ções turísticas em via de desenvolvimento numa visão exacerbada de “tropismo”, visivelmente posto no imaginário cearense e brasileiro: imagens e representações coletivas, mostrando que o Governo vem conseguindo substancialmente mudar o antigo imaginário cearense, desembocando na construção da imagem turística fortalezense e ce-arense imbuída de uma signifi cação marítima e tropical associada à Modernidade, ao contrário da cidade outrora litorânea, porém não marítima e com raízes sertanejas.

Conclui-se que esses milhares de turistas, impregnados desse conhecimento superfi cial, controlados pela publicidade e pela pro-paganda, contribuem na elaboração da imagem positiva do Ceará, pois para Enzenberger, apud Poutet (1995, p. 110), ”[...] o turismo é a indústria na qual a produção e a publicidade se constituem numa só: seus clientes são ao mesmo tempo seus empregados”. O turista, nesse sentido, é transformado inconscientemente “no mais fervoro-so propagandista da empresa de férias”.

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Considerações fi nais

Embora o governo estadual venha investindo no turismo e elaborando novo imaginário para o Ceará, amplamente divulgado com o objetivo de atrair fl uxos e investimentos, ainda não obteve o sucesso almejado em âmbitos econômico, social ou ambiental.

A natureza e a sociedade cearenses, estrategicamente explora-das e propagadas por meio da mídia turística local, nacional e inter-nacional, são confi guradas como verdadeiros instrumentos capazes de fomentar o projeto de desenvolvimento estadual apoiado nas possibilidades que a atividade turística pode proporcionar.

Porém, é notório que o imaginário promocional instituído não apresenta o Ceará em sua realidade. O Ceará é contemplado como mito-paraíso de férias, escondendo “o outro lado do espelho”, ou me-lhor, forçando o visitante a “vagar” em um imaginário de “pensamen-to único” e ilusório, demonstrado na opinião da maioria dos turistas, pois 92% vêem aspectos positivos nas transformações turísticas. No entanto, por trás desse paraíso, encontra-se um conjunto de proble-mas socioeconômicos, ambientais e culturais que fi cam à margem de seus conhecimentos. Esses mesmos turistas que vêem o Ceará turís-tico com deslumbramento não se dão conta de que seus gastos estão sendo incapazes de manter e absorver constantemente empregos na área e também desconhecem sua inefi cácia em minimizar a situação social e ambiental do Estado, um dos campeões nacionais em pobre-za, analfabetismo, concentração de renda e degradação ambiental.

A elaboração do novo imaginário cearense também se iden-tifi ca com um aparato político-ideológico governamental o qual vem usufruindo desse processo. Tal imaginário, nesse sentido, tem papel importante, ou melhor, decisivo na construção da própria imagem governamental que vê na atividade turística um jogo de espelhos identitários.

Por fi m, mesmo com a crescente cristalização, na mente dos turistas, do signifi cativo conjunto de elementos positivos, o turismo continua distante da realidade com o qual foi prometido em discur-

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so econômico há aproximadamente vinte anos, ou seja, o de ser uma ferramenta primaz de efi ciência capaz de “produzir milagres”, “atrair turistas dispostos a gastar”, trazer divisas com poder de “equilibrar a balança de pagamentos”, e ainda transformar o estado em um “pro-metedor lugar na economia mundial”, apto a “erradicar a miséria” promovendo a “sadia distribuição de renda”.

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ANÁLISE INSTITUCIONAL DA ESTRUTURAÇÃO DO TURISMO EM

FORTALEZA

José Orlando Costa Nunes

Este artigo trabalha a ideia de orientar as diversas partes in-teressadas sobre a forma ideal de estruturação do turismo em uma cidade que pretende se desenvolver nesta área. Para tanto, todo o processo de estruturação é analisado e explicado teoricamente no intuito de esclarecer a forma de estruturação de uma cidade por meio não só de normas e leis impostas pelos órgãos governamentais responsáveis, mas também pelas ações de trabalhos específi cos na área que se desenvolvem, a princípio naturalmente, mas posterior-mente passam a ser institucionalizadas de acordo com a aceitação dos grupos interessados no desenvolvimento turístico da localidade ou região, num determinado período de tempo, conforme Donal-dson (1998, p.122) esclarece: “Tem havido alguns movimentos no sentido de demonstrar o papel dos indivíduos em formatar a estru-tura organizacional, em que as características individuais somam-se às contingências na explicação da estrutura”.

No Brasil, a estruturação básica do turismo, oriunda do am-biente, compreende as normas e leis impostas pelo Governo Federal representado pelo Ministério de Turismo e seu maior representante, a Empresa Brasileira de Turismo - Embratur; pelos Órgãos de Turis-

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mo Regionais; pelo Estado, representado pela Secretaria de Turismo do Estado e ainda no nível mais específi co pelo Município, repre-sentado também pela sua Secretaria de Turismo. Para as relações do trabalho turístico efi ciente, nesses diferentes níveis de atuação, Beni (1998, p.105) enfatiza que: “A coordenação deve ser considerada função básica do órgão nacional, ela é exercida nos níveis nacional, regional, estadual e municipal, com vistas à execução das políticas e outras medidas destinadas a impulsionar o desenvolvimento do turismo em todo o território nacional”.

Das ações de trabalhos que se institucionalizam são signi-fi cativas as normas técnicas aprendidas por meio de treinamentos operacionais para área, cujo desenvolvimento profi ssional quando adquirido, tende a processar no trabalho a institucionalização da ação (BARLEY; TOLBERT, 1997). Assim, o campo organizacio-nal, representado pelas Secretarias de Turismo nos seus quatro níveis específi cos (Federal, Regional, Estadual e Municipal), bem como pelos órgãos representativos da área, como o Sindicato dos Guias de Turismo, as Associações de Agências de Viagens, as Associações das Empresas Hoteleiras, as Associações de Agências de Eventos e as Associações de Restaurantes e Bares, entre outros; controla a partir das decisões de interesses conjuntas, todas as ações tidas como san-ções e leis oriundas do ambiente, e as ações específi cas da operação de trabalho.

Vale ainda registrar que todo o desenvolvimento profi ssional para a área, também institucionaliza por meio da ação apreendida no trabalho, parte do processo, cujo reconhecimento profi ssional obtido pelo grupo que trabalha na área, também julga e controla as ações desenvolvidas e praticadas. Assim, as empresas de trei-namentos profi ssionalizantes para a área, com signifi cativo reco-nhecimento profi ssional, desenvolvem capacitação profi ssional no intuito de tornar sujeitos capazes para a ação institucionalizada, conforme Donaldson (1998, p.123) confi rma: “A principal tenta-tiva feita por Child (1973) para forjar uma teoria da estrutura ao

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nível do ator individual sustenta que a formalização burocrática pelo grau de qualifi cação e especialização do Staff administrativo que é o arquiteto da burocratização”.

Este artigo defende o argumento de que o processo de institu-cionalização de uma cidade turística compreende, na sua formação, não só aspectos oriundos de forças ambientais impostas pela ação dos órgãos representantes do turismo no intuito de manter a ordem na área, através de leis e sanções, mas também, por forças oriundas do trabalho de sujeitos que exercem atividades na área e que, por meio de suas ações técnicas de trabalho, apreendidas e desenvol-vidas, institucionalizam processos, estruturas e até ações temporais como forma de regularizar e regulamentar toda a atividade turística de uma região na qual a cidade turística está inserida, objetivando obter reconhecimento e sucesso na área.

O artigo trabalha também a ideia de que o processo de es-truturação pode ser bem explicado teoricamente, principalmente, quando a teoria selecionada para referência já possui um arcabouço acadêmico considerável como as perspectivas estrutural e institucio-nal utilizadas neste trabalho.

Fortaleza é a cidade turística escolhida para exemplifi car todo esse processo de institucionalização técnico e ambiental como forma de referenciação por apresentar não só uma signifi cativa estruturação turística, mas também por apresentar considerações respeitáveis nes-ta área em âmbito nacional, conforme pesquisa da Embratur intitu-lada “Estudo de mercado doméstico de turismo no Brasil” (1998).

Metodologia

A análise desenvolvida neste artigo busca, através de uma re-visão literária dos últimos trinta anos, orientar a estruturação do tu-rismo em uma cidade que pretende se desenvolver nessa área; levan-do-se em consideração o processo de institucionalização técnico e ambiental, tendo como referencial a cidade turística de Fortaleza no

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Ceará. O presente estudo caracteriza-se por ser predominantemente qualitativo, do tipo descritivo-interpretativo, tendo como unidade de análise, o desenvolvimento do setor de turismo da cidade de For-taleza no Ceará.

A teoria da ação e institucionalização

A teoria da ação e instituição tem se desenvolvido nos últimos anos como mais uma das fontes analíticas de estudos organizacionais e institucionais, no que se refere à análise organizacional e institu-cional conforme os trabalhos de Giddens (1976, 1979 e 1984) que defi ne todo o processo de estruturação como um trabalho orientado que trata a instituição como um produto do ambiente e de uma ação humana. Nesse sentido, Barley e Tolbert (1997) tratam da comuna-lidade entre as duas teorias estudadas e difundidas pela análise das organizações e instituições, argumentando que a fusão entre ambas signifi ca vantagens para os estudos organizacionais e institucionais, visto que as teorias estrutural e institucional têm sido utilizadas em importantes estudos de pesquisas.

Os estudos sobre estrutura organizacional tiveram ápice na década de 60 e metade dos anos 70 quando estudiosos da área de-senvolveram suas pesquisas enfatizando questões como o tamanho e a sua interferência nas diversas relações interorganizacionais (KIM-BERLEY, 1976; MARTIN, 1979; MILETI, GILLESPIE; HAAS, 1997; CHILD; MANSFIELD, 1972; DONALDSON; WARNER 1974; FREEMAN, 1979; HICKSON et. al., 1974; MAHONEY et. al., 1972) e outros estudos diversos, por exemplo, os estudos do grupo de Aston no Reino Unido e os de Blau e seus colaboradores. As tipologias apresentadas são diversas, no entanto, 80% dos es-tudos utilizaram a variável “pessoas” (número de participantes ou de funcionários) como referência do tamanho estrutural na análise (HALL, 1984).

As abordagens de Meyer, Rowan (1977) e Kamens (1977) explicam a estrutura como um “mito”, criado pelas exigências so-

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ciais, em que a estrutura possui práticas e procedimentos racionais de trabalhos organizacionais e institucionalizados na sociedade. E as abordagens da relação indivíduo versus estrutura de Blau e Scho-enherr (1971) estabelecem a regulamentação da infl uência das va-riações individuais pela estrutura. O estudo de Herman, Dunham e Hulin (1975) afi rma que o cargo modela as reações do seu ocupante de acordo com o tipo de organização e ainda o estudo de Ivancevich e Donnely (1975) aborda a satisfação do indivíduo no cargo em relação aos níveis hierárquicos da estrutura.

A teoria institucional foi inicialmente sustentada nos estudos de Hughes (1936 e 1939), Parsons (1951) e Selznick (1949 e 1957) com abordagens sociológicas de desenvolvimento e aplicação de pesquisa. Sabe-se que recentemente a teoria institucional adquiriu proeminência nos estudos organizacionais a partir das pesquisas de Meyer e Rowan (1977), Zucker (1977 e 1983); e Di Maggio e Po-well (1983 e 1991). Tais estudos são considerados tradicionais, cujas teorias retratam a efi ciência como força para as variações estruturais racionais, sejam elas técnicas e ambientais. Outros estudos, como os de Woodward (1958), Lawrence e Lorsch (1967), Blau (1970), também abordam essas questões.

Os estudos da teoria institucional, sob a perspectiva cultu-ral, também ganharam força e passaram a se desenvolver de forma considerada. Nesse sentido, os estudos de Meyer e Rowan (1977), Di Maggio (1991 e 1998), Oliver (1991) e Strang (1994) abordam a questão da estruturação formal por meio de análise de valores, normas e crenças. Um ponto comum entre os teóricos estruturais e institucionais refere-se ao fato de que a cultura determina a ação do homem, mas não completamente.

Reconhecendo as concordâncias teóricas dos estruturalistas e institucionalistas é que os estudiosos passaram a desenvolver uma nova teoria que representasse a comunalidade entre ambas. Assim, desenvolveu-se a teoria da relação entre a ação e instituição, con-forme o estudo de Burns e Flam (1987), na qual eles observam as

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instituições como um jogo de regras e tipifi cações que identifi cam categorias de atores racionais e suas apropriadas atividades ou rela-ções de negócios. Zucker (1977), Meyer e Rowan (1977) e Berger e Luckmann (1967) estabelecem que as instituições são socialmen-te construídas pela ação e desenvolvem seus estudos examinando a mudança e a reprodução das instituições como geral e historicamen-te encravada nos processos.

Os atuais estudos da teoria da ação e institucionalização abor-dam questões do tipo: como a instituição afeta e como ela é afetada pela ação; como os atores criam instituições através das histórias das negociações por meio de tipifi cações, de generalizações, de expectativas e interpretações de comportamentos; como se dá a formação do pro-cesso por meio da moral e do status dos atores responsáveis; como os atores com seus respectivos papéis de conhecimentos e interesses defi nem o campo organizacional, conforme enfatiza o estudo de Di Maggio e Powell (1983).

As teorias da ação e institucionalização têm apresentados im-portantes signifi cados nas pesquisas, pois se podem citar alguns mo-delos surgidos e que são utilizados na análise e explicação dos pro-cessos de institucionalização. Assim, o modelo de Giddens (1976, 1979 e 1984) defi ne a estruturação como um processo orientado que trata estrutura (instituição) como um produto do ambiente e de uma ação humana.

O processo de formação estrutural e institucional do turismo de Fortaleza é analisado por meio da ação de trabalho dos profi s-sionais da área como forma de dimensionar a institucionalização processual, técnica e cognitiva de trabalho no turismo desta cida-de, visto que as pesquisas desenvolvidas anteriormente analisavam apenas o processo normativo imposto pelos órgãos responsáveis, o que torna este estudo exploratório. Embora este trabalho enfatize a institucionalização pelo processo de ação, acredita-se que ambos os processos institucionais (ambientais e ação de trabalho) compõem em conjunto o procedimento necessário para a real formação de uma instituição, seja ela social ou não.

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Fortaleza: cidade turística – o modelo de referência no Ceará

Fortaleza é uma cidade turística com reconhecimento nacio-nal, visto que entre as principais cidades do Nordeste é a que mais tem se destacado no que se refere ao recebimento de turismo domés-tico em termos de receita, conforme dados da pesquisa da Embratur intitulada “Estudo do Mercado Doméstico de Turismo do Brasil” (FIPE, 1988).

Fortaleza com mais de duzentos anos (279 anos) já foi con-siderada a capital do vento e possui clima bastante favorável para o turismo de praia conforme o guia Gazeta Mercantil: Fortaleza & Praias (1998).

A cidade nasceu a partir do forte Schoonemborch, uma for-taleza construída pelos holandeses em 1649. O local foi pivô de mais de uma disputa entre portugueses e holandeses pelo controle do nordeste e depois da vitória dos portugueses, o pequeno povoado recebeu o nome de Nossa Senhora da Assunção, para mais tarde ser batizado de Fortaleza (GIRÃO, 1998).

O desenvolvimento, no entanto, só chegou em 1808, com a abertura dos portos e o início das exportações de algodão para o Reino Unido. Hoje, a capital do Ceará com mais de 2 milhões de habitantes, vive um acelerado processo de modernização e concorre com Salvador e Recife o título de principal porta de entrada turís-tica para o Nordeste. O turismo é responsável por 20% do produto interno bruto desse estado, empregando mais de 300 mil pessoas no setor. No Ceará a atividade turística está descentralizada, atingindo além do litoral, o sertão e as serras, totalizando mais de 70 municí-pios (GAZETA MERCANTIL: Fortaleza & Praia, 1998).

Coriolano (1998, p.39) enfatiza: “Com a intenção de levar o estado do Ceará a competir no mercado global, implanta-se no território cearense uma infraestrutura e acelera-se sua moderniza-ção. Essas ações progressistas signifi cam a entrada do Ceará na nova modernidade e seu alinhamento às exigências da globalização. O

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governo passa a considerar o turismo uma prioridade econômica com a visão da globalidade”.

O produto turístico de Fortaleza

O produto turístico da cidade de Fortaleza foi estruturado e institucionalizado principalmente a partir da perspectiva histórica e mitológica da cidade, além de outras. Tais perspectivas denotam características fundamentais para ação do trabalho turístico de toda a sua região de forma diferenciável de sucesso. Benevides (1998, p.117) esclarece: “A referência à força do lugar, como resistência às centralizadoras tendências integristas em escala nacional/interna-cional, deve ser contextualizada melhor, levando-se em conta as diferentes signifi cações políticas-ideológicas dadas ao localismo, ao longo de toda história”. Assim, pode-se observar que a forma de trabalho dos profi ssionais responsáveis, bem como as atitudes dos cidadãos da comunidade, cuja linguagem denota a ênfase do mito e da história institucionalizados podem predeterminar o sucesso tu-rístico de uma região.

Dentro das diversas atrações que formam o produto turís-tico de Fortaleza, podem-se exemplifi car para um melhor enten-dimento as principais atrações da cidade turística. Os produtos como City Tour, By Nigth, turismo de praia, turismo com humor e turismo cultural são algumas das diversas atrações turísticas que se institucionalizaram na cidade de Fortaleza como forma de atrair o turista muito antes dele chegar na cidade, conforme coloca Gazeta Mercantil (1998).

No City Tour, conforme já mencionado, as atrações históricas e mitológicas fi cam em evidência quando exemplifi cam personagens como Martins Soares Moreno, Iracema e Moacir dentro de outros diversos que compõem a história do Ceará. Godoitrigo (1999, p.47) referenciando a pós-modernidade das instituições na estrutura, afi r-ma: “Faz-se necessário articular novamente uma discussão sobre os

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valores de mitos, símbolos e questões estéticas, para se tentar confi -gurar no futuro uma nova identidade cultural e artística”.

Todo trabalho estruturado e institucionalizado com esse tipo de atração refl ete na ação individual dos profi ssionais de guia de tu-rismo e de recepção de hotéis e ainda na ação coletiva dos cidadãos cearenses, quando pela ação verbal explica de forma encantadora o processo de colonização do estado do Ceará e da formação da cida-de de Fortaleza que se deu por meio de uma história de amor entre Iracema, título do romance indianista do escritor cearense José de Alencar e descrita nessa obra como a virgem dos lábios de mel, e de Martins Soares Moreno, o guerreiro branco português. Assim, é im-portante registrar que não importa o profi ssional ou cidadão cearen-se que explique a história de colonização do Ceará e de formação da cidade de Fortaleza, ou seja, podem-se mudar os atores, mas o City Tour sempre será explicado pela perspectiva histórica e mitológica dos locais visitados.

O By Night da cidade de Fortaleza pode ser considerado estru-turado e institucionalizado pela ação quando se observa um desloca-mento dos turistas para a festividade de cada noite. Pode-se observar que o By Nigth de Fortaleza é institucionalizado, fato que resulta numa melhor compreensão turística, visto que os visitantes sabem onde se encontrarem diariamente, quando enfi m, quiserem. A ação do trabalho se desenvolve à medida que os profi ssionais e os cida-dãos indicam aos visitantes qual o By Nigth do dia institucionalizado a participar (GAZETA MERCANTIL, 1998).

No turismo de praia, a questão se apresenta bem mais rele-vante, visto que nesse caso, a institucionalização envolve interesses particulares de representantes do governo e empresários locais, no que se refere à escolha das praias que farão parte dos roteiros de pas-seios, obedecendo a diversos aspectos, sejam eles naturais, culturais e econômicos. Barreto (1991, p.85) estabelece que: “O planejamento de uma praia requer a previsão de: acessos, estacionamento, água, esgoto, energia elétrica, sanitários, equipamentos esportivos, rede

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de alimentação e, como oferta diferenciada, vestiários, aluguel de guarda-sol, cadeiras, barracas, caiaques, windsurfe, escola de espor-tes náuticos. Como serviços imprescindíveis: vigilância, salvamento (pessoas e equipamentos), primeiros socorros (pessoal treinado)”.

Tais aspectos compreendem a beleza natural da praia, o tem-po de deslocamento partindo de Fortaleza, a infraestrutura do local, a diversidade de lazer, as situações das rodovias excelentes, as condi-ções de higiene do local e outros. Coriolano (1998, p.43) comenta: “Nesse litoral, as praias do Porto das Dunas, onde fi ca o parque aquático Beach Park, Praia das Fontes, Porto Canoa e Canoa Que-brada são procuradas por turistas internacionais. Possuem há mais tempo uma infraestrutura para o lazer”.

Após a escolha e estruturação dos destinos turísticos de lazer, a ação do trabalho institucionalizado ocorre quando os profi ssio-nais da área oferecem para a venda, somente as praias que estão no roteiro estruturado. Assim, o turista objetivando segurança e como-didade tem na sua escolha de lazer somente as praias que lhe foram apresentadas pelos profi ssionais de turismo.

Em Fortaleza, pode-se considerar institucionalizada a ques-tão do Fast-Food com apresentação de shows de humor. Coriolano (1998, p.49) enfatiza: “Costuma-se dizer que o cearense é hospita-leiro, “aberto”, gosta de fazer amizade e ser cômico. Essas qualidades muitas vezes se apresentam em tom de bom humor ou humorismo. Algumas dessas qualidades são básicas para o turismo, embora essa base não dispense o profi ssionalismo”.

A institucionalização da cultura do Ceará, por exemplo, se formaliza pelas ações das apresentações dos maracatus de “baque vi-rado”, caracterizado pela pintura de preto no rosto dos brincantes e pela luxuosidade de suas indumentárias no próprio centro cultural, nos centros de convenções e no aeroporto por ocasião da abertura da alta temporada.

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O modelo turístico de referência

Para se estruturar e institucionalizar uma cidade turística é necessário, primeiramente, fazer uma análise de sua localidade. Tal análise deve abranger diversas perspectivas que vai a partir da es-trutura física para o recebimento, da beleza natural até a formação da estrutura comportamental (técnica e cognitiva) dos atores sociais que convivem e trabalham na localidade. Barreto (1996, p.34) re-força: “A etapa de estudo-diagnóstico defi ne-se como sendo de in-vestigação, refl exão, compreensão e juízo dos dados da realidade a partir de um quadro normativo defi nido, com fi ns operativos com vista à intervenção”. Assim, a teoria da ação e institucionalização se torna importante perspectiva de análise, visto que por meio dela, pode-se compreender as ações individuais dos profi ssionais da área e das ações coletivas do governo e da comunidade em que o turismo pretende se desenvolver.

Por meio de análises é que se defi nirão quais os recursos dis-poníveis e necessários da localidade que fundamentarão suas pers-pectivas quanto aos trabalhos com a questão de escolha e preserva-ção de lugares tidos como especiais de acordo com o seu grau de beleza natural, higiene e bem-estar físico e social.

A perspectiva mitológica é importante no sentido de dimen-sionar o fator cognitivo de maior satisfação por parte do turista, muitas vezes não percebida, mas que possui um importante fator de diferencial na qualidade de serviço desenvolvido pela área. Nes-se sentido, por meio do uso de linguagem, na explicação do mito, de acordo com os fatos locais, são apresentados pelos profi ssionais numa sequência de hábitos que torna as ações institucionalizadas, não importando quais atores as exerçam.

Meyer e Rowan (1991, p.41) argumentam que: “As estrutu-ras formais das organizações industriais refl etem dramaticamente o mito de seu ambiente institucional por ocasião de suas atividades de trabalho”. Assim, as ações de trabalho dos profi ssionais da indústria do turismo tendem a colocar sempre em evidência o mito.

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Já a perspectiva histórica, que também deve ser trabalhada, apresenta conotações para o entendimento de fatos reais de acordo também com a localidade do passeio em questão. Tal perspectiva complementa o encantamento sentido pelo turista sobre o conheci-mento dos fatos reais existentes no passado da localidade conhecida. Assim, os profi ssionais de turismo podem desenvolver um trabalho de maior qualidade, visto que somente dessa forma o turista atinge um grau de satisfação que vai além das perspectivas físicas e naturais.

Vale ainda mencionar a perspectiva intitulada “história da arte como história da cidade”, uma perspectiva que também en-canta o turista, visto que a partir da restauração de prédios com ca-racterísticas de arte, seja ela de natureza clássica, neoclássica, gótica ou moderna; o profi ssional de turismo no exercício de seu trabalho explica essas particularidades juntamente com a história do prédio em questão em suas visitas com grupos turísticos.

De acordo com tais perspectivas, a análise de planejamento turístico abrange aspectos da infraestrutura local, da beleza natural, da história da arte como história da cidade, das relações sociais e cognitivas necessárias para a compreensão do modelo fi nal de refe-rência para a estruturação e institucionalização de uma cidade turís-tica. Nesse sentido, tem-se uma compreensão mais abrangente desse processo, visto que, a questão analisada refere-se aos aspectos de-terminantes, oriundos do ambiente de legitimação, impostos pelos órgãos competentes, bem como da ação de trabalho interna desen-volvida de forma institucional. Beni (1998, p.44) explica: “A partir dessa base conceitual, pode-se confi gurar o diagrama de contexto do sistema de turismo que permite visualizar três grandes conjuntos: o das relações ambientais, o da organização estrutural e o das ações operacionais, bem como seus componentes básicos e as funções pri-márias atuantes em cada um dos conjuntos e em interação no siste-ma total” (grifo nosso).

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Conclusões e recomendações

Este trabalho analisou, por meio das teorias da ação e ins-titucionalização, a forma da estruturação e institucionalização do turismo em Fortaleza, de forma que as conclusões obtidas sirvam de referências, particularmente as oriundas da ênfase da perspectiva histórica e mitológica, para qualquer localidade que deseja atingir efi cácia no serviço turístico, a partir de um grau mais elevado da satisfação do turista em sua visita. Assim, tais perspectivas trabalham a questão cognitiva do processo de satisfação do turista de forma que as ações de trabalho desenvolvidas pelos profi ssionais da área complementam o processo necessário de institucionalização desen-volvido pelos órgãos competentes no referente aos aspectos físicos e de infraestrutura, quando nos planos turísticos gerais de desenvolvi-mentos. Donaldson (1998, p.122) afi rma que: “Tem havido alguns movimentos no sentido de demonstrar o papel dos indivíduos em formatar a estrutura organizacional, em que as características indivi-duais somam-se às contingências na explicação da estrutura”.

Este artigo objetivou analisar a ideia de estruturação e institu-cionalização de uma cidade turística a partir da correlação da teoria institucional e estrutural partindo das análises de duas correntes te-óricas oriundas do ambiente externo por forças de normas e leis e do ambiente interno pela força do trabalho de atores, de forma que, ambas conceituações teóricas, relacionadas em conjunto, apresen-tam resultados mais conclusivos e mais compreensíveis da realidade do fenômeno em estudo.

Conclui-se então que um estudo mais relevante, em termos de maior profundidade empírica, deve ser realizado para permitir uma abrangência de aspectos cognitivos e técnicos dos trabalhos dos profi ssionais de turismo no que se refere a sua ação para estruturação e institucionalização de uma cidade turística; visto que este trabalho apenas tratou da apresentação explicativa do processo teoricamente correlacionado, e tão pouco analisado desta outra forma.

Outros estudos, também analíticos, devem ser realizados abordando a real necessidade ou não da formação de um mito para

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o desenvolvimento dos planejamentos de cidades com tendências turísticas e ainda uma análise comparativa do processo de institu-cionalização por meio da ação de trabalho e de normas impostas pelos órgãos de turismo como fatores dimensionadores dos respec-tivos graus de importância de ambas perspectivas para o processo de formação de uma cidade turística em questão.

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COMPETITIVIDADE TURÍSTICA E DIFERENCIAÇÃO ESPACIAL NO PÓLO

COSTA DAS DUNAS/RN/BRASIL31

Maria Aparecida Pontes da Fonseca Rosana Mazaro

O setor turístico do estado do Rio Grande do Norte, a exemplo do que ocorre no resto do mundo, vem apresentando, nas últimas dé-cadas, resultados extraordinários e sucessivos recordes no que se refere aos indicadores de fl uxo de visitantes, arrecadação, emprego, renda e, mais recentemente, investimentos estrangeiros, alcançando o turismo hoje ao status de atividade econômica de maior contribuição ao PIB estadual e projetando o RN para a posição de segundo destino turísti-co do Nordeste brasileiro (EMBRATUR-FIPE, 2005).

