jesse souza: a quem serve a classe média indignada?

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  • 7/23/2019 Jesse Souza: A quem serve a classe mdia indignada?

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    1/11/2016 A quem serve a classe mdia indignada? - 10/01/2016 - Ilustrssima - Folha de S.Paulo

    http://m.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/01/1727369-a-quem-serve-a-classe-media-indignada.shtml?mobile 1

    A quem serve a classe mdia indignada?

    MARCELO COELHO

    ILUSTRAOSRGIO SISTER10/01/2016 02h04

    RESUMOCientista poltico e presidente do Ipea rejeita, em novo livro, interpre

    e corrupo sejam exclusividades nacionais herdadas da colonizao, aponta o "

    Foto Marlene Bergamo/Folhapress

    ilustrssima

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    Confuso entre o pblico e o privado, compadrio, herana catlica portuguesa, p

    contrrio do que em geral se pensa, nada disso caracterstica exclusiva do Bras

    Para Jess Souza, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    sociologia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha), criou-se no Brasil, es

    Holanda (1902-82), que merece ser classificado como um verdadeiro "complexo

    Para o professor de cincia poltica na UFF (Universidade Federal Fluminense),

    book, R$ 26,99], a intelectualidade do pas tende a idealizar as sociedades capit

    predomine a plena igualdade de oportunidades e a completa separao entre o E

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    acumulado ao longo de geraes, das presses empresariais sobre o poder pbli

    Autor de estudos sobre Max Weber (1864-1920) e Jrgen Habermas, Jess Souzpara mostrar de que modo o conceito weberiano de "patrimonialismo" fundambrasileiro e ao fracasso do capitalismo e da democracia entre ns no foi origin

    Ao interesse terico que marcou o incio de sua carreira, Jess Souza tem acrescresultaram livros como "Os Batalhadores Brasileiros: Nova Classe Mdia ou NovVive" (ed. UFMG, 2009).

    O problema da economia e da democracia brasileiras, argumenta Souza, no nasda incapacidade do sistema para integrar um vasto contingente de excludos, a qautoestima e cidadania.

    A lio de Florestan Fernandes, em especial de seu livro de 1964, "A Integraoimplacvel julgamento crtico de "A Tolice da Inteligncia Brasileira", repleto dedo pensamento social entre ns.

    Foto Marlene Bergamo/Folhapress

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    Folha - As cincias sociais brasileiras com influncia no discurso da

    "patrimonialismo": a prtica de tratar bens pblicos como se fossem

    poltico. Voc critica esse conceito, chamando-o de "conto de fadas p

    Jess Souza -O conceito de patrimonialismo foi contrabandeado de Max WebWeber. Acho que isso est bem fundamentado no livro, mas a "incorreo cient

    O patrimonialismo s sobrevive como um conceito que quer dizer alguma coisaprincipal. s porque se imagina, candidamente, que existam pases onde no hbrasileiros seriam esse paraso que se pode falar de patrimonialismo como part

    Imagine a meia dzia de petroleiras americanas, que mandavam no governo BuE com isso matando milhes de pessoas e desestabilizando a regio at hoje com

    Quer melhor exemplo de apropriao privada do Estado para fins de lucro de msempre em nome de que e de quem se apropria do Estado: para o lucro de meiapara a maioria da sociedade.

    Minha tese a de que, no Brasil, o patrimonialismo serve para duas coisas bem

    1) A primeira demonizar o Estado como ineficiente e corrupto e permitir a priveducao e sade, que no deveria depender da sorte de nascer em bero privil

    2) Serve como uma espcie de "senha" de ocasio para que o 1% que controla o dmandar no Estado mesmo sem voto. No coincidncia que tenha havido grossgovernos com alguma preocupao com a maioria da populao, que a "senha"

    corrupo no Brasil, segundo muitos analistas, teria causas cultur

    relao a essa tese?

    Essa verso falsa. Ela "pr-cientfica", j que examina o fenmeno da transm italiano, ento tambm sou". Depende. A lngua comum facilita certas interainstituies, como a famlia, a escola, a economia e a poltica.

