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LUXAÇÕES CONGÉNITAS COXOFEMURAES

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S3 EDUARDO ALVES SAMPAIO DA SILVEIRA

Luxações Congénitas Coxo-femuraes

ESTUDO SOBRE A FREQUÊNCIA, ANATOMIA-PATHOLOGICA,

PATHOGENIA E THERAPEUTICA D ' E S T A AFFECÇÃO

DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA L

ESCHOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

^ O C K Í ;

P O R T O TYPOGRAPH1A DO «COMMERCIO DO PORTO»

J02—Rua do «Commercio do Porto»—112

1897 £&/6 £ * C

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ESCHDLA MEDÍCD-CIHURGICA DO PORTO

CONSELHEIRO DIRECTOR

T)r. Wenceslau de Soiqa Tereira de Lima SECRETARIO, 0 ILL."10 E EXC.m0 SNR.

B I C A R D O JS'-A-IalVEEIDA. J O E O B

*» *» -> iJ -^ f f—

CORPO DOCENTE LENTES CATHEDRATICOS

OS ILL.m°s E EXC."105 SNRS. I." Cadeira—Anatomia descriptiva e

geral João Pereira Dias Lebre. 2.a- Cadeira—Physiologia Antonio Placido da Costa. í.a Cadeira—Historia natural dos me­

dicamentos e materia medica lllydio Ayres Pereira do Valle. i.' Cadeira—Pathologia externa e the-

rapeMtica externa Antonio .1. de Moraes Caldas. 5.* Cadeira—Medicina operatória Eduardo Pereira Pimenta. (i.a Cadeira—Partos, doenças das mu­

lheres de parto e dos recem-nas-cidos Dr. Agostinho A. do Souto.

7." Cadeira—Pathologia interna e the-rapeutica interna Antonio d'Oliveira Monteiro.

8." Cadeira—Clinica medica Antonio d'Azevedo Maia. 9." Cadeira—Clinica cirúrgica Cândido Augusto C. de Pinho.

10." Cadeira—Anatomia pathologica.... Augusto H. Almeida Brandão. 11." Cadeira—Medicina legal, hygiene

privada e publica e toxicologia.. Ricardo d'Almeida Jorge. 12." Cadeira—Pathologia geral, semeio-

logia e historia medica Maximiano A. 0. Lemos. Pharmacia Nuno Freire Dias Salgueiro.

LENTES JUBILADOS

l Dr. José Carlos Lopes. Secção medica J o s é d 'A n d l . a d e Gramaxo.

I Pedro Augusto Dias. LENTES SUBSTITUTOS

„ , . ..„ S João Lopes da Silva M. Junior. Secção medica j ' . " .

( Alberto Pereira P. d Aguiar. q , . ^ I Roberto B. do Rosário Frias.

| Clemente J. dos Santos Pinto. LENTE DEMONSTRADOR

Secção cirúrgica , Carlos A. de Lima.

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A Eschola não responde pelas doutrinas expendidas na disser­tação e enunciadas nas proposições.

(Regulamento da Eschola, de 23 d'abri! de 1840, artigo 155.°)

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A MEMORIA DE MEU QUERIDO PAE

No dia d'hoje, o complemento da minha felicidade seria poder abraçar-vos; mas, já que isso é um impossível, acceitae d'além do tumulo, em troca da vossa santa benção, as lagrimas de infinda saudade do vosso

Eduardo.

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KA minha extremosa Mãe

Se é immensa e eterna a minha divida de gratidão para comvosco, é grande e nobre o meu orgulho ao poder exclamar: «devo a minha Mãe tudo o que sou.»

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MIHHAS I R M L S A MEU IRMÃO

Jamais esquecerei a boa amizade que sempre me tendes dedicado. De-ve-vo s por isso muito o vosso affei-çoado

Eduardo.

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Respeito e veneração.

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A meu prezado tio e amigo

Dr. Casimiro Antonio Ribeiro da Silva E

a minha querida tia

D. Candida Augusta Ribeiro da Silveira

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Á memoria de meus bons tios

Francisco José d'Almeida Albuquerque

Joaquim Gonçalves d'Azevedo Castro

e do dedicadíssimo e melhor amigo

José Coelho Lousada

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A MEUS TIOS Eduardo Alves da Silveira Arnaldo Alves da Silveira Manoel Ah'es da Silveira José Alves da Silveira Manoel Joaquim Duarte Resende.

A JMÏWAS TIAS E ESI ESPECIAL A

. D. Maria Julia Cerquinho Alves da Silveira D. Julia Palmyra da Silveira Azevedo Castro D. Albertina Julia da Silveira Albuquerque

A J1EWS PRIMOS E EM ESPECIAL A

Antonio Julio Ribeiro da Silveira Manoel Gonçalves da Silveira Azevedo Castro Joaquim Alves da Silveira Eduardo Sequeira Dr. Antonio Lui\ de Freitas.

A MIMÏIJL8 F R I M A S E EM ESPECIAL A

Sophia Candida Ribetro de Freitas Maria Eduarda Cerquinho Alves da Silveira Albertina Antónia da Silveira Albuquerque Delfina Hermínia Lousada Josephina Julia Lousada.

*

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AOS ILL."'™ E EXC.">°> SNRS.

João Baptista de Lima Junior Bento Carqueja Lui\ Carqueja Antonio da Costa Fontes e sua £xc.ma Família Dr. José Luciano Alves Quintella Conselheiro Dr. Domingos de Souqa Moreira Freire Antonio Antunes Fernandes e sua Exc.m!l Família José Antonio Barbosa e sua Exc.mA Família Joaquim Henriques Tavares Bastos Dr. José Augusto de Lemos Peixoto Dr. Joaquim Augusto de Mattos Dr. José Vicente de Araújo Joaquim Pedro de Faria e sua Exc.m3k Esposa Adolpho Fernandes Barbosa Miguel Joaquim da Silva Leal.

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AOS MEUS BONS AMIGOS

Dr. João José de Freitas Dr. Eugénio Augusto Dias Colonna Henrique Navarro Adolpho Maria de Sá Monteiro Dr. Amadeu Américo de Magalhães Cardoso Padre Alberto Moreira Maia Augusto Lesar de Moura Guilherme Ferreira de Faria Dr. Carlos Alberto Leite de Faria Joaquim Leite de Faria Guimarães Junior Dr. José Rodrigues Gonçalves Curado Dr. José Veiga Joaquim Antonio de Oliveira Antonio Eugénio de Carvalho e Sá Miguel Joaquim da Silva Leal Junior.

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Um apertado abraço de despedida.

A

ANTONIO HENRIQUES

Acceita, com o saudoso adeus do companheiro de estudo nos cur­sos superiores, o protesto indelével de intima amizade e admiração.

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Aos m.mos e Exc.mos Snrs.

Mxia jDignissimo lente da Eschola Medica do Porto e disliocto especialista

era cirurgia orthopedica]

çZ/i> —Jc-sé ^Dias d'<zyiÍTnoidí ilisado clinico e especialista de doenças de creanças]

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AO ILLUSTRE CORPO DOCENTE

DA

ESGHOLA MEDICO-CIRERfilCA DO PORTO

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AO DIGNÍSSIMO LEME JUBILADO D'ESIA ESCHOLA

^f)t. —y/asc L^atCc-s JLapes

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Ao meu digníssimo Presidente

o Ill.mo e Eocc.mo Snr.

2),. O^ntanio-Jaa^i^ de ^Hí.a.s (3aãa

Testemunho sincero do meu res­peito e gratidão.

3

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PREFACIO

Varias razões nos levaram a escolher as Luxações congénitas coxo-femuraes para assum­pto da nossa dissertação inaugural.

Taes foram: ser esta affecção actualmente, sobretudo no tocante a therapeutica, materia de vivas e palpitantes discussões nos grandes cen­tros scientificos; não ter sido ainda estudada en­tre nós, pelo menos que o saibamos, por ne­nhum dos nossos antecessores; ser ella entre nós extremamente mal conhecida, ou porque seja rarissima no nosso paiz, e então má foi a nossa sorte na escolha, ou porque aquelles que vêem seus filhos portadores d'ella, julguem que os conhecimentos medico-cirurgicos são impo­tentes para a debellar.

Justificadas nos parecem, pois, as razões que apontamos. Se a segunda parte da nossa ultima razão acima enunciada fôr verdadeira, julgamo-nos bem felizes pela escolha, porquanto

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o nosso trabalho, apesar de, como primeira ten­tativa que é, ser imperfeitíssimo, tem o mérito de despertar a attenção dos que nos lerem, e esses bem melhor do que nós podem aperfei-çoal-o e concorrer para o bem da humanidade.

Não trataremos aqui de tudo o que diz res­peito ás Luxações congénitas coxo-femuraes. Pomos de parte a symptomatologia, a diagnose, a prognose, que são hoje o que eram ha muitos annos; dedicaremo-nos só á frequência, anato-mia-pathologica, pathogenia e therapeutica, por serem estas partes que na actualidade se estu­dam e discutem.

Feitas estas considerações e após uns ligei­ros traços históricos, vamos entrar no coração do assumpto.

Mas antes, permitta-nos o Illustradissimo jury que vai julgar-nos, solicitemos, muito res­peitosamente, a sua benevolência.

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INTRODUCÇÃO

Definição e esboço histórico

As luxações congénitas coxo-femuraes são deslo­camentos da cabeça do femur, determinados pela má conformação das superficies articulares coxo-femu­raes, que, quando não existem já á nascença, se ma­nifestam nos primeiros annos da vida, sem que n'es­te ultimo caso se encontre nos antecedentes do doen­te um traumatismo a que taes deslocamentos possam referir-se.

Por certo tão velha como a humanidade, esta af-fecção articular, de que Hippocrates já nos dá refe­rencias, jazeu por muitos séculos em completo aban­dono, sem soffrer o minimo impulso de novas inves­tigações. Só nos fins do século xvm se lhe liga algu­ma attenção para no decorrer do século actual ser estudada com o devido cuidado e proveito.

Com effeito, as luxações congénitas coxo-femuraes são conhecidas na litteratura medica desde Hippo­crates.

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Este auctor, no seu tratado sobre as articulações, menciona-a e descreve-a com bastante exactidão, apesar de não ter separado distinctamente as luxa­ções congénitas das luxações traumáticas.

Galeno (século H), Avicenna (s. xi),Guy de Chau-liac (s. xvi) e Ambroise Paré (i56o) limitam-se a transcrever para as suas obras os conhecimentos que Hippocrates lhes tinha legado.

E só em 1710 que Verduc, filho, na sua Patholo­gie Chirurgicale, nos dá circumstanciada e valiosa noticia sobre as luxações congénitas do quadril.

Descreve-nos a symptomatologia e a anatomia pathologica, esmera-se em differenciar a luxação adquirida da luxação congenita e, baseado n'esta dif-ferenciação, ao indicar os meios therapeuticos, da­nos o seguinte prudente conselho: «Avant que de faire des extensions, examinez bien quelle est la na­ture de la luxation, car, si c'est une personne boi­teuse dès la naissance, vos extensions ne serviront qu'à faire voir votre ignorance».

Em 1788, Paletta, medico e cirurgião célebre de Milão, começa a occupar-se d'esta affecção e publica um trabalho que intitula «De Claudicatione conge­nita», e em 1820, baseado n'uma observação de um rapaz de onze annos, atacado de luxação dupla coxo-femural, descreve-nos com toda a nitidez a anatomia pathologica.

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Diz-nos elle nas suas «.Exercitationes pathologi-ccep: «De prava ilia conformatione (claudicatione con­genita) tam in acetabulo, quam in ossis femuris ca­pite et cervice observata, congenitam claudicationem effeciente, jamdudum verba feci».

Em 1811, Chaussier, referindo-se ás luxações congénitas, çhama-lhes pela primeira vez luxações expontâneas.

Em 1818, na Allemanha, Gottlob Schreger faz novas investigações anatomo-pathologicas e assenta em que a luxação congenita não só pôde ser moti­vada por deformações da cabeça do femur, mas tam­bém por uma conformação viciosa da cavidade coty-loidea.

Em 1826, Dupuytren, numa memoria apresen­tada á Academia das Sciencias de Paris, estuda a etiologia, a anatomia pathologica e a tberapeutica das luxações congénitas. Procura convencer que o prognostico d'esta affecção é absolutamente desfavo­rável e, baseado n'isso, aconselha os cirurgiões a de­sistir de toda a tentativa de curabilidade.

Contra tal modo de vêr, levantam-se os protestos de Delpech, Breschet, Cruveilhier e outros.

Muito brevemente seguem-se os trabalhos de Du­val, de Lafont, Humbert e Jaquier (i835), que no tocante ao tratamento d'esta arthopathia se insurgem

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contra os conselhos e pessimismo de Dupuytren e advogam a causa da intervenção therapeutica.

Infelizmente os resultados therapeuticos são des­animadores e alguns casos de cura, relatados na Aca­demia das Sciencias de Paris, são postos em duvida e mesmo contestados por Bouvier e Sedillot, em i838.

Esmorecem os ânimos relativamente á curabili-dade das luxações congénitas e se novos trabalhos vão apparecendo, como são os de Vrolik (i83g), Guerin (184.1)^ Parise (1842), e Von Amnion (1842), dizem elles mais relativamente á etiologia e anatomia pathologica, do que ao tratamento.

Em 1847, Pravaz, de Lyon, publica o seu trata­do theorico e prático das luxações congénitas do fe­mur, que faz epocha. N'este trabalho, Pravaz collec-ciona todos os factos conhecidos, analysa-os e deduz d'elles indicações therapeuticas racionaes, baseadas na observação anatomo-pathologica e clinica.

Em 1866 trava-se viva polemica na Sociedade de Cirurgia de Paris, motivada pelas novas ideias apre­sentadas por M. Verneuil e em que tomam parte Bouvier e Broca.

Verneuil, o eminente cirurgião, baseado em três observações de luxação congenita do quadril, defen­de uma theoria sua, que consistia em fazer depen­der o deslocamento da cabeça do femur de uma pa-ralysia dos músculos nadegueiros e pelvi-trochante-

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rianos. Ás luxações, consequência de tal paralysia, chamava elle luxações paraljticas.

Esta célebre discussão, em que Verneuil não al­cançou os louros da victoria, se outra vantagem não teve, despertou a attenção do mundo medico da qua­si indifferença com que encarava estes assumptos. De então para cá, uma nova phase se inicia, phase em que a theorisação cede o campo á observação e prática clinica.

A cada momento, valiosos e fecundos trabalhos enriquecem os archivos da cirurgia e da orthopedia, sobre as luxações congénitas coxo-femuraes, onde abundam novas e firmes ideias no tocante ao trata­mento d'esta affecção. Taes são os trabalhos de Du-breuil (1882-1887), Margary (18841886), Buckmins-ter-Brown ([885), Will Adams (1887), Pad (1890), Hoffa (1891), Lannelongue (1891), Karewsky (1892), Schede (1892), Gibney (1893), Bradford (1894), Bro­ca (i8g5), Kirmisson (1892-1896) e Ad. Lorenz (1892-1896).

Não obstante tão eminentes auctores, não pôde dizer-se que esteja feita luz absoluta sobre o tão de­batido assumpto da therapeutica racional das luxa­ções congénitas coxo-femuraes. E que a etiologia e a pathogenia d'esta affecção são ainda bastante obs­curas para prestarem justo auxilio aos que buscam com tenacidade a sua curabilidade.

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PRIMEIRA PARTE

Frequência das luxações congénitas coxo-femuraes

As luxações congénitas coxo-femuraes são de to­das as luxações congénitas as mais frequentes. As­sim o mostra a estatística de Krõnlein obtida na po­liclínica cirúrgica de Berlim: para 90 luxações con­génitas do femur houve cinco luxações congénitas do humero, duas da cabeça do radio e uma do joelho.