No entanto, a observação e consideração de dados quanti-tativos isolados e imediatos como fatores de avaliação do desem-penho competitivo dos destinos potiguares não é sufi ciente para caracterizar uma situação favorável e próxima daquilo que vem sen-do apontado pelos diferentes estudos e pesquisas como modelos de desenvolvimento turístico local que atendam satisfatoriamente aos determinantes competitivos e condicionantes sustentáveis em um contexto global e sob uma perspectiva estratégica.

31 Apoio do MCT/CNPq.

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Este contexto exige a superação da concepção de um destino como produto turístico para uma orientação de experiência integral ao visitante, o que implica em preocupação com fatores relacio-nados a diferentes dimensões de planejamento, organização e ges-tão dos recursos e atrativos turísticos de cada localidade (VALLS, 2004; GODFREY, 1998). A exaltação de resultados positivos em sua maioria relacionados a indicadores econômicos e que refl etem benefícios imediatos, tende a negligenciar fatores comprometedores do futuro da atividade e da localidade turística, inclusive, destruin-do argumentos sobre os quais se fundamenta o próprio turismo e a experiência prometida ao visitante.

Entendendo os impactos do turismo sobre as localidades do destino potiguar como um tema de extrema relevância e de presen-ça compulsória nas pautas dos responsáveis por seu planejamento e gestão, esta pesquisa teve como objetivo central analisar até que ponto as condições competitivas dos municípios do Pólo Costa das Dunas (PCDunas) correspondem aos fatores determinantes globais que caracterizam um desempenho competitivo superior e sustentá-vel para destinos turísticos atuais e futuros.

Com relação à metodologia, a pesquisa caracteriza-se como comparativa de casos e combina técnicas quantitativas e qualitativas para levantamento e análise dos dados. Utiliza-se como instrumento de avaliação o Competenible Model32, que consiste em uma pro-posta sistematizada dos principais atributos de avaliação das condi-ções de competitividade e sustentabilidade de destinos turísticos e que interpreta o sistema turístico sob três dimensões de um mesmo processo: uma condição de maturidade, competitividade e susten-tabilidade (efi ciência-efi cácia-efetividade), que juntas caracterizam uma situação geral denominada Sustentabilidade Estratégica do Destino (SED). Uma explicação detalhada da metodologia se pode encontrar em Mazaro (2006).

32 Competibilidade.

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As dimensões do Modelo reúnem os principais fatores de in-fl uência sobre as condições competitivas do destino e que são consi-derados como determinantes de desempenho turístico superior.

O universo corresponde aos dezesseis municípios que com-põem o Pólo Costa das Dunas. No entanto, a análise neste trabalho se concentrará em dois destes destinos turísticos: Natal e Tibau do Sul. Esses municípios concentram grande parte da atividade tu-rística do Estado e a esmagadora maioria dos recursos, atrativos e infraestrutura turística do Pólo que tem como segmento turístico principal o lazer e como primeiro atrativo o sol e praia.

O levantamento de dados foi realizado em fontes secundárias e primárias. Foram realizadas entrevistas com representantes dos agen-tes institucionais do turismo local e regional com interesse sobre suas atividades e impactos, tais como governo local/regional, líderes de as-sociações e sindicatos, dirigentes de organizações não-governamentais.

A análise de dados baseou-se em indicadores quantitativos e qualitativos de avaliação das condições de desenvolvimento, com-petitividade e de sustentabilidade turística das localidades, objeto de verifi cação neste trabalho, de acordo com o Competenible Model.

Novos padrões de competitividade e de sustentabilidade para destinos turísticos

Vários estudos apontam o incrível crescimento da atividade turística mundial nos últimos anos. Conforme a OMT, entre 1990 e 2006, o fl uxo de turistas internacionais praticamente dobrou. Ainda que o continente europeu continue a deter uma signifi cativa cota desse mercado, diferentes e espacialmente espalhadas entre pratica-mente todos os continentes, surgem para brigar por parte desse qui-nhão, novas e diversifi cadas destinações turísticas que apontam para uma nova confi guração da competitividade turística internacional.

No ano de 1990, a chegada de turistas internacionais no mer-cado global se distribuía da seguinte forma: Europa (60,1%), Amé-

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ricas (21,28%), Ásia e Pacífi co (12,88%), África (3,48%) e Oriente Médio (2,2%). Em 2006, dezesseis anos depois, verifi cam-se mu-danças no fl uxo turístico global, de modo que a Europa continua a liderar, mas apresentando diminuição de sua cota para 54,4%, assim como as Américas que passam a ter uma participação menor, caindo para 16,1%, enquanto a Ásia e Pacífi co ganham posições, participando com 19,8%, constituindo-se um mercado emergente, a África e o Oriente Médio também têm um incremento da ativida-de turística, participando com 4,8% e 4,9%, respectivamente.

Nesse contexto, compreender o signifi cado e condicionantes de competitividade para o turismo tem merecido a atenção de pesquisa-dores, governantes, investidores e de todo um conjunto de agentes in-teressados em incentivar o setor como alternativa ao desenvolvimento sustentável para diferentes localidades. (RITCHIE; CROUCH, 1998 e 2003; VALLS, 2004).

Os parâmetros competitivos globais para destinos turísticos parecem defi nidos por modelos teóricos que interpretam o sistema turístico em sua dinâmica e que, dentre uma infi nidade de fatores que podem infl uenciar o seu sucesso competitivo, alcançam cotejar um conjunto comum daqueles que se pode caracterizar como fatores determinantes de êxito (MAZARO; VARZIN, 2005).

Ainda, esses modelos reproduzem um novo contexto competi-tivo para o turismo e, mais que um elenco de fatores relacionados ao desempenho de mercado e resultados econômicos, estão orientados por uma nova ordem na compreensão da dimensão e impactos das atividades turísticas sobre outras variáveis macroambientais, entendi-das como condicionantes do desenvolvimento integral das localidades turísticas (BOSCH et al., 1998; CROUCH; RICTHIE, 1999).

Estabelecido um conjunto comum de fatores condicionantes e determinantes, o esforço científi co agora se volta para a avaliação das condições concretas de competitividade dos destinos, a partir de padrões de desempenho competitivo superior, sugeridos por estudos

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com destinos turísticos referenciais, e que, principalmente, funda-mentam o seu desenvolvimento em obediência e atenção preferen-cial a esse conjunto de fatores.

A seguir, apresentaremos alguns indicadores que mostram a expansão recente da atividade turística potiguar decorrente do pro-cesso de internacionalização.

A internacionalização do turismo potiguar

Considerando as difi culdades dos países periféricos em com-petirem com os países centrais, nos segmentos mais tradicionais da economia, pela exigência de grandes inversões em desenvolvimento tecnológico e de inovações e em qualifi cação de pessoal, estes redire-cionam o alvo de atenção para segmentos econômicos que potencia-lizem aquilo que já possuem como recurso inato, como a disponibi-lidade de extensas áreas ainda pouco alteradas pela ação do homem e que, em sua maioria, compõem paisagens paradisíacas e exóticas, condições climáticas favoráveis e abundância de mão de obra.

Tendo em vista que essas características conformam um ce-nário de oportunidades para o turismo, se observa grande interes-se desses países na promoção do setor turístico, especialmente de segmentos ligados à natureza, tais como turismo verde, turismo de aventura, turismo rural, agroturismo, ecoturismo, geoturismo, dentre outros, uma vez que esta atividade constitui uma das poucas possibilidades de inserção mais ativa na economia globalizada e que, equivocadamente, não demanda de imediato grandes investimen-tos. Para Beni (2003, p.28) “o turismo [...] passou há pouco a ser visto como o único meio de permitir às nações mais pobres viabili-zarem sua integração à economia mundial”.

É nesse contexto que, a partir dos anos noventa, o governo brasileiro começa a desenvolver esforços continuados para promover o turismo no país. As ações do Governo Federal para captação da de-manda internacional têm sido exitosas, uma vez que no intervalo de

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aproximadamente dez anos o fl uxo receptivo internacional cresceu cerca de 100%: em 1996 esse fl uxo foi de 2,7 milhões, enquanto no ano de 2005 aumentou para 5,4 milhões (MTUR).

O Nordeste brasileiro constitui uma das áreas prioritárias de investimentos turísticos públicos e privados em virtude de sua vasta faixa litorânea, da predominância absoluta de dias de sol durante o ano, clima tropical e da sua diversidade cultural. A existência des-ses fatores locacionais atraiu, inicialmente, a atenção de investidores nacionais e agora, em função da maior capitalização do território propiciada por políticas públicas que têm destinado recursos para a infraestrutura básica, verifi ca-se a chegada de investimentos de gru-pos internacionais que atuam nos segmentos turístico e imobiliário.

No Rio Grande do Norte, os investimentos efetuados pela primeira etapa do Programa de Desenvolvimento do Turismo (PRO-DETUR/RN), foram fundamentais para a inserção mais efetiva do Es-tado no fl uxo turístico internacional e para a atração de investimentos estrangeiros. A ampliação e modernização do aeroporto e investimen-tos no sistema viário (estradas), que totalizaram 77,8% das inversões na primeira fase desse programa, marcaram o início do processo de internacionalização do turismo potiguar, uma vez que esses dois com-ponentes vieram facilitar as conexões e interações espaciais, aspecto fundamental para o desenvolvimento do sistema turístico, conforme demonstrado em trabalho anterior (FONSECA, 2004).

A inserção do produto turístico potiguar no turismo globalizado se expressa através de alguns dados, que são mostrados a seguir. Em 2001, a participação de estrangeiros no fl uxo turístico da Grande Na-tal era de aproximadamente 13% e no ano de 2005, esse percentual aumentou para 20%. Com relação aos principais países emissores para o ano de 2005, Portugal assume liderança participando com cerca de 34% do fl uxo internacional no Rio Grande do Norte; em segundo lugar, o destaque é para a Espanha emitindo 18% desse fl uxo, seguida da Argentina (8,6%), Holanda (7,0%), Suécia (6,0%) e Itália (5,8%) (SETUR, 2006).

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A magnitude assumida pelo turismo internacional também se expressa pelo movimento de aeronaves internacionais no aeroporto lo-cal. No ano de 2001, ocorreram 297 pousos procedentes do exterior e em 2005, esse número elevou-se para 1.092, aumentando, portanto, 367,6% em um período de apenas quatro anos.

Paralelamente ao aumento do fl uxo internacional de turistas, verifi ca-se um extraordinário incremento de investimentos estran-geiros no estado do Rio Grande do Norte. Com base em dados da SETUR/RN, nota-se que a procedência dos investimentos estran-geiros em realização ou previstos no Estado é predominantemente europeia, com destaque para os portugueses e espanhóis, seguidos de italianos, noruegueses, suíços, franceses e de brasileiros quase sempre associados ao capital internacional (FONSECA, 2007).

A competitividade dos destinos turísticos potiguares no contexto da internacionalização

Os dados apresentados acima expressam a magnitude do cresci-mento do turismo potiguar, mas não são sufi cientes para indicar se as destinações turísticas do estado atendem os determinantes competitivos e condicionantes estratégicos exigidos atualmente sob uma perspecti-va estratégica e de longo prazo. Procurando avançar na análise, iremos avaliar três dimensões das duas destinações consideradas na pesquisa (Natal e Tibau do Sul), conforme modelo proposto por Mazaro (2006): o Desenvolvimento Turístico do Destino, a Competitividade Turística do Destino e a Sustentabilidade Estratégica do Destino.

Desenvolvimento turístico do destino Pólo Costa das Dunas/RN

Aquilo que no modelo de referência foi defi nido como estado de desenvolvimento ou maturidade institucional do destino, diz res-peito às políticas locais de turismo, através das quais são defi nidas

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as formas de gestão e planejamento turístico. Conforme Mazaro (2006, 160), “esta dimensão de análise compreende as condições primárias sobre as quais o turismo está organizado e estruturado no contexto local”, sendo essencial para o êxito competitivo de uma destinação.

Cartografi a: Josué Alencar Bezerra, 2007.Organização: Maria Aparecida Pontes da Fonseca.Fonte: Brasil/MTur (2004).

Mapa 1 - Regiões Turísticas no Rio Grande do Norte/Brasil

Apesar dos esforços no sentido de interiorização do turismo potiguar, a atividade concentra-se no Pólo Costa das Dunas (PCDu-nas), localizado no litoral oriental (Mapa 1). Esse Pólo é composto por 16 municípios que, em seu conjunto, ofertam 64,8% dos meios de hospedagens e 76,7% das unidades habitacionais do total existen-te no Estado (SETUR, 2007). Dentre esses municípios, encontram-se as duas principais destinações turísticas do Estado, representadas por Natal e Tibau do Sul, onde se destaca a Praia de Pipa, localizada

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a cerca de 90 km ao sul de Natal. Nesses dois municípios, o turis-mo encontra-se consolidado, constituindo-se em uma das principais funções urbanas.

Focando a atenção para esses dois destinos do PCDunas, ve-rifi ca-se grande defi ciência nas linhas norteadoras e diretrizes gerais do turismo, no sentido de propiciar uma gestão mais integrada da atividade em uma perspectiva de médio e longo prazo, o que pode ser constatada pela escassez de instrumentos de gestão, tais como planos, programas e projetos turísticos. No atual estágio de desen-volvimento da atividade, os interesses mais imediatos do mercado são defi nidores do modelo turístico potiguar e as ações em turismo estão concentradas na promoção do destino.

Esses destinos, conforme sugerido pelo modelo de referência, são caracterizados como míopes em relação ao futuro, ou seja, não têm fi xado o modelo de desenvolvimento turístico a ser implementado e apenas rea-gem às contingências. Ainda que Natal e Tibau do Sul integrem o PCDu-nas e que este se encontre atuante de fato e de direito há mais de 10 anos e que, através do Pólo essas localidades tenham recebido a maior parte dos recursos destinados ao RN pelo Prodetur/NE, os agentes não são protago-nistas do turismo local, mas sim expectadores, resultando em uma postu-ra de incentivo indiscriminado ao turismo e ao imediatismo nas decisões, justifi cadas por critérios quantitativos e invariavelmente econômicos.

De acordo com Valls (2004), esses destinos se encontram em um estado básico de organização e gestão para o turismo, concen-trando a atuação em atribuições de comercialização, comunicação e promoção da marca. Os programas e ações implementadas são quase sempre originados do Governo Federal e os mecanismos e programas de desenvolvimento e fi nanciamento do turismo são oriundos de fontes externas e, certamente, insufi cientes para o aten-dimento das carências básicas das localidades no que diz respeito tanto a questões de infraestrutura geral e turística, quanto à quali-fi cação para a gestão do turismo. Ainda que esses dois municípios mantenham em suas estruturas administrativas um órgão específi co

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de gestão do turismo local sob a tutela de secretaria municipal, o setor não é benemérito de recursos orçamentários ofi ciais para in-vestimentos e, muitas vezes, até para atendimento de suas inerentes necessidades gestoras.

Considerando que a destinação de recursos consiste em um dos condicionantes para o exercício de uma gestão efetiva e protago-nista do turismo, a insufi ciência destes tem gerado uma espécie de gestão fi gurativa do governo local em turismo, quando muito uma gestão coadjuvante.

Apesar das distorções ainda predominantes na condução do turismo, Natal possui condições mais satisfatórias no que se refere a esta dimensão em relação à Tibau do Sul, por ser a capital do Estado e apresentar uma estrutura organizativa signifi cativamente diferen-ciada da outra destinação, estar mais bem preparada para o turismo, com gestores mais capacitados, possuir maior disponibilidade de re-cursos fi nanceiros e instrumentos de gestão mais consistentes que defi nem as diretrizes de uso e ocupação do solo, inclusive delimitan-do e regulamentando as áreas de interesse turístico.

Competitividade turística do destino Pólo Costa das Dunas/RN

A competitividade turística refere-se, de modo geral, as caracte-rísticas da oferta turística, a forma como esse produto é colocado no mercado e a sua capacidade de retenção e satisfação da demanda. Para Mazaro (2006, p. 177) “se atribuem a esses fatores os padrões de efi ci-ência que podem alcançar os processos de gestão e produção dentro do sistema turístico”. Estão relacionados mais aos resultados colhidos pelo destino como consequência de suas decisões sobre a composição de sua oferta turística e, principalmente, a resposta que obtém da demanda.

O atributo básico de referência avaliado nessa dimensão está relacionado aos recursos e atrativos do destino. Nesse quesito, Pipa está mais bem posicionada que Natal e de acordo com o mode-

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lo de referência utilizado na avaliação, apresenta um signifi cativo e diferenciador conjunto de atrativos turísticos, tendo nos recursos naturais o fundamento de sua oferta e de seu posicionamento de mercado, e que, pela extraordinariedade desses recursos, reúne con-dições de defi nir e compor um conjunto de atrações com potenciali-dade de posicionar-se em seu segmento competitivo ao nível de seus máximos concorrentes. Natal, por sua vez, apresenta um relevante conjunto de recursos e atrativos turísticos, combinando sol e praia com turismo urbano, onde a gastronomia e o comércio complemen-tam a oferta de atividades diretamente turísticas.

No entanto, em que pese à existência de importantes recursos naturais e históricos nos destinos analisados, esses apresentam um restri-to conjunto de atividades, com escassos e ocasionais esforços na consoli-dação de um núcleo consistente de atividades para oferta aos visitantes, que integre diversifi cadas experiências, de modo a explorar, no melhor dos sentidos, os atributos inatos e natos das destinações e que seja capaz de sustentar um posicionamento competitivo diferenciado.

Notadamente, o gap entre o que se tem de recursos e o que se é capaz de fazer com tais recursos, só pode ser vencido pela capacida-de inventiva, criativa e, sobretudo, comprometido dos agentes locais com a gestão do destino; e para isso, exigem-se grandes esforços, mas, em consonância com a abordagem que orienta esta análise, são os caminhos mais consistentes para se alcançar posições competiti-vas duradouras.

Tabela 1: Natal e Tibau do Sul / RNCapacidade dos meios de hospedagens e unidades habitacionais - 1999/2004Destinação turística

1999 2001 2003 2004

MH UH MH UH MH UH MH UH

Natal 178 5757 179 6548 179 7162 199 7653

Tibau do Sul 57 593 73 770 78 950 83 1255

FONTE: SETUR/RNMH: Meios de Hospedagens, UH: Unidades Habitacionais.

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Com relação à oferta turística no segmento hospedagem, Na-tal encontra-se mais equipada com 199 unidades que totalizam 7.653 unidades habitacionais, representando 31,9% e 56,2%, respectiva-mente do total estadual. Levando em conta as diferentes proporções, Tibau do Sul aparece em posição inferior, dispondo de 83 meios de hospedagem e 1.255 unidades habitacionais correspondendo a 13,3% e 9,2%, respectivamente, do conjunto estadual. No entanto, quando observados os dados disponíveis referentes ao período de 1999-2004 (Tabela 1) verifi ca-se que Tibau do Sul tem apresentado crescimento de sua infraestrutura hoteleira muito superior a Natal (45,6% dos meios de hospedagens e 111,6% das unidades habitacionais).

O rápido crescimento da oferta hoteleira sugere um incremento também rápido do fl uxo turístico, o que nem sempre é satisfatório para o êxito competitivo da destinação, uma vez que pode comprometer a qualidade do produto, especialmente quando se trata de destinações onde a natureza é o fundamento sobre o qual se assenta a atividade, como é o caso da praia de Pipa em Tibau do Sul. Já no segmento ali-mentação, esse município se diferencia de Natal, congregando a rustici-dade ambiental com uma gastronomia diversifi cada e sofi sticada, que se expressa pela presença de restaurantes portugueses, espanhóis, italianos, suíços, dentre outros, imprimindo um diferencial a essa destinação.

No que tange a infraestrutura básica dos dois destinos, igual-mente respeitadas as respectivas proporções, se identifi ca substancial investimento na construção, ampliação e melhoria das condições de acesso aos destinos, fator condicionante do fl uxo, considerando que esse acesso é feito fundamentalmente via terrestre e por meio rodoviá-rio. Ainda que Pipa já sustente a condição de destinação independente no que diz respeito à capacidade de atração de visitantes no âmbi-to regional, nacional e internacional, o acesso aéreo mais próximo é Natal, que detém a condição de portão de entrada aéreo do turismo potiguar. Dessa forma, os acessos terrestres e os meios de transporte coletivo efi cientes são atributos determinantes para o êxito competi-tivo desses destinos.

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Em ocasiões de grande fl uxo, como no período de férias es-colares e feriados prolongados, a infraestrutura turística dá sinais de esgotamento ao registrar engarrafamentos nas ruelas de Pipa, impossibilidade de acesso a determinados pontos devido ao grande número de automóveis, estacionamentos improvisados em calçadas e espaços para pedestres. Natal, como metrópole não planejada do Estado, acumula os problemas antigos com os da modernidade e típicos de grandes centros urbanos como ocupação desordenada do solo, excesso de veículos, saturação do sistema de abastecimento de água e esgoto, poluição e acúmulo de resíduos de toda natureza, entre tantos outros.

Como consequência das condições gerais de preparação para o turismo analisadas na dimensão desenvolvimento ou maturida-de dos destinos, conforme sugerido pelo modelo de referência e confi rmado nesta avaliação, a dimensão que analisa atributos de competitividade do destino revela a miopia antes comentada, ao contabilizar resultados mais insatisfatórios que satisfatórios em in-dicadores importantes para a construção de estratégias competiti-vas consistentes e diferenciadas.

Os dados de tempo de permanência nestes destinos e de sazo-nalidade do fl uxo durante os diferentes períodos do ano são relativa-mente positivos e representam indicadores da potencialidade destes destinos em alavancar outros segmentos de mercados, uma vez que as condições geográfi cas e climáticas possibilitam por estratégias de diversifi cação e segmentação, manter índices de fl uxo equilibrados e ainda, explorar segmentos qualifi cados de demanda para o incre-mento do indicador referente ao nível de gastos dos visitantes e, portanto, dos benefícios gerados pelo turismo na localidade.

Em face da ausência de um plano global de gestão turística do destino, como antes apontado, não se tem formalizado ou sistema-tizadas estratégias e ações de marketing, tampouco se tem defi nido um conceito-posicionamento turístico do destino. Dessa forma e muito longe dos critérios norteadores do marketing responsável, os

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esforços de atração estão orientados para segmentos de mercado ca-racterizados por variáveis de comportamento turístico baseado em modelos tradicionais (Camprubí, et al. 1998), contrariamente ao sugerido para um novo contexto competitivo, baseado na proposi-ção de valor superior para o posicionamento e foco na experiência integral dos visitantes.

Já para o quesito satisfação do visitante, as pesquisas realizadas indicam um alto grau de satisfação dos visitantes que destacam os atrativos naturais e a hospitalidade da população local como atribu-tos diferenciadores (SETUR, 2006).

Apesar dos indicadores dessa dimensão também se apresen-tarem mais favoráveis para o município de Natal do ponto de vista quantitativo, Tibau do Sul, particularmente a Praia de Pipa, reúne atributos que indicam oportunidades para o desenvolvimento de uma oferta turística qualitativamente diferenciada, aliando natureza exuberante com um estilo de vida peculiar aos antes vilarejos de pescadores, agora transformados em pequenos centros urbanizados que conjugam diversidade e sofi sticação, porém imbuídos por uma atmosfera de despojamento e de liberdade de comportamento que projetam destinações com tais características como coqueluche dos desejos de turistas do mundo todo.

Sustentabilidade turística do destino Pólo Costa das Dunas/RN

Considerando que a sustentabilidade está vinculada inexo-ravelmente a perspectiva de longo prazo e que os impactos estão representados por fatores possíveis de se avaliar apenas ao longo do tempo, o Competenible Model estabelece uma terceira categoria de análise denominada sustentabilidade turística. Os atributos desta di-mensão equivalem aos outputs do sistema turístico, revelando as alte-rações ou pressão que o turismo exerce sobre importantes elementos naturais e socioculturais na localidade, que podem ser positivos ou

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negativos, e que vão sugerir as condições de sustentabilidade ou não dos destinos no presente e frente ao futuro.

O foco da análise centra-se em elementos que relacionam di-retamente as atividades turísticas com os recursos do meio ambiente natural e com a comunidade local, sua história e cultura, seus recur-sos materiais e imateriais. Nesse sentido, se pode inferir que ambos os destinos aqui analisados apresentam condições muito semelhan-tes no que se refere aos cuidados com os recursos naturais.

Novamente, respeitando as devidas proporções e caracterís-ticas de urbanização absolutamente distintas tanto Natal quanto Tibau do Sul revelam situações preocupantes quanto ao uso, trata-mento e distribuição de água, a dependência de fontes energéticas tradicionais e o descuido com o uso da energia elétrica, em que pese o já propagado potencial da região para a exploração de fontes alter-nativas de energia como a solar e eólica.

Entendendo o transporte como um dos fatores estruturan-tes do turismo e de extrema relevância para o planejamento urbano na atualidade, os destinos avaliados revelam condições aquém do esperado, apresentando falhas tanto na diversifi cação de meios de transporte quanto na qualidade daquilo que já oferece.

Igualmente, o modelo de turismo seguido pelos destinos aqui analisados segue tendências contrárias àquelas recomendadas pelos pressupostos sustentáveis para os destinos turísticos. Praticamente, de todos os atributos ou indicadores observados nesta dimensão de análise e sugeridos pelo modelo de referência, não estão sendo alvo de decisão e atuação mais contundente por parte dos agentes tendo em vista a preservação dos fundamentos sobre os quais repousa o próprio turismo, como é o caso dos recursos naturais.

Com relação à sustentabilidade social e cultural, tampouco se observa uma mobilização por parte dos agentes turísticos envolvidos no sentido de garantir uma inserção mais efetiva da população na atividade turística, através da promoção do empreendedorismo local de modo a possibilitar maior distribuição da riqueza gerada pela ati-

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vidade. Verifi ca-se o empenho por parte do poder público em atrair grandes investimentos turísticos e turístico-imobiliários, conforme vimos acima. Em poucas palavras, a dimensão da sustentabilida-de turística se apresenta bastante frágil nas destinações consideradas neste trabalho.

Competitividade, turismo e diferenciação espacial no Pólo Costa das Dunas

Ao discutir a relevância assumida pela categoria espacial no atual estágio do capitalismo, Harvey (1993, p. 267) observa um pa-radoxo que ele expressa da seguinte forma: “Quanto menos impor-tante as barreiras espaciais, tanto maior a sensibilidade do capital às variações do lugar dentro do espaço e tanto maior o incentivo para que os lugares se diferenciem de maneira atrativa para o capi-tal“. Para esse autor, a redução das barreiras espaciais implicou uma valorização das vantagens decorrentes da localização e aumentou a sensibilidade em relação às diferenciações espaciais. As qualidades espaciais são agora mais valorizadas, uma vez que podem propiciar melhores condições de rentabilidade e competitividade às empresas.

No caso específi co da atividade turística, observa-se tam-bém que o acirramento da competitividade desencadeado com a entrada de novos produtos no mercado tem levado as destinações turísticas a se diferenciarem entre si cada vez mais, seja através da capitalização do território (infraestrutura e equipamentos), da valorização das especifi cidades locais de caráter natural ou cultural (identidade, história, cultura) ou ainda redimensionando os pa-drões culturais com a recriação da identidade local (FONSECA, 2004). Nesse sentido, Robertson (2000, p.235) discute a relevân-cia do turismo que busca a diferenciação do espaço local para aten-der segmentos específi cos do mercado, observando que “o turismo internacional é um dos mais destacados espaços da produção con-temporânea do local e da diferença”.

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A evolução da atividade turística nas duas destinações enfo-cadas neste trabalho ocorreu de forma bastante distinta. Em Natal, o agente responsável pelo desencadeamento do processo de turis-fi cação foi o poder público (estadual e municipal), enquanto em Tibau do Sul foi o mercado, o que repercutiu na forma de evolução da atividade em ambos os municípios. De modo geral, o processo de gestão do turismo em Natal é mais satisfatório, ocorrendo um diálogo mais estreito entre a administração pública e os empresários do setor e apresentando instrumentos um pouco mais elaborados para nortear a expansão da atividade. Em Tibau do Sul, o merca-do, desde o início, se constitui no principal agente turistifi cador, o que acarretou um desenvolvimento espontâneo e desordenado do turismo, agravado pela omissão do poder público municipal e pelo pouco interesse do poder público estadual em promover a atividade localmente, já que sua prioridade era o desenvolvimento do turismo na capital do estado, isto é, Natal.