    No Brasil, desde sempre, temos a escravido como uma espcie de "instituio texerccio da justia, de produo econmica, tudo isso muito distinto de Portuga

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    A Igreja Catlica, por exemplo, tinha muito poder e continha o mandonismo dosBrasil desde o ano zero foi, portanto, uma sociedade singular, apesar de colonizafrgil e superficial, baseada no senso comum que hoje ganha a mente e os cora

    O mais importante que essa falsa cincia que constri o brasileiro como inferioamericano que seriam o "esprito", intelecto e moralidade distanciada serve a i

    mantendo todas as suas funes de legitimar privilgios.

    Na dimenso internacional, a intelectualidade brasileira dominante, colonizadabrasileira; na dimenso interna e nacional, serve para separar "classes do esprit"patrimonialismo seletivo" criado pela mdia, e as classes populares, tidas como

    Essa espcie de "racismo de classe", falso de fio a pavio, o fio condutor do emp

    oc muito crtico com relao a um dos formuladores desse "cultu

    expostas em 1936. Ser que ao menos naquela poca a crtica a um E

    no era correta?

    Eu gostaria antes de tudo de saber onde fica esse pas maravilhoso, formado apecarreiras. Quem conhecer, por favor, me avise. Eu passei boa parte de minha vidque exista algo assim prova como o racismo e a "vira-latice" tomou conta de nos

    Srgio Buarque de Holanda o pai desse liberalismo amesquinhado e colonizad

    que so o que importa. O liberalismo fundamento importante da democracia,

    Buarque criou a semntica do falso conflito que permite encobrir todos os conflientre um Estado demonizado como corrupto e ineficiente e o mercado como reipara a meia dzia que manda no Brasil e controla o dinheiro, a poltica e a infor

    Como no se pode dizer que o que se quer uma gorda taxa Selic e o acesso "prique para acabar com o "mar de lama", sempre s no Estado, se ocupado por pa

    associao com as instituies que querem aumentar seu poder relativo venden

    esse discurso que transforma milhes de pessoas inteligentes em tolas. Essa pda privatizao brasileira: a pior e mais cara telefonia do globo, por exemplo, camais caros. Mas dessa espoliao da classe mdia por um mercado superfaturad

    O filho do "coxinha" quer ter acesso a uma boa universidade pblica, e o av deltratamentos caros. Um Estado fraco s serve ao 1% mais rico que pode ficar aind

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    1/11/2016 A quem serve a classe mdia indignada? - 10/01/2016 - Ilustrssima - Folha de S.Paulo

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    A classe mdia "coxinha" que sai s ruas tirando onda de campe da moralidadetempo do trabalho domstico e investir em mais estudo e mais trabalho valoriza

    Luta de classes no s cassetete na cabea de trabalhador. uma luta silenciosprivilegiadas e condenaes misria eterna para a maioria dos 70% que no sdo Estado serve, antes de tudo, para tornar essas lutas invisveis.

    Como voc v a obra de Roberto DaMatta nesse contexto?

    A obra dele, que reflete fielmente as discusses de botequim de todo o Brasil, foide crtico ao repetir as platitudes do Estado patrimonial e do "jeitinho" como proconhecimento com poderosos.

    A tese central de DaMatta, que se tornou uma espcie de "segunda pele" do brasrelaes pessoais. Essa seria a peculiaridade brasileira que viria de pocas ancesno, vejamos.

    O leitor que nos l conhece algum com acesso a relaes pessoais com pessoasento DaMatta tem razo na sua tese do jeitinho.

    Como desconfio de que o leitor no conhece ningum assim, ento o que DaMatsepultar qualquer reflexo sobre a origem social de toda desigualdade.

    Para completar supe no fundo a cndida e infantil crena nos Estados Unidosdecida previamente a vida da maior parte das pessoas. Teoria mais frgil e colon

    o lado do "culturalismo conservador", voc critica o economicismo

    que o capitalismo no s troca de mercadorias e fluxo de capital. preciso, psistema social e moral que avalia todo mundo e que humilha e despreza uns e en

    essa hierarquia social "invisvel" (mas cuja realidade o estudo emprico podeum sistema de classificao e desclassificao que predetermina quem ganha e q

    No livro, que resume meus 35 anos de trabalho terico e emprico sobre esses teArgentina, do mesmo modo como atuam na Frana ou na Inglaterra.

