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Castello Branco é empossado na Presidência da República, sob a tutela dos generais A ditadura mostra sua cara 1964/68 ENTREVISTA Os crimes contra a memória Coronel metralhado no quartel A primeira vitima da tortura HISTÓRIA R$ 14,00

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Castello Branco é empossado na Presidência da República,

sob a tutela dos generais

A ditadura mostra sua cara

1964/68

e n t r e v i s ta Os crimes contra a memória

Coronelmetralhadono quartel

A primeira vitima da tortura

História

R$ 14,00

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Jornalões e revistonas se apresentaram com um discurso unificado nas edições sobre os 50 anos do golpe de 1964. “O golpe foi civil-militar” bradaram quase em uníssono, como se isso fosse novidade.

A partir daí, minimizando a conspiração político-empresarial , com respaldo do governo norteamericano, induzem à conclusão de que os militares agiram atendendo à inquietação da

sociedade civil que não aguentava mais a bagunça do governo Goulart.

A extensão desse “civil” fica implícita, “setores” ou “amplos setores da sociedade”.

Emanado do alto, esse conceito desce pelos canais do poder midiático, com versões que vão convergindo para o centro da meta, até chegar a uma pérola como esta, do comentarista político Moacir Pereira, do Diário Catarinense, da RBS:

“A tomada do poder não configurou uma quartelada. Os militares depuseram o presidente João Goulart com apoio maciço da Igreja, da sociedade civil, dos parlamentares e dos partidos. Todos indignados com a situação caótica de um governo sem comando e sem rumo, que ameaçava implantar aqui uma república sindicalista ou um regime comunista. Eram as alegações dos pronunciamentos, dos editoriais e colunas dos jornais e manifestos dos meios de comunicação, que apoiaram o movimento militar”.

* * *

Esta é a segunda edição que dedicamos ao tema. Na primeira tratamos da conspiração e do golpe. Nesta abordamos os anos iniciais do regime, quando os generais ainda não haviam rasgado o discurso da “revolução redentora”, que salvara o país do populismo/comunismo, para devolvê-lo à verdadeira democracia. Vamos até o Ato 5, quando, ao contrário do discurso, o país mergulha no terror dos porões. Numa terceira edição, pretendemos abordar os chamados “anos de chumbo” até a anistia, o primeiro passo para a reconciliação do país com a democracia.

Nossa pretensão é fornecer, através de relatos jornalísticos, uma primeira leitura de que parecem carecer muitas pessoas bem intencionadas que se deixam levar por simplificações grosseiras e que, assim, constroem uma visão da ditadura a partir do seu discurso justificador e não da sua realidade de violência continuada.

O Editor

editor: Elmar Bonesredação: Cleber Dioni, Elmar Bones, Francisco Ribeiro, Geraldo Hasse,

Patricia Marini imagens: Gerson Schirmer*

Capa: Ilustração de Enio Squeff em acrílico sobre papel

editor gráfico: Andres Vince

Av. Borges de Medeiros, 915 cj. 203 Viaduto Otávio Rocha - CEP 90020-025

Porto Alegre/RS

Fone: (51) 3330-7272www.jornalja.com.br | twitter jornal_ja

[email protected]

MAIO/JUNHO de 2014

História

* Reprodução de publicações da época. Acervos: Museus da Brigada, Hipólito da Costa,

Joaquim Felizardo, Memorial AL e Arquivo JÁ

nesta ediçãoEntREVIStA

Jair KrischkeDItADURA

Falaram as armasPRISÕES

Caça aos vencidosVIOLÊnCIA

Metralhado na sala de comandoRESIStÊnCIA

Ilusões armadastORtURA

Mãos amarradasVERISSIMO

Contabilidade tétricaAVEntURA

Guerrilha em CaparaóUnIVERSIDADE

Tempo de expurgoEStUDAntES

Tomada do RUCASSAÇÕES

Cai a máscaraLUtA ARMADA

Descida aos porõestRAIÇÃO

O anjo da morte

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JÁ História - Há uma ideia de que a ditadura começou branda... a violência veio depois...Jair Krischke - Esse é um dos mitos fruto do esquecimento, da falta de memória. O golpe não teve enfren-tamento armado, mas desde o início ele foi violento. Um caso exemplar ocorreu aqui em Porto Alegre no dia 4 de abril. O coronel Alfeu Monteiro, comandante do 5º Comando Aéreo, foi metralhado por golpistas. Foi chamado ao QG, para ser destituído de um comando. Quando entrou no gabinete foi assassinado pelas cos-tas, era legalista, em 1961 tinha sido um dos líderes, que impediu o bom-bardeio do Palácio Piratini. É o caso mais grave. Mas fora isso, as prisões, as perseguições, as torturas campe-aram desde o início. Centenas de oficiais e sargentos foram presos e expurgados apenas por serem acu-

MemóriaDenunciar crimes de Estado e atentados à pessoa é, há meio século, a rotina de Jair Krischke,

o incansável presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos. Em sua pequena sede no centro de Porto Alegre, ele abriga um dos acervos mais completos sobre as brutalidades, não só da ditadura brasileira, mas de seus vizinhos.

Neste momento quando se registram 50 anos do golpe e 29 anos do fim da ditadura no Brasil, Krischke tem uma outra preocupação: os crimes que se continuam cometendo contra a memória desse período, como forma de apagar ou atenuar os horrores da ditadura. “Sem essa memória estaremos condenados a repetir muito em breve as mesmas barbaridades e os mesmos erros”, disse ele no lançamento do projeto Marcas da Memória, que está colocando uma placa alusiva em cada um dos locais que serviram de prisão e centro de tortura em Porto Alegre. Jair falou ao JÁ sobre a ditadura e os riscos de se perder sua memória.

sados de nacionalistas, brizolistas, janguistas ou comunistas...

Dizia-se que era um “golpe pre-ventivo”, para impedir o golpe de Jango...A tese do “golpe preventivo” foi tão trabalhada que no dia 31 de mar-ço de 1964 muita gente acreditava que era mesmo o Jango quem esta-va dando um golpe. Por que o Me-neghetti foi pra Passo Fundo? Não havia a menor razão para sair... Isso ainda não foi bem investigado, mas eu acho que ele não sabia de que lado vinha o golpe e, na dúvida, se mandou...

Acreditas que havia esse plano do Jango?O Jango nunca teve plano de golpe. O plano que houve, e muito bem fei-to, foi para desestabilizar o governo dele, para diminuir, apequenar a figura do presidente, que na verda-de foi dos mais habilidosos líderes políticos que tivemos. Nunca foi golpista. Tanto que, quando lhe foi sugerido pelos militares o Estado

de Sítio, ele mandou a mensagem para o Congresso... e depois retirou. Isso é ser golpista? Ao contrário, ele segurava os golpistas... O problema é que havia uma ação escancarada com muito dinheiro para desesta-bilizar o seu governo, inclusive com intervenção americana. Na época já se lia nos muros do Rio: “Chega de Intermediários, Lincoln Gordon para presidente”. Hoje está provado e comprovado.

Qual foi o fator decisivo na que-da?São muitos fatores. Mas um que acho deve ser aprofundado é a traição do general Amaury Kruel, comandante do II Exército. Kruel era compadre de Jango. Quando lhe chamam a atenção para o com-portamento ambíguo de Kruel nos primeiros momentos do golpe, ele brincou: Kruel não o trairia. Como ia justificar para o João Vicente, de quem era padrinho? Agora, re-centemente, um coronel médico do Exército depondo na Comissão da Verdade em São Paulo contou

Sem essa memória estaremosmuito em breve condenados a repetir as mesmas barbaridades, os mesmos erros cometidos na ditadura.

está em risco

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algo fantástico: que viu duas pas-tas com dólares entregues por gen-te da Fiesp para comprar a adesão de Kruel ao golpe. Isso tem que ser melhor apurado, mas independente disso, houve a traição, do compadre! Isso abala moralmente.

O golpe, então, seria preventivo, em seguida viriam eleições...Sim, aquele primeiro ato que não tinha número porque seria o úni-co, previa eleições, para dois anos, está escrito. Castello assumiria para reorganizar e seriam convocadas eleições. Logo começa a mudar, uma facção militar começa a so-brepujar a outra. Grupos se formam em torno de duas posições: “Brasil Possível” dos civilistas ou “Brasil Po-tência” dos militaristas. Aí, começa--se a entender porque o hiato vai se estendendo. As eleições não aconte-cem, as cassações se prolongam, vai se agravando até explodir em 1968, com o AI5, que foi o golpe dentro do golpe.

Em 1966, a morte do sargento Ray-mundo escanca-ra a tortura...Sim, mas há um dado interes-sante aí, era

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outra situação... a imprensa, que até então minimizava a repressão, não havia censura, mas a repercussão foi enorme, até provocou uma CPI na Assembleia, muito bem feita, os deputados foram muito corajosos, mas aí chega-se em 1968 e termina tudo. Após o golpe, tinha um serviço de inteligência montado pelo Gol-bery e a partir daí vai se montando um sistema de repressão, assimilan-do a doutrina francesa desenvolvida na Argélia... É um crescendo: fecha-das as portas, os jovens partem para a luta armada, isso vai justificar tudo para combater os “terroristas”.

Os códigos militares foram es-quecidos...Veja só, no Vale da Ribeira eram 23 pessoas, com o Carlos Lamarca. Uma força com milhares de solda-dos ( fala-se em cinco mil) cercam a região, os guerrilheiros escapam. Foram massacrados lá na Bahia, já sem condições de resistir. No Ara-guaia, mandaram os pára-quedistas e nada... e um grupo pequeno, 70 pessoas, foram ficando mais cru-éis... Chegaram ao paroxismo.

Foi feito há pouco um levanta-mento dos centros de tortura...Pois é, fui surpreendido. No Rio Grande do Sul não foi apontado ne-nhum. Isto é incrível, porque aqui em Porto Alegre tivemos o primeiro centro clandestino de repressão da América Latina, o Dopinha, na rua Santo Antonio, número 600. Come-çou a operar em abril de 1964, ofi-ciais do exército comandavam as operações de “polícia política”, com policiais civis subordinados a eles. Contava com um grande número de arapongas e funcionou ativamente até 1966, quando estourou a morte do sargento Manoel Raymundo So-ares. Na CPI que investigou a morte do sargento se chegou ao Dopinha. Raymundo passou por lá...

Por que o mataram?Porque ele não falou. Queriam sa-

ber dos sargentos de vários Estados que tinham vindo para cá para aqui montar um núcleo de resistência com armas e munição... O Raymun-do foi atraído para um encontro, foi preso e torturado, não falou, não entregou os companheiros que aqui estavam... Ele foi preso pelo Exérci-to, foi torturado no Dops e levado para a Ilha do Presídio. Tenho a pla-nilha onde há a libertação forjada do Dops. Da ilha foi pro Dopinha, daí ele aparece morto. Dizem que foi afogamento, que escapou ao

controle. Acho que não, foi morto na tortura porque não falou. Com este escândalo, revelado na CPI, em agosto de 66 fecha o Dopinha.

E o grupo do Raymundo?Esse grupo não desanima, essa é a origem da guerrilha de Caparaó. Saem daqui com armas e bagagens para Caparaó.

Eram as guerrilhas brizolistas.É que havia aqui um grande número de militares nacionalistas, brizolis-

Dan Mitrione, o instrutor americano (de óculos e de branco) pousa para uma foto no Palácio da Polícia, em Porto Alegre

Primeira placa identificando centros de tortura foi colocada na frente do extinto quartel da Polícia do Exército

Se alegam que foi uma guerra, os militares praticaram, no mínimo, crimes de guerra ao torturar e matar pessoas que sequer pegaram em armas, como foi o caso de Wlado Herzog, entre outros mortos na cadeia

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matam. Ensinava como obter con-fissões, inclusive por meio da tortu-ra. Exigia assepsia total na sala de trabalho e não admitia que alguém falasse em espremer os ovos do pri-sioneiro. “Ovos não... testículos”. A tortura, que sempre existiu, tornou--se mais elaborada, científica... Não é uma barbaridade, é uma técnica. Essa sofisticação não tínhamos.

A justificativa...A justificativa de que havia grupos armados não serve. Até a guerra tem regras. A Convenção de Genebra condena a tortura, diz que os inimi-gos mortos em combate têm que ser identificados... No mínimo, foram cri-mes de guerra, se querem dizer que foi uma guerra... Vítimas que sequer tomaram em armas, o caso do Wla-dimir Herzog, que não foi isolado... Aqui tivemos o caso do Mirajo Fer-nandes Simão, recolhido ao xadrez do Dops, também apareceu enforca-do com o cinto no trinco da porta.

Há um número final, aceitável, para o total de mortos e desapa-recidos? Nós trabalhamos com números, a norma é a credibilidade. Quanto aos mortos e desaparecidos, 366 nós provamos. Há um número muito maior (quem sabe o que se matou do povo da selva na repressão ao Araguaia?), mas provados são esses. Mas a violência não está só nisso. Está no número de mandatos cassa-dos, quantas pessoas foram presas, muitas sem saber porque, os pro-cessos na Justiça Militar...

O clima de insegurança...Lembra da piada da época? Um su-jeito pergunta: “Sabe da última?”. Outro responde: “Não sei nada, ti-nha um amigo que sabia, agora não sabem dele”. Eles eram os donos, não podias prever...Sem falar no ter-ror cultural, apreensão de livros... até o Brás Cubas prenderam.

Na próxima edição, Jair Krischke fala das conexões entre as ditaduras no Cone Sul

tas, comunistas, e inconformados com o desfecho, sem resistência. Aqui e em Montevidéu, onde esta-vam Brizola, Jango e centenas, se-não milhares de asilados. O caso do Jefferson Cardim Osório, na guer-rilha de Três Passos, por exemplo. Com um pequeno grupo, mal ar-mado, ele sai de Montevidéu e atra-vessa a fronteira para desencadear um levante. Simplesmente, ele não podia aceitar que a ditadura fosse completar um ano sem reação, e partiu pra luta. Foi massacrado.

Aí a tortura foi brutal...A tortura chega aos quartéis quando os militares adotam o conceito da guerra de contrainsurgência, basea-da na experiência francesa na Argé-lia. Isso tem origens na Escola Nacio-nal de Informações. Antes do golpe, o Dan Mitrione esteve bom tempo no Brasil – Minas, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Há até uma foto dele na fren-te do Palácio da Polícia... Daqui ele foi para o Uruguai, depois República Dominicana e voltou para o Uruguai, onde os Tupamaros o capturam e

O “Dopinha”, na rua Santo Antonio: primeiro centro clandestino Dan Mitrione, o instrutor americano (de óculos e de branco) pousa para uma foto no Palácio da Polícia, em Porto Alegre

Primeira placa identificando centros de tortura foi colocada na frente do extinto quartel da Polícia do Exército

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O general Mourão ain-da descia de Minas rumo ao Rio de Janei-ro, na tarde de 2 de abril, quando Arthur

da Costa e Silva entrou no QG do Exército e se declarou o chefe mi-litar da rebelião. “Eu vou assumir essa coisa toda”, teria dito.

Foi uma surpresa.Desde o manifesto aos generais,

ainda no dia 30 de março, era notó-rio que o líder militar da conspira-ção era Castello Branco. Tanto que Jango mandou prendê-lo à última hora. Avisado, ele deixou o QG do Estado Maior e se refugiou num apartamento em Ipanema, de onde ainda tentou deter Mourão nos dois dias seguintes.

Costa e Silva tangenciara a cons-piração. Meses antes, ele até preten-dera uma nomeação como adido militar no exterior. Mantinha-se informado no Jockey Club da Gávea pelo senador Daniel Krieger, seu con-terrâneo do Rio Grande do Sul, cons-pirador de primeira hora, seu parcei-ro de apostas nos parelheiros.

Costa e Silva, a rigor, só entrou em ação depois que o comandante do II Exército, Amaury Kruel, aderiu ao golpe, selando a sorte de João Gou-lart, já no dia 1º de abril. Refugiou-se num apartamento e disparou uma bateria de telefonemas, num dos quais obteve o apoio de Kruel. Sou-be tirar proveito de antigas rixas que Kruel tinha com Castello.

Então, apresentou-se no QG do Estado Maior como o “membro mais antigo do Alto Comando” e auto-no-meou-se Comandante do Exército Nacional, um cargo que não existia. Mourão, que considerava Costa e Silva um militar medíocre, escreveu que ele se intitulava “Comandante Supremo da Revolução”.

Segundo Mourão, Costa e Silva alcançara o 3º lugar na escola militar

Costa e Silva personifica o poder dos generais e alija as lideranças civis que ajudaram a derrubar João Goulart

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porque tirava 10 nas provas práticas, graças ao seu bom físico. Seu porte impressionava: “Perfila-se, estufa o peito. É um soldado”, como disse Carlos Chagas ao vê-lo, já velho. Mas, segundo Mourão, “Costa e Silva não tinha a menor orientação filosófica para suas ideias”. Ele mesmo dizia que só lia palavras cruzadas.