Não obstante ser a mais frequente de todas as luxações congénitas, é, segundo alguns auctores bas­tante rara, comparativamente com as demais affe-cções cirúrgicas. Tal é a opinião de Hoffa que em 10:000 casos de affecções cirúrgicas encontra uma luxação congenita do femur para 25 casos de pieds-bots, o que dá a proporção de 0,01 °/o de luxações congénitas para o,2Ô °/o de pieds-bots. Esta propor­ção augmenta se se considerar somente as affecções cirúrgicas da infância: em 3:100 casos de affecções cirúrgicas observados por Bradford e Lovett na po­liclínica do hospital de creanças de Boston appare-ceram 24 luxações congénitas do quadril, o que dá a proporção de 0,78 °/o-

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Hoffa, Dollinger e Dapp procuraram ainda o grau de frequência relativa, comparando somente com os demais vicios de conformação. Assim Hoffa em 1:444 casos de deformações encontrou 7 casos de luxação congenita coxo femural, ou seja 0,49 %; Dollinger em 85o, casos encontra 9 luxações congé­nitas do femur, ou a proporção de 1,1 °/0; Dapp, no hospício dos expostos de S. Petersburgo, especiali­zando mais, encontra uma luxação congenita do qua­dril para 23 casos de pieds-bots.

Bem mais valiosa do que estas, é a estatística de Kirmisson obtida no «Service chirurgicale et ortho­pédique de l'Hôpital des Enfants assistes», durante o período de 1889- 189o e que nós resumimos no se­guinte quadro: (';

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SEXO LUXAÇÕES

PERÍODO DE OBSERVAÇÃO

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1889-1890

1891-1892 1892-1893 1893-1894 1894-1895

47' 677 73o 760 846

1:009

9 16

'9 20

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I

I

5 5

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'9 '9 21

26

2

6 6 6 8

11

3 5

9 9 7

11

4 5

4 5

11

9 Total 4:493 121 12 109 3 9 44 38

(') Revue d'Orthopédie, annos de 1890 a 1896, inclusive.

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D'onde se vê que durante o periodo de 1889-1895 entraram no «Hôpital des Enfants assistés» 4:493 creanças com affecções cirúrgicas das quaes 121 eçam affectadas de luxações congénitas do femur. Tendo em conta que 39 creanças tinham luxação dupla, vem o total de 160 luxações, ou seja a per­centagem de 3,56 °/o dos casos entrados no hos­pital.

São também muito valiosos e extremamente elu­cidativos os resultados da recente estatística de Ad. Lorenz, illustre professor da Universidade de Vienna de Austria. Por ella se vê que a luxação congenita coxo-femural é de todos os vicios de conformação o mais frequente. Assim para 253 casos de luxações congénitas, dos quaes 77 eram luxações duplas, o que representa na totalidade 33o luxações, observa­dos durante dez annos, encontrou no mesmo espaço de tempo uma luxação congenita da espádua, dois casos de genu recurvatum congénito, dois de torci-colis muscular e 52 casos de pied-bot congénito, dos quaes 25 eram duplos ou sejam ao todo 77 casos de pied bot.

Verdade é que Lorenz confessa que nos dois úl­timos annos da sua estatística se dedicou mais es­pecialmente ás luxações congénitas e tanto que só n'esses dois últimos annos observou i58 casos de luxações, dos quaes 49 eram duplos cu sejam 207.

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Que não se entre em linha de conta com estes 207 casos, ficam, dos 33o casos acima, ainda 123 luxa­ções congénitas coxo-femuraes para 77 de pieds-bots.

Como se vê, os resultados a que nos levam as différentes estatísticas estão longe de ser approxi-mados.

Alguns auctores e especialmente Hoffa, Albert, Nicoladoni e Kortemey, por certo para explicarem essas differenças, affirmam que a frequência das lu­xações congénitas do quadril varia segundo os pai-zes. Dar-se-hia isso no nosso paiz, onde as luxações congénitas coxo-femuraes, segundo boas informações que podemos colher, são bastante raras.

Entretanto não vemos bem razão que justifique tal modo de pensar; antes queremos crer que taes differenças dependem da maior ou menor attenção que os cirurgiões ligam a esta affecção pelo facto de d'ella fazerem ou não a sua especialidade e tanto as­sim que Hoffa tendo encontrado 19 casos de luxa­ções congénitas coxo-femuraes no triennio de 1887 a 1890, encontrou já 43 casos no triennio seguinte (1890-1893).

Entre nós accresce ainda uma razão, talvez bem mais importante: é que a maxima parte das nossas classes, sobretudo a classe pobre, a que dá todo o contingente para os hospitaes, hospicios e dispen­sários, ainda crê religiosamente que os males de nas-

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cença são incuráveis e que, por isso, não vale a pe­na levar as creanças á consulta unicamente pelo fa­cto d'essas deformações.

Assim o demonstra bem á evidencia o mappa geral das creanças apresentadas no Hospital da Mi­sericórdia, d'esta cidade, á consulta gratuita dada pelo distincte especialista dr. Dias de Almeida.

Em 1:400 creanças ha apenas um caso registra­do de luxação congenita coxo-femural, dois de genu-valgum e sete de pieds bots.

Para apreciarmos a frequência das luxações con­génitas do quadril relativamente ao sexo, e bem as­sim a frequência das luxações duplas ou simples e d'estas as direitas e esquerdas, resumiremos num quadro, apresentado no fim d'esta parte', os dados estatísticos obtidos pelos différentes auctores que se téem dedicado a esta affecção.

Por esse quadro se vê que em 759 Casos de lu­xação congenita houve 672, ou seja 88,5 % no sexo feminino e somente 87 casos ou 11,5 % no sexo mas­culino. É portanto 8 vezes mais frequente a luxação congenita coxo-femural na mulher do que no homem.

Finalmente, o mesmo quadro nos mostra que as luxações simples são mais frequentes do que as du­plas (23o-{-255 luxações simples para 264 duplas), e que são quasi tão frequentes á direita como á es­querda.

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QUADRO ESTATÍSTICO DAS LUXAÇÕES CONGÉNITAS

COXO­FEMURAES

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a u <L>

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5

m XI

c cu

| vi

w 107 l863­ 78 , 1 96 5i 2 9 29

Drachmann 77 1865­88 1 0 6 7 29 24 24

90 1875­80 14 76 3i 2 2 32( ' )

N e w ­ Y o r k O r ­

thop. Hosp 25 1875­80 2 23 5 10 5(2)

Boston Children's 24 6­>

1875­80 1887­93 1889­95

0 24 6 11 7

Hoffa

24 6­>

1875­80 1887­93 1889­95

8 54 26 H 2 2

Kirmisson 121

1875­80 1887­93 1889­95 12 109 3 9 44 38

253 1884­94 3o 223 77 76 1 0 0

Tota l idade . 7 5 9 — 87 672 264 23o z55

(') As 5 que faltam figuram como casos duvidosos. (2) Idem, idem.

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SEGUNDA PARTE

Anatomia pathologica

As primeiras considerações que temos a fazer em assumpto de anatomia pathologica das luxações con­génitas coxo-femuraes dizem respeito á cavidade co-tyloidea, á extremidade superior do femur, á capsu­la articular, á synovial, ao ligamento redondo, aos músculos, aos vasos e nervos.

Após estas considerações, ainda no campo da anatomia pathologica, referir-nos-hemos á distincção entre luxações completas e incompletas, á direcção das luxações, á formação da nearthrqse e, emfim, ás modificações que soffre a bacia.

Seguiremos n'este nosso estudo bastante de per­to a exposição de Delanglade, por nos parecer a me­lhor em questão de methodo; ainda assim algumas alterações faremos, que nos parecem justificadas, na sequencia das matérias.

Está hoje devidamente demonstrado, pelo menos é o dizer da grande maioria das auctoridades no as­sumpto, que ha deformações ósseas e da visinhança

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que se notam nas autopsias de recemnascidos e que, ligadas ao desenvolvimento incompleto do individuo, são consideradas causa determinante da luxação, e outras deformações, sobrevindo mais tarde e come­çando a notar-se desde a epocha em que os indiví­duos principiam a andar, que são secundarias e con­sideradas muitas vezes como resultantes da luxação congenita.

Estudaremos umas e outras lesões, começando pela:

CAVIDADE COTYLOIDEA

Lesões no momento do nascimento. — A cavidade cotyloidea apresenta-se-nos diminuída em todas as dimensões, sobretudo em profundidade, e torna-se imprópria para receber a cabeça femural. O rebordo cotyloideu é menos proeminente e chega quasi a desapparecer na parte em que é comprimido pela ca­beça do femur, quando esta repousa sobre elle.

Em casos particulares pôde faltar o bordalete fibro-cartilaginoso-, outras vezes falta não só o borda­lete mas até o supracilio cotyloideu, como acontece nos casos citados por Lockwood e Cautru. O reves­timento cartilaginoso existe sempre e algumas vezes mais espesso que normalmente.

Ha casos, e cita-os Lorenz, em que a cavidade cotyloidea está cheia de tecido fibroso e outros em

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que quasi não ha cavidade e o seu contorno é então indicado pela inserção da capsula articular. A carti­lagem em Y encontra-sè sempre; em alguns casos é mais volumosa do que normalmente e até sede de um trabalho de degenerescência gordurosa.

De resto, a este tempo, não se encontram near­throses. Quando muito, para os casos de luxação in­completa, encontra-se apenas uma depressão pouco profunda nos pontos em contacto com a cabeça fe-mural e devidos á pressão por ella exercida.

Lesões secundarias—A cavidade cotyloidea deixa de ter a orientação normal; se no estado normal ella tem a direcção para fora, para baixo e para deante, agora está orientada mais para baixo e para deante.

E' isto um conhecimento importante e que Lo­renz tão bem soube interpretar, porque nos ensina que a reducção orthopedica só dará resultado quan­do o membro esteja em rotação interna.

Esta orientação da cavidade ensina também que sempre que se tente alargar a cavidade rudimentar para reconstituir um novo cotylo, é na parte poste­rior que se deve ir cavar o osso.

Além d'esté desvio de orientação, a cavidade apresenta-se atrophiada e de forma triangular. Se­gundo Gurlt tem a forma de um triangulo isosceles cuja base seria dirigida para o buraco oval e cujo vértice olharia para traz, para cima e para fora.

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Não concordam com este modo de ver outros observadores, e entre elles Lorenz, que tem encon­trado a forma triangular isosceles, mas com a base dirigida para cima e para traz e com o vértice para baixo e para deante.

Não nos parece que n'isto possa haver lei fixa, porque, pelo menos, o sentido da luxação deve acar­retar variações.

A espessura do osso iliaco ao nivel da cavidade cotyloidea está augmentada, segundo affirma Lo­renz. Outros auctores, como são Kirmisson e Sain­ton, sustentam, contrariamente, que a espessura está muito reduzida. Delanglade,-que estudou a questão, conclue:

«C'est donc une épaisseur un peu moindre que celle de l'os normal à ce niveau, mais c'est assez pour pouvoir creuser une cavité emboîtant complè­tement la tête du fémur, surtout si l'on tient compte des parties qui le doublent á l'état frais.»

EXTREMIDADE SUPERIOR DO FEMUR

Lesões no momento do nascimento—As deforma­ções da extremidade do femur são bem menores do que as da cavidade cotyloidea; entretanto algumas ha_sobretudo na cabeça femural.

Esta apresenta-se quasi sempre achatada na par-

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te em que está apoiada. Pôde, porém, ter outras formas, como sejam as de pão de assucar (Growitz), a de rabanete (Lannelongue) ou a de uma glande em erecção (Sébileau), etc.

A cabeça do femur apresenta-se em geral atro-phiada, mas esta atrophia, como muito bem o de­monstrou Sainton com rigorosas medições, não está em proporção com a atrophia da cavidade cotyloi-dea, porque se assim fosse aconteceria, como obser­vou Growitz, haver concordância entre as duas su­perficies articulares egualmente pouco desenvolvidas e não se produzir a luxação.

O collo do femur, a este tempo, quasi não existe. Pôde dizer-se que a cabeça femural esta applicada em angulo recto sobre a diaphyse. Ha casos em que se pôde concluir desde logo que o collo virá a ter uma orientação anormal, pelo facto da cabeça femu­ral se dirigir mais para diante do que para dentro.

Lesões secundarias—A cabeça do femur apresen­ta-se, na maxima parte dos casos, muito ruduzida de volume e n'uma situação anormal, naturalmente pro­vocada pela pressão que se exerce sobre ella quan­do, uma vez luxada, toma novas relações. Além d'isso é muito frequente encontral-a deformada; tem-se visto umas vezes achatada, sobretudo na sua parte posterior, como tantas vezes tem averiguado Lorenz, outras vezes com formas extremamente irregulares.

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G collo femural é mais curto que normalmente, podendo chegar a reduzir-se a um levíssimo estran­gulamento que separa a cabeça femural do grande trochanter e até a faltar por completo.

A direcção do collo também é différente da nor­mal. Ha casos averiguados em que essa direcção é quasi perpendicular. N'outros, e é o mais com-mum, a direcção do collo tende a ser horisontal.

De um modo geral podemos dizer que a direcção é tanto mais aproximada da horisontal, quanto maior é a idade do doente.

N'outros casos ainda, pôde o collo femural apre­sentar-se em anteversão, isto é, o collo e a cabeça em vez de se dirigirem, como é normal, um pouco para cima, para dentro e para diante, dirigem-se para diante. É que o collo, em vez de nascer da face lateral interna da parte superior do femur, nasce d'um ponto intermediário á face anterior e á face in­terna da extremidade superior do osso, quando, como acontece em alguns casos, não nasce francamente da sua face anterior.

Schede, Hoffa e Lorenz, ligam grande importân­cia á anteversão pathologica do collo, pois téem-na encontrado bastantes vezes na occasião da interven­ção operatória.

Lorenz refere até que em alguns casos da sua clinica é a anteversão do collo a única lesão, a única

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deformação óssea que encontrou para explicar a gé­nese da luxação. '

O grau da anteversão pôde ser apreciado pela maior ou menor rotação para dentro que se tem a dar ao pé, para que o collo fique no plano transver­sal. A anteversão attinge o máximo grau quando o eixo do collo e çja cabeça femural é parallelo ao eixo antero-posterior do pé e que, para se dar a orientação do collo no plano transversal, se necessite fazer uma rotação para dentro de go°.

Não deve entretanto, diz o mesmo auctor, con­fundir se esta anteversão com o achatamento poste­rior da cabeça femural, o qual, nos casos de inter­venção, pôde pela palpação ser diagnosticado como anteversão que é só apparente. A este respeito não se deve também perder de vista a orientação da ca­vidade cotyloidea.

Delanglade refere-se apenas de passagem a esta anteversão; julgamol-o mesmo muito deficiente a respeito da anatomia pathologica d'esta parte, pelo que tivemos de nos soccorrer de outros auctores.

Gomquanto as deformações da cavidade cotyloi­dea sejam de maior vulto, nunca devemos esquecer que em muitos casos as deformações da extremida­de superior do femur téem uma importância ainda maior do que as da cavidade.

Póde-se sempre triumphar das difficuldades inhe-

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rentes ao cotylo, mas as alterações da cabeça e do collo são muitas vezes irremediáveis, tão grandes são os obstáculos que ellas trazem á reducção.

Eis, resumidamente, as lesões mais geralmente en­contradas na extremidade superior do femur. Muito mais havia a dizer se nos demorássemos a referir todos os casos anatomo-pathologicos que se tem observado. Vão elles desde a ausência completa da cabeça e do collo do femur até deformações tão ex­travagantes, que tornam a parte superior d'esté osso extremamente irreconhecível. Como, porém, esses casos são excepcionaes, não damos menção d'elles, para não fugirmos á orientação que n'este estudo nos serve de guia, qual é a de só descrever as lesões ou deformações que no geral dos casos se encontram.

CAPSULA ARTICULAR

Lesões no momento do nascimento.—São levíssimas as lesões capsulares n'esta epocha.

A capsula tem o aspecto, a estructura e as in­serções normaes; apenas se nota uma distensão e alongamento no sentido da luxação.

