j. e. hanauer - mitos, lendas e f%e1bulas da terra santa-rev

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J.E. HanauerMITOS, LENDAS FBULAS TERRA SANTA

E

DA

Traduo, adaptao e prefcio: Uri Lam

Ttulo Original: Folklore of the Holy Land (Moslem, Christian e Jewish) desta edio: Landy Livraria Editora e Distribuidora Ltda. Traduo, adaptao e prefcio: Uri Lam Preparao de originais: Luiz Lucena Capa: Camila Mesquita Editora assistente: Vilma Maria da Silva Editor: Antonio Daniel Abreu Editorao: Alpha Design Dados internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Mitos, lendas e fbulas da Terra Santa / [traduo e adaptao Uri Lam]; [seleo e organizao] J.E. Hanauer. So Paulo : Landy Editora, 2005. Ttulo original: Folklore of the Holy Land. Bibliografia. ISBN 85-7629-0S9-6 1. Fbulas - Palestina 2. Folclore - Palestina 3. Lendas - Palestinas 4. Mitologia 5. Palestina - Histria I. Hanauer, J.E. II.Ttulo. 05-8244 ndices para catlogo sistemtico: 1. Folclore: Terra Santa 2. Terra Santa: Folclore CDU-398.095694 398.095694 398.095694

Direitos reservados para a lngua portuguesa

Landy Livraria e Distribuidora Ltda. Rua Fortunato, 117/119 tel. E fax: 11 3361-5380 CEP 01224-030 So Paulo, SP, Brasil [email protected] http://www.landy.com.br outubro 2005

CONTRA CAPABero do judasmo, cristianismo e islamismo, a Terra Santa uma regio milenarmente conhecida por disputas pela terra onde viveram reis e profetas, sacerdotes e guerreiros. Nestes Mitos, lendas e fbulas da Terra Santa seus variados cenrios e suas diversas vozes se entrelaam em um mesmo espao geogrfico e idnticos ancestrais. O mrito desta obra deixar entrever a raiz comum entre os trs povos e lhes recompor a irmandade original. Entre as sagas arquetpicas de personagens como Ado, Abraho e Lot, Aaro e Moiss, David e Salomo, Elias, Jesus e Maom, o leitor encontrar espertalhes pelo caminho, alm, claro, do prprio Diabo e suas artimanhas. Uma seo de fbulas e anedotas nos surpreende com uma verso muulmana da Cinderela. A mstica Viagem Noturna de Maom de Meca a Jerusalm leva ao xtase. Judeus, muulmanos e cristos, monges e xeiques, rabinos e padres, sultes e profetas, seres humanos e animais parecem se inter-relacionar eternamente por entre as pedras da Jerusalm de judeus e cristos, a Al Khuds dos muulmanos, sob a guarda sempre atenta dos imortais profetas Elias. Maom ou Jesus, e a proteo de Deus ou Al.

ORELHAS

DO

LIVRO

J. E. Hanauer, autor desta coletnea, dedicou uma vida inteira na Terra Santa coleta de tradies orais transmitidas de pais para filhos dos diversos povos que por ali passaram e se estabeleceram. Bero do judasmo, cristianismo e islamismo a Terra Santa encantou o mundo com os relatos impressionantes sobre grandes homens e mulheres que marcaram para sempre

a histria da humanidade. Nessa regio milenarmente conhecida por disputas acirradas pela terra onde viveram reis e profetas, sacerdotes e guerreiros, cujo calor parece refletir o fervor religioso e mstico, a coragem e bravura de seus povos, seu folclore, refletido nestes Mitos, lendas e fbulas da Terra Santa, tem o mrito de resgatar a raiz comum entre os trs povos e lhes recompor a irmandade original. Essa raiz comum e irmandade se revelam na forma como seus variados cenrios e suas diversas vozes se entrelaam em um mesmo espao geogrfico e idnticos ancestrais. Pode-se ento apreciar as aventuras e desventuras de personagens quase arquetpicos como Ado, Abraho e Lot, Aaro e Moiss, David e Salomo, Elias, Jesus e Maom. A leitura nos leva ao local da morte de Abraho e de Salomo, ao Vale do Glgota, o cenrio da crucificao de Jesus, cuja madeira, diz a lenda, j existia desde a poca de Lot. Conhecemos as muralhas da Cidade de David e seus majestosos portes, no sem nos confrontarmos com os imperadores Saladino, Nabucodonosor e Alexandre o Grande. O leitor encontrar tambm espertalhes pelo caminho, alm, claro, do prprio Diabo em pessoa e seus parceiros, os demnios, que atormentam a vida de No ou colaboram com Salomo, quando isto lhes conveniente. Entre personagens de contos de fadas, fbulas e anedotas nos surpreendemos com uma verso muulmana para a histria de Cinderela. Conhecemos o relato da mstica Viagem Noturna de Maom de Meca a Jerusalm, de onde o profeta parece ascender a Deus em vertiginosa viagem, capaz de levar um ser humano ao xtase. No menos bela a caligrafia rabe ornamental de um desconhecido calgrafo exposta na Mesquita