Naquele dia 2 de abril, Costa e Silva encarnava o poder real no Brasil, em paralelo ao poder formal de Rainieri Mazzilli, presidente da Câmara, precariamente instalado na Presidência da República pelo presidente do Senado, Auro de An-drade, numa sessão de três minutos durante a madrugada, na qual de-clarou vaga a Presidência, embora Jango ainda estivesse no país. “Ma-zzili era um presidente sem futuro, Costa e Silva, um revolucionário sem passado”, resume o jornalista Elio Gaspari.

Mazzilli bem que tentou dar consistência ao seu mandato. Pro-pôs nomear Costa e Silva minis-tro da Guerra e chamar políticos para formar um governo. “Tive que impedi-lo. Queria evidentemente me afastar do Comando Supremo da Revolução”, disse Costa e Sil-va a Mourão, que anotou. “Deste momento em diante desconfiei do Costa e Silva: queria ele fazer-se di-tador?” .

Mas no dia seguinte, numa reu-nião de 17 generais descontentes com os modos ditatoriais de Costa e Silva, Mourão minimizou a questão e ele seguiu dando as cartas.

Os governadores vão ao QG. Car-los Lacerda, que se considerava o “lí-der civil da Revolução”, fala na neces-sidade de eleição imediata. Insiste, Costa e Silva reage: “Alto lá, governa-dor. Assim, não”. Lacerda se exalta. “Foi sonoramente mandado a um certo lugar”, conta Carlos Chagas.

A carta que Lacerda mandou a Ademar de Barros, Lacerda, Meneghetti e Fernando Correia: a apagada face civil da ditadura

Costa e Silva se impõe como ministro da Guerra e depois como sucessor de Castello

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Costa e Silva no dia seguinte é reve-ladora. Acusava o general de tornar--se ditador e renunciava ao governo da Guanabara. Costa e Silva, infor-mado do conteúdo, não quis rece-ber a carta, alegando que renúncia de governador tinha que ser enca-minhada à Assembleia.

Três anos depois, ao rememorar sua conversa com Costa e Silva, logo depois do golpe, Mourão se peniten-ciou: “Eu tirara a nação de um abis-mo e a empurrara para outro”.

Dia 7 de abril o jurista Francisco Campos estava no gabinete do Gene-ral. Costa e Silva tinha sobre a mesa um telegrama do general Adalberto Pereira dos Santos, comandante da 6ª DI, um dos líderes do golpe no Rio Grande do Sul, propondo: “Será me-dida de autodefesa e da mais ele-mentar profilaxia a deportação dos principais líderes do governo depos-to, civis e militares”.

No dia 9 de abril, o Alto Coman-do Revolucionário (além de Costa e Silva, ministro do Exército, os mi-nistros da Marinha e da Aeronáu-tica ) baixou o primeiro ato com as novas regras para dar aos deten-tores do “poder revolucionário” os instrumentos para “expurgar a vida brasileira dos subversivos e corrup-tos”. Em onze artigos abria prazo de dois meses para cassar mandatos e direitos políticos por dez anos, e seis meses para punir funcionários civis e militares comprometidos com a situação anterior. E tornava indireta a eleição para presidente da República.

Para evitar que Costa e Silva se consolidasse como ditador, gene-rais e governadores chegaram a um entendimento e, quatro dias depois do ato, elegeram o general Humber-to de Alencar Castello Branco presi-dente da República. Castello Branco

governou até 1967, dentro de um quadro de “ditadura temporária”.

Mantido ministro da Guerra, Costa e Silva tutelou o mandato de Castello, que ainda teve que engoli--lo como candidato à Presidência. Castello fazia, a cada passo, confis-são de fé na democracia, mas ao fim do mandato teve que entregar o car-go a Costa e Silva, que representava o poder da caserna.

Mais impetuoso líder do po-der civil, Carlos Lacerda trombaria também com Castello logo depois, quando foram adiadas as eleições presidenciais previstas para 1965, às quais pretendia concorrer. “Se não houver eleição agora, não ha-verá mais eleição por muito tempo”, sentenciou. Foram vinte e um anos sem eleições diretas.

Costa e Silva, na presidência em 1967, também falava na “volta à normalidade democrática”, mas era a personificação da continuidade do regime dos generais. “A ditadura veio para ficar”, era o que se dizia.

Contra isso levantou-se um novo ciclo de resistência armada, que le-vou ao endurecimento total do re-gime com o AI5, em dezembro de 1968.

Lacerda rompe logo depois com

Castello e fica ainda mais isolado

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Rio, 5 de abril de 1964

Sr. General Costa e Silva

Saudações

A sugestão que esta noite os governado-res lhe foram levar era inspirada nos melho-res propósitos: eleições, já, de um general à Presidência da República.

V. Excia. recebeu-a com hostilidade, considerando-a capaz de dividir o Exército, e julga que a presidência como está, e como ficará daqui a vinte e poucos dias, quando o Congresso eleger outro, é melhor para o Exército.

Numa palavra, V. Exca. prefere ser di-tador por intermédio do Dr. Mazzili a ter o comando revolucionário na Presidência da República.

Creio na sinceridade e patriotismo de sua intenção, ainda que V. Excia, pelo visto, não creia no meu, pois tratou-me como se eu fosse um político visando fins particulares e não os mesmos que motivaram o movi-mento militar.

Preciso lembrar a V. Excia. que, enquanto o Exército não podia agir, suportei a respon-sabilidade e o peso da corrupção e do co-munismo, e às vezes quase só.

Não desejo dividir o Exército. Muito ao contrário. E pelo visto, neste ponto, V. Excia

tem razão. Mas quem vai dividir e Exército é V. Excia, e, com ele, a Nação.

Mas também não quero participar de uma ditadura não-declarada, exercida por V. Excia, por intermédio do Presidente Mazzili. Esta fórmula, Sr. General, é bem pior e nem sequer é original.

Amanhã, tão logo haja comunicado esta decisão ao meu secretariado, retirar-me-ei do governo da Guanabara e da vida pública.

Peço a Deus que V. Excia. tenha razão e leve a bom termo a tarefa a que se propôs de limpar o Brasil do comunismo e da corrupção. Não há de ser com políticos que se prestam a ser mandados, para ficar no poder, simulando poder, que V.Excia conseguirá atingir esse ob-jetivo. Poderíamos consegui-lo sem ditadura. V.Excia, sem dizer à nação, tornou-se ditador.

Não o aceito como ditador. Fui falar ao libertador, não ao usurpador. Mas não serei eu a dividir o Exército e desgraçar a Pátria, levando a desilusão e o desespero a milhões de brasileiros.

V. Excia assuma essa responsabilidade. Eu saio, amanhã, para nunca mais. Afinal, tenho o direito de me afastar sem que me chamem desertor. Basta que me chamem vencido. Com os votos por sua felicidade pessoal.

Carlos Lacerda

Mesmo não tendo chegado às mãos de Costa e Silva, a carta teve influência. Os governadores foram à presença de Castello, que aceitou ser presidente. Costa e Silva se preservou para depois... A carta de Lacerda foi guardada por Juracy Magalhães por muitos anos e só divulgada no seu livro, “ O último tenente”. (Carlos Fehlberg, repórter politico)

Eleito presidente, Costa e Silva se apoiou na linha dura, assumindo a “cara da ditadura” naquele período

“Não o aceito como ditador”

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Lacerda (de metralhadoranos dias do golpe) rompeu na primeira reunião com Costa e Silva

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Consumado o golpe, o pais tinha um poder real, representado pe-los chefes militares, e um poder formal

encarnado pelo presidente do Con-gresso, Rainieri Mazzilli, que dava aparência de normalidade política ao processo. As “instituições” se-guiam funcionando.

Os generais insistiam no discur-so do “golpe preventivo” e, por algum momento, acreditou-se que eles voltariam aos quartéis. “Todos nós achávamos que era uma questão de dias”, diz o ex-prefeito Sereno Chai-se. “Brizola, escondido num aparta-mento no centro de Porto Alegre, na primeira semana ainda fazia planos para voltar a ocupar sua cadeira de deputado em Brasília”.

O primeiro “ato institucional”, es-tabelecendo punições aos inimigos da “revolução”, deveria ser o único e inicialmente foi cogitado como uma medida do Congresso, uma “quebra momentânea da normalidade” para poder afastar os indesejados – sub-versivos e corruptos.

Foi editado no dia 9 de abril de 1964. Eleição indireta para presi-dente, prazo para cassação de polí-tico e exoneração de funcionários. No dia seguinte sai a lista com os

primeiros cem cassados políticos, começando por Luiz Carlos Prestes, João Goulart, Jãnio Quadros, Miguel Arraes, Darcy Ribeiro e encerran-do com José Anselmo dos Santos, o controvertido “Cabo Anselmo”. Em seguida começaram as prisões e cassações em todo o país.

Violência continuadaAs tropas que marcharam de

Minas não precisaram dar um tiro para derrubar o presidente.

Mas as tentativas de prisão e a repressão a manifestações popula-res resultaram em sete mortes no país, já no dia primeiro de abril. No dia 4, um crime hediondo foi enco-berto: um coronel legalista foi me-tralhado na Base Aérea de Canoas. Em Recife, o líder comunista Gregó-rio Bezerra foi amarrado a um jipe e arrastado, só de calção, pelas ruas.

Em 6 de maio, um memorando do Departamento de Estado Dos EUA à Casa Branca calcula que os presos naquela data eram “pouco mais de cinco mil”. Nas embaixadas havia filas de pedidos de asilo. Os jornais publicam listas de “políticos cassados”, “funcionários exonera-dos”. Milhares de militares são ex-purgados das Forças Armadas.

Caça aosvencidosJá no primeiro dia, sete mortes em manifestações contra o golpe em todo o país. Em seguida começam as prisões em massa.

Casos de morte são encober-tos. Eduardo Barreto Leite, sar-gento do Exército, pulou do sétimo andar de um prédio no Rio, no mês de abril de 1964. A família nunca aceitou a tese de suicídio. O zela-dor disse que ele foi arremessado por cinco homens que invadiram o seu apartamento.

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torial”, com o AI5 , a violência dos primeiros eventos de 1964 foi sendo esquecida, como se fossem casos pontuais, acidentes de trabalho.

Na verdade, a violência contra os vencidos era intrínseca e conti-nuada, desde o início: “As torturas foram o molho dos inqúeritos leva-dos a efeito nos desvãos do DOPS ou dos quartéis... Castello foi fraco,” registra o general Mourão ao tempo em que era ministro do STM.

Era poucoCastello Branco ficou 32 meses

na presidência. Assinou três atos institucionais, 37 atos complemen-tares, cassou cerca de 500 pessoas e demitiu 2 mil.

Era pouco. Quando já estava fora do poder, Castello confidenciou a seu ex-lider no Senado, Daniel Krie-ger: “Um grupo dentro do atual go-verno deseja partir para a exceção e a ditadura”.

Uma estatística coligida por elio Gaspari, entre 1964 e 1966:

• Cerca de 2 mil funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsóriamente

• 386 políticos tiveram seus mandatos cassados por dez anos

• 421 oficiais foram punidos com passagem compulsória para a reserva, transformando-se em mortos vivos, com pagamento de pensão aos familiares

• Outros 200 oficiais se retiraram, 24 generais foram expurgados

• Nos sindicatos e associações foram expurgadas um total de 10 mil pessoas

Ao encerrar suas atividades, em novembro de 1964, a Comisão Geral de Investigações divulga os seguintes números:

• 1.110 processos envolvendo 2.176 pessoas.

• O IPM sobre a Rebelião dos Marinheiros, indiciou 839, levou 284 a julgamento e terminou com 249 condenados, “todos com penas superiores a cinco anos de prisão”.

O capitão Darcy José dos San-tos Mariante apoiava o PTB de Jan-go e Brizola. Preso e torturado no 1º.Batalhao da PM em Porto Alegre em 1965. Em 1966 suicidou-se com um tiro na frente da família.

O jornalista Elio Gaspari anota 13 mortes ao longo de 1964, entre elas a do sargento Bernardino Sarai-

va que se matou com um tiro na ca-beça depois de ferir um soldado da escolta que fora prendê-lo em São Leopoldo”no dia 14 de abril.

A lista de militares cuja morte não foi esclarecida tem 27 nomes, cinco do Rio Grande do Sul.

A partir de 1968, quando “o re-gime assumiu sua natureza dita-

Alguns números

Gregório Bezerra foi arrastado por um jipe e espancado numo quartel do Recife

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Os cassados no RSForam três levas de cassações de

mandatos e direitos políticos. Primei-ro os notórios “subversivos” e “cor-ruptos”. Não ficava claro quem era quem. Preso nos primeiros dias, o deputado Wilson Vargas ainda tinha humor para brincar com quem ia vi-sitá-lo na prisão: “Aqui tem corruptos e subversivos, eu sou subversivo”.

Depois foram cassados os grupos submetidos a inquéritos policiais militares, depois as cassações pura-mente políticas, em que os punidos não sabiam de que eram acusados.

Nesse ciclo se inserem as oito cassações de 1966, feitas exclusiva-

mente para dar maioria ao gover-no na Assembléia Legislativa, que acabou elegendo o coronel Peracchi Barcelos ao governo do Rio Grande do Sul.

No Rio Grande do Sul, a primei-ra lista de cassados saiu a oito de maio, com o nome de cinco prefei-tos do PTB. Estava no Diário Ofi-cial, ato do presidente, e ninguém sabia o que fazer. “Fui para a pre-feitura fiquei esperando, não veio ninguém”, conta Sereno Chaise, re-cém eleito prefeito de Porto Alegre. Dias depois foi preso por um mês sem que lhe acusassem de nada.

Primeiros cassadosem 8 de maio de 1964, além dos cinco prefeitos, também foram presos e tiveram seus mandatos cassados oito deputados estaduais e 12 suplentes, todos do PTB:

• José Lamaison Porto

• João Caruso Scuderi

• Wilson Vargas da Silveira

• Justino Costa Quintana

• Antonio Simão Visintainer

• Breno Orlando Burmann

• Rubem dario Porciuncula

• Suplentes: Hélio Carlomagno, edson Medeiros, Jair de Mora Calixto, Nelson Amorelli Viana, Guilherme do Vale Tonniges, Bruno Segala, Fulvio Celso Petracco, Vicente Martins Real, Carlos Lima Aveline, Alberto Schroetter, Jorge Alberto Campezatto e Otomar Ataliba dillenburg.

Em pé: Justino Quintana, Wilson Vargas, Rubem Porciúncula, Lamaison Porto, Antonio Visintainer.Sentados: Sereno Chaise, João Caruso Scuderi, Ajadil de Lemos

Page 15: Já - História >> A ditadura mostra sua cara

cal perturbou a rápida cerimô-nia, mas não tirou a emoção dos relatos e a veemência dos discursos de fé democrática.

Aos 86 anos, o coronel Emilio Neme, ex-chefe da Casa Militar de Brizola, era o centro das aten-ções. Amparado por um andador, era abraçado com emoção pelos antigos coman-dados. "Tudo o que nós fizemos foi defendendo nosso país. Nós arriscamos a nossa vida!", explicou o coronel.

Ao seu lado o filho, Sérgio, que com dez anos o visitava na prisão, lembrou: “Eu via ele aqui, ficava com medo, não sabia o que estava acontecendo”.

Em entrevista ao  Jornal do Co-mércio, o capitão Reginaldo Ives da Rosa Barbosa contou que 50 anos

após sua prisão, ainda carrega cicatrizes de baioneta em suas costas. Lembrou seu tio Danilo Eli-zeu Gonçal-ves, já faleci-

do, preso junto com ele. Sua fi-lha, Dalila Gon-çalves, presente ao ato, chorou. A diretora da Escola, Nilse Christ Trenne-tohl, ficou emo-cionada duran-te a cerimônia. "É difícil, mas um lado se ale-gra, pois é mui-

to bom que agora se possa falar”.A placa identificando a antiga

prisão é parte do projeto Marcas da Memória, do Movimento Justiça e Direitos Humanos com a prefeitura de Porto Alegre, para identificar to-dos os locais que serviram para pri-são e tortura durante a ditadura.

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A escola que serviu de prisão nos primeiros meses do re-gime militar, foi assinalada

com uma placa e uma inscrição. O ato ocorreu no exato dia 23

de abril de 2014, quando há 50 anos entraram ali os primeiros sargentos da Brigada Militar, removidos das prisões nos quartéis, onde se temia uma reação dos nacionalistas/bri-zolistas.

A escola, recém-construída, por falta de equipamento estava sem uso. Foi transformado temporária-mente em Presídio Militar Especial. Funcionou oito meses como prisão política. Atualmente é o Grupo Es-colar Paulo da Gama, onde estudam 1.400 alunos em dois turnos.

Sete sobreviventes e três viúvas, dos 86 militares que ali estiveram encarcerados, compareceram ao ato simbólico, dirigido pelo presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Kritschke, e com a presença do prefeito José Fortunati.

A placa foi decerrada na calçada à frente do prédio, número 555 da rua Silvado, no bairro Partenon. O intenso tráfego de veículos no lo-

nela foram presos os primeirosmilitares punidos

a escola que foi presídio

MARCAS DA MEMÓRIA

GOLPE DE 1964 TRANSFORMA ESCOLA EM PRISÃO

Construído para ser escola, este prédio foi requisitado à Prefeitura Municipal pelo Comando da 6ª dI

do exército Brasileiro com o fim exclusivo de servir como “Presídio

Militar especial” administrado pela Brigada Militar, de abril a

novembro de 1964.

Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

MARCAS DA MEMÓRIA

GOLPE DE 1964 TRANSFORMA ESCOLA EM PRISÃO

Construído para ser escola, este prédio foi requisitado à Prefeitura Municipal pelo Comando da 6ª dI

do exército Brasileiro com o fim exclusivo de servir como “Presídio

Militar especial” administrado pela Brigada Militar, de abril a

novembro de 1964.

Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

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GOLPE DE 1964 TRANSFORMA ESCOLA EM PRISÃO

Construído para ser escola, este prédio foi requisitado à Prefeitura Municipal pelo Comando da 6ª dI

do exército Brasileiro com o fim exclusivo de servir como “Presídio

Militar especial” administrado pela Brigada Militar, de abril a

novembro de 1964.

Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

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GOLPE DE 1964 TRANSFORMA ESCOLA EM PRISÃO

Construído para ser escola, este prédio foi requisitado à Prefeitura Municipal pelo Comando da 6ª dI

do exército Brasileiro com o fim exclusivo de servir como “Presídio

Militar especial” administrado pela Brigada Militar, de abril a

novembro de 1964.

Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

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Construído para ser escola, este prédio foi requisitado à Prefeitura Municipal pelo Comando da 6ª dI

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Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

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Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

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Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

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novembro de 1964.

Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

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GOLPE DE 1964 TRANSFORMA ESCOLA EM PRISÃO

Construído para ser escola, este prédio foi requisitado à Prefeitura Municipal pelo Comando da 6ª dI

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novembro de 1964.

Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

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Construído para ser escola, este prédio foi requisitado à Prefeitura Municipal pelo Comando da 6ª dI

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Militar especial” administrado pela Brigada Militar, de abril a

novembro de 1964.

Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

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GOLPE DE 1964 TRANSFORMA ESCOLA EM PRISÃO

Construído para ser escola, este prédio foi requisitado à Prefeitura Municipal pelo Comando da 6ª dI

do exército Brasileiro com o fim exclusivo de servir como “Presídio

Militar especial” administrado pela Brigada Militar, de abril a

novembro de 1964.

Salas de aula viraram “celas” para cerca de 80 brigadianos, presos

políticos do Golpe de 1964

Ex-militares voltaram à escola onde

estiveram presos. Na

foto, com representantes

do MJDH

Fotos: MJDHRS

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No dia 31 de março de 1964 o coronel Alfeu de Alcântara Montei-ro festejou seu ani-versário no quartel,

de prontidão. Fez 42 anos.Tinha 21 quando ingressou na

Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro. Longa distância havia per-corrido desde Itaqui, onde nascera.

Fez a Escola da Aeronáutica e quando o país voltou à democracia, em 1946, ele foi promovido a tenen-te aviador. Serviu nas bases de For-taleza, São Paulo, Rio de Janeiro.

Metra lhadona sala do comando

Meio século depois, o crime ocorrido na Base Aérea de Canoas, em abril de 1964, vai ter novo julgamento

Era capitão, na Base Aérea de Natal, quando chegaram ao Brasil os primeiros bombardeiros B-25, re-manescentes de II Guerra Mundial.

Tornou-se um dos primeiros ins-trutores para esses aviões na aero-náutica brasileira. Era considerado um exemplo de militar dedicado e ciente de suas responsabilidades. Sua folha de serviços era “repleta de elogios”, com registros em boletins.

Em agosto 1961, quando se deu a Campanha da Legalidade, servia no QG da 5ª. Zona Aérea, em Canoas (RS). Era coronel.

Legalista, posicionou-se a favor da posse de João Goulart, o vice que deveria assumir com a renúncia do presidente Jânio Quadros.

Quando o general Orlando Gei-sel mandou bombardear o Palácio Piratini, para calar o governador

Alfeu Monteiro, o coronel Alcântara

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Alfeu convocou voluntários, trinta se apresentaram. “Fomos em jipes, percorremos a pista de ponta a ponta e, depois, ficamos posicio-nados nas cabeceiras, armados de metralhadoras”, lembra o então te-nente-coronel Avelino Iost, hoje com 88 anos, que comandou a operação.

Avelino escreveu um livro sobre “a guerra de 1961” na Base Aérea de Canoas e diz que ali foi selada a sorte de Alfeu. “Ele ficou assinalado de morte, todos nós, mas ele é o que não podia escapar”.

Na manhã do dia 2 de abril, em 1964, quando o presidente Goulart decidiu não resistir, o coronel Alfeu mandou recolher o armamento do arsenal, relaxou a prontidão e ficou à espera de novo comando.

Na tarde de 4 de abril, Goulart desembarcava na base aérea de Pando, no Uruguai, onde se asilou,

Metra lhadona sala do comando

Leonel Brizola, Alfeu colocou-se à frente dos tenentes e sargento, que impediram a decolagem dos aviões com as bombas. Ficou marcado para sempre.

No 31 de março de 1964 ele não pode fazer mais que um brinde com seus colegas no cassino dos oficiais. A Base Aérea estava em prontidão desde cedo. Quando se confirmou que era mesmo um golpe contra o

governo, novamente os sub-oficiais e sargentos tomaram a Base Aérea. O comandante se retirou e o coronel Alfeu assumiu o comando disposto a defender a constituição.

Na noite de 1º de abril, uma in-formação chegou à base: um co-mando golpista ia sequestrar o presidente na pista do aeroporto Salgado Filho, onde ele iria desem-barcar de madrugada.

Alfeu com o governador Leonel Brizola e um de seus filhos

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quando pousou na Base Aérea de Canoas, o avião com o novo coman-dante, brigadeiro Nelson Lavanére Wanderley, e uma escolta de oficiais chefiados pelo coronel-aviador Ro-berto Hipólito da Costa, todos ar-mados de metralhadoras.

O coronel Hipólito era um “linha dura”, autor de um plano frustrado para derrubar o avião de João Gou-

lart meses antes do golpe. “Já em 1952, o coronel Hipólito fora denun-ciado por torturar presos políticos. Sargentos da Base Aérea de Natal le-varam um dossiê ao general Arthur Carnaúba”, registra Avelino Iost numa compilação que fez dos fatos daquele período. No relatório dos sargentos consta a demonstração que Hipólito da Costa fez de seus

dotes como atirador: enfiou uma lata na cabeça do sargento Eneas de Oliveira Filho e atirou, furando a lata pouco acima do cranio do sar-gento.

Avelino Iost conhecia um dos oficiais que vieram com o coronel Hipólito: “Ele me disse que, na sa-ída do Rio, ouviu que disseram ao Hipólito: Você vai para segurar o Alcântara... Segurar na bala.”, conta Avelino Iost.

***Avelino acabara de fazer um lan-

che no cassino dos oficiais, quando Alfeu Alcântara Monteiro entrou, por volta das oito horas da noite de 4 de abril de 1964.

“Estava com o uniforme de pas-seio completo, quepe inclusive, me disse que tinha sido chamado ao QG”.

No cafezinho, conversaram so-bre o que poderia acontecer com todos eles, os vencidos. “Ele me dis-se que estava tranquilo... O máximo que poderia nos acontecer era uma transferência para Belém ou outro lugar remoto... Defendemos a lei, ele disse.”

Se despediram na saída do cas-sino. Avelino ainda ficou um tempo por ali. Pouco depois, quando atra-vessava o pátio, ouviu os estampi-dos vindos do QG. “Primeiro, vários disparos de arma pesada, provavel-mente metralhadora. Em seguida, dois de calibre menor, 32 certamen-te”, lembra Avelino.

Ele estava a menos de 100 me-tros do local do crime, no primeiro andar do prédio do QG da 5ª Zona Aérea, na sala do comandante. Viu, em seguida, correrias e ouviu o co-ronel Pirro de Andrade gritar de uma sacada: “O Hipólito arrancou o fígado do Alfeu à bala, agora vamos fuzilar os comunistas”.

Em seguida, Avelino foi cercado por cinco oficiais e levado ao aloja-mento. Os sub-oficiais e sargentos considerados comunistas, desarma-dos, estavam confinados. Na manhã

Alfeu Monteiro na Base Aérea de Canoas (com o espadim)

O brigadeiro Lavenère, que assumiu a base aérea em nome dos golpistas

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seguinte sairiam todos presos para o Rio de Janeiro.

O que se passou na sala do co-mando da 5ª zona Aérea naquela noite até hoje não foi esclarecido. Alfeu foi atingido por trás, por bala de grosso calibre. Nunca ficou claro se foram dois, seis ou 16 balas de ca-libre 45 que o atingiram.

A nota oficial emitida dois dias depois, fala em dois tiros e dá a en-tender que ele atirou primeiro. Diz que a “lamentável ocorrência que se deu devido à indisciplina do tenen-te-coronel, que não acatou a voz de prisão. Houve troca de tiros. Os feri-mentos recebidos pelo Excelentíssi-mo Brigadeiro Comandante são de natureza leve, encontrando-se hos-pitalizado, em pleno exercício do comando. O mesmo não aconteceu entretanto com o tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, cujo falecimento lamentamos informar”.

Na sala do comando, na hora do crime, além dos envolvidos, havia só o coronel Pereira Pinto, escolhido por Lavanére para assumir o coman-do e que confirmou a versão oficial.

Todas as demais pessoas que não estavam diretamente na cena do cri-me, mas estavam próximas dos fa-tos, discordam dessa versão. Nenhu-ma delas foi ouvida no inquérito.

Avelino, pelo que ouviu e pelo que averiguou conversando com ou-tros colegas, entre eles o enfermeiro Onéas Rech, que recolheu Alfeu ago-nizante, reconstituiu a seguinte cena:

“O coronel Hipólito, armado de metralhadora, ficou na sala do aju-dante de ordens, junto ao gabinete do comandante. Ele ficou com a porta entreaberta, Alfeu entrou e se postou diante da mesa do coman-dante, de costas para essa porta. As-sim que se apresentou recebeu voz de prisão e aí...”.

A discussão que se seguiu foi ouvida por outras pessoas que es-tavam no prédio. “Muitos militares presentes no prédio do comando ouviram os gritos”, diz o ex-sargento

Nei Moura Calixto, também preso no dia seguinte e levado para o Rio.

Segundo Calixto, quando o co-mandante disse a Alfeu que ele e to-dos os rebelados estavam presos, ele reagiu gritando: “Retira essa ordem. Retira essa ordem. É ilegal! Eu esta-va defendendo a autoridade legíti-ma, eleito pelo povo. Tu não podes me prender”.

Avelino: “Com a reação do Alfeu, o Hipólito saiu da sala atirando. O Alceu, mesmo ferido, ainda sacou o revólver e deu dois tiros atingin-do de raspão o brigadeiro. Foram os últimos estampidos que ouvi, de pequeno calibre. O enfermeiro me disse que as balas arrancaram um pedaço assim do lado do Alfeu”.

O Inquérito Policial Militar que investigou a morte do coronel con-cluiu um mês depois que “foi abati-do com dois tiros, morto no ato de atentar contra a vida de um supe-rior”. Encaminhado à Justiça Militar em 15 de junho, teve sentença em novembro de 1964. O coronel Hi-pólito foi absolvido e pouco depois promovido a general.

O brigadeiro Lavenére tornou--se ministro da Aeronáutica 16 dias depois do crime. Morreu em 1985, aos 78 anos, e no ano seguinte pas-sou a ser o patrono do Correio Aé-reo Nacional.

Alfeu de Alcântara Monteiro é nome de rua no bairro de Tremem-bé, em São Paulo.

Com a reação do Alfeu, o Hipólito saiu da sala atirando. O Alfeu, mesmo ferido, ainda sacou o revólver e deu dois tiros atingindo de raspão o brigadeiro.

Avelino Iost foi o último a falar com Alfeu e ouviu os tiros que o

assassinaram

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Leonel Brizola era o único líder civil em condições de organizar uma resis-tência. Tinha demons-trado em 1961, ao brecar

os generais que queriam impedir Goulart, quando Janio renunciou.

Tinha sob sua influência grande número de militares, principalmente, sargentos e sub-oficiais do Exército e da Brigada Militar. Tinha interlocu-tores influentes nos quartéis, como o tenente Wilson Jose da Silva, no Exército, o coronel Emilio Neme, na Brigada Militar, o coronel Alfeu Monteiro e o capitão Alfredo Daudt, na Base Aérea de Canoas. O coronel

Pedro Alvarez disse em suas memó-rias que tinha 800 homens dispostos a pegar em armas no dia do golpe.

Brizola tinha também os Grupos de Onze, organização civil ainda embrionária, mas que segundo ele mesmo já tinha mais de 20 mil nú-cleos pelo país.

Mas, quando Jango desistiu na manhã de 2 de abril e partiu de Por-to Alegre, Brizola ficou sem chão. A bandeira da legalidade perdeu sentido. Lutar em nome de quê de-pois que Jango dera o fora?. O país tinha um outro presidente, Mazzilli, inclusive já reconhecido pelos Esta-dos Unidos.

Ilusões armadas

Governadores de Minas, Rio de Janeiro, São Paulo , Rio Grande do Sul, Paraná apoiavam o golpe. Mi-guel Arraes, de Pernambuco, e Sei-xas Dória, do Sergipe,estavam pre-sos na Ilha de Fernando Noronha.

Incorformados com o golpe sem resistência,muitos militares brizolistas sonharam com um levante dos quartéis para derrubar a ditadura

Brizola com Che Guevera, em 1960: ainda longe da guerrilha

Brizola em 1961: ensaio de resistência armada que não se repetiu

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Brizola era um homem acossado. Numero um na lista de procurados pela polícia e o Exercito, viveu um mês escondido num apartamento no centro de Porto Alegre, antes de se asilar no Uruguai. Fardado de brigadiano, foi retirado num car-ro até a Praia de Capão da Canoa onde um avião de Jango o levou para Montevideo.

No Rio Grande do Sul, uma le-gião de militares ficou sem rumo. Eram, na maioria, sargentos e sub--oficiais do Exército e da Brigada

Militar, que se haviam colocado na defesa do governo deposto e fica-ram órfãos assim que João Goulart desistiu de lutar.

Muitos foram presos, outros cai-ram na clandestinidade, escondiam--se na casa de amigos, tentavam al-cançar a fronteira. “Lá na Base Aerea de Canoas diziam abertamente que iriam fuzilar os comunistas”, relata o ex-tenente Avelino Iost.

“Quando o golpe se consumou muitos não se conformaram com a falta de resistência, Principalmen-

Mesmo assim, enquanto Brizo-la permaneceu em Porto Alegre, muitos sargentos e sub-oficiais do Exercito e da Brigada Militar acre-ditaram que era possível reverter o golpe. Àquela altura, porém,

José Wilson, o “Tenente Vermelho”, era assessor militar de Brizola Pedro Alvarez, o “Capitão doPovo”

Capitão Alfredo Daudt,homem de Brizola na Aeronáutica

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te entre sargentos e sub oficiais que estavam alinhados com o movimen-to nacionalista/brizolista. Acredita-vam que teriam o controle de muitas guarnições militares no exército e na Brigada Militar.”

Inconformidade com a derrota sem luta e falta de horizonte para quem discordava dos vencedores. Esses seriam os ingredientes dos pri-meiros planos de resistência. Acredi-tavam num levante, com a sublevação dos sargentos e sub oficiais que toma-riam os quartéis em cadeia. Quando o movimento alcançasse a capital, Bri-zola assumiria o comando.

Essa fase culminou com o de-sastre do coronel Jefferson Cardim Osório. Inconformado que o golpe ia completar um ano sem ter merecido uma resposta, ele reuniu 22 homens mal armados e tentou deflagrar o le-vante, em abril de 1965. Em três dias foram presos e massacrados.

Uma nova fase dos movimentos de resistência começa no início de 1966, quando Brizola, em Montevi-déo, cria o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Nacionalis-tas, getulistas, janguistas, brizolis-tas, comunistas – esquerdistas em geral, civis e militares.

Brizola conhecia o Che Guevara desde 1962, quando se encontraram numa reunião da OEA, em Montevi-déo. Não foi difícil conseguir apoio cubano para uma ação de guerri-lhas no campo, articulada com um movimento urbano. Depois do pri-meiro fracasso, em Caparaó, o MNR desmoronou. Brizola encerrou suas aventuras guerrilheiras.

De 1967 em diante, os remanes-centes desses movimentos se ligam a grupos universitários, dos grandes centros urbanos. A referência não e mais Montevidéo. É Cuba. O líder não é mais Brizola, é Marighella e não está no exílio, está no centro dos acontecimentos.

A ditadura também não é mais a mesma, como se verá adiante.

Na madrugada de 26 de mar-ço de 1965, 23 homens arma-dos tomaram Três Passos, de

cinco mil habitantes na região Norte do Rio Grande do Sul.

Queriam iniciar a derrubada da ditadura, “antes que ela completasse um ano”.

