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Jardim Botânico Tropical de Lisboa começa uma nova vida Esteve fechado ao público um ano mas reabre neste fim-de-semana D3O/31

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Page 1: Jardim Botânico Tropical de Lisboa começa uma nova vida · vez em 1992) no Palácio dos Condes da Calheta. Uma cascata deitada Nos anos 40, deixou de estar sob dependência do ISA

Jardim BotânicoTropical deLisboa começauma nova vidaEsteve fechado ao públicoum ano mas reabre nestefim-de-semana D3O/31

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CIÊNCIA

AnovayWadoJardimBotânicoTropicalde Lisboacomeça agora

Reabre este fim-de-semana e a entradaé gratuita. Durante dois dias, há visitas

guiadas pelo Jardim Botânico Tropicale outras actividades para o redescobrir

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Teresa Sofia Serafim[texto] e Daniel Rocha[fotografias]

MM Ana, este espaçoalguma vez esteve

Á^w^^^ aberto ao público?Não tenho memó-ria!" José ManuelPinto Paixão, vice-

-reitor da Universi-dade de Lisboa,questiona AnaGodinho, historia-

dora do Museu Nacional de HistóriaNatural e da Ciência (Muhnac)enquanto passeia encantado peloJardim dos Cactos. "Está fechado ao

público desde os anos 60", responde--lhe a historiadora. Este espaço é umadas grandes novidades da reaberturado Jardim Botânico Tropical, em Lis-

boa, depois de ter estado fechadodurante um ano para obras.

Ainda deslumbrado com a novavida deste jardim, Luís Ribeiro (arqui-tecto paisagista) aponta para cactosde diferentes formas. "Esta era umazona ensolarada para ter só cactos,mas houve um desenvolvimento das

árvores tropicais, que deram ensom-bramento a esta zona e fizeram com

que os cactos de sombra predominas-sem sobre os de sol", relata.

O Jardim dos Cactos teve origemnuma estufa de plantas suculentasacabada de construir em 1949. Como tempo, as suculentas e os cactos

romperam a estufa e formaram a sua

própria paisagem, o que acabou porencerrá-lo ao público. Aqui e ali aindase vêem as ruínas da estufa inicial."Quisemos manter a ruína e deixar ocenário da evolução da paisagem",conta Luís Ribeiro, que diz que este éum "cenário único em Portugal".

Ao atravessarmos o Jardim dos Cac-

tos, descobrimos outro recanto queaté agora era um "matagal autêntico",como ilustra Pinto Paixão. É o Jardimda Ninfa, onde uma escultura de umaninfa permanece num pequeno tan-

que a olhar para a Casa do Veado,uma casa de fresco que teve origemno século XVII.

Sobem-se umas escadas e entra-senuma zona dominada pela delicade-

za, o Pátio dos Ourives. "É como fosse

feito em ourivesaria", enaltece PintoPaixão. Já Luís Ribeiro explica que odesenho deste pátio é o de um jardimclássico que se divide em quatro par-tes. Esta zona já era visitável e LuísRibeiro diz que foi recuperada comuma premissa que se aplicou a todoo jardim: "Houve o cuidado de naobra não lhe dar o aspecto de um jar-dim novo e deixar o aspecto que o

jardim antigo tinha."Esta recuperação vai ser festejada

durante este fim-de-semana. A partirdas llh4o de hoje, há um espectáculode música, visitas guiadas ou até street

food. Amanhã, a partir das llh, há visi-

tas e um concerto de guitarra portu-guesa. A entrada é gratuita. Depois,custará quatro euros.

De cara lavadaEm 2015, o Jardim Botânico Tropicalpassou para a Universidade de Lisboasob gestão do Muhnac. Até então,pertencia ao extinto Instituto de

Investigação Científica Tropical.No início de 2019, começaram as

obras. Financiadas pela Universidadede Lisboa, custaram cerca de ummilhão e meio de euros. Além da rea-

bilitação do Jardim dos Cactos e doJardim das Ninfas, foram repavimen-tados os caminhos, deitadas abaixoumas espécies e plantadas outras ourestabelecidos os circuitos de água.

Perto do tanque do Palácio dosCondes da Calheta, César Garcia

êêHouve o cuidadode na obra não lhedar [ao jardim]o aspecto de umjardim novo e deixaro aspecto queo jardim antigo tinha

Luís Ribeiro

Arquitecto paisagista

(botânico responsável pelo jardim)nota: "A gestão agora é mais fácil, por-que se optimiza a água." Aproveitan-do o facto de o jardim estar num ter-reno com um certo declive, melhora-ram-se os circuitos de água. Atravésde bombas, a água é levada para o

tanque do palácio e para o lago prin-cipal, depois, aproveitada para rega.

Não muito longe de um espaço com

plantas primitivas, como um dragoei-ro do século XIX, o lago principaltambém está de cara lavada. As fissu-

ras foram tratadas e foi rentabilizadaa circulação de água. Bem perto ficao Caminho dos Trópicos, onde se

encontram árvores das zonas tropi-cais, da Macaronésia e da Oceânia.

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O projecto de D.João V"A riqueza do jardim é a sua diversi-

dade", considera Pinto Paixão. "Háuma sucessão de camadas de histó-

rias", complementa Ana Godinho.

Este jardim fazia parte de um pro-jecto do rei D. João V para aqui criara Real Quinta de Belém, que seria umcentro cultural e social e se estenderiadesde o Palácio de Belém até à Ajuda.Para tal, o rei adquiriu o Palácio dosCondes da Calheta e os terrenos ane-xos. A parte superior do actual JardimBotânico Tropical seria a sua regishortussuburbanus, isto é, uma horta

para alimentar visitas e família.Pelo jardim vão-se encontrando

esculturas, como a de Tritão. "Algu-mas foram encomendadas a Itália e

outras feitas pelo laboratório real. D.