de El Aksa, cujas belas letras descrevem esta maravilhosa Viagem Noturna, reproduzida do Coro, o livro sagrado dos muulmanos. Enfim, judeus, muulmanos e cristos, monges e xeiques, rabinos e padres, sultes e profetas, seres humanos e animais parecem se inter-relacionar eternamente por entre as pedras da Jerusalm de judeus e cristos, a Al Khuds dos muulmanos, sob a guarda sempre atenta dos imortais profetas Elias, Maom ou Jesus, e a proteo de Deus ou Al.

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SUMRIOPREFCIO A CRIAO DO MUNDO, SANTOS, PECADORES E MILAGRES 1. UMA VISO MUULMANA DA CRIAO DO MUNDO 2. NOSSO PATRIARCA ADO 3. NO E OG 4. J E SUA FAMLIA 5. ABRAHO, O AMIGO DE DEUS 6. LOT E A RVORE DA CRUZ 7. A MORTE DE AARO E MOISS 8. DAVID E SALOMO 9. EL KHUDR 10. SIMO O JUSTO LENDAS E ANEDOTAS 1. BAB EL KHALIL, O PORTO DE IAFO EM JERUSALM 2. TURBET BIRKET MAMILLA E JOHHA 3. EN NEBI DAUD, A TUMBA DE DAVID 4. BAB EL ASBAT, O PORTO DOS LEES 5. HISTRIAS DE DETETIVE 6. As RUNAS DA TERRA SANTA NA TRADIO ORAL 7. OS JULGAMENTOS DE KARAKASH 8. O PURIM DE ZARAGOZA 9. AL ISR, A VIAGEM NOTURNA DE MAOM 10. A CALIGRAFIA DO SULTO MAHMUD 11. A RESPOSTA CERTA ANEDOTAS QUE ILUSTRAM CONCEITOS SOCIAIS, SUPERSTIES, CONTOS SOBRE PLANTAS E ANIMAIS, ENTRE OUTROS 1. PESSOAS DE BOA FAMLIA E PESSOAS SIMPLES 2. O SEGREDO DO SUCESSO 3. A ORIGEM DE TRS DITADOS FAMOSOS 4. FBULAS 5. O ANJO DA MORTE 6. OS SERES DEMONACOS 7. FILHOS E FILHAS 8. STIRAS 9. AS MULHERES 10. OS ANIMAIS 11. PLANTAS 12. O CAF 13. CURAS MGICAS 14. CALENDRIO POPULAR, DITADOS E CRENAS

PREFCIOD

esde que o Patriarca Abraho, o amigo de Deus, colocou os ps na Terra Santa, o mundo nunca mais foi o mesmo. A Terra Prometida, de onde, segundo a promessa de Deus, jorra o leite e o mel, provavelmente mais frtil em tradies orais passadas de pais para filhos dos diversos povos que por ali passaram e se estabeleceram. Bero das trs religies monotestas judasmo, cristianismo e islamismo , ao longo dos ltimos 4 mil anos Cana, Israel, Palestina, a Terra Santa, enfim, encantou o mundo com os relatos impressionantes sobre grandes homens e mulheres que marcaram para sempre a histria da humanidade. Nessa regio milenarmente conhecida por disputas acirradas pela terra onde viveram reis e profetas, sacerdotes e guerreiros, cujo calor parece refletir o fervor religioso e mstico, a coragem e bravura de seus povos, seu folclore, refletido nestes Mitos, lendas e fbulas da Terra Santa, tem o mrito de resgatar a raiz comum entre os trs povos e lhes recompor a irmandade original. No incio do sculo XX, um religioso cristo, J. E. Hanauer, dedicou uma vida inteira na Terra Santa coleta de fragmentos da tradio oral muulmana. a partir deste olhar to peculiar a descrio que um cristo fez de relatos orais muulmanos acerca de tradies comuns a judeus, muulmanos e cristos que conhecemos as aventuras e desventuras de personagens quase arquetpicos como Ado, Abraho e Lot, Aaro e Moiss,

David

e

Salomo,

Elias,

Jesus

e

Maom.