Renderam os oito soldados do destacamento da Brigada Militar, os oito guardas do presídio (tiveram dificuldade com o cabo, que roncava e nem a tapas acordava), o plantão na delegacia, em seguida tomaram a central telefônica e a rádio.

Foi a primeira inciativa de re-sistência armada ao golpe de 1964.

Quase ninguém ficou sabendo. O manifesto que lançaram ao povo brasileiro às duas da madrugada, pe-las ondas da rádio Três Passos, que mal alcançavam o município, teve audiência próxima de zero.

Jefferson Cardim Osório, coronel do Exercito, era o mentor e coman-dante da guerrilha. Ela seria a espole-ta que iria detonar a insurreição nos quartéis e, em sequência, o levante popular, para por fim à ditadura.

Num primeiro momento pareceu que tudo daria certo. Sem dar um tiro, prenderam 35 pessoas ( a maio-ria soldados de cuecas), recolheram todas as armas que podiam e deixa-ram Três Passos num caminhão Mer-cedez novo.

As três da tarde repetiram a operação em Tenente Portela, outra cidadezinha da região. No fim da-quele dia, com menos de 24 horas de guerrilha, estavam em Itaporã, na

Operação

Jefferson Cardim Osório, quando

ganhou seus galões de oficial

três PassosVinte e três homens tomam uma pequena cidade e anunciam a revolução

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fronteira com a Argentina. Tinham amealhado 60 fuzis, uma metralha-dora tcheca de tripé, 30 revólveres e muita munição.

Pensavam em recrutar e armar mais gente. Mas não houve adesão nem dos quartéis, nem das ruas, ape-sar do noticiário que já circulava nas rádios, exagerando o porte do mo-vimento, estimando em até 400 ho-mens armados.

O Exercito movimentou cinco mil homens e, em três dias, cercou os guerrilheiros, que seguiam num ca-minhão no rumo ao Mato Grosso. Na refrega que se ensaiou, quando Jeffer-son tentou romper o cerco, morreu o sargento Carlos Argemiro Camargo, das forças do Exército. Isso valeu a Je-fferson e a seu braço direito, o sargen-to Alberi dos Santos um tratamento como até então nenhum militar ha-via merecido num quartel – barbara-mente torturados, o coronel ainda foi chutado e cuspido por vários oficiais. “Deixava de existir imunidade dos oficiais à tortura, respeitada nas su-blevações anteriores”.

Jefferson tentou envolver Brizola com seu projeto, mas há testemu-nhos de que, ao contrário, Brizola tentou detê-lo.

Quando percebeu que Jefferson ia mesmo partir, mandou avisar os seus contatos em todo o Rio Grande do Sul que nada tinha a ver com ele. O então tenente José Wilson, aos 83 anos, lem-bra bem dos fatos: “Vim clandestino, entrei em contato com nossos com-panheiros nas principais guarnições no Estado, avisando que era uma aventura, o Brizola era contra”.

Brizola estava realmente se en-volvendo com projetos de guerrilhas, mas não confiava em Jefferson, que embora fosse corajoso, era muito vo-luntarioso, muito falante, precipitado.

Nem por isso Brizola foi bem su-cedido. A outra tentativa, Caparaó, em 1966/67, onde comprovadamen-te se envolveu, foi igualmente um ro-tundo fracasso.

Um flagrante num momenhto em que a guerrilha ainda era vitoriosa

Cercados, os guerrilheiros

tentam tomar um caminhão

do exército

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O assalto a guarnição, em Tres Passos: “Acorda , rapaz, Brizola vem aí”.

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Preso,o coronel Jeffeson Cardim Osório foi humilhado e depois barbaramente torturado

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A notícia estourou no Dia do Soldado, 25 de agosto de 1966: dois moradores da Ilha das Flores acharam um

cadáver que boiava entre taquarais da margem esquerda do rio Jacuí, a 50 metros dos pilares da maior das pontes do Guaíba.

Avisado, o posto policial da Ilha da Pintada mandou um funcioná-rio numa lancha. Sem desembarcar, ele amarrou uma corda nos pés do morto e o rebocou até o posto. Anoi-tecia na cidade que, horas antes, ha-via chorado os 12 anos da morte do presidente Vargas.

Era quase meia-noite quando chegaram à Ilha Pintada o inspetor Carlos Castilhos Leites e o delegado Arnóbio Falcão da Motta, da Dele-gacia de Segurança Pessoal.

Examinando o corpo, concluí-ram que era de um homem branco de 1,70 m de altura e cerca de 30 anos de idade. Vestia calça escura, mas só possuía um sapato nos pés.

Por um detalhe misterioso se via que a morte não fora acidental: o cadáver tinha as mãos amarradas às costas por tiras de pano feitas com sua própria camisa Volta ao Mundo, aquela que dispensava o ferro de passar.

O corpo foi encaminhado para o Instituto Médico Legal. O laudo da necrópsia ofereceu três pistas:

“morte violenta”, “afogamento” e “embriaguez”.

Coube ao delegado Falcão da Motta conduzir o inquérito policial sobre a ocorrência, logo batizada pela imprensa como o Caso das Mãos Amarradas, anos depois re-conhecido como o primeiro assas-sinato praticado a sangue frio por funcionários públicos civis e/ou mi-litares em dependências prisionais, à revelia das normas legais vigentes.

Sem citar fontes, a imprensa passou a dar notícias diárias sobre o caso, mas as novidades eram es-cassas. Por exemplo, no dia 26 de agosto a Folha da Tarde informou que, segundo um telefonema anôni-mo recebido pela polícia, o cadáver era de um preso político, ex-militar. A mesma informação chegou às re-dações dos jornais Correio do Povo e Zero Hora. A um dos jornalistas chamados a depor, o policial inqui-ridor perguntou se o informante anônimo não teria sido Pedro Si-mon, então deputado estadual pelo PTB. O jornalista negou alegando que conhecia muito bem a voz do deputado.

amarradasMãosAgosto de 1966. Um cadáver é recolhido no rio Jacuí. Era um ex-sargento do Exercito. Estava manietado e tinha sinais de tortura.

No dia seguinte, a Folha da Tarde informou que a identificação estava dificultada pela impossibilidade de colher as impressões digitais do corpo já meio decomposto (um exa-me posterior diria que a morte ha-via ocorrido cerca de dez dias antes de o corpo ser achado).

Mas no dia 30 de agosto a mes-ma FT deu um passo à frente ao revelar que o morto “poderia ser” o

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ex-sargento Manoel Raymundo So-ares, “desertor do Exército no Mato Grosso”. Era mesmo: naquela mes-ma tarde, sua identidade foi confir-mada por Elisabeth Chalupp Soares, sua esposa, recém-chegada do Rio, onde residia.

Cercada por repórteres, advo-gados e policiais, a viúva ficou em Porto Alegre à espera de esclare-cimentos para o caso. O advogado

Cândido Norberto, radialista e ex--deputado estadual do MTR (cas-sado semanas depois), assumiu a defesa. Logo depois, o caso passou para o advogado Carlos Crespo, cuja peça inicial levada a juízo era um libelo contra a manutenção em de-pendências públicas de “presos sem culpa formada, sem inquérito regu-lar, sem prisão decretada...”.

Era assim, aos poucos, que os lei-tores tomavam conhecimento das mudanças que começavam a ocor-rer nos bastidores da administração da Segurança e da Justiça.

Uma das novidades trazidas por Elisabete é que, enquanto estava em sua casa no Rio, havia recebido quatro cartas do marido, por quem ficou sabendo que ele havia sido preso no dia 11 de março pela Polí-cia do Exército e entregue ao DOPS, que o recolheu ao presídio da Ilha das Flores, no lago Guaíba, depois de submetê-lo a interrogatório “pe-sado”, ou seja, foi torturado para confessar o que andava fazendo em Porto Alegre e com quem.

Segundo a PE, que o capturou-nos arredores do Auditório Araújo

Vianna, no Parque da Redenção, Manoel Raymundo Soares foi preso com panfletos contra a visita que o presidente da República, general Castello Branco, faria naqueles dias ao Rio Grande do Sul.

A história da panfletagem era uma piada diversionista da PE, que tinha Raymundo na conta de um peixe graúdo do movimento de re-sistência nacionalista-brizolista. Ele era suspeito de ter se mudado para o Rio Grande do Sul a fim de articu-lar uma insurreição armada contra o recém-instalado regime. Duas de-zenas de tenentes e sargentos de di-versos pontos do país convergiram para Porto Alegre para organizar o levante.

Um delator o atraiu para uma ci-lada. A PE queria saber quem eram os demais e quais as ligações que tinham nas guarnições da capital. Como não disse nada aos torturado-res e ainda denunciou alguns deles nas cartas à esposa, Manoel Ray-mundo foi provavelmente vítima de um acerto de contas.

Como para se justificar, no dia 30 de agosto, as autoridades poli-

Polícia tenta reconstituir a trajetória de Raymundo, desde a Ilha Presídio-Foto.jpg

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Com 355 páginas e cinco volu-mes, o inquérito policial feito pelo delegado Arnóbio Falcão da Motta ouviu mais de 30 pessoas e foi enca-minhado à Justiça em 29 de dezem-bro de 1966. Não indiciou ninguém.

Os interrogatórios conduzidos pelos policiais contêm apenas per-guntas óbvias e redundantes, suge-rindo que o objetivo era mais cum-prir um ritual do que descobrir o(s) matador(es) do ex-sargento.

No seu relatório, o promotor Paulo Cláudio Tovo, que acompa-nhou a maior parte do inquérito por ordem do Procurador Geral do Estado, elogiou a dedicação do dele-gado Falcão da Motta e do inspetor Leites, mas deixou claro que o in-quérito sofreu obstrução da cadeia policial-militar.

O processo do Caso das Mãos Amarradas está arquivado em cin-co volumes no Palácio da Justiça, na Praça da Matriz de Porto Alegre, mas não pode ser consultado senão por via digital porque parte da pa-pelada deteriorou-se ao ficar expos-ta a “uma goteira”, segundo infor-mação fornecida pelo Memorial do Judiciário ao presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Gran-de do Sul, Miguel do Espírito Santo.

Na realidade, a documentação foi alvo de depredação criminosa, conforme laudo técnico assinado em agosto de 2005 pelas restaura-doras Vera Lucia Zugno e Raquel Zanetto, que trabalharam nove meses para recuperar o material e relataram “inúmeras tentativas de destruição”:

Tentaram destruir o processo

ciais-militares do Rio Grande do Sul divulgaram nota – assinada por Cícero Castello Branco, chefe do gabinete de imprensa da Secretaria da Segurança Pública –, afirmando que Raymundo fazia parte de um complô matar o governador Ildo Meneghetti e o general Justino Alves Bastos, comandante do III Exército.

Descoberto numa casa do bairro portoalegrense de Ipanema, o com-plô teria sido desmantelado após a prisão dos seguintes integrantes, conforme ocorrência registrada em 19/04/66 na Delegacia de Policia do 2º Distrito: Araquém Vaz Galvão (o chefe), Capitulino Cordeiro de Melo, Nabor Costa Melo, Hilton Rodrigues Veleda, Euclides Resende Flores, Rafael Peres Borges, Almoré Zoch Cavalheiro, Argos Mesquita de Ara-gon, Amadeu Felix da Luz Ferreira, Dirceu Jacques Dornelles, Luiz Car-los dos Prazeres, Kardec Leme, Le-oni Lopez, Gelci Rodrigues Correa, Américo Patrocínio e Dulce de Oli-veira Fabrício.

Todos sub-oficiais e sargentos ex-purgados do Exército liminarmente, sem processos, nem justificativas ou direito de defesa. O inconformis-mo levaria parte deste grupo para a guerrilha de Caparaó.

Costa e Silva elegeu Peracchi governador

Restauro do processo do Caso das Mãos Amarradas identificou tentativas de destruição

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rio do promotor Paulo Cláudio Tovo, que em nome da Procuradoria Geral do Estado acom-panhou o inquérito policial. Em seu texto, Tovo dedica um pará-grafo ao temido gerente operacional da repres-são: “...quando o ma-jor Luiz Carlos Menna Barreto pisa no portal do edifício da DPC, há um desassossego que se propaga num vaivém de corisco, ex-presso na frase ‘O Menna Barreto está aí... Ele chegou!...’” Por sua denúncia, Tovo ficou na “geladeira”.

Quando correu a informação de que o relatório da CPI estava pronto para ser publicado no Diário Oficial, o presidente da Assembleia, Carlos Santos, recebeu dois oficiais do III Exército. Eles queriam uma cópia antecipada do documento. Primeiro negro a presidir o parlamento gaú-cho, Santos negou-se a atendê-los e disse: “Esperem a publicação no Diá-rio Oficial”. 

“Literariamente, o relatório da

CPI é fraco, mas poli-ticamente é uma peça forte para aquela época”, recorda Rosa Flores, um conservador que se aliou aos que lutavam contra a opressão emergente. Coube à CPI do Caso das Mãos Amarradas tornar público, oficialmente, que no DOPS gaúcho ha-via salas e equipamentos para a prática de tortu-ras. Os interrogatórios

começavam com tapas, socos e cas-setadas. Os métodos mais violentos e cruéis eram o afogamento, penduro, queimaduras e pau-de-arara. Quem encaminhava os presos para interro-gatório, abrindo e fechando as portas das celas, era o delegado José Morsch, na época com 32 anos.  

Paralelamente ao caso das mãos amarradas, vieram à tona na mesma época denúncias de torturas a Eni Talma Tosca Freitas, funcionária pú-blica federal que acusou dois policiais do DOPS de estuprá-la durante o tem-po em que esteve presa. Em conse-quência do estupro, ela teve um filho.

Seis dias depois da notícia, a Assembleia estadual criou uma comissão parlamentar de inquérito, para apurar a morte do sargento

Não foi fácil. Os membros da CPI travaram uma longa pe-leia com o major Lauro Rieth,

que se negou a depor. Alegou exercer “atividades na área de segurança”.

A mesma alegação foi apresenta-da pelo delegado Arnóbio e o inspetor Leites, os dois encarregados do inqué-rito policial sobre o caso.

Autorizados pelo secretário de Se gurança, ambos compareceram à Assembleia Legislativa, mas nada revelaram além do que constava nos autos por eles elaborado. Somente em fins de outubro de 1966 o major Rieth acatou ordem judicial e compareceu à CPI – mas só para “não” e “não”, repetindo o refrão de um sucesso do cantor Teixeirinha, na época.

Aparentando boa vontade, mas sem nada informar, depôs também o secretário  estadual João Dêntice, que mais tarde seria citado como “candi-dato” ao Palácio Piratini pela via indi-reta. O esforço governista para esfriar a CPI conseguiu retardá-la com ma-nobras de gabinete, mas a oposição tinha maioria na Casa e tocou a inves-tigação em frente.

No final de 1966, quando já vigora-va o bipartidarismo, houve uma dis-puta de mando entre deputados da Arena e do MDB. Os arenistas amea-çaram deixar a CPI caso seu partido não tivesse a maioria. O majoritário MDB não aceitou a chantagem, mas a CPI parou de funcionar durante todo o verão, só voltando em abril de 1967.

No relatório final publicado no Di-ário Oficial em 19 de junho de 1967, o relator Antonio Carlos da Rosa Flores, deputado do MDB, mencio-na pela primeira vez publicamente a existência do Dopinha. Instalado num casarão da Rua Santo Antônio, esse organismo clandestino teria sido o primeiro depósito ilegal de presos políticos submetidos a torturas sob o comando do major Luiz Carlos Men-na Barreto.

O corisco do desassossegoPromotor aposentado, hoje com

83 anos, Rosa Flores admite que o re-latório da CPI virou uma colcha de re-talhos trazidos por vários deputados. O documento foi anexado ao relató-

Rosa Flores em 2012

Marcos Eif ler/AL

CPi desafia a repressão

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Sete anos após o crime, em agosto de 1973, Elisabeth Challub Soares entrou na 5ª Vara da Justiça Federal

do Rio Grande do Sul com um pedi-do de indenização contra a União. Arrolava oito militares do Exército apontados pelo assassinato de seu marido, Manoel Raymundo Soares: o capitão Luiz Alberto Nunes de Souza e os sargentos Joaquim Ra-mos Pedroso, Rudimar de Mattos Bones, Theobaldo Eugenio Behrens, Enio Cardoso da Silva, Enio Castello Ibanhes, Carlos Otto Beck e Nilton Aguaidas – os dois últimos, respon-sáveis pela prisão do ex-sargento na tarde de 11 de março de 1966.

São mencionados como respon-sáveis por torturas aplicadas ao pre-so ao longo da primeira semana de prisão os delegados do DOPS Enir Barcellos da Silva, Itamar Fernan-des de Souza e José Morsch. Segun-do a queixa, os policiais queriam que Raymundo confessasse “coisas impossíveis”.

Os mesmos funcionários civis aparecem ao lado de vários milita-res numa lista de homens aponta-dos como autores de sevícias e tor-turas no dia 13 de agosto, quando Raymundo teria sido colocado em liberdade.

Depois do “tratamento” no DOPS, Raymundo foi encaminhado ao presídio da Ilha das Pedras Bran-cas, onde permaneceu por quase cinco meses, sem formalização de

culpa ou qualquer procedimento ju-dicial normal.