João V pretendia recriar uma villaromana com estatuária e pequenoslagos

", conta Ana Godinho. Em 1755,

este é um dos espaços que resiste ao

grande terramoto de Lisboa.Nas proximidades do palácio, em

1758, dá-se o atentado ao rei D. José I,cuja autoria moral foi atribuída ao

duque de Aveiro e à família dos Távo-ra. E parte dos interrogatórios do

processo acabou por decorrer no

palácio.No século XIX, o jardim era um

espaço de caçadas reais. Já o paláciopodia ser usado para a acomodaçãode visitas reais. No final do século,deixou de ter tanto destaque.

No início do século XX, com a

necessidade de se repensar o ensino

agronómico colonial, abriu-se pordecreto régio o Jardim Colonial deLisboa a 25 de Janeiro de 1906 - há

precisamente 114 anos - ainda nas

Laranjeiras, perto do então Institutode Agronomia e Veterinária.

Como o espaço nas Laranjeiras

estava a ficar pequeno, em 1912, o

Jardim Colonial de Lisboa passa paraeste espaço. Outros dos factores des-

sa escolha foram a proximidade do

rio, o suave declive do terreno e a

capacidade de criar microclimas, sen-

do capaz de albergar plantas daEscandinávia ao Equador. Passouassim a funcionar como uma depen-dência pedagógica do Instituto Supe-rior de Agronomia (ISA) - que ficavaali perto - e era centro de estudo deculturas e de recolha de informaçãosobre a agricultura colonial. Também

aqui havia um laboratório e o Museu

Agrícola Colonial (que encerrou devez em 1992) no Palácio dos Condesda Calheta.

Uma cascata deitadaNos anos 40, deixou de estar sob

dependência do ISA e recebeu parteda Exposição do Mundo Português,um grande espaço de divulgação dahistória do país e de propaganda doEstado Novo. Nessa mostra, haviavários espaços dedicados não só à

história de Portugal como também

das colónias e de etnografia.Para essa exposição montou-se

uma "rua" típica de Macau, quecomeçava com uma réplica do Arcode Macau. Depois, foram-se acrescen-tando bambus, espécies de plantasoriginárias da China e pequenas cas-

catas e pontes. Surgiu assim o JardimOriental. Agora, esta foi uma das áreas

reabilitadas: recuperaram-se cami-

nhos, repôs-se a circulação de água,replantaram-se plantas e iluminou-seo local.

"Ainda no outro dia estávamos a

imaginar a recriação de uma ópera,quem sabe chinesa, naquela balaus-

trada", idealiza Luís Ribeiro, semprea pedir que reparemos na "cascatadeitada" tipicamente chinesa, nas

pontes coloridas características daChina ou numa ou outra espécieoriental, como as camélias e jasmins.Durante a reabilitação dojardim, foram repavimentadosos caminhos e restabelecidosos circuitos de água

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"Não se trata só de um jardim chinês,trata-se de um jardim que tem inte-rinfluências dos desenhos de jardinsde aspecto chinês e português." Ainfluência portuguesa está em discre-

tas cascatas com rochas ou nas balaus-tradas de porcelana. Da China desta-ca ainda as rochas colocadas comoesculturas e no lago central.

César Garcia pede ainda para repa-rarmos no habitat de um pica-pau-malhado-grande, cujo ninho é difícilde observar noutros locais em Lis-boa. "Quem gosta de fauna e floradelicia-se aqui", confessa, enquantotira fotografias.

É ao som de passarinhos ou comum pavão a passar que nos conta queagora houve uma grande preocupa-ção de enriquecer o jardim com espé-cies para o grande público, comomagnólias e cicadáceas. Já a partecientífica do jardim está sempre a ser

enriquecida com espécies de origemcontrolada. "Ao longo de todo o anotemos a germinar sementes resultan-tes da troca com outras instituições",assinala o botânico, referindo quetêm um banco de sementes para pre-servação da flora nativa portuguesa."Os jardins botânicos estão muitoassociados ao ensino e investigação,mas hoje são isso e muito mais: sãotambém espaços de lazer", completaPinto Paixão.

Mas as obras não terminam aqui.Pinto Paixão refere que, em cerca de

dois anos, estarão concluídos um res-

taurante na Casa de Chá, a construçãode um edifício para uma reserva visi-tável da colecção preservada em meio

líquido do Muhnac, a remodelação daCasa dos Jardineiros e a reabilitaçãodo palácio. Ainda sem data de conclu-

são, também se reabilitará a Estufa

Principal com a sua traça original.O financiamento da Universidade

de Lisboa para todo o projecto é decerca de cinco milhões de euros."Isto agora não pára", diz com entu-siasmo Pinto Paixão sobre o jardimclassificado como monumento nacio-nal em 2007. E vê-se que o entusias-mo já contagiou mais gente. "Até

agora tem sido uma descoberta cons-tante. E, a partir deste jardim, pode-se contar a história de Portugal", notaLuís Ribeiro.

Se quisermos viajar pelo tempo e

pelo mundo, basta atravessarmos os

trilhos da Alameda. "Estes caminhosconservam-se desde a altura de D.

João V, antes de tudo isto ser um jar-dim e quando era a Real Quinta de

Belém", conta Luís Ribeiro. Este per-curso é agora composto por árvores

posteriores a essa época como a Fiais

sycomorus (a árvore mais citada daBíblia), sobreiros de Portugal, altíssi-

mas palmeiras ou uma imponentesequóia da Califórnia. Todas elas

prontas para a nova vida do JardimBotânico Tropical.

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