jÉssica vasconcelos dorta - repositorio.unicamp.br · data de defesa: 11-08-2017 programa ... —...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM
JÉSSICA VASCONCELOS DORTA
PALAVREANDO:
uma proposta de aplicativo educacional para a aprendizagem de
português escrito pelos surdos
CAMPINAS
2017
JÉSSICA VASCONCELOS DORTA
PALAVREANDO:
uma proposta de aplicativo educacional para a aprendizagem de
português escrito pelos surdos
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas para
a obtenção do título de Mestra em
Linguística Aplicada, na área de
Linguagem e Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Claudia Hilsdorf Rocha
Co-orientadora: Profa. Dra. Ivani Rodrigues Silva
Este exemplar corresponde à versão final
da Dissertação defendida pela aluna
Jéssica Vasconcelos Dorta e orientada pela
Profa. Dra. Claudia Hilsdorf Rocha.
CAMPINAS 2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 133495/2015-9
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624
Dorta, Jéssica Vasconcelos, 1991-
D739p DorPalavreando : uma proposta de aplicativo educacional para a aprendizagem de português escrito pelos surdos / Jéssica Vasconcelos Dorta. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.
DorOrientador: Claudia Hilsdorf Rocha.
DorCoorientador: Ivani Rodrigues Silva.
DorDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.
Dor1. Surdos - Educação. 2. Estudantes surdos. 3. Língua portuguesa - Ensino auxiliado por computador. 4. Língua portuguesa - Português escrito. 5. Educação bilíngüe. 6. Aplicativos móveis. 7. Tecnologia educacional. I. Rocha, Claudia Hilsdorf,1965-. II. Silva, Ivani Rodrigues,1955-. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. IV. Título.
Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Palavreando : a proposal of educational app for written Portuguese learning by deaf people Palavras-chave em inglês: Deaf - Education Deaf students Portuguese language - Computer-assisted instruction Portuguese language - Written portuguese Bilingual education Mobile apps Educational technology Área de concentração: Linguagem e Educação Titulação: Mestra em Linguística Aplicada Banca examinadora: Claudia Hilsdorf Rocha [Orientador] Carmen Zink Bolognini Ruberval Franco Maciel Data de defesa: 11-08-2017 Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada
BANCA EXAMINADORA: Claudia Hilsdorf Rocha Carmen Zink Bolognini Ruberval Franco Maciel
IEL/ UNICAMP 2017
Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA – Sistema de Gestão Acadêmica.
DEDICATÓRIA
Ao meu sobrinho Guilherme, quem me
inspira a estar no mundo com amor e por
amor.
AGRADECIMENTOS
O arrojo do rio, e só aquele estrape, e o risco extenso d’água, de
parte a parte. Alto rio, fechei os olhos. Mas eu tinha até ali agarrado
uma esperança. Tinha ouvido dizer que, quando canoa vira, fica
boiando, e é bastante a gente se apoiar nela, encostar um dedo que
seja, para se ter tenência, a constância de não afundar, e aí ir
seguindo, até sobre se sair no seco. Eu disse isso. E o canoeiro me
contradisse: — “Esta é das que afundam inteiras. É canoa de peroba.
Canoa de peroba e de pau-d’óleo não sobrenadam…” Me deu uma
tontura. O ódio que eu quis: ah, tantas canoas no porto, boas canoas
boiantes, de faveira ou tamboril, de imburana, vinhático ou cedro, e a
gente tinha escolhido aquela. Até fosse crime, fabricar dessas, de
madeira burra! A mentira fosse — mas eu devo de ter arregalado
dôidos olhos. Quieto, composto, confronte, o menino me via. —
“Carece de ter coragem…” — ele me disse.
(ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Nova Aguilar, 1994, pp. 144 - 45.)
“Carece de ter coragem” é o que diz o menino Diadorim em meio à travessia
do Rio São Francisco ao pequeno e medroso Riobaldo. Na vida, fazemos inúmeras
travessias e ao longo delas há sempre aqueles que, longe ou perto, nos são canoas,
dessas que podemos nos apoiar para não afundar. As próximas páginas materializam
uma longa travessia, na qual muitas pessoas, cada uma a sua maneira, me ajudaram
a “sobre se sair no seco”.
Agradeço, dessa forma, minha orientadora, Profa. Dra. Claudia Hilsdorf
Rocha, por acreditar neste trabalho tanto quanto eu, por iluminar os meus estudos e
a minha visão de mundo com sua sensibilidade, sua determinação e sua presença
constante.
Agradeço à minha coorientadora neste trabalho, Profa. Dra. Ivani
Rodrigues Silva, pela parceria em muitos projetos e por ter me aberto muitas portas
no universo da comunidade surda.
Agradeço à Profa. Dra. Carmen Zink Bolognini, uma das minhas pessoas
preferidas no mundo, por me ensinar sobre amor, respeito e ética, por me incentivar
a seguir os meus estudos na área da educação de surdos, por ser inspiração, em
todos os sentidos, e por estar presente em mais uma etapa de minha formação
acadêmica.
Ao Prof. Dr. Ruberval Maciel pela leitura atenta do texto de qualificação e
por suas contribuições inestimáveis para o aprimoramento deste trabalho. Também
por aceitar integrar a Banca Examinadora para a defesa de minha Dissertação.
Agradeço à Profa. Dra. Cátia Pitombeira e ao Prof. Dr. Esteves de Lima
Lopes pelo aceite da Suplência e pelo apoio, assim, demonstrado.
Aos meus colegas do Grupo de Pesquisa, agradeço, em especial, Tiago
Pellim, Stênio Carvalho, Daniel dos Santos e Airton Pretini, pelas contribuições dadas
ao meu trabalho e pelas trocas constantes.
Agradeço aos funcionários do IEL, em especial aos da Secretaria de Pós-
Graduação do DLA e do CEDAE, pelo apoio e colaboração.
Agradeço às professoras e amigas Rosemeire Desidério e Luciana Rosa
pelo companheirismo durante o período em que realizei minha especialização no
CEPRE e por me mostrarem, com paciência, quão rica é a Língua de Sinais e quão
maravilhoso é o universo da comunidade surda.
Ao Tales Bicudo e ao Fagner Silva pelas contribuições preciosas para o
delineamento do protótipo proposto nesta Dissertação.
Agradeço a todos os surdos que cruzaram meu caminho ao longo dessa
trajetória, especialmente os alunos surdos participantes desta pesquisa, por me
mostraram uma perspectiva completamente diferente sobre o que é língua e
linguagem e, consequentemente, sobre o mundo.
Ao André, Denis, Naiara, aos moradores da República Pqp e República
Hellmanns, agradeço o companheirismo e a amizade.
Aos meus amigos que, diariamente, me incentivam e vivem comigo os
momentos de “crise”: Amanda e Rodrigo.
Às minhas amigas, irmãs de alma, Luciana e Ricelli, por estarem sempre
presentes, me incentivando e me apoiando incondicionalmente.
Ao Alex, o primeiro leitor deste trabalho, quem acreditou em mim e me fez
acreditar também. Obrigada por me ajudar a me organizar, pelas palavras de incentivo
e por olhar para mim.
Ao Bruno por ser amigo, irmão e professor. Obrigada pelo apoio
incondicional, pela dedicação, pelas doses de amor e amizade diárias, sem você teria
sido muito mais difícil.
Ao Cauê por trazer, com seu olhar doce e compreensivo, mesmo em um
momento delicado, amor, leveza e paz à minha vida.
À minha família, Rovilson, Cecília, Kelly, Júlio e Guilherme, razão de tudo.
Chega mais perto e contempla as
palavras. Cada uma tem mil faces secretas
sob a face neutra e te pergunta, sem
interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Procura da Poesia, Carlos Drummond de
Andrade
RESUMO
Esta pesquisa propositiva, de natureza qualitativa e base etnográfica (ANDRE, 2003),
tem como objetivo central delinear e analisar as principais características de uma
proposta de aplicativo educacional móvel voltado à comunidade surda, Palavreando,
cuja finalidade é a aprendizagem de palavras, vista como um processo
multimodalizado e discursivo de construção de sentidos em Português. Para isso,
investigamos o perfil e as percepções de um grupo de aluno surdos, inseridos em um
programa bilíngue de apoio escolar a crianças e jovens surdos, situado em uma
universidade pública do interior paulista, em relação à aprendizagem de português
escrito, mediada pelas tecnologias digitais móveis. O referencial teórico que norteou
o nosso trabalho constitui-se pelos estudos voltados ao (i) campo da Aprendizagem
Móvel (McQUIGGAN et al, 2015; SHARPLES, M., 2005); (ii) ao conceito de novos
letramentos, tal como definidos, principalmente, por Lankshear e Knobel (2007, 2011);
(iii) e à visão sócio-histórica e dialógica da linguagem (BAKHTIN/VOLÓCHINOV,
2011, 2015, 2017). Para cumprir os objetivos traçados para esse estudo, foram
adotados como instrumento de produção de dados um questionário online, registros
da observação das aulas do programa bilíngue em diário de campo e dois grupos
focais. O cruzamento dos dados produzidos a partir desses instrumentos
evidenciaram algumas categorias teórico analíticas relevantes para orientar a
condução da análise e, portanto, a composição da proposta do app. As noções de
multimodalidade, palavra/enunciado, contexto, colaboração e interação entre os
usuários foram os conceitos mais significativos. Considerando o contexto
sociolinguisticamente complexo dos surdos, Palavreando foi pensado em conjunto
com os alunos participantes da pesquisa. Além disso, deve ser compreendido como
um objeto aberto e inacabado que ganha vida apenas no uso pela comunidade, ou
seja, ele se caracteriza como um recurso que deve estar em constante (re)construção.
Palavras-chave: educação de surdos; aprendizagem móvel; aprendizagem de
Português; aplicativos educacionais móveis.
ABSTRACT
This qualitative and ethnographic research proposal (ANDRE, 2003) aims to delineate
and analyze the main characteristics of a proposed mobile educational app destined
to the deaf community, Palavreando, whose purpose is word learning, seen as a
multimodal and discursive process of meaning making in Portuguese. For this, we
investigated the profile and perceptions of a deaf student group, inserted in a bilingual
program of school support to deaf children and youth, located in a public university in
a small city in the countryside of São Paulo State, in relation to learning written
Portuguese, mediated by mobile digital technologies. The theoretical framework that
guided our work is constituted by the studies focused on (i) the field of Mobile Learning
(McQUIGGAN et al, 2015; SHARPLES, M., 2005); (Ii) the concept of new literacies, as
defined mainly by Lankshear and Knobel (2007, 2011); (Iii) and to the socio-historical
and dialogical view of language (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2011, 2015, 2017). In order
to fulfill the objectives outlined for this study, an online questionnaire, records of the
observation of bilingual program classes in research diary and two focus groups were
adopted as an instrument of data production. The crossing of the data produced from
these instruments showed some analytical theoretical categories relevant to guide the
conduct of the analysis and, therefore, the composition of the proposal of app. The
notions of multimodality, word/enunciated, context, collaboration and interaction
among users were the most significant concepts. Considering the sociolinguistically
complex context of deaf people, Palavreando was constructed together with the
students participating in the research. In addition, it must be understood as an open
and unfinished object that comes to life only in the use by the community, that is, it is
characterized as a resource that must be in constant (re)construction.
Key words: deaf people education; mobile learning; written Portuguese learning; mobile
educational applications.
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
APP: Aplicativo móvel
AM: Aprendizagem móvel
CAF: Ciência e Arte nas Férias
GF: Grupo focal
LIBRAS: Língua Brasileira de Sinais
LA: Linguística Aplicada
PL2: Português como segunda língua
TDIC: Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
TIC: Tecnologias de Informação e Comunicação
Q1: Questionário de perfis e necessidades
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Benefícios da Aprendizagem Móvel. (McQUIGGAN et al., 2015, p. 10, tradução nossa) ... 20
Figura 2 - Desafios da Aprendizagem Móvel. (McQUIGGAN et al., 2015, p. 13, tradução nossa) ...... 21
Figura 3 - Algumas dimensões entre diferentes mentalidades. (LANKSHEAR E KNOBEL, 2007, p. 11,
tradução nossa) ..................................................................................................................................... 29
Figura 4 - Classificação da pesquisa. Adaptado de Gonsalves (2003, p. 64) ...................................... 46
Figura 5 - Perfil dos alunos participantes da pesquisa. ......................................................................... 49
Figura 6 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 15 do Q1. ................................................ 50
Figura 7 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 17 do Q1. ................................................. 50
Figura 8 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 18 do Q1. ................................................. 51
Figura 9 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 21 do Q1. ................................................. 52
Figura 10 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 24 do Q1. ............................................... 52
Figura 11 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 30 do Q1. ............................................... 53
Figura 12 - Resumo das aulas selecionadas para análise. (Adaptado de SÃOPEDRO, J. 2016) ....... 57
Figura 13 - Instrumentos de produção de dados e objetivos alcançados ............................................. 59
Figura 14 Logo do app Palavreando desenvolvido por Diogo Melani ................................................... 63
Figura 15 - Tipos de aplicativos educacionais. (McQUIGGAN et al., 2015, p.60, tradução nossa)...... 64
Figura 16 - Prototipagem das telas de cadastro e login ........................................................................ 66
Figura 17 - Prototipagem da tela de preenchimento do perfil do usuário ............................................. 67
Figura 18 - Prototipagem da tela de resultados da busca da palavra “político”. ................................... 68
Figura 19 - Prototipagem das telas de inserção de sinal e imagem, respectivamente. ........................ 69
Figura 20 - Prototipagem das telas de inserção de vídeo e definição escrita, respectivamente .......... 69
Figura 21 - Prototipagem da tela que contém uma possibilidade de definição para a palavra “político”.
............................................................................................................................................................... 70
Figura 22 - Prototipagem da tela de perfil do usuário. ......................................................................... 71
Figura 23 - Prototipagem da tela de perfil de outro usuário .................................................................. 72
Figura 24 - Prototipagem da tela do feed de conteúdos ....................................................................... 73
Figura 25 - Prototipagem da tela de atividades recentes dos usuários ................................................ 74
Figura 26 - Prototipagem da tela dos resultados da busca da palavra “político”. ................................. 75
Figura 27 - Prototipagem da tela de cadastramento de novas palavras ............................................... 76
Figura 28 - Prototipagem das telas de palavras cadastradas e lista de palavras ................................. 77
Figura 29 - Prototipagem das telas Dicionário e palavras com a letra “A” ............................................ 77
Figura 30 - Prototipagem da tela com informações sobre o app. ......................................................... 78
Figura 31 - Gráfico gerado a partir das respostas dadas à questão 26 do Q1. .................................... 80
Figura 32 - Quadro gerado a partir das respostas dadas à questão 27 do Q1. .................................... 80
Figura 33 - Meme Chapolin. Fonte: http://geradormemes.com/media/created/jqw4g5.jpg .................. 83
Figura 34 - Prototipagem das telas com os vídeos dos sinais em Libras da palavra “político”. ............ 88
Figura 35 - Resultado da busca pela palavra “Fanfic” no Google Imagens .......................................... 90
Figura 36 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político” através de imagem ...................... 91
Figura 37 - Tabela com as definições escritas produzidas pelos alunos para a palavra “político”. ...... 94
Figura 38 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político”, através de vídeo do aluno J ....... 98
Figura 39 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político”, através de vídeo da aluna L ....... 99
Figura 40 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político”, através de vídeo da aluna I ........ 99
Figura 41 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político”, através de vídeo do aluno L ..... 100
Figura 42 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político” através de imagem .................... 102
SUMÁRIO
QUANDO OS OLHOS OUVEM ........................................................................................... 17
CAPÍTULO 1 – ABRINDO OS OLHOS ............................................................................... 20
1.1 Breve contextualização da educação de surdos ............................................................ 21
1.2 Tecnologias digitais móveis e os aplicativos educacionais ............................................. 25
1.3 Os contornos da investigação ........................................................................................ 27
1.3.1 O problema de pesquisa ............................................................................................................................. 27
1.3.2 Objetivo do estudo ........................................................................................................................................ 29
1.3.3 Justificativa do estudo ................................................................................................................................... 30
1.4 Organização da dissertação .......................................................................................... 31
CAPÍTULO 2 – DIREÇÕES A SE OLHAR .......................................................................... 33
2.1 Aprendizagem móvel: espaço conceitual ....................................................................... 34
2.1.1 Compreendendo a Aprendizagem Móvel ...................................................................................................... 35
2.1.2 Implicações da Aprendizagem Móvel ........................................................................................................... 36
2.1.3 Desafios da Aprendizagem Móvel ............................................................................... 37
2.2 A Pedagogia dos Multiletramentos e os Paradigmas da aprendizagem ......................... 39
2.3 Novos Letramentos ........................................................................................................ 43
2.4 A lingua(gem) em Bakhtin e seu círculo ......................................................................... 46
2.5 Avaliando aplicativos móveis ......................................................................................... 50
2.5.1 Personalização ............................................................................................................................................. 52
2.5.2 Compartilhamento e acesso ......................................................................................................................... 53
2.5.3 Pluralidade de língua, linguagens, cultura .................................................................................................... 54
2.5.4 Âmbito pedagógico ....................................................................................................................................... 54
2.5.5 Modos de aprendizagem............................................................................................................................... 55
CAPÍTULO 3 – UMA MANEIRA DE OLHAR ...................................................................... 57
3.1 Observando a partir da Linguística Aplicada .................................................................. 57
3.2 Natureza e caráter do estudo ......................................................................................... 59
3.3 O contexto e os participantes da pesquisa ..................................................................... 63
3.4 Procedimentos e instrumentos para produção de dados ................................................ 70
3.4.1 Questionário .................................................................................................................................................. 70
3.4.2 Diário de Campo ........................................................................................................................................... 71
3.4.3 Grupo focal ................................................................................................................................................... 73
3.4.4 Procedimentos para análise dos dados produzidos ...................................................................................... 76
CAPÍTULO 4 – DELINEANDO O APLICATIVO E SEUS PRINCÍPIOS ............................... 78
4.1 Palavreando: apresentação do protótipo ........................................................................ 79
4.1.1 Acesso ao aplicativo ..................................................................................................................................... 82
4.1.2 Funções de uso geral do aplicativo ............................................................................................................... 83
4.1.3 Menu do aplicativo ........................................................................................................................................ 70
4.1.4 Perfil dos usuários ........................................................................................................................................ 71
4.1.5 Feed de conteúdos ....................................................................................................................................... 72
4.1.6 Atividades recentes dos usuários ................................................................................................................. 89
4.1.7 Buscador de palavras ................................................................................................................................... 90
4.1.8 Acesso às palavras cadastradas .................................................................................................................. 92
4.2 Palavreando: processo de concepção e análise das características constitutivas do protótipo............................................................................................................................... 94
4.2.1 Concepção do protótipo ................................................................................................................................ 95
4.2.2 Aprendizagem é visual ................................................................................................................................ 101
4.2.3 Aprendizagem é social ................................................................................................................................ 110
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A TRAVESSIA ........................................................ 120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 126
ANEXOS ........................................................................................................................... 131
17
QUANDO OS OLHOS OUVEM
Há cinco anos, eu me preparava para entrar pela primeira vez em uma sala
de aula com alunos surdos em um projeto de leitura e escrita de Português como
segunda língua1. Antes disso, eu pouco sabia sobre a situação dessa comunidade e
menos ainda sobre as riquíssimas e complexas questões de lingua(gem) que
subjazem as relações estabelecidas entre eles e o mundo.
Na época, eu dava aulas de Português como segunda língua para
estrangeiros e me sentia constantemente desafiada pelas perguntas, a princípio
óbvias, feitas pelos alunos, mas que eu, com a distração de uma falante nativa, não
sabia responder prontamente. Cada aula era uma oportunidade de desconstruir
conceitos já naturalizados e de refletir sobre as questões sociais, políticas e culturais
que a língua faz emergir. Por isso, até aquele momento, esse certamente era o tema
que eu escolheria para pesquisar. Não esperava que, ao fim da minha primeira
semana de aula para surdos, eu é que seria escolhida.
O desafio começou quando tive que planejar as primeiras aulas. O que eu
sabia era que o “surdo é visual” e que, portanto, eu deveria usar muitas imagens. Já
havia feito um workshop de Língua Brasileira de Sinais (Libras), mas nem imaginava
quão rica era essa língua e o quanto sua estrutura poderia me ensinar sobre novas
formas de se construir sentidos. Tinha experiência com aulas de Português para
estrangeiros, mas era notavelmente ignorante a respeito do contexto educacional dos
surdos. Bastou a primeira manhã de aula para perceber que eu estava diante de um
dos maiores desafios da minha formação como professora e, principalmente, como
ser humano.
Nos cinco anos em que atuei no projeto, o curso foi planejado de modo que
o Português escrito fosse explorado a partir do trabalho com textos que fornecessem
noções básicas de disciplinas do ensino médio: história, geografia física e política,
biologia e temas da atualidade. Para além do trabalho com aspectos gramaticais da
língua portuguesa, o objetivo central do projeto sempre foi a busca constante por
1 O curso “Leitura e escrita em português para surdos”, coordenado pelas Profas. Dras. Carmen Zink Bolognini e
Ivani Rodrigues Silva, está inserido no programa Ciência & Arte nas Férias, da Pró-Reitoria de Pesquisa da Unicamp, e é direcionado a adolescentes surdos do ensino médio das escolas públicas regulares de Campinas e região. O curso acontece anualmente durante o mês de janeiro e conta com a colaboração e orientação de docentes, pedagogos, intérpretes educacionais e monitores/professores dos cursos de Letras e Fonoaudiologia da Unicamp.
18
estratégias de ensino que se mostrassem mais sensíveis ao contexto translíngue em
que se encontram os surdos e que privilegiassem a formação cidadã e crítica desses
alunos.
O contato com a comunidade surda me fez perceber o quanto ainda somos
ignorantes em relação às especificidades educacionais que a envolvem e, mais que
isso, o quanto somos indiferentes. Anualmente, recebemos alunos cujas dificuldades
são, principalmente, reflexos de uma educação e uma sociedade que não os enxerga.
Dessa forma, é importante que a agenda das pesquisas em Linguística Aplicada (LA)
continue se debruçando sobre o complexo contexto translíngue dos surdos, em
especial a importância da aprendizagem de Português escrito por essa comunidade,
não apenas em relação ao seu caráter instrumental, mas para que o surdo ao engajar-
se nesse processo, também esteja apto a participar ativamente das práticas sociais,
construindo sentidos e se constituindo como cidadãos.
O desejo de pensar essas questões como com mais profundidade, me
incentivou a realizar, em 2015, juntamente com o mestrado, um curso de
aprimoramento profissional e especialização na área de surdez oferecido em um
centro de estudos ligado a uma universidade pública do interior do Estado de São
Paulo. Neste curso, atuei como professora de Português escrito em um programa
bilíngue de apoio escolar a crianças e jovens surdos, contexto no qual os sujeitos
desta pesquisa estão inseridos e que será descrito no capítulo 3 desta Dissertação.
Há, em âmbito nacional, uma evidente fragilidade no que se refere aos
estudos sobre educação de surdos. Por isso, inserido no campo da LA, a partir de sua
natureza inter/transdisciplinar (SIGNORINI E CAVALCANTI, 1998), em que se
estabelece um diálogo com os conhecimentos e com as lógicas de outras disciplinas,
o trabalho aqui apresentado narra o início de uma interminada jornada pessoal e
acadêmica em busca de estratégias que amparem de forma mais contundente o
ensino de Português escrito como segunda língua para surdos.
Desse modo, o objetivo desta pesquisa é delinear e analisar uma proposta
de aplicativo móvel (app) que se apresente como um recurso multimodalizado para a
aprendizagem de palavras em Português pelos surdos. Mais do que um compromisso
acadêmico, este estudo é movido pelo desejo de somar esforços à luta por maior
equidade, pelo diálogo com a diversidade e por maior participação social dos grupos
minoritários.
Inspirada em Gabas (2016) que pede a seus leitores para tirarem seus
19
sapatos ao adentrarem no universo sul-coreano de sua dissertação, termino este
prelúdio convidando você, leitor, a me acompanhar nessa travessia de olhos bem
abertos para “ouvir” as vozes dos surdos que inspiram cada parte deste trabalho.
20
CAPÍTULO 1 – ABRINDO OS OLHOS
Lady signs flower on pink background (Yiqiao Wang2) http://yiqiaowang.com
Neste capítulo inicial, procedo a uma breve contextualização da história da
educação de surdos, com o intuito de delinear o atual cenário educacional dessa
comunidade no Brasil, principalmente, em relação à aprendizagem de Português
escrito. Além disso, inicio uma reflexão sobre as possibilidades que a presença das
tecnologias digitais móveis trazem para esse processo. Ao fim, apresento os objetivos
e a pergunta de pesquisa que nortearam o desenvolvimento dessa investigação, bem
como os fatores que a justificam.
2 De Pequim (China), Yiqiao Wang, artista plástica surda, mudou-se para os Estados Unidos, onde estudou Ilustração e artes gráficas. Suas obras, que combinam o desenho feito à mão com a ilustração digital, são cheias de cores vivas, em traços característicos que marcam suas criações (...) Wang foi uma das responsáveis pela parte gráfica do app bilíngue Baobab, projetado por um grupo de pesquisadores da Gallaudet University para o ensino de American Sign Language para os pequeninos. Disponível em: https://culturasurda.net/category/artes-plasticas/. Acesso em: 17 nov. 2016.
21
1.1 Breve contextualização da educação de surdos
Inicialmente, interessa, neste trabalho, conhecer a trajetória pela qual os
surdos passaram em seu processo de escolarização, uma vez que é ela quem nos dá
subsídios para compreender o atual cenário educacional dessa comunidade e as
necessidades que eles enfrentam em relação a aprendizagem de português escrito,
tema que impulsiona as reflexões presentes nessa Dissertação.
O processo de escolarização dos surdos foi marcado, desde seu início, por
um constante conflito entre duas tendências de ensino: a oralização (com ou sem o
apoio dos sinais) e a instrução via língua de sinais para aprendizagem de leitura e
escrita (SILVA E FAVORITO, 2009). Essas tendências subjazem as diferentes
representações do sujeito surdo presentes até hoje e refletem no atual cenário
educacional.
Os primeiros registros sobre a educação de surdos datam do século XVI.
Nesse período, tutores atendiam filhos pertencentes a famílias nobres. Entre esses
tutores, o mais conhecido é o monge espanhol beneditino Pedro Ponce de Leon
(1520? - 1584), considerado o primeiro professor de surdos da história. Embora se
reconheça que o foco de sua educação estivesse voltado ao ensino da fala aos
surdos, o método usado pelo monge privilegiava a escrita, uma vez que se acreditava
que a ela cabia a chave do conhecimento. Com isso, seu trabalho não apenas
influenciou os métodos de ensino para surdos ao longo do tempo, como também é
marco importante na luta contra a visão patológica de médicos e filósofos da época
que consideravam os surdos incapacitados para o desenvolvimento de linguagem e,
portanto, para qualquer tipo de aprendizagem.
Em alguns estudos, como os de Skliar (1997), Rée (1999) e Moura (2000),
que, à luz de diferentes teorias, delineiam e discutem a educação de surdos nos
últimos cinco séculos, é possível observar que os debates acerca das duas tendências
de ensino sempre estiveram relacionados a questões ligadas à(s) língua(s). Por um
lado, havia aqueles que acreditavam que os surdos deveriam desenvolver a língua
oral e, consequentemente, defendiam uma educação pensada a partir do modo de se
ensinar a língua oral aos ouvintes. Por outro, havia aqueles que acreditavam que
deveria ser permitido aos surdos (uma vez que a educação dessa comunidade sempre
foi determinada por ouvintes que se auto-empoderaram para a tomada dessa decisão)
o uso da língua de sinais.
22
É importante notar nessa história que, embora as discussões façam referência à educação, as questões próprias das esferas educacionais nunca foram enfatizadas. Os métodos de ensino, as práticas realizadas, assim como os conteúdos ensinados foram submetidos ao fator linguístico e abordados com o objetivo de descrever e sustentar a defesa pelo desenvolvimento dessa ou daquela língua (oral ou de sinais). Esses aspectos só começaram a ser discutidos no final da década passada, juntamente com críticas sobre a determinação e subordinação dessa educação à de ouvintes (SKILIAR, 1997b, 1998 apud LODI 2005, p. 411).
Até o final do século XVI, os surdos eram considerados, de maneira geral,
incapazes de aprender. Consequentemente, por muito tempo foram impedidos de
exercer seus direitos legais. Para o pensamento da época, debruçado na concepção
aristotélica de superioridade do mundo das ideias e da razão representada pela
palavra, quem não tinha desenvolvido a fala espontaneamente não poderia ser
considerado cidadão. Nesse período, predominou a crença de que a oralização era o
meio necessário para humanizar os surdos. Segundo Moura (2000), essa crença de
que os surdos estariam fora da condição humana pela falta de audição e da fala
começa na Antiguidade, atravessa os séculos e ainda persiste em nossos dias.
No século XVIII, em 1760 aproximadamente, um movimento social
contrário à ideologia oralista começa a delinear-se na educação dos surdos. Esse
movimento nasce na França, com o abade Michel de L’Epée (1712 – 1789), que funda
a primeira escola pública de surdos no mundo, o Instituto Nacional de Surdos-Mudos
de Paris. L’Epée, com o objetivo de realizar um trabalho de catequização com os
surdos, reconheceu que eles possuíam uma linguagem gestual pela qual se
comunicavam com seus pares. Com base nisso, desenvolveu um método, usado até
meados do século XIX, chamado sistemas de sinais metódicos, que consistia no uso
de sinais na ordem gramatical do francês. A importância de L’Epée para a história dos
surdos deve-se, principalmente, “ao espaço que, de alguma forma, a língua de sinais
passou a ter em sua escola, tanto como meio de instrução quanto como meio de
interação entre os alunos surdos” (SILVA E FAVORITO, 2009, p. 12).
É importante ressaltar que entre meados do século XVIII e a primeira
metade do século XIX a educação de surdos, pautada no uso da língua de sinais, se
tornou habitual. Os surdos alcançaram o direito à cidadania, escolas de surdos foram
fundadas e houve um incentivo à formação de professores surdos que assumiram
grande parte dessas instituições. Após esse período, depois da metade do século XIX,
23
“uma história de predomínio absoluto da língua oral na educação de surdos se tornou
realidade por quase cem anos” (SILVA E FAVORITO, 2009, p. 13). Surgiram
movimentos sociais em toda a Europa buscando a consolidação dos estados
nacionais e tendo na língua a maior expressão de centralização sociopolítica e
cultural. “Era necessário acabar com o plurilinguismo social, subjugando-o à língua
oficial do país” (LODI, 2005, p. 416). É nesse contexto que ocorre, em 1880, o que
talvez seja a maior marca de retrocesso na história da educação dos surdos – o
Congresso de Milão -, em que se decretou a proibição do uso das línguas de sinais
na educação de surdos.