Na ilha, ele tomava sol com os outros presos, que lhe emprestavam revistas, mas era obrigado a dormir numa cela solitária. Quando a sola dos seus sapatos furou, ele aprovei-tou o couro da parte de cima para fazer um par de tamancos com ma-deira achada dentro da cadeia.

Apesar do isolamento, Raymun-do conseguiu se comunicar com a esposa, a quem escreveu uma deze-na de cartas – só quatro chegaram ao endereço dela no Rio. Datadas do Presídio da Ilha, as cartas começa-vam evocando “Minha querida Be-tinha”. A última carta recebida fora escrita em junho de 1966.

Foi com base nas informações e instruções passadas pelo marido que Elisabete procurou no Rio de Janeiro o doutor Sobral Pinto, ad-vogado humanitário que, sem co-brar honorários, assumiu a defesa de inúmeros perseguidos políticos pela ditadura. Ele entrou no Supe-rior Tribunal Militar com um pedido de habeas corpus para Raymundo. O STM solicitou informações sobre o preso aos órgãos policiais-militares de Porto Alegre. Sinal dos tempos, o Comando do III Exército e o DOPS responderam que não conheciam nenhuma pessoa com esse nome.

O tribunal não engoliu a des-culpa. Enquanto o ministro Alcides Carneiro acusou a polícia gaúcha de esconder informações das auto-

Oito militares acusados

ridades judiciais, o general Olympio Mourão Filho – deflagador do gol-pe militar em 31 de março de 1964, agora ministro do STM – mandou instaurar um IPM sobre o que esta-ria acontecendo em Porto Alegre. Para Mourão, trancafiar um preso sem lhe dar direito de defesa era “um crime medieval”.

A indignação dos juízes parecia autêntica, mas podia ser também um jogo de cena para salvar as apa-rências junto à imprensa, que ainda não fora alcançada pela censura, mas já colaborava mais ou menos abertamente com o regime militar, autoproclamado redentor da demo-cracia.

O fato é que a correspondência (clandestina) à sua mulher foi deci-siva para que a prisão de Raymundo fosse reconhecida oficialmente. Em compensação, nos bastidores da repressão, ele ficou marcado para

Cartas enviadas do Presídio da Ilha à esposa no Rio forneceram as pistas que levaram à identificação dos torturadores de Raymundo

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receber um castigo exemplar. Pri-meiro, por não “colaborar” com os interrogadores; segundo, por acu-sá-los de praticar a tortura no DOPS e na Policia do Exército.

No final das contas, o STM con-cedeu o habeas corpus solicitado. A ordem de soltura chegou ao DOPS na tarde do dia 12 de agosto, uma sexta-feira, um dia impróprio para qualquer iniciativa no serviço públi-co. Além disso, navegar no Guaíba numa tarde de inverno, nem pensar. Por falta de transporte hidroviário para a ilha (lancha avariada, foi a desculpa), a libertação ficou para o dia seguinte.

No sábado pela manhã, escolta-do por um grupo de guardas, o ex--sargento embarcou na lancha do DAER que fazia rotineiramente o trajeto Ilha das Flores-Vila Assun-ção para transporte de pessoas e mercadorias. Em seguida, foi levado

em camburão para a sede do DOPS, na Avenida João Pessoa, 2050.

Segundo o inquérito policial, Raymundo foi libertado às 13h30 do mesmo dia, após receber suas coi-sas, guardadas desde 11 de março num envelope: eram um relógio, um chaveiro, 4 860 cruzeiros (menos de 10% de um salário mínimo da épo-ca, 56 mil) e documentos pessoais.

“Ele pegou os seus pertences, desceu as escadarias e desapareceu, não sendo mais visto”, disse no in-quérito o delegado Domingos Fer-nandes de Souza, que o libertou.

Nada se sabe sobre o que teria feito, com quem teria falado e onde teria andado o ex-preso até a tardi-nha do dia 24 de agosto, quando foi encontrado boiando no rio Jacuí, com as mãos amarradas às costas.

Na exposição de motivos enca-minhada à 5ª Vara Federal em 1973, o advogado Cláudio Schuch revela

que Manoel Raymundo, ao chegar ao DOPS, no sábado 13 de agosto, foi recebido por militares e policiais, sob a chefia do tenente-coronel Luiz Carlos Menna Barreto.

No mesmo documento, o advo-gado de Elisabeth Soares menciona notícia do jornal Última Hora de 13 de setembro de 1966, segundo a qual o delegado Theobaldo Neu-mann explicou o caso com a seguin-te declaração à imprensa: “Os sol-dados incumbidos de dar um caldo no ex-sargento Manoel Raymundo Soares perderam o controle do cor-po e disto resultou a morte por afo-gamento”.

Depois de ser reconhecida como viúva de um militar que como sub--oficial não tinha o direito de casar, Elisabeth Soares viveu de uma pen-são de dois salários mínimos até morrer, em 2009. Sem descenden-tes, tinha uma filha de criação.

Elisabeth à frente do enterro de Raymundo. O povo cantou o Hino Nacional nas ruas de Porto Alegre

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A chamada Ilha do Presídio, no meio do Guaíba, foi um dos primeiros depósitos de presos políticos no Rio Grande do Sul.

Um autêntico porão mantido pelo DOPS a mando do III Exérci-to, que havia assumido o controle da Secretaria da Segurança, im-pondo uma subordinação militar não apenas aos órgãos policiais, mas a outras instâncias do gover-no estadual.

Na época do Caso das Mãos Amarradas, o secretário da Segu-rança era o coronel Washington Bermudez, mas quem mandava no DOPS era o tenente-coronel Luiz Carlos Menna Barreto, che-fe de gabinete do secretário que inaugurou para uso clandestino o chamado Dopinha, mantido por anos num casarão da rua Santo Antônio, no centro de Por-to Alegre.

Jair Kritschke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, diz que muito prova-velmente os últimos suplícios de Manoel Raymundo, antes de ser levado ao rio, tenham ocorrido no Dopinha. “Essa é uma par-te importante da História, que ainda precisamos levantar”, diz Kritchske. Além destes locais, o

Os primeiros porõesQuartel da Polícia do Exército, em Porto Alegre, na década de 1960

MJDH aponta como centros de torturas e prisões ilegais no Rio Grande do Sul, o Palácio da Po-lícia, que tinha as celas do DOPS no segundo andar, e o extinto quartel da PE, em Porto Alegre.

O Presídio da Ilha das Pedras Brancas, hoje

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Primeiro sargento eleito deputado, Almoré Cavalheiro foi perseguido mesmo fora da política: para trabalhar como vendedor, tinha que usar o nome de outra pessoa

Depois de um ano na pri-são, o ex-sargento de in-fantaria Almoré Zoch Ca-valheiro, gaúcho de São

Gabriel, filho de tropeiro, foi expulso do Exército e teve que ganhar a vida vendendo planos de aposentadoria do Gremio Beneficente do Exército, em Porto Alegre.

Era campeão de vendas, quando foi convidado para uma guerrilha, “único caminho para derrubar a dita-dura militar”.

“Foi no final de 1965 ou início de 1966 e quem me fez o convite foi o ex--sargento Manoel Raymundo Soares”,

lembra Almoré. Foi o último encontro de ambos.

Encontraram-se na Avenida João Pessoa e por cerca de duas horas con-versaram enquanto passeavam por ruas próximas e pelo Parque da Re-denção.

Ganhando “tanto quanto um ge-neral”, o vendedor Almoré descartou a hipótese de retomar qualquer ativi-dade relacionada com a vida militar, menos ainda na clandestinidade, em aventuras lideradas por exilados ou estrangeiros.

Além de não acreditar na viabi-lidade de qualquer movimento ar-mado contra as Forças Armadas, ele sabia que era vigiado - isso desde que fora eleito deputado estadual do PTB gaúcho em 1962 com mais de sete mil votos.

Sem poder assumir o cargo, foi um dos líderes do movimento dos sargen-tos pelos direitos civis e políticos da categoria.

Quando o Supremo Tribunal Fede-ral negou definitivamente a demanda dos sargentos, em setembro de 1963, o movimento desandou numa rebe-lião em Brasília, gerando grande des-gaste político para o governo de João Goulart.

“A rebelião escapou ao nosso con-trole; o movimento já estava infiltrado pela direita”, afirma Almoré, que até hoje se mantém fiel às ideias naciona-listas e trabalhistas.

Na virada de 1965/66, mesmo levando uma vida limpa como ven-dedor, a vigilância continuava, tanto que Almoré foi “demitido” do GBOEx

a pedido do general Adalberto Perei-ra dos Santos, comandante militar no Sul, depois vice-presidente no gover-no do general Emilio Médici.

Ainda bem que seu chefe no GBO-Ex, um general aposentado, acomo-dou as coisas de tal forma que ele continuou vendendo mas, oficial-mente, quem recebia as comissões era uma moça chamada Lenir, com quem acabou se casando.

A lua de mel em Santana do Livra-mento-Rivera foi um transtorno: deti-do para averiguações, Almoré passou várias horas no quartel, ficando impe-dido de comparecer à ceia nupcial. O casal teve cinco filhos.

Alguns meses antes da morte de Raymundo, Almoré foi preso e inter-rogado sem violência na sede da Polí-cia do Exército, na esquina da avenida João Pessoa com a rua Duque de Ca-xias.

Depois, foi remetido para a Ilha do Presídio,onde ficou de molho por 70 dias, sem mandado judicial. Ligando os fatos, concluiu que era acusado de participar de um suposto movimento guerrilheiro liderado pelo ex-sargento Araquém Vaz Galvão, cuja “guerrilha de Ipanema” (bairro da zona sul de Porto Alegre) levara à prisão quase 20 pessoas acusadas de planejar o assas-sinato do governador Ildo Meneghetti e outras autoridades.

O ex-sargento Almoré, que não conseguiu exercer o mandato de de-putado mas se descobriu um grande vendedor, tem certeza de que teria poucas chances de sobrevivência se insistisse na vida política.

Almoré Cavalheiro formou-se em direito em Passo Fundo em 1969

O sargento quedisse nãoà guerrilha

Foto: Gerson Schirmer

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Quem defende as barbaridades cometidas pelo regime militar no Brasil costuma invocar os mortos pela ação dos que contestavam o regime.

Assim, reduz-se tudo a uma contabilidade tétrica: meus mortos contra os seus. Pode-se discutir se a luta armada contra o poder ilegítimo foi uma opção correta ou não, mas não há equivalência possível entre os mortos de um lado e de outro.

Não apenas porque houve mais mortes de um só lado, mas por uma diferença essencial entre o que se pode chamar, com alguma literatice, de os arcos de cumplicidade.

O arco de cumplicidade dos atentados contra o regime era limitado à iniciativa, errada ou não, de grupos ou indivíduos clandestinos. Já o arco de cumplicidade na morte de contestadores do regime era enorme, era o Estado brasileiro.

Quando falamos nos "porões da ditadura" em que pessoas eram seviciadas e mortas, nem sempre nos lembramos que as salas de tortura eram em prédios públicos, ou pagas pelo poder público - quer dizer, por todos nós.

A cumplicidade com o que acontecia nos "porões", em muitos casos, foi consentida, mesmo que disfarçada. Ainda está para ser investigada a participação de empresários e outros civis na chamada Operação Bandeirantes durante o pior período da

Contabilidade tétrica

Luis Fernando verissimo

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repressão, por exemplo. Mas a cumplicidade da maioria com um Estado assassino só existiu porque o cidadão comum pouco sabia do que estava acontecendo.

A contabilidade tétrica visa a nivelar o campo dessa batalha retroativa pela memória do País e igualar os dois arcos de cumplicidade. Não distingue os mortos nem como morreram.

Todas as mortes foram lamentáveis, mas os mortos nas salas de martírio do Estado ou num confronto com as forças do Estado na selva em que ninguém sobreviveu ou teve direito a uma sepultura significam mais, para qualquer consciência civilizada, do que os outros.

O que se quer saber, hoje, é exatamente do que fomos cúmplices involuntários.

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Francisco Ribeiro

No segundo semestre de 1966, um pequeno grupo chegou à Serra do Caparaó, entre Mi-

nas Gerais e Espírito Santo, região onde fica o Pico da Bandeira, um dos pontos mais altos do território brasileiro.

Ex-sargentos, na maioria, eram os primeiros a tentar levar à práti-ca o sonho que embalava aqueles que ainda não se conformavam com o golpe – o foco de guerrilha rural que seria a alavanca para levantar a população contra a ditadura. Não chegaram a disparar um único tiro.

As ações restringiram-se ao trei-namento e reconhecimento do lo-cal. Eles não chegaram nem a fazer trabalho político junto aos morado-res da região, embora, mais tarde, alguns rurais tenham sido acusados de colaborar com os guerrilheiros. Milton de Castro Soares, gaúcho de Pelotas, operário, foi o único mili-

tante morto. Mas não em combate, e sim na prisão de Linhares, Juiz de Fora, Minas Gerais, onde, junto com o resto do grupo, estava preso para interrogatório. Oficialmente, come-teu suicídio, mas há suspeita de que foi assassinado.

Também é impreciso o núme-ro de participantes da guerrilha de Caparaó. Não passou de vinte, com certeza.

A inspiração vinha de Cuba, do iate Granma, dos 12 guerrilheiros que sobreviveram ao desembarque e que, liderados por Fidel Castro e Che Guevara, subiram a Sierra Ma-estra e deflagraram o processo revo-lucionário que derrubaria o ditador Fulgêncio Baptista.

A teoria do foco guerrilheiro, vul-garizada por Regis Debray no livro A Revolução na Revolução, tinha seus limites, e o próprio Che Guevara, ídolo e inspirador dos revolucio-nários brasileiros, seria morto pelo exército boliviano, seis meses após a queda de Caparaó.

Um erro de interpretação da re-alidade, mas que correspondia ao ideário revolucionário dos anos 60 do século passado. Correspondia, principalmente, a um sentimen-to generalizado entre os militares expurgados e punidos – a maioria apenas por serem legalistas – de que alguma resposta precisava ser dada antes que a ditadura se con-solidasse.

A guerrilhaque não houve

Inspirados na guerrilha de Cuba, nacionalistas brasileiros fracassaram ao tentar implantar um foco revolucionário nas montanhas entre o Rio e Vitória

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As tentativas de sublevar os quar-téis haviam fracassado. Amadeu Fer-reira foi um dos que passaram a acre-ditar que o caminho para derrubar a ditadura seria a guerrilha. “Voltei a Montevidéu e disse a Brizola: agora não tem jeito. Você vai ter que cum-prir a palavra e nos ajudar a montar a guerrilha rural”. (Caparaó, docu-metário, 2007, Flavio Frederico).

O dinheiro viria de Cuba, mas seria distribuído em doses homeo-páticas. Segundo Ferreira, “Brizola nunca falhou nos compromissos. Só que sempre foi muito a conta-gotas. Ele mandava de vez em quando, em torno de cinco mil dólares de cada vez. No máximo, o que foi gasto co-nosco chegou uns 75 mil dólares”. (CAPARAO, documentário, 2007).

A ideia inicial era estabelecer um foco na região de Criciúma (SC). Mas foi escolhida Caparaó. Um mili-tante da POLOP (Política Operária), nascido na região, sugeriu o local. Segundo Ferreira:

Analisamos a região e achamos que era o local ideal: não tinha gran-des corporações militares, e era perto das duas maiores cidades brasilei-

ras, o que permitiria o entrosamento entre a organização que ficasse na cidade com a do campo. (CAPARAÓ, documentário, 2007).

Ferreira se instalou num sítio, em São João do Príncipe, distrito de Iúna, Espírito Santo. Apresentava-se como criador de cabras. Tinha que trazer o pessoal e o armamento que estava em Porto Alegre para o Rio de Janeiro, e de lá para Caparaó. Armas e demais equipamentos, uma carga de duas toneladas e meia, desmon-tados, seguiam diversas rotas:

Pegávamos um ônibus fora da rodoviária de Porto Alegre, e descía-mos antes da rodoviária do Rio. De lá veio muita coisa: de trem, de ônibus, de jipe, e na kombi (que transportava produtos da Kellogg’s) de um com-panheiro nosso. Ele colocava aquele sucrilho por cima e por baixo vinha arma, uniforme. Viemos aos poucos... Quando tínhamos 17 começamos o deslocamento aqui em Caparaó. (CA-PARAÓ, documentário, 2007).

Na Serra do Caparaó, montanhas elevam-se a quase três mil metros de altitude, cobertas por nuvens, va-les profundos envoltos na neblina.

Perto de completar 74 anos, a aparência de Avelino Bioen Capitani em nada difere do tradicional colono gaúcho de origem europeia, sorvendo tranquilamente seu chimarrão na varandinha de uma casa simples. Mas a vida de Capita-ni – um filho de agricultores da região de Lajeado, que deixou a roça e ingressou na Marinha de Guerra – foi de aventuras e de riscos.