Atravs

deles

embarcamos numa espcie de tapete mgico e, l de cima, visitamos em Jerusalm o local da morte de Abraho e de Salomo. Passamos por cima do Vale do Glgota, o cenrio da crucificao de Jesus, cuja madeira, diz a lenda, j existia desde a poca de Lot. Conhecemos as muralhas da Cidade de David e seus majestosos portes, no sem nos confrontarmos com os imperadores Saladino, Nabucodonosor e Alexandre o Grande. Ao longo da viagem, conhecemos igrejas, mesquitas e sinagogas, bem como a casa de homens sbios; mas logo percebemos que todo cuidado pouco: h espertalhes pelo caminho, alm, claro, do prprio Diabo em pessoa e seus parceiros, os demnios, que atormentam a vida de No ou colaboram com Salomo, quando isto lhes conveniente. Afinal, na lgica ancestral dos povos dessas terras, nenhum homem absolutamente santo, tampouco o diabo de todo ruim, como tentam nos fazer crer algumas vises religiosas contemporneas por demais maniquestas. Nosso tapete mgico nos leva a uma caverna onde a viagem passa a ocorrer no s no espao, mas no tempo: adiantamos os relgios, corremos com as pginas dos calendrios e chegamos a pocas em que reis e profetas so deixados para trs e nos encontramos com padres, rabinos, xeiques e sultes; ora em paz, ora em conflito, nossos antepassados nos mostram que sempre estiveram envoltos em conflitos: uma vez so os judeus acusados de assassinato por muulmanos; a falsa acusao desmascarada por um ato mgico (como seria bom se isto fosse possvel hoje!); outra vez so os muulmanos que tm problemas com os cruzados catlicos. E o que dizer da Caverna do Leo, perto da qual havia um cemitrio muulmano construdo sobre os restos de um

cemitrio cristo medieval onde, anos depois, foi construdo um convento, cujo fundador, So Mamilla, chegou a viver na tal caverna tendo o leo por companheiro? E como no se divertir com as histrias de Johha, tolo para alguns, espertalho para outros? Supostamente enterrado no mesmo cemitrio onde foram sepultados muulmanos destacados e catlicos fervorosos, Johha parece ser a sntese do habitante da Terra Santa: inteligente, resistente, que aprendeu a ser esperto ou tolo ao sabor do hamsin, o infernal vento do deserto, para sobreviver aos tantos desafios que a Terra Santa impe queles cuja crena a que esse lugar s foi prometido para ele e seu povo, e mais ningum. Instigante como Johha no identificado nem como cristo, tampouco como muulmano ou judeu: um tpico filho dessas terras encantadas e fascinantes, ao mesmo tempo que perigosas e cheias de mistrios apavorantes, cujo segredo do sucesso aplicar bem a palavra rabe Heylim, cuja traduo aproximada lisonjeie, insinue, valorize-se e dissimule. Compreender esta estratgia pode nos ajudar a entender um pouco, pelo menos, do modo como os habitantes da Terra Santa se confrontam em relaes intempestivas e resolvem suas diferenas a seu modo. A noite cai, mas a viagem prossegue. Alguns adormecem, mas aqueles mais atentos so presenteados com uma viso estonteante: ao longe, no horizonte, contemplam a mstica Viagem Noturna de Maom de Meca a Jerusalm, de onde o profeta sobe aos sete cus. O primeiro cu presidido por Ado; o segundo governado por Jesus e Joo Batista; o terceiro, por Jos; o quarto, por Enoque; o quinto, por Aaro; o sexto, por Moiss; e o stimo, por Abraho. No Cu dos Cus, vislumbra o Trono de Al. Maom parece ascender a Deus por meio de uma espcie de montanha-russa celestial que, entre Ado e Al, sobe

