jesus e o jubileu

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  • 8/14/2019 Jesus e o Jubileu

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    JESUS E O GRANDE JUBILEU

    As expectativas do ano jubilar apresentadas em Lv.25 e continuadas em Is.61:1-2, soretomadas por Jesus na apresentao do seu ministrio pblico na sinagoga de Nazar(Lc.4,16-20). Neste Evangelho, a proclamao do Reino de Deus est relacionada com a

    proclamao dum "ano de graa do Senhor" (v. 19). A interveno do profeta, ungido porDeus, que anuncia a libertao aos pobres, aos presos por dvidas, a vista aos cegos e aliberdade a todos os oprimidos, como um ano de jubileu (Lv.25,10). E o ano de

    benevolncia do Senhor, um ano agradvel a Deus porque foi escolhido por Ele. O ano dagraa, como qualquer dia de Yahweh, um acontecimento que traz a justia porque Deus vaidevolver aos homens a dignidade que outros lhe tinham arrebatado. Ano da graa porque umtempo que permanece, no passar, e constituir um tempo definitivo. O tempo do ministriode Jesus vai ser assim um GRANDE JUBILEU.

    Alguns aspectos importantes de Lc.4,16-20

    A evangelizao dos pobres

    Os pobres desempenham de tal modo um papel central no Evangelho de Lucas, que se podedefinir como o Evangelho da pobreza.A primeira bem-aventurana, Felizes de vs, os pobres, porque o Reino de Deus vos

    pertence (Lc.6:20), adverte imediatamente acerca de uma perspectiva espiritual da pobrezamas como em Is 61,1, Lucas tambm considera que os pobres so os anawm que no tm onecessrio para sobreviver porque foram obrigados a vender as suas terras (Lv 25,35).

    Naturalmente, essa condio de dependncia socio-econmica expe os pobres s injustiasdos ricos, tornando-os indefesos perante o seu poder.

    precisamente essa situao de injustia e de opresso que grita ao Senhor que, por sua vez,no pode deixar de assumir a defesa dos pobres. Por causa desta sensibilidade especial pelasconsequncias sociais da pobreza, pobre no tanto quem pouco ou nada tem, mas sobretudo(como para o nosso ambiente cultural) quem no tem meios para se defender dos ricos. Porisso, muitas vezes Lucas escolhe as vivas como exemplo de pobreza: esto em situao defragilidade econmica (Lc 2,37; 4,25-26; 21,1-3), social (Lc 7,11-17; Act 6,1) e jurdica (Lc18,1-7). Nesta perspectiva, o restabelecimento da justia em relao aos pobres concretiza-sena relao dos pobres com o reino dos cus, expressa na primeira bem-aventurana: eles j

    possuem o reino de Deus (cf. Lc 6,20), embora no possuam nenhum patrimnio econmico.

    Tal pobreza negativa porque, de facto, pe os que so obrigados a viv-la em condies deopresso e de injustias permanentes. No entanto, a pobreza torna-se positiva quando, por umlado, leva os pobres a esperar na justia de Deus e, por outro, conduz ao seguimento de Cristo,como demonstram os ditos de Jesus sobre a pobreza, que encontramos, sobretudo, naseco da viagem para Jerusalm. O episdio do homem rico, no disposto a renunciar s suasriquezas para seguir Cristo (Lc. 18,18-23), demonstra a profunda conexo entre a pobreza e oseguimento no Novo Testamento.Portanto, na perspectiva de Lucas, evangelizar os pobres no significa simplesmente falar doEvangelho, mas anunciar e realizar uma justia divina que no prometida para um futuroultraterreno e distante, mas sim para o hoje da salvao (Kairos) e que deriva do prprioEvangelho, isto , da relao com Jesus Cristo que realiza as esperanas e as utopias do ano

    jubilar.

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    A libertao dos prisioneiros

    Do texto de Lucas poderia parecer que os prisioneiros se distinguem dos pobres e quequalquer prisioneiro seria destinatrio da libertao, independentemente do crime cometido.