Lesões secundarias— Agora as modificações capsu­lares são profundas. Além da distensão, do alonga­mento, ella tem mudado de forma e de direcção. Já não tem a forma cylindrica como normalmente; apre-

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senta-se com a forma de uma ampulheta: uma parte anterior, pequena, que abraça a cavidade cotyloidea e que é separada por um estrangulamento ou isthmo de uma outra parte posterior, maior, que reveste a cabeça e o collo do femur.

N'esta ultima parte a capsula envolve tão justa­mente a cabeça e o collo que, como diz Lorenz, parece estarem a descoberto. A direcção da ca­psula já não é obliqua para baixo e para fora, como no estado normal, mas sim obliqua para cima e para traz; já não pôde ser representada por uma linha re­cta, mas sim por uma linha quebrada ou curva da concavidade postero-supero-interna.

Vêmos, pois, que a capsula articular está dividi­da em três partes:

i.a A parte cotyloidea formada por fibras liga-mentosas, nascidas por cima, por baixo e por dentro do cotylo e que, levadas para traz e para cima pela cabeça femural, passam por cima da cavidade coty­loidea como um veo fortemente tenso.

Algumas vezes esta parte da capsula contrahe adherencias com o contorno da cayidade, e outras vezes com toda a sua superficie, ficando n'este caso a cavidade obliterada.

2.a O isthmo, que é mais ou menos longo e que Lorenz julga ser determinado pela pressão que o musculo psoas-iliaco exerce sobre a capsula quando

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a extremidade superior do femur, uma vez luxada, se tem dirigido para cima e para traz, levando con­sigo o musculo que se insere pela sua extremidade inferior ao pequeno trochanter.

Bouvier queria que esta parte retrahida da capsu­la fosse devida ao cruzamento em X dos ligamentos ischio-capsular e ilio femural.

O isthmo nos primeiros tempos é permeável. A partir de quatro annos torna-se muito estreito e já não deixa passar a cabeça femural, deixando, com-tudo, passar sempre o ligamento redondo, com o qual não contrahe adherencias.

N'uma epocha mais avançada, o ligamento tem desapparecido e pôde então o isthmo obliterar-se,se bem que tal obliteração é ainda posta em duvida.

3.a A parte femural, que é a maior e contém a cabeça do femur. Pela sua parte postero-interna, está em contacto com o periosseo da fossa iliaca externa, por intermédio de um tecido cellulo-conjunctivo frou­xo, o que permitte uma grande mobilidade da ca­psula sobre o osso iliaco.

Delanglade verificou, pela dissecção delicada em peças anatómicas, que os différentes ligamentos que reforçam a capsula articular são sede de modifica­ções dignas de menção. Assim, encontra o ligamento ilio-femural mais espesso e mais curto; o ligamento ischio-capsular também mais espesso mas mais alon-

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gado; o ligamento pubo-femural, além de mais es­pesso, com uma direcção anormal, pois vai contor­nar toda a face posterior do collo femural, para se fixar na sua parte superior.

Além d'esta hypertrophia dos ligamentos, a ca­psula é ainda reforçada por alguns músculos que po­dem vir fundir-se com ella-, taes são o pequeno na-degueiro, o pyramidal, o obturador interno, e ain­da, segundo Sedillot, o tendão reflectido do recto anterior.

Pelo corte verifica-se que a capsula é muito mais espessa e que esta espessura é sobretudo notável ao nivel dos ligamentos de reforço. Tem uma estructu-ra fibrosa, é mais vascularisada, segundo Lorenz, e pôde raras vezes apresentar incrustações calcarias.

SYNOVIAL

Lesões no momento do nascimento — Aparte uma maior vascularisação, como quer Malgaigne, ou uma maior abundância de synovia, como Parise diz ter observado, a maxima parte dos auctores não téem encontrado modificações.

Lesões secundarias—Também não as ha. A cavidade capsular apresenta-se-nos lisa, tape­

tada pela synovial lubrificada pela synovia. E sem duvida esta circumstancia que impede, durante mui-

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to tempo, a perfuração da capsula e a formação de uma neasthrose consecutiva.

LIGAMENTO REDONDO

Lesões no momento do nascimento—Este ligamento encontra se sempre a este tempo e é sede de dimi­nutas modificações. Apenas se lhe nota a forma acha­tada e o comprimento augmentado.

Lesões secundarias—Mais tarde, o ligamento re­dondo achata-se, alonga-se e toma a direcção da ca­psula que o encerra, dirigindo-se, portanto, na gran­de maioria dos casos, primeiramente para fora, de­pois formando cotovello sobre o bordo posterior do cotylo e subindo em seguida para traz e para cima.

As inserções d'esté ligamento são em geral as mesmas que normalmente. Parece nunca faltar no momento do nascimento, mas torna-se tanto mais raro, quanto a idade é mais avançada.

Broca e Delanglade verificaram a este respeito a lei determinada por Lorenz: «Aos três annos existe em metade dos casos e falta na outra metade; aos quatro annos, em regra já não se encontra. A sua destruição é mais precoce nas luxações bilateraes do que nas unilateraes.»

Entretanto Levieux, Chaput, Sédillot, Cruveilhier, Adams e Hutton, citam excep ções.

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Essa destruição começa pela ruptura do ligamen­to que, segundo Dupuytren e Sédillot, seria conse­cutiva ás pressões que sobre elle exerce a cabeça femural-, segundo Lorenz, seria devida á acção do bordo posterior cortante da cavidade cotyloidea.

Após a ruptura, na maior parte dos casos, os dois fragmentos retrahem-se cada um para a sua in­serção e vão diminuindo a ponto de não deixarem algumas Vezes vestígios da sua existência.

Alguns auctores como Paletta, Pravaz e Dupré attribuem um grande papel á ausência do ligamento redondo nas deformações da cabeça e do collo do femur.

Sendo o ligamento redondo o conductor dos va­sos para essas partes ósseas, comprehende-se que a sua falta possa exercer sobre ellas alguma influen­cia. Entretanto essa influencia não deve ser grande, pois quantas vezes o ligamento está intacto e vamos encontrar do mesmo modo as deformações ósseas. Por outro lado ha exemplos de ausência congenita do ligamento redondo e nenhumas deformações ós­seas se encontram.

Parece, pois, que ha exaggero no papel que es­ses authores lhe attribuem.

MÚSCULOS

Lesões no momento do nascimento—As modifica-

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ções que os músculos apresentam ao nascer foram recentemente bem estudadas por Lannelongue. Os músculos são mais delgados que os do lado opposto. Tem menor volume e consistência.

Esta menor consistência, que a palpação verifica quasi sempre, é devida á atrophia verdadeira dos músculos e ao engrandecimento e affastamento dos espaços intermusculares que se produzem pelo facto da deslocação.

Apresentam a coloração e a contractilidade nor-maes e examinados ao microscópio não mostram ne­nhuma lesão dos seus elementos constitutivos, mus­cular e conjunctivo.

Não são atacados de degenerescência e isto os distingue da maior parte das atrophias musculares e entre outras da paralysia infantil, mas apresentam uma diminuição extremamente importante no nume­ro de feixes musculares e de fibrillas que compõem cada um d'esses feixes.

Esta particularidade não só se nota nos músculos peri-articulares, mas ainda nos pelvi-trochanterianos, nos da coxa, da perna e do pé.

Lesões secundarias—Além da atrophia muscular que com o progresso da edade se torna cada vez mais frisante, os músculos mudam de direcção e de comprimento. Comprehende-se que a luxação con­genita pelo seu deslocamento e deformações ósseas

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determine lenta e progressivamente o encurtamento d'uns músculos e o alongamento d'outros.

Saber quaes os músculos que se encurtam e quaes os que se alongam foi sempre questão de grande importância sob o ponto de vista da thera-peutica e muito especialmente dos methodos de re-ducção.

Durante muito tempo a confusão foi extrema, pois cada auctor chegava a conclusões différentes.

Assim, Dupuytren encontrava o tendão do mus­culo psoas-iliaco desviado e levantado pela ascensão da cabeça do femur, o grande nadegueiro relachado pela approximação das suas inserções, o medio na­degueiro distendido, o pequeno nadegueiro destruí­do, o pyramidal horisontal em vez de obliquo, os gémeos e o quadrado crural distendidos e os addu-ctores encurtados.

Guerin e Bouvier viam as coisas d'outro modo; Vrolik e Pravaz tinham já outra opinião. Brodhurst quer que os músculos pelvi-trochanterianos sejam sempre encurtados e determinem o mais importante obstáculo á reducção.

Hoffa, o auctor do processo da reducção san­grenta, basea esta em que os músculos que cercam a articulação são muito retrahidos, não somente os que vão do grande trochanter á bacia, mas também

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os que passam por diante da articulação no seu tra­jecto da bacia para o femur.

A Lorenz pertence a honra de ter elucidado gran­demente esta questão.

Este auctor verificou que o encurtamento ou o alongamento dos músculos estão dependentes da sua direcção em relação ao femur: os músculos cuja di­recção é a mesma que a do femur soffrem um en­curtamento egual ao comprimento do deslocamento; n'aquelles cuja direcção forma com o eixo do femur um angulo agudo, o encurtamento é menor do que o comprimento do deslocamento; emfim aquelles que são perpendiculares ao eixo femural experimentam um alongamento.

Posto isto, Lorenz divide os músculos da anca em três grupos geraes:

i.° Músculos pelvi-trochanterianos que são os que se inserem d'uma parte á bacia ou á columna ver­tebral e da outra á extremidade superior do femur (grande trochanter, pequeno trochanter e linha inter-trochanteriana);

2.° Músculos pelvi-femuraes que vão d'um ponto qualquer da bacia a um ponto do eixo do femur;

3.° Músculos pelvi-cruraes que comprehendem os que partem da bacia para se inserirem na extremi­dade superior da tibia ou do peroneo, depois de co­brirem a extremidade superior do femur.

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As conclusões a que chega para cada um d'estes grupos, são as seguintes:

Os músculos pelvi-trochanterianos são alongados pelo facto da deslocação da cabeça-femural e não podem em caso algum ser considerados obstáculo ao abaixamento da cabeça.

Os músculos pelvi-femuraes são alongados, com excepção da porção mais interna do grande adductor (que tem a mesma direcção do femur) e num fraco grau do médio adductor que soffrem um encurta­mento determinado pela deslocação do femur.

Os músculos pelvi-cruraes soffrem um encurta­mento egual ao deslocamento da cabeça-femural, en­curtamento que constitue o obstáculo mais importan­te para o abaixamento da cabeça-femural luxada.

Broca diz ter visto, nas suas intervenções opera­tórias, modificações différentes.

Segundo elle, não ha encurtamento nos múscu­los que partem da tuberosidade do ischion; de con­trario, os movimentos de flexão seriam menos exten­sos. Só ha encurtamento d'estes músculos quando a luxação seja anterior, ou quando nas luxações pos­teriores o individuo, para assegurar o seu equilíbrio, traz o joelho em flexão pelo facto da lordose ser muito fraca, casos estes que são raros.

Este mesmo auctor diz que os músculos ante­riores soffrem um encurtamento por duas razões:

*

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i.° Pelo deslocamento da cabeça femural e flexão da anca;

2.° Pelo abaixamento do seu ponto de inserção superior e elevação do inferior. O costureiro, o ten­sor da fascia-lata, o recto anterior são até muito re­tratados e é essa a razão porque Broca os secciona para em muitos casos poder abaixar a cabeça fe­mural.

Os músculos nadegueiros nos quaes Lorenz de­monstrou a integridade de dimensões, apresentam segundo Trendelenburg, citado por Delanglade, uma modificação importante que consiste na mudança de direcção das suas fibras.

A direcção das fibras sobretudo no medio e pe­queno nadegueiros é antero-posterior o que faz com que a abducção seja substituída por um movimento de rotação para dentro.

Para Delanglade todos os músculos peri-articula-res são modificados. O encurtamento dá-se quasi ex­clusivamente nos adductores e nos flexores, e são estes músculos que constituem um dos mais impor­tantes obstáculos á reducção nos indivíduos já avan­çados em edade.

VASOS E NERVOS

Lesões no momento do nascimento—As artérias apresentam-se diminuídas de calibre.

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Guerin e Pravaz viram as artérias flexuosas, mas outro tanto não dizem os auctores modernos.

As veias parece que são em alguns casos mais dilatadas, mas esta modificação precisa de ser confir­mada.

Os nervos nada apresentam de anormal a este tempo.

Lesões secundarias—Pouco mais ha a avançar ao que deixamos dito. As artérias e as veias téem ago­ra relações novas determinadas pelo deslocamento. Os nervos apresentam-se notavelmente retrahidos e também com relações anormaes.

Passemos agora ao estudo das luxações comple­tas e incompletas, da direcção das luxações, da for­mação da nearthrose e das modificações da bacia.

LUXAÇÕES COMPLETAS E INCOMPLETAS

Anatomo-pathologicamente fallando, as luxações podem ser completas ou incompletas. Chamam-se completas quando a cabeça femural já abandonou totalmente a cavidade cotyloidea, isto é, quando a cabeça do femur está situada por fora do rebordo cotyloideu. Luxações incompletas são aquellas em que a cabeça femural, que ainda não transpôz o re-

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bordo do cotylo, pôde ser recollocada na sua posi­ção normal pela abducção do membro.

A luxação completa pôde produzir-se rápida ou lentamente. No primeiro caso a passagem da cabeça sobre a parte posterior do rebordo cotyloideu não o modifica. No segundo caso o rebordo do cotylo acha-ta-se e atrophia-se pela pressão que sobre elle exer­ce a cabeça femural e posteriormonte o ligamento redondo e a capsula.

A distincção das luxações em completas e incom­pletas é puramente theorica e não tem valor clinico. A luxação incompleta não representa mais do que uma primeira phase de que a luxação completa é o termo final.

Lorenz quer mesmo que essa primeira phase se­ja muito curta, isto é, que ella se transforme bas­tante rapidamente em luxação completa.

Diz este auctor que não é necessária a pressão do pezo do corpo sobre a coxa para se dar essa transformação, como querem outros tratadistas.

Basta uma simples contracção muscular para pu­xar a cabeça femural para cima desde que a cavi­dade cotyloidea falte, ou o rebordo cotyloideu não offereça á cabeça um amparo sufhciente.

Lorenz baseia estas affirmações na sua longa ob­servação. Diz elle que tem verificado muitas vezes a existência d'uma luxação completa em creanças de

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dez a doze mezes e que, portanto, ainda não andam para se incriminar o pezo do- corpo sobre a coxa. Diz mais que nas suas numerosas observações ainda não encontrou um caso nitido de luxação incompleta.

Algumas vezes, quando o diagnostico parecia le-val-o a um caso de luxação incompleta ia clinicamen­te encontrar já a cabeça femural fora do rebordo e em geral um a dois centímetros para cima d'elle.

DIRECÇÃO DAS LUXAÇÕES

Em materia de luxações congénitas é regra geral que a direcção da luxação é para cima e para traz. Téem-se citado casos de luxações congénitas n'ou-tros sentidos, mas taes casos são excepcionaes.

Eis algumas d'essas excepções: Tortual, citado por Gurlt descreve, como caso único, uma luxação congenita para baixo e para dentro num nado morto de sete mezes portador de deformações múltiplas; a cabeça femural encontrava-se numa excavação pou­co profunda, situada no encontro do ramo montante do ischion com o ramo descendente do pubis.

Ridlon cita um caso de deslocamento congénito para deante e para cima no qual a cabeça do femur repousava sobre o pubis.

Phelps cita também dois casos de luxação para deante e para cima em creanças de menos de dois annos.

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Lorenz quer que de todas as excepções a mais frequente seja a de o sentido da luxação ser única e directamente para cima.

N'este caso a cabeça encontra-se facilmente por baixo da espinha iliaca antero superior e goza de tão grande mobilidade que pôde ser repellida bastante para traz.

Lorenz dá como razão provável d'esta direcção do deslocamento a fraca inclinação da bacia a qual faria com que a cabeça se dirigisse directamente pa­ra cima.