e desce pelo tempo a uma velocidade alucinante, capaz de levar um ser humano ao xtase. No menos bela a caligrafia rabe ornamental de um desconhecido calgrafo exposta na Mesquita de El Aksa, cujas belas letras descrevem esta maravilhosa Viagem Noturna, reproduzida do Coro, o livro sagrado dos muulmanos. Nessa viagem que impressiona todos os sentidos, descemos do tapete e iniciamos uma longa caminhada a p entre personagens de contos de fadas, fbulas e anedotas. No meio do caminho nos defrontamos com uma verso muulmana para a histria de Cinderela. Mais adiante descobrimos que gatos e cachorros nem sempre foram inimigos e j conviveram harmoniosamente. Camelos no podem faltar, bem como cavalos e bois, carneiros e pssaros cativantes. Estamos chegando ao final dessa deslumbrante viagem, e nada melhor do que uma parada para beber uma xcara de caf... e aproveitar para conhecer as origens desta bebida to apreciada no mundo inteiro e alguns curiosos rituais criados para apreci-la. Enfim, judeus, muulmanos e cristos, monges e xeiques, rabinos e padres, sultes e profetas, seres humanos e animais parecem se inter-relacionar eternamente por entre as pedras da Jerusalm de judeus e cristos, a Al Khuds dos muulmanos, sob a guarda sempre atenta dos imortais profeta Elias, Maom ou Jesus, e a proteo de Deus ou Al. Provavelmente, se tiver a oportunidade de ler estes Mitos, lendas e fbulas da Terra Santa, o Todo-Poderoso olhar para Suas criaturas e dir: Ah, estes seres humanos... enquanto eles discutem, Eu me divirto.

A criao do mundo, santos, pecadores e milagres1. UMA VISO MUULMANASDA

CRIAO

DO

MUNDO

aiba que a primeira criao de Al foi a maravilhosa Tbua do Destino, onde est escrito no somente tudo o que aconteceu no passado, o que acontecer no presente e no futuro, mas tambm o destino de cada ser humano por todo o sempre: se ele ser feliz ou um desventurado, rico ou pobre; se ser um verdadeiro crente e herdar o Paraso, ou um Kafir (descrente) e ir direto para o Jehenum (Inferno). A Tbua do Destino feita de uma imensa prola branca coberta por duas folhas, semelhante as de uma porta. Homens muito sbios afirmam que essas folhas contm dois rubis vermelhos de tamanho e beleza incomparveis, mas s Al sabe se eles dizem a verdade. Em seguida, Al criou uma grande pena formada de uma pedra singular. A pena era to longa que, para percorr-la do incio ao fim, poderia levar quinhentos anos. Sua extremidade final se parecia com a de uma pena comum, e da sua ponta, bem afiada, a tinta flua como se fosse uma pena normal ou como as guas que fluem de uma fonte. Ento Al proclamou a palavra ESCREVA e o estrondo da Sua voz fez a pena, que estava cheia de vida e inteligncia, tremer. Imediatamente a sua ponta passou a correr pela tbua, da direita para a

esquerda, e a inscrever as coisas que haviam ocorrido, as que estavam ocorrendo e aquelas que ainda ocorreriam at o Dia da Ressurreio. Quando a tbua foi preenchida com tudo o que havia para ser escrito, a pena secou. Ento pena e tbua foram removidas e guardadas no Tesouro de Al, e s Ele sabe tudo o que est escrito. Depois disso, Al criou as guas, e em seguida uma enorme prola branca, do tamanho do cu e da terra. Assim que a prola foi formada, Al falou com ela que, tremendo por conta da Sua Voz de Trovo, derreteu e transformou-se em gua. Ao se encontrar com as primeiras guas criadas, formou ondas gigantescas, que mergulhavam cada vez mais profundamente, uma aps outra. Al deu novas ordens e tudo parou, formando um grande oceano de guas calmas, sem onda alguma nem formao de espuma. Ento Al criou o seu Trono, constitudo de duas grandes jias muito preciosas, e colocou-o flutuando sobre as guas. Algumas pessoas afirmam que o Trono foi criado antes das guas, do cu e da terra. Dizem que, enquanto os homens assentam antes do teto as fundaes de uma habitao, Al, a fim de demonstrar o seu Poder Onipotente, assentou o teto primeiro, que o seu Trono. O vento, que era alado, foi a prxima criao de Al. Ningum alm Dele sabe quanto vento existe ou at onde se estende a atmosfera. Al ordenou ao vento que sustentasse a gua da mesma maneira que esta sustentava o Trono. Depois disso, Al criou uma grande serpente que volteava o Trono em crculos. A cabea da serpente era uma grande prola branca, seu corpo era de ouro e seus olhos, duas safiras. Ningum alm de Al sabe qual o tamanho da serpente. O Trono o Trono do Poder e da Imensido, da Glria e da