A partir disso, apenas em 1960, inicia-se uma série de críticas aos métodos
orais, uma vez que essa abordagem não era suficiente para resolver as complexas
questões que envolvem a escolarização dos surdos. Nasce, então, um método que
ficou amplamente conhecido como Comunicação Total (CT). Ele consistia em usar
tudo aquilo que melhorasse a comunicação dos surdos com seus pares: desenho,
escrita, pantomima, a fala, o alfabeto, a língua de sinais. Acreditava-se que era preciso
promover a comunicação e não a aprendizagem de uma língua em particular. Apesar
dos usos de todos esses recursos serem reunidos sob o nome de Comunicação Total,
havia uma grande diferença entre os vários métodos adotados, cada um privilegiando
um aspecto da comunicação. Embora a CT tenha tido uma grande repercussão no
Brasil nos anos 80 e tenha sido de grande importância para a revitalização das línguas
de sinais que haviam sido banidas das escolas desde o final do século XIX, ela
também não foi suficiente para melhorar o rendimento escolar do aluno surdo.
Os sinais eram utilizados meramente como apoio da fala, e os professores serviam-se da língua de sinais cada um a sua maneira, o que resultou em críticas, pois tal funcionamento significava pouca autonomia da língua de sinais, que era utilizada de forma, por vezes, muito artificial (SILVA E FAVORITO, 2009, p. 19).
De qualquer maneira, o movimento da CT fez emergir estudos sobre as
línguas de sinais que favoreceram o movimento seguinte na educação dos surdos: a
Educação Bilíngue. O ensino bilíngue para surdos surge no Brasil por volta dos anos
90, defendendo um espaço mais significativo para a língua de sinais no ensino. Nessa
abordagem educacional é proposto que duas línguas sejam ensinadas para essa
comunidade: a primeira seria a língua de sinais, e a segunda, a língua oral, em sua
24
forma escrita e/ou oral.
Como vimos, no Brasil as experiências com a educação bilíngue na área
da surdez ainda são bastante recentes. Apenas em 2005, foi assinado o decreto nº
5.626 que regulamentou o texto do Decreto-Lei nº 10.436, de 2002, reconhecendo a
libras como meio legal de comunicação e expressão e tornando obrigatório o seu
ensino nos cursos de formação de professores3. Sobre o Decreto, cabe ressaltar que
o texto acentua a impossibilidade de que a Libras substitua o Português escrito, ou
seja, a leitura e a escrita em Português permanecem sendo obrigatórias para a
comunidade surda.
Ainda que a promulgação da lei tenha atraído olhares para as questões que
envolvem essa comunidade, infelizmente, a realidade da educação de surdos no
Brasil está longe de se configurar como uma educação bilíngue de qualidade.
Normalmente, os surdos que têm acesso à libras como L1 são filhos de pais surdos
que se constituíram através dessa língua. A maioria deles, filhos de pais ouvintes,
desconhece ou conhece muito pouco da língua de sinais, busca aprender o português,
frequenta escolas regulares e dada a dificuldade de aprendizagem acaba por
abandoná-la ou se forma sem uma educação de qualidade. Outros são impedidos de
aprendê-la, porque ainda hoje há a crença de que os surdos precisam ser oralizados
para ter acesso à escrita. Souza e Góes (1999), afirmam que a grande maioria dos
professores, nas salas de aulas regulares, não está preparada para oferecer uma
educação inclusiva que considere as especificidades da educação de alunos surdos
e até mesmo nas escolas especiais, que dizem aceitar a língua de sinais, poucas são
aquelas que abrem suas portas para que professores surdos componham o quadro
docente.
A atual escolarização de alunos surdos, portanto, pode seguir duas
orientações: monolíngue ou bilíngue. No primeiro caso, os alunos surdos estão
imersos em escolas regulares, nas quais a língua de instrução é o português e os
métodos de ensino se pautam no modo de ensinar para alunos ouvintes que pouco
contribui para o processo de aprendizagem do aluno surdo. Além disso, não há
presença de intérprete de libras. No segundo caso, há diferentes cenários bilíngues,
3 A Libras foi oficializada pelo Decreto-lei nº 10.436 de 24/04/2002, cujo texto foi regulamentado pelo Decreto nº
5.626, publicado em 23/12/2005, do Diário Oficial da União, nº246 (págs. 28, 29 e 30). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em: 17 jun 2017.
25
nos quais, além de português, também circula a libras: escolas regulares com
presença de intérpretes ou em escolas de surdos.
Nesse contexto, a recente inserção da libras no mundo escolar é de
altíssima relevância, uma vez que isso não só pode contribuir para que os surdos
tenham acesso às informações, como amplia a visibilidade dessa comunidade (SILVA
E FAVORITO, 2009). No entanto, a simples presença da libras nas atividades
escolares como instrumento de comunicação ou transmissão de conteúdos não
garante o processo de construção de conhecimentos e sentidos ou o processo de
aprendizagem de uma segunda língua, como é o caso do português escrito, por
exemplo. Nesse contexto, é importante, portanto, considerar as especificidades
linguísticas dessa comunidade, a fim de elaborar projetos educativos formais e
informais que possibilitem experiências de aprendizagem mais significativas para eles
e com eles.
1.2 Tecnologias digitais móveis e os aplicativos educacionais
Considerando o contexto translíngue em que se inscreve a educação de
surdos e as novas formas de aprender, de conhecer e fazer provocadas, em grande
parte, pelo desenvolvimento das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
(TDIC), passo agora a uma breve reflexão sobre como o advento das novas
tecnologias, em especial, das tecnologias digitais móveis têm influenciado o
desenvolvimento dos aplicativos educacionais móveis.
O conjunto de avanços desencadeados pela Revolução Industrial impactou
profundamente os modos de produção e, consequentemente, as relações econômicas
e sociais, criando condições estruturais necessárias para o surgimento da Sociedade
da Informação. Segundo Coll e Monereo (2010), essa nova forma de organização
social, política, econômica e cultural comporta novas formas de trabalhar, comunicar-
se, relacionar-se, pensar, aprender, ou seja, novas formas de viver. Ainda segundo os
autores, essa nova sociedade se sustenta, principalmente, no desenvolvimento das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).
Acompanhando esse conjunto de avanços, “as linguagens desenvolvidas
para uso em meios analógicos ou impressos migraram para meios digitais” (BRAGA,
2013, p. 39), o que permitiu reunir em um mesmo espaço - o ciberespaço -, a
26
possibilidade de se desenvolver autoria e interação; a integração de semioses, o
hipertexto e a circulação de discursos polifônicos, que passaram a desenhar novas
práticas de letramento na hipermídia (ROJO, 2014, p.7). Tais transformações não são
simplesmente consequência dos avanços tecnológicos, mas estão relacionadas a
uma nova conduta (novo ethos) e a uma nova mentalidade que serão melhor
trabalhadas no capítulo seguinte. As novas tecnologias, combinadas a essa nova
mentalidade sintetizam aquilo que os autores chamam de “novos letramentos”.
Temos, por um lado, a convergência virtual que permite incluir no mesmo
espaço textos escritos, sons, imagens estáticas e em movimento. Por outro lado,
cresce exponencialmente o número de pessoas com acesso à internet.
Consequentemente, as necessidades de alfabetização digital aumentam (COLL E
MONEREO, 2010, p. 17). Nesse contexto, é importante que a sociedade se prepare
para uma educação que considere a pluralidade cultural e que sirva a cidadãos cada
vez mais digitais. Segundo dados da TIC Educação4, as salas de aula têm sido
apontadas como o lugar mais frequente de uso de TDIC, no entanto, esse uso ainda
é meramente instrumental e centrado no professor. Ou seja, esse uso não se volta
para os novos letramentos viabilizados pelas TDIC (ROJO E BARBOSA, 2014, p. 3).
Pensando nessas questões, a tecnologia não deveria ser tratada, portanto, como algo
à parte que deve ser inserido de alguma forma no cotidiano escolar. Pelo contrário, os
artefatos tecnológicos, em especial, os dispositivos móveis (smartphones, iphones,
tablets, ipads, lap-tops, etc.) estão cada vez mais presentes nos espaços educativos
e são trazidos pelas mãos dos próprios alunos, costumeiramente pouco orientados
sobre a forma de se relacionar educacionalmente com essas tecnologias (ALMEIDA E
SILVA, 2011, p. 5). Nesse sentido, o papel da escola seria criar condições para que
os alunos participem ativamente das práticas sociais e, sob a luz dessa visão, as
novas tecnologias deveriam ser parte do aprendizado, uma vez que novas habilidades
precisam ser incluídas nos objetivos de aprendizagem.
No atual contexto, se o advento dos dispositivos móveis tem impactado
profundamente o cotidiano da sociedade, para os surdos, esses dispositivos
provocam mudanças ainda mais significativas. Como vimos, as práticas escolares que
4 CGI.BR; NIC.BR; Cetic.BR. TIC Educação 2012 – Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação no Brasil. Disponível em: http://cetic.br/educacao/2012/apresentacao-tic- educacao-2012.pdf.
Acesso em: 07/07/2015
27
envolvem a educação dessa comunidade sempre estiveram distantes das
necessidades de aprendizagem desses alunos. No entanto, cada dia mais, é possível
perceber que a apropriação desses dispositivos por esse grupo (dentro e fora dos
espaços escolares) tem propiciado processos discursivos e de socialização que
favorecem a autonomia dessa comunidade, uma vez que essas tecnologias têm
democratizado o acesso à informação, à comunicação e à construção de
conhecimento em diferentes modalidades de linguagem (imagens estáticas, imagens
em movimento, etc.) antes bastante restritos quando pensamos no contexto da
surdez.
Nesse sentido, os mercados para aplicativos móveis têm investido
consideravelmente no desenvolvimento de softwares para dispositivos móveis. Entre
eles, destaca-se o crescimento exponencial dos aplicativos educacionais. Um estudo
recente constatou que, em 2011, foram baixados mais de 270 milhões de aplicativos
pedagógicos – um número dez vezes maior que os anos de 2009 e 2010 (McKINSEY
e COMPANY, GSMA, 2010 apud UNESCO, 2014, p. 23). Ainda segundo esse estudo,
embora alguns desses aplicativos tenham sido projetados para atender metas
curriculares, a maior parte deles visa a aprendizagem informal. Dessa forma, o que se
espera para os próximos anos, com o crescente aumento do uso dos dispositivos
móveis nos ambientes de educação formal, é que os aplicativos se tornem parte
importante do ecossistema de aprendizagem móvel (AM) (UNESCO, 2014, p. 23).
1.3 Os contornos da investigação
Nesta seção, discorro sobre o problema que motivou a elaboração dessa
pesquisa, os objetivos que nortearam o seu desenvolvimento, bem como a pergunta
de pesquisa que foi base para a apresentação da proposta de aplicativo móvel. Além
disso, busco situar a relevância que o trabalho pode ter para o campo da LA, no que
diz respeito à educação de surdos e sua relação com a aprendizagem móvel.
1.3.1 O problema de pesquisa
O modo como a educação de surdos vem sendo conduzida ao longo dos
anos tem levado pesquisadores a voltarem seus olhares para as práticas escolares
que envolvem esses alunos. Segundo Silva et al (2013), não só os métodos escolares
28
não são adequados aos alunos surdos, mas as estratégias de ensino utilizadas não
atendem às necessidades dessa comunidade. Os materiais de ensino de português,
bem como os métodos usados em sala de aula são, em sua maioria, métodos
tradicionais voltados para ouvintes e, exatamente por isso, são direcionados ao ensino
do português como língua materna e não como segunda língua, o que pouco contribui
para o processo de aprendizagem do aluno surdo. É preciso se perguntar, portanto,
que estratégias poderiam contribuir para a autonomia e agência dos alunos surdos
como aprendizes de português escrito e como tornar esse processo de aprendizagem
mais significativo. É justamente esse o problema geral que motivou a realização da
pesquisa aqui descrita.
Ao longo dos anos, os surdos foram caracterizados não por suas
potencialidades, mas pelas limitações que a própria sociedade atribuiu a eles.
Segundo Vygotsky (1989), dois tipos de deficiência acometem o ser humano: a
deficiência primária, fruto de uma má formação ou disfunção de algum caractere
biológico ou hereditário e a deficiência secundária, resultado do isolamento social do
sujeito com seu entorno. Nós, como educadores e linguistas aplicados, temos pouco
a fazer a respeito da deficiência primária, mas podemos contribuir significativamente
para minimizar a deficiência secundária. É preciso educar o entorno (MAHER, 2007,
p. 267) para que as especificidades linguísticas e culturais dos grupos minoritários
sejam respeitadas e eles possam se empoderar e participar ativamente das práticas
sociais.
Nesse contexto, é importante enfatizar que, embora a promulgação da Lei
10.436, que legitima a língua de sinais como meio legal de comunicação e expressão,
tenha atraído o olhar de alguns pesquisadores para o campo da educação de surdos,
as produções acadêmicas a respeito do ensino de Português escrito como segunda
língua para essa comunidade são ainda muito escassas, principalmente no Brasil, o
que espero poder contribuir para justificar essa pesquisa, cujos objetivos descrevo a
seguir.
29
1.3.2 Objetivo do estudo
Para traçar os objetivos deste estudo, amparo-me no referencial teórico da
LA, como campo transdisciplinar, conforme asseveram Celani (1998) e Rojo (2006).
Levo também em consideração o perfil e as percepções de um grupo de alunos surdos
em relação à aprendizagem de português escrito como segunda língua, mediada
pelas tecnologias digitais móveis. Além disso, a fim de acentuar o caráter colaborativo
do trabalho, considero as ideias e as expectativas desse grupo frente a uma proposta
de aplicativo móvel que possa contribuir para a aprendizagem do português escrito,
levando-se em conta a multiplicidade de modos ou linguagens no processo de
construção de sentidos.
Diante do exposto, tomo como objetivo central do estudo que me proponho
a desenvolver:
Investigar e delinear as principais características de um protótipo de
aplicativo móvel voltado à comunidade surda, cuja finalidade seja a
aprendizagem de palavras, vista como um processo multimodalizado e
discursivo de construção de sentidos em Português.
Cabe ressaltar que o principal propósito vinculado à proposta em questão
é contribuir para a aprendizagem de português escrito pelos surdos, bem como
colaborar com a ampliação de possibilidades de construção de sentidos por essa
comunidade. Por isso, diante do objetivo central apresentado, cumprem ser indicados
os objetivos especificamente traçados para o desenvolvimento do estudo proposto:
• Delinear o perfil dos participantes surdos e suas percepções frente à aprendizagem
de português como segunda língua;
• Efetuar um levantamento bibliográfico de estudos relacionados à aprendizagem e
às tecnologias móveis;
• Investigar como os alunos surdos participantes deste estudo, relacionam-se com
essas tecnologias e como eles fazem uso de variados modos/linguagens para
construir sentidos em Português;
• Levantar as principais ideias dos participantes frente à proposta de um aplicativo
voltado à aprendizagem de palavras em Português.
30
Levando-se em conta as particularidades e pressupostos teóricos até o
momento apresentados e atrelados ao estudo em pauta, a pergunta de pesquisa que
visa à operacionalização dos objetivos estabelecidos para este trabalho assim se
apresenta:
Com base em uma visão enunciativo-discursiva da linguagem, como
se delineiam as principais características de um protótipo de aplicativo móvel
para surdos que pretende se mostrar um recurso em potencial para a
aprendizagem de palavras em Português?
1.3.3 Justificativa do estudo
Embora haja vários estudos sobre o ensino de português escrito como
segunda língua para surdos, entre eles Cavalcanti (1999), Silva (2005), Fernandes
(2006), Zajac (2011), há ainda poucos trabalhos que relacionam aprendizagem de
português como segunda língua ao campo da aprendizagem móvel descrito por
McQuiggan et al (2015), Pachler (2010) e Sharples (2005).
As leis de inclusão e o reconhecimento da Libras como meio legal de
expressão e comunicação contribuiu para dar visibilidade às questões que envolvem
a educação de surdos, especialmente, no que diz respeito às línguas que envolvem
essa comunidade. No entanto, estudos que considerem as especificidades linguísticas
dos surdos e as relacionem com as novas tecnologias, como já dito, são ainda muito
incipientes. Embora a LA venha se ocupando com pesquisas a respeito de grupos
minoritários, há ainda muito a ser feito em relação ao contexto da surdez,
principalmente, no que tange sua relação com a Aprendizagem Móvel.
As tecnologias digitas estão sendo desenvolvidas e atualizadas em um
ritmo acelerado e apresentam uma oportunidade significativa de alcançar esses
grupos. Assim, o presente estudo se justificou, justamente, por se debruçar sobre essa
área de investigação. Por terem participado dos grupos focais e das reflexões
propiciadas pelas atividades envolvendo a presença das tecnologias digitais móveis
conectadas à internet, esta pesquisa também se justifica pela possibilidade que
ofereceu aos alunos participantes da pesquisa de compreenderem o contexto
linguístico no qual estão inseridos e como poderiam lidar educacionalmente com
essas tecnologias.
31
Há ainda a expectativa de que esta Dissertação possa contribuir para que
pesquisadores, desenvolvedores, pais, alunos e professores possam refletir
criticamente sobre as possibilidades que as tecnologias móveis apresentam para os
processos de aprendizagem. Segundo McQuiggan et al. (2015), para que apps
educacionais de qualidade sejam desenvolvidos, programadores precisam de
professores e professores precisam de programadores. Dessa forma, o presente
estudo pretende contribuir para o fortalecimento das discussões sobre as
possibilidades educacionais que os dispositivos móveis conectados à internet trazem
não apenas para os grupos minoritários e minoritarizados, mas para a comunidade
escolar em geral.
1.4 Organização da dissertação
Essa dissertação está organizada em quatro capítulos. No primeiro, além
de apresentar os motivos que me inspiraram a realizar esta pesquisa, tracei um breve
panorama da história da educação de surdos e do contexto translíngue no qual eles
se inserem, a fim de fundamentar a necessidade de repensar os processos de
aprendizagem de português escrito como segunda língua por essa comunidade.
Descrevi, ao fim, os objetivos, a pergunta e a justificativa da pesquisa em questão e o
modo como esta Dissertação está estruturada.
No capítulo 2, apresento os pressupostos teóricos sobre os quais essa
pesquisa se debruça e que, portanto, embasam o delineamento das características
do protótipo de aplicativo móvel. Nesse percurso discorri sobre a Pedagodia dos
Multiletramentos, os Novos Letramentos, o crescente campo da Aprendizagem Móvel,
que envolve o desenvolvimento de app educacionais e a visão de língua(gem) como
fenômeno social, histórico e dialógico, proposta por Bakhtin e seu círculo.
Assim, no capítulo 3, discorro sobre a LA, em sua vertente antidisciplinar
(PENNYCOOK, 2006) e transdisciplinar (CELANI, 1998; ROJO, 2006), campo no qual
este trabalho está afiliado. Apresento a natureza qualitativa-interpretativista e
propositiva do estudo e os participantes da pesquisa. Por fim, indico os procedimentos
metodológicos adotados para a produção e análise dos dados.
32
No capítulo 4, a partir de duas macrocategorias, apresento e defino as
principais características do aplicativo móvel, retomando a pergunta de pesquisa que
guia o trabalho. O capítulo está organizado em três partes, a primeira corresponde ao
processo inicial de desenvolvimento da proposta, bem como à apresentação das
principais características do app e as outras duas correspondem às categorias básicas
de análise que serão apresentadas no capítulo metodológico. O último capítulo,
corresponde às minhas considerações finais.
Finalizo esta seção reiterando as limitações deste trabalho, devido à
complexidade constitutiva do contexto sociolinguístico da comunidade surda e dos
desafios impostos pelo trabalho com o desenvolvimento de tecnologias digitais. Nesse
sentido, reforço o caráter inacabado, flexível e aberto da proposta de app
apresentada, na expectativa de que ela, de algum modo, possa contribuir para a
elaboração de outras propostas para esse público.
33
CAPÍTULO 2 – DIREÇÕES A SE OLHAR
Obra sem título (Omeima Mudawi-Rowlings5)
http://www.omeima-arts.com/
Há ainda poucos estudos que relacionam aprendizagem móvel à
aprendizagem de línguas estrangeiras. Isso é ainda mais evidente quando se trata de
ensino de línguas orais para surdos e, sobretudo, de aplicativos educacionais móveis
que considerem, em sua concepção, as especificidades dessa comunidade em
relação à aprendizagem. Dessa forma, este capítulo volta-se essencialmente à
articulação dos fundamentos da aprendizagem móvel, dos novos multiletramentos e
da visão de língua(guem) com princípios e conceitos que embasam o delineamento
da proposta de aplicativo móvel, delineada para este estudo.
Os pressupostos teóricos aqui discutidos visam, principalmente,
fundamentar a aprendizagem móvel como um movimento que tem o potencial de abrir
portas para novas oportunidades educacionais, principalmente, no que diz respeito à
educação de surdos. Além disso, esse capítulo pretende apresentar a visão sócio-
histórica e dialógica bakhtiniana da linguagem que embasa esta pesquisa.
5 Nascida no Sudão (um dos maiores países do mundo árabe), Omeima Mudawi (surda) radicou-se na Inglaterra, onde se bacharelou em design têxtil pelo Instituto de Arte e Design de Surrey (hoje University for the Creative Arts – UCA). A artista exibe um padrão (re)corrente de conchas/orelhas que, de acordo com ela, traz à tona questões como identidades e comunicação, expressando em suas obras – produzidas sobretudo em papel, seda e veludo – o ethos de sua criação: “a beleza pela diversidade”. Disponível em: <https://culturasurda.net/category/artes-plasticas/>. Acesso em: 17 nov. 2016.
34
2.1 Aprendizagem móvel: espaço conceitual
Aprendizagem móvel é um campo emergente e de contínua expansão que
vem se estabelecendo de forma complexa dentro dos estudos educacionais. Muitos
pesquisadores como McQuiggan et al (2015), Santaella (2013), Pachler (2010),
Sharples (2005) têm direcionado seus olhares a esse campo por acreditarem que a
AM tem um enorme potencial para transformar o sistema educacional, apresentando
novas oportunidades de aprendizagem.
“O termo móvel não é apenas uma qualificação para o atemporal
conceito de aprendizado, a aprendizagem móvel está emergindo como
um conceito inteiramente novo e distinto, junto a uma força de trabalho
móvel e uma sociedade conectada. Os dispositivos móveis criam não
apenas novas formas de conhecimento e novas formas de acessá-lo,
mas novas formas de fazer arte e acessá-la, novas formas de
comércio e atividades econômicas. Assim, a aprendizagem móvel não
diz respeito somente à mobilidade ou à aprendizagem como pode ter-
se compreendido inicialmente, mas como parte de uma nova
concepção de sociedade móvel” (TRAXLER, 2008 apud SANTAELLA,
2013, p. 299).
Segundo Pachler, N., Bachmair, B. e Cook J. (2010), não existem quadros
teóricos e conceituais suficientes para explicar a complexa inter-relação entre o
desenvolvimento tecnológico, seu potencial para a aprendizagem e sua inserção no
cotidiano dos usuários. Para os autores, há ainda uma falta de clareza sobre como o
termo “móvel” pode ser entendido. Eles questionam se existe, de fato, a necessidade
de um campo separado de investigação sobre aprendizagem móvel ou se o sufixo
apenas qualifica aspectos da aprendizagem, ao invés de configurar um novo tipo de
aprendizagem. Entretanto, Santaella (2013) destaca que os dispositivos móveis
conectados à internet têm inaugurado uma nova forma de aprendizagem que se
caracteriza como espontânea, assistemática e não linear. Nesse contexto, o acesso à
informação e ao conhecimento, nas palavras da autora, “tornam-se colaborativos,
compartilháveis, ubíquos e pervasivos”.
Segundo Pachler, N., Bachmair, B. e Cook J. (2010), os princípios básicos
que definem o trabalho com a AM não são novos: a “aprendizagem" em geral, mediada
ou não pelas tecnologias digitais, é um campo bastante explorado e dificilmente se
pode afirmar que o conceito de "mobilidade" não tem sido uma preocupação de
35
pesquisadores, acadêmicos e profissionais da educação já há algum tempo. “O que é
novo, no entanto, é a capacidade e a funcionalidade da tecnologia, em particular a
convergência de serviços e funções em um único dispositivo, sua ubiquidade,
portabilidade e multifuncionalidade” (PACHLER, N.; BACHMAIR, B.; COOK, J., 2010,
p. 6, tradução nossa). Segundo eles, a aprendizagem móvel não é sobre transportar
conteúdos para dispositivos móveis, mas sobre o processo de conhecer e ser capaz
de produzir sentidos em novos contextos e espaços de aprendizagem em constante
mudança. Trata-se de compreender e saber como utilizar nossa vida cotidiana como
espaço de aprendizagem. Para Santaella (2013), os dispositivos móveis permitiram
os processos abertos de aprendizagem, uma vez que, a partir deles, o acesso à
informação tornou-se livre e contínuo, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer
lugar.
2.1.1 Compreendendo a Aprendizagem Móvel
Considerando a proposta desta pesquisa, entendemos que a AM não é
primariamente sobre tecnologia, ou seja, tem pouco a ver com os dispositivos físicos
em si. Ao invés disso, ela se define pelas experiências e oportunidades possibilitadas
pela evolução das tecnologias educacionais que nos permitiram produzir nosso
próprio conhecimento, acessando um mundo personalizado, a qualquer momento, em
qualquer lugar, colaborando com outras pessoas e cultivando experiências
improváveis em outros momentos da história da educação.
Enquanto falamos de tecnologia nesta Dissertação, é importante entender
que aprendizagem móvel não é o mesmo que dispositivos móveis. Aprendizagem
móvel “seria o resultado do que essas tecnologias permitem quando usadas de modo
criativo e apropriado” (McQUIGGAN et al., 2015, p. 8). Portanto, a aprendizagem
móvel implica adaptação, redefine responsabilidades para professores e estudantes
e ofusca as linhas entre a aprendizagem formal e informal. Nesse contexto, como
veremos a seguir, há muitas implicações relacionados a esse tipo de aprendizagem.
36
2.1.2 Implicações da Aprendizagem Móvel
Figura 1 - Benefícios da Aprendizagem Móvel. (McQUIGGAN et al., 2015, p. 10, tradução nossa)
A AM oferece muitas oportunidades e possibilidades de personalizar e
tornar mais significativo o modo como as pessoas aprendem, como mostra a Figura
1. Uma dessas possibilidades, segundo McQuiggan et al. (2015), é a de aprender em
movimento. Tradicionalmente, o espaço de aprendizagem era o espaço da sala de
aula. No entanto, com o advento das tecnologias digitais móveis, a aprendizagem não
está mais limitada a um espaço ou a um tempo determinados. Com esses dispositivos
conectados à internet, a aprendizagem pode ocorrer em qualquer lugar e a qualquer
momento. O crescimento constante do número de smartphones indica uma mudança
cultural no modo como nos comunicamos, acessamos informação, nos conectamos
com outras pessoas, aprendemos e nos socializamos. (McQUIGGAN et al., 2015, p.
11). Portanto, considerando que o papel da educação é garantir que os cidadãos
participem ativamente das práticas sociais, não se pode ignorar que os dispositivos
móveis estão cada vez mais pervasivos em nossa cultura e, por isso, essas
tecnologias precisam ser incorporadas aos objetivos de aprendizagem.
Segundo os autores, AM é também um importante caminho para alcançar
crianças carentes e escolas. Tecnologias móveis, quando comparadas a outras
iniciativas tecnológicas, apresentam um custo relativamente baixo, dada a sua
durabilidade e potencialidade tecnológica. Além disso, oferecem um diferente modelo
financeiro e tecnológico, que é muito mais fácil de manter sob orçamentos apertados.
37
Dispositivos móveis também oferecem um poder substancial no que diz
respeito a oportunidades de aprendizagem fora das quatro paredes da sala de aula.
“Museus virtuais, aulas online e experiências simuladas são possibilitadas através de
dispositivos móveis conectados à Internet” (McQUIGGAN et al., 2015, p. 11, tradução
nossa). Além disso, segundo os autores, esses dispositivos fornecem subsídios para
melhorar as habilidades de pensamento de ordem superior, uma vez que incentivam
o pensamento crítico, a resolução de problemas, comunicação, colaboração,
criatividade e inovação. As características inerentes à aprendizagem móvel
incentivam o desenvolvimento dessas habilidades, uma vez que possibilitam
compartilhar facilmente informações com outras pessoas, utilizar criativamente uma
ampla variedade de recursos e avaliar criticamente a veracidade e o valor das fontes.
Finalmente, a aprendizagem móvel fornece novos caminhos para motivar
alunos, promovendo altos níveis de engajamento e novidades, personalização e
autonomia. Segundo McQuiggan et al. (2015, p. 12), a habilidade de usar
constantemente novos apps ou encontrar caminhos para manter o dispositivo atual
faz com que os estudantes permaneçam interessados. Permitir e incentivar que os
alunos lidem educacionalmente com os dispositivos móveis traz novos significados
para esses dispositivos.
2.1.3 Desafios da Aprendizagem Móvel
Figura 2 - Desafios da Aprendizagem Móvel. (McQUIGGAN et al., 2015, p. 13, tradução nossa)
38
A aprendizagem móvel vem acompanhada de uma série de dificuldades.
Um dos obstáculos que as iniciativas de aprendizagem móvel podem enfrentar é o
acesso diferenciado a dispositivos e à internet. Disponibilidade e custo da banda larga
nas escolas e nas casas, assim como a memória disponível no dispositivo podem ser
grandes desafios. Segundo McQuiggan et al. (2015, p. 14), embora estudos recentes
tenham apontado uma queda nos custos de aparelhos eletrônicos, ainda há uma
notável lacuna em relação a famílias de menor renda.
Outro desafio diz respeito ao monitoramento do uso desses dispositivos.
McQuiggan et al. (2015, p. 14) salientam que, ao mesmo tempo que esses aparelhos
podem ser usados para o enriquecimento de atividades educacionais, eles também
podem ser uma oportunidade para distração ou comportamentos antiéticos. Há
também uma preocupação em relação à saúde decorrente do tempo de permanência
em frente à tela, além de questões sobre o compartilhamento de informações pessoais
e privacidade. Nesse contexto, seria importante incluir nos objetivos de aprendizagem
o uso responsável dessas tecnologias, bem como o letramento digital.
Há ainda muito preconceito em relação ao uso de tecnologias digitais
móveis para fins educacionais, uma vez que o sistema permanece estruturado de
forma a reforçar os métodos educativos tradicionais (McQUIGGAN et al., 2015, p. 14).
Enquanto uma série de estudos sobre o potencial da aprendizagem móvel para a
educação é realizado, ainda não há uma teoria aceita e, portanto, há muitas
divergências entre educadores, administradores e legisladores sobre o real valor da
presença desses dispositivos para fins educacionais. A consequência disso é que,
muitas vezes, essas atitudes refletem em leis de proibição categórica do uso desses
dispositivos em sala de aula, como acontece na maioria das escolas públicas
brasileiras.