Tiradas, porém, todas estas excepções, a cabeça femural transpõe sempre o rebordo cotyloideu diri-gindo-se para traz e para cima. Repousa sobre o pe-riosseo da face externa da fossa iliaca e está separa­da d'elle pela capsula e ainda por um tecido cellulo-connectivo muito frouxo. A direcção, para traz e para cima, das luxações parece estar de accordo com o pezo do corpo que a articulação tem de suppor-tar. Assim o pensam muitos auctores, mas Lorenz não se inclina muito a admittir este modo de ver, porquanto na coxalgia a luxação faz-se no mesmo sentido, e, entretanto, ahi o factor causal não é o pezo do corpo, mas sim a resultante das forças de todos os músculos contracturados que actuam sobre a articulação doente.

Nas luxações congénitas não se dão taes contra-

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cturas; mas, diz Lorenz, é muito possível que o sen­tido da luxação para cima e para traz possa expli-car-se ainda pela resultante das forças musculares que normalmente fixam a cabeça femural á cavidade cotyloidea e das que tendam a levar a cabeça femu­ral para cima e para traz.

Basta para isso que a cavidade cotyloidea seja mal conformada a ponto de não poder fixar a cabeça femural, porque então os músculos adductores e os da face posterior da coxa, como são o bicipete, o semi-membranoso e o semi-tendinoso, luxarão a ca­beça do femur para cima em virtude do predomínio da sua acção sobre a dos músculos que directamente actuam para a manter na cavidade. Este predomí­nio, diz Lorenz, é evidente visto que o braço da ala­vanca sobre que actuam os primeiros é bem maior do que o dos segundos que está reduzido ás inser­ções no grande e pequeno trochanteres.

A ser assim, estaria também demonstrada por Lorenz a observação colhida na sua clinica, que é a de a luxação completa produzir-se em creanças nas quaes a articulação ainda não tem de supportar o pezo do corpo.

FORMAÇÃO DA NEARTHROSE

A nearthrose, nova articulação, só se encontra no adulto, porquanto o trabalho da sua formação é ex­tremamente lento.

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Considera-se esta nearthrose como uma espécie de cura espontânea, mas infelizmente esta cura é muito incompleta não só porque a nova cavidade co-tyloidea não é tão profunda quanto seria para dese­jar, mas ainda porque ella só apparece, e esse ap-parecimento é rarissimo, n'um período relativamente tardio da vida, sem nada modificar a situação anor­mal das superficies articulares.

Dissemos, quando tratamos das lesões da capsula que esta se apresentava com a forma d'uma ampu­lheta, isto é, dividida em três partes: uma parte cor­respondente á antiga cavidade cotyloidea, outra par­te retrahida em forma de isthmo e uma terceira par­te que envolvia justamente a cabeça do femur e es­tava em contacto com o periosseo da fossa iliaca por meio d'um tecido frouxo cellulo-connectivo.

Esta parte, que com o tempo se torna indepen­dente, contrahe adherencias com o osso ilíaco e for­ma assim uma nova capsula englobando a cabeça do femur. N'estas circumstancias está formada uma nova cavidade articular que se torna com o tempo bas­tante espessa; pôde mesmo adquirir uma certa rigi­dez e uma grande resistência pela transformação cartilaginosa e algumas vezes até chegar a ossificar-se em alguns pontos.

Esta nova cavidade articular, que em geral se forma sempre no adulto nos casos de luxação con-

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genita, não é propriamente a nearthrose a que nos queremos referir.

Para que se forme uma verdadeira nearthrose é necessário que o osso iliaco se excave pela pressão e attrito na parte em que a cabeça o toca e prolifere, pela irritação causada, em volta d'essa excavação.

Ora isto raríssimas vezes acontece, por um lado porque a espessura considerável da capsula e a pos­sível conservação do ligamento redondo impedem o contacto immediato da cabeça do femur com o pe-riosseo do osso iliaco não permittindo que este seja irritado para produzir um rebordo ósseo suficiente, e por outro porque o pezo não se transmitte ao fun­do ósseo do novo cotylo para o tornar mais fundo, mas sim á capsula que faz o papel de almofada. Uma outra razão ainda, segundo Lorenz, prejudica a formação da nearthrose e vem a ser que os indi­víduos na maxima parte dos casos, pelo facto da claudicação, andam sobre a ponta do pé e isto traz um certo grau de adducção do membro que affasta a cabeça femural de todo o contacto com o osso iliaco e faz com que o pezo do corpo seja exclusiva­mente supportado pelos apparelhos fibroso e muscu­lar da articulação.

Citam-se casos em que a capsula na parte cora-prehendida entre a cabeça femural e o osso iliaco não resiste ao attrito e á pressão que sobre ella exer-

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ce a cabeça e perfura-se. Estes casos são favoráveis á formação da nearthrose, porque então a cabeça femural, em contacto com o periosseo do osso ilía­co, determina a formação do rebordo ósseo para apoio da cabeça e a excavação progressiva do osso iliaco.

Fia casos ainda em que tudo parece estar bem disposto para levar a formação da nearthrose ao seu termo, e entretanto, porque o neo-rebordo ósseo fi­cou insufficiente para manter a cabeça femural, nova luxação vai formar-se, já porque a capsula fibrosa não tem espessura e resistência bastante para sup-prir a insufficiencia do neo-rebordo, já também por­que a neo-cavidade do osso iliaco é sempre muito rudimentar. D'onde se vê que para a formação de uma boa e verdadeira nearthrose, o novo rebordo ósseo goza de importância capital.

Em resumo: a nova articulação é sempre mais ou menos imperfeita e a pretendida cura expontânea da luxação é muito duvidosa.

MODIFICAÇÕES DA BACIA

Na luxação dupla, sobretudo nos adultos, a bacia é atrophiada, mas symetrica.

As azas ilíacas dirigem-se para dentro, os ischions desviam-se para fora, a concavidade do sacro exag-

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gera-se, a symphyse diminue de altura, o angulo in-fra-pubico abre-se mais.

D'aqui resulta que,á excepção do diâmetro trans­verso do estreito superior, que é fracamente dimi­nuído, todos os diâmetros são maiores do que no estado normal, e que o estreito inferior tem dimen­sões iguaes ás do estreito superior.

Ha, pois, um leve achatamento transversal do es­treito superior, que Sédillot faz depender da pressão exercida pelas cabeças femuraes. Schroeder, ao con­trario, vê um alargamento do estreito superior, no sentido transversal, e explica-o pela falta de pressão das cabeças do femur sobre a bacia.

É possível que a opinião de Schroeder se verifi­que algumas vezes, mas os factos, na maxima par­te, comprovam o modo de vêr de Sédillot.

Além d'estas modificações, temos a extraordiná­ria mobilidade da articulação sacro-vertebral e um certo grau de lordose na porção inferior da columna lombar.

Na luxação simples, a bacia é asymetrica e in­clinada para o lado luxado; o osso ilíaco de espessu­ra normal no lado são é,ao contrario, menos desen-volvido do lado doente.

Examinando o contorno do estreito superior, vê-se que a symphyse púbica é um pouco desviada para o lado luxado; a linha innominada do lado são soffre

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uma elevação ao nivel da cavidade cotyloidea, e a do lado opposto torna-se maior.

O diâmetro obliquo que corresponde ao lado são, (isto é, a linha tirada da eminência ilio-pectinea di­reita para a articulação sacro-iliaca esquerda, no caso da luxação ser esquerda), é sensivelmente di­minuído.

O pubis é mais delgado e apresenta uma ligeira depressão que faz diminuir a altura vertical do bu­raco infra-pubico. O seu ramo horisontal é mais alongado.

O ischion e a sua tuberosidade são lançados para fora; o ramo ischio-pubico mais achatado, delgado, alongado e elevado concorre para a diminuição do buraco infra-pubico na sua altura e favorece o seu engrandecimento no sentido da sua largura.

O angulo infra-pubico augmenta com a falta de desenvolvimento do ramo ascendente do pubis, do lado doente.

Emfim, a bacia deformada apresenta uma parte larga, que corresponde ao lado affectado, e uma par­te estreita, que corresponde ao lado são.

Resta dizer que a columna vertebral, na sua par­te dorso-lombar, é sede de uma scoliose mais ou menos accentuada, cuja convexidade é voltada ge­ralmente, contra toda a espectativa,para o lado são.

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TERCEIRA PARTE

'Pathogenia das luxações congénitas coxo-femuraes

A pathogenia das luxaçõescongenitas coxo-femu­raes é ainda hoje bastante obscura.

Numerosas téem sido as theorias apresentadas para explicar a génese d'estes vicios de conforma­ção, mas nenhuma tem conseguido até ao momento actual dar explicação satisfactoria e definitiva sobre o assumpto.

Resumidamente passaremos em revista cada uma das principaes maneiras por que se tem pretendido explicar a producção das luxações.

A primeira theoria, a mais antiga e a mais aban­donada hoje é a

a) THEORIA TRAUMATICA

Pretende esta theoria explicar as luxações con­génitas coxo-femuraes por traumatismos sobrevindos durante a gravidez.

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Tal era o modo de vêr de Hippocrates, de Am-broise Paré e ainda hoje em parte de Brodhurst.

Invocava-se um choque, uma pancada sobre a parede abdominal da mãe, uma queda de lugar alto, um accidente com arma de fogo (Brodhurst), um accidente de caminho de ferro, etc.

Esta theoria, que somente tem hoje o interesse histórico, quasi não mereceria discussão se o cirur­gião inglez Brodhurst não tivesse ultimamente sahido a campo em seu favor. Nenhuma razão tem a justi-fical-a, porquanto, na grande maioria dos casos de luxação congenita, a anamnese não nos dá um trau­matismo a que a luxação possa referir-se; depois porque ha casos, devidamente observados, de mu­lheres gravidas terem dado quedas e pancadas taes que chegam a determinar a morte do feto, sem, to­davia, lhe produzirem luxações; finalmente, porque ne­nhum facto anatómico vem demonstrar a existência de um traumatismo, nos casos em que tudo pareça indicar que a luxação a elle é devida.

E muito possivel que uma ou outra vez se dê a mera coincidência da existência de um traumatismo e de uma luxação congenita, sem que por isso deva invocar-se o primeiro como determinante da segunda.

Brodhurst cita na Revue d'Orthopédie, anno de 1896, algumas observações que nos parece estão neste caso.

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Mais tarde, o mesmo auctor, baseado n'essas observações, publica novo artigo na mesma Revue, em que apenas admitte, como luxações congénitas, as determinadas por um traumatismo intrauterine

Estamos longe de ver as coisas pelo mesmo pris­ma por que as vê Brodhurst. Se somente fossem congénitas as luxações ligadas a um traumatismo intra-uterino, taes affecções seriam de uma raridade assombrosa, e n'este caso não sabemos como quali­ficar as centenas de casos de luxações congénitas perfeitamente averiguadas, que Pravaz, Krõnlein, Hoffa, Kirmisson e Lorenz, téem observado.

Postos de lado os traumatismos intra-uterinos, pretenderam alguns auctores como J. L. Petit, Ca-puron, Chelius, d'Outrelepont, etc., e recentemente Phelps e Brodhurst, que a luxação congenita coxo-femural era determinada por traumatismos obstétri­cos, isto é,por tracções intempestivas ou impróprias, pela applicação de forceps, pelas manobras de ver­são, etc.

Brodhurst, é claro, forma aqui, como formou na theoria anterior, um novo grupo de luxações de que elle diz ter observado casos nitidos;, agora não se trataria de luxações congénitas no sentido rigoroso; seriam já luxações traumáticas.

Esta theoria está hoje em ruinas, graças aos tra­balhos de Valette, Adams, Delanglade e Lorenz.

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Valette, pelas experiências feitas em cadáveres de recemnascidos, demonstrou que as manobras de tracção e de torção conduzem sempre ao descola­mento epiphysario das extremidades superiores do femur e nunca á luxação.

Adams, partindo da hypothèse de que as luxações congénitas coxo-femuraes eram devidas a traumatis­mos durante o trabalho do parto e vendo que estes só podiam explicar as luxações quando a apresenta­ção do feto fosse de pelve, procurou verificar n'uma serie de observações se a luxação estaria relacionada com as manobras obstétricas e com a apresentação de pelve.

Os resultados a que Adams chegou foram eviden­temente esmagadores para a theoria em questão. Assim em 4b casos de luxação congenita coxo-femu-ral, Adams pôde averiguar que em 23 casos o parto foi physiologico e em apresentação cephalica e em 22 o parto foi laborioso mas só em 7 dos casos se recorreu a manobras obstétricas ou applicação de forceps; emfim, nôs 4b casos apenas se encontraram 7 apresentações de pelve.

As mesmas conclusões se tiram da estatística de Delanglade que reúne 112 casos de luxações congé­nitas coxo-femuraes com os devidos commemorati-vos acerca do parto e que somente obtém 8 apre­sentações de pelve, 4 partos laboriosos com applica-

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çao de forceps ou versão e 8 partos laboriosos que não necessitaram de intervenção.

Lorenz chega aos mesmos resultados que os au-ctores precedentes, pois raríssimas vezes vê coinci­dir a luxação congenita com uma apresentação pél­vica ou um parto laborioso.

Mas não é tudo; este auctor vai muito mais lon­ge na refutação d'esta theoria, servindo-se da se­guinte experiência por elle repetida muitas vezes:

Procura luxar uma articulação coxo femural cujo apparelho ligamentoso tenha sido previamente disse­cado e posto a descoberto. Para isso toma a bacia n'uma das mãos e a diaphyse femural na outra, põe o femur em adducção e com um impulso violento dirige a cabeça femural para cima e para traz.

Por meio d'esta manobra, Lorenz consegue sem­pre levantar fortemente com a cabeça femural o fei­xe posterior da capsula e mudar por completo a for­ma da articulação que parece toda feita de caout­chouc, mas nunca consegue produzir a luxação.

Portanto não vemos razões que subsistam para admittir que os traumatismos obstétricos ou a apre­sentação de pelve de per si sejam a causa determi­nante das luxações congénitas coxo-femuraes. De­mais não se comprehende um traumatismo que não é seguido de ecchymoses mais ou menos extensas,

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de tumefação, de dôr, emfim de algum dos sympto-mas das luxações traumáticas.

b) THEORIA BASEADA NA POSIÇÃO VICIOSA DO FETO

DURANTE A GRAVIDEZ E NA COMPRESSÃO 1NTRA-UTERINA

Esta theoria admittida por Cruveilhier, Dupuy-treu, Roser e Schroeder é hoje a que Ad. Lorenz propõe para explicar a génese de muitas das luxa­ções congénitas coxo-femuraes. Como vamos ver, ca­da um d'estes auctores aventa uma hypothèse para mostrar como dada a posição viciosa ou a compres­são se chega á luxação.

Em nossa humilde opinião quer-nos parecer que esta theoria é deveras phantasista para o estado actual da sciencia, em que as doutrinas devem ser deduzi­das da experiência e da observação; aqui tudo se reduz a hypotheses que não téem sido verificadas e que são, na immensa maioria dos casos, impossíveis mesmo de verificar. <

Vejamos a opinião de cada um dos principaes defensores d'esté modo de vêr.

Cruveilhier quer que a luxação resulte de uma posição viciosa do feto no utero e da compressão d'aquelle por este, determinada pela insufficiencia do liquido amniótico. A confirmar a sua opinião apre­senta o caso de um nado-morto, com dupla luxação coxo-femural, além de outras deformações, que du-

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rante a vida intra-uterina se mantivera com as per­nas em completa extensão, em vez da costumada flexão para traz, sobre as coxas. : Coincidiu com isto uma insufficiencia do liquido amniótico (nada diz o auctor a respeito da quanti­dade exacta d'esté liquido), o que sujeitava o feto a uma compressão tal da bacia, que os vertices das espinhas sciaticas se tocavam e os pubis e ischions estavam em contacto intimo.