Essa diferença é crucial para se compreender as características que os dois espaços turísticos assumem, sendo que em Tibau do Sul os agentes exógenos (empresários), que predominam na exploração do turismo local, são os principais responsáveis pela defi nição do modelo turístico, introduzindo novos elementos na cultura local (gastronomia e padrões de comportamento, por exemplo), redefi -nindo, portanto, a identidade do lugar e da população local.

Natal, com relação à infraestrutura básica, que já era servida de forma muito superior, foi privilegiada pelas políticas públicas estaduais enquanto área de investimentos turísticos prioritária, propiciando uma maior capita-lização do espaço através de investimentos em infraestrutura (saneamento, urbanização, recuperação de parques etc.). As condições de competitivida-de mais favoráveis em Natal foram reforçadas pelas políticas estaduais de turismo, acentuando a diferenciação entre Natal e Tibau do Sul.

Considerando as qualidades superiores de Natal em termos de infraestrutura básica, não é difícil entender o maior poder de atração de investimentos turísticos para essa destinação, que conta

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inclusive com hotéis de redes internacionais que primam pela qua-lidade dos serviços prestados. De modo que Natal se diferencia de Tibau do Sul tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo no que diz respeito aos meios de hospedagens, que se constitui o segmento estruturante da atividade, sendo aparelhada de modo bas-tante superior.

Finalmente, quando analisamos a dimensão da sustentabili-dade turística, as duas destinações não se diferenciam muito, pois apresentam problemas bastante similares, de modo que as externali-dades negativas do turismo são signifi cativas seja no âmbito natural, social ou cultural. Na Praia de Pipa, a magnitude desses impactos é mais intensa, especialmente os culturais, uma vez que as verticalida-des (SANTOS, 1999) incidem localmente de forma mais agressiva pelo fato da comunidade apresentar um nível de organização ainda elementar e um baixo grau de autonomia.

Assim, nas duas destinações, o processo de gestão turística não estimula a integração e a participação do conjunto da população local, de modo que o espaço produzido para fi ns turísticos exclui e segrega o cidadão, o que se constitui um equívoco, na medida em que a ausência do residente desses espaços contribui para a insusten-tabilidade dos mesmos, se pensarmos em médio e longo prazo.

Apesar das difi culdades apresentadas nas destinações enfoca-das, o acirramento da competitividade turística entre as mesmas tem desencadeado uma requalifi cação do espaço e a busca pela distin-ção da destinação turística, de modo que a competitividade entre as duas localidades tem acentuado as diferenciações espaciais. Por outro lado, observa-se também a homogeneização de certos pro-cessos espaciais, ou seja, a ocorrência desses processos em ambas as localidades, tais como segregação socioespacial, degradação ambien-tal, privatização de espaços públicos, além da inserção precária da população local na atividade turística local.

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Considerações fi nais

A partir da análise de desempenho dos destinos turísticos a luz dos determinantes traduzidos nos atributos indicados pelo Com-petenible Model, se pode afi rmar que as variáveis de maior motricida-de - ou que causam uma maior infl uência sobre o resto de variáveis consideradas na análise - são classifi cadas como partes da dimensão maturidade de gestão do destino, relacionadas diretamente com a capacidade dos agentes regionais de fi xarem os marcos do desen-volvimento turístico nos âmbitos de seus interesses e atribuições e que vão condicionar as demais dimensões de análise, traduzidos em atributos de competitividade e sustentabilidade turística no destino.

A evolução da atividade turística nas duas destinações ocorreu de forma bastante distinta, sendo que Natal sempre foi privilegiada pelas políticas públicas enquanto área de investimentos turísticos prioritária. No entanto, a inegável aptidão de Pipa para a atração de turistas fez voltar a atenção dos agentes regionais para o controle e coordenação desse desenvolvimento e hoje empreende esforços no sentido de auto organizar-se para enfrentar um futuro cujos deter-minantes são defi nidos no presente.

Considerando que, no contexto atual para o turismo, é con-sensual a compreensão que a sustentabilidade turística, em todas as suas dimensões, torna-se imprescindível para que um destino tu-rístico seja competitivo, é no marco teórico de convergência destes temas que se justifi ca o empenho deste trabalho em contribuir para fazer cumprir as premissas sobre as quais repousam o paradigma sustentável e orientar para o desenvolvimento turístico e de sua im-plementação através de ações que correspondam, ao mesmo tempo, aos critérios de competitividade globalizada e às expectativas de susten-tabilidade turística local.

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O PAPEL DO RESIDENTE NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO TURÍSTICO EM NATAL/RN

Karina Messias da SilvaMaria Aparecida Pontes da Fonseca

O modelo de turismo desenvolvido em Natal/RN, assim como na maioria das demais capitais do Nordeste Brasileiro, tem desencadeado uma especialização dos espaços litorâneos para a re-cepção do fl uxo turístico internacional. As políticas públicas locais e regionais infl uenciam fortemente a concepção desse modelo, propi-ciando a ampliação e melhorias infraestruturais nas áreas seleciona-das para a promoção da atividade, de modo a proporcionar a atração de investimentos públicos e privados para a cidade.

No entanto, à medida que algumas áreas do espaço urbano vão sendo turistifi cadas, verifi ca-se uma tendência à intensifi cação de problemas de natureza socioambiental (prostituição, violência, poluição das praias, entre outros), interferindo nas atividades de la-zer dos residentes que acabam se deslocando para outras áreas para praticar tais atividades quando a urbanização turística assume maior magnitude. Observa-se que o processo de desterritorialização dos re-sidentes das áreas turistifi cadas acaba contribuindo ainda mais para o aumento desses problemas e, portanto, na degradação das áreas turísticas. Dessa forma, a principal questão que se coloca neste tra-balho é: qual o papel do residente diante do processo de urbanização turística em Natal?

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A hipótese que norteou o desenvolvimento do trabalho é que a frequência por parte do residente às áreas turistifi cadas é essencial para garantir a sustentabilidade da destinação turística. Comumente os trabalhos existentes sobre a temática do turismo têm dado pou-ca ênfase à atuação do residente diante da atividade turística e de seus desdobramentos na produção do espaço. Assim, essa linha de pesquisa assume importância, pois se trata de uma abordagem que privilegia o papel do residente, considerando esse um agente impor-tante para a sustentabilidade dos espaços turísticos.

Nota: Mapa trabalhado por Paiva, 2007.Mapa 1 – Praias do município de Natal, objeto do estudo – 2007

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Sendo assim, o objetivo deste artigo é analisar a participação dos residentes enquanto agente produtor do espaço turístico nata-lense, observando suas ações e reações em relação à territorialização turística de suas áreas de lazer.

O recorte temporal é defi nido pela conclusão do PRODE-TUR/RN I (no ano de 2002), até os dias atuais, período em que ocorre uma intensifi cação no processo de urbanização turística em Natal decorrente da internacionalização da atividade no estado po-tiguar, resultando no aumento do fl uxo de turistas e investimentos estrangeiros. O recorte espacial abrange as quatro praias da cidade de Natal: as Praias do Centro, a Via Costeira, Ponta Negra e Redi-nha (ver Mapa 1).

Com relação aos procedimentos metodológicos que possibi-litaram a realização da pesquisa, optou-se pela aplicação de ques-tionários junto à população local, no período de janeiro a maio de 2007, para obtenção de dados primários. Os questionários foram aplicados junto aos moradores da cidade (totalizando 116 pessoas), englobando, nesta amostra, residentes de várias camadas sociais, fai-xas etárias, níveis de escolaridade, distribuídas nas quatro Regiões Administrativas de Natal. Foram utilizados também dados secun-dários obtidos nos seguintes órgãos governamentais: IBGE (Insti-tuto Brasileiro de Geografi a e Estatística), IDEMA/RN (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte); SEMURB (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo); SEBRAE/RN (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte); CEFET/RN (Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte).

O residente enquanto agente produtor do espaço turístico

Na produção do espaço turístico, Knafou (1996) identifi ca a existência de três fontes de turistifi cação dos espaços, a saber: os

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turistas, o mercado e os planejadores turísticos. Tais agentes são os principais responsáveis na transformação de uma localidade em uma destinação turística, imprimindo características específi cas ao espaço produzido, segundo o modelo turístico adotado.

No entanto, quando nos referimos especifi camente ao proces-so de transformação do espaço desencadeado pela turistifi cação do lugar, além dos três agentes destacados por Knafou, ocorre a partici-pação de um outro segmento fundamental para compreendermos a natureza dos espaços turistifi cados: os residentes.

Os residentes podem participar da produção do espaço turís-tico de formas distintas: passivamente, quando aceitam as determi-nações dos agentes turísticos hegemônicos (Estado e o Mercado) e, de forma omissa, compactuam com a racionalidade dos atores que imprimem a lógica que deve pautar a produção da destinação turís-tica, ou ativamente, quando se manifestam através dos movimentos sociais e como cidadãos que cobram e exigem seus direitos.

Ao analisar a produção do espaço na cidade, Carlos (1984, p.86) identifi ca que “a produção espacial realiza-se no cotidiano das pessoas e aparece como forma de ocupação e/ou utilização de de-terminado lugar num momento específi co”. Ou seja, os espaços na cidade também são produzidos através do cotidiano das pessoas em suas atividades corriqueiras.

Neste trabalho, procuramos ressaltar o papel do residente en-quanto agente produtor corresponsável pelo modelo turístico urba-nístico que vem sendo desenvolvido em Natal. No entanto, deve-mos considerar que na produção dos espaços turísticos local, o poder público e o mercado (segmento empresarial) assumem relevância em relação aos demais agentes (FONSECA, COSTA, 2004; CRUZ, 2007). São eles que, juntos, impulsionam a concretização da ativi-dade nos territórios. Cabe salientar que a formação de parcerias entre ambos tanto pode acarretar o fortalecimento do turismo enquanto atividade econômica, como gerar parcerias que possam se desdobrar em ações para a elaboração de projetos de preservação ambiental.

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Inseridas nessas ações, também podem ser incluídas aquelas que se voltam para a responsabilidade social, não se restringindo apenas em garantir os interesses dos empresários turísticos, nem em gerar divisas aos cofres públicos, mas que respeitem os direitos bási-cos dos cidadãos, inclusive o direito básico ao lazer. A seguir, abor-daremos as formas de inserção dos residentes de Natal na produção do espaço turístico local.

O papel do residente diante da urbanização turística em Natal: inserção passiva e inserção ativa

No processo de urbanização turística em Natal, os espaços públicos da orla são alvos preferenciais dos agentes do mercado tu-rístico para a produção da atividade turística e, coincidentemente, esses espaços também se constituem nas principais áreas de lazer para o conjunto da população local. Assim, mesmo sendo espaços turísticos, os moradores locais também participam de sua produção, realizando suas atividades de lazer, demandando obras infraestrutu-rais e outras medidas preservacionistas, ou inclusive se retirando das áreas praianas mais turistifi cadas.

Este trabalho optou por relacionar a produção espacial e o residente, considerando-se duas situações: 1- a população se torna um agente passivo, caracterizando-se pela omissão no processo de produção do espaço turístico. O residente abandona seus espaços de lazer e, nesse caso, sua saída também se reverte numa forma de pro-duzir o espaço, na medida em que essa ação potencializa a inserção de outros grupos nos espaços de lazer; 2- a população se torna um agente ativo, quando a sociedade civil organizada não compartilha com a racionalidade excludente e organiza movimentos sociais na defesa de seus interesses.

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A inserção passiva

A atuação da população em relação à defesa de seus espaços de lazer se reverte em uma situação em que a maioria dos residentes assume uma atitude passiva. Podemos analisar esse comportamento sobre os seguintes aspectos: em primeiro lugar, no planejamento e na gestão da atividade turística não é muito comum considerar a participação da população nas tomadas de decisões, seja por negli-gência dos principais agentes responsáveis pelas tomadas de decisões (poder público e o dos agentes do mercado turístico), seja por uma atitude hegemônica, isto é, em não inserir deliberadamente a popu-lação na esfera do planejamento turístico.

Em segundo lugar, existe o conformismo de parcela signi-fi cativa da população em não fazer valer o seu direito à cidade e, mais especifi camente, o direito de manutenção e preservação de suas áreas de lazer. Devemos analisar também que a atitude de passividade da população também vem do descrédito em relação ao poder público vir considerar os interesses dos moradores (CO-RIOLANO; SILVA, 2005).

A atividade turística se concretiza cada vez mais na cidade, associada a uma intensa transformação socioespacial nos locais turis-tifi cados, devido à construção e ampliação dos equipamentos turís-ticos pelos agentes do mercado turístico e pelo poder público, inter-venções espaciais estas que se revertem no crescimento do número do fl uxo e da receita turística.

No entanto, quando se trata de decisões pertinentes à expan-são da atividade e dos efeitos perversos que a atividade é passível de causar ao meio ambiente e aos espaços públicos, observa-se uma despreocupação com a população local, sendo pouco considerados os efeitos dessa atividade no cotidiano desses moradores.

A ausência de mecanismos que possibilitam a inclusão do re-sidente no planejamento e gestão turística é manifestada por 93,7% dos entrevistados que responderam que nunca foram consultados ou ouvidos a respeito do planejamento dos espaços turísticos.

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A pouca expressividade dos residentes em relação às formas de protestos diante dos problemas socioambientais manifestados nas áreas de lazer agora turistifi cadas, têm levado muitos a optar por ou-tro tipo de atitude, ou seja, o afastamento das áreas turísticas, como uma forma de protesto silencioso. Assim, a escolha por esse tipo de protesto faz do residente um agente passivo, diante da degradação de suas áreas de lazer.

A inexistência de um planejamento participativo na atividade turística reforça a lógica dessa produção espacial que tende a privi-legiar o visitante em detrimento da população local. Na gestão da atividade turística prevalecem as ações do poder público e dos agen-tes de mercado que comandam de forma hegemônica a atividade, excluindo a possibilidade de considerar o residente enquanto agente ativo e participante da gestão do espaço turístico.

Os resultados do estudo convergem para a confi rmação de que a maioria da população local vem desenvolvendo atitudes passi-vas diante dos efeitos negativos que a atividade tem proporcionado ao ambiente público das praias urbanas.

Na medida em que as praias de Natal passaram a ser frequen-tadas mais intensamente pelos turistas, os problemas de ordem so-cioambiental também se intensifi caram, resultando na saída gradual dos residentes das praias. Os motivos que têm contribuído para o descontentamento e a saída dos residentes das praias são: poluição (18,1%), prostituição (17,2%), preços dos produtos e dos serviços (16,4%), violência/insegurança (14,7%), defi ciência na infraestru-tura (10,3%) e difi culdade de acesso (2,6%). Na pesquisa, identi-fi camos que 19,6% dos residentes entrevistados estão transferindo suas práticas de lazer para as praias localizadas em outros municípios: Parnamirim (praias de Pirangi e Cotovelo), Nísia Floresta (praias de Pirangi do Sul, Búzios e Tabatinga), Extremoz (Praia de Pitangui), Ceará-Mirim (Praia de Muriú) e o município de Touros.

Com o objetivo de caracterizar melhor os residentes que pas-saram a frequentar praias fora de Natal, fi zemos uma correlação com

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os níveis salariais. Os dados obtidos mostram que não são apenas os residentes pertencentes às classes sociais mais favorecidas que es-tão transferindo suas práticas de lazer para outros municípios. O mesmo está se dando com as classes populares. Dessa forma, alguns residentes optam por se ausentarem das praias de Natal como forma de protesto.

Consideramos que essa atitude dos residentes, enquanto ato-res sociais, repercute no processo de produção espacial. Esse tipo de reação facilita e intensifi ca o surgimento de outros grupos sociais nos espaços turísticos, desencadeando novas formas de territorialidades, como é o caso da prostituição, do tráfi co de drogas, entre outros.

Nesse sentido, conforme as palavras de Coriolano e Silva (2005, p.144), “a sociedade enfrenta e partilha desse processo hege-mônico de forma subordinada e, embora sendo maioria, tem sempre menor poder de decisão, apesar de exercer pressão política em deter-minados momentos”.

A omissão ou a passividade dos moradores diante dessa pro-dução espacial excludente, embora se processe numa realidade que esbarra no poder hegemônico dos agentes turísticos (empresários e Poder Público), difi culta ainda mais a possibilidade de inserção do residente nesse processo.

A inserção ativa

No processo de urbanização turística em Natal, a sociedade civil começa, mesmo que timidamente, a se posicionar de maneira crítica diante da turistifi cação dos espaços de lazer na cidade, origi-nando movimentos sociais que lutam contra essa intensa produção e valorização espacial motivada pelo crescimento da atividade turís-tica, que é responsável por uma forte especulação imobiliária sobre áreas ambientalmente frágeis (áreas dunares, protegidas por lei) e por provocar diversos problemas de ordem socioambiental (segrega-ção, poluição, prostituição, violência, entre outros).

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Nesse contexto, o estudo mostrou que uma pequena parcela dos residentes pesquisados está engajada em algum tipo de manifes-tação contra os problemas de natureza socioambiental evidenciados nas áreas onde o processo de turistifi cação se intensifi cou, ou seja, a partir do momento em que houve um aumento do número de turistas, principalmente, do turista estrangeiro a partir do início da década atual (ver Gráfi co 1).

Dos resultados obtidos junto aos entrevistados, no que se re-fere às reações dos residentes em defesa dos seus espaços de lazer que passam pelo processo de turistifi cação, no sentido de combater os problemas socioambientais, apenas 31% dos residentes disseram se manifestar de alguma forma (mobilizando a sociedade, fazendo passeatas, divulgando na imprensa, dentre outros) enquanto 68,1%, ou seja, a maioria dos entrevistados, respondeu que não se manifesta (ver Tabela 1).

Gráfi co 1 – Evolução do fl uxo turístico em Natal – 1996/2006Fonte: FONSECA (2005); SETUR-RN.Nota: não dispomos dos dados referentes aos anos de 1997 a 1998.

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Tabela 1: Município de NatalFormas de manifestação dos residentes em relação aos problemas socioambientais

Tipo de Manifestação Porcentagem (%)Denunciando aos Órgãos Competentes 14,7Mobilizando a Sociedade 6,0Fazendo Passeatas 4,3Divulgando na Imprensa 1,7Outro tipo de Manifestação 4,3Não se Manifestam 68,1Não Responderam 0,9Total 100

Fonte: pesquisa de campo, 2007.

A intensifi cação da atividade turística na cidade de Natal recai sobre intervenções urbanísticas que incidem sobre o meio ambiente, provocando a inquietação de alguns segmentos da sociedade. So-mando-se a esse quadro, tem-se a atuação do poder público diante do processo de urbanização turística, que tende a relegar certos es-paços da cidade aos interesses dos agentes turísticos, em detrimento dos interesses do residente.

Em Natal, os primeiros movimentos reivindicatórios em de-fesa do meio ambiente surgiram no fi nal da década de 1970, período no qual a atividade turística começava a ser implementada na cida-de, com intervenções urbanísticas em áreas que apresentavam frágil caráter ambiental.

Foi assim com o Projeto do Parque das Dunas / Via Costeira (PD/VC), idealizado no fi nal da década de 1970 e início de 1980, quando uma via foi construída numa área dunar considerada local de proteção ambiental para a implementação de uma cadeia hoteleira de grande por-te. Com isso, criou-se um movimento formado por profi ssionais liberais e ambientalistas que reagiam contra a localização desse megaprojeto tu-rístico, alegando o forte impacto ambiental que poderia ser provocado na área. Para Lopes Júnior (2000, p.130), esse movimento social foi con-siderado, até aquele momento, o “mais importante movimento social relacionado à questão ambiental em Natal e o que mais produziu reor-denações positivas nas intervenções ambientais dos governantes locais”.

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A reação de segmentos sociais contra o Projeto PD/VC obte-ve resultados signifi cativos para a cidade, embora, a luta não tenha impedido a construção do mega empreendimento. Entre suas per-das e conquistas, os ambientalistas conseguiram que os empresários turísticos redefi nissem seus objetivos iniciais e que o poder público criasse uma reserva ecológica para a preservação do ecossistema da-quela área - o Parque Estadual das Dunas33 -, considerado uma vi-tória signifi cativa para os ambientalistas (LOPES JÚNIOR, 2000).

Após a luta contra a construção da Via Costeira, ainda na década de 1980, outro movimento se aquecia, agora para impedir o avanço da especulação imobiliária que incidia sobre outro espaço de lazer na cidade: Praia de Areia Preta (uma das praias incluídas no conjunto praias do centro). Essa luta tinha o intuito de difi cultar a construção de espigões na orla da praia. O movimento era composto pelos moradores locais, dentre os quais se destacavam “entidades estudantis, igreja católica e algumas das personalidades públicas que haviam se envolvido com a luta anterior contra o projeto Via Cos-teira” (LOPES JÚNIOR, 2000, p.131).

Em meados da década de 1990, com a expansão da urbani-zação turística, alguns movimentos sociais passam a reivindicar o direito ao espaço público da orla, na medida em que alguns empre-endimentos hoteleiros se apropriaram de áreas próximas ao bairro de Mãe Luíza, difi cultando o acesso às Praias do Centro para os moradores do bairro.

Mas, diante dos impasses travados entre ambientalistas e em-presários imobiliários, a luta representou ganhos, mais precisamente para os empresários, benefi ciando-se da legislação urbanística da ci-dade, uma vez que essa passou a tornar possível a verticalização em apenas um único trecho da orla urbana, mais precisamente na Praia de Areia Preta.

33 O Parque Estadual Dunas de Natal é uma Zona de Proteção Ambiental (ZPA), que pela diversidade de sua fl ora, fauna e das belezas naturais, constitui importante unidade de conservação destinada a fi ns educativos, recreativos, culturais e científi cos (PREFEITURA MUNICIPAL DO NATAL, SEMURB, 2005).

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As consequências da verticalização desse trecho da orla foram consideradas como uma falta de respeito para com os marcos histó-ricos da Cidade (o Farol de Mãe Luíza), encobrindo a paisagem e agravando a situação de risco de várias famílias que há anos viviam na encosta localizada por trás dos prédios, onde se localiza o bairro de Mãe Luíza (SILVA, 2007).

No decorrer do ano de 2006, outro movimento em defesa do meio ambiente desponta na cidade. O alvo dessas reivindicações recai sobre a construção de empreendimentos imobiliários próximos ao Morro do Careca localizado na Praia de Ponta Negra, detentor de um alto valor sentimental para os residentes.

O Morro do Careca é considerado um dos principais car-tões postais da cidade, sendo alvo de forte apelo publicitário para o turismo. Nesse contexto, essa paisagem natural tem despertado o interesse do setor imobiliário, que a utiliza como recurso mercado-lógico, seguindo uma tendência do mercado em atrair um público que prefere morar próximo à natureza, sendo que o porte dos em-preendimentos pode vir a comprometer a visualização de uma das mais belas praias de Natal.

Foi então que o movimento denominado de S.O.S Ponta Ne-gra34 foi criado, contando com a participação de ambientalistas, pro-fi ssionais liberais, estudantes, entre outros segmentos da sociedade civil. O movimento tenta difi cultar a construção desses empreen-dimentos imobiliários em uma área de proteção ambiental, como também impedir que a população local seja atingida pela forte espe-culação imobiliária.

O movimento S.O.S Ponta Negra conseguiu, com a sua luta e reivindicações, fazer com que o poder público embargasse as obras de tais empreendimentos, como também discutir a criação de áreas não edifi cantes para o bairro de Ponta Negra.

34 O movimento começou com a denúncia no blog do jornalista Yuno Silva, que entrou no ar no dia 17/09/2006, com o intuito de protestar contra as construções dos espigões no entorno do Morro do Careca. Quatro dias depois, o assunto já ganhava as primeiras páginas de todos os principais jornais do Estado (TRIBUNA DO NORTE, 4/12/2006).

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Diante de todos esses movimentos que vêm provocando inquie-tação em uma parcela da população, inicia-se uma discussão acerca da intensa produção espacial para fi ns turísticos, a qual vem seguindo um modelo de urbanização que se reverte numa produção espacial que tende a deixar de lado tanto as questões ambientais importantes quanto os interesses da população.

O ressurgimento dos movimentos sociais em Natal mostra que a sociedade não está totalmente apática com relação à defesa dos seus interesses. Mesmo diante do intenso processo de urbanização em certos pontos da cidade, esses movimentos colocam em ques-tão os interesses dos agentes capitalistas, instigando a participação da sociedade que, segundo Santos (1999) se apresentam como as ‘contrafi nalidades’ em relação aos atores hegemônicos. Mesmo que ainda não consigam envolver parcela signifi cativa da população, já apresentam resultados positivos na defesa dos interesses desta e em outras conquistas.

O residente se insere, portanto, como agente produtor dos espaços turísticos de forma ativa, não apenas por sua participação na arrecadação dos impostos que são revertidos em subsídios para a manutenção desses espaços, mas também por sua participação em movimentos sociais, reivindicando o seu direito à cidade, ao lazer e a melhoria da qualidade de vida, que deve ser observado no processo do planejamento turístico.

Embora os resultados da pesquisa revelem um alto índice de pessoas que não se manifestam diante dos problemas socioam-bientais evidenciados nas praias, existem iniciativas por parte de alguns residentes, conforme mencionado acima, que podem vir a se fortalecer no combate aos efeitos negativos do turismo em algumas áreas da cidade.

Ao questionar sobre as medidas que deveriam ser tomadas pelo poder público para que a população local volte a frequentar as praias de Natal, foram apontadas as seguintes medidas: melho-ria da segurança (25%), diminuição dos problemas socioambientais

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(20,7%), diminuição nos preços abusivos dos produtos e serviços (5,2%), melhoria da infraestrutura (4,3%), combate à privatização de áreas públicas (1,7%), combate ao comportamento abusivo de alguns turistas (0,9%), conforme é mostrado no Gráfi co 2.

Gráfi co 2 – Principais medidas para o residente voltar a frequentar as praias de NatalFonte: pesquisa de campo, 2007.

A análise dos resultados revela que uma parcela signifi cativa dos residentes está ciente dos aspectos positivos e negativos do tu-rismo, tanto sociais quanto ambientais, bem como do que deve ser realizado pelo poder público para que eles possam voltar a desempe-nhar suas práticas de lazer com mais frequência nas praias.

Considerações fi nais

A racionalidade da produção do espaço turístico é dada pelos agentes hegemônicos que qualifi cam uma destinação para o consumo, enquanto a lógica de produção do espaço para o residente é outra, pois o espaço é para ser vivido. Os interesses, portanto, são distintos.

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Nesse contexto, surgem as indagações de como conciliar essas duas lógicas distintas e como o poder público media essa relação. Também nasce o questionamento sobre como garantir o funciona-mento da atividade turística, sem esquecer a necessidade de garantir o bem comum, que o espaço é de uso comum, especialmente, a área de lazer, que é um direito do cidadão.

Ao longo do processo de produção dos espaços turísticos em Natal, transformações foram evidenciadas nos espaços de lazer do residente, com a inserção de equipamentos e serviços turísticos para o consumo dos turistas, além das transformações de ordem socioes-pacial nesses espaços.

Paralelamente aos investimentos do poder público e às inter-venções dos empresários do setor, a atividade turística revela suas contradições e paradoxos, no sentido de que, quanto mais os espa-ços recebem investimentos e se especializam na atração de turistas estrangeiros e na oferta de serviços a estes, os problemas de ordem socioambiental se intensifi cam.

Exemplos locais não são considerados pelo poder público como um quadro de referência para o planejamento turístico. Os problemas de ordem socioambiental (poluição, prostituição, violên-cia/insegurança, defi ciência na infraestrutura, dentre outros), que outrora contribuíram para o afastamento de uma parcela signifi cati-va da sociedade das praias do Centro, atualmente se tornaram uma constante nos espaços turísticos que emergem com intensa atividade turística, como é o caso da Praia de Ponta Negra.