Embora dispositivos móveis como smartphones e tablets ofereçam muitos
benefícios quando comparados a computadores de mesa e laptops, há algumas
limitações físicas que podem dificultar o seu uso. McQuiggan et al. (2015, p. 15)
destacam que muitos dispositivos móveis não vêm acompanhados de teclados, por
exemplo, o que dificulta a digitação, uma vez que suas telas normalmente são
pequenas. No entanto, enquanto isso pode ser um desafio para alguns, os chamados
nativos digitais não encaram isso como um problema.
39
Há também uma ressalva a se fazer em relação a atividades em grupo
quando os dispositivos móveis precisam ser compartilhados entre mais pessoas, sua
funcionalidade e benefícios são comprometidos. Segundo McQuiggan et al. (2015, p.
15), em situações como essa, usar dispositivos móveis pode ser mais difícil e menos
envolvente para os alunos. No entanto, há muitas ferramentas que permitem que os
dados dos estudantes sejam transferidos entre dispositivos e armazenados na nuvem.
Finalmente, o modo como os dispositivos móveis são implementados
impactam a efetividade destes. No caso das escolas, por exemplo, a TIC Educação6
nos mostra que, embora nos últimos anos, tenha havido um crescimento significativo
do uso de TDIC nas salas de aula, esse uso ainda é meramente instrumental e
centrado no professor, ou seja, o uso não envolve os multiletramentos e nem os novos
letramentos que serão descritos a seguir.
2.2 A Pedagogia dos Multiletramentos e os Paradigmas da aprendizagem
Não é recente, na literatura da área, a compreensão de que os letramentos,
no plural, são múltiplos. Porém, até poucos anos atrás, não havia se pensado em uma
pedagogia que pudesse abarcar essa multiplicidade de maneira apropriada às
interações verbais contemporâneas. A pedagogia dos multiletramentos surge,
portanto, em 1996, quando pesquisadores que integram o chamado Grupo de Nova
Londres se reúnem em New London, Estados Unidos, para discutir o ensino e a
pedagogia dos letramentos.
Esse encontro dá origem ao manifesto de 1996 intitulado “Uma pedagogia
dos multiletramentos – desenhando futuros sociais” que propõe o deslocamento de
um ensino formal, monolíngue, monocultural e orientado para uma só linguagem, para
um ensino que valorize as diversidades linguística, multicultural e de linguagens e
mídias. Para abranger essas duas multiplicidades – de cultura e de modos/linguagens
– o grupo cunhou o termo multiletramentos.
A principal razão pela qual o Grupo de Nova Londres afirmou a
6 CGI.BR; NIC.BR; Cetic.BR. TIC Educação 2012 – Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de
Informação e Comunicação no Brasil. Disponível em: http://cetic.br/educacao/2012/apresentacao--‐tic-
-‐educacao--‐2012.pdf. Acesso em: 17 nov 2016.
40
necessidade de uma nova pedagogia que abarcasse essas duas multiplicidades é
que, na visão dos autores, a sociedade contemporânea, marcada especialmente pelos
fenômenos de globalização, passou por mudanças profundas, tanto no âmbito do
trabalho, quanto na vida pública e privada e, dessa forma, a escola precisava tomar a
seu cargo os novos letramentos emergentes, em grande parte, devido ao
desenvolvimento das TIC.
Em relação à multiplicidade de culturas, vemos circular em nossa
sociedade uma série de produções culturais letradas que se constituem por textos
híbridos de diferentes letramentos: vernaculares e dominantes, populares e eruditos.
Segundo Rojo (2012), essa visão descentralizada de cultura(s) faz com que a
hibridização, as mestiçagens e as misturas sejam cada vez mais valorizadas.
Nessa perspectiva, a multimodalidade ou a multissemiose, ou seja, a
multiplicidade de linguagens, modos ou semioses dos textos em circulação (ROJO,
2012, p.19), exige práticas de compreensão e produção cada vez mais elaboradas.
Portanto, são necessárias novas ferramentas, de áudio, de vídeo, de tratamento de
imagem, edição e diagramação, como aponta Rojo (2012, p. 21) e novas práticas de
produção e compreensão. Portanto, são necessários novos e multiletramentos.
A partir de 1996, os autores do Grupo de Nova Londres focalizaram, cada
um, em interesses específicos dentro da pedagogia, ficando os autores Bill Cope e
Mary Kalantzis responsáveis por defender, reformular e ampliar a proposta original da
pedagogia. Dessa atribuição, os dois autores lançaram, em 2009, um artigo que
buscou refletir sobre as mudanças ocorridas desde a publicação do manifesto, em
1996. Neste momento, Cope e Kalantzis (2009), redefinem alguns aspectos da
pedagogia original com a justificativa de que novas práticas sociais e novos
letramentos haviam emergido desde então.
No âmbito do trabalho, os autores ressaltaram a aceleração do “novo
capitalismo” que trouxe muito mais exigências sobre o saber tecnológico do que em
1996. Enquanto isso, a escola continuou com seus moldes tradicionais, sem promover
a cultura da flexibilidade, criatividade e iniciativa. Com o fim do welfare state, no âmbito
da vida pública, os sujeitos se tornaram cada vez mais responsáveis pelo seu próprio
bem-estar, o que refletiu em uma sociedade muito mais individualista. Já na vida
privada, com a convergência das mídias, as pessoas vivenciaram uma mudança na
agência, ou seja, espectadores e consumidores passivos passaram a ser usuários,
produtores e jogadores.
41
É importante salientar que a principal mudança observada na reformulação
de 2009 é o valor que a multimodalidade passou a ter dentro da pedagogia, uma vez
que, a partir da expansão da Web e das novas mídias e tecnologias, houve um
aumento da complexidade da multimodalidade dos textos circulantes nas esferas
sociais. Cope e Kalantzis defendem, dessa forma, o potencial sinestésico do ensino
das diversas modalidades que são descritas como: linguagem escrita, linguagem oral,
representação visual, representação sonora, representação táctil, representação
gestual e representação espacial.
Para o que aqui nos interessa, que é a criação de um protótipo de app
móvel, outra reflexão relevante de Cope e Kalantzis pode nos ajudar a chegar mais
perto do nosso objeto de análise. Cope e Kalantzis (2012) apresentam três
abordagens da pedagogia e do currículo que têm orientado as práticas sociais:
mimesis, synthesis e reflexividade.
Segundo Cope e Kalantzis (2012, p. 261), a mimesis se fundamenta,
basicamente, a partir da repetição e da imitação, ou seja, da aprendizagem pela
absorção de fatos e informações. Já a synthesis inicia um processo de ruptura com o
padrão homogeneizador da mimesis, porque nesse paradigma os estudantes podem
descobrir fatos através da observação e da experiência, embora isso não esteja
necessariamente relacionado a seus interesses e motivações. Por fim, em uma
abordagem reflexiva, cabe ao sujeito refletir criticamente sobre suas ações através
das diversas formas do conhecimento, relacionando-o com as suas experiências
identidades.
Para compreendermos melhor essas abordagens, Cope e Kalantzis (2012)
nos mostram que a mimesis está fundamentada na tradição grega antiga de
Aristóteles que valorizava o processo artístico da cópia. Na abordagem pedagógica
da mimesis, a repetição e a imitação são valorizadas, uma vez que o sistema é
baseado na transmissão e na reprodução de saberes. Como consequência,
estabelece-se uma relação autoritária entre professor e o aluno já que, nesse
contexto, o professor é o detentor de todo o conhecimento a ser ensinado. Como
salientam os autores, esta abordagem surge e é valorizada dentro de um contexto
sócio-histórico específico: o do Estado-Nação, fundamentado em uma mentalidade
físico-industrial (COPE E KALANTZIS, 2012), pois ela se relaciona com o mesmo
paradigma da produção em massa, do homogêneo e da uniformização, valorizados
pelo Estado-Nação.
42
E isto reflete, inclusive, na concepção e nos princípios de aplicativos
educacionais móveis para aprendizagem de línguas que pouco ou nada relacionam o
conhecimento científico com a vida do aluno. Os autores ainda apontam que, muitas
vezes, a mimesis pode ser associada a um ensino antigo e ultrapassado, embora
muitas práticas que incorporam as tecnologias móveis, inclusive os aplicativos,
também reproduzem este tipo de pedagogia.
No que diz respeito à synthesis, abordagem mais valorizada nos tempos
atuais, conforme afirmam Cope e Kalantzis (2012), o aprendiz descontrói e reconstrói
o conhecimento, pois em sua dimensão pedagógica estão presentes práticas como o
trabalho empírico e o experimento científico. Nesta abordagem, fórmulas e
informações simplesmente dadas não são valorizadas e, portanto, os estudantes são
incentivados a demonstrar o processo que os levam a uma resposta correta. Ou seja,
embora ainda exista uma resposta correta única, é preciso que se mostre como.
Segundo os autores, o construtivismo, baseado nos estudos e pesquisas de Jean
Piaget, é um exemplo desta pedagogia. Sob esta perspectiva, o estudante não
absorve o conhecimento, mas o constrói, internalizando-o. Portanto, fica claro que o
indivíduo e a cognição são centrais nesta abordagem, faltando pensar no aspecto
social e identitário da educação.
Em oposição a estas duas abordagens, o paradigma da reflexividade,
segundo Cope e Kalantzis (2012), valoriza o aluno e sua identidade, fazendo uma
conexão entre o conhecimento e sua realidade e entre os conhecimentos prévios e as
experiências. Isto se traduz em práticas pedagógicas de construir hipóteses como
cientistas, analisar para tirar suas próprias conclusões, fazer teorias e co-construir
conceitos e termos, trazendo uma importante dimensão para este processo: o da
análise e do pensamento crítico acerca do que se aprende. Nesta abordagem, o aluno
é construtor e, sobretudo, questionador do conhecimento. A esta perspectiva, os
autores relacionam a teoria de Vygostsky e seu conceito sobre a zona proximal de
desenvolvimento (ZPD). Também, na abordagem reflexiva, a metacognição é
valorizada e o aprendiz deve “aprender a aprender”, para se tornar mais autônomo
em seu processo de aprendizagem. Por fim, também são considerados os diversos
modos de significação. O conhecimento pode ser representado de diversas maneiras
e através de diferentes mídias, portanto, outras linguagens como as visuais se tornam
muito mais significativas e presentes em sala de aula.
Como podemos ver, o paradigma da reflexividade está diretamente
43
relacionado aos pressupostos da Aprendizagem Móvel, pois valoriza o conhecimento
prévio, a análise crítica, a metacognição e os diversos modos de significação, ou seja,
a multimodalidade. A grande discussão que devemos fazer acerca de uma pedagogia
da reflexividade e da aprendizagem móvel é como transpor isso para aplicativos,
ambientes virtuais de aprendizagem, games educacionais, uma vez que estes
também têm sido espaço para a reprodução do paradigma da mimesis ou, no máximo,
de synthesis.
2.3 Novos Letramentos
Como explicam Rojo e Barbosa (2014, p. 4), as TDIC, com seus novos
textos, procedimentos e mentalidades, tem transformado a maneira como nos
comunicamos, interagimos, aprendemos e ensinamos. Consequentemente, nas
últimas décadas, a educação tem enfrentado um desafio não apenas em relação aos
letramentos convencionais, da letra e do impresso, mas, principalmente, em relação
aos novos e múltiplos letramentos (multiletramentos).
Lankshear e Knobel (2007, 2011) são dois dos principais autores que têm
se dedicado a defender a existência dos novos letramentos e justificar a presença do
prefixo “novo”. Na obra de 2007, A new literacies sampler, os autores definem pela
primeira vez o que seriam esses novos letramentos. Já no livro de 2011, New
Literacies, embora a definição teórica de novos letramentos permaneça a mesma, os
autores aprofundam e atualizam os estudos das novas práticas que surgiram desde
então.
Em geral, quando pensamos em novas tecnologias, pensamos em alguns
dispositivos digitais, como computadores, notebooks e smartphones. Entretanto,
Lankshear e Knobel (2007, p.7) nos lembram que, atualmente, um conjunto muito mais
amplo compõe o leque das novas tecnologias. Os programas, códigos-fontes e os
aplicativos são alguns exemplos. Essas tecnologias, como lembram Rojo e Barbosa
(2014, p. 6) fazem emergir novos procedimentos, tais como clicar, cortar, colar,
arrastar.
No entanto, para Lankshear e Knobel (2007), esses procedimentos (mera
técnica) não são os novos letramentos. De acordo com os autores, os novos
letramentos incluem, sim, novas tecnologias, mas principalmente colocam em cena
44
um novo ethos, os quais chamam de “new technical stuff” e “new ethos stuff”,
respectivamente. Esse novo ethos vem acompanhado de uma nova mentalidade, que
denominam Mentalidade 2.0, em analogia à Web 2.0, como veremos mais adiante.
Os autores explicam que na perspectiva dos novos letramentos é possível
haver um novo ethos, sem que haja novas tecnologias. No entanto, o uso de novas
tecnologias não garante necessariamente a emergência de um novo ethos. Por
exemplo, uma atividade escolar em que o professor pede aos alunos para digitarem o
texto do livro envolve o uso de novas tecnologias, mas não uma nova conduta e uma
nova mentalidade, pois os alunos poderiam ter copiado o texto à mão sem que a
atividade sofresse grandes modificações em sua natureza. “Logo, não é o mero uso
das novas tecnologias que caracteriza novas práticas de letramento, mas sim as
novas condutas e a nova mentalidade que emergem com a Web 2.0” (ROJO;
BARBOSA, 2014, p. 7). Nas palavras de Lankshear e Knobel (2007, p. 10, tradução
nossa),
O mundo tem mudado em certos aspectos fundamentais pelo fato das
pessoas imaginarem e explorarem novos modos de fazer coisas que
são possibilitados por novas ferramentas e técnicas e não por usarem
as novas tecnologias para fazer as mesmas atividades de maneira
mais “tecnologizada” (primeira mentalidade).
O novo ethos e a nova mentalidade que Lankshear e Knobel (2007)
denominam Mentalidade 2.0 consiste, portanto, em uma realidade de maior
participação, colaboração, distribuição, autoria, por isso suas regras e normas são
mais fluidas e menos formatadas, caracterizando uma nova mentalidade. Ao
contrastar essa nova mentalidade com a anterior, os autores expõem algumas
diferenças fundamentais.
45
Mentalidade 1 Mentalidade 2
O mundo opera basicamente a partir de
princípios físicos/materiais e de uma lógica
industrial.
O mundo opera, cada vez mais, a partir de
princípios e lógicas não materiais (ou seja,
ciberespaciais) e pós industriais.
O mundo é “centrado” e “hierárquico”. O mundo é “descentrado” e “plano”.
O valor varia em função da escassez. O valor varia em função da dispersão.
A produção baseia-se no modelo “industrial”. Visão “pós-industrial” da produção.
Produtos são artefatos materiais e mercadorias. Produtos viabilizam serviços.
Produção é baseada na infraestrutura e em
unidades ou centros (por exemplo, uma firma ou
uma companhia).
Foco no processo de alavancagem
e participação contínua.
Ferramentas são, majoritariamente,
ferramentas de produção.
Ferramentas são, cada vez mais,
ferramentas de mediação e de tecnologias
para relacionamento.
O indivíduo é a unidade de produção,
competência e inteligência.
O foco está, cada vez mais, no “coletivo”
como unidade de produção, competência e
inteligência.
O espaço é fechado e obedece a propósitos
específicos. O espaço é aberto, contínuo e fluido.
Prevalecem as relações sociais marcadas pela
hegemonia do livro; uma “ordem textual”
estável.
Relações sociais marcadas pelo “espaço da
mídia digital”; textos em mudança.
Figura 3 - Algumas dimensões entre diferentes mentalidades. (LANKSHEAR E KNOBEL, 2007, p. 11, tradução nossa)
Dessa forma, essa nova mentalidade da hipermodernidade (Mentalidade
2), aberta, fluida e colaborativa, altera profundamente certos valores e condutas do
letramento convencional. Para Rojo e Barbosa (2014, p. 9), “se no letramento
convencional a autoria individual é um valor precioso, nos novos letramentos o valor
é a colaboração, a participação contínua, a relação em rede”, características
fundamentais no que diz respeito à concepção de aplicativos educacionais móveis.
O que se propõe, portanto, não é que as tecnologias digitais dentro do
campo da Aprendizagem Móvel solucionem os problemas que afligem o sistema
educacional, mas salientar que os dispositivos tecnológicos possuem um significativo
potencial para mudar a maneira como os estudantes aprendem. Entretanto, modificar
o status quo do sistema educacional depende diretamente da pedagogia em que
esses dispositivos são tecidos e da visão de língua/linguagens que a sustenta, como
a que veremos a seguir.
46
2.4 A lingua(gem) em Bakhtin e seu círculo
A forma linguística é dada ao falante apenas no contexto de certos enunciados e portanto apenas em um determinado contexto ideológico. Na realidade, nunca pronunciamos ou ouvimos palavras, mas ouvimos uma verdade ou mentira, algo bom ou mal, relevante ou irrelevante, agradável ou desagradável e assim por diante. A palavra está sempre repleta de conteúdo e de significação ideológica ou cotidiana. É apenas essa palavra que compreendemos e respondemos, que nos atinge por meio da ideologia ou do cotidiano (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 181).
Nesta seção, explicitarei as teorizações bakhtinianas sobre o
funcionamento da palavra como quadro teórico que embasa a concepção do protótipo
de app proposto neste estudo. Sobre isso há que se fazer duas considerações. A
primeira é que, segundo Stella (2005, p. 175), Bakhtin e seu círculo inauguram, nas
primeiras décadas do século XX, uma visão de palavra e de linguagem em geral, que
as concebe a partir de um ponto de vista histórico, social e cultural, isto é,
necessariamente contextualizado. Nesse sentido, trabalhar com o conceito de palavra
sob a ótica de Bakhtin é esbarrar em questões mais amplas inerentes à lingua, é
considerar a palavra em sua acepção mais ampla, como discurso e enunciação.
Dessa forma, ainda que o app em questão tenha como foco a aprendizagem de
palavras, ele não se limita à uma visão de palavra como vocábulo de dicionário.
Em segundo lugar, cabe ressaltar que no aprofundamento da concepção
de palavra, bem como em outras noções tratadas em Bakhtin, esbarramos na não
linearidade dos textos e discussões, o que aponta para a complexidade em se
compreender esse conceito e para a necessidade de uma atitude responsiva do leitor
diante do desafio de se compor significados para ele. Nesse sentido, é necessário
ainda salientar que existem diferentes possibilidades de tradução do vocábulo palavra
no russo, língua original dos textos do Círculo de Bakhtin. Sobre isso, Stella (2005, p.
183) afirma que justamente pelos textos não terem sido traduzidos em
ordem cronológica, alguns termos variam de um livro para o outro de acordo com as
escolhas do tradutor e do público para o qual ele se destina. Para exemplificar essa
variação, Stella (2005, p. 183) nos revela o duplo significado de palavra em russo.
Segundo o autor, o vocábulo pode tanto corresponder à palavra em Português, como
pode designar outro termo que é discurso.
47
Diante do exposto, passamos agora a percorrer as discussões iniciais
sobre língua e linguagem na perspectiva bakhtiniana. Partindo do pressuposto de que
a linguagem é essencialmente ideológica, Bakhtin e Volóchinov (2017 [1929], p. 174)
explicam que devemos nos afastar de um ponto de vista unicamente objetivo que
tende a olhar a língua de forma independente e isolada, ou seja, como sistema de
normas indiscutíveis e fixadas.
Assim, ressalta-se que a consciência subjetiva do falante não se constitui
a partir de um sistema de formas normativas e idênticas, mas na significação nova e
concreta que as estruturas linguísticas assumem em um determinado contexto
concreto. Para os autores não importa o aspecto dessas formas, que permanece o
mesmo em todos os casos do seu uso. “O que importa para o falante é aquele aspecto
da forma linguística graças ao qual ela pode aparecer em um contexto concreto”
(BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 177). Tendo isso em vista, a proposta de
app deve abarcar a situação concreta de enunciação para que a palavra ganhe vida
e seja compreendida dentro do processo de significação.
Em essência, a língua como concretude socioideológica viva, como opinião heterodiscursiva situa-se, para a consciência individual, na fronteira do que é seu e do outro. A palavra de uma língua é uma palavra semialheia; só se torna palavra quando o falante a satura de sua intenção, de seu acento, assume o domínio da palavra, fá-la comungar em sua aspiração semântica e expressiva. Até este momento de apropriação, a palavra não está numa língua neutra e impessoal (pois não é do dicionário que o falante tira a palavra!), mas em lábios alheios, em contextos alheios, a serviço de intenções alheias: é daí que deve ser tomada e tornada sua (BAKHTIN, 2017 [1934-1935], p. 69).
Portanto, se a forma linguística só tem relevância como um signo mutável
e flexível, faz-se necessário que seu processo de compreensão não seja confundido
com o processo de reconhecimento. Por se tratarem de processos significativamente
distintos, Bakhtin e Volochinov (2017 [1929]) chamam a atenção para a diferença
existente entre os processos de compreensão e reconhecimento: enquanto o sinal é
reconhecido, o signo é compreendido.
O aspecto constitutivo na compreensão da forma linguística não é o reconhecimento do “mesmo”, mas a compreensão no sentido exato dessa palavra, isto é, a sua orientação em dado contexto e em dada situação, orientação dentro do processo de constituição e não “orientação” dentro de uma existência imóvel (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 178).
48
Imutável e inflexível, o sinal se desvincula do domínio da ideologia, isso
significa que ele não substitui, reflete ou refrata algo. Para os autores, uma forma
linguística não será compreendida enquanto sinal, mas quando se constituir como
signo ideológico, orientado pelo contexto. Compreendemos, portanto, que no
processo de aprendizagem de uma língua estrangeira é importante que as formas
linguísticas sejam assimiladas não como imutáveis e idênticas no sistema abstrato da
língua, mas na estrutura de um enunciado concreto, como um signo flexível e mutável.
Desse modo, a palavra nunca poderá ser empregada como um termo dicionarizado,
mas nas mais diferentes situações de enunciação.
É nesse contexto que retomamos a citação que inaugura este capítulo.
Para Bakhtin e Volochinov (2017 [1929], p. 181), a palavra estará “sempre repleta de
conteúdo e de significação ideológica ou cotidiana”, uma vez que “nunca
pronunciamos ou ouvimos palavras, mas ouvimos uma verdade ou mentira, algo bom
ou mal, relevante ou irrelevante”. É, portanto, na enunciação que as palavras se
orientam para um interlocutor. Bakhtin e Volochinov (2017 [1929], p. 184) elucidam
que qualquer enunciado monológico é um elemento indissociável da comunicação
discursiva e, por isso, “responde a algo e orienta-se para uma resposta”. Nesse
sentido, toda palavra, isto é, todo enunciado reverbera as que a procederam,
“polemiza com elas, espera por uma compreensão ativa e responsiva, antecipando-
a, etc”.
A realidade efetiva da linguagem não é o sistema abstrato de formas linguísticas nem o enunciado monológico isolado, tampouco o ato psicofisiológico de sua realização, mas o acontecimento social da interação discursiva que ocorre por meio de um ou de vários enunciados. Desse modo, a interação discursiva é a realidade fundamental da língua (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], pp. 218 - 219).
Nesse contexto, evidencia-se o trato da palavra como parte do processo de
interação entre o falante e o interlocutor, relacionada à vida e à realidade, imbuindo-a
das entoações, dos valores conferidos e/ou agregados ao dito pelos interlocutores.
Assim sendo, a palavra é vista como um ato bilateral, determinada tanto por aquele
que fala quanto por aquele que a escuta. “Ela é uma ponte que liga o eu ao outro [...]
É o território comum entre o falante e o interlocutor” (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017
[1929], p. 205).
49
O enunciado se forma entre dois indivíduos socialmente organizados, e, na ausência de um interlocutor real, ele é ocupado, por assim dizer, pela imagem do representante médio daquele grupo social ao qual o falante pertence. A palavra é orientada para o interlocutor, ou seja, é orientada para quem é esse interlocutor: se ele é integrante ou não do mesmo grupo social, se ele se encontra em uma posição superior ou inferior em relação ao interlocutor [...] Não pode haver um interlocutor abstrato, por assim dizer, isolado [...] Na maioria dos casos, pressupomos um certo horizonte social típico e estável para o qual se orienta a criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos.” (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 205)
De maneira resumida, a palavra apresenta quatro propriedades que a
definem: pureza semiótica, possibilidade de interiorização, participação em todo ato
consciente e neutralidade. Segundo Stella (2008), a pureza semiótica faz referência à
capacidade de funcionamento e circulação da palavra como signo ideológico em toda
e qualquer esfera. Quanto à interiorização, a palavra, como vimos, é o único meio de
contato entre o conteúdo interior do sujeito, ou seja, sua consciência constituída por
palavras e o mundo exterior construído através das palavras. A visão de mundo de
cada sujeito se constrói a partir do confronto entre as palavras da consciência e as
palavras que circulam nas esferas sociais, ou seja, entre o interno e o externamente
ideológico (STELLA, 2008, p. 179). O processo de interiorização de uma palavra
ocorre, portanto, como uma palavra nova que surge da interpretação desse confronto.
No que se refere à participação em todo ato consciente, a palavra ganha
vida tanto nos processos internos da consciência, por meio da interiorização, quanto
nos processos externos de circulação da palavra nas esferas ideológicas, ou seja,
nós, enquanto sujeitos históricos e dialógicos participamos da construção e
negociação de sentidos das palavras.
A neutralidade da palavra, por sua vez, está relacionada aos contextos
concretos de enunciação. Dependendo de como ela aparece em um enunciado
concreto, ela irá assumir uma determinada função ideológica. Nessa propriedade, a
palavra pode ser compreendida como um “signo neutro”, não porque ela não possui
uma “carga ideológica”, mas porque como signo, recebe significados a cada momento
de seu uso.
Assim sendo, no que diz respeito ao processo de aprendizagem de línguas,
ao ressaltarem o caráter ideológico do signo, bem como a importância do contexto
ideológico para a compreensão das formas linguísticas, Bakhtin/Volóchinov (2017
[1929]) contribuem para se pensar a importância de desenvolvermos através da
50
educação uma postura consciente e crítica frente à linguagem e à sociedade (ROCHA,
2006, p. 115). Dessa forma, há um desafio para a construção de apps nessa vertente.
É importante, portanto, levar em conta o contexto e as situações concretas de
enunciação, de modo não artificial ou demasiadamente didatizado, como entendidos
em abordagens tradicionais. Assim, na proposta de app é necessário haver um espaço
para que essa situação concreta possa ser realizada, ou seja, para que as definições
das palavras sejam construídas a partir de um contexto concreto de uso e para que
possamos analisar e compreender quem são os interlocutores, ou seja, quem está
falando, com quem, em que situação etc.
Passamos agora à apresentação dos critérios técnicos que, relacionados a
essa visão de lingua(gem) contribuem para o delineamento da proposta do aplicativo
educacional móvel.
2.5 Avaliando aplicativos móveis
Esta seção buscará apresentar e fundamentar os critérios de análise,
delineados por Farhat (2016), para aplicativos móveis direcionados à aprendizagem
de línguas, articulando essas proposições aos propósitos e contextos de meu estudo.
Os critérios estabelecidos pela citada autora são, fundamentalmente baseados, na
análise crítica e situada de uma checklist ou ficha de avaliação de apps proposta por
McQuiggan et al. (2015)7. As reflexões de Farhat (2016), bem como os critérios
elencados por ela, contribuirão para a análise do processo de desenvolvimento da
proposta de app móvel e de suas características.
Conforme pontuam McQuiggan et al. (2015), há ainda uma escassez de
critérios explícitos e teoricamente fundamentados, voltados à avaliação de aplicativos
educacionais, o que é ainda mais evidente quando se trata de aplicativos de
aprendizagem de línguas estrangeiras, principalmente, em contextos de minorias,
como é o caso da comunidade surda. Por isso, trabalhos como de Farhat (2016) como
é o caso da comunidade surda. Por isso, trabalhos como de Farhat (2016) contribuem
significativamente para o campo da aprendizagem móvel.
Para Farhat (2016), existem alguns aspectos básicos que servem de
parâmetro de avaliação para qualquer tipo de app móvel, no entanto, segundo
7 Ambas checklists estão disponíveis na seção ANEXO I deste trabalho.
51
Andrade, Araújo e Silveira (2015, p. 546) citados por Farhat (2016, p. 96):
No caso dos aplicativos com fins educativos, esses parâmetros
incluem características pedagógicas e aquelas relacionadas aos
aspectos técnicos. Um aplicativo não deve, obrigatoriamente, conter
todas as características de qualidade, e sim, ter a qualidade
necessária para o alcance de seus propósitos e satisfação de seus
usuários. Entretanto, considerando a construção de soluções de
aprendizagem com mobilidade, é necessário que estas devam
priorizar os critérios de usabilidade, acessibilidade, mobilidade,
colaboração/cooperação.
Dessa maneira, a autora considera os âmbitos determinados por
McQuiggan et al. (2015) basilares para o processo de avaliação de apps móveis. São
eles: propósito, alinhamento, âmbito pedagógico, personalização, compartilhamento,
facilidade no uso, privacidade, cidadania do aplicativo e acessibilidade. Entretanto, a
autora ressalta que esses critérios são insuficientes quando se trata de apps
destinados à aprendizagem de línguas, especialmente, línguas estrangeiras. Por isso,
ela problematiza questões relacionadas ao domínio do âmbito pedagógico e
acrescenta critérios relacionados à pluralidade de língua e linguagens, aprendizagem
de gramática e vocabulário, produção e compreensão oral e escrita, trabalho
colaborativo, letramentos e criticidade), além de flexibilidade e mobilidade.
Tendo em vista as especificidades do contexto linguístico da comunidade
surda, entendemos que nem todos os critérios propostos por McQuiggan et al. (2015)
e Farhat (2016) são compatíveis com a avaliação de um app destinado a esse público.
Alguns desses critérios incluem aspectos envolvendo compreensão oral e feedbacks
auditivos, por exemplo, por isso precisam ser adaptados.
Considerando que o objetivo do presente estudo é apresentar uma
proposta de app que ainda não está materializada, entendemos que o checklist se fez
importante não para a avaliação da proposta, mas para que os aspectos técnicos
fossem delineados. Apesar disso, nesse momento, mais do que descrever esses
aspectos, este trabalho tem como foco a análise e a fundamentação das
características relativas ao processo de aprendizagem, a partir de uma visão situada
de língua(gem).
Nesse contexto, é importante ressaltar que dificilmente um app será capaz
de contemplar todos os aspectos elencados pelos autores. Por isso, para o que aqui
é proposto, os pontos selecionados para a condução deste estudo se justificam a partir
52
das teorizações dos citados autores e conforme os alunos surdos expressavam suas
necessidades e percepções em relação à tecnologia e à aprendizagem de Português.
Desse modo, para o delineamento do app consideramos os aspectos a seguir, os
quais sigo explicitando.