Não repugna, pois, admittir, diz o illustre anato-mo-pathologista, que em taes condições se desse o deslocamento da cabeça femural, a distensão da ca­psula, o alongamento do ligamento redondo e por fim se estabelecesse a luxação.

Como se vê de tudo isto, nada se pôde concluir de positivo; uma só observação não basta para crear uma theoria, e demais, até hoje, não nos consta que outros auctores tenham colhido observações que pos­sam collocar-se ao lado da de Cruveilhier, mas sim que ha alguns casos de fetos a termo nascerem sem deformação alguma e continuarem perfeitamente sãos durante annos, casos que os commemorativos ligam uns a uma insufficiencia, outros a um excesso do liquido amniótico.

Dupuytren vê de outro modo a producção da lu­xação; quer que a posição viciosa que a determina seja uma flexão exaggerada da coxa sobre o ventre.

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Assim, a cabeça femural apoiar-se-hia sobre a parte postero-inferior da capsula, que é mais fraca a este nivel. D'ahi resultaria uma distensão da capsula e ura alongamento do ligamento redondo que, ou dei­xariam a articulação predisposta para a luxação ou a produziriam logo, quando se tratasse de creanças fracamente constituídas e de tecidos pouco resis­tentes.

Faltam observações que sanccionem as ideias theoricas de Dupuytren, mas não é só a falta de ba­ses; accresce ainda que este modo de vêr nem pôde dar explicação das deformações ósseas, ligamentosas e musculares que Sainton tem nitidamente verifica­do como primitivas, ao nivel da articulação luxada, nem explica a producção das luxações n'outros sen­tidos, visto que não ha só luxações congénitas pos­teriores.

Roser (que, segundo alguns auctores, se tem in­teressado sempre por esta affecção, pelo facto de ter sido na sua infância um exemplar de luxação congenita da anca), sustenta que a luxação conge­nita coxo-femural, reconhece por causa uma adduc-ção exaggerada e permanente do membro durante a vida intra-uterina.

A esta maneira de explicar a questão, responde­mos com os mesmos argumentos de que fizemos acompanhar as opiniões de Dupuytren e Cruveílhier;

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o mesmo dizemos relativamente á hypothèse de Schroeder,, que faz depender as luxações, ou melhor, a predisposição para ellas da direcção vertical das fossas ilíacas.

Antes de proseguirmos no nosso estudo, julga­mos boa occasião esta, para dar conta de uma ou­tra não menos interessante e engenhosa hypothèse de Roser, ligada á anterior e com que elle procura explicar a raridade relativa das luxações congénitas no sexo masculino.

Diz-nos Roser que, sendo as luxações produzidas por uma adducção exaggerada e permanente da coxa, ellas são muito mais raras no sexo masculino, por­que a adducção das coxas vai comprimir os testícu­los e tal compressão provoca movimentos reflexos, que não permittem a permanência da adducção.

Lorenz, no tocante á génese das luxações congé­nitas, admitte qne o mechanismo da flexão exagge­rada, de Dupuytren, acompanhado de um certo grau de adducção e seguido do reviramento para fora do rebordo postero-inferior da cavidada cotyloidea, põe a articulação coxo-femural em estado de luxação incompleta, que ulteriormente, sob a influencia do peso do corpo e da acção muscular, passará ao es­tado de luxação.

Não acceita, porém, a explicação de Roser para a menor frequência das luxações nos indivíduos mas-

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culinos, porque pôde verificar que os testículos não estão em relação com a face interna das coxas e não podem por consequência ser comprimidos por ellas, seja qual fôr o grau de adducção.

Relativamente ao mechanismo pelo qual Lorenz explica a producção das luxações, sujeito está como as hypotheses anteriores, ás mesmas objecções., ,

Verdade é que este distincto especialista, admit-tindo esta hypothèse, não quer de modo algum, como se verá mais longe, que não haja outras causas de­terminantes das luxações congénitas.

C) THEORIA INFLAMMATORY OU PATHOLOG1CA

Fazer depender as luxações congénitas coxo-femuraes de entidades mórbidas articulares primiti­vas, ou melhor, assimilar as luxações congénitas ás luxações pathologicas, tal é o fim a que mira esta theoria. Numerosas téem sido as doenças que os seus defensores téem apresentado como determinan­tes das luxações.

Assim é que Ambroise Paré invocava a coxalgia como productora dos deslocamentos congénitos; que Paletta os fazia dependente de um desenvolvimento considerável de tecido adiposo no fundo da cavidade cotyloidea, opinião esta que Morei Lavallée (1861) destitue de razão, porquanto mostra que o tecido adiposo enche a cavidade cotyloidea precisamente

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por de lá ter sahido a cabeça femural; que Tillmans estabelecia que a cabeça femura) se luxava, porque a hypertrophia considerável do ligamento redondo a expulsava da cavidade cotyloidea; que Sédillot e Stromeyer descobriam que um amollecimento e um alongamento do apparelho ligamentoso eram os fa­ctores determinantes das luxações; que Parise, Pra-vaz e Malgaigne, viam uma hydarthrose simples ser causadora de todos os males; que Pfender, em 1890, restabelecendo as ideias de Ambroise Paré, apre­sentava a coxo-tuberculose, a arthrite tuberculosa intra-uterina, como a causa única das luxações con­génitas.

Ponhamos de parte todas estas explicações que apenas téem o valor histórico, salvo as duas ultimas, que téem sido aquellas a que os auctores téemdado as honras de critica.

A theoria da hydarthrose simples é assim expli­cada pelos seus defensores: uma vez estabelecida uma inflammação à frigore da articulação coxo-fe-mural, produzir-se-hia um derrame intra-articular, que, pelo excesso de pressão, enfraqueceria a ca­psula e afastaria as superficies ósseas determinando a luxação.

Tudo isto seria admissível se os factos viessem confirmar a theoria, mas até hoje não sabemos que alguém possua observação em que se tenha visto a

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mencionada hydarthrose, ou ao menos signaes ana-tomo pathologicos reveladores da sua anterior exis1

tencia. Em materia de refutação d'esta theoria, preten­

deu Boyer ir mais longe demonstrando experimen­talmente que os derrames intra-articulares, longe de affastarem as superficies articulares, as approxima-vam e mantinham em contacto.

Não foi, porém, Boyer feliz na sua experiência, porquanto Bonnet, de Lyon (em 1840) e Masse, de Bordeaux (em 1878), repetindo varias vezes a expe­riência, nunca conseguiram obter o resultado que Boyer obtivera, d'onde concluíram a sua falsidade.

A outra theoria que tem por factor da luxação a arthrite tuberculosa ou coxalgia também não resiste á critica.

Com effeito de que serve invocar-se a coxalgia do feto se a este tempo os segmentos articulares são ainda formados de tecido cartilaginoso? Não passa d'uma incoherencia em face das ideias modernamen­te professadas em assumpto de coxo-tuberculose.

Demais não vemos como uma coxalgia, que por tantas lesões se traduz, aqui seja completamente desprovida de provas anatómicas.

E não fique sem resposta o trabalho de Pfender. Este auctor defende na sua these, apresentada á fa­culdade de Pariz em 1890, que tendo investigado

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com cuidado os antecedentes hereditários dos doen­tes affectados de luxações congénitas, encontrou na grande maioria dos casos que esses doentes eram descendentes de tuberculosos e que, por isso, a lu­xação era já uma manifestação da tuberculose.

Surprehende-nos o arrojo da conclusão, por­quanto Pfender deveria não esquecer que a tuber­culose é talvez a doença mais frequente da humani­dade e que naturalmente em algumas creanças affe-ctadas d'ella se dará a coincidência de também te­rem uma luxação congenita coxo-femural.

Lorenz não admitte a opinião de Pfender e refu-ta-a admiravelmente com o seguinte argumento: Em 253 casos de luxação congenita apenas encontrou 2 casos de luxações duplas em que tudo o levava a crêr que se tratasse de luxações motivadas pela co-xalgia.

d) THEORIA. NEVRO-MUSCULAR

Sob esta designação abrangemos duas maneiras différentes de interpretar a génese das luxações con­génitas coxo femuraes, visto que se fazem depender de lesões do systema nervoso central e consecutiva­mente d'um estado pathologico dos músculos.

Queremos referirmo-nos ás theorias de J. Gue-rin e de M. Verneuil baseadas, a primeira nas con-tracturas activas dos músculos seguidas de retra­cção muscular permanente, a segunda determinada

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pela paralysia C' atrophia dos músculos que no es­tado normal contribuem para manter a cabeça fe-mural na cavidade cotyloidea.

Examinemoi-as com a devida attenção: i.a Theoria de J. Guerin—Em I 8 3 I este auctor

baseado n'uma série de observações teratologicas onde a par de contracturas e luxações múltiplas, ha­via lesões manifestas dos centros nervosos, conclue que a causa determinante das luxações congénitas seriam as retracções com ruptura do equilíbrio mus­cular. Esta theoria não fez epocha e hoje está dei­tada ao absoluto esquecimento. O principal defeito d'esta maneira de vêr resulta de que Guerin foi co­lher elementos para a sua demonstração a observa^ ções teratologicas que nada téem que vêr com os casos de luxações congénitas taes quaes apparecem normalmente em clinica.

Demais está completamente averiguado que se se encontram retracções musculares, que em parte con­correm para encurtar o membro e manter o deslo­camento, como o provam as secções musculares que constituem o i.° tempo das operações de Hoffa e de Lorenz, essas retracções são antes uma consequên­cia da luxação, determinada pela approximação dos pontos de inserção dos músculos, do que uma causa primaria.

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• 2.a Theoria de Verneuil—Para este auctor a causa da luxação congenita está ainda na ruptura do equilíbrio muscular, mas, em logar da tal ruptu­ra ser devida á contractura e retracção como queria Guerin, é antes determinada pela paralysia, conse­cutiva á poliomyélite anterior aguda, de certos gru­pos musculares, com integridade anatómica e phy-siologica dos outros grupos.

Verneuil fundamenta as suas asserções em três observações nitidamente demonstrativas e conclue do seu estudo a não existência das luxações congénitas, pois que são antes verdadeiras luxações paralyticas.

Esta theoria, apresentada pelo eminente cirurgião francez, em 1866, á Sociedade de Cirurgia de Paris, determina accesa polemica e é enérgica e violenta­mente combatida por Bouvier e Broca, que não só negavam que os músculos pelvi-trochanterianos podes-sem ser paralysados com exclusão dos outros grupos musculares que ficariam intactos, mas ainda não admittiam que taes músculos soffressem a atrophia.

Pouco tempo depois, Volkmann retoma o assum­pto e, analysando-o com o devido critério e socego de espirito (que sem duvida faltara na discussão a que acima nos referimos), mostra o que a theoria de Verneuil tinha de bom e de defeituoso. Ha com ef-feito luxações paralyticas dependentes do antagonis­mo muscular, devido a paralysias parciaes, como são

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os casos em que Verneuil funda a sua theoria; mas ha também luxações congénitas, que de modo ne­nhum devem ser confundidas com aquellas.

Recentemente Lorenz, seguindo as pisadas de Volkmann, tem também procurado différenciai' bem nitidamente as luxações paralyticas das luxações con­génitas.

Este auctor, dispondo de numerosas observações, entre as quaes encontra alguns casos de luxações devidas á paralysia espinhal, confirmou que, para dar-se a luxação paralytica, é necessário que fiquem indemnes músculos antagonistas do grupo de mús­culos paralysados.

Assim, pôde a paralysia affectar os músculos ad-ductores, e n'este caso dar-se uma luxação anterior, caracterisada pela abducção do membro doente; pôde a paralysia incidir sobre os nadegueiros somente, e este caso é extremamente excepcional, pois diz Lo­renz ter conseguido encontral-o uma única vez na sua clinica; podem os músculos nadegueiros e pelvi-trochanterianos estar paralysados e então dar-se a lu­xação illiaca ou posterior.

Como se vê, a luxação paralytica produzir-se-ha pela paralysia parcial, isto é, pela paralysia que ata­ca um ou outro grupo muscular, com excepção, af­firma Lorenz, do tensor da faseia lata e do psoas-illiaco que gozam de incontestável immunidade pe-

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rante a paralysia infantil e tanto que nos casos em que o membro é completamente inerte e parece es­tar unicamente sujeito á influencia da gravidade (e n'este estado já se não dá a luxação), póde-se ainda provocar movimentos de flexão com abducção.

Delanglade, na sua these de 1896, exprime muito bem a génese da luxação paralytica, dizendo: «La luxation est donc fonction de la perte d'équilibre en­tre les divers groupes musculaires.»

Porque razão a paralysia espinhal infantil fere de preferencia certos grupos musculares deixando inta­ctos outros, não se sabe, e inexplicável é também o facto do psoas-iliaco e tensor da faseia lata nunca partilharem da paralysia para a producção das lu­xações congénitas.

De tudo o que temos exposto se vê que um úni­co bem para a sciencia resultou da obra de Verneuil, qual é o de ter attrahido a attenção para as luxa­ções paralyticas que até ahi andavam envoltas no espesso véo da confusão. A pathogenia das luxações congénitas coxo-femuraes nada lucrou, pois ficou no mesmo estado em que Verneuil a encontrara.

Não se julgue, porém, que estas luxações paraly­ticas são frequentes; bem ao contrario, ellas são ex­tremamente raras e quasi sempre luxações anterio­res, isto é, determinadas pela paralysia dos addu-ctores. .;.'., .

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Karewski consegue reunir 6 casos de luxações paralyticas, das quaes uma só era de deslocamento posterior. Lorenz, que é, sem duvida, na actualida­de o especialista que tem lidado com mais casos de luxação, apenas pôde ainda encontrar quatro exem­plares.

Não obstante todos estes dados demonstrativos, Verneuil ainda hoje convicto do seu modo de ver, pretende lançar por terra os trabalhos de Volkmann, Karewski, Lorenz, Hoffa, Delanglade e muitos ou­tros.

Para Verneuil é hoje axioma indestructivel que tudo são luxações paralyticas e que luxações congé­nitas, rigorosamente fallando, não existem. Pois, diz elle, como podem ellas ser congénitas, se só se ma­nifestam num período muito posterior ao nasci­mento?

A intervenção operatória, no caso averiguado de luxação paralytica e as operações numerosas de Hof­fa e Lorenz, nos casos de luxações congénitas, téem ido demonstrar ao auctor da tão discutida theoria nervosa, que nas luxações devidas á paralysia, não se encontram as cavidades cotyloideas rudimentares e mal conformadas que caracterisam as luxações congénitas.

Tem-se, em materia de symptomatologia, encon­trado differenças que caracterisam umas e outras e

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mostram que se trata de duas entidades mórbidas différentes; tem-se apresentado peças colhidas em autopsias por Barth, Cautru, Sainton, etc., mostran­do luxações congénitas coxo-femuraes em recem-nascidos e em creanças de alguns dias; tem-se fei­to ver que a exploração do quadril, por muito cuida­dosa que seja, deixa quasi sempre duvidas que só com o estudo da marcha se eliminam, e que é por isso que as luxações congénitas, na maxima parte dos casos, só se manifestam quando a creança co­meça a andar.

Pois a tudo isto, Verneuil, sempre convicto de que não está em erro, responde que dará um pre­mio de 3oo francos a quem, no praso de um anno, lhe apresentar um caso de luxação verdadeiramente congenita, eliminadas que sejam as coxalgias intra-uterinas e bem assim os casos em que haja a au­sência da cabeça femural ou deformações como as que se observam em monstros não viáveis!

e) THEORIA DAS DEFORMAÇÕES ÓSSEAS PRIMITIVAS

Não é de hoje esta theoria. Já Paletta, Breschet, Dupuytren, Schreger, Cail-

lard-Billioniére interpretaram, ainda que palidamen-te, a génese das luxações congénitas pelo lado das deformações motivadas pela retardação do desenvol­vimento ósseo, mas é só com o apparecimento da

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obra de Ammon em 1842 sobre as affecções cirúr­gicas congénitas do homem, que esta theoria come­çou a ser olhada com a devida attenção.