Dada a sua magnitude, esses problemas resistem às várias in-vestidas do poder público no seu combate. Diante desse quadro de problemas, em que os espaços são produzidos numa lógica em que o visitante se torna o agente prioritário dessa produção, esses espaços têm sido alvos constantes da prostituição, da violência, da crimina-lidade, da poluição etc.

Os resultados convergem para uma realidade preocupante. Das pessoas que compuseram o universo da análise, um número

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signifi cante vem deixando de frequentar as praias urbanas da cidade na medida em que essas vão se turistifi cando.

Em contrapartida, as praias localizadas em outros municípios têm sido alvos preferenciais de uma parte dos residentes, que passa-ram a transferir suas práticas de lazer para essas localidades devido à intensifi cação dos problemas que emergiram associados ao turismo nas praias da cidade.

A pesquisa constatou que os residentes que estão saindo das praias de Natal não são apenas aqueles pertencentes às classes socioe-conômicas mais favorecidas, mas, em sua maioria, aos das classes mais populares, o que se constitui um dado importante, pois as praias urba-nas estão aos poucos deixando ou perdendo o encanto para os seus re-sidentes de modo geral ou se tornando impróprias para seu consumo, devido aos altos preços praticados pelos serviços prestados.

A população local, porém, ao resgatar a sua cidadania, fazen-do prevalecer seus direitos na busca de sua participação na gestão do espaço turístico, poderá contribuir, inclusive, para a sustentabilidade da destinação turística. Dessa forma, um modelo de gestão turística deve direcionar ações que contemplem a necessidade de se produzir um espaço turístico que integre o residente, de modo que este não perca sua identidade com o lugar, como o que está se evidenciando com esse modelo de turistifi cação.

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INTERFACES SOCIOAMBIENTAIS DO TURISMO SUSTENTÁVEL EM ICAPUÍ-

CEARÁ (1995 – 2000)

Maria Betânia Ribeiro Torres

O objetivo aqui proposto é o de avaliar a política de desen-volvimento do turismo sustentável em Icapuí-CE como geradora de trabalho e renda e suas interfaces socioambientais no período de 1995-200035. Abordam-se, neste artigo, os diversos aspectos que en-volvem o turismo nesse pequeno município litorâneo cearense, com enfoque nas principais comunidades praianas de potencial turístico: Ponta Grossa, Redonda, Peroba, Barreiras e Tremembé. Procedeu-se a análise desde a participação dos atores sociais na implantação do turismo, passando pelos aspectos positivos e negativos desta ativida-de na sua relação com o meio ambiente, percorrendo a geração de trabalho, emprego e renda, penetrando na imagem e concepções de turismo e meio ambiente, indo para as novas confi gurações socioes-paciais locais.

Este trabalho indica pistas que possam servir de fundamento para propostas de planejamento e avaliação de programas, revisão de

35 Este trabalho é parte de minha dissertação de mestrado intitulada: Novos Rumos na Canoa Veloz: o turismo sustentável e suas interfaces socioambientais - a experiência de Icapuí – Ceará, sob a orientação do Prof. Dr. Eustógio Wanderley Correia Dantas (PRODEMA/UERN), 2003.

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conceitos, transformação de relações, mudanças institucionais, den-tre outras possibilidades do turismo sustentável; como num painel, uma fotografi a pretensamente por inteiro e interdisciplinar, para di-zer como foi implantada a política de desenvolvimento do turismo sustentável em Icapuí e suas interfaces com a economia, o meio am-biente e a população local.

Desenvolvimento do turismo: do turismo de massa ao turismo sustentável

O turismo tem em sua origem uma historicidade circunscrita a um determinado tempo e espaço, antes de se transformar numa prática social presente, hoje, em quase todas as sociedades e, inclu-sive, integrada à agenda dos indivíduos das diversas classes sociais, variando essencialmente o tempo disponível e o nível de consumo de bens e serviços (LABATE, 2000).

O desenvolvimento do turismo de massa36 difundiu-se após os anos 50, no pós-guerra, com a institucionalização das férias re-muneradas, apoiado na concepção de sociedade de massa, concep-ção advinda da produção em série de bens materiais. Nesse contex-to, a degradação ambiental pela atividade turística vem à tona. O desenvolvimento rápido e descontrolado do turismo em localidades com recursos naturais de excepcional beleza tem provocado excesso de demanda e a descaracterização da paisagem, fazendo com que a destinação perca as características que deram origem à atratividade.

Em meados da década de 80 do século XX, a preocupação com a intensifi cação dos fl uxos turísticos possibilitou uma abordagem mais refi nada e científi ca da atividade, tratada até então, com raras exceções do ponto de vista do gerenciamento e da administração, em uma es-pécie de manual de “como fazer”. É nesse período que a concepção de desenvolvimento sustentável é incorporada às análises da atividade

36 O turismo de massa é caracterizado pelo grande volume de pessoas que viajam em grupos ou individualmente para os mesmos lugares, geralmente nas mesmas épocas do ano (RUSCHMANN, 1997).

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turística. Contudo, também possui limitações. Partindo da constata-ção de que o ambiente é o foco de atração do turismo, a proteção ambiental torna-se o pressuposto de uma atividade turística durável (LUCHIARI, 2000).

O crescimento da atividade turística nas regiões litorâneas está fortemente condicionado à valorização de suas paisagens tropi-cais e à construção de infraestrutura. Destacando-se extensos trechos de praias, a Região Nordeste do Brasil tem visto no turismo uma solução econômica viável na tentativa de amenizar os graves proble-mas sociais que a atingem.

Muitas vezes, o turismo é tido como única possibilidade de desenvolvimento econômico para um lugar, ocorrendo, possivel-mente, a submissão das populações locais a uma ordem externa, desarticulando culturas tradicionais, como é o caso da maioria das comunidades litorâneas (LUCHIARI, 2000).

A apropriação espacial da cidade e o modelamento de suas pai-sagens potencializam confl itos. Esses confl itos dizem respeito tanto ao uso do espaço quanto ao poder de visão sobre ele. Mais do que qualquer outra área de consumo, a atividade turística implica alarga-mento de percepções. |Nessa atividade também se estende uma nova esfera de refl exividade social. Se o deslocamento territorial por si só tem implicações profundas na construção da personalidade, a prática turística incorporada ao consumo estético de paisagens pode produzir não só novas identidades e estilos de vida, mas também novas atitudes e ações sociais. É o caso em que os turistas impõem, pela necessidade do consumo da natureza, uma relação mais equilibrada com o meio ambiente (LUCHIARI, 2000; LOPES JR, 2000).

Depois da metade dos anos 80, distingue-se um outro pe-ríodo, no qual as práticas turísticas e de lazer da fase precedente perde sua amplitude. O turismo de natureza ou o turismo ecológico ocorre na maioria das localidades estabelecidas e, nas novas, evita-se a ocupação de todos os espaços (RUSCHMANN, 1997).

Trata-se, portanto, da renovação do turismo, cuja clientela busca a calma, as aventuras e o conhecimento mais profundo das regiões visi-

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tadas. Os ambientes naturais conservados estão cada vez mais sensíveis diante dos acidentes naturais e políticos do planeta. Com isso, ganham força no contexto internacional onde a concorrência é intensa, consti-tuindo-se em grande força mercadológica para este século.

É importante ressaltar que todas as intervenções do turismo não se traduzem, necessariamente, na agressão ou na degradação do meio am-biente natural. O turismo não pode ser responsabilizado por todos os efeitos negativos e agressões à natureza. O desenvolvimento turístico em ambientes naturais apresenta vantagens e desvantagens que merecem ava-liação criteriosamente. Ruschmann aponta os seguintes aspectos:

Impactos positivos do turismo:

• Criação de planos e programas de conservação e preserva-ção de áreas naturais, de sítios arqueológicos e de monu-mentos históricos;

• Os empreendedores turísticos passam a investir nas medi-das preservacionistas, a fi m de manter a qualidade e a con-sequente atratividade dos recursos naturais e socioculturais;

• Promove-se a descoberta e a acessibilidade de certos as-pectos naturais em regiões antes desconhecidas, a fi m de desenvolver o seu conhecimento por meio de programas especiais (turismo ecológico);

• A renda da atividade turística, tanto indireta (impostos) como direta (taxas, ingressos), proporciona as condições fi nanceiras necessárias para a implantação de equipamen-tos e outras medidas preservacionistas;

• Interação cultural e aumento da compreensão entre po-vos, originados pelo conhecimento maior do turista dos usos e costumes das comunidades que visita;

• A recuperação psicofísica dos indivíduos, resultante do descanso, do entretenimento e do distanciamento tem-porário do cotidiano profi ssional e social;

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• Na economia, o turismo favorece o aumento da renda e sua distribuição nas localidades receptoras;

• Ecologicamente, percebe-se uma utilização mais racio-nal dos espaços e a valorização do convívio direto com a natureza.

Impactos negativos do turismo:

• As barreiras sóciopsicológicas entre comunidades recep-toras e os turistas. Estes últimos são tolerados apenas pelo dinheiro que gastam nas localidades. Não há registros de interação ou compreensão entre visitantes e habitantes das localidades;

• Economicamente, o dinheiro trazido pelos turistas cir-cula apenas em tipos restritos de organizações do núcleo receptor, ao passo que as camadas mais pobres da popula-ção, que fornecem o solo e a mão de obra não qualifi cada, fi cam apenas com uma parcela muito pequena dos lucros;

• Ecologicamente, o turismo implica a ocupação e a des-truição de áreas naturais que se tornam urbanizadas e poluídas pela presença e pelo tráfego intenso de turistas.

Foi a incorporação dos pressupostos do desenvolvimento sus-tentável à análise turística que gerou a derivação em direção ao con-ceito de “turismo sustentável” (LUCHIARI, 2000). A Organização Mundial do Turismo (OMT), na sua Agenda 21 para as Viagens e o Turismo, defi ne o turismo sustentável como aquele que

satisfaz as necessidades dos turistas atuais e das regiões de destino, ao mesmo tempo em que protege e garante a ati-vidade no futuro. Concebe-se como uma forma de gestão de todos os recursos de forma que as necessidades econô-micas, sociais e estéticas possam ser satisfeitas ao mesmo tempo em que se conservam a integridade cultural, os

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processos ecológicos essenciais, a diversidade biológica e os sistemas que suportam a vida.

O planejamento do turismo sustentável surge, assim, como a forma de evitar a ocorrência de danos irreversíveis nos meios tu-rísticos, para minimizar os custos sociais que afetam os moradores das localidades e para aperfeiçoar os benefícios do desenvolvimento turístico em prol das comunidades anfi triãs.

As críticas ao conceito de desenvolvimento sustentável do tu-rismo argumentam que desenvolver é uma meta que implica – no mundo moderno e pós-moderno – a produção de mais e mais mer-cadorias. O desenvolvimento, na sua dimensão econômica, não es-capa a esta meta produtivista/consumista. Portanto, o turismo nessa perspectiva, não altera ou muda o quadro de pobreza e miséria e a dilapidação dos recursos naturais e ambientais. O desenvolvimento da atividade turística é insustentável do ponto de vista de que a na-tureza torna-se uma mercadoria e quando a sua sustentabilidade não é pensada numa inter-relação entre todas as atividades econômicas, no seu circuito produtivo de forma ampla (RODRIGUES, 2000).

A atividade turística permite e facilita o uso fugaz e intenso do território como parte integrante do ideal de modernidade que con-sidera o desenvolvimento como uma meta a ser atingida e mediada pela produção e consumo de mercadorias. É parte integrante do ideal da pós-modernidade a fragmentação do uso, sendo, portanto, o de-senvolvimento da atividade turística insustentável, pois a natureza se torna mercadoria: a paisagem é capturada pela atividade turística que propicia sua rápida mudança. Além disso, a sustentabilidade não pode ser pensada numa única atividade dada à inter-relação entre todas as atividades econômicas.

Para Luchiari (2000), embora o conceito de desenvolvimento sustentável seja reconhecido como cientifi camente legítimo, ele é antes de tudo um instrumento político e, nesse sentido, funciona como uma panaceia que irá garantir exploração econômica ao longo do tempo e na escala planetária. Muitas vezes, discute-se a viabili-

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dade e a validade do turismo “ecológico”, muito mais como opção econômica para atrair turistas de países desenvolvidos e divisas em moeda estrangeira, do que como alternativa para a preservação do potencial turístico natural das localidades receptoras.

O turismo pode encontrar alternativas para uma relação sau-dável e harmoniosa entre a sociedade e a natureza. O meio ambiente é a base econômica da atividade turística e apresenta oportunidades e limi-tações. O caráter fi nito da qualidade dos recursos naturais, os custos e benefícios do desenvolvimento turístico para as populações e seu meio trazem à tona uma série de confl itos. Um dos mais marcantes ocorre como consequência dos efeitos econômicos da atividade, em que os interesses individuais de curto prazo dos empresários se sobrepõem aos de longo prazo dos poderes públicos. “Quando a fi losofi a de ‘enrique-cer rapidamente’ der lugar à de cuidar dos produtos e dos recursos para proporcionarem lucros menores, porém contínuos, o problema do im-pacto ambiental dará lugar a uma nova era de turismo responsável” (RUSCHMANN, 1997, p. 112).

O modelo de desenvolvimento de “turismo sustentável” ou so-cialmente responsável representa um desafi o que implica descobrir no-vas políticas econômicas, sociais e ambientais que promovam as diver-sas dimensões do desenvolvimento sustentável e reforcem os potenciais de crescimento presente e futuro.

O êxito do desenvolvimento sustentado do turismo numa localidade vai depender da ação do Estado, enquanto mediador e regulamentador das relações sociais; e da ação organizada e solidá-ria das comunidades anfi triãs para garantir o seu bem-estar e sua identidade cultural, atualizando seus conhecimentos e assumindo também a gestão do desenvolvimento de sua localidade através da mobilização da sociedade local e dos diversos mecanismos de incen-tivo ao turismo local.

Nesse sentido, a experiência de Icapuí no Ceará indica que o processo de implantação de uma política de desenvolvimento sustentável do turismo passa, prioritariamente, pela mobilização e

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sensibilização da população local e pela crença na inteligência co-letiva do lugar, refl etindo sobre a vida de cada um e sobre a vida de todos do lugar e do mundo, ampliando o campo de percepção de pessoas simples:

O que antes já existia como objetividade, mas não era percebido em suas implicações mais profundas e, às vezes, nem sequer era percebido, se ‘destaca’ (grifos do autor) e assume o caráter de problemas, portanto de desafi o. A partir deste momento, o “percebido destacado” já é objeto da “admiração” dos homens [e mulheres], e, como tal, de sua ação e de seu conhecimento. (FREIRE, 1987, p. 71).

Portanto, a participação popular na gestão de políticas pú-blicas representa ganhos sociais e desenvolvimento humano, como apontam os diversos exemplos pontuados neste trabalho e apresen-tados mais adiante.

Turismo e meio ambiente: a arena do discurso local

De que maneira os planos de desenvolvimento do turismo sustentável podem ser articulados a resultados concretos no cotidia-no das pessoas benefi ciadas?

Minayo, citando Bakhtin (1996, p. 107-111), diz que “a pa-lavra é a arena”. É através da comunicação verbal – inseparável de outras formas de comunicação – que as pessoas “refl etem e refratam” confl itos e contradições próprios do sistema de dominação, em que a resistência está dialeticamente relacionada com a submissão. Em que sentido a fala de um é representante da fala de muitos? Quando a identidade de condições de existência tende a reproduzir sistemas de disposições semelhantes através de uma harmonização objetiva de práticas e obras, afi rma aquela autora.

Observa-se que, de maneira geral, a discussão da política de turismo sustentável em Icapuí esteve, no período em estudo, bastan-

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te vinculada à questão ambiental como um elemento de preserva-ção, cuidado da natureza e identidade cultural local. Isso repercute nas falas dos gestores locais, dos conselheiros do Conselho Munici-pal de Turismo (CMT), dos sócios da Cooperativa de Turismo de Icapuí (Copitur) e dos entrevistados, indicando que no período de implantação do turismo em Icapuí o cuidado com o meio ambiente foi à tônica no discurso dos atores sociais locais, embora, no cotidia-no do município, estivessem presentes: a especulação imobiliária, a construção desordenada e sem autorização, a poluição do ar e dos recursos hídricos, o desmatamento do manguezal e das falésias e a ausência de mecanismos efi cazes de regulamentação ambiental.

Pode-se afi rmar que o período de desenvolvimento local e sustentável do turismo em Icapuí está marcado por uma trajetória anterior de discussões e questionamentos da população e governo local em torno da questão do meio ambiente e do turismo. Existem registros de discussões sobre o meio ambiente e turismo datados de 1993 que indicam a preocupação dos gestores e da população local quanto aos rumos do desenvolvimento da atividade turística em Ica-puí. Essas preocupações alcançam várias questões: a descaracteriza-ção da cultura local, a especulação imobiliária, a questão ambiental e a geração de emprego e renda.

De acordo com o Plano de Desenvolvimento do Turismo de Icapuí/1997-2000:

‘O turismo é uma atividade importante na geração de emprego e renda, exigindo, portanto, atenção e tratamen-to especial por parte da Prefeitura e demais órgãos esta-tais responsáveis com o objetivo de encontrar alternativas para o aprimoramento e consequente desenvolvimento desta atividade’. E defi ne mais adiante nas suas priorida-des e metas que ‘o desenvolvimento de um turismo sus-tentável em Icapuí requer um planejamento participativo e uma boa aceitação da população local’. E diz ainda que ‘os princípios norteadores de Icapuí para o turismo são três: a não depredação do meio ambiente, a não degra-dação da pessoa humana e a não concentração de renda’.

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Isso sugere que, em Icapuí, o turismo não sobrevive sem o meio ambiente. E, nesse sentido, o discurso ofi cial de Icapuí indica:

Em Icapuí, o sertão encontra o mar. Sol, falésias, dunas, coqueirais, praias de águas límpidas emolduram um ce-nário paradisíaco e que deve ser preservado. Durante a elaboração do Plano de Desenvolvimento Municipal, a preocupação com o meio ambiente também esteve sem-pre presente. O respeito ao patrimônio natural é tão im-portante quanto à luta pelo desenvolvimento. Não adian-ta um vir separado do outro. 37

Depreende-se, então, que a concepção predominante no perí-odo 1995-2000, realçou bastante o conceito de turismo sustentável, anteriormente citado, incentivando a iniciativa local no processo de desenvolvimento da atividade turística em Icapuí.

Leonard, citado por Araújo (2001), afi rma que dois desa-fi os cruciais foram postos no alto da agenda de desenvolvimento para a década de 1990: a redução da pobreza e a proteção do meio ambiente. É um discurso governamental baseado na concepção de desenvolvimento sustentável, ecodesenvolvimento e sustentabilida-de, com ênfase para as inter-relações entre crescimento e efi ciência econômicos; conservação ambiental; qualidade de vida e equidade social. Esse discurso também encontra eco na imagem turística do município, projetada para a valorização de um turismo em harmo-nia com a natureza, como veremos mais adiante.

O turismo litorâneo cearense: a construção do olhar do turista

O clima quente, o sol, o mar e a praia são os elementos que vão concretizar o turismo litorâneo cearense. O turismo litorâneo é atualmente um dos signos mais vendidos aos países emissores de fl uxos turísticos, ‘consumidores’ das belezas naturais.

37 Revista de Icapuí, Prefeitura de Icapuí. Janeiro de 2000.

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Para Dantas (2000), a valorização das zonas de praia pelo tu-rismo, nos países em desenvolvimento, instaura novas discussões que se opõem à antiga tradição referenciadora do interior, evidenciando, no Nordeste do Brasil, o processo de litoralização38, movimento ini-ciado e organizado a partir de 1980 e cujas repercussões também atingem o Ceará, articulada ao novo imaginário social do Nordeste. Essa reversão possibilita a passagem de uma imagem anteriormente associada à pobreza para outra de caráter predominantemente turís-tico associada ao sol, às praias e aos coqueirais e a exemplo de For-taleza, Icapuí também se benefi cia dessa nova imagem do Nordeste.

Tupinambá (2001, p. 55), analisando a política de turismo do Estado do Ceará, nos diz que o foco do material publicitário do Ceará está mais voltado para os elementos naturais que compõem a paisagem cearense do que para o ser humano ressaltando a for-te conotação da natureza como mercadoria de consumo turístico. Para essa autora “a invenção do litoral pelo turismo é dirigida por uma forte propaganda, sobretudo estatal, que se destina à sociedade urbano-industrial orientada para autorizar esse olhar”.

O município de Icapuí no Ceará balizou sua propaganda turísti-ca em dois pilares sociais importantes servindo de vaidade para os ges-tores e a população local: a política de educação e saúde. Essa imagem repercutiu no cenário nacional destacando que Icapuí havia inaugura-do um novo modelo de turismo:

A outra natureza de Icapuí, pequena e maravilhosa cidade do litoral do Ceará que preserva tradições, investe na vo-cação caiçara e inaugura um modelo de turismo político, estava atraindo centenas de pessoas – prefeitos, secretários de municípios, assessores, professores, dirigentes de asso-

38 Para Dantas (2000), a litoralização representa um neologismo explicitador do movimento de ocupação contemporânea do litoral. A necessidade de criação de um novo termo é consequência da transformação do movimento de valorização do litoral em verdadeiro fenômeno da sociedade, ligado a uma urbanização signifi cante dos espaços litorâneos e traduzidos na inserção gradual das zonas de praia à lógica derivada de uma sociedade de lazer e turística.

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ciações de classe, ONGs, partidos políticos, de todos os locais do Brasil para conhecer a ‘experiência de Icapuí39.

Tratando-se de Icapuí, cuja imagem turística está relacionada à administração política do Partido dos Trabalhadores, o material publicitário de promoção integrou gestão pública, sociedade e natu-reza. Essa exposição está respaldada em prêmios nacionais e interna-cionais de gestão pública recebidos pela administração municipal e, através deles, Icapuí criou e projetou a sua imagem turística. O foco principal foi o bem-estar da população, com destaque para todas as crianças na escola e o acesso da população aos serviços de saúde, alia-do às belezas naturais de suas praias, ou seja, o município integrou no seu marketing turístico a sociedade-natureza.

Essa imagem articulada sociedade-natureza nos apresenta as-pectos que constituem o modelo de turismo concebido pelo gover-no e sociedade local e encontra eco nos depoimentos coletados por esta pesquisa, mas para os visitantes, são as belezas naturais os fatores de atração para a viagem. Uma pesquisa realizada em 1999 pela Se-cretaria de Pesca, Turismo e Desenvolvimento, junto aos turistas, no item sobre o que mais agrada em Icapuí, destacou três respostas: 1) hospitalidade; 2) belezas naturais; 3) as praias.

Nas narrativas locais constatam-se a exaltação e o orgulho pela história política, belezas naturais e a tranquilidade do lugar, ele-mentos em ascendência no desenvolvimento atual do turismo. Além disso, a seguir, há um depoimento que merece destaque:

Antes foi por causa da administração do PT. Hoje, pelas belezas naturais. Descobriram através da administração que existem coisas mais bonitas do que a administração: o acolhimento das pessoas. (Membro da Copitur, dezem-bro de 2002).

Em outras palavras, “as paisagens turísticas só existem em relação à sociedade. Elas não existem à parte como um dado da

39 Mamede, Maria Amélia. Revista República. Fevereiro de 1998, Ano 2, nº 16.

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natureza. Mesmo a vocação de uma região faz parte de uma seleção de atributos que a sociedade elege historicamente” (LUCHIARI, 2001, p. 120).

Turismo e meio ambiente, concepções globais e locais

O turismo foi defi nido e redefi nido de modos variados por órgãos governamentais e por acadêmicos como uma área relaciona-da à economia (desenvolvimento econômico da área de destino), so-ciologia, antropologia cultural (se interessam pelo comportamento dos indivíduos e de grupos de pessoas nas viagens e pelos costumes, hábitos, tradições e estilos de vida tanto das populações quanto de seus hóspedes) e a geografi a (cuida dos aspectos espaciais do turismo e estuda os fl uxos das viagens e as locações, a dispersão do desen-volvimento, o uso da terra e as modifi cações do ambiente físico), conforme nos explica Coriolano (1998). A pesquisa de campo em Icapuí aponta que a concepção de turismo está bastante relacionada a viagens, lazer e geração de emprego e renda para a população anfi -triã, ressaltando-se a concepção de um turismo sadio e de desenvol-vimento comunitário:

Turismo, eu acho que é lazer quando uma pessoa vem pra um lugar, vem pra descansar, geralmente às pessoas saem de uma cidade grande para um lugar pequeno. (Empreen-dedor local, Ponta Grossa, dezembro de 2002).

Turismo para mim é um meio de renda. É trabalho e ren-da. E tudo aquilo que tem trabalho, tem renda. É um turismo sadio, porque turismo sadio é aquele que você trabalha e tem renda. É esse turismo que a gente quer. Um turismo sem lixo, turismo sem doença, um turismo sadio. (Empreendedora local, Praia de Peroba, dezembro de 2002).

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É uma grande coisa. É uma grande coisa que a gente tra-balha no turismo e se desenvolve nas coisas. Vai se desen-volvendo a cada dia. Em termos de receber as pessoas, a gente se desenvolve, em termos da comunidade, desen-volvimento, tudo isso desenvolve também. Porque se hoje em dia, se a comunidade, se o turismo chegar aqui nós podemos convidar qualquer pessoa para uma casa dessas da comunidade e saber receber a pessoa que chegar, sa-ber cuidar daquela pessoa. (Empreendedor local, Ponta Grossa, dezembro de 2002).

Com relação ao meio ambiente, percebe-se uma concepção mais voltada para os aspectos físico-naturais do que mesmo o pró-prio ser humano como um ser natureza. Destaca-se o seguinte de-poimento: “É tudo que está ao nosso redor, como a natureza, como as coisas que o homem faz, como as casas, tudo o que está ao nosso redor é meio ambiente” (Membro de Associação de Turismo de Pon-ta Grossa, dezembro de 2002).

A Política Nacional do Meio Ambiente defi ne o termo meio ambiente como: “O conjunto de condições, leis, infl uências e inte-rações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Nesse caso, o homem também, mesmo não citado explicitamente.

Ao se relacionar com a natureza e com outros homens, o ser humano produz cultura evidenciada por seus valores, modos de fa-zer, de pensar, de perceber o mundo, de interagir com a própria na-tureza e com os outros seres humanos, o que constitui o patrimônio cultural construído pela humanidade ao longo de sua história40.

Ressalta-se que a relação sociedade-natureza, embora funda-mental, não é sufi ciente para direcionar um processo de análise e refl exão que permita a compreensão desse relacionamento em toda a sua complexidade, sendo necessário, ainda, assumir-se que a cons-trução do conhecimento sobre essa relação se realiza sob a ótica dos

40 CORIOLANO, 1997.

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processos que ocorrem na sociedade. É nesse contexto que se espraia a gestão ambiental, entre confl itos sociais e políticos inerentes à pró-pria existência do meio social41.

A Constituição Federal ao consagrar o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, atribuiu à respon-sabilidade de sua preservação e defesa não apenas ao Poder Públi-co, mas também à coletividade. Mesmo assim, a Constituição de 1988 atribuiu ao Poder Público o papel de principal responsável pela garantia a todos os brasileiros, do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Em se tratando de ações de educação ambiental existe uma percepção da sua importância para o meio ambiente e o desenvol-vimento do turismo. Mas é importante lembrar que quando ressal-tamos a importância da educação ambiental na gestão do meio am-biente e do turismo, estamos tratando da necessidade da participa-ção coletiva dos cidadãos na gestão do uso dos recursos ambientais e nas decisões que afetam a qualidade do meio ambiente.

Novas paisagens litorâneas e a gestão ambiental: as praias turísticas de Icapuí-Ceará

Daqui a cem anos, não valerá mais a pena viajar, pois o mundo está fi cando cada vez mais uniforme (Paul Bow-les, escritor norte-americano) 42.