2.5.1 Personalização
McQuigganet al. (2015), no que diz respeito ao quesito personalização,
focam na criação de logins e nas experiências de aprendizagem baseadas nos
interesses, nas habilidades e nos conhecimentos dos usuários. Para Pegrum (2014),
o m-learning é representado por três elementos característicos: personalização,
individualização e customização. Isso significa que os apps devem oferecer a
possibilidade de personalização, para que seu funcionamento esteja sempre o mais
próximo possível dos desejos do usuário.
Além disso, para que possamos nos envolver em um processo de
aprendizagem significativa é preciso criar espaços para que o usuário aprenda de
forma situada e personalizada, rompendo barreiras da educação formal e da simples
transposição de conteúdo para os dispositivos móveis (PEGRUM, 2014). Nesse
contexto, a autora defende a presença da auto avaliação dentro do app, com o intuito
de incentivar que o usuário reflita sobre seu processo de aprendizagem.
• O aplicativo permite ou exige que o usuário crie logins?
• O aplicativo oferece ao usuário a criação de um perfil com possibilidade de escolher, de
acordo com seus objetivos as habilidades no idioma estrangeiro que gostaria de
trabalhar/focar?
• O aplicativo realiza desafios relacionados aos conhecimentos adquiridos pelo usuário e
assim moldar o conteúdo para mais complexo ou mais fácil diante dos resultados (por
exemplo: testes)?
53
2.5.2 Compartilhamento e acesso
• O trabalho criado e realizado pelo usuário no aplicativo pode ser exportado ou
compartilhado em redes sociais?
• O aplicativo está ligado a uma rede social, ou outros meios de compartilhamento de
conhecimento de fácil acesso ao usuário?
• O aplicativo disponibiliza recursos para que os aprendizes interajam entre si (trabalho
com aprendizagem compartilhada)?
• O aplicativo permite que os usuários realizem atividades simultâneas entre si, que
incentivem a colaboração e trabalho em equipe (ex: jogos, competições, testes, tarefas)?
No conjunto de critérios proposto por Farhat (2016), apoiado na checklist
de McQuiggan et al. (2015), a presença das redes sociais é abordada em vários
domínios, uma vez que, ao se vincularem a redes sociais, os apps móveis
potencializam as chances de promover uma aprendizagem situada, significativa e
colaborativa, através das conexões (em rede) com outras plataformas e com outros
usuários.
Segundo Sharples (2013), a aprendizagem colaborativa pode influenciar de
maneira bastante positiva a aprendizagem móvel. Desse modo, as redes sociais
contribuem para colocar o app dentro de uma perspectiva sociocultural bastante
defendida no campo da aprendizagem móvel (PEGRUM, 2014). Portanto, possibilitar
que os usuários explorem essas potencialidades através da conexão com outros apps
e plataformas, significa contribuir para uma aprendizagem mais efetiva.
Segundo Farhat (2016), a popularização das redes sociais tem levado a
comunicação para outros limites que, quando aproveitados, podem resultar em troca
de informações, conhecimentos, culturas, etc. Além de compartilhar, é possível
conversar e colaborar com a aprendizagem de outros usuários (PEGRUM, 2014),
enquanto também se aprende uma língua estrangeira. Assim, seguem abaixo as
questões que devem ser respondidas ao se analisar o quesito compartilhamento e
acesso.
54
2.5.3 Pluralidade de língua, linguagens, cultura
• O aplicativo apresenta pluralidade cultural e de linguagens, por meio da diversidade de
exemplos em diferentes atividades sociais, grupos sociais e eventos culturais?
• O aplicativo apresenta diversidade étnica, racial, de gênero e de cultura por meio de
textos verbais e não verbais?
• O aplicativo evidencia diversas formas de cultura ou sempre trabalha com a cultura
denominada padrão, estereotipada por meio de textos escritos e imagéticos?
Em relação à pluralidade de língua, linguagens e cultura, o app deve buscar
promover, a partir de seus princípios, a interação entre conhecimento e sociedade,
propiciando aos alunos o reconhecimento do hibridismo constitutivo das línguas e
linguagens, dos saberes e das culturas. O objetivo principal é o desenvolvimento da
consciência do papel das línguas na sociedade e o reconhecimento da diversidade
cultural (ROCHA, 2012), levando os aprendizes a questionarem verdades impostas
como únicas, fixas e estáveis, fazendo emergir novos paradigmas sociais e
educacionais.
Diante do desenvolvimento das novas tecnologias aplicadas à educação, a
internet tem sido “fundamental no que diz respeito à pesquisa e à expansão do
conhecimento construído na escola, colaborando, portanto, para o aparecimento de
novos olhares sobre o outro” (CHAGAS, L.A., 2013).
2.5.4 Âmbito pedagógico
• O aplicativo oferece ao usuário feedbacks de suas ações?
• O aplicativo trabalha com o usuário a capacidade de associar, planejar, hipotetizar, entre
outras, de maneira efetiva?
• O aplicativo disponibiliza outras formas de informações/aprendizagem (links, sites, bate-
papos) que permitam ao usuário navegar em busca de outras fontes de conhecimento e
não só as disponibilizadas no app?
Os critérios relacionados ao Âmbito pedagógico, fazem menção a
feedbacks, experiências de aprendizagem, funções mentais superiores, colaboração
e motivação. Na aprendizagem móvel, é importante garantir que os usuários
55
continuem motivados a usar os apps. Segundo Moura (2010) e Pegrum (2014), citados
por Farhat (2016), o oferecimento de materiais e respostas/retornos aos usuários
podem mantê-los motivados, tornando a aprendizagem mais efetiva, uma vez que o
aprendiz tem a chance de identificar o erro e saná-lo.
Além disso, outra importante questão está relacionada à capacidade de
associação, planejamento, entre outras, possibilitadas pelas atividades oferecidas no
app. De acordo com Pegrum (2014), essas atividades, especialmente quando há
utilização de jogos, permitem ao usuário associar, planejar, relacionar ao seu próprio
contexto, o que torna a aprendizagem mais significativa.
Finalmente, é interessante que o conteúdo existente no app não seja a
única fonte de informação do usuário. O conjunto formado pelo dispositivo móvel e
seu acesso à internet revela-se um enorme potencial para aprendizagem e busca de
informações (FARHAT, 2016, p. 112). Portanto, os apps devem possibilitar que os
usuários façam pesquisas em outras fontes, consultando, inclusive, outros usuários,
com os quais possam construir e compartilhar sua aprendizagem. Para Pegrum (2014)
e Sharples (2013), “o m-learning precisar fornecer ao usuário ferramentas que
possibilitem a busca por informações e conhecimentos em diversas fontes,
potencializando a aprendizagem móvel” (FARHAT, 2016, p.112). Portanto, para esse
quesito são determinadas as questões expostas abaixo.
2.5.5 Modos de aprendizagem
• As atividades propostas favorecem o condicionamento, a repetição e a formação de
hábitos linguísticos em detrimento de propostas mais contextualizadas, que explorem
a criatividade?
• As atividades trazem evidências de aprendizagem programada, ou seja, de
procedimentos pré-orientados para um reforço positivo imediato, com vistas ao
máximo de acertos por parte do usuário?
• As atividades evidenciam uma visão de linguagem como estrutura?
• As atividades propostas favorecem o uso de capacidades de associar, hipotetizar,
planejar, etc., e que explorem a criatividade?
• As atividades evidenciam uma visão de linguagem com construção de sentidos?
• O aplicativo trabalha atividades de vocabulário, gramática, compreensão oral e escrita
de forma contextualizada, partindo do texto e não de modo isolado?
56
Farhat (2016) relaciona esse quesito às três perspectivas de aprendizagem
propostas por Cope e Kalantzis (2012), já discutidas nesse trabalho. A saber: mímesis,
synthesis e reflexividade. Segundo Farhat (2016), essas perspectivas permeiam o
modo como os conteúdos são oferecidos e explorados nos apps, já que cada uma
apresenta características representativas no que se refere à aprendizagem móvel em
língua estrangeira.
Essas três abordagens são importantes para a definição e/ou avaliação dos
princípios dos apps móveis de ensino de línguas, uma vez que auxiliam na
compreensão dos mecanismos de aprendizagem que orientam os conteúdos e
possivelmente contribuem para que a aprendizagem aconteça em uma perspectiva
situada (SHARPLES, 2005). Portanto, os critérios propostos nesse âmbito podem
auxiliar tanto usuários quanto desenvolvedores.
Considerando a palavra “uma ponte que liga o eu ao outro”
(BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p.205), um app educacional voltado para o
ensino-aprendizagem de língua deve estar alinhado à ideia de prática da linguagem
em contextos socialmente e historicamente constituídos e, portanto, situados
(ROCHA, 2006, p. 115), assumindo o compromisso de possibilitar o diálogo com
outras culturas.
57
CAPÍTULO 3 – UMA MANEIRA DE OLHAR
Taurus Horoscope (Ganesh Shetty8)
http://abstractartistganesh.blogspot.com.br/
Este capítulo está dividido em quatro partes. Na primeira, discorro sobre o
campo de investigação, no qual o trabalho está inserido. Na segunda, apresento a
natureza e o caráter da pesquisa. Na terceira, apresento o contexto e os participantes
da pesquisa. Por fim, apresento os instrumentos metodológicos utilizados para a
condução da pesquisa, bem como o processo de prdução de dados.
3.1 Observando a partir da Linguística Aplicada
Como pesquisadora em um programa bilíngue de apoio escolar a criança
e jovens surdos, minha atuação envolveu, além da pesquisa aqui delineada, o trabalho
8 Por figuras geométricas e cores cheias de contrastes, as telas do pintor indiano Manur Chandrashekar Ganesh Shetty (ou M.C. Ganesh Shetty, como é conhecido) recriam formas humanas, cenas cotidianas, imagens devocionais, etc., em traços abstratos que se assemelham a obras em vitrais. Shetty, aos cinco anos, perdeu a audição e, desde então, pintar firma-se como um meio privilegiado de comunicação, ao lado da língua de sinais e da língua majoritária do país. Disponível em: <https://culturasurda.net/category/artes-plasticas/>. Acesso em: 17 nov. 2016.
58
com o ensino de leitura e escrita em português como segunda língua para onze alunos
surdos do ensino médio, da rede pública de ensino. O cenário sociolinguístico de
minorias e, nesse caso, especificamente, da comunidade surda, é complexo e diverso.
Por isso, como aponta Cavalcanti (2003), as escolhas metodológicas e teóricas dessa
pesquisa esbarraram em questões de ordem ética e política.
Nesse sentido, cabe registrar aqui a constante preocupação em abandonar
conceitos e procedimentos cristalizados que, como reforça Cavalcanti (2003),
pudessem ser prejudiciais à imagem dessa comunidade que luta para se tornar visível
e ter seus direitos social e legalmente reconhecidos. Este capítulo, portanto, narra os
(des)caminhos percorridos por mim enquanto pesquisadora dentro de uma
perspectiva interpretativista (ERICKSON, 1986) no fazer pesquisa aplicada em LA9.
Para dar conta da complexidade sociolinguística de minorias e de outras
questões envolvendo a linguagem, torna-se relevante destacar o campo da LA como
um campo que se sustenta em um referencial teórico antidisciplinar (PENNYCOOK,
2001). Isso implica que o linguista aplicado, para tentar entender a questão de
pesquisa com a qual ele se defronta, precisa se envolver com conhecimentos teóricos
que atravessam outras áreas de conhecimento (MOITA LOPES, 2006). É
corroborando para a compreensão da LA como um campo transdisciplinar, conforme
asseveram Celani (1998) e Rojo (2006), que este trabalho contou com o apoio de
pesquisadores e técnicos da área de tecnologia e com a coorientação da Profa. Dra.
Ivani Rodrigues Silva, docente do curso de fonoaudiologia, da Faculdade de Ciências
Médicas, na Universidade Estadual de Campinas.
Na tentativa, portanto, de contribuir para redimensionar, no campo da LA,
o estudo da educação de surdos, assumo que o contexto educacional dessa
comunidade, atrelado à presença das novas tecnologias, pode ser estudado como um
objeto complexo (SIGNORINI, 1998). A complexidade, nesse caso, como aponta
Bunzen (2005), não deve ser entendida como “dificuldade”. Trata-se, na verdade, de
uma escolha de cunho epistemológico e metodológico em relação à construção do
objeto de investigação que é, notoriamente, um objeto multifacetado.
Isso implica dizer que as escolhas metodológicas foram processuais e
9 A linguística aplicada é entendida aqui como parte das ciências sociais. Concordo com Rojo (2006) que sugere
que a LA não “trata de qualquer problema – definido teoricamente -, mas de problemas com relevância social
suficiente para exigirem respostas teóricas que tragam ganhos a práticas sociais e a seus participantes, no sentido
de uma melhor qualidade de vida, num sentido ecológico”.
59
constituídas “por ações orientadas mais por um plano que por um programa fixo pré-
montado, por ações orientadas e gradativamente reorientadas em função dos meios,
interesses e obstáculos em jogo” (SIGNORINI, 1998, p. 103). Esse processo, não
linear, que exige, muitas vezes, um olhar crítico do pesquisador, bem como seu
reposicionamento, está ilustrado, por exemplo, na escolha de um dos instrumentos de
registro de dados – questionário online - que ao priorizar o português escrito, segunda
língua de grande parte dos alunos surdos, levou mais tempo que o esperado para ser
aplicado, além disso, demandou uma explicação detalhada de cada questão presente
no questionário. Dessa forma, os dados registrados a partir dele tiveram que ser
apoiados por outros instrumentos, como veremos no final deste capítulo.
3.2 Natureza e caráter do estudo
Esta pesquisa define-se como interpretativista, de natureza qualitativa e
de cunho etnográfico, segundo a perspectiva de Erickson (1986), Santos Filho e
Gamboa (2002), André (2003), Lankshear e Knobel (2008), entre outros.
No que se refere aos paradigmas quantitativos e qualitativos relacionados
a pesquisas científicas, devemos salientar que a pesquisa qualitativa adota uma
visão epistemológica contrária à abordagem quantitativa, na medida em que
Supõe que, para entender o mundo, precisamos concentrar-nos nos contextos – o que, diversamente, envolve prestar atenção à história, à temática, ao uso da linguagem, aos participantes de um evento em especial, a outros acontecimentos que ocorram ao mesmo tempo, e assim por diante (LANKSHEAR e KNOBEL, 2008, p. 35).
Dentro dessa perspectiva, segundo André (2003), o processo de
construção e interpretação de significados é realizado de forma indutiva e descritiva.
Dessa forma, uma vez que a pesquisa de natureza qualitativa privilegia a interpretação
e a compreensão de significados, a partir de um contexto específico (ANDRÉ, 2003),
ela revela-se também uma pesquisa interpretativista ou interpretativa (ERICKSON,
1986).
Segundo Ress (2008), há uma série de abordagens para a pesquisa
qualitativa que se utiliza de técnicas distintas, a depender do campo de estudo. Por
isso, interessa aqui explicar os fatores que nos levam a conceituar essa pesquisa no
paradigma qualitativo.
60
Esse estudo, portanto, revela sua natureza qualitativa (SANTOS FILHO E
GAMBOA (2002); ANDRÉ (2003); LANKSHEAR E KNOBEL (2008); entre outros) e
propositiva, uma vez que busca propor e descrever um protótipo de aplicativo móvel
que auxilia a aprendizagem de palavras em português, com base na compreensão e
interpretação do perfil e das percepções de um grupo de alunos surdos em relação a
essa aprendizagem; sem o envolvimento de “manipulação de variáveis ou tratamento
experimental” (ANDRÉ, 2003, p. 17), ou seja, através de uma abordagem naturalística
do fenômeno em questão.
Além disso, a natureza qualitativa desta pesquisa também se justifica
porque, nesse estudo, nos interessou muito mais compreender quais características
um aplicativo móvel deveria ter para auxiliar o processo de aprendizagem de palavras
em português escrito, a partir da percepção dos próprios alunos, ou seja, a situação,
dentro de um contexto específico, do que nos centrar no aplicativo como “produto final”
(ANDRÉ, 2003, p. 29).
Nesse estudo, há ainda que se ressaltar que estando na condição de
pesquisadora e professora do programa bilíngue de apoio escolar a crianças e jovens
surdos, faço parte do contexto de pesquisa e, portanto, estou imersa no fenômeno de
interesse (SANTOS FILHO E GAMBOA, 2002, p. 45). Dessa forma, esse trabalho
também pode ser caracterizado como uma pesquisa de campo, como aponta
Gonsalves (2003, p. 67), ao destacar que esse tipo de pesquisa demanda do
pesquisador um encontro direto com a população pesquisada, estabelecendo uma
relação de proximidade com o fenômeno investigado.
Dentro dessa perspectiva, esta pesquisa se define também como sendo de
cunho etnográfico. Segundo Ress e Mello (2011, p. 32), revozeando Spradley (1980,
p. 7-8), “o etnógrafo deve ir além da observação do comportamento e dos estados
emocionais das pessoas”. Segundo as autoras, Spradley busca evidenciar que a
pesquisa qualitativa de cunho etnográfico não se restringe apenas à visão étnica ou
ética, mas sustenta-se, também, na êmica:
O termo êmico significa “interno” (insider) e sugere que a interpretação de um fato ou valor cultural, seja de um indivíduo ou de um grupo, étnico ou fenomenológico, deve levar em conta a verdade como ela é entendida pelas pessoas que vivenciam aquela determinada cultura. (RESS E MELLO, 2011, p. 32)
61
Nesse sentido, ao se fazer pesquisa sobre grupos minoritários, devemos
assumir o compromisso de olhar criticamente para o contexto estudado, (re)ler e
(re)avaliar teorias que se estabelecem muitas vezes sem considerar a existência
desses grupos e possibilitar, dentro de nossos estudos, que as vozes desses sujeitos
sejam ouvidas e que essas pesquisas sejam feitas “de dentro” (SMITH, 1999).
Sendo assim, a observação, uma das técnicas utilizadas na produção de
registros desta pesquisa, tem papel fundamental, uma vez que ela possibilita uma
“primeira aproximação a um determinado fenômeno que é pouco explorado”, o que
caracteriza esse estudo, de acordo com alguns teóricos, um estudo de caráter
exploratório (GONSALVES, 2003, p. 65) e participante (MATOS E VIEIRA, 2002, p.
46), já que este tipo de pesquisa “caracteriza-se pelo envolvimento e identificação do
pesquisador com as pessoas pesquisadas”.
De modo geral, o presente estudo fundamenta sua natureza qualitativa e
seu cunho etnográfico, na medida em que, enquanto pesquisadora e professora,
estive durante um ano dentro da sala de aula de um programa bilíngue de apoio
escolar a crianças e jovens surdos, imersa no contexto e próxima dos alunos
participantes da pesquisa, por vezes extrapolando o tempo e o espaço da
investigação. Nesse sentido, a pesquisa caracteriza-se também como um trabalho de
campo de base etnográfica, uma vez que, como já explicitado, exigiu um encontro
direto com os participantes e com o contexto da pesquisa (GONSALVES, 2003, p. 67).
É importante salientar que o caráter participante da pesquisa apresenta-se
também na forma como os dados foram gerados, o que irei explicar de modo mais
detalhado em seções posteriores. Nesse sentido, cabe destacar que os dados foram
sendo produzidos de maneira processual e horizontalizada, sendo (re)pensados e
(re)construídos a partir da constante colaboração e interação com os participantes do
estudo.
Com o intuito de explicitar os critérios utilizados para a classificação desse
estudo, apresento, com base em Gonsalves (2003, p. 64) a tabela a seguir, onde estão
resumidos os aspectos norteadores do trabalho segundo os objetivos, os
procedimentos de coleta, as fontes de informação e segundo a natureza dos dados:
62
Tipo de
pesquisa
segundo os
objetivos
Tipo de
pesquisa
segundo o
procedimento
de coleta
Tipo de
pesquisa
segundo as
fontes de
informação
Tipo de
pesquisa
segundo a
natureza dos
dados
Explorató
ria
Propositi
va
Participativa
Campo Qualitativa de
cunho
etnográfico
Figura 4 - Classificação da pesquisa. Adaptado de Gonsalves (2003, p. 64)
Há ainda um último ponto a ser elucidado no que diz respeito à
caracterização deste estudo. Para a construção de protótipos de aplicativos, conforme
aqui proposto, dois campos de conhecimentos específicos emergem: a) tecnológico
b) educacional. Como apontam McGuiggan et al (2015), desenvolver tecnologias
educacionais móveis requer a compreensão de como os estudantes aprendem, das
práticas escolares efetivas, do design intuitivo e das inovações tecnológicas.
Desse modo, para que os objetivos colocados pudessem ser atendidos, foi
importante que a pesquisa assumisse um caráter interdisciplinar. Por isso, além da
participação constante dos alunos no delineamento das características do protótipo,
contei com a ajuda de um aluno do curso de Midialogia do Instituto de Artes, da
Universidade de Campinas, Tales Bicudo10, que possui em sua trajetória acadêmica
trabalhos de desenvolvimento de aplicativos móveis educacionais. Dessa forma,
realizamos sete encontros, registrados através de gravação em áudio, nos quais
discutimos as definições técnicas do protótipo: necessidade de um ambiente para
hospedar o app, interface, usabilidade, etc.
Além disso, uma vez que não há tempo hábil e recursos financeiros
disponíveis para, nesse momento, contratar programadores que possam colocar o
app em funcionamento, o projeto do app está cadastrado em uma plataforma
chamada GitHub. A plataforma se define como uma rede social colaborativa de
programadores ou uma fábrica social de software, em que é possível compartilhar e
construir projetos, a partir da colaboração de programadores que fazem parte da rede.
10 A divulgação do nome foi autorizada pelo aluno em consulta anterior.
63
Dessa forma, a construção desse app por ser descentralizada e colaborativa também
ocorre dentro da nova mentalidade, ou seja, do novo ethos proposto por Lankshear e
Knobel (2007).
3.3 O contexto e os participantes da pesquisa
O cenário em que se desenvolveu o trabalho de campo apresentado nesta
pesquisa foi o programa bilíngue de apoio escolar a crianças e jovens surdos,
desenvolvido em um centro de estudos de uma universidade pública, localizada no
interior da região sudeste do país. O programa, focado em leitura e escrita do
português como segunda língua, atende crianças e jovens surdos da rede pública de
ensino, residentes no município onde está localizado o centro e também nas cidades
vizinhas11.
O centro de estudos em questão, apoiado em uma visão interdisciplinar,
atua no desenvolvimento humano e suas alterações, trabalhando especificamente
com deficiência visual, surdez, língua, linguagem e alterações de linguagem em todas
as faixas etárias. Dessa forma, são disponibilizados atendimentos fonoaudiológicos,
acompanhamento psicológico individual e em grupos familiares, orientação do Serviço
Social, aulas de língua brasileira de sinais a crianças surdas e seus familiares e
atendimentos pedagógicos, cujo objetivo é trabalhar leitura e escrita do português, em
parceria com projetos de Artes.
Minha inserção no contexto se deu através de um programa de
aprimoramento profissional realizado no centro de estudos, durante todo o ano de
2015, onde atuei como professora de leitura e escrita do português como segunda
língua, em conjunto com uma professora surda. No total eram dezenove crianças e
adolescentes surdos divididos em dois grupos: o primeiro com sete alunos do ensino
fundamental e o segundo com onze alunos do ensino médio, os quais serão
apresentados na sessão seguinte deste trabalho.
As aulas tinham duração de duas horas e eram realizados duas vezes por
semana em cada grupo. As atividades desenvolvidas no programa eram elaboradas
por mim, em consonância com o projeto de pesquisa elaborado para cumprir as
exigências previstas pelo curso de aprimoramento profissional. Dessa forma, a
11 O mesmo contexto de pesquisa foi descrito por Nogueira (2010) e Kumada (2012).
64
elaboração desse projeto, bem como o planejamento dos atendimentos, foram
direcionados para a investigação do perfil dos alunos surdos, no que se refere à
aprendizagem de português escrito, e a relação que eles estabeleciam com as novas
tecnologias digitais, mais especificamente com o smartphone.
Uma vez que minha experiência e inserção no contexto da surdez havia se
dado no Ciência e Arte nas Férias (CAF), onde trabalhei com jovens surdos do ensino
médio, o grupo escolhido para participar da pesquisa aqui apresentada seguiu a
mesma faixa etária e o mesmo grau de escolaridade. Trata-se, portanto, de onze
alunos de 15 a 18 anos de idade, cursando o ensino médio em escolas regulares e
públicas, sendo que três deles não possuem intérprete na sala de aula. A todos os
participantes e pais dos participantes menores de 18 anos foi entregue o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)12 e esclarecidas todas as dúvidas em
relação à pesquisa, seus procedimentos, implicações e seu sigilo.
A imersão prolongada no contexto da surdez me possibilitou colocar em
prática a questão da alteridade ao estar próxima desses alunos e de suas
perspectivas. Apesar de já ter tido um contato prévio com a comunidade surda no
projeto de leitura e escrita do CAF, foi o contato diário e a reflexão constante suscitada
por ele que me fizeram mais sensível a esse complexo contexto sociolinguístico e,
mais que isso, me fizeram assumir um compromisso político com essa comunidade,
o que considero imprescindível para o desenvolvimento da pesquisa com grupos
linguísticos minoritários.
A fim de fazer o levantamento sobre o perfil dos participantes e suas
percepções em relação à aprendizagem de português e às tecnologias digitais
móveis, apliquei um questionário online, cujos detalhes serão retomados na seção
3.4.1 deste capítulo. As informações expostas nesta seção provieram desse
instrumento, o qual dei o nome de Questionário de Perfis (Q1)13, desenvolvido a partir
de uma ferramenta do Google Drive. As respostas das questões objetivas que
compõem o questionário de perfis dos alunos surdos serão aqui apresentadas em
quadro e gráficos.
12 Uma cópia do Termo está presente no ANEXO II dessa dissertação. Cabe ainda dizer que, em se tratando de
um estudo realizado com a presença de seres humanos, essa pesquisa passou pela análise e posterior aprovação do Conselho de Ética em Pesquisa da Unicamp. Número do CAAE: 46000015.6.0000.5404. 13 Questionário disponível no endereço:
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSeBbxAyXgHk4PyuSMZF4CwWwBgW3qjQJ1-
829fxM8rH2m6mbA/viewform. Acesso em: 11 jul 2017
65
Como ocorre em pesquisas qualitativas e de cunho etnográfico, segundo
André (2012), os dados referentes ao perfil dos alunos surdos, neste capítulo, estão
organizados com base em aglutinações por recorrência temática (COHEN et al, 2000).
Assim sendo, aglutinei as questões, a partir dos temas tratados por cada uma delas
através dos quadros já mencionados. Esta forma de organização de dados é proposta
também por Lankshear e Knobel (2008).
O quadro a seguir resume, de forma objetiva, as questões iniciais do Q1
referentes à surdez e à(s) língua(s) com as quais os alunos têm contato diariamente:
14 Há diferentes classificações referentes aos graus de perda auditiva, mas segundo a classificação divulgada pelo
MEC (BRASIL, 1997), baseada na classificação do Bureau Internacional d’Audiophonologie (BIAP) e na portaria
Interministerial nº 186 de 10/03/78, a surdez leve compreende a perda auditiva até 40dB, a surdez moderada entre
40 até 70dB, a surdez severa entre 70 até 90dB e a surdez profunda acima de 90dB.
Nome e idade do
aluno surdo
Grau de perda
auditiva do
aluno14
Uso
aparelho
auditivo
Intérprete na
escola onde
estuda
Língua(s) mais usada(s) para se comunicar
em casa
Língua(s) mais
usada(s) para se comunicar na
escola
J.: 17 anos
Profunda (Implante
Sim
Sim
Português oral Libras/ Português oral
K. 18 anos
Profunda
Sim
Sim
Libras
Libras/ Português oral e
A.: 18 anos
Severa
Não
Sim
Libras
Libras/ Português escrito
Is.: 17 anos
Severa Não
Sim
Libras
Libras/ Português escrito
I.: 17 anos
Profunda (Implante
Sim
Sim
Português oral
Português oral/ Libras
S.: 18 anos
Profunda
Sim
Sim
Libras
Libras/ Português
M.: 18 anos
Profunda
Sim
Sim
Libras
Libras/ Português escrito
In.: 18 anos
Profunda
Sim
Sim
Libras/ Português escrito
Libras/ Português escrito
N.: 15 anos
Leve/ Moderada
Sim Não Português oral Português oral e
L.: 15 anos
Leve/ Moderada
Sim Sim Português oral Português oral
66
Figura 5 - Perfil dos alunos participantes da pesquisa.
Como é possível observar, trata-se de um grupo bastante heterogêneo no
que diz respeito ao grau de perda auditiva e ao uso da libras e do português escrito
e/ou oral. É importante destacar que não é possível estabelecer uma relação clara
entre esses dois fatores, uma vez que outras questões influenciam os surdos a usarem
mais ou menos a língua de sinais e/ou o português nos ambientes formais e informais.
A presença (ou a ausência) de surdos na família e a postura familiar em relação ao
aprendizado da língua de sinais na infância são alguns dos fatores que influenciam
essa questão.
Embora haja diferenças significativas em relação ao uso dessas línguas,
todos os alunos participantes dessa pesquisa reconhecem a importância de se
aprender o português escrito, uma vez que as atividades cotidianas com as quais eles
se envolvem demandam o exercício da leitura e da escrita. No entanto, como já
demonstrado na introdução deste trabalho, os alunos surdos apresentam uma série
de dificuldades relacionadas ao processo de aprendizagem do português escrito.
Vemos a seguir, portanto, os gráficos que resumem as respostas das questões
relacionadas a esse processo:
Figura 6 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 15 do Q1.
J.: 15 anos
Leve/ Moderada
Não
Não Português oral/ Libras
Português oral
67
Figura 7 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 17 do Q1.
Figura 8 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 18 do Q1.
Como aponta a questão 15, a principal dificuldade dos alunos em relação à
aprendizagem do português escrito está relacionada à compreensão de vocabulário.
É possível notar ainda que a maioria dos alunos também apresenta dificuldades no
que se refere à gramática e à interpretação de textos, o que está diretamente
relacionado à dificuldade em conhecer os significados das palavras.
Além disso, os alunos apontaram os trabalhos de escola e as mensagens
enviadas através dos dispositivos digitais como as principais necessidades
envolvendo escrita e leitura do português. É importante salientar que as questões
acima permitiam assinalar mais de uma opção de resposta.
Dando continuidade à descrição do perfil dos participantes desta pesquisa,
passamos agora para as respostas das perguntas referentes à relação dos alunos
com os dispositivos móveis, ressaltando que todos eles assinalaram que possuíam
pelo menos um dispositivo móvel, entre smartphones, tablets e notebooks.
68
Figura 09 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 21 do Q1.
Figura 11 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 24 do Q1.
Conforme ilustrado pelos gráficos acima, os alunos utilizam os dispositivos
móveis para diversos fins, a saber: redes sociais, comunicação e pesquisa. Embora
no momento de aplicação do questionário, os alunos ainda não conhecessem muitas
ferramentas educacionais e de aprendizagem de línguas, como veremos a seguir,
segundo eles, os dispositivos móveis eram instrumentos importantes para auxiliar a
aprendizagem do português escrito. Apesar disso, quase todos os alunos não faziam
uso desses dispositivos nas escolas onde estudavam. Isso se deve em grande parte
ao Decreto nº 52.62515, de 15 de janeiro de 2008, que proíbe, durante as aulas, o uso
do telefone celular nas escolas estaduais de São Paulo.