É assim que aos trabalhos de Ammon vêem jun-tar-se os de Dollinger (1877), os de Growitz (1878), os de Lackwood (1887) e modernamente os de Bradford, Hoffa, Broca, Sainton, Kirmisson, Bar, Lorenz, Lannelongue, Delanglade, os quaes fecundos em investigações successivas e demonstrações pa­cientes chegaram a dar, no estado actual da scien-cia, o lugar de honra e primazia á theoria das de­formações ósseas motivadas por uma retardação do desenvolvimento.

Vejamos as phases porque ella tem passado e como ella se nos apresenta actualmente:

Von Ammon demonstrou, á evidencia que exis­tem sempre deformações da articulação para expli­carem as luxações congénitas e que casos ha em que rigorosamente até nem se trata de luxação, porquanto as superficies articulares mal conformadas nunca es­tiveram em contacto.

Estas deformações, explica Ammon, são deter­minadas por uma perturbação do desenvolvimento do tecido ósseo que origina uma falta de concordân­cia das superficies articulares e seguidamente uma ectopia da extremidade superior do femur favoreci­da pela gravidade e pela acção muscular.

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Dollinger em 1877 baseado n'uma observação de luxação congenita n'uni homem de 65 annos estabe­lecia que a causa das luxações congénitas coxo fe-muraes estava na ossificação prematura das cartila­gens em Y que impediam o ulterior desenvolvimento da cavidade cotyloidea.

A theoria de Dollinger apesar de seductora e en­genhosa não é exacta; primeiramente porque é ser já muito optimista para de uma única observação e n'um velho de 65 annos, fazer uma theoria que tem de applicar-se aos rçcem-nascidos e ás creanças da primeira infância; em segundo lugar porque a invo­cada ossificação prematura das cartilagens em Y não tem sido encontrada, mas sim, o que é precisamente o contrario, uma demora na ossificação das cartila­gens que até chegam em alguns casos a estar en­grandecidas.

Se porém Dollinger não foi feliz com o seu modo de ver, prestou entretanto um beneficio á sciencia, qual foi o de chamar a attenção para o assumpto.

Com effeito em 1878, Growitz apoiado em sete casos de luxação congenita, defende que a causa d'esta affecção está n'uma retardação do desenvol­vimento das cartilagens em Y que se traduziria hys-tologicamente, ao nivel do limite da cartilagem e do osso, por um menor desenvolvimento das cellulas, por uma mistura de tecido hyalino ao tecido ósseo,

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por uma degenerescência da cartilagem cujas cellu-. las eram cheias de gottasinhas de gordura.

M. Lockwood diffère um pouco no seu modo de ver, pois quer que, fundado em duas observações pessoaes, a principal causa da luxação esteja na au­sência do rebordo da cavidade cotyloidea, opinião isolada mas valiosa porque os factos posteriormente tem demonstrado algumas vezes a sua realidade.

Reaes são também as lesões que Growitz tem apontado como productoras das luxações congénitas. Com* effeito é facto averiguado pelos trabalhos de Bradford e pelas intervenções operatórias de Broca, Kirmisson, Hoffa e Lorenz que as cartilagens em Y em muitos casos de luxações congénitas são retar­dadas no seu desenvolvimento de ossificação. Apre-sentam-se muitas vezes de dimensões mais exagera­das do que são normalmente e até ha casos em que se encontram em estado de degenerescência.

Mas não é só esta lentidão da ossificação das cartilagens; outras deformações ósseas determinam luxações congénitas. Assim o mostram os trabalhos dos auctores precedentemente citados e as conclu­sões a que chega Sainton na sua obra intitulada Sur l'anatomie de la hanche che\ l'enfant et sur la patho­genic de la luxation congénitale.

Servem-lhe de base ás suas conclusões os três seguintes casos:

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■ i.° O caso de um feto masculino, nascido em apre­

sentação de pelve, modo de nádegas, relatado em 1891 por M. M. Bar e Lamotte á Société Obstétri­

cale et gynécologique de Paris. Havia luxação con­

genita coxo­femural esquerda. A creança morre très quartos de hora depois do nascimento e pela auto­

psia encontram^se­lhe as seguintes lesões: a cabeça de femur pequena e achatada; quasi não existência do collo femural e comprimento exaggerado do liga­

mento redondo­, falta de parte do bordalete cotyloideue cavidade cotyloidea menos profunda e mais pequena.

2.0 O caso de um feto feminino em apresentação de vértice, posição O. I. D. P. estudado em feverei­

ro de 1892 no Hôpital Saint Louis por M. Bar, com luxação congenita da anca esquerda e em que se notavam lesões aproximadamente idênticas ás do caso antecedente.

3.° O caso de uma rapariga de 12 annos, com luxação congenita dupla, observada por Kirmisson em 1891 no Hospice des Enfants Assistés. Pela au­

topsia colhem­se lesões primitivas e lesões secunda­

rias á luxação. A cavidade articular estava dividida em três partes: i.a parte, superior, representando uma concha arredondada que é a nearthrose; 2.a

parte, entre a nearthrose e a antiga cavidade articu­

lar, deshabitada; 3.a parte, que é a antiga cavidade, de forma triangular e bastante deformada. A cartilagem

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em Y conserva a sua integridade, o que demonstra mais uma vez que a theoria que attribue as luxações congénitas á ossificação prematura das cartilagens em Y não tem razão de ser.

Emfim Lannelongue adoptando este modo de ver, expõe no Congresso de Bordeaux em 1895, ideias que nos parece são bem proveitosas e que téem por base a observação anatomo-pathologica e clinica.

Diz o sábio professor que a luxação congenita coxo femural é determinada pelas deformações ósseas, mas que nem sempre essas deformações conduzem á luxação, isto é, ao deslocamento temporário ou per­manente da cabeça do femur do seu lugar próprio.

Lannelongue explica que essas deformações ós­seas são resultado de um processo atrophico, sobre­tudo da cavidade cotyloidea, a par do qual se dá tam­bém a atrophia dos músculos.

Tal é, pois, a theoria hoje geralmente admittida como a mais satisfatória e a que é applicavel á im-mensa maioria dos casos.

Entretanto, diga-se a verdade, a pathogenia das luxações congénitas coxo-femuraes não está definiti­vamente elucidada. A prova d'isso vê-se no seguinte: Se está demonstrado que as luxações congénitas tem por causa determinante as deformações ósseas cau­sadas por uma retardação de desenvolvimento,—ain­da é um mysterio qual a causa primaria d'essa re­tardação no desenvolvimento do tecido ósseo.

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QUARTA PARTE

Therapeutica das luxações congénitas coxo-femuraes

Eis-nos chegados á ultima parte do nosso traba­lho, aquella sobre que convergem actualmente todas as attenções da sciencia, esperançada em que os mo­dernos methodos orthopedicos e cirúrgicos para a cura radical das luxações, sejam seguidos de bons resultados, gloria para aquelles que, com uma te­nacidade inquebrantável, se téem devotado a tão ár­dua tarefa.

Não é nosso intuito n'esta parte fallar de tudo o que se tem escripto acerca do tratamento d'esta af-fecçao, porque muita coisa ha- a este respeito que apenas tem o interesse histórico, e além d'isso, se pretendêssemos fazel-o, teríamos de ser demasiada­mente extensos, o que não é da indole de trabalhos d'esta ordem.

A therapeutica, como sempre, visa a attenuar ou a curar; a estes dois resultados se pôde chegar, ou por meio da orthopedia ou por meio da cirurgia. Por

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esta razão estudaremos primeiramente o tratamento orthopedico que procura attenuar, ou antes não dei­xar progredir o mal; em segundo logar o tratamento orthopedico, que visa á cura radical das luxações congénitas coxo-femuraes; depois passaremos ao es­tudo do tratamento cirúrgico, com o fim de melho­rar o estado em que se encontra a luxação, ou pelo menos, não o deixar avançar; por ultimo dedicarnos-hemos ao tratamento cirúrgico curativo, radical, d'esta affecção.

a) TRATAMENTO ORTHOPEDICO PALLIATIVO

Antes de entrar propriamente no tratamento or­thopedico palliativo, não podemos deixar de referir, ainda que de passagem, que ha algumas indicações therapeuticas palliativas, de ordem puramente medi­ca, como são as immersões quotidianas em agua fria, durante três a quatro minutos, seguidas de fric­ções sêccas e massagem, preconisadas por Dupuy-tren e ainda hoje recommendadas por Lannelongue, como bastante úteis, pois tem visto com ellas dimi-nuir-se a claudicação.

Em assumpto de tratamento orthopedico palliati­vo, deve em primeiro logar recommendar-se que a creança evite todas as causas de pressão vertical do corpo sobre a anca, como sejam a estação de pé, a marcha, o salto.

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Ordenar-lhes os exercidos gymnasticos no trapé­zio, nas argolas e nas barras; permittir a natação.

Delanglade vai mais longe: recommenda o em­prego do cyclismo, mas manda evitar subidas e que o corpo não se levante do selim para tomar apoio nos pedaes.

Far-se-ha com que as creanças marchem com os joelhos afastados e as pernas estendidas.

Além d'isto empregam-se os apparelhos que de­vem ser leves e não estorvar o exercício muscular, mas nunca deve fazer-se uso do calçado de tacão alto, do lado doente.

É extremamente prejudicial tal emprego, porque além de ser um fardo bem pesado e fatigante, vai a pouco e pouco augmentando a claudicação, como a observação tem mostrado.

Os apparelhos mais empregados são a cintura de Dupuytren,o calção de Mercier, a cintura pélvica de Lannelongue e os colletés de Saint-Germain, de Hof-fa e de Lorenz.

Os três primeiros téem em vista combater a as-cenção da cabeça femural e primil-a por intermédio do grande trochanter.

Os colletés téem em vista ir mais longe: procu­ram transformar numa só peça a bacia e o tronco, de modo a attenuar as oscillações produzidas pela

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marcha e as curvaturas permanentes da columna vertebral.

Não nos demoraremos a descrever estes appare-lhos. Melhor do que a nossa descripçáo, é o simples exame d'elles, quer nos catálogos de orthopedia, quer nas obras de Saint-Germain, Hoffa, Lorenz, etc.

Diremos somente que as cinturas e o calção de­vem ser feitos com tecido elástico, leve e resistente.

Os colletés devem ser muito justos, para o que se tiram previamente moldes, e quando se appliquem deve collocar-se entre o corpo e o colleté uma cami­sola muito apertada.

Alguns auctores, e entre elles Adams, insurgem-se contra o emprego de taes colletés, porquanto, sen­do em parte constituídos por laminas de aço ou de celluloide, vão, além de outros inconvenientes, com­primir os músculos, especialmente os nadegueiros, cujo bom funccionamento é uma condição muito im­portante para os doentes.

Em vista d'isso, este auctor prefere que se fa­ça a extensão intermittente por meio de uma rolda­na e pesos, combinada com exercícios gymnasticos. Adams, diz ter colhido bons resultados, mas para

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outros especialistas este processo não merece con­fiança alguma.

Volkmann,o illustre cirurgião tão devotado á cau­sa da therapeutica d'esta affecção, é também parti-

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dario do emprego da extensão intermittente, mas com o membro doente mantido em abducção. O doente está sujeito á extensão durante a noite e li­vre durante o dia, mas não deve fatigar-se. Este processo é bem mais racional do que o de Adams, porque a abducção faz com que se estabeleça o contacto entreo osso iliaco e a cabeça femural.

V) TRATAMENTO ORTHOPEDICO RADICAL I

A memoria de Dupuytren, apresentada á Acade­mia de Medicina de Paris, em 1826, eivada de pes­simismo no tocante á therapeutica, lançou, por com­pleto, no maior desanimo, durante algum tempo, to­dos aquelles que buscavam meios de radicalmente curar o mal.

Duval, Lafond e sobretudo Humbert e Jacquier, emprehenderam brevemente campanha contra o di­zer de Dupuytren.

Humbert e Jacquier, baseados nos conhecimen­tos mais perfeitos da anatomia pathologica d'essa epocha, abaixavam a cabeça do femur por meio da extensão forçada que elles praticavam sobre um leito especialmente construído para esse fim. O que ti­nham em vista era obter immediatamente, no mini-mo tempo possível, a reducção da luxação.

Com este processo dizia Humbert ter operado

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a reducção duma luxação em cincoenta e cinco mi­nutos n'uma rapariga de doze annos.

A efficacia do processo de Humbert foi posta em duvida por Pravaz, que não admittia que se podesse fazer tão depressa a reducção da cabeça femural. Modificou, pois, o methodo no sentido de fazer a extensão e a reducção d'uma maneira lenta. Assim, começava por uma extensão preparatória, suave e progressiva, durante quatro a cinco mezes, seguia-lhe a reducção, repetida vários dias (i5 a 20 dias), e por fim mantinha-a com duas largas placas concavas e moveis ajustadas por meio de parafusos de pressão, as quaes abraçavam as ancas e o membro doente e actuavam energicamente sobre o grande trochanter. Depois d'isto Pravaz deitava o doente n'um carro movido sobre rails e com uma disposição tal que ao mover-se determinasse movimentos alternados de fle­xão e extensão dos membros. Só depois de tudo isto é que permittia ao doente começar a andar.

Bouvier, extremamente adverso ao methodo de Pravaz, abre viva polemica no seio da Academia, pelo facto de affirmar que nos casos de Pravaz, sup-postos curados, a luxação presistia tal qual estava antes do tratamento sem modificação alguma na si­tuação da cabeça do femur.

A questão toma tal importância que uma com-missão composta de Blandin, Nacquart, Gerdy, San-

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son e Bouvier é nomeada para a estudar devida­mente. Os resultados foram poucos ou nenhuns. Todos, á excepção de Gerdy, relator da commissão, puzeram em duvida as curas obtidas por Pravaz.

Gerdy affirmou, não obstante a opinião contraria dos seus collegas, os bons resultados que Pravaz di­zia ter colhido, mas de pouco valia esta affirmação, pois mais tarde, Chassaignac e Broca apparecem em campo para porem de novo em duvida o bom êxito do tão discutido methodo.

Chassaignac diz que as pretendidas curas das lu­xações, por esse methodo, não passam de melhoras provenientes de uma nova disposição das superficies articulares, que torna mais fáceis os movimentos do membro doente.

Broca nega que a reducção se possa fazer numa epocha em que a ossificação já esteja completa, por­que então as despropoições das superfícies articula­res são enormes, como as observações a cada passo vêem demonstrar.

O methodo de Pravaz não era perfeito; por elle é fora de duvida que a reducção se operasse, mas o que não se conseguia era que tal reducção fosse de­finitiva, porque uma vez acabado o tratamento, a deslocação apparecia de novo. Além d'isso, tinha al­guns contras, como eram a sua difficuldade e a sua longa duração. Bem depressa, pois, o methodo de

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Pravaz foi abandonado e com elle abandonadas fo­ram também, durante bastante tempo, todas as ten-1' tativas de curar as luxações congénitas coxo-femu-raes.

Buckminster-Brown, ainda não ha muito tempo pretendeu resuscitar a obra de Pravaz, modifican-do-a um pouco. Recommendava, fundado na cura de uma creança de quatro annos, que se tratassem as luxações congénitas pela reducção, immobilisação com forte extensão, e pressão enérgica exercida con­tra a cabeça do femur para a fixar na cavidade co-tyloidea; isto durante quatorze mezes.

Depois, ainda durante outro tanto tempo, sujei-tar-se-hia o doente a andar num carro idêntico ao de Pravaz, para se exercitar nos movimentos da marcha, sem que o peso do corpo se fizesse sentir sobre os membros. Parece-nos que este methodo tem os inconvenientes do de Pravaz, e a prova é que não é recommendado pelos auctores.

Bradford pretendeu melhorar o methodo de Buck­minster-Brown, no sentido de o doente não estar sujeito aos inconvenientes de uma longa demora no leito.