Luchiari (2001), em artigo sobre a urbanização turística como um novo nexo entre o lugar e o mundo, afi rma que “as cidades turís-ticas representam uma nova e extraordinária forma de urbanização, porque são organizadas não para a produção, como o foram às cidades

41 Ibidem.42 Apud HAZIN; OLIVEIRA; MEDEIROS (2003).

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industriais, mas para o consumo de bens, serviços e paisagens”. E nesse processo, antigas e novas identidades se cruzam, recriando um espaço social híbrido dando lugar a uma nova organização socioes-pacial, colocando em desafi o a sobrevivência de antigas paisagens e à resistência do lugar.

Para Luchiari (2001), a organização territorial dos lugares turísticos não responde somente à lógica do lugar, do meio e da população local, ela é a reprodução de atributos valorizados nos cen-tros urbanos emissores, materializando-se nas novas representações sociais impressas ao uso do território.

O turismo, ao se apropriar do espaço e usá-lo de forma espe-cífi ca, modifi ca a paisagem existente e dá origem a novas formas ur-banas. No processo de desenvolvimento de Icapuí o turismo afetou a sua paisagem natural e construída e modelou as feições das praias com cimento e concreto e um traçado arquitetônico que entrou em descompasso com as propostas de desenvolvimento de um turis-mo sustentável em vários aspectos. O primeiro deles, na concepção compartilhada dos projetos, pois muitas vezes as comunidades eram chamadas para saber que o projeto urbanístico iria chegar, mas não eram chamadas para decidir sobre como seria executado esse pro-jeto. Alguns depoimentos coletados chamam a atenção para isso. Muito embora, considerem a importância das obras para o desen-volvimento do turismo.

A construção de calçadões nas praias de Redonda, Barreiras e Tremembé, dentro de um projeto de urbanização turística, resulta-ram completamente numa transformação da paisagem natural des-sas praias, assim como a construção de barracas padronizadas na praia de Redonda.

Nesse caso, as opiniões são bem divergentes. Para aquelas pes-soas mais relacionadas ao turismo como comércio e meio de vida, as barracas trouxeram um visual novo e mais bonito para a praia. Enquanto que para aquelas pessoas com que o turismo e meio am-biente se inter-relacionam, as barracas e os calçadões acabaram com

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as paisagens e intervieram no movimento das marés. Entretanto, as barracas antigas eram bastante precárias tanto no aspecto visual quanto nas condições sanitárias.

Por outra, os muros estão fazendo a praia virar cidade. É im-portante observar estes depoimentos contrários e complementares:

A organização das barracas mudou muito, porque antes existiam umas barracas veias e nojentas e isso era muito ruim, depois foram feitas as barracas e deu um termo de limpeza, embora a barraca seja feia, um termo de limpeza fi co [...] (Empreendedor local, Praia de Redonda, dezem-bro de 2002).

O calçadão, as barracas, as estradas, foram coisas boas que fi cou melhor pra gente. A estrada não prestava, era es-buracada, era de piçarra, a gente dizia que não vinha o turista por causa da estrada, mas não era. Não vinha turis-ta porque não tinha quem organizasse. Nunca participei desses projetos, só participei das reuniões. Essas reuniões eram pra discutir turismo, barracas, empréstimos. Nunca fi z empréstimos (Empreendedora local, Redonda, dezem-bro de 2002).

Eu acho que esses projetos de calçadão e essas barracas que vieram são uns desastres para a comunidade porque acabaram com as paisagens, além de intervir nas coisas da natureza, da orla marítima que atrapalha, prejudica. Não prejudica Redonda, mas prejudica Ponta Grossa através do movimento das marés (Membro de associação cultural e de meio ambiente, Redonda, dezembro de 2002).

Observa-se que o traçado natural das praias não foi levado em consideração, além de não incluir a arborização. Além disso, não foi feito nenhum estudo de impacto ambiental. Esse jeito de fazer contradiz com o discurso de sustentabilidade ambiental. O cuidado com o uso dos espaços nas regiões costeiras, como é o caso de Icapuí,

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é importante para que não se congestione o espaço turístico com muitas estruturas físicas e isso venha a implicar intervenções repa-radoras de alto custo, além de inviabilizar a dinâmica do modelo de turismo sustentável em processo de consolidação.

Além das intervenções públicas no ambiente que transfor-mam os espaços litorâneos e das construções de novos equipamentos turísticos, autorregulados, existem também as casas de veraneio que estão numa curva ascendente nas comunidades litorâneas, como um dos resultados da valorização das praias de Icapuí.

Archer e Popper (2001) advertem que o desenvolvimento excessivo e mal planejado do turismo afeta o ambiente físico e os destinos. Em muitas áreas, a desenfreada exploração comercial do turismo resultou em hotéis feios, com projeto estrangeiro, que pe-netraram no ambiente cultural e cênico à volta deles (a exemplo de Canoa Quebrada, em Aracati; da Praia das Fontes, em Fortim; Jericoacoara, em Jijoca e tantos outros).

Pode-se observar à existência de novos espaços públicos que propiciam o lazer e recreação da população local. A reivindicação de praças e áreas de lazer por crianças e jovens de Icapuí indica também uma apropriação do meio ambiente local, podendo implicar uma relação de preservação desses lugares, mesmo porque, ao que parece, predomina na população dessa cidade uma identidade com o lugar, uma relação de cuidado e preservação ambiental.

É fato que o desenvolvimento de potencialidades turísticas imprime a necessidade de preparação para a demanda crescente por espaços naturais e para sua utilização para recreação e turismo. No município de Icapuí, a fraca existência de critérios claros e medidas legais para o uso do solo e a falta de recursos técnicos e humanos para o monitoramento e acompanhamento da região incidem sobre o uso e ocupação desordenada do solo urbano. Esse é um grande desafi o para a atual estrutura institucional e política para o meio am-biente a nível nacional, estadual e local (Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA), diante das condições e limites existentes.

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Entrando, na esfera da gestão ambiental, tem-se em Quintas (2000, p. 140) que a gestão ambiental é

o processo de mediação de interesses e confl itos (poten-ciais ou explícitos) entre atores sociais que agem sobre os meios físico-natural e construído objetivando garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme determina a Constituição Federal.

Quintas observa que no Brasil o poder de decidir e intervir para transformar o ambiente (ou mesmo para evitar sua transfor-mação) seja ele físico-natural ou construído, e os benefícios e custos dele decorrentes, estão distribuídos socialmente e geografi camente na sociedade de modo assimétrico. Portanto, a prática da gestão am-biental não é neutra. O Estado, ao tomar determinada decisão no campo ambiental, está de fato defi nindo quem fi cará com os custos, na sociedade e no país e quem fi cará com os benefícios advindos da ação antrópica sobre o meio, seja ele físico, natural ou construído. Daí a importância de se praticar uma gestão ambiental participati-va do turismo com mecanismos legais difundidos para a sociedade em geral. Somente assim, é possível se avaliar custos e benefícios de forma transparente.

Constata-se, em Icapuí, a inexistência de um sistema de re-gistro de informações sobre o número de licenças para construir e de alvarás de habitação cedidos ou negados, bem como de outros mecanismos de gestão da cidade, necessários e importantes para o desenvolvimento local sustentável. O uso do espaço, o consumo das paisagens e dos demais recursos ambientais requer uma regulamen-tação para garantir a sobrevivência da população local naquilo que ela optou como vocação/profi ssão: a pesca, o turismo e a agricultura.

Por outro lado, o mergulho nas representações dos moradores de Icapuí permitiu constatar o apego e o valor dado pela população local aos recursos ambientais existentes no município. A Paisagem natural de Icapuí signifi ca: beleza, preservação, cuidado, zelo, sobre-vivência, lazer, tranquilidade, privilégio, diversidade, vida. A terra

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e o mar são complementares para os habitantes de Icapuí e é nesse encontro que o turismo interveio no período de 1995 a 2000.

Pode-se afi rmar que a tendência atual do turismo em Icapuí necessita de ajustes e aperfeiçoamentos, principalmente, na sua for-ma de organização comunitária, pois embora a atividade turística ajude na geração de empregos, evitando a migração de mão de obra para os grandes centros urbanos, haverá setores da comunidade local que se sentirão “invadidos” pelos turistas.

Por fi m, os efeitos benéfi cos do turismo poderão ser mais bem vistos quando segmentos maiores da população local se be-nefi ciarem do efeito multiplicador (mencionado anteriormente), através de melhores salários. Persistindo a necessidade de maior incentivo aos microempresários e a pequenos projetos, com a aber-tura de créditos populares com prazos adequados à natureza da atividade turística. Contudo, ações integradas de desenvolvimento do turismo que se importem com a formação escolar e profi ssio-nal, acesso ao crédito, incentivo às ações comunitárias, visando à autoestima e a autoconfi ança dos habitantes locais são caminhos possíveis como está sendo demonstrado nas praias de Ponta Gros-sa (Icapuí), Prainha do Canto Verde (Beberibe), Batoque (Aqui-raz), Balbino (Cascavel), Tatajuba (Camocim), entre tantos outros exemplos já mencionados anteriormente.

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DO TURISMO CULTURAL À POLÍTICA PÚBLICA DE ECULTURISMO

Christian Dennys Monteiro de Oliveira

Caminhamos pela aerodinâmica de nossas duas pernas; mas ainda nos vemos como canhotos ou destros ao fazer nossa identifi -cação pela maneira de chutar uma bola.

Escrevemos preferencialmente com uma das mãos; mas nas refeições controlamos dois talheres; e na digitação informatizada de um texto, precisamos refazer a parceria que já constatamos pelo ato de andar. Somos progressivamente destros, canhotos ou canhotos destros: somos novas formas de hibridação. Ocorre que tal hibri-dismo (seja como mistura, junção, ambiguidade, sincretismo, du-plicidade; seja como pares distintos de um sistema) nos incomoda, por demais. E mesmo na latência de um pensar científi co, aceitar o hibridismo é algo semelhante a contrariar princípios. É aceitar perder o chão. Vem a pergunta: até quando considerá-lo para efeito de estudo?

Para quem começou a estudar o Turismo, com um mínimo de responsabilidade teórica – e aqui se incluem os profi ssionais mais pragmáticos, dado que a teoria aplicada é um requisito do cotidia-no moderno – importa SIM, compreender de convivência produtiva com a hibridação de ideias e práticas. Do contrário, para sermos bem diretos, toda ação de turismo cultural, tornar-se-á uma valorização

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exclusiva de uma “cultura” montadinha, arranjadinha, bem feitinha, para turista ver; um teatro a céu aberto; um playmobil de tradições pasteurizadas e sustentáveis apenas para o capital especulador.

Podemos operar as ilusões de uma política de turismo nesse horizonte de concepção. Diríamos até que a maior parte de nossas governanças (municipais, estaduais e federais) presta-se a esse papel, até para ganhar tempo em suas mesmices propositivas. Abram qual-quer programa para implantação de uma pauta de desenvolvimento turístico e não estranhem se a cada 9 de 10 textos não afi rmar, quase em um coro fatalista, que é indubitável a capacidade do turismo de gerar ocupação e renda como nenhuma outra industria contemporânea. Não vou contestar mesmices. Elas cumprem um papel mitológico e eu respeito muito os mitos como estratégia simbólica primordial de concepção do mundo.

Acontece que os mitos não precisam nem de profi ssionais, nem instituições públicas complexas (CAMPBELL, 2006). O indu-bitável desse processo funciona mais ou menos com a mesma certeza de que o sol nascerá amanhã. Qual a novidade? Nenhuma. Então, porque tomar o indubitável como pressuposto primitivo para argu-mentar que também precisamos investir no óbvio? Não tenho certe-za; apenas elementos lógicos de desconfi ança de que aquela rejeição ao hibridismo – falada a pouco – ataca o planejamento turístico e de outros setores sociais da vida pública como espelho das nossas manias e achismos.

Instituições e governantes, cada vez mais parecidos com o nosso senso comum, querem direcionar opções excludentes e acabar com os hibridismos. De maneira idêntica, idealizamos o campo das escolhas individuais. Esse valor de imitação forja alguns nomes for-tes e desprezíveis: banalização, mediocridade, incompetência. Como ser humano, tenho direito ao erro e a ingenuidade. No âmbito da ci-dadania, porém, o erro deveria servir de “matéria-prima” para inova-ções coletivamente administradas; não para justifi cativas insensatas. Na experiência das localidades e regiões brasileiras, tem servido para manter o folclore de que política é assim mesmo. Porque o político é

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um ingênuo mais esperto; alguém que se “sacrifi ca” na política para o bem de seu povo. Ciclo vicioso do cinismo.

Discordamos dessa tendência e requisitamos a oportunidade de abrigar no turismo – no pensar epistemologicamente seu processo, me-lhor dizendo – um caminho para a hibridação. A questão essencial aqui é compor um raciocínio que integre os programas de turismo como uma efetiva política pública. Posto no plano de valorização dos bens patrimoniais de uma região, tal raciocínio resulta na seguinte fórmula:

Transformada no discurso das siglas: TC = (PEtur + IEP): NEATR. O que serviria qualifi car um debate tranquilo e amistoso em nossa apresentação se o denominador dessa fórmula não repre-sentasse mais de 90% do que se faz (ou o que é pior, se quer fazer) em termos de política convencional de turismo. A geração explosiva, nos últimos 20 anos, de uma série de programas governamentais reconhecidamente favoráveis a turistifi cação dos territórios, pauta-se pela discriminação de localidades – cirurgicamente selecionadas – para atender aos postulados de uma elitização.

Para não encerrarmos essa afi rmação provocativa sem ao me-nos exibirmos uma demonstração contemporânea da racionalidade elitista, convém questionar o Governo Federal no sentido de saber por qual motivo o Ministério do Turismo está excluído da imensa lista de gestores institucionais responsáveis pelos Territórios da Ci-dadania 43. Se esse mega programa, implantado a partir de fevereiro

43 Programa do Governo Federal instituído pelo decreto de 25 de fevereiro de 2008 e centrado na promoção do desenvolvimento regional sustentável como o objetivo de levar o crescimento econômico e universalizar os programas básicos de cidadania. Tais territórios agrupam municípios com baixo IDH e alta concentração de

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de 2008, tem como meta a inclusão socioambiental das regiões mais carentes do território, existe justifi cativa plausível para não visualizar os processos turísticos nessa meta? Existe a ilusão recorrente de que fazer turismo não é fazer cultura; é transformar em mercadoria aqui-lo que não serve como gênero de primeira necessidade.

Será que vamos necessitar, pelos meus cálculos mais otimis-tas, de duas gerações (50 anos, aproximadamente!) para perceber que uma política de turismo só se inicia em uma política ambiental integradora (portanto, macrorregional); e só consolida como uma política cultural emancipadora? Trata-se de uma Política, de fato, com Turismo, que aqui preferimos recompor na palavra eculturismo.

Antes de seguir nessa refl exão, vamos apenas delimitar, mais didaticamente, nossa rota de encaminhamento.

Na primeira parte deste ensaio, retomaremos o conceito de hibridação para cimentar as bases de tratamento e valorização do turismo no âmbito interno de uma cultura regional e nacional. Não precisamos limitar o “mercado das viagens” a uma concessão entre duas sociedades desiguais: a que viaja porque tem dinheiro e a que recebe porque está “precisando” das sobras da primeira. Na hibrida-ção cultural, veremos que por motivos lógicos (embora, pervertidos), esse separatismo sagrado e perfeito desaparece a todo instante; mas o discurso idealista, dos que insistem em ignorar os fatos, permanece.

Passamos para uma segunda parte, então, a fi m de arregimen-tar novos argumentos para além da hibridação. É a vez de pensar em uma cultura do turismo fazendo contraposição a velha tese de que só nos falta capacitar bem os profi ssionais para que esses aprendam a re-ceber. A cultura do turismo põe em xeque a velha máxima da hospi-talidade nordestina para afi rmar: não há cultura turística sustentável nessa capacitação. Qual o motivo? Ausência de experiência turística no âmbito profi ssional (de um lado); e o excesso de improvisos na

agricultoras familiares e assentados da Reforma Agrária. Portanto, baixo dinamismo econômico. São 60 territórios, envolvendo 958 municípios (14% da população brasileira) e recursos de 11 bilhões em 3 anos.

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ação familiar e na aceitação de apelos emocionais como critério de qualidade (do outro). Assim, todo programa turístico passa a ser restrito a um grupo capaz de viajar e valorizar os atrativos como es-pelho de seu status social. Voltaremos aqui na fórmula apresentada.

Para encerrar, apresentaremos a origem do termo eculturismo como estratégia conceitual para enfrentar a elitização dos turismos culturais (OLIVEIRA, 2007), principalmente, as insígnias modela-res do turismo sustentável, do ecoturismo e das denominações apre-sentadas nos fóruns internacionais de defesa de um “verdadeiro” pla-nejamento do turismo, que não toca jamais no âmago do problema essencial: como tratar o turismo como uma política pública se o seu alvo privilegiado é o estrangeiro? Guardemos a questão para afe-rir seus problemas mais adiante. Guardemo-na, antes de tudo, para lembrar que ela funciona como uma bengala que nos faz tropeçar. Independente de ser sermos destros ou canhotos.

Hibridação como tendência

Uma formação cultural sustentável para qualquer comunida-de étnica pode ser expressa a partir de uma série de valores capazes de diferenciá-la das demais. Entretanto, a expressão que defi ne “di-ferenciais” apenas constitui um fator essencial quando caímos no determinismo das simplicidades aparentes. Aquelas que nos fazem acreditar que as “coisas verdadeiras” são as mais simples e puras. Já as coisas ilusórias e falsas, ao contrário, seriam as responsáveis pela complexidade e tumultuariam a sabedoria. Eis o jogo invertido que condena o olhar analítico à mediocridade.

Vejamos, por exemplo, o que signifi ca a reifi cação permanen-te das afi rmações estereotipadas de que o sertanejo é antes de tudo um forte, ou de que o índio vive mais próximo da natureza do que o branco. A metonímia da força e da proximidade, radicalizada a esses extremos, não esconde o preconceito contra comunidades e localidades, bastante espoliadas no cotidiano habitual; mas tratadas,

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no discurso turístico, por abordagens compensatórias. Sertanejos e indígenas como integrantes de paisagens periféricas (SERPA, 2003). Nesse esquema, o discursivo compensatório, alvo do convencimento é claro e simplifi cador: falar em nome do povo signifi ca agir em seu lugar. Afi nal, tudo que é moderno e validado, na contemporaneida-de, estrutura-se a partir das representações e mediações. O povo de hoje é o deus ou as divindades de ontem. O discurso hegemônico é aquele que tem legitimidade para falar em nome de Deus, em nome do Povo, em nome do Desenvolvimento Sustentável. Resta-nos a indaga-ção sobre a possibilidade de outros discursos e outros poderes. Onde e como se localizariam?

A primeira tendência de resposta – historicamente experimen-tada pelas inúmeras tentativas (e sucessos) de ruptura – continua li-gada à construção de uma alteridade puritana. A experiência de um processo alternativo, geralmente local, majoritariamente subalterno e associado à emergência de grupos marginalizados da sociedade. No turismo, quando se trabalha com essa tendência, encontra-se uma modelagem de ações à semelhança do Projeto Ecoturístico (PELLEGRINI FILHO, 2000). Como seria sua expressão?

Vejamos a ocupação predatória que vai avançando nas praias, mangues e formações lacustres de nosso litoral nordestino. Se, em um primeiro momento, há uma pré-disposição em condenar o tu-rismo e os interesses “estrangeiros”, responsabilizando-os pelos de-sarranjos na produção da cultura local, noutro momento abre-se um campo “mais sustentável” para o planejamento das vias alter-nativas. Podem-se forjar espaços de turismo solidário (constituído para gerar ações de apoio assistencial dos turistas); de turismo co-munitário (centrado na oferta de bens mantenedores das tradições locais) e de turismo social (aberto a inclusão de faixas econômicas inferiores ou atrativos mais periféricos nos roteiros estabelecidos). Contudo, não se pode negar, muito menos enfrentar a “indústria turística” já estabelecida posto ser a responsável pela consolidação dos rendimentos, investimentos e atenções políticas governamen-

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tais. A multiplicação de modelos e espaços alternativos para um “outro” turismo é prova dialética da sustentabilidade tão perversa quanto real do turismo hegemônico.

Daí nossa ocupação maior em evitar opções extremistas por os caminhos alternativos, para antecipar soluções à prática turística hege-mônica. Afi nal, a história crítica das experiências sociais do século XX pode ser traduzida como uma história de cooptações. As alternativas que não foram cooptadas pelo sistema capitalista, ou se extinguiram antes de se consolidar ou não eram alternativas de fato. As demais – táticas de guerrilha, planejamento socialista, música pop, movimento punk, culinária regional, entre tantas - alimentaram a pujança do Dragão dos Mares. Viraram marca registrada de alguma coisa relativamente regular ou estabelecida.

O caminho para Edmund Husserl (readaptadas ao fazer polí-tico) está na volta às coisas mesmas. Como criadores de técnicas – de maravilhas mecânicas amiúde convertidas em frankstein eletrônico – precisamos aceitar o desafi o de reeducá-las. Reeducá-las, entretanto, nas entranhas do Dragão dos Mares, na condição de dragões; ou seja, assumindo coletivamente que somos a “coisa” que denomina-mos capitalismo e devoramos as “outras” coisas que inventamos para disfarçar nossa voracidade. O caminho da “voltas às coisas mesmas” é um exercício invertido de imersão selvagem na sociedade estabele-cida. Um descaminho.

Esta segunda tendência de resposta é o que explica o valor das práticas de hibridação (BURKE, 2003) como dinâmicas que alimen-tam o permanente exercício social de defender a existência de uma só humanidade no infi nito mar da diversidade.

Alvo de muitos estudos culturais, das mais diferentes matrizes disciplinares, a ideia de “hibridação” tem sua origem conceitual na bio-logia; mais especifi camente na genética. Hibridar é misturar genes de espécies diferentes. Autores como Nestor Garcia Canclini, Stuart Hall, Cliff ord Geertz, Homi Babha, Arnold Tonybee, entre tantos que se multiplicam nas disciplinas próximas ao turismo, preferem pensar a hi-

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bridação em suas conceituações assemelhadas. Misturas, sincretismos, trocas, intercâmbios, contatos, mudanças, imitação e apropriação, re-novação; seja qual for a qualifi cação mais precisa, podemos considerar impensável o Turismo sem práticas híbridas.

O historiador inglês Peter Burke dedica um ensaio sobre esse processo apontando uma ideia que nos parece seminal a respeito dessa tendência. Ao discutir as práticas como uma variedade das hibridações, ao lado dos artefatos, povos e experiências linguísticas e conceituais, afi rma:

Esse é o momento apropriado para introduzir uma ideia que irá voltar à bailar nas páginas seguintes, a ideia de circularidade cultural. Alguns músicos do Congo se ins-piram em colegas de Cuba, e alguns músicos de Lagos em colegas do Brasil. A África imita a África por inter-médio da América, perfazendo um trajeto circular que, no entanto, não termina no mesmo local onde come-çou, já que cada imitação é também uma adaptação. (BURKE, 2003, p.32).

As páginas subsequentes, referidas pelo autor, abrem um enorme leque de possibilidades para as variedades de terminolo-gias, situações e reações, densamente ilustrativas de um jogo pa-radoxal. Quanto mais humanos nos tornamos, mais inseridos no corpo do Dragão da Riqueza (o capitalismo), reconhecemos nosso ser. Eis a caótica mensagem da hibridação, apontada pelo êxito global da experiência turística e debatida em seus processos cola-terais. Burke aponta entre as concepções de hibridismo, com sua amplitude cognitiva, o conceito de crioulização. Segundo ele, mais consistente para pensar a mistura de misturas e desviar a refl e-xão dos raciocínios puritanos. Vejamos este exemplo, muitas vezes “confi rmado” pelos guias de turismo para enquadrar a legitimida-de das tradições afro-brasileiras.

Em outras palavras, todas as tradições culturais hoje estão em contato, mais ou menos direto com as tradições alter-

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nativas (...) o caso do Candomblé, interpretado em um ensaio brilhante por Roger Bastide como a construção simbólica do espaço africano, uma espécie de compensa-ção psicológica para os afro-brasileiros pela perda de sua terra nativa. Apesar disso, foi mostrado que as práticas do Candomblé se alteraram gradualmente com o tempo. Portanto, não se pode dizer que o Candomblé é “puro” enquanto que a Umbanda, por exemplo, é um híbrido. Podemos dizer que as tradições africanas são mais impor-tantes no Candomblé do que na Umbanda, mas todas as formas culturais são mais ou menos híbridas. (BURKER, 2003, p.102).

Para fi nalizar essa refl exão mais aberta, o autor enumera quatro possíveis tendências para a hibridação como pauta de de-senvolvimento humano: a contraglobalização (alternativa crítica formadora de experiências insulares), a diglossia cultural (combi-nação de culturas locais com as formas globais), a homogeneização (não distinção de uma origem cultural) e o surgimento de novas sínteses, enfatizada por ele como a crioulização do mundo, pela capacidade de multiplicar circularidades de formas díspares, por-tanto, não convergentes, necessariamente.

Essa hibridação, portanto, sugere um desvio inovador na ma-neira de abordar os impactos turísticos. Sugere a ação determinante das culturas visitadas na capacidade veemente de “exportar” modelos, ou seja, uma invenção cultural. Permitiria, por exemplo, uma inves-tigação sobre a crioulização do turismo de “sol e praia” como meio de ocupação efetiva da cultura sertaneja no litoral setentrional do nordes-te brasileiro. Afi nal, a chegada do turismo no Litoral do Rio Grande do Norte, do Ceará e do Maranhão é quase tão recente quanto a di-versifi cação de formas de ocupação desse litoral Atlântico.

A respeito dele, mais adiante, discutiremos o modelo políti-co conceitual de eculturismo como encaminhamento da hibrida-ção, tomando por base as questões constituintes da produção do patrimônio histórico-cultural em cidades como Aracati-CE. Por

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hora, é importante insistir em um ponto central do processo de hibridação acelerado pelo turismo. Difi cilmente os lugares turísti-cos, em longo prazo, podem manter essa monofuncionalidade. As teorias sistêmicas para interpretar seu desenvolvimento e declínio, entretanto, nunca levam em consideração um componente cultu-ral essencial para explicar tais mutações: as populações direta ou indiretamente, envolvidas no receptivo aprendem amiúde o desejo de fazer seu próprio turismo (quando já não o fazem). Neste mo-mento, o segmento sólido do possível e enriquecedor turismo cul-tural se desmancha no ar da cultura turística. Culpa do capital? ... Não creio! Singela expressão de que o dragão da riqueza capitalista não passa de uma fantástica roupagem (mitologia contemporânea) para nos eximirmos da culpa de criarmos um turismo que não sabemos controlar (ou educar).

Por uma cultura turística além do turismo cultural

Partindo na direção do foco central de nossas refl exões, encon-tramos o solo fértil do universo híbrido das localidades. Inúmeras cida-des, vilas e povoados, interioranos ou litorâneos, no contexto nordesti-no, poderiam afi rmar uma densa materialidade de expressões culturais capazes de redirecionar seu turismo.

O caldeirão diversifi cado da cultura material dos lugares é geral-mente muito rico. Mas a riqueza se multiplica quando atentamos para nossa matriz ameríndia. São rarefeitas as construções (monumentos, edifícios, conjuntos arquitetônicos e paisagísticos) frente à avalanche de manifestações da cultura imaterial. Embora os patrimônios tangíveis e intangíveis sofram ainda do mesmo mal, imposto pela marginalidade cultural brasileira, o valor da Educação Patrimonial permanece como um privilégio de poucos; apesar do esforço de muitas lideranças e edu-cadores em modifi car esse descompasso.

Considerando a fragilidade relativa do valor patrimonial fi ca difícil sustentar a defesa para o desenvolvimento do turismo cultural

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como foco prioritário de uma política pública de turismo. As ten-tativas estão se multiplicando na forma de projetos e programas de estímulo. O Cariri cearense, os roteiros nas Chapadas, as práticas de Turismo Rural, Turismo Sertanejo e as modalidades de trilhas urba-nas favorecem as sensibilidades para com os bens culturais.

Toda essa dimensão valorativa necessita, contudo, da forma-ção de uma cultura turística que amplie e qualifi que as demandas pelo Turismo Cultural e outros tipos de segmentos correlaciona-dos a esse. Uma cultura turística capaz de introduzir a relação simultânea e híbrida de alteridade/identidade, de alteridentidade no cotidiano social.