Era um dos líderes da re-belião dos marinheiros, no 25

de março de 1964. Foi um dos primeiros exilados no Uru-guai quando se consumou o golpe e foi aprender guerri-lha em Cuba, onde conheceu Che Guevara. Foi para Capa-raó, mas não parou aí. Atuou na guerrilha urbana até 1969, quando foi ferido numa desas-trada ação de “desapropriação bancária” e escapou por uma favela do Rio de Janeiro. Fato que inspirou a música Charles Anjo 45, de Jorge Ben, depois Benjor.

Charles, o anjo 45

O ex-marinheiro Capitani em foto de Francisco Ribeiro

Viver ali não é fácil: “Tecnicamen-te, para iniciar uma ação militar, a região era perfeita, mas do ponto de vista político, um desastre, estáva-mos muito isolados”, avalia Capitani, quase 50 anos depois.

Prisioneiros em Caparaó

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Caparaó teve origem em Monte-vidéu, entre os exilados, em torno de Leonel Brizola. Lá, Capitani se integrou a um grupo de militares expurgados, entre eles os ex-sargen-tos Amadeu Felipe da Luz Ferreira (bisneto de Hercílio Luz, ex-gover-nador de Santa Catarina) e Araken Vaz Galvão, e o ex-marinheiro Ama-ranto Jorge Rodrigues Moreira.

Em 1965, a cúpula do MNR (da qual fazia parte o jornalista Flávio Tavares), sob a liderança do ex--governador, tramava um levante a partir do Rio Grande do Sul.

Assim, Ferreira, Galvão e ou-tros militares expulsos das Forças Armadas vieram para Porto Alegre naquele ano para organizar a suble-vação dos quartéis.

Entre eles, estava o ex-sargento do Exército Manoel Raymundo Soares, cujo corpo foi encontrado boiando no rio Jacuí em agosto de 1966, no crime que ficou conhecido como “o caso das mãos amarradas”.

Como Manoel Raymundo mor-reu sem falar, muitos dos seus com-panheiros puderam seguir com o plano.

abrigo de nylon, um conjunto (calça e blusa) de meia, um par de cotur-nos, dois pares de meias, um cinto cartucheira de nylon, um cinto de lona, uma marmita, um jogo de ta-lheres, um par de tênis. A base da alimentação era a farinha de fubá, e usavam leite condensado como energético.

Às vésperas do Natal de 1966, o Diário retrata o sentimento reinan-te: “[...] uma chuva de tristeza, uma densa cerração de saudade e me-lancolia, que se abatia sobre nosso acampamento, ferindo nossa moral em seu ponto mais sensível”.

Os problemas de adaptação eram vários: frio à noite, sol es-caldante durante o dia, umidade, chuva, altitude, exaustão física pro-vocada pelas grandes marchas de treinamento na serra, alguns ho-mens chegando a carregar mais de quarenta quilos:

O grupo de companheiros não estava preparado física e politica-mente para uma guerra popular de longa duração, e muito menos para iniciá-la. A maioria tinha boa vonta-de, mas estavam despreparados para enfrentar o que nos esperava. ( CAPI-TANI, Avelino Bioen. A rebelião dos marinheiros.Artes e Ofícios, 1997).

O abastecimento dependia de um apoio urbano. Era difícil e arris-cado. Chegou a faltar comida, em novembro de 1966. Tiveram que co-mer ovos chocos.

Como não entravam em ação, o ânimo revolucionário se ressentia. Ferreira explica:

A maior dificuldade... foi na dis-cussão política sobre a permanência ou não aqui em cima. Eu tinha vida clandestina, mas muitos não tinham. Então, pra manter-se... tinha que en-trar-se em ação. Por que se não entra em ação... e têm pessoas que não têm vida clandestina ainda, estas pesso-as começam a criar, desenvolver a necessidade de voltar à cidade. (CA-PARAO, documentário, 2007).

Planos para a ação não faltaram. Ferreira:

O Parque Nacional do Caparaó seria a nossa reserva estratégica para recuo... tínhamos um planejamento pronto da tomada de Presidente So-ares (atual Alto Jequitibá), que era uma cidade pequena, mas que tinha banco. [...] Tomaríamos a prefeitura e a delegacia, assumiríamos o governo da cidade. Lançaríamos um mani-festo, tomaríamos os Correios e Telé-grafos, passaríamos telegramas para tudo quanto fosse lugar que desse

Tramas em Montevidéu

Em seu Diário, Amaranto Morei-ra arrolou o equipamento distribuí-do a cada guerrilheiro: uma mochi-la, um toldo de nylon, uma rede de nylon, um cobertor, um macacão de lã, um gorro, um par de luvas, um

Brizola, depois, fez autocritica e reconheceu que foi um erro

Prisioneiros em Caparaó

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Na serra, restavam oito guerrilheiros: Amadeu Feli-pe da Luz Ferreira, coman-dante, Araken Vaz Galvão, sub-comandante, e Edival Melo. Mais os marinheiros Amaranto Moreira, Avelino Capitani, João Gerônimo da Silva (único negro a partici-par de Caparaó), Jorge Silva. E Milton Soares, operário gaúcho, único civil do grupo, reduzidíssimo e desanimado pelas desistências.

Para agravar, Capitani contraiu peste bubônica, transmitida pelos ratos. Ti-nha febre alta, à beira da morte. Moreira desce para comprar antibióticos e sal-var o companheiro. Foi preso em Alto Caparaó, Minas Ge-rais, a 30 de março de 1967, denunciado pelo dono da

farmácia que lhe vendeu o remédio.

Disse que era turista e que os remédios eram pre-ventivos, caso precisasse. Foi autuado por porte ilegal de arma, um revólver calibre 38, e detido para averiguação.

O restante do grupo cairia dois dias depois. Era primeiro de abril de 1967 e amanhecia no acampamento, no morro do Capim. A água fervia para o café, e não havia sentine-la. Um grupo de homens se aproximou e um deles gritou: “Tem café aí?”. Ao que Ferrei-ra responde: “Tem, pode vir”. E Araken Galvão completou: “... e tem bala pra todo mun-do”. Não houve resistência, todos se renderam. E assim acabou a guerrilha do Capa-raó, a que não houve.

para passar. Havia uma pessoa res-ponsável para cada uma dessas atri-buições. (COSTA, José Caldas. “Ca-paraó: a primeira guerrilha contra a ditadura”, Boitempo, 2007.).

Feita a primeira ação, e a sub-sequente intervenção do Exército, era só seguir a cartilha clássica da guerrilha: se o inimigo ataca, você recua. Se ele para, você fustiga, provoca. Se ele foge você ataca. Ou, como explicita Ferreira: [...] “sabí-amos que, depois dessa primeira ação, o Exército iria cercar aquilo tudo e não haveria mais como to-mar cidades. O nosso papel, então, seria fugir do Exército, evitar con-fronto. Só atacaríamos sentinelas, um comboio em movimento para tomar armas, virar notícia”. (COS-TA, 2007).

Mas cadê a ação? Ao contrário, a inação, o desconforto e a fome, a saudade dos familiares, conflitos, começaram a desarticular a unida-de do grupo... e muitos começaram a ter vontade de ir embora.

As relações começaram a se dete-riorar, surgiram críticas e desconfian-ças mútuas. O reforço que chegou a Caparaó, o ex-bancário Hermes Ma-chado Neto (havia feito treinamento em Cuba), na verdade era um espião. Ele relatou que tivera a impressão de “um grande piquenique na serra”

As desistências começaram a ocorrer já no final de 1966, por di-versos motivos: problemas fami-liares (como Daltro Dornelas, que desceu para acompanhar a gravidez da mulher); a falta de resistência fí-sica, ou, simplesmente, descrença no projeto. Este foi o caso de Gelcy Rodrigues Correa, ex-sub-tenente

paraquedista do Exército, codino-me Cláudio, subcomandante da guerrilha do Caparaó:

“[...] comecei a me dar conta que estávamos no lugar errado... era fácil de ser isolado. E o povo em volta nos era hostil até porque o governo, na-quela fase, iniciou um programa para dar dinheiro àquela gente, erradican-do os cafezais velhos”. (COSTA, 2007)

Gelcy Correa abandonou a guer-rilha em 23 de março de 1967, com o ex-sargento Josué Cerejo. Foram presos no dia seguinte, em Espera Feliz, Minas Gerais, numa barbea-ria, enquanto aguardavam o ônibus para o Rio de Janeiro.

“Tem café aí?”

Arte com mapinha mostrando a

localização estratégica

Amadeu Felipe

São Paulo

Belo Horizonte

MG

SP RJ

ES

Rio de Janeiro

Distâncias estimadas via rodoviária

VitóriaParque Nacional do Pacaraó

320 km265 km

720 km 400

km

Local estratégico, porém isolado

Arte

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O golpe mal completara um mês e já estavam criadas as “Comissões Especiais de Investiga-

ção Sumária” para averiguação de atos de subversão nas universidades brasileiras.

O país tivera um período de grande expansão do ensino supe-rior, uma juventude oriunda das classes médias afluía às universida-des federais, gratuitas.

A reforma universitária era a grande discussão, mas o movimen-to estudantil estava inteiramente

expurgoO meio universitário foi um dos primeiros alvos da repressão em 1964

tempo de

na linha de frente na luta pelas re-formas de base.

Por trás de toda a agitação, es-tariam professores comunistas que corrompiam ideologicamente a ju-ventude. Esses eram os que as CEIS queriam pegar.

A Universidade de Brasília, onde já se implantava uma reforma que seria modelo para todo o país, foi a mais visada: teve 13 professores de-

mitidos em abril de 1964 sem qual-quer investigação, processo ou acu-sação tornados públicos. Em outubro de 1965, mais 15 de seus professores sofreram punição igual. Além disso, o campus foi ocupado militarmente em pelo menos três oportunidades: 1964, 1965, 1968.

O maior número de expurgos, no entanto, ocorreu na Universida-de Federal do Rio Grande do Sul: 30

Policia reprime passeata com violênca, encurralando os estudantes naentrada da Catedral de Porto Alegre

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professores foram expurgados em duas levas.

A Comissão Especial de Inves-tigação Sumária da UFRGS foi ins-talada em maio de 1964, tinha 16 membros, entre eles um general, nomeado pelo Ministro do Exército, general Costa e Silva.

Na primeira leva, em agosto do mesmo ano, foram expurgados 17 professores: onze catedráticos, três instrutores de ensino superior, e três contratados.

As acusações eram genéricas, como “controla a situação comu-nista na Faculdade de Arquitetura” ou “exerce influência comunizan-te na mentalidade dos alunos” ou, ainda, “é um líder esquerdizante”,

“instrui os alunos de esquerda para fazerem perguntas ideológicas nos seminários”, “participação mar-cante na greve dos estudantes”, “dá tratamento preferencial a alunos es-querdistas”, “compõe a célula máter do PC na Universidade”, “estimula o desencaminhamento moral dos alunos”, “participou de um banque-te oferecido ao escritor comunista Jorge Amado” etc.

O professor Luiz Carlos Pinheiro Machado, por exemplo, foi acusado de ter falado numa rádio no dia 1º de abril, defendendo Goulart.

O arquiteto Carlos Maximiliano Fayet, por ter presidido uma dele-gação de arquitetos numa viagem a Cuba, para o VII Congresso da

Professor arquiteto Carlos Fayet

Professor Pinheiro Machado.

Professor expurgado Gerd Bornheim.

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União Internacional de Arquitetos, organização ligada à Unesco.

Mas foi inclusão, na primeira lista, do nome do professor Ernani Maria Fiori, que causou a maior re-percussão nos meios intelectuais. Notável educador e filósofo, Fiori era um homem de formação cató-lica e sem qualquer envolvimento político partidário. Ao ser exonera-do da UFRGS, onde era catedráti-co, perdeu também a docência que exercia na Universidade de Brasília.

Os professores eram exonerados sem nenhum ato ou medida que for-malizasse a decisão. Eram apenas comunicados que seus serviços não eram mais necessários. “Todos os professores expurgados ficaram, de

fato e por longos anos, impedidos de exercerem qualquer atividade docente no país”.

Chocado com o “terrorismo cultural”, o escritor católico Alceu Amoroso Lima escreveu um artigo no Jornal do Brasil, que Erico Veris-simo mandou reproduzir no Correio do Povo, em Porto Alegre. Dizia: “Essas medidas punitivas, especial-mente quando tocam no domínio das ideias, da consciência, são odio-sas e contraproducentes (...) Um fato como esse provoca uma revolta de consciências que vai minando cada vez mais, especialmente na mocidade e nos meios intelectuais, a já escassa popularidade da Revo-lução de abril”

Os expurgos, muitos motivados por questões pessoais ou vinditas paroquiais, de fato minaram a po-pularidade do regime, mas também (e isso era o importante para os no-vos donos do poder) abriram cami-nho para uma guinada nos rumos do ensino universitário no país.

Em 1966, o MEC estabeleceu um conjunto de convênios com a Uni-ted States Agency for Development (USAID), para “remodelar as univer-sidades brasileiras de acordo com que os planejadores pensam ser a melhor parte do sistema universitá-rio americano – basicamente incre-mentar a educação técnica”.

Na esteira das agitações estu-dantis de 1968, uma nova leva de 19 expurgados atingiu os quadros da UFRGS, incluindo nomes de pro-fessores renomados como o filósofo Gerd Bornheim, o catedrático de Ciências Políticas Leônidas Xausa, entre outros. Desta vez não houve peças acusatórias, nem processos, nem comissões investigativas, nem indiciamento. “Os professores ex-purgados souberam de suas demis-sões pela voz anônima de um locu-tor da Voz do Brasil”.

Policia prende alunos na frente da Faculdade de Filosofia da UFRGS

Professor Ernani Maria Fiori em 1979 na volta do exílio

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Uirapuru Mendes*

Passeatas contra a ditadura, confrontos com a polícia, cacetadas, mesmo dentro da Catedral, ameaça per-

manente do Dops, grupos políticos (Partidão, PCdoB, AP, Quarta) em acirrada disputa da liderança no campus, discursos sobre discursos – neguinho não podia ver um caixote ou escadaria sem subir e soltar o pa-lavreado – contestações à Reitoria, assembleias e paquera. Não era fácil ser calouro da Filosofia em 1966.

Até paqueras e namoros eram regulados pela cor política. Lembro de uma bela “burguesa” convertida à Quarta que teve de fazer autocrítica perante o grupo por estar aceitando o arrastar de asas de um alienado de Letras. Melhor era ser do grupo dos “independentes”, à parte a exposição permanente ao assédio político de al-gum militante, de uma ou outra fac-ção, encarregado das “ampliações”.

As aulas serviam de mero in-tervalo para a atividade política. Menos as do Gerd Bornheim, do Britto Velho e do Ernildo Stein, es-

tas ninguém perdia. Perdia, de bom grado, a Lógica, de Hugo di Primio Paz, a quem logo se declarou guer-ra. Era do “time do expurgo”, que afastou professores como Ernani Maria Fiori. Pior eram os adversá-rios desconhecidos, os dedos–du-ros infiltrados nas salas de aula. Na nossa tinha um capaz de incríveis perfídias, insidioso, perigosíssimo. Um dia o pessoal se distraiu, numa assembleia, e o sujeito tascou a mão no microfone e fez um discur-so inesperado e desconexo, em que afinal se ficava sabendo que ele não passava de um mero motorista do Dops disposto a subir na vida. Logo na Filosofia? Dava para desconfiar.

No Centro Acadêmico, rolava o Chico da Banda e da Rita, os garo-tos de Liverpool e, sei lá por quais obscuros motivos, o Charles Az-navour lamentoso de “Que a c´est triste l´amour”. Batida de maracu-já. Bailinhos no centro acadêmico...

A Filosofia era o centro da esquer-da, o pessoal das outras faculdades costumava transitar por ali em suas missões cotidianas. Como teóricos e gurus, destacavam-se Flávio Koutzii, Pilla Vares, Marcão, Marco Aurélio Garcia, fina flor do marxismo e ad-jacências. Entre os intelectuais sem carteirinha de político, como o Ruy Ostermann, já professor da Pedago-gia, brilhavam Paulo Guedes, Cassal, Moreno, João Carlos Caçapava, Gas-tão, Aurélio, Pedrinho, Flávio Aguiar, Yole. Por sinal, Yole também perten-cia ao time das musas, composto por Mariazinha Lopes de Almeida, Sônia Pilla, Verena, Fernanda Mar-ques Fernandes (a filha do prefeito!) e Lorena, entre muitas outras.

A vanguarda da Filosofia, turma da Floresta Negra, era preparadíssi-ma, lia Heidegger no original. Grego e latim era com o Gastão Eberle, com quem fui morar numa casa da Rua Garibaldi, logo transformada em re-

“naquele tempo, até paqueras e namoros eram regulados pela política”

tomada do rUa

Movimento estudantil recrudesce a partir de 1966 Passeatas e manifestações desafiam as forças de segurança

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duto da Quarta. Ali sofri os maiores assédios para me engajar, mas resis-ti sempre. Vi que tinha razão um dia em que tive de sair de casa porque uma reunião ia discutir qual a posi-ção a tomar no conflito do Oriente Médio. Ao voltar, no final da tarde, encontrei os militantes transforma-dos em “árabes”, com turbantes fei-tos com todas as toalhas de banho, de rosto, e panos-de-prato da casa. Fui muito criticado por ter contado essa história na faculdade. Alegaram até “questões de segurança”.