15 Mais informações em: http://governo-sp.jusbrasil.com.br/legislacao/156993/decreto-52625-08.
Figura 10 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 22 do Q1.
69
Por fim, traçamos características relacionadas ao perfil dos alunos
enquanto usuários de aplicativos móveis direcionados à aprendizagem de português
escrito. Antes de discutirmos as respostas, vejamos os gráficos a seguir:
Figura 12 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 28 do Q1.
Figura 13 - Gráfico gerado a partir das respostas à questão 30 do Q1.
Interessa aqui o fato de que, embora pouco orientados sobre como lidar
educacionalmente com os dispositivos móveis, grande parte dos alunos conhecia
aplicativos que eles consideravam como aplicativos para aprender Português já que
estes apresentavam listas de palavras em Português escrito. Ao longo da pesquisa e
a partir das reflexões suscitadas pelo trabalho mediado pelas tecnologias, os próprios
alunos perceberam que os aplicativos que eles apontaram nas questões do formulário
são, na verdade, tradutores de Português para Libras, cuja proposta é melhorar a
comunicação entre surdos e ouvintes, através da aprendizagem da Libras e não de
Português escrito.
Embora o questionário de perfis online não tenha sido um instrumento de
registro de dados eficaz como veremos mais adiante, seu processo de aplicação e a
reflexão sobre ele foram fundamentais para a escolha dos outros instrumentos de
produção de registros.
70
3.4 Procedimentos e instrumentos para produção de dados
Quando nós, linguistas aplicados, linguistas, antropólogos, médicos, enfim, sujeitos formados em instituições reconhecidas como científicas, entramos numa comunidade específica, cuja cultura é diferente da nossa, dificilmente nos questionamos sobre a bagagem que levamos para adentrar o território do outro, principalmente quando o outro está numa situação subalterna, diante do poder das instituições, através das quais se dá a nossa intervenção na área como profissionais especializados (CAVALCANTI E CÉSAR, 2004)
Por se tratar de um estudo qualitativo, interpretativista, de cunho
etnográfico e, principalmente, por se tratar de uma pesquisa aplicada realizada em
contexto de minoria linguística, foram utilizados diversos instrumentos metodológicos,
com vistas a dar subsídios para a criação do protótipo de aplicativo móvel e alcançar,
então, os objetivos delineados para essa pesquisa. Conforme destacam Lankshear e
Knobel (2008), pesquisas dessa natureza demandam o uso de diferentes
instrumentos para que haja maior possibilidade de triangulação, ou seja, a
possibilidade de uma visão mais complexa e profunda do fenômeno estudado,
garantindo a credibilidade e a autenticidade da pesquisa (LINCOLN E GUBA, 2000).
Considerando o contexto de pesquisa, já devidamente especificado, o
processo de produção de dados foi realizado ao longo de 6 meses de trabalho (agosto
a dezembro de 2015). Dessa forma, a partir dos objetivos estabelecidos para este
estudo, foram utilizados, portanto, diferentes instrumentos para produção de dados,
como sigo explicando em ordem cronológica nos subitens seguintes. Ao final desta
seção, encontra-se um quadro que elenca, de forma resumida, os instrumentos
utilizados para alcançar cada um dos objetivos traçados para esta pesquisa.
3.4.1 Questionário
Para cumprir o objetivo de identificar o perfil e as necessidades dos alunos
surdos em relação a aprendizagem de português escrito e sua interface com as
tecnologias digitais móveis, foi elaborado o supracitado Q1 através de uma ferramenta
do Google Drive que compila as respostas dadas a ele em tabelas e/ou gráficos
resumidos.
71
Este questionário foi composto por 31 questões a respeito da idade dos
alunos, grau de perda auditiva, presença de intérprete na escola, percepções em
relação à importância da aprendizagem de Português e às dificuldades desse
processo. Finalmente, o questionário também apresentou perguntas sobre a presença
das tecnologias digitais móveis dentro e fora do ambiente escolar. Algumas questões
eram múltipla escolha, com a possibilidade de assinalar uma ou mais respostas e
outras eram dissertativas objetivando, sobretudo, conhecer as justificativas das
respostas dadas nas questões de múltipla escolha.
A aplicação do questionário ocorreu nas aulas do dia 06, 13 e 20 de agosto
de 2015, totalizando, portanto, seis horas de duração e ocorreu em um laboratório de
informática de um Instituto pertencente a mesma universidade do programa bilíngue.
Ao elaborar o questionário de perfis, ainda no início da pesquisa e sem a sensibilidade
que mais tarde viria a me constituir, não considerei a língua materna da maioria dos
alunos participantes da pesquisa, uma vez que se tratou de um questionário em língua
portuguesa escrita. Isso fez com que sua aplicação tenha sido longa e trabalhosa, pois
havia questões que, apesar de terem sido explicadas detalhadamente por mim, em
Libras, demandavam justificativas escritas em Português.
Segundo Chaer (2011), o questionário é uma técnica bastante utilizada em
estudos cujo objeto de pesquisa refere-se a questões de cunho empírico, envolvendo
opinião, percepção, posicionamento e preferências. Entretanto, ao ser realizado em
língua portuguesa, segunda língua de grande parte dos alunos surdos, este
instrumento limitou não apenas a compreensão do que estava sendo perguntado, mas
o desenvolvimento das respostas. Portanto, para que as informações advindas do
questionário pudessem ter validade, todas as questões elaboradas para compor o Q1
foram interpretadas não apenas a partir das respostas escritas dos alunos, mas pela
observação constante das aulas, registradas no diário de campo.
3.4.2 Diário de Campo
Em se tratando de uma pesquisa de caráter exploratório, a observação
participante, modalidade de observação em que o pesquisador, segundo Matos e
Vieira (2002), faz parte do grupo sobre o qual se faz a pesquisa (natural) ou passa a
fazer parte (artificial), demanda registros que podem ser feitos através de diário de
campo ou filmagens, gravadores, máquinas fotográficas (MATOS E VIEIRA, 2002).
72
Dessa forma, como já mencionado, além das gravações em vídeo e áudio,
minhas observações a respeito das aulas foram registradas em Diário de Campo
(FETTERMAN, 1989), a fim de identificar e compreender a percepção dos alunos a
respeito da aprendizagem do português escrito como segunda língua e a relação que
eles estabeleciam com as tecnologias digitais móveis para amparar, então, a
elaboração do protótipo de aplicativo móvel.
Além de ser utilizado como instrumento reflexivo para o pesquisador, o gênero diário é, em geral, utilizado como forma de conhecer o vivido dos atores pesquisados, quando a problemática da pesquisa aponta para a apreensão dos significados que os atores sociais dão à situação vivida. O diário é um dispositivo na investigação, pelo seu caráter subjetivo, intimista. (MACEDO, 2010, p. 134)
É importante ressaltar que as observações no Diário de Campo começaram
a ser escritas no dia 4 de agosto, primeiro dia de aula do segundo semestre de 2015,
e se encerraram no último dia de atividades previsto no calendário, 8 de dezembro.
Dentre um total de sessenta e oito aulas, escolhi 5 aulas para compor o corpus de
análise dessa dissertação. O critério de seleção dessas aulas se deu pela qualidade
das discussões suscitadas durante o processo de aplicação do Q1, dos grupos focais,
e das atividades desenvolvidas, principalmente por envolverem a presença das
tecnologias digitais móveis e possibilitarem o trabalho situado com o português
escrito, dando subsídios para responder à minha pergunta de pesquisa.
Selecionei, portanto, as aulas 38, 45, 52 e uma aula em que simulei o uso
do app (Aula teste), que podem ser conferidas, de modo resumido, no quadro que se
segue. Os registros escritos sobre essas aulas estão inteiramente transcritos nos
anexos deste trabalho.
Aula 38
20 ago 2015
Tema da aula: Memes
Atividade desenvolvida: Os alunos analisaram uma série de memes,
a fim de compreender os sentidos e intenções de cada um deles.
Depois disso, investigaram, na Internet, quais representações da
comunidade surda eram postas em cena através dos memes.
Finalmente, produziram seus próprios memes através da
ferramenta Webmaker.
73
Aula 45
15 set 2015
Tema da aula: Fanfic
Atividade desenvolvida: Os alunos, através da internet, investigaram o
conceito de Fanfic. Depois disso, em um acervo de Fanfics, escolheram
algumas histórias para lerem e se familiarizarem. Finalmente, reunidos,
produziram uma fanfic em grupo secreto no Facebook.
Aula 52
15 out 2015
Tema da aula: Grupo focal 1
Atividade desenvolvida: Grupo focal sobre as implicações das novas
tecnologias, em especial das móveis para a aprendizagem formal e
informal.
Aula teste 18 mai 2017
Tema da aula: Palavreando
Atividade desenvolvida: Discussão do nome do app e atividade
simulando as possibilidades de construção de sentido existentes dentro
do app através da palavra “político”.
Figura 12 - Resumo das aulas selecionadas para análise. (Adaptado de SÃOPEDRO, J. 2016)
Como salienta Cavalcanti (2006), atuar como professora, além de
pesquisadora, envolve observação com anotação mental constante, o que, por vezes,
ultrapassa também os limites da sala de aula e se estende aos corredores e intervalos
das aulas, onde acontecem as ricas conversas informais. Ainda segundo a autora,
realizar as duas atividades – as aulas e a produção de registros – é um grande e
cansativo desafio, porém crucial em pesquisas dessa natureza.
3.4.3 Grupo focal
Foram realizados dois grupos focais (GF) de 1 hora e meia de duração,
também registrados em diário de campo, com o objetivo de fornecer subsídios para
delinear a configuração do aplicativo móvel e definir suas principais características.
Os dados gerados através desse instrumento estão relacionados às percepções dos
alunos surdos sobre a relação que eles tinham com as novas tecnologias, em especial,
com os dispositivos móveis e suas expectativas no que diz respeito a um app
74
educacional que se mostre um recurso para a aprendizagem de palavras em
Português. Segundo Westphal, Bógus, Faria (1996) revoziados por Matos e Vieira
(2002),
grupo focal é uma técnica de pesquisa que utiliza sessões grupais como um dos foros facilitadores da expressão de características psicossociológicas e culturais... prevê a obtenção de dados a partir de discussões cuidadosamente planejadas onde os participantes expressam suas percepções, crenças, valores, atitudes e representações sociais sobre uma questão específica num ambiente permissivo e não constrangedor (WESTPHAL, BÓGUS, FARIA, 1996, p. 473).
O “ambiente permissivo e não constrangedor” possibilitado pelo grupo focal
foi, justamente, o fator decisivo para a escolha desta técnica. Os dois grupos focais
foram realizados com todos os alunos participantes da pesquisa durante os próprios
atendimentos pedagógicos, ao final do ano letivo. O primeiro deles (GF1), gravado em
vídeo, no dia 15 de outubro de 2015 e registrado em diário de campo, teve como tema
central a relação que os alunos haviam estabelecido com as tecnologias digitais
móveis e a percepção deles sobre as potencialidades dessas tecnologias para a
aprendizagem de português.
O segundo grupo focal (GF2), também registrado em diário de campo, no
dia 24 de novembro, e gravado em áudio16 foi promovido após a apresentação da ideia
do protótipo do aplicativo móvel desenvolvido nesta pesquisa. Nesse momento, os
alunos puderam expressar suas opiniões acerca do design e do funcionamento do
aplicativo, bem como expor suas expectativas em relação a ele.
Portanto, como já indicado anteriormente, o Questionário de Perfis (Q1),
buscou identificar o perfil dos alunos surdos em relação à aprendizagem de português
e sua interface com a tecnologia móvel. Através dele, foi possível identificar o
interesse dos alunos no que diz respeito a aprendizagem do português escrito
relacionada à tecnologia, em especial, aos aplicativos móveis. As observações
registradas em diário de campo, bem como o GF 1 foram essenciais para investigar
como os alunos surdos se relacionam com as tecnologias digitais móveis e como eles
16 Foi possível realizar a gravação em áudio, porque todos os alunos presentes eram oralizados. Além disso, não havia ajuda externa, por isso não foi possível realizar a gravação em vídeo.
75
fazem uso de variadas linguagens para construir sentidos. Por fim, o GF 2 foi uma
etapa fundamental para levantar as principais ideias dos participantes frente à
proposta de um aplicativo voltado à aprendizagem de palavras em Português.
Tanto as perguntas que compuseram o questionário quanto as atividades
realizadas nas aulas e o tema dos grupos focais foram elaborados a partir do objetivo
traçado, da minha experiência prévia com os alunos e das reflexões suscitadas
durante o programa bilíngue e o projeto de leitura e escrita do Português para surdos,
no Ciência e Arte nas Férias.
O quadro a seguir sintetiza as explicações tecidas em relação aos objetivos
traçados para esse estudo e os instrumentos selecionados para alcançá-los.
Q1
GP1
Aulas GP2
Reuniões
técnicas
Diário de campo e gravações em vídeo ou áudio
Perfil e
percepção
dos alunos
surdos
sobre
suas
necessidades
em relação
a
aprendizage
m de PL2 e
uso de
tecnologias
digitais
móveis.
Percepção
dos alunos
surdos
em relação
a
presença
das
tecnologias
digitais
móveis na
aprendizage
m de PL2.
Percepção
das
necessidades
dos alunos
em relação
ao
Português
escrito,
bem
como do
modo como
eles se
relacionam
com as
tecnologi
as
digitais móveis.
Participação
e colaboração
dos alunos
no
desenvolvimen
to e validação
das
características
do protótipo de
app móvel.
Definição
do
s aspectos
técnicos,
envolvendo
a
interface e
o
funcionament
o do
protótipo.
Figura 13 - Instrumentos de produção de dados e objetivos alcançados
Cabe salientar, mais uma vez, que busquei desenvolver o estudo de forma
horizontalizada e processual. Isso quer dizer que os dados foram emergindo e sendo
76
(re)construídos continuamente no processo constante de interação entre mim e os
alunos participantes.
3.4.4 Procedimentos para análise dos dados produzidos
Em pesquisas de natureza qualitativa, a análise de dados pode ser
realizada a partir de variados encaminhamentos. Como já apontado neste capítulo,
segundo Cohen et al (2000), uma das formas mais comuns é o agrupamento de dados
por sua recorrência temática. Neste trabalho, portanto, lancei mão dessa estratégia.
É importante explicar que os dados analisados servem para justificar e
sustentar as especificidades constitutivas do aplicativo proposto. Assim sendo, para
buscar compreender, de forma mais significativa e organizada, quais seriam os
principais elementos advindos da análise que poderiam sustentar minha proposta,
inicialmente desenvolvi uma leitura cuidadosa de todos os dados. A partir dessa
leitura, observei quais temas e aspectos eram mais recorrentes, tanto na literatura,
quanto na fala dos participantes e em minhas observações e registros e fui, assim,
promovendo um agrupamento, ou seja, estabelecendo um grupo de categorias que
ofereceriam subsídios para o desenho do protótipo.
Os pontos considerados importantes e que orientaram de modo mais
saliente as particularidades do protótipo foram assim se delineando:
• Com relação aos dados gerados a partir da aplicação dos questionários e grupos
focais, se sobressaiu a importância do uso de imagens (estáticas e em movimento)
para a composição de sentidos. Assim, a categoria proeminente recai na diversidade
de linguagens.
• Os resultados da pesquisa bibliográfica, por sua vez, ao serem cruzados com os
outros gerados neste trabalho, evidenciaram algumas categorias teórico analíticas
relevantes para orientar a condução da análise e, portanto, a composição da proposta
do aplicativo. As noções de multimodalidade, palavra/enunciado, contexto e
colaboração foram os conceitos mais significativos;
• Os dados gerados a partir da observação das aulas que foram, posteriormente,
registradas nos diários de campo, confirmaram a importância dos elementos
77
elencados.
Na parte destinada à descrição justificada dos princípios e características
principais da proposta, optei por seguir uma forma de organização com base nos
estudos sobre design de interface (PETERS, 2014) que levasse em conta duas
macrocategorias: a) aprendizagem é visual e b) aprendizagem é social, uma vez que
esses são os principais âmbitos (de forma mais ampla) ligados ao campo do
desenvolvimento de aplicativos educacionais e também corroboram os pontos mais
relevantes que emergiram dos dados.
Recorri, então, a estudos realizados na área para descrever, de forma mais
detalhada, aspectos ligados a essas macrocategorias, a fim de explicitar algumas
outras especificidades do protótipo proposto. No escopo das macrocategorias serão
indicadas também categorias subjacentes, ou seja, um agrupamento de
microcategorias relacionada ao âmbito mais amplo de organização de dados.
Assim sendo, a partir dos dados, dos pressupostos teóricos e das
especificidades contextuais de meu trabalho, os elementos e as categorias (macro e
micro) organizacionais a partir das quais desenvolverei a descrição e análise do
protótipo são as que descrevo a seguir:
1. Apresentação do protótipo:
Nessa etapa descreverei o protótipo a partir dos desenhos de cada tela que
compõem o app, apresentando, então, um possível percurso de navegação.
2. Aprendizagem é visual:
Nesse âmbito as principais características do protótipo de app serão justificadas e
analisadas a partir da pluralidade de línguas e linguagens e multimodalidade.
3. Aprendizagem é social:
Nesse campo as principais características do protótipo de app serão justificadas e
analisadas a partir da natureza discursiva da linguagem.
É importante destacar que, dada a natureza da pesquisa, essas categorias
não são estanques. A divisão em macro e microcategorias se deu para fins
organizacionais. Assim sendo, devem ser compreendidas como dinâmicas,
sobrepostas e não lineares ou segmentadas.
78
CAPÍTULO 4 – DELINEANDO O APLICATIVO E SEUS PRINCÍPIOS
Silêncio (Rolando Sigüenza17) http://www.rolandosiguenza.com.mx
Neste capítulo, a partir do cruzamento dos dados gerados com o referencial
teórico delimitado para este trabalho, procedo à apresentação e análise das principais
características do protótipo de aplicativo móvel com vistas a responder à pergunta de
pesquisa, retomada a seguir:
Com base em uma visão enunciativo-discursiva da linguagem, como se
delineiam as principais características de um protótipo de aplicativo
móvel para surdos que pretende se mostrar um recurso em potencial
para a aprendizagem de palavras em Português?
17 Nas telas de Rolando Sigüenza, as marcas de sua terra natal sulcam traços e cores, tornando viva a ascendência de Oaxaca – estado ao sul do México onde o artista nasceu e onde, ainda pequenino, encontrou na pintura uma potente forma de expressão. Em sua trajetória artística, destacam-se a passagem pelo Taller de Artes Plásticas Rufino Tamayo e as várias exposições realizadas (desde os seus 21 anos) em vários países do mundo, como Estados Unidos, Espanha, França, Japão, Argentina, etc. Ao Jornal 20 Minutos (edição México), Rolando, usuário da Língua de Sinais Mexicana, afirma querer fundar uma associação com enfoque cultural destinada a crianças surdas, para lhes propiciar um futuro feliz e com autossuficiência econômica. Disponível em: <https://culturasurda.net/category/artes-plasticas/>. Acesso em: 02 fev. 2017.
79
Este capítulo está dividido em três seções nas quais discorro sobre o
protótipo, como detalhei no capítulo metodológico. Na primeira parte, descrevo as
principais características técnicas do app Palavreando, a partir do desenho das telas
que o compõem, a fim de ilustrar um possível percurso de navegação. Na segunda,
considerando os dados gerados e a literatura na qual esse estudo se apoia, justifico e
analiso a concepção e as principais características do protótipo, no que diz respeito à
visão de língua(gem). Uma vez que o foco do Palavreando é a aprendizagem, cumpre
aqui retomar as duas categorias organizacionais básicas, apoiadas nos estudos sobre
o design de interface para aprendizagem (PETERS, 2014) e nos dados gerados que
confirmaram a importância desses aspectos. São elas: 1) A aprendizagem é visual e
2) A aprendizagem é social.
4.1 Palavreando: apresentação do protótipo
Figura 14 Logo do app Palavreando desenvolvido por Diogo Melani
Palavreando18 é uma proposta de aplicativo educacional móvel, destinado
à comunidade surda brasileira, composta, em uma acepção mais ampla, por surdos e
ouvintes que compartilham experiências visuais e trocas simbólicas, sobretudo, em
língua de sinais.
18 O título do app foi estabelecido colaborativamente nas discussões de orientação e discussão do trabalho e validado pelos alunos surdos na Aula teste de 18 de maio de 2017 (ANEXO VI). O logo do app, acima apresentado, também é fruto da colaboração do especialista em Marketing, Diogo Melani.
80
Considerando as especificidades linguísticas que envolvem os surdos
brasileiros e a importância que a modalidade escrita da Língua Portuguesa assume
diante da vida social, a principal finalidade do aplicativo é a aprendizagem de palavras
em Português, vista como um processo multimodalizado e discursivo de construção
de sentidos nessa língua. Diante disso, é possível compreender o app Palavreando
como um dicionário aberto, dinâmico, situado e multimodal, cujo conteúdo, ou seja, os
sentidos das palavras, são construídos colaborativamente e validados pelos próprios
usuários.
Ideias para o desenvolvimento de apps móveis podem surgir a partir de
diversas fontes. No entanto, é essencial determinar qual tipo de app se deseja
desenvolver. Quando compreendemos qual é a sua finalidade, torna-se mais fácil
identificar quais conteúdos irão compô-lo e como ele será usado. Por isso, McQuiggan
et al. (2015) elencam sete tipos de apps educacionais que estão descritos no quadro
abaixo:
Tipo Definição Exemplo
Jogo
Oferece informações educacionais de forma divertida, geralmente através de exercícios ou ambientes baseados em competição
Math Chomp, Pocket Law Firm, Stack the Countries, Rocket Math
Utilidade
Não tem nenhum valor educacional específico, mas oferece uma função básica e pode ser combinado de forma a acomodar projetos, lições e aprendizado.
Notes, iBooks, SAS Gloss, Camera, Voice, Animoto Video Maker, Dropbox, Evernote
Administração
Permite aos professores administrar mais eficientemente a educação e gerir as suas responsabilidades profissionais
Poll Everywhere, Class Dojo, Too Noisy
Ferramenta
Projetado para a educação, mas oferece uma lousa em branco. Eles fornecem andaimes para ações de educação comuns, mas exigem que o aluno ou professor forneçam o conteúdo
SAS Flash Cards, Explain Everything, Google Drive, SAS Reading Records, SAS Gloss, SAS Data Notebook, Popplet
Conteúdo Específico
Fornece uma grande quantidade de informações sobre um tópico
To The Brink, Elements 3D, EcoMobile, SAS Math Stretch, DuoLingo, companion apps for Smithsonian American Museum of Natural History
Referência
Fornece informações básicas em formato conectado e pesquisável
Dictionary.com, Wolfram Alpha
Social Permite conexão e compartilhamento fácil
Edmodo, Twitter, Edublogs
Figura 15 - Tipos de aplicativos educacionais. (McQUIGGAN et al., 2015, p.60, tradução nossa).
81
Cope e Kalantzis (2012) discutem, como já vimos, três abordagens da
pedagogia e do currículo que podem nos ajudar a compreender os propósitos do
nosso objeto de análise. São elas: a mimesis, a synthesis e a reflexividade. Segundo
os autores, na mimesis a aprendizagem se dá através da absorção de fatos e
informações e da simples cópia. Na synthesis, embora os estudantes possam adquirir
conhecimento através da observação e da experiência, isso não significa que esse
processo esteja relacionado a seus interesses e motivações. Por outro lado, no
paradigma da reflexividade, o aluno é construtor e, sobretudo, questionador do
conhecimento e a aprendizagem se relaciona diretamente às experiências dos
estudantes e suas identidades.
Desse modo, entendendo que a abordagem reflexiva valoriza o
conhecimento prévio do aluno, a análise crítica, a metacognição e os diversos modos
de significação, julgamos necessário não só pensar em um app afinado com os
propósitos dessa abordagem, mas garantir que o seu processo de desenvolvimento
também incorporasse esses propósitos. Isso acarretou a participação dos alunos
surdos na definição de cada uma das etapas de desenvolvimento do protótipo.
Considerando o paradigma da reflexividade, portanto, o protótipo se
constitui como um espaço onde o usuário pode construir conceitos, termos e hipóteses
e analisa-los para tirar suas próprias conclusões. Por isso, dentro das possibilidades
delineadas por McQuiggan et. al (2015) no quadro acima, o tipo de app que se afiliaria
a essa abordagem seria o do tipo ferramenta19 que demanda dos professores ou dos
estudantes a produção do conteúdo que será veiculado dentro do app. No protótipo,
portanto, como veremos mais adiante, os usuários serão os responsáveis por
produzir, analisar e validar as informações que irão circular dentro do app.
É importante ressaltar que, para ampliar o alcance de um app educacional,
é interessante que ele esteja disponível no maior número de plataformas possíveis.
Atualmente, existem ferramentas, conhecidas como frameworks, para o
desenvolvimento de apps que funcionem simultaneamente em vários sistemas
operacionais, por isso é importante que, futuramente, o Palavreando esteja disponível
em diversos sistemas, como Android, iOS, Windows Phone, etc.
19 Ferramentas, neste trabalho, são compreendidas como sendo tecnologias de mediação e relacionamento conforme a Mentalidade 2.0 descrita por Lankshear e Knobel (2007).
82
Para compreender melhor o funcionamento do app, as próximas seções
desta primeira parte do capítulo serão dedicadas à apresentação de suas principais
características, a partir de um storyboard contendo a prototipagem das quinze telas
que dão base ao aplicativo. Os desenhos das telas foram elaboradas através do
Ninjamock20, uma ferramenta online de criação de wireframes para apps móveis e
sites. Vale ainda destacar, como já mencionado nesta Dissertação, que o protótipo
aqui apresentado foi pensado para os surdos e com os surdos participantes da
pesquisa.
4.1.1 Acesso ao aplicativo
Para acessar o aplicativo, os usuários deverão se cadastrar através de um
telefone e um e-mail ou poderão logar através do Facebook. Ao efetuar o login através
do Facebook, as informações são automaticamente transferidas para o Palavreando.
Caso contrário, o usuário deverá preencher os itens: Nome, nome de usuário,
biografia, e-mail e telefone, como indicam as telas a seguir.
a) Cadastro e login
Figura 16 - Prototipagem das telas de cadastro e login.
20 Disponível em: https://ninjamock.com/. Acesso em 12 de jul 2017.
v
83
b) Preenchimento do perfil
Figura 17 - Prototipagem da tela de preenchimento do perfil do usuário
4.1.2 Funções de uso geral do aplicativo
Como mencionado, as funcionalidades do app, bem como seu design, têm
como objetivo a aprendizagem de palavras em Português. Para tanto, os usuários, de
maneira colaborativa, irão construir os sentidos das palavras, inserindo no app suas
próprias definições, a partir de quatro macro categorias: a) sinal, b) imagem, c) vídeo
e d) definição escrita, descritas mais detalhadamente nas caixas de texto a seguir.
Na tela abaixo, “político” é a palavra que receberá as definições dos
usuários. A escolha dessa palavra, neste momento, é ilustrativa, mas será justificada
na segunda parte deste capítulo, através de uma atividade realizada com os alunos
surdos, participantes da pesquisa, que simulou o percurso no app. O que nos interessa
nesse momento é compreender que as definições podem ser construídas a partir de
linguagens diversas. O cadastramento das palavras será explicitado nas seções
seguintes.
84
Figura 18 - Prototipagem da tela de resultados da busca da palavra “político”.
Na aba SINAL, os usuários encontram vídeos contendo o sinal da palavra. Ao pressionar o ícone, é possível também que o usuário grave o seu próprio vídeo através da câmera de seu smartphone ou carregue um arquivo de sua galeria de imagens e vídeos.
Na aba IMAGEM, os usuários encontram imagens estáticas que podem representar ou exemplificar a palavra. Ao pressionar o ícone, é possível também que o usuário tire uma foto usando a câmera do smartphone ou carregue a imagem de sua galeria.
Na aba VÍDEO, os usuários encontram vídeos com encenações ou explicações em Libras sobre a palavra. Ao pressionar o ícone, é possível também que o usuário grave um vídeo através da câmera de seu smartphone ou carregue um arquivo de sua galeria de imagens e vídeos.
Na aba DEFINIÇÃO, os usuários encontram definições escritas da palavra ou exemplos de uso em frases. Ao pressionar o ícone é possível também que o usuário escreva sua própria definição ou exemplificação.
85
69
Ao pressionar cada um dos ícones, temos as seguintes telas:
Figura 19 - Prototipagem das telas de inserção de sinal e imagem, respectivamente.
Figura 20 - Prototipagem das telas de inserção de vídeo e definição escrita, respectivamente
v
v
86
Após inserir o conteúdo em qualquer uma dessas modalidades, o design
da tela será compatível com o desenho abaixo, possibilitando comentários, curtidas e
compartilhamento em outras redes sociais como o Facebook e o Instagram, caso o
usuário que fez a postagem habilite esse recurso em suas configurações de
segurança e privacidade.
Figura 21 - Prototipagem da tela que contém uma possibilidade de definição para a palavra “político”.
4.1.3 Menu do aplicativo
Além das macrocategorias descritas anteriormente, o Palavreando possui
um menu que leva o usuário a cada uma das abas listadas a seguir que serão
descritas com mais detalhes nas próximas seções do capítulo.
: Perfil dos usuários
: Feed de conteúdos
: Acesso às palavras cadastradas e informações sobre o app
87
: Atividades recentes dos usuários
: Buscador de palavras
4.1.4 Perfil dos usuários
a) Perfil próprio
Cada usuário possui uma página de perfil como a desenhada na tela a
seguir. Uma vez que o Palavreando se propõe a conectar os usuários entre si
como em uma rede social, é possível que ele siga e seja seguido por outros. Esse
recurso permite que no feed de conteúdos, descrito na seção seguinte, apareçam
prioritariamente as publicações dos usuários que estão sendo seguidos.
Além disso, também é possível realizar conversas privadas e em grupo
através do ícone dos “balões”. Estando no próprio perfil, esse ícone dá acesso às
conversas já iniciadas e permite que o usuário inicie uma conversa coletiva. Nesta
aba, também é possível acessar e editar todo o conteúdo postado pelo usuário no app
e realizar mudanças no perfil, clicando em: Editar Perfil.
Figura 22 - Prototipagem da tela de perfil do usuário.
88
b) Perfil de outro usuário
Ao visitar o perfil de outro usuário, clicando no ícone da engrenagem, é
possível selecionar as opções: bloquear, para que ele não tenha mais
acesso ao seu perfil; denunciar, em caso de publicações impróprias e
ocultar história para que as publicações dele não apareçam no feed de conteúdos.
Além disso, na aba que corresponde ao perfil de terceiros, é possível segui-lo ou deixar
de segui-lo e também iniciar uma conversa clicando no ícone dos “balões”.