    Na realidade os prisioneiros so tambm os prprios pobres obrigados a viver em condies

    de escravido ou de priso, dada a sua impossibilidade de saldar as dividas. A importncia dalibertao, no cumprimento das expectativas profticas, confirmada pelo quarto grupo depessoas a quem Cristo enviado: ... para libertar os oprimidos. Trata-se, uma vez mais,daqueles que, enquanto pobres e prisioneiros, no podem resgatar-se a si mesmos e esperamdo Senhor a libertao definitiva anunciada para o ano jubilar(Goel). E dado que em Israelno havia distino entre a sociedade religiosa e civil muita dessa gente era considerada

    pecadora pblica. Jesus promete-lhes assim o perdo que produz libertao.

    A importncia do perdo dos pecados realada, especialmente, pelo pedido do Pai-Nosso:Perdoa-nos os nossos pecados, pois tambm ns perdoamos a todos aqueles que nosofendem (Lc 11,4). H uma relao profunda entre o perdo que recebemos de Deus e o que

    somos convidados a conceder a quem nos ofende. Infelizmente, muitas vezes, entendemos oPai-Nosso numa perspectiva errada porque pensamos que Deus s nos perdoar, depois de terverificado que j perdomos aos nossos irmos, e deixamo-nos cair no desnimo porque, defacto, no sabemos onde encontrar as razes e o motivo para perdoar a quem nos fez mal.Mas, se mudarmos a perspectiva da invocao do pedido, tornar-se- possvel perdoar aooutro: s podemos encontrar a razo e a fora de perdoar aos outros, no amor e perdo deDeus para connosco. Por isso, o itinerrio evanglico no comea em ns a caminho de Deus,mas parte de Deus e chega at ns. Para se perceber com maior clareza em Lucas esta

    perspectiva do perdo poderemos ler a narrao do encontro de Jesus com a adltera, descritaem Lc. 7,36-50: ... os muitos pecados que ela cometeu esto perdoados, porquedemonstrou muito amor (vers. 47).

    Portanto, no s o perdo econmico e social, mas tambm o dos pecados ou das culpas quecomea a fazer parte das instncias do ano jubilar segundo a nova compreenso de Lucas, a

    partir da aco e da salvao realizada por Cristo.Nesta relao entre o perdo de Deus e o perdo dos homens, uns aos outros, existe o mesmopercurso identificado pela santidade de Deus em Lv. 25: a santidade de Deus torna-se a doseu povo quando a pessoa, a famlia e a terra so respeitadas na sua dignidade; assim, o

    perdo de Deus atinge o homem e torna-o capaz de perdoar todas as dvidas ao seuirmo.Nesta nova compreenso do perdo pode notar-se uma passagem do perdo dasdvidas materiais para o da ofensas ou das culpas espirituais, para indicar que a

    remisso visa a pessoa humana na sua integridade e no apenas uma rea da suaexistncia, quer econmica quer social.

    A vista aos cegos

    No sumrio narrativo de Lc.7,21, o evangelista observa que Jesus fez com que muitos cegosrecuperassem a vista; por isso, a constatao da cura dos cegos representa a primeiraresposta de Jesus aos discpulos de Joo Baptista, para confirmar que o orculo de Is 61,1-2 secumpriu inteiramente.

    A cura do cego de Jeric, que estava sentado beira do caminho, a pedir esmola

    (Lc.18,35), mostra que a cegueira representa uma das formas mais visveis da pobreza: oscegos no s so excludos da sociedade e, portanto, sujeitos a injustias socio-econmicas,

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    mas tambm do prprio sector religioso e cultural do templo e dos sacrifcios. Por isso, Jesusno s exorta aqueles que organizam banquetes a convidar pobres, aleijados, coxos e cegos(Lc.14,13), mas tambm declara que estes faro parte do banquete final do Reino ( Lc.14,21).

    Contudo, Lucas nunca se fecha a uma cegueira fsica, como condio concreta de pobreza;

    mas pe, ao lado desta, a cegueira espiritual e interior. A sobrevivncia destes dois nveis decegueira exemplificada, sobretudo, nos Actos dos Apstolos, pela trplice narrao davocao de Paulo (Act 9,8; 9,18; 26,17-18), nesta ltima bem clara a cegueira espiritual.