Se antes, nos remotos tempos de consolidação dos nacionalis-mos, a força patriótica das identidades heróicas cristalizava símbolos ofi ciais, atualmente novos elementos socioambientais entram em cena. A natureza e a complexidade de tais elementos exigem uma valorização ampliada da lógica de pertencimento do bem patrimonial. Os bens de uma comunidade são bens progressivamente globais. As escalas de apropriação já não se limitam à identidade nacional e estão em franco processo de internacionalização. O paradoxo é contatar que tais proces-sos de constituição ofi cial (tombamentos) surpreendem seus próprios habitantes, que ao longo de toda uma vida conviveram com aquele par-que, casario ou equipamento. Resultado incômodo: a valorização da comunidade local para com aquele bem projetado, em caráter patrimo-nial, depende da incorporação de uma cultura turística, de teor igual ou superior ao próprio visitante. Mas como atingi-la diante das múltiplas prioridades sociais que simplesmente antecederiam essa meta? Quem irá redirecionar orçamentos da saúde, educação, segurança ou infraes-trutura para incentivar uma cultura turística dos próprios moradores?

As difi culdades parecem intransponíveis quando a leitura in-gênua isola a perspectiva em questão. Não se trata de investir econo-micamente em um setor chamado “turismo cultural” ou invertê-lo de maneira a priorizá-lo na condição de cultura turística. Trata-se da recomposição do projeto turístico como prática social, por intermé-

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dio do setor mais competente para massifi car uma transformação social: a educação pública. Mais do que pensar em demandas com-pensatórias para a educação (escolar e não escolar) o poder público e a sociedade civil podem antever um sistema de ações educativas, como base para as novas demandas patrimoniais.

É o que pretendemos explorar no exemplo desafi ador do Mu-nicípio de Aracati-CE, epicentro do desenvolvimento turístico do roteiro Costa Leste (polarizado pela praia de Canoa Quebrada), no Estado do Ceará, e base para constituição do maior conjunto de edifi cações contínuas (casarios, praças, monumentos e igrejas) tom-badas pelo IPHAN no interior do estado.

Se considerarmos o alerta de Michel de Certeau (2005, p. 213-214) quanto a composição de um poder político como potên-cia e limite para as ações culturais do corpo social, ampliaremos o grau de realismo na visualização dos incentivos turísticos, em con-textos como o de Aracati. O turismo ali é uma eterna prioridade retórica que o cotidiano pode: a) deixar para depois; ou b) restringir aos pólos de isolamento e gestão de atrativos exploráveis em curto prazo. Nessa ótica, como fi ca a composição integrada do patrimônio histórico e cultural representado pelo eixo da Rua Grande (Cel. Ale-xanzito) e todo o conjunto religioso (da Igreja Matriz a do Senhor do Bonfi m) aclamado nas festividades de outubro (mês do municí-pio) e de fevereiro (carnaval)? Fica a mercê de uma relativa desarti-culação capaz de criar eventos e fatos turísticos sem recriar a cultura.

A não ser na multiplicidade crescente de projetos educacio-nais que desafi a a Secretaria de Educação, na composição de outro olhar para as formas de envolvimento da comunidade escolar com o turismo. Se de um lado, a escolarização acontece fazendo de conta que tudo se justifi ca pela formação de cidadãos futuros, a aceleração contagiante das hibridações turísticas insiste em lembrar que diver-sos futuros estão presentes no aqui e agora. Alguns absolutamente fechados à lógica predatória e exploratória. É aquele futuro do jogo de marginalização que empurra o morador de Canoa Quebrada para

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a periferia do Pedregal (bairro periférico de Aracati com sérios pro-blemas sociais e ambientais).

Outros relativamente acessíveis como no exercício cotidiano do Projeto de Educação Patrimonial e Ambiental, liderado pelo pro-fessor e arte-educador Ocivan Moreira. Comandando um grupo de jovens, de diferentes séries do Ensino fundamental II das Escolas Municipais, Ocivan desenvolve semestralmente toda uma dinâmica de atividades complementares junto a esses jovens. Compõe assim, uma experiência coletiva absolutamente compatível com a gestão de uma cultura turística local.

Eis apenas um exemplo de possibilidades promissoras para uma política educacional e cultural (com turismo) consolidar estratégias para o fortalecimento da cultura turística em uma comunidade.

Que tal o eculturismo na política?

Entre as iniciativas pulverizadas em Aracati para projeção de uma Cultura turística e a constituição de um projeto político especi-fi camente Turístico nesse sentido, há uma longa estrada a percorrer. Principalmente porque grande parte do que delimitamos como um entendimento limitado do turismo cultural passa pela ausência de uma refl exão sobre o papel dos confl itos sociais locais. É impossível ignorar nessas bases que grupos empresariais e proprietários rurais dividem espaços da turistifi cação local, a revelia ou ostensivamente contra os interesses mais legítimos de inclusão de novos grupos e lideranças, até então excluídos do controle político local.

Dessa forma, é interessante considerar a perspectiva crítica das vinculações teóricas que apontam para a cultura patrimonial como um campo de forças a ser reinventado pela profusão de formas de valorização. Formas simbólicas em disputa política – e midiática – pela consolidação de sua representatividade local. Para o exemplo aqui considerado na lenta e disforme expansão de uma cultura turís-tica, pode-se questionar onde se encontra o alvo central da política

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pública de turismo de Aracati. Na intensifi cação e supervalorização do destino Canoa Quebrada (e sua expansão praiana), no resgate da centralidade histórica do patrimônio edifi cado da Rua Coronel Alexanzito, ou na ousadia da diversifi cação de expressões da cultura imaterial, redirecionando a articulação socioambiental dessas e ou-tras localidades turistifi cáveis?

O questionamento, conforme a fi gura 1 exposta, permite a reconstituição da fórmula inicial para Turismo Cultural local, como plataforma de regionalização centrífuga de uma política de ecultu-rismo. Reconhecendo o acelerado dinamismo da cultura, frente a sua contextualização moderna e pós-moderna (aqui tomados como processos simultâneos de globalidade), e admitindo a integração de localidades que se emanciparam politicamente, mas não quebraram vínculos regionais, podemos lidar com a seguinte visualização do Eculturismo, a fi m de operá-lo em uma prática mais responsável de turismo cultural.

Figura 1 – Esquema de compreensão do eculturismo como política intersetorial.Fotos: Laboratório de Estudos Geoeducacionais – DG-UFC

Chamamos, portanto, de Eculturismo o conjunto articula-do de iniciativas políticas e administrativas que visam implantar o turismo cultural como prática de visitação educacional aos patri-

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mônios tangíveis e intangíveis de uma localidade regionalmente re-presentativa. Embora seja possível a adaptação desse turismo como prática escolar, mobilizando sistematicamente as aulas de campo e os estudos do meio no ensino de Geografi a – o que consideramos estritamente por Turismo Educativo - compreendemos o Ecultu-rismo como estratégia pública de redução do elitismo da Indústria Cultural. A “equação” apontada pela fi gura 1 indica que o “conte-údo local” dos lugares turísticos (efetiva ou potencialmente) precisa ser “dividido”, ou seja, tornar-se acessível, ao público escolar como forma de construção geográfi ca para novas práticas e signifi cados. Do contrário, os ambientes, equipamentos e serviços, reconhecidos como turísticos, têm que permanecer mitifi cados como um “mundo fechado” aos grupos hegemônicos (globais e locais). Mantendo o Turismo como um gerador privilegiado de renda, emprego e perver-sidade, assim como a mineração, as guerras e o narcotráfi co.

A comparação não seria sequer mencionada se no lugar de um discurso superfi cial, forjado no jogo de interesses econométricos, os técnicos e planejadores do setor apontassem, de forma substancial, qual a melhor maneira de garantir uma gestão comunitária e parti-cipativa das classes populares e médias nas benesses do consumo tu-rístico. Forma substancial não é e nem pode ser constituída de senso comum. Aquela habitual maneira de dizer que a expressão democráti-ca do povo nos aparelhos de estados e câmaras de setoriais (conselhos, comissões) e a garantia política de sustentabilidade do turismo.

Nosso raciocínio discordante é simples e complexo em um só tempo. Para ser sustentável, a política de turismo tem de ser responsável pelo presente futuro. E esse tempo ambíguo e prospec-tivo encarna necessariamente as ações do setor Turismo no campo da Educação Pública (formal e não-formal). Por isso, considerar o Eculturismo – ao contrário de seu quase homônimo Turismo Ecológico ou Ecoturismo (restritivo e ambientalmente conserva-dor) – uma política intersetorial de Turismo na Educação e na Cultura, visando à transformação em médio e longo prazo, dos

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lugares turísticos, ou turistifi cáveis, em espaços públicos de lazer e interação social. Uma política de Turismo que não abra caminhos, diretos ou confl ituosos, para tal transformação, é promover a con-tinuidade de uma política de territórios apartados e a reprodução das concentrações de renda, apenas com outra roupagem. Um turismo demarcado pela violência da seletividade, no qual muitos são chamados para não serem jamais escolhidos.

No Eculturismo, ao contrário, a cultura turística em emanci-pação – é esta a melhor decodifi cação do neologismo – pode obrigar o acesso de uma comunidade específi ca aos espaços turísticos e suas estratégias de valorização de serviços e equipamentos. Referimo-nos à comunidade escolar e seu papel de projeção cultural no meio vi-sando a transformação signifi cativa e ponderada da Comunidade ali representada. Obviamente, localidades maiores possuem mais de uma escola. E entre essas também é habitual o contraste de interesses e a divergência de métodos e gestão. Entretanto, toda e qualquer escola detém uma signifi cativa parcela da mais positiva esperança de reorganização político-cultural da comunidade onde se encon-tra. É nessa racionalidade que um turismo proposto como indústria branca, nos pressupostos contemporâneos da sustentabilidade pre-cisa, obrigatoriamente, abrir-se como política pública de visitação; e, por extensão; promover o desenvolvimento de ações educativas explícitas e estratégicas. Enfi m, todo um conjunto de tratativas que faça, por meio da visitação, aquilo que a modernidade consolidou na revolução industrial: acesso a uma tecnologia estranha, estrangei-ra, mas representativa da nossa unidade na diversidade. Ações que tornam o fazer turístico uma prática cultural alteridentitária. Daí a importante discriminação entre a potencialidade de enfrentamento político da ação social por intermédio do turismo e a “ingenuidade” das propostas setoriais.

Tratando das mutações que o turismo agregou a uma vasta região do eixo rodoviário Rio de Janeiro - São Paulo – o vale do Rio Paraíba do Sul – o geógrafo Henrique Prudente afi rma:

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O turismo defi nido como predatório age contrariamen-te diante dos princípios que se propõe (...). O turismo emancipador é, em verdade, a negação profunda destes mecanismos exemplifi cados que excluem as populações dos municípios das conquistas oriundas desta atividade e propicia uma acumulação de recursos de forma abusiva em agentes completamente alheios à realidade local. O turismo emancipador encontra respaldo junto ao grau de consciência da comunidade que articula suas diferentes facetas culturais enraizadas nas tradições ancestrais pre-sentes na esfera cotidiana. Há uma reciprocidade entre o grau de historicidade e a resistência cultural. (PRUDEN-TE, 2005, p.117)

Uma prática política-cultural de inversão do jogo hegemôni-co (PRUDENTE, 2005), gramsciana é tão revolucionária quanto a logística do universo cibernético dos defensores dos softwares livres. Posto o exemplo não-terrorista de suas marcantes táticas: apontar que todo programa computacional é originalmente livre e denun-ciar que é a perversidade da apropriação, de patentes e licenças, que tornam proibitiva a democratização do conhecimento. O Turismo pode continuar imitando e construindo guetos paradisíacos a reve-lia dos grupos subalternos. O eculturismo alteridentitário também pode, aliás, deve contrariá-lo, como forma de dizer não a produção de uma política exclusivamente Turística.

Vetores de alteridentidade para concluir

A potencialidade do Eculturismo, tanto na emancipação socioes-pacial como no acesso ao campo virtual das mídias e sistemas de comu-nicação, consolida o papel da educação na construção de uma signifi ca-tiva cultura turística. Enquanto proposta alteridentitária, o Ecoturismo não encontra exemplo de execução em nenhuma instância municipal ou estadual do território cearense. Talvez, outros estados nordestinos es-tejam amadurecendo experiências articuladas a esse parâmetro da gestão

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intersetorial. Nem mesmo em Aracati – onde concentramos a explora-ção crítica das potencialidades paisagísticas e educacionais – observamos o estabelecimento dessa estratégia macrossetorial de administração.

Constatamos sim, um conjunto de preocupações ambien-tais e culturais que mobilizam os técnicos e suas ações no âmbito promocional da “desconcentração” – no tempo e no espaço – de atividades turísticas. A ideia é incluir outros períodos e localidades na dinâmica da oferta turística. Tecnicamente como dissemos, ante-riormente, uma diversifi cação de oferta não encaminha transforma-ções; apenas expande o setor.

No caso específi co de Aracati e de muitas cidades do interior nordestino, esse processo apenas manifesta que o turismo, como se-tor público, não anda com suas próprias pernas e precisando se agre-gar às demais Secretarias: de Cultura, Meio Ambiente e Turismo; algumas vezes acrescentando, Esportes, Eventos ou Lazer. Mas as Secretarias de Educação, com vida própria e orçamentos incompara-velmente superiores, geralmente têm autonomia e não se articulam a esse setor. Pensar os vetores da alteridentidade é tocar, inicialmen-te, nesse ponto administrativo fulcral: por que Turismo e Educação nunca se articulam minimamente, embora os interesses quanto ao meio ambiente e a cultura estejam no centro de seus interesses?

A resposta mais imediata está noutro apartheid administrativo e unidirecional: o Turismo é visto como setor econômico e aceito politicamente como um sacrifício comunitário de atendimento ao não cidadão. Um mal necessário apenas. A Educação é considera-da, por outro lado, um caminho mágico para redenção de todos os malefícios. Um bem em si mesmo, independente dos custos, por representar o maior investimento no e do cidadão. Sabe-se que o econômico e o social constituem e invertem interesses e focos, mas tudo estaria perfeito se eles não constituíssem dinâmicas cada vez mais interdependentes na contemporaneidade. Portanto, a Educa-ção forma cidadãos cada vez mais estrangeiros nos seus lugares de origem e o Turismo aproxima ou leva cada vez mais alguns estran-

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geiros de uma condição especial (e superior) de cidadania. Daí, a compreensão da racionalidade emergente para “outra” política de Turismo (preferencialmente cultural) que fomente ações educativas de turistifi cação local e regional de sua própria comunidade. Mas não qualquer comunidade; a comunidade alteridentitária dos estu-dantes do ensino básico.

Consideramos assim alguns vetores capazes de favorecer esse processo e, ao mesmo tempo, eliminar a leitura “preconceituosa” que tornam as políticas brasileiras de turismo, principalmente na es-cala local, letra morta. Se o atual Plano Nacional de Turismo (PNT 2007-2010) tivesse acrescentado, explicitamente, essas quatro linhas de articulação destinadas à inclusão do processo educativo, podería-mos acionar o salto de qualidade na constituição da cultura turística.

O 1º vetor se encontra na abertura radical dos equipamentos de hospedagem, lazer e alimentação para autocrítica estudantil. Sem esse olhar dos jovens escolarizados, com suas observações e críticas, difi cilmente um empreendimento turístico vá se sustentar para além da reprodução de relações desiguais. O trade turístico costuma expli-car o crescimento do setor como uma tendência mundial; mas não consegue avaliar as retrações e facilmente “condena” a ausência de incentivo (monetário) governamental. Entretanto, como injetar di-nheiro sem pesquisa de mercado? E como pesquisar o mercado sem participação estudantil? Portanto, para a alteridentidade é a constru-ção explícita do olhar turístico do estudante.

O 2º vetor está na acessibilidade da informação e dos trans-portes. Trata-se de uma acessibilidade mais democrática e coletiva possível. Os meios técnicos de viagem física e informacional não podem fi xar duas classes de usuários. E essa impossibilidade tem de ser vigiada por uma política intersetorial de Turismo. Vamos a dois exemplos: como é possível pensar uma cidade/localidade tu-rística com infraestrutura de aeroporto e conexões de internet sem fi o, se a “rodoviária” local ainda parece uma praça com amontoado de cargas, sem balcão de informações ou atendimentos nem para

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explicar por que não há jornais semanários na localidade? Os mais espertos vão justifi car que essas “difi culdades” favorecem a manu-tenção do “ar bucólico”, típico do morador daquela localidade. Os que compreenderam o papel do eculturismo antecipar-se-ão, per-cebendo a estratégia preconceituosa de um planejamento turístico perverso, capaz de justifi car a miserabilidade local em nome do bu-colismo. Nada justifi ca, constitucionalmente, ausência de estrutu-ras comunicacionais. Se todo lugar do Brasil tem acesso à televisão e rádio, um planejamento turístico efetivo precisa garantir acesso a outros bens de sua própria irradiação. Transporte rodoviário e Jornais são apenas dois de muitos exemplos diretamente ligados ao processo escolar.

O 3º e último vetor se direciona à coparticipação de institui-ções comunitárias – igrejas, associações, cooperativas – na parceria diversifi cada com prefeituras que pudessem explorar a vivência tu-rística dos estudantes, dentro e fora dos circuitos turísticos. Haveria um questionamento imediato, direcionado a ironizar essa copartici-pação: por que motivos uma cooperativa agrícola, uma igreja pente-costal, uma associação de pesca ou de bairro promoveria receptivos turísticos integrados às escolas públicas? Por que todos esses setores têm, com seus desafi os e limitações, que constituir seus públicos consumidores, seus respectivos mercados. E esses mercados serão cada vez mais seletivos e mais profi ssionais, com características de-lineadas por exigências qualitativas do usuário turístico (conforto, efemeridade, diversifi cação, segurança, informação).

Nesse vetor é preciso considerar que uma prática de viagens e intercâmbios, não assumidamente turística, na maioria das vezes, já se realiza. Entretanto, motivada pela necessidade de expansão da or-ganização, reduzindo custos ou ignorando recomendações técnicas dos serviços de qualifi cação da mão de obra, as mencionadas insti-tuições fomentam essa articulação de maneira indireta. O exemplo mais representativo vem da Igreja Católica e suas diversas organi-zações comunitárias. Afi nal, o próprio cristianismo como religião missionária, promotora de diásporas e conquistas intercontinentais,

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motivou os primórdios do turismo e da hospedagem. Como enten-der a farta mobilização do turismo religioso hodierno desprezando esse vetor? Múltiplos Caminhos de Santiago de Compostela percor-rem hoje o mundo cristão provando a interface das instituições não turísticas na constituição de uma alteridentidade pertinente à polí-tica intersetorial.

Cabe-nos agora, fortalecer o investimento teórico – como profi ssionais e pesquisadores – para permitir que os vetores da visita técnica escolar, da acessibilidade informativa e do intercâmbio institucional, subvertam as bandeiras isolacionistas daqueles que defendem uma Política de Turismo Cultural, como se o segmento, por si só, representasse o mapa do tesouro pelo vetor único da qua-lifi cação técnica profi ssional.

A subversão representa um ato de rebeldia inteligente e pro-positiva. Uma proposta além do esperado. Nesse caso, uma proposta que afi rma ser possível ao Turismo reeducar a cultura local por legí-timo processo de emancipação política.

ReferênciasBURKE, Peter. Hibridismo cultural. Injui-RS: Ed. Unisinos, 2003.

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TURISMO CULTURAL: REFLEXÕES E POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO

NO RN

Th adeu de Sousa Brandão

Construir uma refl exão acerca das possibilidades de desenvol-vimento de um turismo cultural no Rio Grande do Norte é o ponto central da discussão deste texto. Isso numa época em que este seg-mento turístico é muito discutido, mas, como será mostrado, pouco implementado. Ousamos dizer que, de maneira estruturada, não há turismo especifi camente cultural no RN. Não há uma destinação de turistas especifi camente com a fi nalidade de visitar ou conhecer al-gum atrativo turístico do Estado. Não se visita nenhuma cidade devi-do ao seu patrimônio cultural e histórico. Mesmo o turismo de even-tos ainda é incipiente e apenas engatinha rumo a um futuro incerto.

Um pleno desenvolvimento desse seguimento poderia servir de meio para contribuir junto à preservação dos bens culturais e das tradi-ções da população local, como veículos de identifi cação e orgulho local, além de atrair novos tipos de turistas, geralmente mais conscientes, cola-borando e somando dias na permanência de seus visitantes nos hotéis e indiretamente, contribuindo no aumento do consumo em restaurantes, na procura maior por áreas de lazer e entretenimento, além de resgatar a memória e o orgulho da tradição pela população local.

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No entanto, o que percebemos realmente é um segmento es-quecido e engolido pelos atuais planos de turismo que se pautam em frequentes investimentos no segmento praia-sol, abandonando os bens culturais e patrimoniais, sendo os mesmos resumidos a um passeio cha-mado, turisticamente, de city tour. Esse turismo na cidade é, geralmente, realizado de forma rápida com pura e simples intenção de visitação a centros de artesanato e complexos de lazer, abordando, salvo casos iso-lados, somente o turismo de fachada. Dessa forma, cruza-se a cidade em carro fechado, fazendo uso de ar-condicionado e ouvindo um guia exclamar o nome do prédio, sem a preocupação com os aspectos his-tóricos, arquitetônicos, a importância daquele local na construção da cidade de hoje, as danças, arte, folclore, entre outros aspectos.

Nesse sentido, a perspectiva de se escapar dessa lógica turística massifi cante é imprescindível. Existem alternativas, mas ainda são pouco exploradas e, quando o são efetivamente, ocorrem de maneira voluntária e com pouca perspectiva de se estruturarem efetivamen-te. Assim, tendo como contexto uma apresentação panorâmica do turismo cultural no Rio Grande do Norte, construímos aqui um conjunto de observações (e especulações) mais gerais sobre o tema.

O turismo cultural

O turismo cultural é um segmento cujos programas são vol-tados aos participantes interessados em conhecer costumes de deter-minado povo ou região. Dentre essas atividades estão as músicas, as festas, as danças, o folclore, a religiosidade, a culinária, o modo de viver em uma determinada região etc.

Turismo cultural pode também ser defi nido como o conjunto de atividades turísticas que se desenvolve em função do patrimônio histórico-cultural e permitem a observação da organização social do homem junto ao seu ambiente, retratando seus usos e costumes, tanto atual como de seus antepassados.

Sendo assim, pode-se dizer que o turismo cultural engloba to-dos os aspectos das viagens pelos quais os turistas conhecem a vida,

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o prazer e o pensamento de cada comunidade receptora. Com essa visão, o turismo se apresenta como uma ferramenta importante para promover as relações culturais e também estimular fatores culturais dentro de uma localidade, sendo um meio de fomentar a atração de turistas e visitantes.

Segundo Funari e Pinsky:

Turismo Cultural consiste no deslocamento do indivíduo com objetivo de conhecer a história daquele povo, sua cultura, idioma, folclore, gastronomia, costumes, artes, tradições e crenças, não somente no intuito de conhecer, mas conseguir de certa forma o aprendizado ou saciedade da vontade em compreender e vivenciar alguns dos vários aspectos daquela sociedade. Esse é o principal ponto que diferencia as outras formas de turismo do turismo cultu-ral, pois não é o que se vê, mas como se vê que caracteriza o turismo cultural. (FUNARI; PINSKY, 2003, p. 10).

No entanto, o turismo visa, acima de tudo, a fuga do turista de seu local habitual e de seus âmbitos de vida na busca do novo, do desconhecido, visando algum ganho nas áreas da aventura, do lazer, do descanso, da cultura e conhecimento, entre outros. Em um mundo globalizado, onde as atividades profi ssionais, o lazer, o conhecimento e a cultura são sobrepostos e impulsionados a um padrão pré-determinante por determinadas nações, o segmento do turismo cultural surge como grande potencialidade a ser desenvol-vida, haja vista a ampla necessidade de exploração de produtos dife-renciados pelo mercado turístico, e vem colaborando também como um incentivador e impulsionador para preservação do patrimônio histórico e das manifestações culturais.

Isso porque este atual padrão de desenvolvimento globaliza-do, gerador de uma verdadeira homogeneização da cultura, serve como impulsionador para que a identidade cultural de uma socieda-de tradicional se autopreserve e sirva como diferencial no segmento cultural de viagens (BARRETO, 2004, p.24).

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Nosso entendimento ao patrimônio cultural pauta-se em pensá-lo como “tudo aquilo que constitui um bem apropriado pelo homem com suas características únicas e particulares” (FUNARI, PINSKY, 2003, p. 08). Isso inclui tanto um alimento, quanto um gesto ou mesmo estilo de vida, e é a diversidade dessas formas que faz com que as sociedades se diferenciem uma das outras. Portanto, preservar o patrimônio cultural é garantir que a sociedade tenha maiores opor-tunidades de perceber a si própria sua importância, respeito e criação.

Esse segmento recobre um espectro muito amplo de interes-ses, tanto pela diversidade de modalidades artísticas quanto pelos níveis ou origens de expressão: popular, de massa, erudita, urbana, rural, nativa etc. Além disso, o que parece caracterizar mais forte-mente esse segmento é a intenção de apreciar manifestações e obras de arte, seja pelo aspecto estético ou histórico.

O turismo cultural apresenta níveis diversos de programação, tanto em modalidades artísticas quanto na amplitude do interesse. Os roteiros mais genéricos normalmente incluem visitas a museus e construções de relevante valor arquitetônico como igrejas e palácios. Atraem pessoas que pretendem experimentar a sensação de observar de perto obras culturais importantes. Mas existem interesses bastan-te específi cos, como, por exemplo, conhecer os locais em que viveu determinado artista, procurar entender, a partir desse contato, o ambiente e as circunstâncias que motivaram a criação das obras etc.

Dentre os mais variados segmentos, o turismo cultural é o que tem recebido uma maior valorização por parte de estudiosos. Portanto, sabe-se que qualquer que seja o segmento, a cultura vai estar sempre presente, facilitando um intercâmbio entre povos, in-cluindo o consumo de bens culturais.

Consideram-se cultura todas as maneiras de existência hu-mana. É assim, todo conhecimento que uma sociedade tem de si mesma. Cultura inclui as maneiras como esse conhecimento é expresso por uma sociedade como no caso de sua arte, religião, tecnologia e ciência.

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Laraia (2003, p.25) afi rma que:

No fi nal do século XVIII e no princípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar to-dos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês Culture, que “tomado em seu amplo sentido etno-gráfi co é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Com esta defi nição Tylor abrangia em uma só palavra todas as possibilidades de re-alização humana, além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos.

O turismo cultural engloba todos os aspectos das viagens pe-los quais o turista conhece a vida e o pensamento da comunidade receptiva. Por isso, o turismo se apresenta como uma ferramenta im-portante para promover as relações culturais e a cooperação interna-cional. Por outro lado, estimular os fatores culturais dentro de uma localidade é um meio de fomentar recursos para atrair visitantes. O turismo pode ser estimulado não só como um meio de conheci-mento, mas também como uma forma de transmitir uma imagem favorável ao visitante.

Segundo Andrade (1976), o termo Turismo Cultural designa uma modalidade de turismo cuja motivação do deslocamento se dá com o objetivo de encontros artísticos, científi cos, de formação e de informação. Portanto, as características básicas ou fundamentais do turismo cultural não se expressam pela viagem em si, mas por suas motivações, cujos alicerces se situam na disposição e no esforço de conhecer, pesquisar e analisar dados, obras ou fatos, em suas variadas manifestações como: representações religiosas, rotas e roteiros, fes-tivais de música, cinema e teatro, manifestações populares, lendas, exposições de arte entre outras.

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No turismo cultural, o termo cultura abrange tanto a cultura própria do turista como o conjunto de ideias e criações dos mesmos em seu contato com novas realidades e convivências diferentes. E a motivação do turismo cultural depende bem mais dos turistas do que da cultura dos locais visitados, pois é de certa forma, através deles que a cultura local se torna, de fato, conhecida, além de melhorar a autoestima da comunidade visitada e fornecer oportunidade para um melhor conhecimento da cultura alheia (SOUZA, 2000, p. 143).