Figura 23 - Prototipagem da tela de perfil de outro usuário.
4.1.5 Feed de conteúdos
Esta aba corresponde ao feed de conteúdos, no qual aparecem os
conteúdos mais recentes inseridos pelos usuários do aplicativo. Além da
ordem cronológica, os conteúdos publicados por usuários que estão sendo
seguidos aparecem com prioridade.
89
Nesta aba também é possível validar os conteúdos, clicando no botão
identificado com um sorriso, escrever um comentário ou ainda compartilhar o
conteúdo em seu próprio perfil, no Facebook ou no Instagram, caso o dono da
publicação tenha autorizado em suas configurações de segurança esse
compartilhamento, como já mencionado anteriormente.
Figura 24 - Prototipagem da tela do feed de conteúdos.
4.1.6 Atividades recentes dos usuários
Nesta aba é possível acompanhar as atividades recentes dos usuários no
app, ou seja, o que os usuários estão curtindo, quais conteúdos estão
comentando e quem estão seguindo.
90
Figura 25 - Prototipagem da tela de atividades recentes dos usuários.
4.1.7 Buscador de palavras
Esta aba corresponde ao buscador de palavras. Se já houver conteúdos
disponíveis sobre a palavra pesquisada, aparecerá uma tela com as
principais publicações, dispostas pela quantidade de validações positivas dos
usuários, como indica a figura 27.
Clicando nos ícones Sinal, Imagem, Vídeo ou Definição, o usuário poderá
selecionar a modalidade em que deseja ver as definições. Pressionando os mesmos
ícones, o usuário poderá colaborar inserindo suas próprias definições, como já vimos
na seção 4.3 deste capítulo.
91
Figura 26 - Prototipagem da tela dos resultados da busca da palavra “político”.
Caso a palavra pesquisada ainda não tenha sido cadastrada no app, o
usuário poderá cadastrá-la. A partir disso, ela estará disponível, como veremos na
próxima seção, na Lista de Palavras e será transposta para o Dicionário, assim que
houver a primeira inserção de conteúdo sobre ela.
92
Figura 27 - Prototipagem da tela de cadastramento de novas palavras.
4.1.8 Acesso às palavras cadastradas
Nesta aba, acessando o item a) Lista de Palavras, o usuário encontra as
palavras cadastradas por ele ou por outros usuários, cujos conteúdos ainda
não foram inseridos. No item b) Dicionário estão registradas, em ordem alfabética,
todas as palavras que já foram trabalhadas dentro do app. No item c) Sobre há uma
breve explicação do que é o aplicativo Palavreando, o e-mail de contato da equipe
idealizadora, o ícone para avaliação do aplicativo na loja virtual e o patrocinador.
93
a) Lista de palavras
Figura 28 - Prototipagem das telas de palavras cadastradas e lista de palavras.
b) Dicionário
Figura 29 - Prototipagem das telas Dicionário e palavras com a letra “A”.
94
c) Sobre
Figura 30 - Prototipagem da tela com informações sobre o app.
4.2 Palavreando: processo de concepção e análise das características constitutivas do protótipo
Nesta seção, busco justificar a finalidade do protótipo e suas principais
características à luz dos dados gerados e do referencial teórico que sustenta esse
estudo. Uma vez que os app educacionais, de maneira geral, não devem ser vistos
como construções homogêneas, puramente técnicas e autônomas em relação às
práticas sociais, as características do Palavreando, tanto as relativas ao âmbito
técnico quanto ao âmbito educacional, serão aqui apresentadas concomitantemente.
Após a apresentação da concepção do protótipo, esta seção se encontra
dividida, a partir das macrocategorias já mencionadas no início do capítulo. a)
aprendizagem é visual e b) aprendizagem é social, nas quais serão apresentadas
e analisadas tanto as características do âmbito técnico quanto as do âmbito
educacional, evidenciando, dessa forma, que as características técnicas,
propriamente ditas, só se configuram através das práticas sociais que as produzem e
as tornam relevantes.
95
4.2.1 Concepção do protótipo
Os dispositivos móveis na educação apresentam uma evidente
oportunidade de alcançar grupos minoritários excluídos pelos modelos de escola
tradicionais que, sob uma perspectiva monolíngue, congelam as formas de
representação e construção de sentidos (GEE; HAYES, 2011). As tecnologias móveis
têm oferecido novos caminhos para descongelar e personalizar a aprendizagem,
tornando-a mais acessível e significativa, principalmente porque os dispositivos
digitais móveis, sobretudo, quando conectados à internet, possibilitam que o acesso
à informação, à aquisição de conhecimento e à comunicação ocorra a qualquer hora
e em qualquer local, de forma multimodalizada, pervasiva, compartilhável e
colaborativa.
Nesse sentido, cresce o número de apps disponíveis nas lojas virtuais.
Segundo Mc Quiggan et al (2015), em 2013, o número de apps na Apple Store
alcançou a marca de 1 milhão. Os dispositivos móveis tornaram-se nossas câmeras,
relógios, filmadoras, agendas, calendários, calculadoras, navegadores, lanternas,
diários. Por isso, investir em um smartphone para estudantes tem reduzido custos
com outras ferramentas adicionais. A Unesco (2014) acredita que nos próximos anos,
com o crescente aumento desses aparatos tecnológicos nos ambientes de educação
formal, os apps se tornarão parte importante do ecossistema de aprendizagem.
Pensando nisso, McQuiggan et al. (2015) destacam que uma importante
etapa no desenvolvimento de apps educacionais móveis é investigar a existência de
outros apps no mercado voltados para o mesmo público e com propostas semelhantes
ao que se pretende desenvolver. As resenhas realizadas por usuários, por exemplo,
podem contribuir para que desenvolvedores e professores identifiquem novas
oportunidades de criação. Além disso, outras mídias não devem ser descartadas, pois
muitas possibilidades, inspirações e questionamentos podem surgir a partir da análise
de livros, ferramentas físicas, websites, etc.
Entretanto, uma rápida pesquisa pelas lojas virtuais de app móveis nos
mostra que, no Brasil, o número de apps voltados para o público surdo é ainda
bastante reduzido se levarmos em conta a gama de possibilidades que as tecnologias
móveis oferecem. Sobre isso, os alunos participantes da pesquisa, em resposta à
questão 27 do Q1, indicaram, majoritariamente, dois aplicativos que eles acreditam
auxiliar a comunidade surda na aprendizagem do Português.
96
Figura 31 - Gráfico gerado a partir das respostas dadas à questão 26 do Q1.
Hand Talk 4 ProDeaf 4
Pesquisa Google 2 Google Imagens 2
Dicionário de Português 1
Figura 32 - Quadro gerado a partir das respostas dadas à questão 27 do Q1.
No que diz respeito a apps direcionados à comunidade surda, os dois mais
citados pelos alunos estão também entre os mais baixados nas lojas virtuais. São eles:
Hand Talk, tradutor de português para libras, premiado na World Summit Award
Mobile, competição bianual promovida pela ONU que reconhece aplicativos de
relevância para a humanidade e o ProDeaf, primeiro aplicativo tradutor de português
para libras.
Lançado em 2013, o aplicativo Hand Talk começou a ser planejado em
2008 para um trabalho de faculdade. Segundo a descrição que consta no FAQ do
aplicativo, o Hand Talk é uma ferramenta gratuita de tradução automática para Língua
de Sinais através de um intérprete virtual, o Hugo. Atualmente, a tradução é feita do
Português brasileiro para Libras e o app pode ser utilizado por pessoas de todas as
idades, surdas ou não, que queiram aprender e/ou se comunicar utilizando a libras.
O aplicativo está disponível para os sistemas operacionais iOS (Apple), nos iPhones
(3Gs ou superiores) e em todos os modelos de iPads e iPods Touch com acesso à
internet. No sistema Android, está disponível em todos os tablets e smartphones, a
partir da versão 2.3 com acesso à internet e nos smartphones BlackBerry Z10, Q5 e
Q10 com acesso à internet.
Recorrência Temática
27. Se você respondeu sim para a última questão, qual ou quais aplicativos você conhece?
Número de alunos que mencionaram algo relacionado
97
Assim como o Hand Talk, o ProDeaf foi idealizado em uma disciplina do
curso de Ciências da Computação. De acordo com a descrição do aplicativo,
disponível no site da empresa, o ProDeaf Móvel é o primeiro aplicativo tradutor de
português para a Língua Brasileira de Sinais através de um avatar animado em
tecnologia 3D. Segundo a empresa, é possível traduzir automaticamente pequenas
frases para libras através de texto escrito ou reconhecimento de voz. Além disso, o
app possui um Dicionário de Libras em português acessível sem a necessidade de
conexão com a internet. O ProDeaf Móvel está disponível para download gratuito em
aparelhos Android, iOS e Windows Phone 8.
Como já descrito, tanto o Hand Talk quanto o Pro Deaf se propõem a ser
tradutores de português para libras. Em ambos, o usuário pode solicitar a tradução de
uma palavra ou de uma sentença curta em português através da escrita ou de
reconhecimento de voz. O Hand Talk reconhece também palavras enviadas através
de imagens, como em placas, por exemplo.
No entanto, o uso deles durante as aulas do programa bilíngue foi bastante
restrito. Em apenas um atendimento, uma das alunas usou o dicionário disponibilizado
no aplicativo ProDeaf para conferir a grafia de algumas palavras, como descrito a
seguir.
Excerto extraído do Diário de Campo da Aula 52 – 15 out. 2015
Após realizarmos o grupo focal sobre as percepções dos alunos em relação as
possibilidades que as tecnologias móveis trazem para a aprendizagem em
contextos formais e não formais, pedi a eles que escrevessem um texto, em formato
de carta, para algum professor, expondo o que eles acreditavam ser uma educação
de qualidade para o surdo. O objetivo era fazer com que eles refletissem sobre o
próprio processo de aprendizagem e sobre como eles gostariam que os
professores usassem as tecnologias em sala de aula. Durante a produção textual,
a aluna M recorreu ao dicionário do ProDeaf para confirmar a grafia das palavras
“intérprete” e “importante”. A aluna conhecia a letra inicial de cada palavra e tinha
uma ideia da imagem da palavra. Por isso, ela procurou cada uma delas através
das letras iniciais e, então, conferiu a grafia. No entanto, a aluna não clicou na
palavra para conferir o sinal e por isso acabou se confundindo. Ao invés de
“intérprete”, escreveu “interpretação” e ao invés de “importante”, M. escreveu
“importação”.
98
Embora tenham sido apontados pelos alunos como exemplos de apps
voltados para surdos aprenderem Português, o excerto acima ilustra o único momento
em que ele foi usado com esta finalidade. Além disso, a grafia de uma palavra pode
ser verificada através de outros mecanismos, como o próprio dicionário tradicional,
impresso ou digital, ou seja, nesse contexto específico, os apps são utilizados apenas
como mera ferramenta. Portanto, tanto o Prodeaf quanto o Hand talk, embora possam
auxiliar a comunicação entre surdos e ouvintes através da Libras, não envolvem ou
mobilizam de maneira significativa o processo de aprendizagem de Português.
Como registrado em meus diários de campo, na maioria das vezes, ao se
depararem com palavras desconhecidas, os alunos recorrem não aos apps descritos
acima, mas ao Google Imagens. Apesar de fazerem isso com frequência, esse
mecanismo nem sempre é eficiente, pois o conjunto de imagens resultante da
pesquisa nem sempre é capaz de representar aquilo que está sendo buscado,
principalmente quando se trata de palavras, cujos significados são abstratos ou mais
complexos como, por exemplo, o conceito de fanfic ou a compreensão da palavra
político, como veremos a seguir. O mesmo ocorria com os dicionários tradicionais
impressos ou dicionários ilustrados: os verbetes contendo outras palavras em
Português não facilitam a compreensão dos alunos.
Excerto extraído do Diário de Campo da Aula 45 – 15 set. 2015
Com o intuito de compreender como os alunos faziam pesquisas na internet, pedi
a eles que me explicassem o conceito de Fanfic. Todos eles recorreram à
Pesquisa Google e ao Google Imagens digitando a palavra “Fanfic” ou “O que é
Fanfic?”, no entanto, os resultados levaram a sites com explicações em Português
contendo outras palavras desconhecidas por eles, como por exemplo: “ficcional”,
“midiático”. Alguns deles me mostraram imagens contendo notebooks, livros, etc,
mas não sabiam de fato qual era a relação das imagens com Fanfics. Perguntei a
eles, então, o que eles faziam quando precisavam fazer trabalhos em casa, sem
a presença de intérprete ou de professor, e quando a Pesquisa Google ou o
Google Imagens não eram suficientes para fazê-los compreender o significado
das palavras. A resposta: “desistimos”. Os alunos só compreenderam o que era
uma fanfic quando fiz uma explicação em Libras e mostrei alguns exemplos.
99
Ao longo das aulas, eles percebiam e me faziam compreender que a
dificuldade em se ler um texto em Português e interpretá-lo, por exemplo, estava em
grande parte relacionada a uma lacuna não apenas em relação ao desconhecimento
do vocabulário, mas à compreensão dos sentidos das palavras em contextos
concretos.
Na aula 38, do dia 20 de agosto de 2015, ANEXO III, iniciei com os alunos
um projeto de produção de memes. Para que pudéssemos refletir sobre o conceito de
memes, apresentei a eles uma coletânea de imagens, evolvendo variados temas.
Uma delas, relativa aos políticos, me chamou atenção. Ao apresentar o meme,
reproduzido abaixo, os alunos não compreenderam o seu sentido, porque
confundiram o significado da palavra “graça” e muitos deles também desconheciam a
palavra “políticos”. Além disso, ao desconhecerem o sentido dessa palavra não
atrelaram a ela a ideia de que políticos são corruptos, como sugere o meme.
Figura 33 - Meme Chapolin. Fonte: http://geradormemes.com/media/created/jqw4g5.jpg
100
Excerto extraído do Diário de Campo da Aula 38 – 20 ago. 2015
Este episódio evidenciou que conhecer o sinal da palavra em Libras não
certifica ao surdo a compreensão dos enunciados que, por meio de diferentes
linguagens, circulam na sociedade. Isso evidencia a falta de letramento pelo surdo,
inclusive na língua de sinais.
Em escolas regulares, por exemplo, nas quais os surdos participantes
desse estudo estão inseridos, não há na matriz curricular letramento em língua de
sinais. A língua de instrução, como sabemos, é o português, o que se constitui como
uma barreira para o acesso ao conhecimento e aos processos de produção de sentido
pela comunidade surda, o que interfere também na constituição da visão de mundo
por esses alunos, uma vez que é através da língua que isso acontece.
A língua tem sua origem em uma exigência interior do homem e não somente em uma necessidade exterior de sustentar as relações humanas; essa exigência está situada na própria natureza humana e consiste na condição necessária ao desenvolvimento da força do espírito e à aquisição da visão de mundo, que é atingida somente quando o pensamento de um indivíduo se torna claro e determinado para o pensamento de todos e de cada um” (HUMBOLDT, 2013 [1859], pp. 10-11 apud BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 20 )
Nas teorizações bakhtiniana, a consciência linguística do falante e daquele
que escuta e compreende não se forma através de um sistema abstrato de formas
linguísticas normativas e idênticas, mas através da língua como “opinião concreta e
heterodiscursiva sobre o mundo” (BAKHTIN, 2017 [1934-1935], p. 69). Nessa
perspectiva, a “palavra exala um contexto e os contextos em que leva sua vida
A compreensão do meme do Chapolin ficou comprometida, porque os
alunos confundiram a palavra “graça”, com “gratuito”, ou seja, algo que é ou se tem
“de graça”. Além disso, alguns desconheciam a palavra “políticos”. Mesmo depois
de apresentar a eles o sinal referente a essas palavras em Libras, apenas a aluna
G. conseguiu estabelecer a relação entre políticos e corrupção, o que me faz refletir
sobre o quanto as barreiras da língua interferem também na participação social
desses alunos. Não estar ciente dessa relação é estar alheio à sociedade, à
cidadania. Isso me deixa preocupada.
101
socialmente tensa” (BAKHTIN, 2017 [1934-1935], p. 69).
Dessa forma, mostrou-se necessário pensar em um protótipo cujo objetivo
seria a aprendizagem de palavras, a partir de um processo multimodal que
possibilitasse aos alunos enunciar essas palavras em contextos concretos. Dessa
forma, dois aspectos se sobressaíram diante do que foi exposto até aqui: a
multimodalidade, ou seja, a necessidade de que o app envolvesse diferentes
linguagens, uma vez que elas se inter-relacionam e se complementam no processo
de construção de sentidos e a natureza discursiva da linguagem, uma vez que a
palavra é sempre perpassada pela palavra do outro e se dá em um contexto de
enunciação preciso, ou seja, em um contexto ideológico preciso
(BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 181).
Passamos, então, primeiramente à análise de como o aspecto que envolve
a multimodalidade, isto é, a diversidade de modos/linguagens, se configura no
Palavreando. Em seguida, passaremos à natureza discursiva da linguagem.
4.2.2 Aprendizagem é visual
Há menos de vinte anos, qualquer pessoa, no país, dotada do privilégio de ter obtido escolaridade média para cima, acordava pela manhã ao som do rádio transmitindo notícias ou música. Antes de sair para o trabalho, ligava a televisão para ouvir as notícias ou as lia no jornal impresso, enquanto tomava seu café. No caminho para o trabalho, continuava com notícias, prestação de serviços ou músicas no rádio do carro ou, então, escutava seu rádio portátil no trajeto do ônibus ou metrô. [...] De volta para casa, à noite, o programa era ligar a televisão, tomar conhecimento das notícias do dia no país e no mundo e, depois disso, passar a assistir a alguma programação de seu gosto. Em alguma noite especial ou nos finais de semana, a ida ao cinema com amigos ou familiares poderia ser um item obrigatório (SANTAELLA, 2013, p. 236).
Santaella (2013), com o objetivo de explicitar o processo de convergência
das mídias, possibilitado pelo desenvolvimento do computador, objeto complexo que
reúne todas as formas de comunicação humana descritas no trecho acima, acaba por
evidenciar a presença constante das linguagens verbais, em sua modalidade oral, no
cotidiano de grande parte da sociedade. Há menos de duas décadas, como salienta
a autora, o acesso à informação se dava, sobretudo, a partir da língua oral, o que nos
leva a refletir sobre o lugar dos surdos dentro dessa sociedade.
Se fossemos retratar o cotidiano de um sujeito surdo, a narrativa acima
102
seria muito diferente. Ele não ligaria o rádio pela manhã, tampouco teria um rádio
portátil para ouvir notícias ou músicas durante o trajeto para o trabalho. Ao chegar em
casa, ligar a televisão para tomar conhecimento das notícias do país, com certeza não
seria uma tarefa acessível, visto que até hoje, poucos são os canais que apresentam
tradução para Libras. Em relação ao cinema, assistir um filme só seria possível caso
fosse uma produção internacional para haver a possibilidade de assistir com legendas.
Dessa forma, as fontes de informação para o surdo, nesse momento, se restringiam
a jornais, revistas e livros que, de maneira geral, não consideravam as especificidades
dessa comunidade em sua concepção.
Nesse contexto, o mundo digital, segundo Santaella (2013, p. 235), trouxe
“mudanças substanciais na constituição das linguagens humanas que agora se
manifestam nas misturas inextricáveis entre o verbal, o visual e o sonoro”. As
tecnologias digitais permitiram reunir em um mesmo espaço – o ciberespaço – todas
as linguagens pré-existentes, afetando nossa constituição como sujeitos culturais e
nossas maneiras de acessar o mundo e produzir sentido.
Dessa forma, as telas dos dispositivos digitais ao permitirem uma densa e
complexa fusão de diferentes linguagens – imagens, fotos, desenhos, animações,
textos – inauguram um novo modo de construir e configurar informações muito mais
acessível aos surdos. Trata-se de “uma espessura de significados que não se
restringe à linguagem verbal, mas se constrói por parentescos e contágios de sentidos
advindos das múltiplas possibilidades abertas pelo som, pela visualidade e pelo
discurso verbal” (SANTAELLA, 2013, p. 245).
Assim sendo, um protótipo de app voltado para o público surdo precisa,
necessariamente, envolver diferentes sistemas de representação e de significação
que são possibilitados pelo contato entre palavras escritas em Português, sinais em
Libras, imagens, fixas e animadas, vídeos, etc.
Para exemplificar como as diferentes línguas e linguagens se configuram
dentro do Palavreando e para justificar a presença de cada uma delas, retomei o
meme do Chapolin com os alunos e pedi a eles que trabalhássemos o(s) significado(s)
da palavra “político” através das quatro modalidades presentes no app: a) sinal, b)
imagem, c) vídeo e d) definição escrita. O intuito era compreender como eles
alimentariam a palavra “político” dentro do Palavreando e quais sentidos seriam
produzidos a partir das diferentes linguagens.
103
a) Sinal
Assim como as línguas orais, as línguas de sinais apresentam uma
gramática própria, em que se pode identificar unidades mínimas de formação de
sinais, tais como os fonemas nas línguas orais. São elas: configuração de mão,
movimento, ponto de articulação, orientação de mão e expressões não manuais
(corporais e faciais). Isso contribui significativamente para a confirmação do seu status
de língua.
Além disso, outro fator preponderante para que as línguas de sinais sejam
compreendidas como línguas e não como linguagens é o fato de serem marcadas por
variações linguísticas. Dessa forma, há na Libras, assim como nas línguas orais, uma
série de sinais diferentes para representar uma mesma palavra. Por isso, mostrou-se
importante criar um espaço dentro do protótipo para que essas variações sejam
registradas e disseminadas.
Em relação ao sinal de “político” em Libras, apareceram dois sinais
distintos, gravados em vídeo, que estariam dispostos no app da seguinte maneira:
104
Figura 34 - Prototipagem das telas com os vídeos dos sinais em Libras da palavra “político”.
Além do aspecto da variação linguística, outro fator que justifica a existência da aba
destinada aos sinais é que muitas palavras em Português, principalmente os termos
técnicos, ainda não possuem correspondentes na Libras, por isso sinais estão sendo
constantemente criados e validados pela comunidade surda. Sendo assim, esse
espaço também se constitui como uma possibilidade de fazer circular os sinais que
estão emergindo nas esferas sociais.
b) Imagem
Embora a expressão “O surdo é visual” tenha se estabelecido como um
truísmo no contexto educacional dos surdos, as escolas tradicionais, como já vimos
neste trabalho, partindo de um ensino formal, monolíngue, monocultural e orientado
105
para uma só linguagem (GRUPO DE NOVA LONDRES, 1996), congelam as formas
de representação e construção de sentidos (GEE; HAYES, 2011). Isso se confirmou
no GF1, quando os alunos relataram que em suas escolas, os recursos tecnológicos
que poderiam possibilitar o trabalho com imagens quase nunca eram utilizados.
]Excerto extraído do Diário de Campo do GF1 – 15 out. 2015
Uma vez que grande parte dos surdos se comunicam em uma língua que é
(predominantemente) visual, sua maneira de apreensão do mundo também o é. Dessa
forma, as imagens, bastante acessíveis a esse grupo, são parte essencial do processo
de construção de sentidos. É nesse contexto, portanto, que a multimodalidade se
configura como um dos conceitos fundamentais da pedagogia dos multiletramentos
(GRUPO DE NOVA LONDRES, 1996), uma vez que ela tem se tornado característica
intrínseca dos textos e Designs contemporâneos.
Como já mencionado nesse capítulo, os alunos surdos, participantes da pesquisa,
recorriam, em primeira estância, ao Google Imagens. As imagens resultantes das
pesquisas nem sempre eram suficientes para a apreensão dos significados, mas
mesmo nessas ocasiões, quando associadas a outras linguagens, se constituam
como parte importante da construção dos sentidos.
Ao pesquisar no Google o que era Fanfic, a aluna N. se deparou com a seguinte
imagem:
Quando perguntei aos alunos sobre a presença de imagens durante as
aulas, eles responderam que o uso de smartphones e tablets era proibido dentro
da sala de aula, por isso as únicas imagens com as quais eles tinham contato eram
as presentes nos livros didáticos. Além disso, relataram que os professores vão
pouquíssimas vezes à sala de recurso e quando isso acontece, normalmente, é
apenas para exibir filmes. A aluna L. relatou que a professora de Biologia
costumava exibir vídeos na sala de aula, mas esses vídeos não eram legendados,
por isso ela tinha muita dificuldade em compreendê-los.
106
Figura 35 - Resultado da busca pela palavra “Fanfic” no Google Imagens.
Excerto extraído do Diário de Campo da Aula 45 – 15 set. 2015
Portanto, embora as imagens isoladas possam, muitas vezes, não ser
suficientes para a compreensão dos sentidos, quando relacionadas a outras
linguagens, se complementam e passam a compor possíveis significados. Por isso, é
importante destacar que as diferentes modalidades presentes no app não podem ser
vistas como autônomas, elas se inter-relacionam dentro do app e fora dele.
Assim, para construir o significado da palavra “político”, a aluna G.
selecionou a imagem do atual presidente do Brasil para mostrar aos demais colegas.
Pedi a ela que me explicasse o que havia na imagem e o que ela poderia
inferir sobre o conceito de Fanfic a partir dela. A aluna, embora tenha descrito que
se tratava de alguém escrevendo uma história, não conseguiu elaborar uma
resposta para o que era Fanfic. Após explicar em libras que Fanfic era um texto
construído colaborativamente e mostrar aos alunos alguns exemplos disponíveis em
sites da internet, eles compreenderam o conceito. A aluna N, então, perguntou se
era por isso que o texto da imagem estava escrito em cores diferentes. Ou seja, se
cada cor representava um autor diferente.
107
Figura 36 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político” através de imagem.
Excerto extraído do Diário de Campo da Aula teste – 18 maio 2015
Essa interação entre usuários e a discussão desencadeada pela imagem
e pelo comentário escrito, como veremos mais adianta neste capítulo, é fundamental
para que os sentidos sejam construídos colaborativamente, de forma situada, a partir
do horizonte social em que cada sujeito encontra-se inserido (BAKHTIN/VOLÓCHINOV,
2017 [1929]).
No momento em que G. mostrou a imagem de Temer para os demais, a
aluna L., (como ilustrado na figura acima), comentou que ela não gostava do atual
presidente, pois ele queria acabar com a aposentadoria.
108
c) Vídeo
Como mencionado anteriormente, alguns conceitos, palavras/ enunciados
em Português não são compreendidos pelos surdos, muitas vezes, porque esses
sentidos não são produzidos, inclusive, na própria língua de sinais. A matriz curricular
das escolas regulares não prevê o ensino de Libras, o que implica na falta de
letramento do surdo não apenas em Língua Portuguesa, mas em língua de sinais.
Embora a convergência das mídias, principalmente nas redes sociais,
possibilite que informações em Libras circulem e sejam mais amplamente acessadas,
os surdos participantes da pesquisa estão pouco habituados a se engajar em práticas
que envolvam o uso da língua de sinais. Só mais recentemente isso tem acontecido
de forma mais significativa através dos recursos de chamada de vídeo e as
transmissões ao vivo do Facebook.
Excerto extraído do Diário de Campo da Aula 38 – 20 ago 2015
Por isso, mostrou-se importante que as definições no Palavreando
pudessem ser construídas também em Libras, a fim de possibilitar que a produção de
sentidos aconteça em ambas as línguas. Para tanto, a aba vídeos permite explicações
em língua de sinais e também qualquer outra estratégia visual que o surdo considere
relevante para explicar o significado de uma palavra. Para a palavra “político” foram
gravados três vídeos que serão transcritos e analisados com mais detalhes na seção
Aprendizagem é social, deste capítulo.
Ao final das aulas sempre deixo que os alunos usem seus smartphones
conectados à internet, de maneira livre, para observar como eles estão usando
esse artefato. Em quase todas as aulas, eles tiram fotos individuais e em grupo e
postam no Facebook. Rolam a tela e observam de forma rápida o feed de notícias.
Param para ver imagens e fotografias. Voltam a rolar a tela. Quando mostrei a eles
os vídeos produzidos em Libras pela TV Ines, me espantou saber que nenhum
deles os conhecia.
109
d) Definição escrita
Em se tratando de um app cuja finalidade é a aprendizagem de palavras
em Português e, consequentemente, a produção de sentidos nessa língua, é coerente
que o Palavreando incluísse a linguagem verbal, em sua modalidade escrita, como
um dos campos de construção de significados. Além da importância da aprendizagem
dessa modalidade ser reforçada pela Lei 10.436 que salienta a impossibilidade da
Libras substituir a Língua Portuguesa escrita, nossa sociedade ainda se configura
como uma sociedade grafocêntrica que insiste em “normalizar” o surdo, se não pela
fala, como era no oralismo, pela escrita (Cavalcanti & Silva, 2007) e pela norma
padrão.
Nesse contexto, é importante conceber a aprendizagem escrita de forma
mais participativa, colaborativa e distributiva, caminhando no sentido contrário daquilo
que se define, comumente, como práticas letradas convencionais, vistas como mais
centradas na noção de autoria e com regras e normas fixas. Assim, a possibilidade
de construir sentidos a partir de definições escritas no Palavreando contribui para o
processo de inclusão dessa comunidade e se configura também como um espaço
de resistência política.
Portanto, para essa modalidade, os alunos produziram os seguintes textos escritos21:
I: O político é alguém que ocupa de assuntos públicos.
Exemplo: as pessoas culpando a Dilma que roubou dinheiro.
I.: A política é que reunir os políticos para apresentar cada
projetos, discutir para criar declaração ou lei. Ex: A ação dos políticos aprovado pela lei de direitos humanos.
L.: Político é muitos que passar na televisão que tem presidente e
que falam muito e que tem microfone, no quadrado da mulher interpretação. O brasileiros são evolvidos e roubo muito.
G.: Político explicar o muito importante nova lei e regras. Também
Brasília, prefeitura e qualquer cidade. Problema é dinheiro e trabalhar melhor, mas não adianta.
J.: Os políticos são homens e mulheres de ministro, prefeito,
secretário, presidente e entre outros, na camara dos deputados na Brasília e nas cidades também se reúnem com o prefeito, secretários e outros numa camara municipal para discutir sobre os projetos, leis e outras propostas.
21 Essas definições, especificamente, estão apresentados aqui sem nenhuma modificação.
110
L.:
Político muito falou homeino. Começou o brasil todos o que falam teloração a falam muito. Problema mas dinheiro o pouco queiram pessoas de trabalho.
I.:
Muitos políticos brasileiros estão envolvidos em fazer roubos.
Figura 37 - Tabela com as definições escritas produzidas pelos alunos para a palavra “político”.
É possível observar que, assim como na aba vídeos, diferentes estratégias
aparecem na modalidade escrita. Alguns deles descrevem as atividades exercidas
pelos políticos, outros explicitam juízos de valor e opiniões sobre o assunto, outros
definem exemplificando e outros expõem a palavra através de uma frase. Essas
definições que partem de um contexto concreto de enunciação serão melhor
trabalhadas na seção seguinte.