A maior ação política em que me vi envolvido foi a tomada do Restau-rante Universitário, que era admi-nistrado pela direita. O objetivo era chamar a atenção para as reivindi-cações e posições dos universitários. Reuniões e mais reuniões prepara-ram o plano. Depois de dominadas as posições nas catracas e na admi-nistração, Carlos Alberto Vieira subi-ria numa mesa e faria um discurso. Tentaram me agrupar entre os se-guranças de Vieira nesse momento crucial, mas escapei da tarefa para fazer a cobertura do episódio para o Diário de Notícias, onde era repórter. Nosso fotógrafo pegou o Vieira em pé sobre a mesa, de punho cerrado, e no dia seguinte o Diário, que vivia seus últimos momentos, esgotou a edição com a foto na primeira página.

Anda voltei à noite ao RU para acompanhar o desenvolvimento das

*Escrito em 1994, para o livro “UFRGS: Identidade e Memórias”

Uma última e dramática assembleia rejeitou a proposta de resistir até a morte, e iniciou-se a retirada (...)

negociações com a Reitoria e depois com a Brigada Militar. As assem-bleias aconteciam a todo o momen-to. E a mais importante delas foi de madrugada, quando o comandante da Brigada, coronel Pedro Américo Leal, que gostava de parecer aberto ao diálogo, munido de um mega fone, com a tropa formada diante do RU, chamou Vieira à sacada do primeiro piso para negociar. Vieira pediu tem-po para as deliberações dos grupos, e lá pelas tantas o coronel cansou de tantas concessões e avisou que ia invadir o RU. Uma última e dramá-tica assembleia rejeitou a proposta de resistir até a morte, e iniciou-se a retirada, depois que os líderes dei-xaram o prédio por uma construção dos fundos. De minha parte, já que havia um acordo de não agressão, fui para casa atalhando tranquilamente entre as fileiras de uma tropa para-mentada até com escudos. Todos os jornais e rádios haviam passado por lá. Vitória! E histórias para muitas horas de voo nas mesas da cantina.

Mais adiante, Vieira, ajudado por Trajano, Jacozinho e uma frente de esquerda, viveu seus momentos de

glória ao desbancar por via do voto a direita que dominava o DCE, tur-ma da Engenharia, uns loirões de ca-belos curtos e aparência de nazista. Nunca tínhamos visto um nazista, mas só podia ser aquilo. Estávamos cheios de planos, e um deles, con-duzido por Paulo Guedes, era trazer intelectuais de outras regiões para fazer um seminário. Que decepção! Uma auditoria da Reitoria descobriu um desvio de verba e Vieira teve seu mandato sumariamente cassado.

Isso tudo ainda era na fase li-ght, ainda não haviam começado a matar. E como fui em 68 para o Rio, não acompanhei os momentos si-nistros, de desmantelamento das organizações, de prisões e torturas. O que vi, era como se fosse um jogo juvenil de tomar o poder e inaugu-rar uma nova sociedade. Tudo feito com desprendimento e algum he-roísmo, respingado de quixotismo. Ninguém tomou o poder, mas todos ajudaram a restaurar a democracia. Doce pássaro da juventude.

“Abaixo a repressão” é a palavra de ordemPasseatas e manifestações desafiam as forças de segurança

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Quarta-feira 4 de julho de 1966.

Ato do presidente da República cassa o mandato de quatro deputados da oposi-ção no Rio Grande do

Sul: Darcy Von Hoonholtz, Hélio Fontoura, Álvaro Petraco e Carlos Moraes Rodrigues.

Foi tensa a sessão da Assembleia no dia seguinte às cassações. O pri-meiro orador foi o deputado Pedro Simon, líder do MDB. Mencionou os colegas cassados logo depois do gol-pe, “contra os quais nenhuma acu-sação concreta foi feita”.

Lembrou que, em alguns casos, eram tão flagrantes as injustiças que até deputados governistas se solidarizaram com os cassados. “Argumentava-se, então, que toda a revolução está sujeita a erros e in-justiças... mas hoje, 27 meses após a vitória desse movimento, o governo, sem precipitação, serena e tranqui-lamente, afasta desta casa três de-putados sem dizer nem do que esta-riam acusados”.

O segundo a falar foi Paulo Bros-sard, que não se filiara a nenhum dos novos partidos. Ele disse que Peracchi Barcellos, o governador que o regime queria impor com as cassações, tomaria posse por cima “do cadáver dos mandatos de seus conterrâneos” e sobre “os restos de uma assembleia mutilada”. Nas cas-sações anteriores, foram atingidos os parlamentares, mas a Assembleia foi recomposta com a posse dos su-plentes, o que agora estava proibi-

Governo que se dizia democrático cassa oito deputados para impor seu candidato no Rio Grande do Sul

do. “Agora, a Assembleia é ferida, sua composição alterada”, gritou.

Cinco dias depois, mais qua-tro cassações: Candido Norberto, Osmar Lauthenschleiger, Wilmar Taborda e Seno Ludwig, todos da oposição. No dia seguinte, outro ato: votos dados a candidatos de outro partido serão nulos. Com essas medidas ditatoriais, o governo garantiu a eleição de seu candidato ao governo do Rio Grande do Sul, mas feriu de morte a credibilidade do discurso democrático que fazia. “Ali eles foram desmas-carados”, diz Brossard aos 85 anos, lembrando o episódio.

“Ali perderam a honra”

Quando se deu o golpe militar, em 1964, Brossard cumpria seu terceiro man-dato na Assembleia Estadual, pelo Partido Libertador, o velho PL. Tor-nara-se um dos mais contundentes críticos de Jango e Brizola. Apoiou a intervenção dos militares, chegou

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a integrar o governo Meneghetti, como secretário de Interior e Justi-ça. Assumiu em junho de 1964, logo depois das primeiras cassações, dei-xou o cargo em dezembro.

Quando foram extintos os parti-dos, para dar lugar ao bipartidaris-mo da Arena e do MDB, Brossard decidiu que não se filiaria a nenhu-ma das novas agremiações e não concorreria mais. Cumprido aquele mandato, iria “para casa”. Seu ami-go e companheiro de bancada, Ho-nório Severo, seguiu-o na decisão.

O venerável líder dos libertado-res, Raul Pilla, também se retirou da vida pública, declarando-se “decep-cionado”. Os outros deputados da bancada do PL, com alguma relu-tância, integraram-se à Arena.

Brossard, gradativamente, foi se tornando mais crítico, a cobrar dos novos donos do poder a normaliza-ção prometida. O que ocorria, ao contrário, era uma gradual descida em direção à ditadura. Até que che-gou o ano de 1966 com eleições pre-vistas em onze Estados.

No ano anterior, as eleições esta-duais haviam sido decepcionantes para os novos donos do poder. Em

Minas e Rio de Janeiro, os maiores colégios, o povo votou em candida-tos identificados com a oposição.

Agora, entre outros estariam em jogo os governos de São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul. O Rio Grande do Sul era o caso mais delicado. Terra de Jango e Brizola, a poucos quilômetros da “República de Montevidéu”, onde estavam to-dos asilados.

Castello Branco decidiu não correr riscos. Em fevereiro, baixou um Ato Institucional mudando as regras para as eleições de outubro. O governador seria eleito indireta-mente pelos deputados. Os prefei-tos das capitais passam a ser nome-ados pelos governadores.

A estas alturas já era evidente o candidato que o regime queria no governo do Rio Grande do Sul: o coronel Peracchi Barcellos, levado a ministro do Trabalho de Castello Branco para ganhar projeção e im-por-se ao partido.

Porém, na Assembleia que ia ele-ger o novo governador gaúcho, for-mada por 55 deputados, a maioria seriam 28 votos. A bancada eleita pelo PTB, toda ela filiada ao MDB, tinha a maioria, 23 votos.

Somados aos dissidentes do PL (Brossard, Honório Severo e Dario Beltrão), faltavam dois votos para a maioria, que poderiam ser colhidos junto à bancada do PDC, em situa-ção incômoda dentro da Arena. “Ho-nório Severo foi o primeiro a quem falei: nós temos a faculdade, temos o poder de eleger o governador”.

A partir daí, se intensificaram as conversas. Brossard procurou o pes-soal do PTB, agora no MDB: “Come-cei pelo Marcírio Goulart Loureiro, primo irmão do Jango, pouco atuan-te, mas respeitado no partido... se a bancada do PTB vier, nós elegemos o governador...”

Marcírio levou o assunto a Sie-gfried Heuser, presidente do MDB no Rio Grande do Sul. “Heuser me

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Lima, foram 23 dias. Todas as con-versas foram a portas fechadas, sem a presença da imprensa.

Era um sábado quando os de-putados foram à casa de Ruy Cirne Lima e lhe entregaram um docu-mento com 31 assinaturas que ga-rantiam a maioria absoluta na elei-ção já marcada. Se concordasse, o jurista, catedrático da Faculdade de Direito, estaria antecipadamente eleito.

Ruy Cirne Lima tem a resposta preparada: “Só uma resposta pode caber a um convite desta natureza vindo a um riograndense, da maioria dos representantes do povo gaúcho: estar à disposição do meu Estado”.

O fato, até então tratado em si-gilo, ganhou manchete em todos os jornais. Imediatamente, propagou--se uma onda de apoios sem prece-dentes – da imprensa ao arcebispo, das federações de empresários aos grêmios estudantis, da Associação dos Pais de Família do RS (18 mil sócios) ao Círculo Militar de Porto Alegre e aos “formandos da PUC”.

Discursos e manifestações lem-bram momentos em que os gaúchos deixaram de lado suas históricas ri-validades e se uniram em torno de grandes objetivos - o “Pacto de Pe-dras Altas”, que pôs fim à Revolução de 1923; a “Revolução de 30”, que culminou com Vargas no Palácio do Catete; a “Legalidade”, quando Bri-zola sustentou a posse de João Gou-lart em 1961.

“União pelo Rio Grande”, foi o nome que se deu ao movimento em torno da candidatura Cirne Lima. “Empolgou como se fosse uma cam-panha em eleição direta”, diz Pedro Simon. No jantar que reuniu os 31 signatários do manifesto, dias de-pois, ainda era possível perceber o quanto era inusitada aquela campa-nha: enquanto os maridos discutiam descontraidamente como velhos correligionários, as esposas se man-tinham arredias, como se não enten-dessem bem o que estava acontecen-do. “Uma reunião como aquela seria

perguntou: quem será o candidato?” Não podia ser da oposição. Heuser mencionou Raul Pilla e uma consul-ta foi feita. Pilla que vivia recluso, abatido com a morte recente de sua mulher, respondeu numa carta da-tada de 18 de junho de 1966:

“Não me sinto em condições psí-quicas nem físicas para assumir as responsabilidades do cargo. A velhi-ce chegou realmente. Do ponto de vista psíquico, esclareço porém, ser mais um total desencanto do que al-guma falha de julgamento”.

E indicou: “Se o plano é viável, por que não tentar com outro can-didato, como o Cirne Lima que, sob o aspecto administrativo, ofereceria muito mais seguras perspectivas?”.

Segundo Brossard, ele e Honó-rio Severo foram sondar o professor Ruy Cirne Lima, emérito jurista, homem acima de partidarismos. “Ele topou, não fez objeção alguma”. Iniciou-se então a conspiração para obter as assinaturas.

Entre o início da “conspiração” e a formalização do convite a Cirne

Raul Pilla, venerável chefe dos Libertadores, abandonou a política desiludido com a militarização

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inimaginável meses antes, reunindo petebistas e libertadores”

Na manhã seguinte ao lança-mento de Cirne Lima, o presidente Castello Branco convoca uma reu-nião de urgência e descarta qualquer chance de conciliação. E começa a preparar o caminho para garantir a maioria na eleição gaúcha.

Peracchi, o escolhido pelo regi-me, desembarca em Porto Alegre dizendo que “a candidatura Cirne Lima obedece ordens de Montevi-déu”, onde estão exilados Jango e Brizola.

Cirne Lima fala ao Jornal do Bra-sil. Foi lacônico, disse que ao acei-tar o convite da maioria da Assem-bleia teve o único propósito “de não me recusar a servir o meu Estado”. “Eu não tenho passado político, mas o passado político do meu Estado

não permitiria, nas atuais circuns-tâncias, outra atitude”. Aceitou o convite “como forma de união e não de separação, como expressão de congraçamento, não de conflito”. O repórter provocou: “Seus adversá-rios propalam que sua candidatura está vinculada a Montevidéu”. “Não acredito que tenha adversários. Nunca participei antes de conten-das políticas. As referências, parti-das não sei de onde, a vinculações minhas com Montevidéu são fanta-sias gratuitas”. Concluiu elogiando a revolução que “trouxe ao Brasil um sopro de renovação, com resultados imediatos que a ninguém é lícito ne-gar. Houve erros, certamente, mas o saldo geral é, ainda, amplamente fa-vorável à Revolução”.

Ruy Cirne Lima não era, nunca fora, nem pretendera ser um polí-

tico. Foi colocado no centro dos acontecimentos sem ter feito um gesto. Foi alijado em seguida por forças que nunca se revelaram intei-ramente.

Sua condição de “governador eleito” durou um mês e pouco. O tempo suficiente para a máquina burocrática da ditadura se refazer da surpresa e agir implacavelmente.

Numa carta que enviou a Cas-tello Branco, o venerável Raul Pilla qualificou sua candidatura como “supra-revolucionária”. Mas o go-verno não cede e sucedem-se as cas-sações.

Cirne Lima, então, pede ao MDB que não registre sua candidatura.

Uma semana antes da eleição, o ambiente político, já sombrio, se torna assustador: o corpo de um homem foi encontrado no Jacuí. Es-tava manietado e apresentava sinais de tortura. Identificado, era Mano-el Raymundo Soares, sargento do exército, ligado ao movimento na-cionalista. Descobriu-se que havia sido preso em março, pelo DOPS, suspeito de ligações com os esque-mas militares atribuídos a Brizola. Morto numa sessão de tortura, fora lançado ao rio, com as mãos amar-radas. Ficou claro: a ditadura não estava só cassando mandatos. Esta-va matando seus adversários.

Nesse clima se chegou à eleição. Depois das cassações, a Assembleia Legislativa estava reduzida a 48 de-putados, e os 23 votos em Peracchi não alcançaram maioria. Como previa o Ato 3, houve um segundo escrutínio, no qual Peracchi já não precisa de maioria absoluta. Foram 23 a favor, 3 brancos, 22 ausentes, 7 cassados. Entre os que votaram em Peracchi, dois seriam governadores depois: Amaral de Souza e Sinval Guazzelli. “Ali, a chamada revolu-ção perdeu sua honra”, diz Paulo Brossard.

Pedro Simon fala em nome dos 31 deputados que apoiam a candidatura Cirne Lima.

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Por meio de atos arbitrários e repressão constante, o regime gera reações cada

vez mais violentas e vai aos poucos afundando na noite da ditadura

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Na manhã de 25 de julho de 1966, o ministro da Guer-ra, general Costa e Silva, já candidato a presidente, era

esperado no aeroporto dos Guara-rapes, em Recife.

Seu avião deveria pousar às 8h30, mas uma pane o atrasou. Um aviso informou que o ministro che-garia mais tarde, de carro.

Vinte minutos depois,uma bom-ba sacudiu o aeroporto. Morreram na hora um almirante da reserva e um jornalista. Um guarda teve a perna amputada, o secretário de se-gurança perdeu quatro dedos, treze pessoas foram feridas.

Naquele dia , mais dois artefa-tos explodiram. Chegava-se assim, só naquele meio ano de 1966, ao impressionante número de cinco

atentados. Descobriu-se que essas

ações erampraticadas por es-tudantes ligados à AP, Ação Popular, de origem católica que vinha se radicalizando e

adotando o terrorismo como tática para desestabilizar o regi-

me. Tratava-se de algo novo enquan-

to forma de combate à ditadura. A perspectiva de luta também mu-dara: não se pensava mais em res-taurar a ordem derrubada, mas de construir a revolução socialista.

Formavam quadros em Cuba e recebiam apoio de Fidel Castro, mas já não passavam por Montevidéo, onde Brizola se recolhera às suas atividades de empresário rural.

Ainda em 1966, Carlos Mari-ghella completara 54 anos, 37 deles militando no PCB, o Partidão,e já com várias passagens pela cadeia. Estava cansado da política conci-liatória do partido, convencido de que era preciso recorrer às armas para enfrentar a ditadura, a essa al-tura já escancarada. Essa era outra

Costa e Silva em desenho de Ronaldo

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novidade no campo da oposição à ditadura.

Uma eleição indireta consagrou Costa e Silva que tomou posse no dia 15 de março de 1967. Castello deixou o cargo preocupado com a tendência “de romper com a legali-dade”, que percebia no interior do governo.

A “tigrada” - majores, capitães, coronéis da linha dura, que ele a custo conseguira conter - estava cada vez mais inquieta. Castello sa-bia que Costa e Silva não tinha pul-so para segurá-la.