Consistia em submetter a creança á extensão con­tínua durante alguns mezes, depois á extensão per­pendicular ao eixo do corpo por meio da flexão em angulo recto das coxas sobre a bacia, n'um appare-

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lho especial, e emfim em praticar diariamente movi­mentos de rotação da coxa, para que a cabeça fe-mural fosse desgastando a cavidade cotyloidea. Con­seguiu com este methodo uma cura, isto é, o desap-parecimento da claudicação, porque a lordose per­sistiu; durou este tratamento três annos.

Todos estes methodos a que nos temos referido, muito em resumo, foram abandonados, porque de modo nenhum satisfaziam o fim curativo a que se propunham. Conseguia-se muitas vezes, diga-se a ver­dade, por meio d'elles, supprimir a retracção das partes molles e abaixar a cabeça do femur até á ca­vidade cotyloidea, mas não se conseguia fixar defini­tivamente a cabeça, o que é o principal fim a que mira o tratamento orthopedico curativo.

Ora, é principalmente fixar a cabeça femural, organisar uma boa nearthrose, que desde 1887 Agos-tino Paci, italiano, busca obter com o seu processo orthopedico racional, que vamos descrever:

O doente deve ser anesthesiado e collocado n'uma mesa de operações, de modo que os membros infe­riores excedam a sua extremidade.

Um ajudante fixa o doente pelas fossas ilíacas e um outro exerce uma tracção leve sobre o pé são. Posto isto, entra-se no primeiro tempo do processo, —Flexão—: O operador toma a perna doente por :ima do pé e sérvindo-se da tibia como alavanca,

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produz com doçura, sem violência alguma, a maxi­

ma flexão dos différentes segmentos uns sobre os ou­

tros, a perna sobre a coxa e a coxa sobre a bacia. Com este tempo consegue­se que as partes molles da face anterior da coxa se relaxem e os músculos da região posterior não se opponham ao deslocamento da cabeça femural, pelo facto da aproximação dos seus pontos de inserção.

No segundo tempo—Abducção—faz­se uma leve abducção progressiva da coxa em flexão. Com isto consegue se que a cabeça femural se dirija para diante e mais para baixo, a fim de ganhar o nivel da cavidade cotyloidea. Este resultado não se obtém quando a coxa não pôde ser sufficientemente dobra­

da e os adductores estão muito retrabidos. Também nada se consegue quando as deformações ósseas da extremidade superior do femur são grandes.

O terceiro tempo consiste na—Rotação externa. ■—Uma vez a coxa em flexão (pelo primeiro tempo), e em abducção (pelo segundo tempo), imprime­se ao femur, tendo o joelho na flexão de angulo recto, um movimento de rotação para fora, até que o eixo da perna seja perpendicular ao eixo médio do corpo. Por este meio, a cabeça femural descreve um arco de circulo de 90o para diante e para dentro, de mo­

do a dirigir­se para a cavidade cotyloidea. Com isto

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pretende Paci fazer entrar a cabeça femural no is-thmo da capsula.

No quarto e ultimo tempo—Extensão—faz-se a extensão muito lentamente da coxa em abducção e rotação externa, com o que se leva ao máximo a tensão dos músculos da região anterior da coxa e se procura apoiar a cabeça femural contra o osso ilía­co. Este tempo é de todos o que necessita de mais prudência, porque está-se muito sujeito a produzir fracturas.

Tal é a operação de Paci, a primeira phase do seu methodo, a qual é seguida de um tratamento que dura um anno, que é a segunda phase do me­thodo. Esta phase tem por fim a organisação da nearthrose: ainda com o doente chloroformisado, faz-se a immobilisação do membro, mantido em ex­tensão e rotação externa, com um apparelho gessa­do, que abraça a bacia e o membro inferior. Esta immobilisação é acompanhada da extensão contínua, 4 a io kilogrammas, durante um mez, ao fim do qual se levanta o apparelho gessado deixando a extensão durante ainda três mezes. Ao fim d'esté tempo le-vanta-se a extensão; permitte-se andar com muletas nos quatro mezes seguintes, mas verificando sempre que o doente traga o pé voltado para fora. Depois substituem-se as muletas por duas bengalas, segui­damente por uma, até que a creança ande livremen-

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te, para ser submettida ás influencias benéficas da electricidade, massagem e hygiene.

Por meio d'esté processo, diz Paci ter colhido bons resultados, não de uma perfeição absoluta, mas que o deixaram satisfeito, bem como os doentes e suas famílias., _

Este methodo que já conta alguns adeptos, quan­do não consiga o seu ideal, qual é o de organisar uma nearthrose resistente e duradoira, parece ter a vantagem de diminuir o encurtamento do membro e de transformar a luxação posterior grave n'uma luxação anterior muito melhor tolerada.

Entretanto ainda não ha elementos sufficientes para avaliar bem os seus resultados definitivos.

Muito mais haveria a dizer relativamente a este methodo, á opinião que d'elle formaram alguns aucto-res e até ás modificações que se téem apresentado; mas como o nosso fim é descrever resumidamente os différentes methodos therapeuticos, passaremos a dar ideia dos methodos de Schede e de Lorenz.

O methodo de Schede consiste em fazer a reduc-ção pela combinação da tracção com a abducção e pressão lateral sobre o grande trochanter. Nos ca­sos em que a retracção dos tecidos é muito grande, é necessário fazer previamente a extensão contínua para depois se proceder á technica de Schede. Obti­da assim a reducção, faz-se a extensão no apparelho

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imaginado pelo mesmo auctor, que se compõe de um systema de laminas de aço que abraça todo o membro inferior; essas laminas são fixas em cima a uma cintura ajustada á bacia, e em baixo a uma es­pécie de sapato e presas entre si por braceletes guar­necidos com almofadas de crina; articulam-se umas com as outras ao nivel das articulações da anca e do joelho, de modo a permittir os movimentos de flexão e abducção. Este apparelho, que dá ao doen­te a liberdade de movimentos, permanece collocado durante bastantes mezes e é ajustado ao membro por meio de uma série de parafusos, todas as seis semanas. Schede, depois de levantar este apparelho, colloca um outro que vai só até á perna, para pre­caução, durante alguns mezes ainda, a fim de per­mittir o apoio do corpo sobre o membro doente, sem o peso incidir grandemente na articulação coxo-fe-mural.

Schede apresentou ao Congresso de Cirurgia alle-mão, em 1894, uma estatística extremamente sedu-ctora, mas não obstante isso o seu methodo não se generalisou.

O methodo de Lorenz é extremamente recente para que se possa desde já fazer uma critica real ao seu valor e aos seus resultados. Comprehende, para a sua execução, différentes tempos que até certo pon­to são idênticos aos de Paci, razão esta porque este

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cirurgião italiano,, nos últimos mezes de 1896, num artigo da Revue d'Orthopédie procurava demonstrar que Lorenz fora um plagiador da sua descoberta. Paci, sem duvida, pela ambição da gloria, pretendeu vêr uma identidade no que havia differenças cara­cterísticas. Veja-se, apenas para apreciar estas diffe­renças, o modo de interpretar de cada um d'estes auctores no tocante ao prejuízo ou beneficio que o peso do corpo pôde trazer para os bons resultados do tratamento orthopedico. Paci procura eliminar a acção do peso do corpo sobre o membro doente; Lorenz cria o seu methodo, fazendo actuar o peso do corpo, convencido de que este contacto activo é a melhor condição para b desenvolvimento de uma boa articulação nova.

Este methodo, apresentado por Lorenz no Con­gresso de Berlim em maio de 1896 consiste no se­guinte: i.° fazer a reposição, isto é collocar a cabeça femural concentricamente á cavidade cotyloidea; 2° consolidar a reposição, isto é, organisar uma near-throse verdadeira.

Lorenz consegue isto, em différentes tempos, ten­do previamente chloroformisado o doente. N'um pri­meiro tempo faz a extensão forçada para abaixar o grande trochanter. Esta extensão faz-se em différentes sessões se o encurtamento é grande.

N'um segundo tempo Lorenz faz a flexão da coxa

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em angulo recto para auxiliar o abaixamento do grande trochanter, começado no primeiro tempo, a ponto de collocar a cabeça por traz do rebordo pos­terior da cavidade cotyloidea.

Seguidamente num terceiro tempo faz-se a abdu-cção forçada em angulo recto para obter a reposição da cabeça na cavidade cotyloidea rudimentar.

Esta reposição não quer dizer de modo algum reducção, porque esta indica que a cabeça tomou o seu lugar normal na cavidade cotyloidea, ao passo que a reposição consiste em fazer transpor á cabeça femural o rebordo cotyloideo e collocal-a em conta­cto com o rudimento de cavidade ou a depressão leve que substitue a cavidade cotyloidea normal.

Lorenz diz ter verificado que esta reposição se effectua quando ao fazer a abducção até 90o o corpo do paciente soffreu um abalo seguido d'um ruido ao nivel das superfícies ósseas.

N'um quarto e ultimo tempo, Lorenz faz a fixa­ção da reposição com o fim de organisar a nearthrose ou melhor de obter a articulação original. Esta fixa­ção é determinada pela immobilisação, n'um appa-relho gessado, do membro doente que se conserva na abducção em angulo recto com leve hyperexten-são e rotação para fora durante três a quatro mezes.

Só depois é que lentamente se vai diminuindo a abducção á medida que,a estabilidade da reposição

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augmenta. Passados sete a oito mezes, a contar da operação, é que se levanta o apparelho gessado e se verifica que a reposição ficou perfeitamente mantida. Este methodo é extremamente recente para que al­guém possa tirar conclusões relativas ao seu valor. Paci quer que o methodo de Lorenz não seja diffé­rente do seu, salvo no respeitante ao primeiro tem­po—a extensão forçada, que Paci julga ser desneces­sária. Assim o pretende demonstrar a paginas 489 e seguintes da Repue d'Orthopédie, 1896. Ahi, diz Paci também, que a abducção a 90o é irrealisavel e bem assim que a reposição é impossível porque a cabeça femural não pôde pela extensão forçada chegar ao nivel da cavidade cotyloidea sem que os músculos e ligamento de Bertin sejam lacerados. Lorenz, ainda ha bem poucos mezes, (março de 1897, Revue d'Or­thopédie), em resposta a Paci, lhe mostrou as diffe-renças capitães que ha entre um e outro methodo e que resaltam facilmente comparando a descripção que d'elles fizemos anteriormente.

Paci quer que o methodo de Lorenz seja o seu; Paci quer que o methodo de Lorenz seja uma serie de impossíveis. Perante isto, Lorenz termina, e cre­mos que com justiça, a resposta ao seu adversário com as seguintes palavras:

«J'ajouterai, pour terminer, que M. Paci en décla­rant impossible la realisation de ma méthode de re-

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position est en desaccord avec lorsqu'il en revendi­que la priorité et m'accuse de plagiat.

Pourquoi réclamer la priorité d'une méthode que l'on declare impossible?"»

TRATAMENTO CIRÚRGICO PALLIATIVO

Dous fins téem em vista os methodos operatórios palliativos:

i.° Combater a retracção muscular; 2.0 fixar a cabeça femural.

Para a realisação do primeiro fim serviram-se os auctores das myotomias e tenotomias, das resecçóes e da osteotomia sub-trochanteriana. Guerin, Bouvier, Brodhurst e Broca, são as principaes entidades que téem tratado as luxações congénitas pelas myotomias. Assim, Guerin seccionava todos os músculos que es­tivessem em retracção-, Bouvier fazia a tenotomia dos adductores e dizia ter colhido bom resultado; Bro­dhurst cortava os músculos nadegueiros e os pelvi-trochanterianos; Broca tem feito a myotomia dos adductores e diz ter colhido successos duradouros." Estas myotomias e tenotomias podem ser sub-cuta-neas quando os músculos ou tendões sejam superfi-ciaes e não estejam em relação com vasos e nervos de certa importância; ou então a céu aberto, como acontece quando tenha de fazer-se a myotomia do psoas iliaco e de quaesquer outros músculos profun-

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dos ou que estejam em relações visinhas com vasos e cordões nervosos de importância. Ë incontestável que estes meios, como palliativos, téem a sua razão de ser, visto que uma vez eliminada a retracção muscular, corrige-se bastante a attitude Viciosa e dá-se ao membro movimentos que a retracção tor­nava impossíveis.

A resecção estão ligados os nomes de Roser, Hueter, Margary, Motta, Orrecchia, Raffo, Lucke, Molliere,Broca, Hoffa, etc. Este methodo tem grandes inconvenientes porque, se por um lado consegue cor­rigir a saliência do grande trochanter, e em parte a attitude viciosa do membro, por outro arrasta con­sequências graves, como sejam maior mobilidade da extremidade superior do femur, maior encurtamento e persistência das oscillações da marcha. As estatís­ticas mostram também a sua gravidade; metade dos casos são verdadeiros insuccessos. Esta resecção é uma operação completamente atypica.

Cada auctor fazia a resecção segundo o seu mo­do de vêr e o estado de deformação era que ia en­contrar as partes ósseas.

Assim uns faziam a resecção de toda a cabeça femural, outros de metade, outros da parte inferior interna; umas vezes fazia-se a resecção pelo collo, outras vezes ia fazer-se abaixo do grande trochanter, na diaphyse femural.

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Hoffa, ainda recentemente propunha a resecção da extremidade superior do femur pela linha inter-trochanteriana para os indivíduos bastante idosos e nos quaes se não possa tentar a reducção. Em abo­no da verdade Hoffa é o primeiro a confessar os seus maus resultados.

A osteotomia sub-trochanteriana é um tratamento applicavel ás luxações coxo-femuraes inaugurado por Kirmisson em 1894. Tem este processo a vantagem de conservar na sua integridade todo o apparelho muscular. E um tratamento novo, que o seu auctor vê pelo melhor prisma; pena é que não haja ainda obser­vações bastantes para comprovar o seu valor.

O segundo fim a que mira o tratamento cirúrgico palliativo é fixar a cabeça femural e isso pretendeu-se obter por muito variadas maneiras, pois cada auctor tinha o seu methodo operatório.

Assim Guerin, baseado em que a capsula é o principal obstáculo á formação da nearthrose, e ven­do que esta se forma bem depressa nas luxações traumáticas, faz a escarificação da capsula como que para a traumatisar, mas nenhuns resultados favorá­veis colheu.

Adams propoz uma espécie de laqueação da ca­psula articular para impedir que a cabeça femural subisse para a sua porção superior. O grande mal é que com o tempo, novamente pelo peso do corpo, a

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restante parte da capsula torna a distender-se e alon-gar-se.

Hueter propoz, mas nunca experimentou, a for­mação de uma nearthrose pela resecção da cabe­ça femural e sutura de retalhos de periosseo tirados do femur com outros retalhos semelhantes prove­nientes do osso coxal.

Outros auctores lembraram fazer a osteo synthè­se do femur ao osso iliaco por meio de cavilhas ou agulhas de aço, mas os resultados foram desastrosos.

Bem mais interessante é omethodo deKoenig. Este operador pratica uma incisão curva de três a quatro centímetros por baixo do grande trochanter e divide sempre segundo a mesma linha todas as partes molles até chegar ao periosseo ao qual faz ainda a incisão igualmente segundo a mesma direcção. Depois levanta um largo retalho osteo-periosseo delgado na sua extre­midade livre e grosso na que fica adhérente. Este re­talho é assente sobre a capsula articular á qual se fixa com pontos de sutura. Reconstituem se as partes molles e colloca-se o membro em extensão continua.

Se bem que seja um methodo interessante os seus resultados são extremamente desanimadores.

Emfim, temos ainda o methodo sclerogenico pre-conisado por Lannelongue e apresentado á Société de Chirurgie em 1891. Por este methodo Lannelon­gue propõe-se formar um neo-supracilio cotyloideu

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fibroso com as injecções de chloreto de zinco cujas propriedades sclerogenicas tão bem foram acceites para o tratamento das tuberculoses cirúrgicas.