4.2.3 Aprendizagem é social
Nas teorizações bakhtiniana, a palavra, compreendida em seu significado
mais amplo, ou seja, como enunciado e discurso, é vista como um fenômeno
ideológico e dialógico por excelência.
A consciência linguística do falante e daquele que escuta e compreende não lida na prática ou na fala viva com um sistema abstrato de formas linguísticas normativas e idênticas, mas com a linguagem no sentido do conjunto de diferentes contextos possíveis em que essa forma linguística pode ser usada. Para o falante nativo, a palavra se posiciona não como um vocábulo de dicionário, mas como uma palavra presente nos enunciados mais variados da combinação linguística A, B, C etc., e como palavra de seus próprios enunciados multiformes. (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 180).
Nessa perspectiva, a palavra não poderia ser abordada no app fora de seus
contextos de uso e decorada de acordo com a sua significação em Português. Caso
isso acontecesse, ela se tornaria aquilo que Bakhtin/Volóchinov (2017 [1929])
compreendem como um sinal, ou seja, passaria a ser somente objetiva, fechada e
estagnada. Dessa forma, para que as palavras em Português sejam interiorizadas
pelos alunos surdos, elas precisam ser concebidas na estrutura de um enunciado
concreto, como um signo mutável e flexível que não se encerra em uma palavra de
dicionário.
111
Compreendendo, portanto, que os significados de uma palavra não podem
ser estabilizados e isolados de seu contexto, as definições no Palavreando, como
vimos anteriormente, serão produzidas pelos próprios usuários, permitindo a eles
fazerem parte de um processo contínuo, aberto e autoral de produção de sentidos e
significados.
Para Santaella (2013, p. 246), a multiplicidade e a diversidade de
linguagens se manifestam a partir de três matrizes fundamentais: a verbal, a visual e
a sonora. Segundo ela, como vimos no capítulo teórico desta Dissertação, todas as
variadas formas de linguagem originam-se dessas três matrizes. Interessa-nos agora
a matriz verbal que, segundo a autora, subdivide-se no discurso descritivo, narrativo
e dissertativo.
Durante o programa bilíngue do qual os sujeitos participantes dessa
pesquisa fizeram parte, desenvolvi atividades envolvendo a presença das tecnologias
digitais móveis, a partir de diferentes gêneros discursivos. Uma delas, já citada
anteriormente, foi a produção de uma carta ao professor sobre o que seria, para os
alunos surdos, uma educação de qualidade voltada a esse público. Uma das
exigências da proposta era dar dois exemplos do que o professor poderia fazer para
melhorar a qualidade da aula para o surdo. Reproduzo abaixo dois textos, um
produzido pela aluna A., surda profunda, e outro pela aluna I. que tem implante
coclear:
Campinas, 15 de outubro de
2015 Professor,
Na escola tem intérprete também alunos surdos inclusão ouvintes. Mas
não é difícil muito não, só pouco difícil por isso minha intérprete falta para escola que eu
junto surdos de professor falando para eu não entendi, porque eu é surda também surdos
então minha amiga é surda chama para professor esquecer que ela falou que eles não
entendem de ele ajudou escrever da lousa como fazer estuda também responda.
Depois minha intérprete explica para surdos entendem também ajuda como fazer estuda
e aprender é bom que não difícil.
Mas eu entendo ver imagem também filme como jeito aprender também entende.
A.
112
Tradução minha22:
Professor,
Na escola tem intérprete e também tem outros alunos surdos que convivem com
ouvintes para haver inclusão. Não é muito difícil, não. Só é um pouco difícil quando a
minha intérprete falta na escola. Eu, junto com os outros alunos surdos, não
entendemos o que o professor fala, porque eu sou surda e os outros alunos surdos
também não entendem. Por isso, minha amiga chama o professor para que ele não se
esqueça que nós surdos não entendemos. Então ele nos ajuda escrevendo na lousa
o que é preciso estudar e também as respostas.
Depois, minha intérprete explica para os surdos poderem entender como aprender e
estudar. É bom, não é difícil.
Mas eu entendo imagens e também filmes são um jeito bom para aprender e entender
também.
A.
22 É importante ressaltar que a tradução dos excertos se deram a fim de que os leitores não familiarizados com a escrita do surdo pudessem compreender o conteúdo do texto no espaço dessa Dissertação. No entanto, o alinhamento, ou seja, o ponto para compreensão no app Palavreando será produzido na própria interação dos usuários.
Campinas, 15 de outubro de 2015
Professores,
Eu queria se voces saibam sobre da minha e o que eu faço na vida, então eu nasci surda
depois cresci uns 3 anos fui em Bauru fazer cirurgia dentro da implante na cabeça e
começei ser feliz que eu estava escutando tudo, pássaros, barulhos, crianças e meus pais
falam.
Depois tantos anos aprendi a falar e cresci, quando eu tinha 12 anos que eu tava no 5 ano
eu aprendi muita coisa na sal de aula e também fiz amizade, pois eu era única surda da
escola particular.
E os professores nao sabiam que eu era surda e também eles perguntaram "como você
escuta? e como você aprende a falar as pessoas?" eu aprendi na fonoaudiologo que me
ensinaram a falar, então os professores me ensinaram muita coisa que já aconteceu na
minha vida e também eles comunicava comigo e os meus amigos que falam devagar, as
113
Tradução minha:
Professores,
Eu queria que vocês soubessem sobre a minha vida e o que eu faço. Então, eu nasci
surda, depois cresci e quando tinha 3 anos fui para Bauru fazer a cirurgia de implante
coclear na cabeça. Comecei a ser feliz porque eu estava escutando tudo, os pássaros,
os barulhos, as crianças e os meus falarem.
Depois de tantos anos aprendi a falar e cresci, quando eu tinha 12 anos e estava no
5º ano, aprendi muitas coisas na sala de aula e fiz amizade, pois eu era a única surda
da escola particular.
Os professores não sabiam que eu era surda e me perguntavam “como você escuta?”
e “como você aprendeu a falar com as pessoas?”. Eu aprendi na fonoaudióloga que
me ensinou a falar. Então, os professores me ensinaram muitas coisas que já
aconteceram na minha vida e também eles e meus amigos se comunicavam comigo
falando devagar, usando palavras simples e também ensinando palavras novas que
eu não conhecia, também me ensinavam as matérias. Eu nunca tive intérprete.
Hoje que estou no 1º ano do ensino médio na escola pública que aprendi mais coisas,
pois é a primeira vez que tenho intérprete, amigos surdos e uso libras. Fiz amizade
com ouvintes e aprendi novas matérias.
Então, eu queria que os professores ensinassem de uma maneira mais simples para
os surdos, porque a gente tem um pouco de dificuldade. Quero aprender matérias
simples e a me comunicar.
I.
palavras simples e também ensina as palavras novas que não conheço, também me
ensinava as matérias. E nunca tive intérprete.
Até hoje que to no 1 ensino médio na escola pública que aprendi mais coisas, primeira vez
que teve intérprete, amigos surdos e libras, fiz amizade com ouvinte, aprendi novas
matérias.
E então eu queria que e os professores ensinam mais simples para os surdos e e, porque
agente tem pouca dificuldade, aprender matérias simples e comunicação.
I.
114
Ao analisar essas e outras produções escritas e em língua de sinais feitas
pelos alunos surdos, percebi que independente do gênero solicitado, os alunos estão
sempre narrando histórias e descrevendo situações. Portanto, é a partir,
principalmente, dos textos narrativos e descritivos, citados por Santaella (2013), que
os alunos surdos produzem sentido. Por isso, mostrou-se fundamental que houvesse
um espaço no Palavreando para que as definições das palavras pudessem ser
construídas a partir da história pessoal de cada sujeito. Dessa forma, tanto a aba
vídeo, quanto a aba definição escrita, permitem que o surdo produza textos verbais e
visuais, longos e complexos.
É o que acontece nas definições da palavra “político” gravadas para compor a aba vídeo:
Figura 38 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político”, através de vídeo do aluno J.
“Políticos são homens ou mulheres,
tanto faz, que participam de grupos,
palestras, discussões. Pessoas que são
vereadoras, prefeitas, deputadas,
várias coisas, secretários. Eles vão no
Congresso Nacional, na Câmara
Municipal discutem leis, propostas e
projetos para melhorar ou as vezes
piorar a vida.”
115
Figura 39 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político”, através de vídeo da aluna L.
Figura 40 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político”, através de vídeo da aluna I.
“No horário político, as pessoas
falam, falam, falam. Discutem
muito e eu tenho que ficar
esperando para assistir à novela.”
“Muitos políticos são corruptos”
116
Figura 41 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político”, através de vídeo do aluno L.
Os quatro alunos que produziram os conteúdos expostos acima usaram
diferentes estratégias para compor o significado da palavra “político”. A primeira
definição trata-se de uma descrição do que é um político e do que ele faz. A segunda
diz respeito a uma opinião pessoal sobre uma atividade específica dos políticos: as
propagandas eleitorais televisivas. A terceira não traz uma definição para a palavra
“político”, mas a insere dentro de uma frase que representa um sentido que circula no
meio social em que a aluna está inserida.
Todas as definições, portanto, fazem emergir um contexto imediato de
intercâmbio social. Nele estão presentes os lugares e papéis sociais, a posição de
cada sujeito envolvido em relação aos outros, à sociedade e às formas legítimas de
interação social entre os sujeitos envolvidos.
Nesse contexto, surge também outro aspecto de extrema relevância para
a concepção do protótipo. Esse aspecto diz respeito a interação entre os usuários.
Para Bakhtin (2015 [1979], p. 379), todas as palavras (enunciados e discursos), além
de nossas, são palavras do outro.
“Na minha cidade, o prefeito foi
visitar a casa das pessoas, ele
chegou e falou com as pessoas.
Prometeu melhorar a vida, mas
ele não quer trabalhar, quer
dinheiro.
117
A importância da orientação da palavra para o interlocutor é extremamente grande. Em sua essência, a palavra é um ato bilateral. Ela é determinada tanto por aquele de quem ela procede quanto por aquele para quem se dirige. Enquanto a palavra, ela é justamente o produto das inter-relações do falante com o ouvinte. Toda palavra serve de expressão ao “um” em relação ao “outro”. Na palavra, eu dou a forma a mim mesmo do ponto de vista do outro e, por fim, da perspectiva da minha coletividade. A palavra é uma ponte que liga o eu ao outro. (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 205)
Segundo Peters (2014), uma das principais maneiras pela qual o design de
interface pode apoiar a aprendizagem é facilitando a interação e a participação.
Embora a participação em si não garanta o aprendizado, os pesquisadores mostraram
que ela tende a aumentar a produtividade do grupo, melhorando os resultados da
aprendizagem (PETERS, 2014, p. 120). Por isso, corroborando a ideia de que a
aprendizagem é um processo inseparável do contexto social e que a palavra, como
discurso concreto (enunciado), “encontra o objeto para o qual se volta sempre, por
assim dizer, já difamado, contestado, avaliado, envolvido ou por uma fumaça que o
obscurece ou, ao contrário, pela luz de discursos alheios” (BAKHTIN, 2017 [1934-
1935], p. 48), mostrou-se importante que o protótipo de app permitisse aos usuários
interagirem uns com os outros, através de comentários, curtidas e em bate-papos
privados ou coletivos.
Dessa forma, a interação possibilitada por esses recursos permite que os
valores sociais expostos em cada uma das definições sejam confrontados e os
significados negociados, como vemos no exemplo a seguir, em que uma aluna
expressa sua visão sobre a imagem escolhida para representar a palavra “político23.
23 Considerando a atual conjuntura política vivenciada no país, sinto a necessidade de registrar o meu
posicionamento político, a fim de salientar que, almejando uma sociedade igualitária e, portanto,
democrática, não posso corroborar as propostas do atual governo.
118
Figura 42 - Prototipagem da tela de definição da palavra “político” através de imagem.
Segundo Bakhtin/Volochinov (2017, [1929]), o enunciado se forma entre
indivíduos socialmente organizados. Nesse sentido, partindo do pressuposto de que
a palavra é sempre orientada para o interlocutor, devemos sempre considerar quem
é esse interlocutor, que posição hierárquica ele assume em relação a quem enuncia,
quem enuncia. Por isso, para discutir o(s) sentido(s) de político, devemos considerar
essa situação concreta de enunciação, que prevê um interlocutor de forma não
isolada.
Além do que já foi descrito, um dos critérios de avaliação de apps
adaptados por Farhat (2016), diz respeito ao compartilhamento. Um app educacional
ao se vincular a redes sociais, potencializam as chances de promover uma
aprendizagem situada, significativa e colaborativa, através das conexões (em rede)
com outras plataformas e com outros usuários. Dessa forma, todas as definições
produzidas no Palavreando podem ser compartilhadas em redes sociais como o
Facebook e o Instagram. Esse recurso amplia as possibilidades de significação, ao
“Esse é o presidente! Eu não gosto
do presidente ele quer acabar com
a aposentadoria! Não é?”
119
passo que envolve outros interlocutores, ou seja, “opiniões comuns, pontos de vista,
avaliações alheias, acentos” (BAKHTIN, 2017 [1934-1935], p. 48).
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A TRAVESSIA
Diadorim
Arlindo Daibert
Por que era que eu estava procedendo à-toa assim? Senhor, sei? O senhor vá pondo seu perceber. A gente vive repetido, o repetido, e, escorregável, num mim minuto, já está empurrado noutro galho. Acertasse eu com o que depois sabendo fiquei, para de lá de tantos assombros... Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
(ROSA, João Guimarães. Grande Sertão:
Veredas. São Paulo: Nova Aguilar, 1994, p. 85.)
Ao entrar pela primeira vez em uma sala de aula com alunos surdos e
encontrá-los concentrados em seus smartphones, me senti instigada a iniciar uma
travessia. Essa travessia, repleta de descobertas e inquietações, me conduziu à
pesquisa aqui descrita e, consequentemente, ao Palavreando, uma proposta de app
educacional construída e amparada pelas relações que estabeleci entre minha
vivência como professora de Português para surdos, os constantes diálogos de
orientação para o desenvolvimento do trabalho e o que reuni a partir dos estudos
121
sobre aprendizagem móvel e, principalmente, sobre visões de língua(gem), isto é,
visões de mundo, do homem e suas relações.
Assim, se iniciei esta Dissertação convidando você, leitor, a me
acompanhar nessa travessia, proponho, agora, que vivenciemos juntos outros
caminhos – aqueles que dinamicamente se (re)constroem para que possamos tecer
os percursos que “encerram” esse trabalho, mas que certamente marcam o “início” de
muitos outros. Assim, aqui fica o convite para reflexões que, ao retomarem a
experiência vivida ao conduzir minha pesquisa, podem nos levar a novos recomeços,
a “novas” questões e desafios.
Antes de retomar os objetivos deste estudo e sucintamente retomar seus
resultados, julgo pertinente dizer que os surdos brasileiros representam
aproximadamente cinco por cento da população e, embora esse possa ser visto por
alguns como um número pequeno, entendo que não podemos enxergar pessoas a
partir de uma perspectiva quantitativa. Todos importam, em suas diferenças. Assim,
as considerações suscitadas por este trabalho envolvem questões abrangentes e de
profunda importância, que me levaram a compreender que aquilo que é
distintivamente humano em nós, ou seja, nossas capacidades de linguagem,
comunicação, pensamento e cultura, desenvolvem-se nas relações históricas e
sociais e que essas relações precisam ser constantemente alvo de reflexão, se
almejarmos viver relações de maior equidade.
Acreditava-se, há alguns séculos, conforme discuti no capítulo inicial deste
estudo, que os surdos estariam à margem das relações sociais, porque não poderiam
se comunicar com as pessoas ouvintes. Esse pensamento está sendo aos poucos
revisitado e as relações vivenciadas pelos surdos, assim como ocorre com todos nós,
estão sendo redesenhadas pelo avanço das tecnologias digitais que inauguraram um
outro modo de produzir e configurar conhecimento. Os dispositivos móveis, definidos
por Santaella (2013, p. 248) como qualquer recurso que possa ser transportado com
informações e que se mostre mais acessível, fazem emergir um ambiente digital
altamente flexível, que reúne misturas criativas do verbal e do visual e que, ao se
ampliar para outras formas de construção de sentidos, não restritas à modalidade oral,
mostra-se interessante para experiências de aprendizagem por pessoas surdas.
Sabemos que os surdos, ao adentrarem o contexto escolar ou acadêmico,
irão se confrontar com a palavra escrita. Aprender o português escrito, portanto,
revela-se um conhecimento importante, na medida em que permite ao surdo ter
122
acesso a letramentos considerados relevantes socialmente, ampliando as formas de
participação social desse grupo. Não se trata, desse modo, de apenas aderir às
facilidades trazidas pelas tecnologias digitais e móveis, mas de explorar o potencial
interativo transformador que esses dispositivos podem apresentar para os processos
de aprendizagem. Para isso, é interessante que investiguemos e exploremos o
potencial hipermidiático, interacional e colaborativo das interfaces computacionais.
Nesse contexto, surgiu o desejo de investigar possibilidades de
desenvolvimento de um app que pudesse se mostrar um recurso favorável à
aprendizagem de palavras pela comunidade surda. Dessa forma, o objetivo deste
estudo foi investigar e delinear as principais características de um protótipo de app
móvel voltado à comunidade surda, cuja finalidade fosse a aprendizagem de palavras,
vista como um processo multimodalizado e discursivo de construção de sentidos em
Português. Partindo da ideia de língua/linguagem como um como um processo
multimodalizado e discursivo de construção de sentidos, o resultado do estudo
desenvolvido foi a construção de um conjunto de princípios e recursos que configuram
um protótipo de app educacional denominado Palavreando.
É importante salientar que a natureza discursiva, multimodal, colaborativa
e interativa da proposta de app aqui delineada só foi definida a partir de um longo
processo de investigação, conduzido junto aos participantes e, assim, de natureza não
linear. Ao longo deste trabalho, busquei relatar a construção desse processo e, assim
sendo, sigo abaixo recapitulando brevemente como se delineou este estudo.
No primeiro capítulo, contextualizei brevemente a história da educação de
surdos, evidenciando que, no Brasil, as discussões sobre translinguismo e diversidade
são muito recentes, o que significa que há ainda muito a ser feito em relação aos
contextos minoritários e minoritarizados, invizibilizados ao longo de muitos séculos.
Além disso, busquei afirmar a importância de se refletir sobre as línguas que
constituem esses contextos e o papel fundamental que a aprendizagem de Português
assume dentro de uma sociedade que é marcadamente grafocêntrica.
Ainda no primeiro capítulo, numa tentativa de caminhar no sentido contrário
às práticas de letramento da escola convencional que congela as formas de
representação e construção de sentido, busquei situar o potencial dos app
educacionais móveis para a aprendizagem dentro do estágio em que nos
encontramos, nomeado por Santaella (2013) como estágio da conexão contínua.
Com vistas a responder à pergunta de pesquisa colocada para este
123
trabalho discuti, no segundo capítulo, o recente e desafiador campo da Aprendizagem
móvel, estabelecendo relações com os estudos sobre os Novos multiletramentos e os
Paradigmas da aprendizagem. Além disso, discuti as bases dialógicas e discursivas
da visão bakhtiniana de linguagem, em especial suas teorizações em torno da palavra,
compreendida em sua acepção mais ampla, como enunciado e discurso. A fim de
perceber como essas bases teóricas poderiam ser materializadas dentro de um app,
descrevi alguns critérios de avaliação de apps educacionais, voltados ao ensino e à
aprendizagem de línguas, propostos por pesquisadores da área.
No terceiro capítulo, relatei o meu percurso metodológico que não poderia
assumir outro caráter, senão processual e horizontalizado. Considerando o sujeito
bakhtiniano que emerge na enunciação, entendida como um processo em que o eu
se constitui através do outro e como outro do outro, o processo de produção dos
dados, bem como o olhar direcionado a eles, foi (re)pensado e (re)constituído ao longo
da pesquisa, a partir da interação e colaboração constantes entre mim e os sujeitos
desse estudo.
Os surdos que, por muitos anos, viram suas vidas serem determinadas por
escolhas feitas por ouvintes, adotaram um lema conhecido como “nada sobre nós,
sem nós”. Dentro dessa perspectiva e considerando o campo transdisciplinar da LA,
seria incoerente e contraditório realizar esta pesquisa sem que os surdos ocupassem
um lugar de destaque no delineamento de cada uma das características que
configuram a proposta de app.
Assim, no quarto capítulo, buscando afinar as teorias que deram base a
esse trabalho com o que a leitura cuidadosa e minuciosa dos dados produzidos fez
emergir, apresento e analiso as principais características do Palavreando que se
estabeleceram, principalmente, a partir das noções de multimodalidade,
palavra/enunciado, contexto e colaboração. Se tomarmos o ensino-aprendizagem de
línguas na perspectiva bakhtiniana devemos considerar que a palavra só ganha vida
em uma situação concreta de enunciação. Devemos ainda levar em conta que cada
palavra exala um contexto (BAKHTIN, 2017 [1934-1935], p.69). Esses contextos são
inúmeros e não podem ser artificiais, como entendidos em abordagens tradicionais.
Dessa forma, para que essas teorizações estivessem presentes na
proposta de app aqui apresentada, criamos espaços para que situações concretas de
enunciação possam ser realizadas. Assim, as definições das palavras, atreladas ao
124
sinal em Libras, poderão ocorrer através de exemplos concretos de uso, a partir de
vídeos e frases em que os alunos surdos terão a possibilidade de narrar ou descrever
situações, em Libras e/ou em Português escrito, colocando a palavra em sua
existência concreta e viva. Isso permitirá, futuramente, que possamos analisar,
compreender quem está falando, com quem, em que situação etc, uma vez que
através de comentários e bate-papos, os alunos poderão interagir, negociar e
colaborar para a construção dos sentidos.
Um app móvel tende a ser visto como um objeto fechado e acabado, no
entanto, em se tratando do âmbito educacional, o Palavreando, bem como outros apps
que sirvam a esse propósito devem ser vistos como recursos em eterna construção.
O Palavreando materializa apenas algumas das muitas questões, ideias e convicções
que surgiram durante a minha travessia em busca de estratégias mais sensíveis às
necessidades educacionais dos surdos. Chego à etapa “final” desse trabalho com o
entendimento de que essa proposta ganhará (mais) vida na continuação desse trajeto,
ou seja, quando os meus alunos e a comunidade surda estiverem com seus
smartphones nas mãos, (re)construindo colaborativamente suas definições para as
palavras em Português e, consequentemente, enunciando suas visões de mundo.
Desse modo, chego final desse trajeto com a sensação de inacabamento. Mas essa
sensação não se revela como algo negativo para mim, no entanto. Desse
inacabamento emergem outras questões e outras dúvidas, como também se revelam
outros percursos ainda a serem vividos.
Finalizo este capitulo com uma convicção: se por um lado o convívio diário
com surdos me fez perceber nossa vulnerabilidade diante das limitações biológicas e,
especialmente, daquelas impostas pelos processos sociais e culturais, por outro, o
desenvolvimento desta pesquisa me apresentou a possibilidade de revisitar minhas
verdades e me ofereceu uma concepção completamente inesperada da linguagem,
fazendo-me perceber a força que temos para nos adaptar e também de resistir e
encontrar maneiras outras de estar no mundo.
Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o
125
senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?
(ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas.
São Paulo: Nova Aguilar, 1994, p. 42.)
126
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131
ANEXOS
ANEXO I:
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DE
APLICATIVOS DIRECIONADOS À
APRENDIZAGEM MÓVEL
PROPOSTA DE AVALIAÇÃO DE
APLICATIVOS MCQUIGGAN; KOSTURKO; MCQUIGGAN E SABOURIN (2015)
1. Propósito 1. Propósito
1.1 O aplicativo atende às necessidades
do usuário/aprendiz em relação aos conteúdos
disponíveis?
1.1 O aplicativo atende às minhas
necessidades, como educador/usuário, para a lição na
palma da
mão?
1.2 O aplicativo ofereceu atividades demos
ou descrições detalhadas de seus conteúdos e atividades
para que
o usuário possa experimentar e identificar se aquele app é
realmente adequado às suas necessidades ou não?
2. Alinhamento: 2. Alinhamento:
2.1 O aplicativo avalia o nível de
conhecimento do usuário na língua estrangeira, antes de
iniciar o uso a fim de saber seu nível de conhecimento na língua?
2.1 O aplicativo se encaixa no padrão da
minha escola?
2.2 O aplicativo oferece conteúdos
claros (gramaticais, compreensão oral e escrita,
vocabulário),
adequados e com diferentes graus de dificuldade, baseados
na proficiência do usuário?
2.2 O aplicativo está de acordo com o
currículo escolar?
2.3 Em relação ao nível de proficiência
do usuário, o conteúdo oferecido, o tempo para a
realização das
tarefas e a quantidade de tentativas até a finalização foi
adequado?
2.3 O aplicativo possui níveis de
dificuldades apropriados para os alunos?
2.4 Os conteúdos dos aplicativos se
mostraram significativos motivadores dentro de suas
propostas?
3. Personalização: 3. Personalização:
3.1 O aplicativo permite ou exija que o
usuário crie logins?
3.1 O aplicativo permite aos usuários a
criação de logins?
3.2 O aplicativo oferece ao usuário a criação
de um perfil com possibilidade de escolher, de acordo com
seus objetivos as habilidades no idioma estrangeiro que
gostaria de trabalhar/focar?
3.2 O aplicativo oferece ao usuário
diferentes experiências de aprendizagem baseadas em seus
interesses?
3.3 O aplicativo realiza periodicamente
pesquisas de opinião sobre seu conteúdo, a fim de que o
usuário de posicione, direcione e contribua com o material
que será disponibilizado?
3.3 O aplicativo oferece diferentes desafios
baseados nas habilidades e conhecimentos do usuário?
3.4 O aplicativo realiza desafios
relacionados aos conhecimentos adquiridos pelo usuário e
assim moldar o
conteúdo para mais complexo ou mais fácil diante dos
resultados (por exemplo: testes)?
3.5 O aplicativo permite que o usuário crie
um plano de estudo?
4. Compartilhamento e acesso: 4. Compartilhamento e acesso:
132
4.1 O trabalho criado e realizado pelo usuário
no aplicativo pode ser exportado ou compartilhado em redes
sociais?
4.1 O que acontece com o trabalho criado
no aplicativo? Pode ser exportado ou compartilhado nas
mídias
sociai
s?
4.2 O aplicativo está ligado a uma rede
social, ou outros meios de compartilhamento de
conhecimento de fácil acesso ao usuário?
4.2 O trabalho é armazenado nas nuvens?
Pode ser acessado por computadores?
133
4.3 A forma de armazenamento on-line
do aplicativo permite que ele seja acessado em
outros dispositivos, sejam eles móveis ou não
(desktops),
trabalhando com a portabilidade e facilitando o acesso do
usuário ao conteúdo para estudar?
4.3 É possível ver relatórios de atividades e
acessos de alunos/usuários?
4.4 O aplicativo disponibiliza ao usuário
relatórios de atividades e relatórios de evolução do usuário
ao longo do uso?
4.5 O aplicativo disponibiliza recursos para
que os aprendizes interajam entre si (trabalho com
aprendizagem compartilhada)?
4.6 O aplicativo permite que os usuários
realizem atividades simultâneas entre si, que incentivem a
colaboração e trabalho em equipe (ex: jogos, competições, testes, tarefas)?
5. Facilidade no uso/usabilidade: 5. Facilidade no uso/usabilidade:
5.1 O aplicativo é bem desenhado/projetado,
ou seja, o design é interativo e simples (“user-friendly”),
onde o usuário consiga intuitivamente entendê-lo?
5.1 O aplicativo é bem desenhado?
5.2 O usuário é capaz de iniciar o processo
de uso do aplicativo sem orientação?
5.2 A navegação no aplicativo é lógica e
simples?
5.3 O aplicativo oferece suporte ao usuário,
ou seja, oferece ícones de ajuda quando ele tiver alguma
dúvida em relação a algo do app como um todo?
5.3 O aplicativo oferece ao usuário
navegação de forma intuitiva, ou seja, sem orientação
prévia?
5.4 O aplicativo permite, facilita a
realização das tarefas por meio dos dispositivos
móveis?
6. Privacidade e segurança: 6. Privacidade
6.1 O aplicativo possui política de
privacidade, ou seja, os dados pessoais e gerados pelo
usuário ao longo do uso do aplicativo são compartilhados
ou mantidos em sigilo e de forma responsável?
6.1 O aplicativo possui política de privacidade?
6.2 O aplicativo possui mecanismos de
segurança (senhas, logins) adequados para que o usuário
tenha suas informações seguras?
6.2 Os dados do usuário são
compartilhados, vendidos ou mantidos em
privacidade?
6.3 Os dados dos usuários coletados
são mantidos de forma responsável?
7. Uso Social do aplicativo 7. Uso Social do aplicativo
7.1 O aplicativo é financeiramente acessível
ou gratuito?
7.1 O aplicativo é razoavelmente barato
ou totalmente gratuito?
7.2 O aplicativo foi considerado um
bom investimento?
7.2 O aplicativo pode ser considerado um
bom investimento?
7.3 O tamanho do aplicativo é apropriado para
o dispositivo móvel onde ele é oferecido, ou seja, o tamanho
dos
arquivos, softwares do aplicativo são adequados
permitindo acessibilidade e mobilidade?
7.3 A rede disponibilizada permite que o
app seja acessado de forma adequada e
satisfatória?
134
7.4 O aplicativo apresenta ferramentas
adequadas para anotações e lembretes?
7.4 O tamanho do app é apropriado?
7.5 As mídias utilizadas e disponibilizadas
pelo aplicativo (áudio, vídeo, animações) para a
aprendizagem
podem ser acessadas por pacotes de dados ou wifi, sem
problemas com carregamentos? Sistema leve e compatível.
7.5 O aplicativo é frequentemente atualizado?
7.6 O uso do aplicativo ocorre somente com acesso à internet?
135
7.7 O aplicativo possui atualização constante
como forma de melhorar o programa e os conteúdos oferecidos aos usuários?
8. Âmbito Pedagógico: 8. Âmbito Pedagógico:
8.1 O aplicativo oferece ao usuário feedbacks
de suas ações (visuais ou auditivos)?
8.1 O aplicativo oferece feedback
apropriado e imediato?
8.2 O aplicativo trabalha com o usuário a
capacidade de associar, planejar, hipotetizar, entre outras,
de maneira efetiva?
8.2 O aplicativo fornece uma experiência de
aprendizagem amparada (scaffolding)?
8.3 O aplicativo disponibiliza outras formas
de informações/aprendizagem (links, sites, bate-papos)
que permitam ao usuário navegar em busca de outras
fontes de conhecimento e não só as disponibilizadas no app?
8.3 O app facilita o desenvolvimento de
habilidades relacionadas às funções mentais superiores?
8.4 O aplicativo providencia experiências
autênticas que se espelham no mundo real? (Por exemplo,
anotação no app e anotação com caneta no caderno)
8.5 O aplicativo faz a tarefa na “palma da
mão” mais eficiente?