Fora isso, quebrara-se no círculo do poder o segredo médico sobre a saúde do presidente. Ele tivera um enfarte há pouco tempo, tinha as artérias entupidas, dois ou três anos de vida. (Costa e Silva morreu em 17 de dezembro de 1969)

À crise interna, somava-se a ameaça externa. Em julho daquele ano, Marighela já rompido com o Partidão, obtém apoio de Fidel Cas-

tro para um plano de luta armada no Brasil. No início do ano seguinte, militantes marighelistas marcam sua presença lançando uma bomba contra o consulado americano em São Paulo. Apesar da intenção de não atingir pessoas, foram três feri-dos, um com a perna amputada.

Apesar dos sinais - assaltos a carros-forte e a bancos -a polícia custou a perceber que não eram marginais comuns mas por orga-nizações armadas. Eram resultado de alianças entre as dissidências comunistas e os ex-sargentos do fa-nado MNR.

Eram diversos grupos com táti-cas próprias, mas complementares dentro de uma estratégia mais am-pla para derrubar a ditadura. Busca-vam bases para instalação de guer-rilha no campo, assaltavam para custear as operações, trabalhavam nas fábricas para “conscientizar” os operários.

O outro lado também se mo-

vimenta. Um sequestro de dois ir-mãos no Rio revela outra ponta do enredo. Ronaldo e Rogério Duarte eram figuras notórias da “esquerda festiva” carioca. Ficaram 14 dias em poder dos sequestradores, um deles viu as instalações de um quartel. Descobre-se que foram militares agindo na clandestinidade, fora da linha de comando. A denúncia é fei-ta, nada é apurado, ninguém é pu-nido - sinal verde para a linha dura.

A tensão social que se acumula vai explodir no dia 28 de março de 1968, quando a tropa da PM no Rio atacou estudantes que protestavam por melhores instalações no Cala-bouço, o restaurante onde milhares de secundaristas e universitários comiam diariamente a preço sub-sidiado. Manifestantes reagem com pedras, um soldado atira. Cai mor-to o estudante Edson Luis de Lima Souto, “primeiro cadáver entre os estudantes e o regime”.

Os colegas carregam o cadáver

Soldados nas ruas para reprimir manifestações pacíficas

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para a Assembléia Legislativa. A foto sai na primeira página, com a manchete: “Assassinato”.

O velório atrai uma multidão: 50 mil levam o caixão da Cinelândia até o cemitério São João Batista. Artistas retraídos, como a atriz To-nia Carrero e o pintor Di Cavalcanti caminham de braços dados com a massa. O enterro na sexta foi o as-sunto do fim de semana.

Segunda-feira, casualmente o dia 1º. de abril, aniversário da então proclamada “Revolução Redentora” nova manifestação no centro do Rio, novo enfrentamento, um dia inteiro de pancadaria. A situação só voltou ao controle no fim da tarde quando 1.200 soldados do 2º. Batalhão de Infantaria Blindada ocuparam a Ci-nelândia. Mais um estudante e um marinheiro mortos. Entre os 56 feri-dos, 30 eram policiais.

Um sinal claro da nova realidade da luta política seria dado no 1º. de Maio. Sindicatos controlados pelo PCB, o Partidão, que ainda segue na linha conciliatória, organizam um comício na Praça da Sé, em São Paulo. Obtiveram apoio até do go-vernador de São Paulo, Abreu Sodré, que tinha pretensões à presidência e compareceu ao comício.

Mal sabiam que havia uma ar-madilha ali. Grupos da esquerda radical, já comprometidos com a luta armada, tumultuaram o evento, invadiram com barras de ferro, des-truiram e incendiaram o palanque. O governador foi ferido com uma pedrada. As chances de conciliação estavam se esgotando.

Greves em todo o pais marcam as semanas seguintes e no dia 19 de junho 1.500 jovens invadem a reitoria da Universidade do Rio de Janeiro. Enfrentam a força poli-cial, três estudantes e um policial mortos.

Homens com farda do Exercito tomam um hospital militar em São Paulo. Rendem a guarda e levam nove fuzis FAL numa camioneta. O comandante os chama de covardes,

desafia que ataquem o quartel. Dois dias depois, um carro bomba é lan-çado contra o quartel no Ibirapuera. Morre o soldado Mario Kozel Filho, seis feridos.

O impacto do atentado é aba-fado por uma passeata que reúne mais de 100 mil pessoas no Rio de Janeiro. Muita gente que apoiou os militares estava nela, a começar pelo bispo auxiliar, o Cardeal Jaime Camara que benzera a Marcha da Vitória em 2 de abril. Clarice Lis-pector, Norma Benguel, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Nara Leão, papel picado e um refrão destoante: “Povo armado, derruba a ditadura”.

O “terrorismo militar”, que mos-trou sua cara com o sequestro dos os irmãos Duarte, era obra de ma-jores, capitães, tenentes. Tinham conexões com grupos civis e man-tinham inclusive centros para trei-namento de grupos paramilitares anti-comunistas. O meio teatral mereceu atenção especial. No Rio, uma bomba destruiu o teatro Opi-nião, em São Paulo, no dia 17 de julho de 1968, um grupo invadiu o teatro Ruth Escobar para agredir o elenco da peça Roda Viva. A atriz Marilia Pêra foi retirada nua dos ca-marins. São creditados a esses gru-pos, naquele ano, 20 atentados com explosivos, dois sequestros duplos, atentado à Representação da União Soviética e Embaixada da Polônia.

Em julho havia dez organizações clandestinas arroladas na lista dos órgãos de segurança, todas empe-nhadas em promover a revolução popular, socialista. Eram pequenas células que no total somariam pou-co mais de 100 militantes. Estavam na fase de acumular forças: roubam dinamite, assaltam bancos para financiar suas operações, tratam dos preparativos para as guerrilhas e praticam atentados punitivos – como o major alemão morto por engano. Confundiram-no com o coronel boliviano que matara Che Guevara.

A estas alturas já se contabili-

zam mais de 50 ações nos últimos dois anos, 29 só naquele ano: aten-tados a bombas, assaltos a banco, supermercados e casas de armas.

Nas manifestações de rua, que se multiplicam, fica cada vez mais claro que o regime está perdendo o apoio de uma parcela importan-te da classe média. A candidatura prematura de um general da linha dura, Albuquerque Lima, sinaliza a insatisfação interna.

No dia 2 de julho, Costa e Silva

Artistas e intelectuais aderem às manifestações no Rio

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reúne o Conselho de Segurança Na-cional. A conclusão é de que o país vive um “quadro bem adiantado de guerra revolucionária”, cogita-se a decretação do Estado de Sítio, mas o governo ainda hesita.

Nas semanas seguintes, um novo ciclo de greves no ABC paulista. Dez mil metalúrgicos param as fábricas, a polícia reprime os piquetes, 400 prisões, denúncias de tortura.

Em São Paulo, onde já se conta-bilizam 29 assaltos e atentados no

ano, em agosto o grupo de Marighe-la patrocina um espetacular assalto ao trem pagador da Estrada Santos Jundiaí.

Em discurso na tribuna da Ca-mara Federal, o deputado Márcio Moreira Alves pergunta até quando o “exército será um valhacouto de torturadores”. O governo pede li-cença ao congresso para punir o de-puta por ofensa às Forças Armadas.

No início de outubro vem a pú-blico um tenebroso episódio - um

plano para utilizar comandos do Parasar, o Serviço de Salvamento da Aeronáutica, para atentados e eliminação de comunistas. O bri-gadeiro João Paulo Burnier é apon-tado como o mentor da operação terrorista.

No Maracanazinho, vinte mil pessoas cantam: “Há soldados ar-mados, amados ou não (...) Quem sabe faz a hora não espera acon-tecer... Um relatório do Exército registra depoimento de militares inibidos de usar a farda, alvo de pro-vocações quando fardados.

A União Nacional de Estudan-tes (UNE) desafia o governo que a colocou na ilegalidade e convoca um congresso clandestino. No Dia da Criança, 12 de outubro, a polícia prende mais de 300 estudantes reu-nidos num sítio em Ibiuna.

O Comando de Caça aos Comu-nistas incendeia o prédio da Facul-dade de Filosofia, na rua Maria An-tônia. Nessa mesma hora sargento Onofre Pires, egresso do MNR, exe-cuta com uma rajada de metralha-dora o capitão americano Charles Chandler, adido militar conside-rado agente da CIA. Atribui-se ao grupo de Marighela 32 atentados naquele ano.

O ano terrível se aproxima do fim, mas ainda tem aquele pedido de licença para punir o deputado Moreira Alves por ter ofendido as Forças Armadas. O governo pede à Câmara que suspenda as garantias parlamentares do deputado, para que ele possa ser processado (cas-sado com certeza) pela Justiça Mi-litar. No dia 12 de dezembro, a Câ-mara nega o pedido por 216 votos contra 138.

No dia seguinte, o governo baixa o Ato Institucional nº 5 que fecha o Congresso, permite demissões sumárias, cassações, suspensão de direitos e das franquias individuais: habeas corpus, liberdade de expres-são e de reunião. Como disse o cro-nista: “Estava montado o cenário para os crimes da ditadura.”

Protesto no Rio por melhores instalações no restaurante dos estudantes

Artistas e intelectuais aderem às manifestações no Rio Morte de um estudante desencadeou verdadeira guerra nas ruas do Rio

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O pernambucano José Anselmo dos Santos era um simples mari-nheiro no Rio quando sua foto apareceu na

imprensa brasileira como o orador mais inflamado da célebre assem-bleia dos sargentos de março de 1964, um dos estopins da queda do presidente João Goulart.

Preso por indisciplina, foi anis-tiado por Goulart e menos de um mês depois, com o golpe, foi expulso da Marinha junto com centenas de outros militares considerados sub-versivos.

Aos 23 anos tornou-se clandesti-no, engajado na militância política contra o regime militar, na verdade como informante do DOPS de São Paulo.

Que foi dedo-duro ele mesmo admite, mas até hoje permanece a dúvida sobre o ano em que passou a entregar esquerdistas à repressão.

O verdadeiro papel de Anselmo durante a ditadura militar ainda não foi esclarecido.

O historiador Muniz Bandeira, autor de um livro sobre o governo Goulart, afirma que a assessoria militar de Jango advertiu o governo: Anselmo era um “agente provoca-dor”, a serviço da CIA. Mas a es-querda acreditava nele: o discurso que leu na Assembleia dos Sargen-tos foi escrito por Carlos Marighella, um dos principais quadros do PCB, na época.

Quando se deu o golpe, asilou-se na embaixada do México, no Rio, de onde saiu no dia 9 de abril de 1964, para esconder-se num apartamento no bairro Laranjeiras, de onde lan-çou um manifesto conclamando os marinheiros à revolta.

Foi preso quinze dias depois. Fugiu saindo pela porta principal do Comissariado da Quinta da Boa Vista, dois anos depois. Mais tarde o inquérito sobre a fuga revelaria que ele gozava de situação privilegiada

Anselmo reaparece com a luta armada,

na qual vai ser algoz

O anjoda morte

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na prisão, onde exercia funções de escrivão e atendia telefones.

Saiu do pais, passou pelo Uru-guai, onde teve encontros com Le-onel Brizola, e foi reaparecer em Havana, na I Conferência da OLAS (Organização Latinoamericana de Solidariedade), onde condenou a União Soviética por não ter rom-pido relações diplomáticas com o governo brasileiro e pregou “a luta armada, como forma superior de luta”.

“Vaidoso, narcisista”, disse-ram os amigos que o conheceram quando gozava fama de menino--prodígio, que se submetia a testes de conhecimento em programas de rádio no Rio. Recém-chegado do Nordeste, teria pouco mais de dez anos. Reapareceu quinze anos de-pois, como presidente da Associa-ção dos Marinheiros e Fuzileiros na-vais. Teria sido recrutado pela CIA nesse ínterim?

As dúvidas são compreensíveis porque o próprio Anselmo, a partir de certo momento, instruído por seus chefes policiais, passou a ali-mentar contradições sobre sua figu-ra. E a própria imprensa entrou no jogo de versões, fazendo do ex-cabo uma lenda viva.

Começa que ele não era cabo, mas marinheiro de primeira classe, em cujo uniforme apareciam duas divisas, como na manga dos cabos do Exército. Como militar, era fa-vorável às reivindicações dos sar-gentos e suboficiais, que queriam o direito de casar e de estudar para subir ao oficialato.

Na festa de segundo aniversário da Associação dos Marinheiros, que depois se transformou em motim, ele disse: “Quem tenta subverter a ordem não são os marinheiros, os

soldados, os fuzileiros navais, os sargentos e os oficiais nacionalistas, como também não são os operários, os camponeses e os estudantes. A verdade deve ser dita: quem tenta subverter a ordem são os aliados das forças ocultas, que levaram um presidente ao suicídio, outro à re-núncia e tentaram impedir a posse de Jango e agora impedem a realiza-ção das reformas de base”.

Há quem acredite que ele era um “inocente útil” e que passou a trabalhar como “cachorro” do DOPS

Anselmo ao microfone, na assembleia dos sargentos, em 1964. Ao fundo, José Raimundo da Costa, o Moisés, que seria morto após denúncia de Anselmo

Marinheiros em assembleia no Rio em 1964

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depois de ser preso e torturado na primeira metade da década de 1970, após voltar de Cuba (em outubro de 1970) como membro da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), uma das principais organizações da luta armada contra a ditadura. Atribui--se a ele a “entrega” de um aparelho da VPR em Recife, em 1973, quando morreram seis pessoas, inclusive sua mulher, Soledad Barret Viedma, uma paraguaia que conhecera em Cuba.

Na polícia paulista passou a fa-zer parte de um grupo de alcague-tes administrado por um agente chamado Carlos Alberto, que fazia parte da equipe operacional do de-legado Sergio Fleury, o qual traba-lhava em comunhão com o delega-do Romeu Tuma, chefe do setor de informação. Nessa função Anselmo ficou pelo menos dez anos. A partir de meados da década de 1980, não havendo mais militantes armados para dedurar, foi trabalhar numa empresa de corte de madeira para fabricação de papel, no interior paulista. O resto é nebuloso.

O primeiro livro sobre ele saiu em 1981, escrito pelo jornalist Mar-co Aurélio Borba. Em 1984, ele deu uma entrevista ao repórter policial Otávio Ribeiro, o Pena Branca, que a publicou na revista Istoé. Foi quan-do admitiu que, sem sofrer tortura, tinha decidido trabalhar para o de-legado Fleury. Quinze anos depois, em depoimento à revista Época, de-clarou que foi submetido ao pau-de--arara, por isso aderiu ao trabalho como informante.

Numa entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura de 17 de outubro de 2011 – a última de que se tem notícia –, Anselmo apareceu de cabelos brancos e barba de um mês. Bem articulado, não parecia nervo-so e apresentava um gestual bastan-te rico. Alguém o definiu como “um ator”. Outro emendou: “Um ator desde 1964”. Ele riu, bem à vontade e aparentemente seguro.

A bancada de entrevistadores o alvejou com dezenas de perguntas que ele mal tinha tempo de respon-der, pois antes de concluir já era cutucado por outra questão. É verda-de que ele se esforçava para esticar algumas respostas, sem nunca falar mal de repressores ou esquerdistas. No meio do tiroteio, disse que aderiu à repressão por um misto de conve-niência pessoal e convicção política: “Eu queria contribuir para abreviar a insanidade da luta armada”. Foi a frase mais cínica da entrevista, que trouxe à tona outras revelações.

No aspecto pessoal, Anselmo re-velou que tinha mil páginas escritas sobre sua carreira, e que vivia da “co-laboração” de três pessoas que lhe ga-rantem uma vida sossegada, no inte-rior. Não revelou seus nomes, mas deu a entender que uma de suas fontes de

renda vem dos direitos autorais do li-vro escrito em seu nome pelo repórter Percival de Souza. Livro de cujo con-teúdo discorda, pois acredita que o jornalista e a editora omanipularam. O importante é que, passado dos 70 anos, ele reivindica o direito à aposen-tadoria.

Aí está o maior problema de José Anselmo dos Santos: embora a Justi-ça tenha determinado que o Estado de São Paulo emita uma cédula de identidade, o órgão responsável exi-ge que ele apresente sua certidão de nascimento, que não foi encontrada em nenhum lugar, nem na Marinha.

Ou, seja, ainda que o Cabo An-selmo seja uma das personagens mais citadas da história da ditadura militar do Brasil, o cidadão José An-selmo dos Santos não tem existên-cia legal.

Anselmo no programa Roda Viva, em 2011: surpreendentemente vivo e falante

Soledad Barret Viedma, assassinada pela repressão, denunciada por Anselmo

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SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA

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Mesmo durante os anos de chumbo, a CRM sempre lutou pela independência energética dos gaúchos. De 1964 pra cá, o Brasil mudou. O Rio Grande mudou. E a CRM também mudou para gerar mais emprego, renda e desenvolvimento, acreditando na sustentabilidade e na consolidação da democracia para fazer a diferença no futuro de todos nós.

Nós vivemos os anos de chumbo. Acompanhamos a democracia ressurgir. E escolhemos não esquecer dessa luta.

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