Lannelongue colloca o doente em extensão contí­nua e n'uma primeira sessão injecta vinte gottas de chloreto de zinco em seis ou oito picadas. Ao fim de quinze dias faz-se nova sessão e verifica-se que um annel espesso de tecidb fibroso tem vindo engrossar o supracilio cotyloideu. Este methodo não obstante a auctoridade que o apresentou, não tem sido gene-ralisado, porquanto, tem-se reconhecido que a acção do chloreto de zinco sendo extremamente diffusa não vai realisar o desejo do seu auctor.

Em conclusão diremos que todos os meios em­pregados para o tratamento cirúrgico palliativo não téem sido em geral seguidos de bom êxito.

TRATAMENTO CIRÚRGICO RADICAL

A Margary, cirurgião italiano, 1882, cabe a hon­ra de ter sido o primeiro que tentou tratar radical­mente pela cirurgia operatória, as luxações congéni­tas coxo-femuraes. Consistia o seu methodo em pôr a descoberto a articulação para engrandecer com o bisturi a cavidade cotyloidea, reduzir a luxação, tra­zendo a cabeça femural para essa nova cavidade e mantel-a por meio de retalhos obtidos á custa da capsula preexistente e do periosseo.

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Desgraçadamente, nem esta primeira tentativa foi seguida de bom êxito, nem mesmo o seu auctor pôde aperfeiçoar o seu trabalho, pois a morte rou-ba-o á sciencia antes que o seu methodo podesse ser vulgarisado.

Em 1888, Alfonso Poggi tenta de novo, por meio da via sangrenta, abaixar a cabeça femural e fixal-a no seu verdadeiro lugar. Eis como Poggi operou uma rapariga de doze annos, portadora d'uma luxa­ção esquerda; circumscreveu por uma incisão em semi-circulo o grande trochanter, seccionou os mús­culos nadegueiros profundamente até á capsula para supprimir a resistência que elles oppunham á redu -cção. Uma vez posta a articulação a descoberto, ve­rificou que a capsula estava extremamente retrahida a ponto de com difhculdade poder alojar a extremi­dade d'um dedo. Fendeu a capsula longitudinalmente para tornar accessivel a cavidade cotyloidea que ti­nha o rebordo bem conservado. Em seguida fez sa-hir a cabeça femural da capsula por meio d'uma forte flexão e abducção da coxa e cavou suficiente­mente a cavidade cotyloidea. Terminou fazendo a reducção da cabeça femural cujo collo foi necessário retocar, attenta a exaggerada direcção para cima, eliminando o excedente da capsula, suturando as partes molles e collocando o membro em extensão. Ao fim de três mezes verificou que, não obstante o

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encurtamento de dous centímetros, a articulação des­empenhava livremente todos os seus movimentos nor-maes e que a claudicação tinha quasi desapparecido. O resultado, com se vê, se não é brilhante, é pelo menos extremamente satisfatório; pois, não obstante isso, Poggi, pelo que todos o censuraram, limitou-se a operar um caso único. Isto fez com que se suspei­tasse,de que elle próprio pouco convencido ficara da superioridade do seu methodo.

Quer o methodo de Margary, quer o de Poggi, não se vulgarisaram; entretanto não succède o mes­mo aos methodos de reducção sangrenta de Hoffa, Broca e Lorenz. Revistas e jornaes de, cirurgia e or-thopedia a cada momento nos publicam resultados colhidos por esses methodos e modificações que al­guns outros especialistas téem proposto.

É d'elles que nos vamos agora occupar unica­mente sob o ponto de visto descriptivo, pois, nada pôde criticar quem, não obstante a sua boa vontade, não pôde conseguir vêr os resultados de cada um d'esses methodos para fazer um estudo comparati­vo. Descrevel-os-hemos, pois, na esperança de que um dia possamos colher resultado d'esté nosso estudo.

METHODO DE HOFFA

Após a chloroformisação do doente, Hoffa faz a incisão dos tegumentos, segundo a linha de Langen-

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beck, isto é, segundo uma linha rectilínea que, se­guindo a direcção da diaphyse do femur, prolongada superiormente, percorre a face externa do grande trochanter e se dirige para a espinha iliaca postero-superior, de modo que dois terços d'esta linha fiquem sobre a nádega e um terço sobre o grande trochan­ter. Seguidamente divide a musculatura na direcção das fibras do grande nadegueiro até a capsula que abre largamente para libertar a extremidade superior do femur. Esta libertação é feita, destacando o peri-osseo e com elle as différentes inserções musculares do grande trochanter. Desvia então a cabeça do fe­mur, levanta o tecido conjunctivo que forra o cotylo até áo bordo superior, excava a cavidade cotyloidea com a curetta, reduz a cabeça, recompõe a capsula, sutura por cima d'ella o retalho obtido no fundo do acetabulo com o periosseo que traz fixas a elle as inserções musculares e fecha a ferida operatória.

Depois da operação, immobilisa o membro doen­te n'uma gotteira, se se trata de creanças muito no­vas, ou colloca um apparelho de extensão contínua nas creanças mais avançadas em idade.

Tal era summariamente o methodo operatório de Hoffa. Com o tempo o seu auctor introduziu-lhe mo­dificações importantes, que a pouco e pouco o foram aproximando do methodo de Lorenz.

As mais importantes modificações foram introdu-

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zidas com o aperfeiçoamento operatório motivado pelos maus resultados que em principio Hoffa por vezes colheu.

Assim verificou que os retalhos periosseos obtidos á custa da cavidade e da extremidade superior do fe­mur eram inúteis para a extensão e prejudicavam mais tarde o bom funccionamento da articulação, renunciando por isso a elles. Deixou de suturar a ferida operatória para evitar a infecção. Exagge-rou a sua opinião em relação ás incisões dos mús­culos, pois julgou que para obter uma fácil redu-cção o melhor meio era cortar os adductores, os músculos da tuberosidade do ischion e bem assim o costureiro e o tensor da faseia lata e o bordo anterior do médio adductor. Mais tarde abando­nou este modo de vêr, porquanto, se com elle faci­litava extremamente a reducção, prejudicava alta­mente de futuro os movimentos do membro operado.

Este methodo tem muitos adeptos e tem colhido resultados bem satisfatórios.

Em França o seu principal propagador foi Kir-misson, director geral do Hospice des Enfants-Assistés.

METHODO DE BROCA

Broca, seguindo de perto o modus faciendi e os resultados colhidos pelo methodo de Hoffa, veio com o tempo a modifical-o por completo. Creou assim

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um processo que comprehende quatro tempos princi-paes: i.° incisão das partes molles, até á articulação e sua abertura; 2.° excavação da cavidade cotyloidea e modelação da cabeça femural; 3.° reducção da ca­beça femural; \.° reconstituição da capsula e das ca­madas musculares.

São numerosas as particularidades que convém conhecer para bem desempenhar este methodo. O doente é chloroformisado, estendido em decúbito la­teral e com a coxa do lado doente em semi-flexão sobre a bacia. Começa-se o acto operatório pela in­cisão da pelle, segundo a linha de Langenbeck, a que já tivemos occasião de nos referir. Divide-se exten­samente o grande nadegueiro parallelamente ás suas fibras e afastam-se os bordos para chegar ao grande trochanter e aos músculos que a elle se inserem.

Em seguida destaca-se o grande trochanter, de­baixo para cima a partir da sua base, (osteotomia sub-trochanteriana), de modo que se conservem in­tactas todas as suas inserções musculares e levanta-se para cima e para traz. Desprendem-se todas as adherencias, que muitas vezes existem entre o pe­queno nadegueiro e a capsula.

Posta esta assim a descoberto, abre-se com uma incisão, segundo uma linha parallela ao bordo supe­rior do collo do femur, de modo a libertal-o bem. Corta-se o ligamento redondo, se ainda existe, e im-

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pelle-se para fora da ferida operatória a extremidade superior do femur que é, acto contínuo, protegida por uma compressa de gaze esterelisada.

Em seguida entra-se no segundo tempo do métho­de operatório, que consiste em exeavar, com uma curetta de cabo longo, a cavidade cotyloidea, desem-baraçando-a do tecido fibroso e cartilagineo que a forra e bem assim de algum tecido ósseo para a en­grandecer sufficientemente.

Cumpre não esquecer que quando tenha de se cavar o osso, deve isso fazer-se na parte postero-superior da cavidade, porque, como já dissemos n'outro lugar, não só ahi o osso iliaco é mais espes­so, mas também porque d'esté modo se corrige a orientação anormal para diante, que muitas vezes apresenta a cavidade cotyloidea.

Engrandecido o cotylo, se a cabeça femural é ex­tremamente deformada a ponto de não permittir a reducção, modela-se a cabeça tanto quanto seja pre­ciso e seguidamente faz-se a reducção.

Esta é o terceiro tempo da operação. Necessita, para ser obtida, de uma pressão da extremidade su­perior do femur, acompanhada ao mesmo tempo de flexão, abducção e rotação para dentro ou para fora. segundo a cavidade cotyloidea está orientada para diante ou para fora.

Vem, emfim, o quarto tempo ou a reconstituição 9

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da capsula e das partes molles. A capsula é sutura­da de modo que fique ajustada ás partes ósseas man-tendo-as em contacto; rebate-se então sobre a capsu­la o trochanter e toda a camada muscular que a elle está inserida e faz-se a sutura do seu periosseo com o periosseo da diaphyse. Suturam-se finalmente os différentes planos musculares e os tegumentos de modo a não deixar espaço algum onde se accumu-lem os líquidos, faz-se um penso compressivo e ap-plica-se a immobilisaçao e extensão. Tal é o metho-do com que Broca tem tirado os melhores resultados.

METHODO DE LORENZ

Este methodo, de todos o mais recente, está já muito generalisado, pois os resultados por elle obti­dos até agora são na maxima parte dos casos extre­mamente satisfactorios.

A operação de Lorenz executa-se em seis tempos: No primeiro faz-se o abaixamento da cabeça fe-

mural que ordinariamente se obtém pela simples tracção mechanica exercida sobre o membro colloca-do em extensão por um dos ajudantes. Muitas vezes esta tracção e extensão não bastam para produzir o abaixamento. É o que acontece geralmente quando o doente tem já idade superior a seis ou oito annos. N'este caso faz-se a prévia extensão e contra-exten-

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são sobre a mesa de operações e recorre-se mesmo, se tanto for necessário, á secção dos adductores.

No segundo tempo faz-se a incisão da pelle, do tecido cellular e da aponévrose, desviam-se os mús­culos e chega-se á face anterior da capsula articular. A incisão vai da espinha iliaca antero-superior á base do grande trochanter, e não deve attingir mais do que a pelle o tecido cellular sub-cutaneo. Procura-se o bordo anterior do médio nadegueiro, corta-se a aponévrose parallelamente a esse bordo, affastam-se o tensor da faseia lata, que está adiante, do médio na­degueiro, que fica por traz,e encontra-se no fundo da ferida uma saliência que é a cabeça femural forrada pela capsula.

No terceiro tempo abre-se a capsula pela face an­terior com uma incisão em T, de modo que o ramo vertical d'esta lettra fique parallelo ao eixo da cabe­ça e do collo, respeitando tanto quanto possivel a porção da capsula visinha do cotylo. É necessário que o ligamento de Benin fique seccionado por com­pleto para que seja fácil a exploração da cavidade cotyloidea.

No quarto tempo repelle-se a cabeça femural para fora da ferida operatória por meio de um movimen­to de rotação externa do membro, e se houver gran­des deformações da cabeça e do collo femural corri-gem-se estas tanto quanto possivel pela modelação com o bisturi. Mas isto, só quando as deformações

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não permitiam de modo algum a entrada da cabeça femural na neo-cavidade cotyloidea, porque, como muito bem diz Lorenz, é fácil determinar-se uma ankylose entre duas superficies ósseas avivadas, que estão em contacto, o que prejudicaria os bons resul­tados do methodo.

No quinto tempo esvasia-se a cavidade cotyloidea e excava-se, se fôr preciso, cem uma curetta ordiná­ria de cabo comprido, ou com a curetta de Lorenz (cureta de colher lateral). Qualquer que seja a cu­retta, o que é necessário é que ella esteja muito bem afiada para cortar nitidamente e não deixar esquiro-las ósseas na cavidade.

No sexto tempo faz-se a reducção da cabeça fe­mural na cavidade cotyloidea artificial. Este tempo é fácil de executar nas creanças ainda novas, mas quando já são mais avançadas em idade, exigge-se ao ajudante uma tracção enérgica no sentido do mem­bro, acempanhada de abducção e rotação para den­tro, emquanto que o operador exerce pressão sobre a cabeça e o trochanter.

Conve'm sempre, uma vez feita a reducção, ve­rificar a sua solidez. E sólida a reducção quando a nova articulação preenche as seguintes condições: i.° executar com facilidade os movimentos de flexão e extensão sem attritos ósseos; 2° manter-se a reduc­

ção, não só na abducção, mas ainda na adducção.

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Verificada a solidez da reducção e depois de cui­dadosamente limpar a ferida, faz-se a sutura dos te­gumentos, deixando uma pequena abertura central por onde se introduz uma mecha de gaze iodofor-mada, que penetra até á face anterior do collo fe mural. t Lorenz recommenda a sutura com catgut que se reabsorve e poupa assim o doente ao desagradá­vel e doloroso incommodo de tirar os fios. Após a sutura faz-se um penso compressivo para apoiar as partes molles umas contra as outras e fixar as su­perficies articulares e applica-se um apparelho ges-. sado que immobilisa o membro n'uma attitude de leve abducção, durante cinco ou seis semanas apro­ximadamente.

Como continuação do tratamento, impõe-se a gymnastica, sobretudo gymnastica articular, e a mas­sagem, porque é indispensável, para o bom resultado do tratamento operatório, fortificar os músculos em geral e os nadegueiros e dar á articulação os movi­mentos de flexão e extensão.

O m ethodo de Lorenz está indicado, quer nas lu xações unilateraes, quer nas bilateraes, sobretudo quando as creanças regulam entre quatro e oito annos.

Está contra-indicado, especialmente, quando as deformações da extremidade superior do femur são

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de tal natureza que não pôde haver modelação pos-sivel de uma nova cabeça apropriada á cavidade co-tyloidea; também está contra-indicado, quando o en­curtamento do membro seja tal que, pela extensão levada ao máximo, não se reduza a dois e meio cen­timetres.

Quanto aos resultados do methodo, diz Lorenz, (Broca e Delanglade confirmam n'o), está provado que a luxação congenita coxo-femural está sob a al­çada da intervenção cirúrgica e que o tratamento operatório não só traz melhoras incomparáveis, mas também a cura completa quando as condições ana­tómicas se prestem.

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PROPOSIÇÕES

A n a t o m i a — S ã o extremamente sensíveis as differences anatómicas entre a articulação coxo-femural do adulto e a da creauça nos primeiros cinco annos da vida.

P h y s i o l o g i a — H a differenças características entre o musculo cardíaco e os outros músculos estriados.

T h e r a p e u t i c a — O mercúrio e o iodeto de potássio nem sempre bastam para o bom tratamento do syphilitico.

A n a t o m i a p a t h o l o g i c a — A pathogenia da luxação coxo-femural lucra bastante, no momento actual, com os subsí­dios que a anatomia pathologica lhe fornece.

P a t n o l o g i a geral—Admittimos o antagonismo entre a malaria e a tuberculose.

H e d e c i n a opera tór ia—Indicada a amputação de parte de um membro, subordinaremos a escolha do methodo ao papel que o coto tem de desempenhar ulteriormente.

P a t h o l o g i a ex terna—Nos casos de um diagnostico duvidoso de coxo-tuberculose em primeiro período, impõe-se a exploração da articulação, depois de chloroformisado o doente.

P a t l i o l o g i a i n t e r n a — A civilisação como agente etiológico da loucura tem influencia mínima.

P a r t o s — A luxação congenita coxo-femural, simples, é uma causa de dystocia.

B l e d e c i n a l e g a l — N o s casos medico-legaes é muitas vezes impossível reconhecer a origem do sangue.

Visto. Moraes Caldas,

PRESIDENTE.

Pode imprimir-se. Wenceslau de Lima,

DIRECTOR.