    A peculiaridade do Brasil a tolerncia com o abandono da classe dos excludosprodutividade, servios pblicos de m qualidade advm do esquecimento des

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    1/11/2016 A quem serve a classe mdia indignada? - 10/01/2016 - Ilustrssima - Folha de S.Paulo

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    corrupo existe em todos os pases, voc diz. Mas certamente h d

    A corrupo endmica ao capitalismo. Se corrupo for enganar o outro, ento

    O que outros pases como a Dinamarca ou Alemanha no tm a corrupo "peremunerado, como os policiais entre ns. Existem tambm arranjos instituciona

    O Brasil ganharia com o financiamento pblico de eleies e com uma reforma pavanar. Mas preciso mesmo ser muito ingnuo para no perceber que a "grosDilma tentou comprar essa briga no Brasil, enfrentando o grande capital especu

    Suponha-se que Srgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Rob

    a um vcio cultural catlico portugus a inexistncia de um sistema d

    situao de igualdade de oportunidades no Brasil. Mesmo que essa si

    que esses autores idealizam, ser que essa crtica no expressa um d

    poderamos alargar sua dimenso estendendo-a a outros pases.

    O nico caminho seguro, na vida pessoal ou na coletiva, a verdade. No se podpressupostos. Nem h razo para isso.

    O livro mostra, creio eu, que possvel um novo caminho para a percepo do Babsurdos de uma pequena elite socialmente irresponsvel, legitimados por umaclasse mdia que hoje manipulada a agir contra seus interesses.

    oc diz que as classes mdias, predominantes nas manifestaes de

    triplo da taxa de lucro dos pases europeus, pagam taxas de juros est

    mundo. Mas no teriam razo, do ponto de vista de seus interesses, a

    como veculos automotores e geladeiras?

    A estrutura de impostos no Brasil tem de ser efetivamente revista no sentido demuito especialmente, o patrimnio. Desse ponto de vista, ela pode ter um pouco

    Mas o ponto mais importante para a tolice da classe mdia que o Estado funciorecursos arrecadados da sociedade como um todo para a meia dzia de plutocrapagamento de juros para essa meia dzia e seus colegas estrangeiros o nico asexemplo, o investimento em educao e sade de qualidade para todos.

    O plutocrata vai aos EUA se operar se for preciso e manda o filho estudar em Mipara apoi-lo precisa do SUS quando a chapa esquenta e s conta com a universmais caros e de menor qualidade relativa do globo no nosso mercado superfatur

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    1/11/2016 A quem serve a classe mdia indignada? - 10/01/2016 - Ilustrssima - Folha de S.Paulo

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    elite econmica. Mas dele nunca se fala.

    Essa classe mdia, portanto, espoliada pela elite por mecanismos tanto de Estamesma elite usando o espantalho seletivo da corrupo apenas estatal.

    Essa a real histria da tolice pr-fabricada entre ns.

    O sentimento anti-Estado e pr-mercado tende a ser conservador e p

    PT, de um excessivo "estatismo", no no sentido econmico, mas no

    conquista do poder poltico pelo partido de esquerda? Em vez de priv

    periferias, o PT procurou agir "a partir de cima", e no "a partir de b

    evanglicas, mas nenhum ncleo ou sede distrital de partidos poltic

    setores mais retrgrados da poltica brasileira, como Collor, Maluf, o

    sentido, no seria uma repetio para pior do populismo? O petismo

    O principal erro do PT para mim foi duplo e reflete sua dependncia da narrativEsse foi um dos temas centrais do livro: mostrar que a ideologia liberal amesquisocialista democrtica.

    O PT teria que ter criado uma narrativa independente mostrando a importnciacair, por exemplo, na fantasia da nova classe mdia, que gerou expectativas des

    Essa narrativa poderia ter sido uma verso politizada, mostrando a importncia

    contrapor leitura individualista da ascenso social da religio evanglica.

    Mas, para isso, teria sido necessrio tocar no n grdio da dominao social nodesde o golpe contra Getlio. ela, afinal, quem chama a classe mdia moralistacorrupo como nica moeda dos conservadores para mascarar seus interessesapenas obedece ao dinheiro.

    O medo desse confronto foi a real causa do que agora acontece. Em uma socieda

    contraditrio, a opinio alternativa, seno o voto do eleitor no esclarecido neperto da Coreia do Norte do que da Inglaterra ou da Alemanha. Confiar apenasesto sob a gide do discurso nico da mdia conservadora. Essa para mim a re

    MARCELO COELHO, 57, colunista da Folha.

    SRGIO SISTER, 67, artista plstico.