8.6 O aplicativo transforma as tarefas em
mais atrativas?
8.7 O aplicativo facilita e
possibilita a colaboração?
9. Acessibilidade
9.1 O aplicativo está disponível em diversas
plataformas para acesso? 9.2 O aplicativo permite ao aluno acessar
as referências de acessibilidade nos dispositivos móveis a
serem usado
s? 9.3 O suporte necessário ao idioma
encontra-se disponível?
9. Modos de Aprendizagem:
9.1 As atividades propostas favorecem o
condicionamento, a repetição e a formação de hábitos
linguísticos em detrimento de propostas mais
contextualizadas, que explorem a criatividade?
9.2 As atividades trazem evidências de
aprendizagem programada, ou seja, de procedimentos pré-
orientados para um reforço positivo imediato, com vistas
ao máximo de acertos por parte do usuário?
9.3 As atividades evidenciam uma visão
de linguagem como estrutura?
9.4 As atividades propostas favorecem o uso
de capacidades de associar, hipotetizar, planejar, etc., e
que explorem a criatividade?
9.5 As atividades evidenciam uma visão
de linguagem com construção de sentidos?
9.6 O aplicativo trabalha atividades de
vocabulário, gramática, compreensão oral e escrita de
forma contextualizada, partindo do texto e não de modo
136
isolado?
10. Aprendizagem Significativa/Situada e Letramentos Críticos:
137
10.1 O aplicativo oferece conteúdos que
auxiliem na aprendizagem individual do usuário, ou seja, conteúdos flexíveis, amigáveis e adaptáveis?
10.2 O aplicativo permite aos
usuários descarregar e publicar uma multiplicidade
de recursos multimidiáticos enquanto trabalham em
grupo ou estão realizando outras atividades
(Letramento multimodal)?
10.3 O aplicativo oferece mecanismos de
desenvolvimento para que os usuários aprendam e se
identifiquem em meio a comunidades de prática, ou seja,
em contextos considerados mais autênticos,
significativos e colaborativos de aprendizagem (Letramento intercultural)?
10.4 O aplicativo traz textos sem adaptações
ou são utilizados textos adaptados, em sua maioria?
10.5 O aplicativo oferece a possibilidade de
recebimento de feedbacks de outros usuários a todo o
momento, quando o usuário solicitar, por meio de bate-
papos, chats, fóruns (letramento intercultural)?
10.6 O aplicativo apresenta ao usuário
situações de uso da língua que dêem a ele autonomia para
entender e
discernir em quais situações utilizar o conhecimento
aprendido (Letramento em rede)?
10.7 O aplicativo apresenta diversidade de
gêneros discursivos?
10.8 O aplicativo permite que o
aprendiz/usuário siga caminhos determinados por ele, ou
seja, crie atividades para si dentro de seu contexto, evitando
que se
repitam sempre os mesmos padrões determinados pelo
aplicativo (Letramento Crítico móvel)?
11. Pluralidade de Língua, linguagens,
cultura e Letramentos Críticos:
11.1 O aplicativo apresenta pluralidade
cultural e de linguagens, por meio da diversidade de
exemplos em
diferentes atividades sociais, grupos sociais e eventos
culturais (Letramento visual, intercultural)?
11.2 O aplicativo apresenta diversidade
étnica, racial, de gênero e de cultura por meio de textos
verbais e não verbais (Letramento visual, intercultural)?
11.3 O aplicativo evidencia diversas formas
de cultura ou sempre trabalha com a cultura denominada
padrão, estereotipada por meio de textos escritos e imagéticos
(Letramento visual, intercultural)?
11.4 O aplicativo trabalha com habilidades
integradas ou de maneira segmentada (escrita-fala) (letramentos multissemióticos)?
12. Agentividade e Letramentos Críticos:
12.1 O aplicativo permite que expandamos o
limite do caráter opinativo para uma reflexão sobre
implicações sociais das posições que assumimos
(Letramento móvel Crítico)?
138
12.2 O aplicativo promove o
questionamento das temáticas trazidas/apresentadas a
partir de diferentes perspectivas (Letramento em Rede)?
12.3 O aplicativo promove o
questionamento sobre o senso comum e os estereótipos,
por meio de textos escritos e imagéticos (Letramento
visual, intercultural)?
12.4 O aplicativo promove a oportunidade
para o usuário criar, ao invés de repetir padrões (Letramento
Móvel Crítico)?
139
13. Gramática e Vocabulário
13.1 O vocabulário é trabalhado de forma
multimodalizada (vídeos, imagens, áudios e outros
recursos multimodais)?
13.2 O aplicativo se restringe à norma
culta quando trabalha com gramática?
13.3 O aplicativo trabalha com vocabulário,
de forma contextualizada, abordando variações?
13.4 O aplicativo permite marcar palavras
e/ou criar listas de palavras?
13.5 O aplicativo permite a criação de hipertextos?
13.6 O aplicativo trabalha com habilidades
integradas ou de maneira segmentada (textos orais e
escritos)?
14. Leitura, escrita, produção e compreensão
oral
14.1 O aplicativo oferece correções em
relações à escrita e propõe maneiras de memorizar as
formas corretas e quando utilizá-
las?
14.2 O aplicativo disponibiliza atividades de
escrita que identificam grafia errada e guiam para a
correção, que pode ocorrer por meio da oralidade ou outras
formas de dicas reconhecidas pelos dispositivos?
14.3 O aplicativo oferece atividades que
trabalhem pequenos turnos de fala-escrita?
14.4 O aplicativo trabalha com a conversação
e escrita assíncrona? (escrita virtual por meio de fóruns
ou compartilhament
os)
14.5 O aplicativo trabalha com a
conversação e escrita síncrona?
(negociação/conversação entre usuários ocorre em tempo real).
15. Jogos
15.1 O aplicativo trabalha com jogos e
sistemas de recompensas que estimulam o usuário de forma
desafiadora
e significativa, permitindo o trabalho das dimensões
linguística, sociocultural e pragmática?
136
ANEXO II:
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (PARTICIPANTE
MAIOR DE IDADE)
EDUCAÇÃO DE SURDOS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL: TECNOLOGIAS MÓVEIS
NO ENSINO DE PORTUGUÊS PARA SURDOS
Pesquisadora Responsável: Jéssica Vasconcelos Dorta
Número do CAAE:
Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este documento,
chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar os seus direitos e deveres
como participante e é elaborado em duas vias: uma que deverá ficar com você e outra com a
pesquisadora.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver
perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com a pesquisadora.
Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir
participar. Se você não quiser participar ou se quiser cancelar sua participação, a qualquer
momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.
Justificativa e objetivos:
A utilização das tecnologias digitais móveis (smartphones, tablets, notebooks, pen drives, etc.)
no ensino/aprendizagem de línguas ainda precisa de estudo e pesquisa. Acredita-se que é
importante, para os estudos da linguagem e seu papel na educação, investigar a relevância do
uso dessas tecnologias nas práticas pedagógicas, principalmente, na educação da comunidade
surda. Dessa forma, por se tratar de um estudo voltado para a educação de um grupo minoritário,
percebe-se que a investigação proposta neste projeto justifica-se por sua atualidade e relevância
no âmbito educacional.
O objetivo geral do estudo é investigar como a apropriação das tecnologias digitais móveis pode
(ou não) contribuir para o processo de aprendizagem de português como segunda língua por um
grupo de jovens surdos inseridos no programa “Surdez: desenvolvimento e inclusão”. Os
objetivos secundários são: a) Identificar o perfil, as necessidades e as expectativas de um grupo
de alunos surdos pertinentes ao contexto de ensino-aprendizagem de português como segunda
língua; b) Observar atividades que envolvam o uso de tecnologias digitais móveis
desenvolvidas no programa bilíngue de apoio escolar a crianças surdas e analisar, a partir dos
discursos dos alunos, como esse uso auxiliou o processo de aprendizagem do português como
segunda língua e c) A partir dessas informações, delinear um projeto de aplicativo móvel que
auxilie o processo de aprendizagem de português como segunda língua pela comunidade surda.
Procedimentos:
Serão aproveitadas as atividades de leitura/escrita rotineiras desenvolvidas no programa
“Surdez: desenvolvimento e inclusão”, para introduzir discussões sobre o uso das tecnologias
móveis e verificar como elas são acessadas. Serão registradas em vídeo e em diário de campo a
maneira como os alunos usam essas tecnologias ou como recorrem a elas no momento de ler ou
escrever sobre temas que serão levados para a discussão durante as atividades do referido
Programa.
Participando do estudo, você estará sendo convidado a responder um questionário online, de
Perfis e Necessidades, aplicado no primeiro atendimento pedagógico de agosto nos quinze
minutos iniciais. Além disso, você também será convidado a participar de uma entrevista semi-
estruturada em grupo sobre o uso das tecnologias móveis nas atividades realizadas no programa
137
e nas atividades diárias, sejam elas escolares ou não, com duração de cerca de meia hora, no
último atendimento pedagógico de dezembro, no final do semestre.
Desconfortos e riscos:
Apesar de não haver riscos previsíveis é garantido que você pode cancelar sua participação na
pesquisa a qualquer momento, caso venha a se sentir constrangido ou desconfortável com
alguma situação, seja esta decorrente da filmagem, da abordagem e/ou do tempo gasto para
participação no estudo sem qualquer penalidade. Você é livre para recusar a participação e/ou
interromper a participação deste a qualquer momento. A sua participação é voluntária e não
compromete de nenhuma maneira a sua participação no programa.
Benefícios:
Este estudo apresenta vantagens potenciais aos sujeitos participantes no que diz respeito ao uso
de tecnologias digitais móveis, voltado não só para a aprendizagem de português, mas para o
acesso à comunicação e à multiplicidade de informações. Ainda que os dispositivos móveis
propiciem uma aprendizagem mais individualizada, pretende-se incentivar o processo de
aprendizagem em grupo. Também será dado um retorno, através da divulgação do trabalho final
resultante deste projeto de pesquisa, para os alunos do programa, bem como para a comunidade
surda e, para outros possíveis interessados, a fim de que reflitam sobre suas práticas de ensino
e aprendizagem.
Armazenamento de material:
A participação neste estudo envolve gravação em vídeo e geração de dados. Após a finalização
da pesquisa, os vídeos e os dados gerados ficarão sob a guarda da pesquisadora responsável, de
sua orientadora e coorientadora, dentro do banco de dados do programa “Surdez:
desenvolvimento e inclusão”, até a finalização do estudo, em dezembro de 2016.
Sigilo e privacidade:
Ao assinar este termo, você terá a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e
nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de
pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, o seu nome não será citado, bem
como nenhuma informação que possa identificá-lo.
Ressarcimento:
A participação no estudo não acarretará em nenhum tipo de custo pra você e não será disponível
nenhuma compensação financeira adicional, uma vez que toda a pesquisa será realizada no
período compreendido pelo programa “Surdez: desenvolvimento e inclusão” do qual você
participa.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com Jéssica Vasconcelos
Dorta pelo endereço Rua Roxo Moreira, 137, cep 13083590, Campinas, estado de São Paulo,
Brasil, telefone: 012 9 8132 2487 ou através do e-mail: [email protected]. Em caso
de denúncias ou reclamações sobre a participação de seu(ua) filho(a) no estudo, você pode
entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP): Rua: Tessália Vieira
de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-
7187; e-mail: [email protected]
Consentimento livre e esclarecido:
Após ter sido esclarecida sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios
previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, aceito participar:
Nome do participante: .
Autorizo a gravação em vídeo: ( )Sim ( )Não
138
Data: / / .
(Assinatura do participante ou nome e assinatura do responsável)
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma cópia deste documento ao responsável pelo
participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi
apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa
exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento
dado pelo responsável e com o assentimento do participante.
(Assinatura do pesquisador)
Data: / / .
139
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (PARTICIPANTE
MENOR DE IDADE)
EDUCAÇÃO DE SURDOS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL: TECNOLOGIAS MÓVEIS
NO ENSINO DE PORTUGUÊS PARA SURDOS
Pesquisadora Responsável: Jéssica Vasconcelos Dorta
Número do CAAE:
O menor pelo qual você é responsável está sendo convidado a participar como voluntário de
um estudo. Este documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa
assegurar os direitos e deveres dele como participante e é elaborado em duas vias: uma que
deverá ficar com você e outra com a pesquisadora.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se houver
perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com a pesquisadora.
Se preferir, pode levar para casa e consultar outros familiares ou outras pessoas antes de decidir
participar. Se você não quiser que o menor participe ou se quiser retirar sua autorização, a
qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.
Justificativa e objetivos:
A utilização das tecnologias digitais móveis (smartphones, tablets, notebooks, pen drives, etc.)
no ensino/aprendizagem de línguas ainda precisa de estudo e pesquisa. Acredita-se que é
importante, para os estudos da linguagem e seu papel na educação, investigar a relevância do
uso dessas tecnologias nas práticas pedagógicas, principalmente, na educação da comunidade
surda. Dessa forma, por se tratar de um estudo voltado para a educação de um grupo minoritário,
percebe-se que a investigação proposta neste projeto justifica-se por sua atualidade e relevância
no âmbito educacional.
O objetivo geral do estudo é investigar como a apropriação das tecnologias digitais móveis pode
(ou não) contribuir para o processo de aprendizagem de português como segunda língua por um
grupo de jovens surdos inseridos no programa “Surdez: desenvolvimento e inclusão”. Os
objetivos secundários são: a) Identificar o perfil, as necessidades e as expectativas de um grupo
de alunos surdos pertinentes ao contexto de ensino-aprendizagem de português como segunda
língua; b) Observar atividades que envolvam o uso de tecnologias digitais móveis
desenvolvidas no programa e analisar, a partir dos discursos dos alunos, como esse uso auxiliou
o processo de aprendizagem do português como segunda língua e c) A partir dessas
informações, delinear um projeto de aplicativo móvel que auxilie o processo de aprendizagem
de português como segunda língua para esse público.
Procedimentos:
Serão aproveitadas as atividades de leitura/escrita rotineiras desenvolvidas no programa
“Surdez: desenvolvimento e inclusão”, para introduzir discussões sobre o uso das tecnologias
móveis e verificar como elas são acessadas. Serão registradas em vídeo e em diário de campo
a maneira como os alunos usam essas tecnologias ou como recorrem a elas no momento de ler
ou escrever sobre temas que serão levados para a discussão durante as atividades do referido
Programa.
Participando do estudo, o menor estará sendo convidado a responder um questionário online,
de Perfis e Necessidades, aplicado no primeiro atendimento pedagógico de agosto nos quinze
minutos iniciais. Além disso, ele também será convidado a participar de uma entrevista semi-
estruturada em grupo sobre o uso das tecnologias móveis nas atividades realizadas no programa
e nas atividades diárias, sejam elas escolares ou não, com duração de cerca de meia hora, no
último atendimento pedagógico de dezembro, no final do semestre.
Desconfortos e riscos:
140
Apesar de não haver riscos previsíveis é garantido que você pode retirar seu consentimento a
qualquer momento se o menor se sentir constrangido ou desconfortável com alguma situação,
seja esta decorrente da filmagem, da abordagem e/ou do tempo gasto para participação no
estudo sem qualquer penalidade. Você é livre para recusar a participação e/ou interromper a
participação deste a qualquer momento. A participação é voluntária e não compromete de
nenhuma maneira a participação dele no programa.
Benefícios:
Este estudo apresenta vantagens potenciais aos sujeitos participantes no que diz respeito ao uso
de tecnologias digitais móveis, voltado não só para a aprendizagem de português, mas para o
acesso à comunicação e à multiplicidade de informações. Ainda que os dispositivos móveis
propiciem uma aprendizagem mais individualizada, pretende-se incentivar o processo de
aprendizagem em grupo. Também será dado um retorno, através da divulgação do trabalho final
resultante deste projeto de pesquisa, para os alunos do programa, bem como para a comunidade
surda e, para outros possíveis interessados, a fim de que reflitam sobre suas práticas de ensino
e aprendizagem.
Armazenamento de material:
A participação neste estudo envolve gravação em vídeo e geração de dados. Após a finalização
da pesquisa, os vídeos e os dados gerados ficarão sob a guarda da pesquisadora responsável, de
sua orientadora e coorientadora, dentro do banco de dados do programa “Surdez:
desenvolvimento e inclusão”, até a finalização do estudo, em dezembro de 2016.
Sigilo e privacidade:
Ao assinar este termo, o menor pelo qual você é responsável terá a garantia de que sua
identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não
façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, o nome
dele não será citado, bem como nenhuma informação que possa identificá-lo. Ressarcimento:
A participação no estudo não acarretará em nenhum tipo de custo pra você e não será disponível
nenhuma compensação financeira adicional, uma vez que toda a pesquisa será realizada no
período compreendido pelo programa “Surdez: desenvolvimento e inclusão” do qual o menor
participa.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre o estudo, você poderá entrar em contato com Jéssica Vasconcelos
Dorta pelo endereço Rua Roxo Moreira, 137, cep 13083590, Campinas, estado de São Paulo,
Brasil, telefone: 012 9 8132 2487 ou através do e-mail: [email protected]. Em caso
de denúncias ou reclamações sobre a participação de seu(ua) filho(a) no estudo, você pode
entrar em contato com a secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP): Rua: Tessália Vieira
de Camargo, 126; CEP 13083-887 Campinas – SP; telefone (19) 3521-8936; fax (19) 3521-
7187; e-mail: [email protected]
Consentimento livre e esclarecido:
Após ter sido esclarecida sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios
previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, autorizo a participação do
menor:
Nome do menor participante:
Nome do responsável legal: RG:
Autorizo a gravação em vídeo: ( )Sim ( )Não
141
Data: /_ / . (Nome
e assinatura do responsável)
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na
elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma cópia deste documento ao responsável pelo
participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi
apresentado. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa
exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento
dado pelo responsável e com o assentimento do participante.
(Assinatura do pesquisador)
Data: / / .
142
ANEXO III:
Aula 38
20 de agosto de 2015
Tema: Memes
Para iniciarmos a atividade, eu mostrei a eles uma série de memes famosos
do ano de 2015. Os alunos já conheciam os memes, porque esse tipo de imagem
circula com frequência nas redes sociais, mas não sabiam explicar exatamente o que
era e também não imaginavam que pudessem produzir esse tipo de conteúdo.
Analisamos e interpretamos cada um dos memes que eu apresentei e nem
todos foram compreendidos, uma vez que os alunos surdos têm bastante dificuldade
com as palavras em português. Um dos memes que eles não entenderam, por
exemplo, foi o meme em que aparece a imagem do Chapolin Colorado dizendo: Eu
até poderia fazer uma piada com os políticos, mas eles roubariam a graça.
A compreensão do meme do Chapolin ficou comprometida, porque os
alunos confundiram a palavra “graça”, com “gratuito”, ou seja, algo que é ou se tem
“de graça”. Além disso, alguns desconheciam a palavra “políticos”. Mesmo depois de
apresentar a eles o sinal referente a essas palavras em Libras, apenas a aluna G.
conseguiu estabelecer a relação entre políticos e corrupção, o que me faz refletir sobre
o quanto as barreiras da língua interferem também na participação social desses
alunos. Não estar ciente dessa relação é estar alheio à sociedade, à cidadania. Isso
me deixa preocupada.
O conceito de meme é um conceito instável, por isso não há uma definição
exata. O importante é compreender a importância da imagem escolhida, o que ela
expressa, o tom humorístico das mensagens veiculadas e o tema.
Depois de analisarmos uma série de memes, fomos ao laboratório de Imacs
do IEL para que os alunos pudessem navegar na internet e realizar pesquisas. Pedi a
eles que pesquisassem memes sobre surdos ou sobre o contexto da surdez. Ao
realizarem essa pesquisa, os alunos perceberam que provavelmente quem fazia esse
tipo de meme eram ouvintes, já que eles estavam reproduzindo uma série de
estereótipos sobre essa comunidade. Essa etapa da atividade foi muito importante
para que eles percebessem que eles precisam desenvolver algumas habilidades para
143
começarem a participar efetivamente dessas redes sociais, não apenas como
usuários passivos, mas como produtores de conhecimento.
Depois disso, ensinei a eles a usar o Webmaker que envolve a linguagem
da internet, html5, para produzir os memes. Eles produziram memes muito
interessantes não só sobre a cultura surda, mas sobre a vida de cada um deles.
Depois de finalizarmos a produção de memes, os alunos quiseram criar
uma conta no Instagram para poderem publicá-los. Além disso, alguns deles também
publicaram em suas próprias redes sociais, o que me deixou bastante contente, uma
vez que um dos objetivos dessa atividade é que eles pudessem de fato ter uma
participação mais efetiva nessas redes sociais.
Essa aula foi bastante interessante porque pude perceber ainda mais a
urgente necessidade por alguma estratégia de ensino que permita a eles conhecerem
o significado de uma palavra e toda relação que ela tem com o mundo de uma maneira
mais significativa. Além disso, eles precisam aprender a ler criticamente as imagens.
144
Todos os teóricos da surdez falam muito que o surdo é um sujeito visual e exploram
muito pouco essa visualidade.
Ao final das aulas sempre deixo que os alunos usem seus smartphones
conectados à internet, de maneira livre, para observar como eles estão usando esse
artefato. Em quase todas as aulas, eles tiram fotos individuais e em grupo e postam
no Facebook. Rolam a tela e observam de forma rápida o feed de notícias. Param
para ver imagens e fotografias. Voltam a rolar a tela. Quando mostrei a eles os vídeos
produzidos em Libras pela TV Ines, me espantou saber que nenhum deles os
conhecia.
145
ANEXO IV:
Aula 45
15 de setembro de 20
Tema: Fanfic
Com o intuito de compreender como os alunos faziam pesquisas na
internet, pedi a eles que me explicassem o conceito de Fanfic. Todos eles recorreram
à Pesquisa Google e ao Google Imagens digitando a palavra “Fanfic” ou “O que é
Fanfic?”, no entanto, os resultados levaram a sites com explicações em Português
contendo outras palavras desconhecidas por eles, como por exemplo: “ficcional”,
“midiático”. Alguns deles me mostraram imagens contendo notebooks, livros, etc, mas
não sabiam de fato qual era a relação das imagens com Fanfics. Perguntei a eles,
então, o que eles faziam quando precisavam fazer trabalhos em casa, sem a presença
de intérprete ou de professor, e quando a Pesquisa Google ou o Google Imagens não
eram suficientes para fazê-los compreender o significado das palavras. A resposta:
“desistimos”. Uma das alunas me mostrou a imagem a seguir:
Pedi a ela que me explicasse o que havia na imagem e o que ela poderia
inferir sobre o conceito de Fanfic a partir dela. A aluna, embora tenha descrito que
se tratava de alguém escrevendo uma história, não conseguiu elaborar uma resposta
para o que era Fanfic. Após explicar em libras que Fanfic era um texto construído
colaborativamente e mostrar aos alunos alguns exemplos disponíveis em sites da
146
internet, eles compreenderam o conceito. A aluna N, então, perguntou se era por
isso que o texto da imagem estava escrito em cores diferentes. Ou seja, se cada cor
representava um autor diferente.
Depois de discutirmos e compreendermos o que era uma fanfic nos
reunimos em círculo para eleger um tema para que o grupo pudesse produzir uma
história colaborativa. O tema escolhido foi eleições. Dessa forma, criamos um grupo
no Facebook para poder iniciar o texto que reproduzo a seguir:
Vale ressaltar que eu iniciei a narrativa e L. e R., alunos de estágio, estavam
observando o grupo e também participaram.
147
J.: Em um dia muito, muito quente, Sandy, Junior, Chitãozinho e Xororó
estavam caminhando na Lagoa do Taquaral. Fazia muito calor e a lagoa estava seca.
Eles pararam em um quiosque para comprar uma água de côco e se assustaram
quando foram pagar a conta. 10 reais. 10 reais cada uma. Um absurdo!
Voltaram a caminhar e um pouco mais a frente encontraram Luan Santana, Michel
Teló, Gustavo Lima, Jorge e Mateus...
L.: Jorge e Mateus, Luan Santana, Michel Teló e Gustavo Lima estavam
muito cansados de andar pela lagoa e procuravam um lugar para beber água, mas
não encontraram. Quando viram Sandy, Junior, Chitãozinho e Xororó, foram perguntar
se eles sabiam onde tinha água. Ninguém sabia, porque fazia tempo que o bebedouro
foi quebrado. Jorge e Mateus tiveram uma ideia de tentar melhorar a lagoa. E
resolveram se reunir para fazer uma manifestação. Foram chamar vários amigos para
apoiar a ideia.
I.: Eles foram chamar o prefeito shelbourne ( prefeito de ta chovendo de
hambúrguer), e porque ele tem ideia pra ajudar, pois ja teve experiência, aconteceu
antes q faltava comida na cidade, só comiam sempre peixes..... como ele era magro
e baixinho, um geek criou maquina feito de comidas, aconteceu a chovendo comidas
e prefeito engordou muito por isso.... ate ele pode ter ideia chovendo aguas q estava
faltando....
L2.: Jorge e Mateus,chamaram o Dylan O´brien pra fazer reunir de
manifestação.
J.: Shrek e Fiona que estão sempre conectados no facebook e adoram
passear na lagoa decidiram criar um evento para convidar todos a irem na
manifestação!
R.: Então a Sandy e Junior combinaram que iriam todos aparecer na Av.
Francisco de Glicério, para fazer a manifestação em prol do Hamburguer e água....E
todos foram e deu a maior confusão porquê....
I.: ..... porque gordos quer mais hambúrguer, magros quer aguas por isso
deu muito confusão ..... (kkkkkk)
148
L2.: Eles estão com sede querem agua,não querem mais hamburguer ja
encheram a barriga kkk
I.: eles manifestam, e votam em eleição, e shelbourne quem foi eleito....
conseguiram resolver, mais hambúrgueres e mais aguas .....
J.: Além do problema da falta de água, a cidade de Campinas tinha vários
outros problemas: os ônibus estavam velhos, as ruas esburacadas, faltava emprego...
J2.: e então o prefeito de Springfield, Diamond Joe Quimby, era amigo do
Shelbourne apareceu na reunião dos manifestante c a ideia de aumentar onibus
novos, ruas novas, mais empregos, mais igualdade para os cidadãos ...
149
ANEXO V:
Aula 52
15 de outubro de 2015
Tema: Grupo focal 1
Nesse grupo focal, conversamos sobre as implicações das tecnologias
digitais, em especial das móveis para a aprendizagem do surdo. No geral, os alunos
disseram que durante o programa bilíngue eles usaram celular, computador e
notebook e que isso ajudou bastante o processo de aprendizagem, porque através
dessas tecnologias eles puderam fazer pesquisa, ver vídeos e imagens, etc.
Eles acham que seria importante que os professores usassem essas
tecnologias em sala de aula. Quando perguntei aos alunos sobre a presença de
imagens durante as aulas, eles responderam que o uso de smartphones e tablets era
proibido dentro da sala de aula, por isso as únicas imagens com as quais eles tinham
contato eram as presentes nos livros didáticos. Além disso, relataram que os
professores vão pouquíssimas vezes à sala de recurso e quando isso acontece,
normalmente, é apenas para exibir filmes. A aluna L. relatou que a professora de
Biologia costumava exibir vídeos na sala de aula, mas esses vídeos não eram
legendados, por isso ela tinha muita dificuldade em compreendê-los. Uma vez,
inclusive, ela exibiu um vídeo com conteúdo para prova e a aluna L. foi muito mal por
conta disso.
A aluna N. disse que na escola dela os professores colocam legenda, mas
usam muito pouco esse recurso. Para ela, seria mais interessante estudar em uma
escola de surdos, porque na escola onde ela estuda, uma das alunas ouvintes
reclamou que a professora estava mostrando muitos vídeos e, então, a professora
passou a mostrar menos vídeos.
A mesma aluna me perguntou: "Jéssica, será que se eu falar com a
professora, a diretora e o diretor para eu usar o celular para pesquisar eles deixam?
Falar para eles confiarem em mim que eu não vou usar o "Zap"?"
150
Após realizarmos o grupo focal sobre as percepções dos alunos surdos em
relação as possibilidades que as tecnologias móveis trazem para a aprendizagem,
pedi a eles que escrevessem um texto, em formato de carta, para algum professor,
expondo o que eles acreditavam ser uma educação de qualidade para o surdo. O
objetivo era fazer com que eles refletissem sobre o próprio processo de
aprendizagem e sobre como eles gostariam que os professores usassem as
tecnologias em sala de aula. Durante a produção textual, a aluna M recorreu ao
dicionário do ProDeaf para confirmar a grafia das palavras “intérprete” e
“importante”. A aluna conhecia a letra inicial de cada palavra e tinha uma ideia da
imagem da palavra. Por isso, ela procurou cada uma delas através das letras
iniciais e, então, conferiu a grafia. No entanto, a aluna não clicou na palavra para
conferir o sinal e por isso acabou se confundindo. Ao invés de “intérprete”, escreveu
“interpretação” e ao invés de “importante”, M. escreveu “importação”.
151
ANEXO VI:
AULA TESTE
18 de maio de 2017
Tema: discutindo o Palavreando
Depois de alguns meses, retornei ao programa bilíngue para conversamos
um pouco a respeito da proposta de app. Após apresentar a prototipagem das telas e
relembra-los do objetivo do app, mostrei novamente o meme do Chapolin (anexo III)
e pedi a eles que construíssem suas próprias definições de políticos. Deixei que eles
ficassem livres para escolher em qual modalidade iam produzir as definições.
Deixei meu notebook sobre a mesa para que os alunos pudessem usá-lo
para pesquisar imagens ou o que quisessem. A aluna G., então, inseriu a palavra
político na Pesquisa Google e seguiu para o Google Imagens. Apareceu uma série de
imagens e ela abriu uma imagem do presidente Temer. No momento em que G.
mostrou a imagem aos demais, a aluna L. comentou que ela não gostava do atual
presidente, pois ele queria acabar com a aposentadoria.
Após a atividade, os alunos mostraram uns aos outros as definições que
eles fizeram, a fim de que todos pudessem colaborar e produzir sentidos sobre a
palavra “político”. Esse “teste”, que simulou o uso do Palavreando, me fez acreditar
ainda mais no potencial que essa proposta de app traz para a comunidade surda.
Espero que, de fato, ela venha a se concretizar para que dela emerjam reflexões que
irão auxiliar pesquisadores e professores na compreensão de quem são esses alunos
e como eles estão produzindo sentido.
Depois do teste, expliquei a eles as formas nominais do verbo (infinitivo,
particípio e gerúndio) para que eles pudessem compreender o significado do nome
Palavreando, isto é, que as definições das palavras no app serão construídas de forma
processual e colaborativa, a partir do que cada um vive em relação a determinada
palavra. Após a compreensão dessa característica fundamental ao app, os alunos
concordaram com o nome dado a ele e criaram um sinal para nomeá-lo em Libras. O
sinal que dá nome em Libras ao Palavreando é a junção dos sinais PALAVRA +
LIBRAS, como vemos na imagem abaixo desenhada pelo aluno J.:
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