    Portanto, tambm os cegos, como destinatrios da misso de Jesus, so objecto de umprocesso anlogo ao dos pobres: so realmente cegos que esperam que o Senhor os curefisicamente, pois j perderam as esperanas; contudo tambm se trata, e talvez sobretudo, decegos de esprito, chamados, a reconhecerem, no partir do po e no entendimento daEscritura, o Senhor na pessoa de Jesus.

    A libertao dos oprimidos

    A citao de Is 58,6 permite-nos acrescentar novos destinatrios misso proftica e real deJesus: os oprimidos. Este grupo est intimamente ligado ao dos presos por causa do termo-chave, aphesis (= remisso, perdo) e que tanto os oprimidos, como os presos, so, antes demais, aqueles que no podem libertar-se das cargas socioeconmicas, esperando, por isso, queo Senhor lhes conceda a libertao definitiva, no ano de graa.

    O verbo thrauein (= oprimir) s aparece aqui, no Novo Testamento e, no Evangelho deLucas, nunca mais se fala de oprimidos. Todavia, so muitas as situaes de opresso de queJesus liberta os homens, realadas, principalmente, pelos relatos evanglicos dos milagres. Aopresso fundamental, de que Jesus liberta os homens, a de satans, sublinhada pelas curasdos endemoninhados, como demonstra o primeiro milagre contado por Lucas no seuEvangelho: o do endemoninhado na sinagoga de Nazar (Lc.4,31-37).

    A par destas libertaes de satans, que significam libertaes do mal, devem-se colocar aslibertaes da doena (Lc.5,1 7-26), a morte (Lc.7,11-l7) e do pecado (Lc.7,36-50).Consequentemente, com a promulgao do ano de graa, Jesus anuncia ao homem a sualibertao do pecado, da doena, da morte e de satans; e, desse modo, a libertaoeconmico-social torna-se tambm fsica e moral para todos aqueles que estosobrecarregados com qualquer forma de escravido.

    A pregao do ano de graaJesus no s anuncia o ano de graa que, em suma, pode ser realizado por Ele ou por qualqueroutro, mas tambm o realiza, enquanto o anuncia. Por isso, embora Is 61,1-2 seja lido nasinagoga de Nazar, quando Jesus ainda nem sequer tinha evangelizado nenhum pobre nemrealizado nenhum milagre, considerado cumprido pela sua presena: Hoje cumpriu-seesta passagem da Escritura que acabais de ouvir. A expresso ano de graa, refere-se aum ano que anuncia a salvao em relao aos homens. Jesus no s realiza um ano agradvelao Senhor, mas tambm e sobretudo um ano definitivo em que a salvao do Senhor atingetodos os homens.

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    Concluso

    As expectativas e as instncias sociais do ano jubilar, legisladas em Lv 25,8-55 epersonalizadas por Is 61,1-3a, consideram-se definitivamente realizadas por Jesus em Lc4,16-30. Por isso, os pobres, os cegos, os presos e os oprimidos, a quem Jesus foi enviado,

    no so pessoas que vivam em condies espirituais, mas sim destinatrios concretos,apanhados numa situao de indigncia: precisamente a eles que, antes de mais, anunciadoo ano de graa do Senhor.

    No entanto, primeira vista, parece que entre o ano jubilar e o de graa, anunciado por Jesus,existe a diferena fundamental representada pelo ritmo cclico do primeiro e pelo acaso dosegundo.

    Na realidade, esta diferena superada pela identidade escatolgica ou definitiva do ano degraa; para Lucas nunca mais haver um ano jubilar, porque todos os anos, e at todos os diasem que se encontra Jesus de Nazar, representam o ano da libertao.Por conseguinte, no o ano jubilar que determina o envio do Filho de Deus, mas o Filho de

    Deus que torna possvel cada ano jubilar.Estas celebraes jubilares ao longo da histriaconstituem somente a representao do nico evento da morte e ressurreio de Jesus,realizado no hoje da salvao.