O turismo cultural abre perspectivas para a valorização e revi-talização do patrimônio, do revigoramento das tradições, da redesco-berta de bens culturais materiais e imateriais, muitas vezes abafados pela concepção moderna. A identidade cultural é, sobretudo, um fato cultural e político que propõe a consciência da soberania e da autodeterminação. O turismo cultural quando valoriza as culturas lo-cais, principalmente pela sua singularidade, estimula a recuperação e a revitalização de patrimônios materiais e pode gerar rendimentos econômicos para pequenas e médias cidades se as mesmas tiverem um projeto de valorização e aproveitamento daquele potencial.

À medida que o interesse estético ou histórico mistura-se com o interesse recreativo e de lazer, cedendo espaço para a participação lúdica ou o divertimento puro e simples, as fronteiras entre o turis-mo cultural e o turismo de lazer (ambos de amplo espectro) tornam-se muito tênues. O folclore é área cultural onde mais se manifesta esse cruzamento. Se, por um lado, as festas folclóricas tendem a se transformar em espetáculos, com requintes de produção em muitos casos, por outro, conservam sempre uma reserva para a participa-ção popular ativa. Começando como Entrudo, uma manifestação bruta e desorganizada de liberação de comportamentos, o carnaval passou a ser realizado em torno de grupos musicais, primeiramente os ranchos, depois as escolas de samba. Estas, especialmente no Rio de Janeiro, atingiram tal nível de apelo popular que ganharam áreas especiais para desfi lar, competindo entre si e atraindo turistas do mundo todo. Enquanto as escolas passavam a espetáculo para ser

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apreciado, os bailes de salão e os desfi les de bandas ou festas de rua continuaram possibilitando a participação das pessoas.

Fenômeno semelhante, embora em dimensões mais modes-tas, começou a ocorrer com o boi-bumbá, manifestação tradicional da cidade de Parintins, no interior do Amazonas. É uma festividade em que duas agremiações, o boi Garantido (de cor vermelha) e o boi Caprichoso (cor azul), desenvolvem uma espécie de competi-ção que mobilizam torcidas como numa disputa esportiva. De certo modo, a festa mistura o folclore com uma animação carnavalesca. Cada grupo com levantadores ofi ciais, lembrando os puxadores de samba-enredo das escolas. As toadas de boi-bumbá acabaram sen-do divulgadas em todo o país através de grupos musicais que se multiplicaram rapidamente. Com o sucesso, o Festival passou a ser organizado em bases profi ssionais, chegando a criar franquias para apresentações em outras localidades e até para cruzeiros marítimos (VEIT, 1997).

É importante ressaltar que o turista de hoje é mais exigente, na medida em que se integra na cultura local, vivencia seus costumes e não usufrui apenas das belezas e atrativos naturais. O turista está em busca do diferente, do criativo, do novo, algo que possa aguçar sua imaginação e isso passa pelo resgate e manutenção da cultura local, daquilo que a diferencia das demais, de seu passado histórico, artesanato, danças, arquitetura, música, enfi m, de tudo aquilo que a torna “sui generis” aos olhos do outro.

O turismo cultural no RN

O Rio Grande do Norte sempre se destacou por possuir um turismo com ênfase em seus recursos naturais, ou seja, binômio “sol e mar”, concentrando efetivamente o turismo em sua capital, Natal, e em praias próximas, como por exemplo, Pipa e Barra de Cunhaú, respectivamente nos municípios de Tibau do Sul e Canguaretama, (SANTOS, 1994). Diferentemente da Bahia e Salvador, que guar-

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dam um exuberante patrimônio histórico e cultural, o Rio Grande do Norte, praticamente, centraliza seus atrativos no turismo “sol e mar”.

Apesar desses fatos demonstrados atualmente, percebe-se uma diminuição na busca de turistas por esse segmento, como diz Barbosa: “Investigações contemporâneas mostram estar diminuindo o interesse de turistas pelo binômio (sic) praia-sol, ao mesmo tempo em que se desenvolve o interesse por atrativos da natureza e por atrativos da cultura” (BARBOSA, 2004, p.22).

Essa tendência se liga a uma busca a formas alternativas de atrativos turísticos, principalmente, aquelas ligadas ao Turismo Cul-tural. No Rio Grande do Norte, transparecem algumas tentativas iniciais de se efetivar e se consolidar essa modalidade turística, mas isso ainda ocorre, como mostraremos adiante, de forma incipiente.

O exemplo mais típico é o caso dos grandes eventos culturais da cidade de Mossoró que, efetivamente, já fazem parte do calendá-rio local. São, especifi camente: “Chuva de Bala no País de Mossoró”, que ocorre no mês de junho, juntamente com o projeto “Mosso-ró Cidade Junina”; “Auto da Liberdade”, no mês de setembro; e o “Auto de Santa Luzia” no mês de dezembro.

Nesses eventos, é nitidamente clara a preocupação de cons-truir momentos culturais apoteóticos, onde as pessoas possam ser atraídas pelo espetáculo. Nesse sentido, grandes palcos e estruturas são montados e, durante os dias do evento, são apresentados repe-tidamente, relembrando os velhos autos medievais e coloniais. Na tradição festiva brasileira, o comum era que as festas saíssem do âm-bito religioso para o espaço profano, onde a festa e o espetáculo se mostram como elementos agregadores e renovadores socioculturais.

O primeiro dos “Autos” a serem encenados em Mossoró foi o que é efetivamente religioso e está ligado à festa da Padroeira: Santa Luzia. Momento de efervescência cultural e de sociabilidade da so-ciedade mossoroense, a festa da padroeira enseja muito mais que o puro e lúdico ato de se divertir. Representa também a perspectiva de se reencontrar com outros membros da sociedade a que pertence; ir

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ao encontro de uma rede de representações e de símbolos que em-prestam sentido ao viver em comunidade e do sentir-se pertencente a esse grupo comunitário e societário.

Os demais Autos estão ligados à história de Mossoró e de como essa história é reconstruída e reapropriada miticamente pela sociedade. Tanto no “Chuva de Balas” quanto no “Auto da Liber-dade” há uma clara reinterpretação da história, havendo uma su-pervalorização de microeventos históricos, cuja relevância externa é mínima, mas que passaram a representar, principalmente após a década de 1980, extremamente singulares para os mossoroenses.

Deixando de lado as especifi cidades históricas, que aqui não são nossa preocupação, voltemos à questão central: Turismo Cultu-ral. Dos três eventos supracitados, apenas o “Chuva de Bala no País de Mossoró” e, conjuntamente, o “Mossoró Cidade Junina”, podem ser tratados como momentos onde existe uma possibilidade de se concretizar essa modalidade turística no momento atual. Isto por-que a cidade, nessa época, disponibiliza toda uma estrutura turística capaz de dar conta de um afl uxo mínimo de turistas no local. Não nos referimos apenas a hotéis e restaurantes, o que a cidade já possui minimamente, embora em número insufi ciente para uma demanda maior, mas a uma estrutura de banheiros públicos, comércio de arte-sanato, estrutura de deslocamento (que em Mossoró é extremamen-te precária) e um sistema de guias turísticos locais que privilegiem não apenas o espetáculo, mas o patrimônio histórico e cultural local (gastronomia, arte, manifestações da cultura popular etc.).

Assim, se existe o evento, ainda não há a estrutura para re-cepcionar um quantum signifi cativo de turistas. Mesmo assim, os eventos crescem gradativamente, o que talvez –aqui especulo – en-seje uma necessidade de adequação estrutural para se preparar para essa demanda (bem ao estilo nacional de “apagar incêndios”). Ou-tro fator que vem contribuindo positivamente para a efetivação da consolidação de um projeto de turismo cultural em Mossoró é o signifi cativo repasse dos royalties de petróleo que a cidade recebe

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anualmente e que estão sendo, ao menos parcialmente, investidos em infraestrutura urbana (saneamento básico, pavimentação, edu-cação, saúde etc.) imprescindíveis para a atração turística.

Outro exemplo signifi cativo, embora menos relevante em re-lação ao turismo cultural em si, é o caso da “Festa de Sant’Ana de Caicó” que ocorre nos dez últimos dias do mês de julho de cada ano. Essa festa tende a atrair, na visão de alguns, uma multidão que se en-contra na cidade sertaneja para festejar Sant’Ana, padroeira de Cai-có. Mas, numa análise mais cuidadosa, isso efetivamente não ocor-re44. A Festa de Sant’Ana de Caicó é, essencialmente, um evento que diz respeito aos caicoenses. Mesmo assim, existe uma forte demanda de turistas, embora sejam esses efetivamente caicoenses migrantes, familiares e amigos.

Portanto, embora para os caicoenses a festa de Sant’Ana apa-reça como um mega-evento, ela na verdade não pode ser conside-rada um evento capaz de se tornar turisticamente viável. Isso por fatores que são efetivamente estruturais. Embora nos últimos anos tenham tido grandes investimentos estruturais, como a da “Ilha de Sant’Ana” (com recursos do Governo do Estado e do Governo Fe-deral), a cidade ainda dispõe de uma estrutura incipiente: poucos hotéis (apenas um de médio porte), poucos restaurantes etc. Mesmo se fosse possível efetivar essa infraestrutura, isso traria um problema fundamental: não há eventos e atrativos para manter esses equipa-mentos viáveis ao longo do ano.

O último exemplo é o caso da capital, Natal e de seu entorno. Embora possua um signifi cativo patrimônio histórico e cultural, o turismo cultural ainda é extremamente incipiente. O grande evento cultural que a cidade disponibiliza é o “Auto de Natal”, que, pela infraestrutura precária, pouco atrai. Fora esse, tem-se o Carnatal, “micareta” (carnaval fora de época) que ocorre em fi ns de novembro

44 Para um aprofundamento mais cuidadoso da Festa de Sant’Ana de Caicó indico a leitura de minha dissertação de mestrado: BRANDÃO, Th adeu de Sousa. A Senhora do Sertão: a Festa de Sant’Ana de Caicó. Natal: UFRN/CCHLA, Dissertação de Mestrado, 2002. (mimeo).

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e início de dezembro. Embora essa festa atraia uma quantidade sig-nifi cativa de visitantes, há uma longa discussão acadêmica para saber até que ponto esse evento pode se encaixar efetivamente enquanto turismo cultural.

Em termos de estrutura turística, Natal é o único local no Rio Grande do Norte que possui condições de receber uma grande demanda de visitantes, mas devido a políticas públicas e empreen-dimentos voltados essencialmente para o turismo de “sol e mar”, não se buscou concretizar e trabalhar com atrativos culturais passí-veis de absorver essa demanda. Existem preocupações nesse sentido: tem-se uma maior valorização de manifestações da cultura popular, de espaços arquitetônicos e históricos (principalmente no centro da cidade), da gastronomia local, de roteiros alternativos em espaços até então desvalorizados – como a feira do Alecrim e o Cemitério do Alecrim, por exemplo – que passam a serem vistos como atrativos.

Mesmo assim, como já ressaltado, isso ainda é insignifi cante diante da enorme demanda e oferta do turismo, do lazer pautado na praia e nas diversões ligadas a esse espaço. O que vem sendo efetiva-mente explorado ainda é extremante aquém daquilo que poderia ser realmente trabalhado.

Turismo cultural e diversidade cultural: refl exões

Quando abordamos a temática do turismo cultural temos a vaga consciência de que estamos pisando em um terreno bem fami-liar, principalmente para nós, brasileiros, que nos orgulhamos de pertencer a um Estado-nação que se caracteriza e se diferencia dos demais países por possuir uma rica diversidade cultural. Mas, longe da visão comum, o turismo cultural esconde algumas idiossincrasias quase que imperceptíveis.

Então, quando nos referimos ao turismo cultural, estamos nos referindo também à diversidade cultural, algo que é inerente ao

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homem. Em toda a sua longa história, o homem caracterizou-se por ser um animal sui generis, ou seja, único. Enquanto toda a natureza seguia lentamente o caminho da adaptação biológica e escolhia, para cada espécie, uma única forma de viver e sobreviver, o homem fi r-mou suas características biopsicosociais e passou para uma nova for-ma de adaptação: a cultural. Isso mesmo, num determinado período de nossa história (com o aparecimento do Homo Sapiens, ou seja, nós) deixamos de evoluir simplesmente, ao menos como a biologia e a genética assim compreendem esse termo. Nossa “evolução” passou a ser cultural e, para ser mais preciso, educacional.

O homem passou a lentamente construir ferramentas, domi-nar o fogo, construir abrigos e a consolidar laços de solidariedade so-cial. Tudo isso numa escala titânica de tempo para nós. Imagine que, geração após geração, todo esse saber ia sendo repassado através, simplesmente, do processo educacional. Assim, cada nova geração adaptava melhor aquilo que a outra ia lhe repassando, possibilitan-do-nos a acumular conhecimentos e a tornar nossa cultura cada vez mais complexa.

Sim, mas o que isso tem a ver com a diversidade cultural hu-mana? Bem, o mais fantástico de tudo isto é que, dado as possibilida-des de respostas possíveis para os mesmos problemas que o homem enfrentava (frio, fome, calor, chuva, criar fi lhos etc.), cada povo, cada agrupamento humano que ia se separando uns dos outros na sua migração e ocupação contínua da terra, foi fornecendo respostas diferentes a tudo isso. Desse modo, lentamente foram fi rmando-se culturas diferenciadas, nascidas da intensa capacidade humana de fornecer respostas variadas e complexas a problemas também varia-dos e complexos.

Por isso não podemos jamais falar de uma cultura huma-na, embora não caiba aqui essa discussão, nem mesmo de “raça(s) humana(s)”. Devemos sim, falar de culturas humanas; diversas, multicoloridas, multilingues, multibela, sendo cada uma fruto de uma interminável correlação de suas sociedades com a natureza,

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consigo mesma e com outros povos e culturas. Cada uma devida-mente consolidada e mutável.

No Brasil, a diversidade cultural é sempre vista como um fa-tor quase que exclusivo de nossa identidade. Somos efetivamente um país que congrega – pelo seu recente “fazimento” e história – uma ampla gama de elementos que nos fazem diversos: culinária, danças, modos de falar e gesticular, formas de ver o mundo etc. Essa diversidade, mais do que nunca, é celebrada como algo que o Brasil tem de ensinar a toda a humanidade (RIBEIRO, 1995).

Isto porque, no mundo afora, diversidade cultural não é sem-pre vista como algo positivo. Num paradigma globalizante e secula-rizante, em que a cultura tende a uma padronização e racionalização extremas (porque não dizer, uma “macdonaldização”), o diferente nem sempre é tratado como algo bem-vindo. Não me refi ro aqui à tendência natural dos povos de tomarem sua cultura como algo mais importante (etnocentrismo) e, por isso, tenderem a rejeitar as demais. Refi ro-me a um amplo processo de exclusão e uniformização cultural que, ou levará as nações e culturas periféricas a uma incorporação e aniquilação ou as jogará à margem e exclusão absoluta do sistema.

Gostaria de retomar a conclusão com uma refl exão esboçada pelo escritor português José Saramago em sua obra “A Caverna”. Será que estamos acorrentados à sombra do sistema produtor de merca-dorias e não concebemos que nossos estilos tradicionais de vida (que sofrem modifi cação, é claro) estão em vias de serem totalmente absor-vidos pelo faustoso (de fausto mesmo) mundo dos Shoppings Centers e dos cartões de crédito? E o oleiro, para onde vai? Tudo será igual a tudo o mais? É este o nosso “admirável mundo novo”?

É nesse sentido que refl etimos sobre o turismo cultural. O turis-mo do lazer é massifi cante, desagregador e não consegue, efetivamente, permitir uma valorização da diversidade cultural e de suas manifestações locais. O Rio Grande do Norte tem alguns potenciais eventos turísticos-culturais, como demonstrado, que se possuírem o incentivo público e privado necessários, poderão ser uma alternativa viável.

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Mas, efetivamente, o grande legado do turismo cultural é pos-sibilitar uma salvaguarda das múltiplas manifestações culturais dian-te do avanço racionalizante e padronizador da globalização. Longe de ser apenas uma alternativa econômica, o turismo cultural tende a ser uma alternativa de sobrevivência do legado cultural humano em sua gigantesca diversidade.

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SÍTIOS GEOLÓGICOS, GEOCONSERVAÇÃO E

ECOGEOTURISMO NA REGIÃO SERIDÓ DO RIO GRANDE DO NORTE45

Wendson Dantas de Araújo Medeiros O presente artigo trata-se de um estudo realizado na Região

Seridó do Rio Grande do Norte, em sua porção oriental, visando à identifi cação de sítios geológicos, geomorfológicos, arqueológicos, paleontológicos e mineralógicos que possuam características singu-lares e representativas para o desenvolvimento de projetos de geo-conservação e do ecogeoturismo.

Os sítios geológicos são recursos concretos dotados de formas e feições típicas ou estruturas com características marcantes que pos-suam importância fundamentada em sua multifi nalidade para:

Pesquisa científi ca; difusão do conhecimento científi co na área das Ciências da Terra; atividades educacionais e recre-ativas; criação e fortalecimento de uma consciência con-servacionista; referenciais em guias turísticos, estimulando, através do ecoturismo (ecogeoturismo), a participação e desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais (SIGEP, 2002, grifo nosso).

45 Publicado originalmente com o título Ecogeoturismo e Geoconservação no Semiárido do Rio Grande do Norte: o caso da Região Seridó, na Revista Global Tourism, v. 3, nº 2, novembro de 2007.

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Muitos desses sítios, que correspondem à geodiversidade do planeta, encontram-se ameaçados por atividades predatórias e des-trutivas que ocorrem nas proximidades de suas localizações ou de-vido a utilizarem-se diretamente deles como matérias-primas para uma série de atividades, como a mineral, por exemplo. Outro fato que justifi ca a necessidade de proteção desses sítios, verdadeiros patrimônios e registros da história evolutiva da Terra, é a ausência quase que total de leis e regulamentos que os protejam, ao contrá-rio do que ocorre com elementos da biodiversidade e da cultura da humanidade.

Nesse sentido, a partir da década de 90, as comunidades ge-ocientífi cas do mundo inteiro passaram a se preocupar com o de-saparecimento deste patrimônio natural, tendo como marco refe-rencial as propostas elaboradas pelo grupo Gilges (Global Indicative List of Geolocical Sites), de modifi cações nas diretrizes existentes até então para World Heritage Sites (Sítios do Patrimônio Mundial) da Unesco, inserindo as propriedades geológicas afetadas como objeto daquele projeto.

Surgem, consequentemente, os primeiros projetos de geocon-servação, iniciados na Europa, onde o objetivo principal é promover a preservação da geodiversidade para as presentes e futuras gerações. Exemplo dessa iniciativa é a atuação da Unesco que fi nanciou e in-centivou a realização de inventários dos patrimônios geológicos de diversos países do mundo, com destaque para os países europeus.

Posteriormente, em 1994, o Gilges viria a estabelecer novos conceitos e metodologias referentes aos projetos de geoconservação. Destarte, em 1996, a International Union of Geological Sciences – IUGS (União Internacional de Ciências Geológicas), juntamente com a Unesco, através do World Natural Heritage (Patrimônio Na-tural da Humanidade), desenvolveram um método para a geocon-servação denominado Geosites, que consiste num inventário dos principais sítios geológicos merecedores de receber proteção legal face às suas peculiaridades e características intrínsecas e, principal-mente, devido ao fato de constituírem um patrimônio que uma vez

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deteriorados não poderiam ser recuperados. Esse fato provocaria um impacto de grande magnitude, uma vez que estava sendo apagado um capítulo da história evolutiva da Terra.

Dentre os projetos pioneiros desenvolvidos na Europa, pode-se citar o implantado pela Associação Europeia para a Conservação do Patrimônio Geológico – ProGEO, que, fundamentado nos con-ceitos do Gilges e Geosites, tem promovido projetos de geoconser-vação em estágios notáveis por grande parte dos países europeus.

Seguindo o exemplo dos países da Europa, vários outros países, como a África do Sul, através da Sociedade Geológica Sul-Africana, também passaram a desenvolver projetos nesse sentido e a reivindicar a adoção de leis que venham a proteger o patrimônio nacional (REIMOLD, 1999).

Em outros países, como no Brasil, por exemplo, apesar da existência de inúmeras leis de proteção ao meio ambiente, referentes aos recursos naturais, principalmente os orgânicos, e culturais (Pa-trimônio Histórico e Artístico Nacional), resta ainda uma lacuna no que se refere à preservação e conservação dos sítios geológicos.

Apesar disso, a Lei n°. 9.985 de 18 de julho de 2000, insti-tuiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, garantindo, com isso, certa proteção aos sítios geológicos, a qual pode ser confi rmada com a criação das unidades de conser-vação denominadas Parque Nacional, Estação Ecológica, e em espe-cial, Monumento Natural. Este último trata-se da única modalidade em que se pode inserir isoladamente o patrimônio geológico.

Em se tratando ainda de Brasil, país signatário do Patrimônio Mundial da Unesco, Convenção Internacional para a Proteção de Sítios Culturais e Naturais, foi criada no fi nal da década de 90, uma comissão científi ca constituída de geocientistas de todo o país, obje-tivando inventariar, de acordo com os princípios do Geosites, o seu patrimônio nacional. Essa comissão, denominada Comissão Brasi-leira de Sítios Geológicos e Paleontológicos – SIGEP, após reunião realizada nos dias 26 e 27 de março de 1997, defi niu as ações para

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a catalogação dos sítios brasileiros resultando na publicação de um livro bilíngue com os 100 principais Sítios Geológicos do Brasil e com o mesmo intuito aqui discutido, garantindo sua proteção legal a partir de uma proposta como Sítios do Patrimônio Mundial da Humanidade à Unesco, visando a sua conservação e preservação in situ (SIGEP, 2002). Atualmente, a SIGEP está desenvolvendo ações para a publicação do segundo e, também, de um terceiro livro.

Baseando-se nesses princípios é que se fundamentou este es-tudo. Porém, propõe-se, como aliada aos projetos de geoconserva-ção, a implementação do ecogeoturismo que se trata de:

Uma modalidade de turismo, desenvolvido em bases geo-científi cas e apoiada nos princípios da atividade ecoturís-tica, que visa ao aproveitamento econômico dos sítios ge-ológicos, como forma de fortalecer a sua proteção, a partir da participação das comunidades locais inseridas nas áreas dos sítios, da promoção da educação ambiental e de in-centivos à pesquisa científi ca. (MEDEIROS, 2003, p. 28).

Ao longo deste estudo, foram identifi cados 7 sítios geológi-cos-geomorfológicos, sendo 3 no município de Acari, 3 no muni-cípio de Currais Novos e um complexo de sítios no município de Carnaúba dos Dantas. Contudo, apresentar-se-ão aqui, apenas os principais sítios referentes a cada um dos municípios conforme se percebe a seguir.

Ecoturismo, ecogeoturismo e geoconservação: uma proposta para o Semiárido Nordestino

A atividade turística, ao longo das últimas décadas, alcançou elevados índices de crescimento, sendo hoje considerada uma das principais indústrias do globo, chegando a disputar a hegemonia do mercado mundial com as indústrias petrolíferas e de armamentos (EMBRATUR, 2002).

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Juntamente com o seu crescimento, essa atividade tem ge-rado inúmeras alterações nos espaços onde ela se desenvolve, em função de sua apropriação de maneira desordenada e indevida. Essas alterações são claramente visíveis na paisagem, as quais são desfi guradas em função da construção de espaços artifi cializados para atender a demanda da atividade, gerando profundos impactos ambientais que são verifi cados pelas mudanças no relevo, desmata-mento, fuga da fauna, aumento na produção de lixo e em diversas formas de poluição.

Segundo Ruschmann (1999), os impactos dessa atividade referem-se à variedade de modifi cações ou à sequência de eventos decorrentes do processo de desenvolvimento turístico nas localida-des receptoras como consequência de um método complexo de inte-ração entre os turistas, as comunidades e os meios receptores.

Esses impactos se manifestam de formas diferenciadas varian-do de acordo com a natureza das sociedades nas quais ocorrem. No âmbito cultural, esses impactos podem ser relacionados com a des-caracterização do artesanato das localidades receptoras, tais como: a vulgarização das manifestações tradicionais, a arrogância cultural, a destruição do Patrimônio Histórico. Economicamente, ao contrário do que se pensa, o turismo também gera impactos negativos como: a dependência excessiva da atividade; a infl ação e a especulação imo-biliária; a sazonalidade da demanda turística, que vai provocar o desemprego, entre outros. No meio natural, os impactos são mais evidenciados e, entre outros fatores, provoca o desequilíbrio ecológi-co a partir da destruição dos ecossistemas nas localidades receptoras (RUSCHMANN, 1999).

Por isso, nas últimas décadas têm surgido inúmeras críticas a respeito da inviabilidade da atividade turística convencional, de massa, principalmente porque é considerada altamente danosa ao meio ambiente (MEDEIROS, 1999).

De uma maneira geral, o consumo do espaço e do meio am-biente pelo turismo de massa têm provocado uma degradação pro-

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funda, ameaçando o futuro da atividade, uma vez que esse mesmo meio ambiente se constitui na matéria-prima fundamental do tu-rismo. Tendo percebido isso, os estudiosos da atividade passaram a propor formas alternativas de turismo que viessem a reduzir os impactos gerados pela atividade praticada de forma tradicional, com intuito de manter a sua sustentabilidade, a partir da conservação do meio em que ela está inserida.

Nesse contexto, surgem outras formas de turismo, como o ecoturismo ou turismo ecológico, o turismo de aventuras, o turis-mo científi co, entre outras modalidades denominadas de turismo responsável. Dar-se-á, neste estudo, uma maior atenção ao eco-turismo, haja vista ser essa atividade semelhante à atividade aqui proposta – o ecogeoturismo.

No que se refere ao ecoturismo, esse é o segmento mais dinâ-mico da atividade turística e que mais cresceu nas últimas décadas, mantendo-se, ainda hoje, como um importante segmento do turis-mo. O ecoturismo deve ser entendido como uma atividade que res-peita as capacidades de carga dos meios de acolhimento, em termos naturais, culturais e sociais, com conservação dos recursos locais, físicos e humanos, incluindo os de interesse turístico, diminuindo custos e elevando benefícios, e não menos importante, reduzindo as saídas de divisas (CAVACO, 1996).

Surgido na década de 80 e criado por Héctor Ceballos-Las-curáin, signifi ca, também, a viagem a áreas naturais, onde há uma responsabilidade, calcada nos seus princípios, com vistas à preser-vação do meio ambiente e à promoção do bem-estar da população envolvida (LINDBERG; HAWKINS, 1995).

Até esse período, o ecoturismo era praticado por uma ca-mada privilegiada da sociedade, passando a ser encarado como uma atividade restrita às classes sociais de maior poder aquisitivo. Entretanto, com o seu crescimento e desenvolvimento em relação a outras atividades econômicas, e com a maior facilidade de ul-trapassar fronteiras, fruto da globalização, o ecoturismo passou a

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ser praticado por grupos cada vez mais numerosos, de diferentes classes sociais e, como consequência, desencadeou um processo de geração de renda bastante considerável em diversas localidades do mundo. Processo esse diferenciado do turismo convencional, visto que proporciona a redução dos impactos ambientais comuns e visíveis no turismo convencional.

No Brasil, o ecoturismo começa a ganhar força a partir da década de 90, surgindo como uma importante atividade para pôr em prática, ou ao menos tentar, o desenvolvimento sustentável nas diversas regiões brasileiras dotadas de uma enorme potencialidade, verifi cada nos seus variados atrativos para esse fi m.

A partir do reconhecimento preliminar dos atrativos e das potencialidades presentes em todas as regiões do Brasil, que pos-sibilitariam a implantação da atividade em questão, foi elaborado um documento intitulado Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo, em 1994, fruto de uma reunião do Grupo de Trabalho Interministerial em Ecoturismo composto por representantes do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo (MICT); do Minis-tério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA); do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); e da EMBRATUR, além de empresários e consultores das diversas regiões do País (LIN-DBERG; HAWKING, 1995). No referido documento, defi ne-se ecoturismo como:

Um segmento da atividade turística que utiliza, de for-ma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, pro-movendo o bem-estar das populações envolvidas. (EM-BRATUR, 2002).

Destacam-se, no referido documento, os principais ecossis-temas dotados de potenciais atrativos turísticos para a exploração da atividade ecoturística e, em especial, a Caatinga, típica das áreas

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semiáridas do Nordeste, o que vem confi rmar a potencialidade já conhecida desse ecossistema para fi ns turísticos, dada a beleza de as-pecto cênico bastante rústico, marcada por sua litologia diversifi cada e geomorfologia típica.

Respeitando os princípios do ecoturismo, propõe-se aqui uma nova forma de turismo direcionada especialmente para a geodiversi-dade, representada pela diversidade de sítios geológicos, geomorfo-lógicos, paleontológicos, mineralógicos, entre outros. Esta atividade proposta é o ecogeoturismo, uma modalidade de turismo desenvolvi-da em bases geocientífi cas, que visa ao aproveitamento econômico da geodiversidade como forma de fortalecer a sua proteção a partir da participação das comunidades locais inseridas nas áreas dos sítios geológicos, da promoção da educação ambiental e de incentivos à pesquisa científi ca.

Apesar de não haver um consenso geral entre os pesquisadores quanto ao aproveitamento turístico para se garantir a proteção da geodiversidade, a proposta defendida se aplica bem à área de es-tudo, uma vez que as populações, daquela área, trazem arraigadas em sua cultura tradicional formas de manejo da terra inadequadas, ambientalmente, na atualidade. E como essas populações ainda têm nas atividades primárias a sua principal fonte de renda, esse projeto se torna, então, uma forma de introduzir, mesmo que lentamente, algumas mudanças no processo produtivo a partir de uma conscien-tização ambiental que deverá ocorrer de maneira lenta e gradual.

Em suma, a partir do momento em que essas populações necessitam de um meio conservado para obter rendimentos extras, passarão a praticar suas atividades tradicionais de uma maneira am-bientalmente adequada à área, principalmente, em função de suas atividades tradicionais não se sustentarem ao longo do ano devido às condições climáticas e ambientais e, de um modo geral, não per-mitirem o seu desenvolvimento pleno.

E, assim, podem-se associar atividades tradicionais, desenvol-vidas com um manejo adequado e a geoconservação, a partir do

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ecogeoturismo, envolvendo as populações locais que seriam benefi -ciárias do projeto com o incremento da renda, principalmente, nos períodos desfavoráveis. Benefi ciados também seriam os municípios, pois teriam um meio de divulgação estratégica para poderem desen-volver a atividade ecogeoturística conjuntamente com uma ativida-de turística maior, envolvendo turismo rural, ecoturismo, turismo cultural, de eventos.

Nessa atividade, especifi camente, os roteiros poderiam estar integrados a outras modalidades de turismo, conforme as mencio-nadas acima, e devem visar à divulgação do conhecimento científi co acerca do patrimônio geológico e natural do município a partir de extraordinárias histórias pertencentes a vários capítulos do livro de evolução da Terra. Tal conhecimento deve, ainda, ser acrescentado da percepção da paisagem pela população que normalmente é im-pregnada de conotações culturais que permeiam o imaginário local e que agregam forte valor aos atrativos ecogeoturísticos.

A geodiversidade do Seridó do Rio Grande do Norte

A geodiversidade da Região Seridó do Rio Grande do Norte é constituída por variadas litologias e formas de relevo que constituem verdadeiros registros, ainda preservados, em sua maioria, de eventos tectono-metamórfi cos ocorridos ao longo do Tempo Geológico nes-sa região. Estes possuem idades diversas, abrangendo épocas remotas que contam a história evolutiva desde 2,5 bilhões de anos, passando por eventos e registros de 600 milhões de anos até registros atuais, da ordem de 10 a 2 mil anos antes do presente.

Esses registros são caracterizados por rochas afl orantes na superfície e suas mineralizações; por formas exuberantes do relevo, decorrentes de processos de desnudação e erosão diferencial; pela presença de sítios paleontológicos com registros de fauna pretérita, entre outros.

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Para efeito deste estudo, detalhar-se-á, a seguir, os principais sítios identifi cados nos municípios de Acari, Carnaúba dos Dantas e Currais Novos, haja vista esses municípios estarem integrados dentro da proposta de desenvolvimento turístico integrado inti-tulado Roteiro Seridó (SEBRAE, 2005) e por reunirem, em seus territórios, os principais exemplos de sítios geológicos já identifi -cados da Região Seridó.

Sítio geológico-geomorfológico-arqueológico Barra da Carnaúba

Situado no município de Acari, na comunidade de Barra de Carnaúba, no leito do rio Carnaúba, distante cerca de 18 km do centro da cidade, o sítio se caracteriza pelo afl oramento de rochas graníticas, de idades em torno de 600 Ma (SOUZA, 1996), textura predominante porfi roblástica e coloração acinzentada, onde se en-contram grandes cristais, bem preservados e orientados, os quais po-dem indicar a direção do pólo magnético da Terra no período de sua cristalização, uma vez que há uma relação semelhante entre a fábrica magmática e a magnética, conforme observou Archanjo (1993).

Neste sítio, pode-se observar a atuação de eventos tectono-metamórfi cos em ambientes pretéritos, sendo evidenciados pela presença de inúmeros diques pegmatíticos que intruindo as rochas, apresentando-se ora homogêneos, com predomínio de K-feldspatos, ora heterogêneos, com mineralizações de turmalina negra (schorlita) e berilo, que podem ser vistas a olho nu.

Em toda sua extensão, as formas predominantes no sítio decor-rem de processos de dissecação do relevo, em virtude do entalhamento da drenagem do rio Carnaúba, principal responsável, juntamente com os processos intempéricos, pela sua esculturação atual. Constituem-se de pequenos serrotes alongados no sentido W-E, de composição granítica predominante, com cristas sob a forma de domos bastante dissecados. Nesses, destaca-se um grande número de marmitas e for-

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mações curiosas, com profundidades consideráveis, chegando a mais de 4 metros em alguns pontos do rio (Figura 1), proporcionado um cenário de grande beleza cênica, e assemelhando-se à paisagem lunar. Essas, por sua vez, tiveram sua origem relacionada a movimentos tur-bilhonares decorrentes da alta energia fl uvial durante épocas de intensa pluviosidade, alternando-se a períodos de escassez pluviométrica, que determinaram os regimes energéticos e deposicionais dos rios da região.

Figura 1 – Marmitas do Rio Carnaúba. (Fonte: acervo do autor)

Apesar de sua importância geológica e geomorfológica, veri-fi cada em função de seus constituintes e morfologias variadas, este sítio também possui grande importância histórico-cultural e didá-tico-científi ca, uma vez que são encontrados em algumas marmitas registros pré-históricos sob a forma de inscrições rupestres realizadas pelos nômades da Tradição Itaquatiara, que, segundo dados crono-lógicos, habitaram a Região Seridó há cerca de 2.500 anos (MAR-TIN, 1999). Tudo isso, aliado ao seu potencial didático-científi co, constitui forte potencial para o desenvolvimento da atividade eco-geoturística e justifi ca a necessidade de projetos de geoconservação.

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Sítios geomorfológicos do município de Carnaúba dos Dantas

Os sítios geomorfológicos do município de Carnaúba dos Dantas se encontram integrados em uma grande área, denominada Complexo Geomorfológico Riacho do Bojo. Essa denominação se deve ao fato de ao longo desse riacho, afl uente do Rio Carnaúba, ocorrer vários sítios arqueológicos inseridos em feições geomorfoló-gicas de grande beleza cênica e paisagística, constituídas por canyons e gargantas profundas.

A litologia dominante – quartzitos da Formação Equador – ao longo do riacho do Bojo permitiu o desenvolvimento de um mode-lado marcado pela presença de canyons, gargantas, grutas e marmitas profundas, que asseguraram ao homem pré-histórico condições de sobrevivência, e dotaram a região de uma grande e diversa beleza cê-nica de elevado potencial turístico e ecogeoturístico, pelo seu caráter didático e científi co.

Essas formações são decorrentes de intensos processos erosi-vos e intempéricos, iniciados com o processo de rebaixamento do re-levo no Cretáceo, pela forte atuação da drenagem, que era marcada por intensa energia hidráulica dos rios nesse período determinado e que obedecia a um rígido controle estrutural de sentido predomi-nante NE-SW.

Dentre as formações típicas desse processo, encontradas ao longo do riacho do Bojo, tem-se o Canyon dos Fundões, ou Gro-ta Funda; o Canyon da cachoeira do Bojo; o pequeno Canyon da passagem, e o abrigo Casa Santa. No afl uente da margem esquerda do Rio Carnaúba – o Riacho do Ermo, formações como a Serra do Xique-Xique e a Pedra do Alexandre também apresentam particula-ridades e, por isso, serão discutidas a seguir.

O Canyon dos Fundões possui elevada profundidade e decli-vidades com inclinações de 70-90°, e no seu leito encontram-se blo-cos rochosos que, depois de erodidos, foram transportados pelo rio na sua juventude, registrando a sua alta energia hidráulica em épocas

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passadas e a existência de um clima mais ameno e mais chuvoso na-quela Região Semiárida. Também se verifi ca sedimentos grosseiros, tipo areia, que registram um período de calmaria do rio, onde o seu potencial de transporte diminuiu e aumentou a sua função de deposição, indicando um período de modifi cação climática asseme-lhando-se ao clima atual dominante, onde as chuvas são escassas e os rios secam durante a maior parte do ano.

Neste sítio geomorfológico, podem-se observar gravuras ru-pestres, as quais são atribuídas à Tradição Itaquatiara, formando o sítio arqueológico dos Fundões ou Grota Funda. Além disso, possui subdivisões (Fundões I,II,III e IV) e se observa inscrições da Tra-dição Agreste, no local conhecido por Pedra da Macambira, tendo recebido esse nome pela abundância dessa espécie vegetal na área.

As inscrições, embora de difícil interpretação, podem indicar processos de contagem realizados pelas tribos, bem como o dese-nho de astros ou início de uma tradição que tinha no geometrismo sua forma de representação, bem como representações possivelmen-te relacionadas ao uso de substâncias alucinógenas (PESSIS, 1992; MARTIN, 1999).

Como se pode observar, esse sítio possui características que possibilitaram o abrigo de tribos indígenas pré-históricas, como as marmitas na Pedra da Macambira que acumulavam água na épo-ca chuvosa que permanecia armazenada durante a estação seca, e as grutas dos Fundões, que serviam de abrigo e proteção àquelas tribos. Vale ressaltar que esse abrigo deveria ser mais profundo na época de ocupação desse povo, há cerca de 2.500 anos, haja vista que a quantidade de sedimentos inconsolidados presentes na área indica que houve um processo de assoreamento, diminuindo, por-tanto, a profundidade da referida gruta. Tal fato possibilita o de-senvolvimento de estudos arqueológicos mais aprofundados nessa área, uma vez que é possível a realização de escavações com o in-tuito de se encontrar elementos materiais que auxiliem no estudo evolutivo dessa tradição.

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Seguindo, ainda, o percurso rumo à nascente desse riacho, observa-se a formação de pequenos canyons como o escavado pela cachoeira do Bojo. Nesse canyon, ainda jovem, é possível identifi car a sinuosidade do rio durante o seu processo erosivo, e nele pode-se observar a existência de água em profundidade mesmo na época de estiagem. Esse local recebe o nome de Cachoeira do Bojo, e devido ao fato de não secar, habitam, no imaginário popular, crendices a respeito de encantos e mitos que vivem em suas águas, conforme afi rmações de antigos moradores daquela região. Embora seja um lugar de difícil acesso, antigamente havia naquelas imediações várias fazendas de gado e suas comunidades usavam o local para prática de lazer, sendo hoje restrita aos aventureiros e caçadores que rondam constantemente a área. Também se percebem registros da passagem humana na antiguidade, como as gravuras da Tradição Itaquatiara.

Continuando a trilha pelo afl uente da margem direita do Ria-cho do Bojo, atravessando obstáculos como canyons e paredões, toma-se o acesso para um dos mais representativos sítios arqueológicos do Nordeste: a Casa Santa (MARTIN, 1999). Trata-se de um abrigo sob a rocha, onde um grande painel encontra-se pintado com registros das tradições Nordeste e Agreste e, em menor número, da Itaquatiara.

Ao longo desse percurso, observam-se formações semelhan-tes, esculpidas em rochas quartzíticas, como o Canyon da Passa-gem, demonstrando claramente o seu controle estrutural pelo seu aspecto retilíneo.

As formas da Casa Santa permitem identifi car a atuação pre-dominante de processos intempéricos provocando a desagregação da rocha, facilitando o seu transporte pelo rio, que se encontra muito próximo de sua nascente.

Os painéis apresentam fi guras de fácil identifi cação, como ce-nas clássicas de caça, dança e luta. Observam-se desenhos de pirogas com remos, indicando a existência de rios caudalosos na época em que essa tribo ocupou a região. Essas, no entanto, têm gerado hipó-teses diversas, algumas consideradas até fantasiosas. Entre elas, está

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a que defende uma possível relação com os povos fenícios, os quais poderiam ter chegado à região através desse meio de transporte.

Estudado desde a década de 80, esse abrigo não possui con-dições que permitam o habitat das tribos, tendo sido usado apenas para abrigos temporários, para rituais ou como ponto de observa-ção, devido à sua situação em pontos elevados (MARTIN, 1999).

Além desses sítios, ao longo do Riacho do Bojo, têm-se ou-tros sítios de mesma importância que são encontrados na Serra do Xique-Xique e às margens do Riacho do Ermo, também afl uente do Rio Carnaúba, que são, respectivamente, os sítios arqueológicos Xique-Xique I e Pedra do Alexandre.

No caso do Sítio Arqueológico Xique-Xique I, pode-se verifi car registros rupestres dotados de cenas clássicas, como dança ao redor de uma espécie de fi tomorfa; representação de zoomorfos, como uma ema deitada no ninho com ovos, ameaçada por um caçador; cenas de sexo e de estupro (Figura 2) (PESSIS, 1992; VIDAL, 1996; MACE-DO, 2001a), que se encontram apagadas em função da deterioração natural, derivado dos processos intempéricos e da atuação antrópica no sítio, que é bastante visitado, dado às facilidades de acesso.

Figura 2 – Cenas de sexo e estupro copiadas do Sítio Xique-Xique. (Fonte: Vidal, 1996)

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Já o Sítio Pedra do Alexandre, caracterizado pela atuação de processos erosivos diferenciais, consiste de um micaxisto da For-mação Seridó que sofreu profundas alterações decorrentes da in-trusão do Maciço Acari, há aproximadamente 600 Ma. Ele possui uma particularidade em especial: o caso de ter sido utilizado como cemitério indígena e como lugar para prática de rituais funerários. Escavações realizadas nesse local permitiram a identifi cação de 28 esqueletos humanos, os quais haviam sido enterrados junto com adornos como colares e apitos. Nesses corpos, foram encontrados restos de carvão que poderiam ter sido utilizados em fogueiras re-alizadas nos rituais para enterramentos secundários. As datações realizadas nesse carvão revelaram idades de 9.400 anos AP (MAR-TIN, 1999; MACEDO, 2001b).

Todo esse complexo se vê constantemente ameaçado em detrimento da prática de garimpagem de minerais como tantalita e columbita, abundantes nessa área, que ocorre sem nenhum tipo de controle, de forma rudimentar, provocando sérios impactos ambientais e desrespeitando os patrimônios naturais e culturais aí identifi cados.

Complexo geomorfológico-arqueológico-paleontológico do Totoró

A Região do Totoró está localizada no município de Currais Novos, a cerca de 12 km da sede municipal, em sua porção norte, sendo reconhecida, historicamente, como a base do início do pro-cesso de colonização da cidade. Foi nela onde se estabeleceram os primeiros currais para a criação de gado, atividade fundamental para a ocupação do território e fundação do município.

O Complexo Totoró encontra-se assentado sobre um emba-samento cristalino gnáissico-migmatítico que não chega a afl orar na área, tendo como sequência supracrustal, rochas granitóides de ida-de brasiliana, correlacionadas ao Maciço Acari-Totoró.

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Também sobrepostas ao embasamento, ocorrem sequências metassedimentares vulcânicas e formações sedimentares recentes, do Quaternário, como os sedimentos da Formação Tanques ou Cacim-bas, onde se encontram vestígios de uma megafauna pretérita.

Essa constituição litológica proporciona a esculturação de formas típicas no modelado da área, muitas vezes assemelhando-se a materiais e objetos presentes no cotidiano da região. Tais feições decorrem de processos erosivos e intempéricos que atuam na região há milhares de anos, e esses produziram um modelado marcado por serras elevadas e íngremes, geralmente de composição granítica.

No processo de morfogênese da área, a rede de drenagem con-trolada por falhamentos nas estruturas geológicas propiciou um ar-rasamento do relevo, reduzindo-o a altitudes modestas, em torno de 600 metros. A principal alimentação dessa rede deriva das vertentes da Serra de Santana, que fi ca a norte da área do Totoró.

Em função desses processos, a região abriga feições típicas, de aspectos curiosos e que cultivam o imaginário popular, podendo ser identifi cados como sítios geomorfológicos, tanto por apresentar certa beleza cênica, como por permitir um estudo sobre o seu pro-cesso evolutivo ao longo de milhares de anos. Nesse caso, possui um importante potencial didático-científi co e ecogeoturístico, necessi-tando, portanto, de proteção legal com vistas à sua preservação para as futuras gerações.

Um dos casos que vem caracterizar o sítio geomorfológico é o da Pedra do Caju (Figura 3). Essa feição, típica de regiões graníti-cas, tem seu processo de origem ligado à atuação de agentes intem-péricos e da erosão diferencial. Isto é, a ação desses processos, de forma conjunta e simultânea, propiciou a fragmentação da rocha, obedecendo aos seus planos de fratura, e foi desgastando as partes mais frágeis, que foram carreadas pela ação dos ventos e das águas, propiciando a formação atual.

O que se observa é uma cena natural de equilíbrio, em que uma rocha, aparentemente solta, se equilibra de forma muito es-

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tável. Tal situação infl uencia o imaginário popular, que não raro, atribui à formação uma origem divina ou até mesmo extraterrena.

Figura 3 – Pedra do Caju. (Fonte: acervo do autor)

Ainda em relação ao patrimônio geomorfológico, pode-se ci-tar outro exemplo semelhante: a Pedra do Letreiro, que possui, tam-bém, relevância histórico-cultural, haja vista a existência de registros rupestres da Tradição Agreste que caracterizam o sítio arqueológi-co que originou o topônimo. Em virtude disso, faz-se necessário a adoção de medidas urgentes de proteção a esses sítios, uma vez que o desaparecimento desses registros teria um profundo impacto negativo na busca da evolução histórica e ocupacional do homem pré-histórico naquela região.

Complementando o sítio geomorfológico e arqueológico, pode-se citar o caso da Pedra Furada, que recebeu esse nome em

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função da existência de um orifício quase no centro dela, decorrente da atuação dos processos intempéricos e erosivos.

Desses processos, merecem destaque a atuação do intempe-rismo químico e a erosão diferencial, que propiciaram uma espécie de abrigo, erodindo a rocha internamente. Nesse abrigo, observa-se a existência de registros rupestres da Tradição Agreste, onde se ob-servam, inclusive, antropomorfos. Nesse sítio arqueológico, porém, verifi cou-se a necessidade urgente de adoção de medidas de prote-ção, uma vez que o mesmo encontra-se degradado por pichações realizadas pela ação antrópica.

Complementando o contexto geral da área, a importância his-tórica e geológica é fortalecida pela existência de um sítio paleonto-lógico denominado Lagoa do Santo. Nele, já foram retirados, desde a década de 70, inúmeros registros de fósseis de mamíferos gigantes, como preguiças, mastodontes e outros, registrando a passagem des-ses animais constituintes da megafauna pleistocênica – megatérios – nessa localidade (PORPINO; SANTOS, 1997; SANTOS, 2001).

O Sítio Paleontológico Lagoa do Santo caracteriza-se por se-dimentos constituintes da Formação Tanques ou Cacimbas, de ida-de quaternária que se limita estruturalmente com granitóides pré-cambrianos. Os fósseis retirados encontram-se espalhados por vários lugares como no Museu Câmara Cascudo, em Natal; no Colégio Camilo Toscano e na Associação Amigos do Seridó, em Currais No-vos; e em coleções particulares.

Constitui-se, portanto, de um importante registro da existência de megafauna pretérita, o que permite a realização de estudos cientí-fi cos que podem vir a possibilitar a identifi cação de paleoambientes climáticos, conforme sugere Prado e Alberdini (1999), em seu estudo sobre a importância dos fósseis na Região dos Pampas argentinos, os quais haviam favorecido a existência dessa abundante fauna.

Ainda na área da Lagoa do Santo, cujo topônimo deriva do fato de há cerca de 300 anos ter sido encontrada uma imagem de um santo (São Sebastião) soterrada na lagoa, segundo conta a história

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popular, e que hoje, existe uma particularidade que chama a atenção de todos que visitam a área. Trata-se de uma rocha, de composição granítica, partida ao meio, que emite o som de um sino a partir de qualquer pancada que venha a receber, de um instrumento metálico ou de outra rocha. A essa rocha denominou-se Pedra do Sino.

Problemática ambiental

A problemática ambiental envolvendo estes sítios decorre da degradação paisagística já existente, a qual é mais perceptível no âm-bito da vegetação, em função do desmatamento excessivo ocorrido para suprir a demanda de lenha nas cerâmicas da região.

Somando-se a isso, pode-se citar o desenvolvimento da ativi-dade mineira, principalmente, com a prática de garimpos irregulares visando tanto à extração de minerais e gemas semipreciosas, quanto à extração de rochas ornamentais, nesse caso, tem nos granitos sua prin-cipal matéria-prima. Essa atividade, da forma como vem ocorrendo, sem nenhum controle ou planejamento, coloca em risco a existência do patrimônio geológico e cultural da região. Ela é responsável pela destruição de belos exemplares e afl oramentos geológicos, por altera-ções drásticas no relevo, pelo desaparecimento de sítios arqueológicos, só para citar alguns dos diversos impactos que causam.

Considerações fi nais

Diante da problemática ambiental que envolve os sítios iden-tifi cados, juntamente com sua potencialidade ecogeoturística ainda inexplorada, aliada à ausência de leis que visem proteger esse patri-mônio, propõe-se algumas medidas de proteção, calcadas em pro-jetos de geoconservação e ecogeoturismo, como forma de garantir a preservação do patrimônio natural objeto deste estudo. Destarte, objetivam preservar a história do planeta e da evolução da vida na Terra para as presentes e futuras gerações, uma vez que, quando de-teriorados estes sítios, que possuem idades na escala de bilhões e milhares de anos, jamais podem ser recuperados, desaparecendo por

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completo da face da Terra. Analogamente, seria como se arrancasse uma página do único livro que conta a história evolutiva do nosso planeta, e essa página não pudesse mais ser reescrita.

Dentre essas medidas, a seguir se sugere algumas específi cas que podem ser adotadas à proteção do sítio:

• reconhecer os sítios geológicos, geomorfológicos, mine-ralógicos, arqueológicos e paleontológicos identifi cados como patrimônios naturais, ou culturais, ou ainda, mo-numentos naturais e/ou culturais;

• elaborar leis no âmbito municipal e/ou estadual que ga-rantam a sua proteção;

• criar unidades de conservação, tais como áreas de prote-ção ambiental, parques temáticos e/ou geoparques com o intuito de proteger estes patrimônios;

• elaborar plano de gestão para a implantação do ecogeotu-rismo, envolvendo as comunidades locais num processo participativo;

• disciplinar a visitação e as atividades desenvolvidas nas áreas destas unidades ou dos sítios, a partir da elaboração de planos de manejo destas unidades;

• promover a educação ambiental nas comunidades circun-vizinhas;

• divulgar o potencial histórico-natural dos sítios, promo-vendo campanhas de conscientização e educação ambien-tal para a população.

Referências

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SOBRE OS AUTORES

Christian Dennys Monteiro de OliveiraProfessor adjunto do Departamento de Geografi a da Universidade Federal do Ceará. Coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em Geografi a e pesquisador do Núcleo Multidisciplinar de Avaliação em Políticas Públicas (NUMAPP-UFC), do Centro de Estudos Latino Americano sobre Cultura e Comuni-cação (CELACC-USP) e da Rede “Observatório das Metrópoles”. E-mail: [email protected]

Heidi Gracielle Kanitz Bacharel em Turismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestranda em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]

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Ingrid Carneiro de LimaBacharel em Turismo. Especialista em Políticas Públi-cas de Turismo (CEFET/CE) e Meio Ambiente e Tu-rismo (UECE). Mestre em Geografi a (UFC). Profes-sora do Curso de Turismo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. E-mail: [email protected]

Jean Henrique CostaSociólogo. Bacharel em Turismo. Especialista em Demografi a. Mestre em Geografi a e doutorando em Ciências Sociais (PPGCS/UFRN). Professor do De-partamento de Turismo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. E-mail: [email protected]

Jeff erson Dantas Freire de MoraisBacharel em Turismo pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Bacharel em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mes-trando no Curso de Administração (PPGA/UFRN). E-mail: jeff [email protected]

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José Orlando Costa NunesBacharel em Administração de Empresa pela Universi-dade do Estado do Ceará. Especialista em Administra-ção de Empresas pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Administração (Análise Organizacional) pela Universidade Federal de Pernambuco. Profes-sor assistente do Departamento de Administração da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. E-mail: [email protected]

Karina Messias da SilvaLicenciada em Geografi a pela UFRN. Mestre em Ge-ografi a pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]

Liége Azevedo MartinsBacharel em Turismo pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Planejamento Estratégico em Marketing pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora substituta do Curso de Turismo da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. E-mail: [email protected]

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Maria Aparecida Pontes da FonsecaBacharel em Geografi a pela Universidade Estadual Paulista. Mestre em Geografi a pela Universidade de São Paulo. Doutora em Geografi a pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente desenvolve pós-doutoramento na UFRJ. Professora do Departamento de Geografi a – DGE/UFRN, do Programa de Pós-Graduação em Geografi a – PPGG/UFRN e do Pro-grama de Pós-Graduação em Turismo – PPGTUR/UFRN. E-mail: [email protected]

Maria Arlete Duarte AraújoBacharel em Administração pela Universidade Federal de Sergipe. Mestre em Administração pela Universi-dade Federal da Paraíba. Doutora em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas-SP. Pro-fessora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atua no Programa de Pós-Graduação em Administração. E-mail: [email protected]

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Maria Betânia Ribeiro TorresLicenciada em Ciências Sociais pela Faculdade Fras-sineti do Recife. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Doutoranda em Ciências Sociais pela Uni-versidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora assistente do Departamento de Gestão Ambiental/Fa-culdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]

Michele de SousaBacharel em Turismo pela Universidade de Fortaleza. Especialista em Turismo e Meio Ambiente pela Uni-versidade do Estado do Ceará. Mestre em Desenvolvi-mento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará. Professora assistente da Universidade do Esta-do do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]

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Raimundo Freitas AragãoLicenciado em Filosofi a. Bacharel em Geografi a. Espe-cialista em Educação Ambiental pela Universidade Es-tadual do Ceará. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará. Dou-torando em Geografi a Humana pela Universidade Fe-deral do Ceará. E-mail: [email protected]

Rita de Cássia Ariza da CruzBacharel em Geografi a pela Universidade de São Pau-lo. Mestre em Geografi a (Geografi a Humana) pela Universidade de São Paulo. Doutora em Geografi a (Geografi a Humana) pela Universidade de São Paulo. Professora adjunta da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Rosana MazaroBacharel em Administração. Mestre em Administra-ção pelo PPGA/UFSC. Doutora em Administração/Turismo pela Universidade de Barcelona-DITMUB, Espanha. Coordenadora do Programa de Pós-Gradu-ação em Turismo - PPGTUR/UFRN. Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Turismo e Sociedade – BITS. E-mail: [email protected]

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Th adeu de Sousa BrandãoSociólogo. Mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor de Sociologia do Curso de Direito da Fa-culdade Câmara Cascudo e da FARN. Professor de História do Ensino Médio do Centro de Educação In-tegrada (CEI), Natal/RN. E-mail: [email protected]

Wendson Dantas de Araújo MedeirosBacharel e licenciado em Geografi a pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em Geoci-ências também pela UFRN. Professor assistente do Departamento de Gestão Ambiental da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. E-mail: [email protected]

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