Majestade, qualidades que foram criadas, no porque Al precisasse delas mas somente para expressar a Sua Grandiosidade e Glria, que existem por toda a eternidade. Ento Al ordenou ao vento que soprasse o oceano, o que provocou grandes ondas espumantes com vapor, esguichando gua para todo lado. Por ordem de Al a espuma converteu-se em terra slida, que passou a flutuar sobre a superfcie das guas. O vapor e os repuxos de gua converteram-se em nuvens. Foram necessrios dois dias para Al criar tudo isso. As ondas ento foram congeladas e formaram montanhas que passaram a dar equilbrio terra, evitando que esta naufragasse. Todas as bases das montanhas esto ligadas s razes do grande Kaf, que envolve o mundo como as laterais de uma grande bandeja redonda e impede que ele caia no espao. Em seguida, Al fez com que as guas remanescentes na superfcie da terra adquirissem a forma de sete grandes mares concntricos, separados uns dos outros pelo mesmo nmero de continentes; todavia, estavam ligados por golfos e estreitos que continham um nmero infinito e uma enorme diversidade de criaturas vivas, bem como o alimento para sustent-las. Os sete continentes tambm variam em clima e condies, assim como as plantas e animais que abundam sobre eles. Al precisou de dois outros dias inteiros para deixar tudo isso em ordem. Com isso a terra costumava chacoalhar como um barco no mar, de modo que todos os seres vivos ficaram muito doentes. Ento Al ordenou que um anjo muito forte ficasse embaixo da terra e a segurasse. O anjo fez conforme fora ordenado. Estendeu um brao em direo ao leste e o outro para o oeste, e firmou o mundo. Em seguida, a fim de que o anjo tivesse onde se apoiar, Al criou uma grande rocha de esmeralda verde, qual ordenou que rolasse para debaixo dos ps do anjo e os

sustentasse. Mas como no havia onde a rocha se apoiar, foi criado um grande touro, que recebeu ordens para ficar embaixo da rocha a fim de sustent-la alguns dizem que com os chifres, outros com o dorso. Os primeiros explicam que os terremotos so causados pelo movimento do touro, quando ele passa a terra de um chifre para outro. Seus olhos so de um vermelho-fogo to brilhante, que ningum pode mir-los sem ficar cego. Seu nome Behemot, e ele se apia sobre uma grande baleia que nada em um oceano criado por Al para este propsito. Abaixo e ao redor deste oceano e do mundo existe ar, que permanece em absoluta escurido e, nas estaes apropriadas, move o sol, a lua e as estrelas, criados com a nica funo de iluminar a terra. s vezes ocorre um eclipse do sol ou da lua, e a explicao para cada um destes fenmenos muito simples. Quando a lua est cheia e sua luz recai sobre parte do grande oceano onde nada a baleia, esta s vezes abre sua boca e a encobre poderia, sem dvida, engoli-la inteira se Al o permitisse, mas compelida a abrir mo do seu desejo to rapidamente quanto os crentes do Deus nico fazem longas e ruidosas lamentaes e oraes. A causa do eclipse do sol diferente. Este um sinal de salvaguarda de Al, uma solene advertncia contra o pecado. O primeiro eclipse ocorreu para fazer com que os homens ouvissem o que dizia Ibrahim,1 o amigo de Al (que esteja em paz). Em nossos dias esta maravilha muito freqente e o seu objetivo fazer com que toda a humanidade tenha no corao os ensinamentos de Maom, o Apstolo de Al (que sobre ele estejam oraes e paz). Portanto, o mundo est apoiado sobre os ombros de um anjo, que est sobre uma grande esmeralda verde, que esta

sobre os chifres ou o dorso de um touro, que por sua vez se apia sobre as costas de uma grande baleia (ou drago, segundo alguns), que nada em um grande oceano sustentado pelo ar, que finalmente est envolto em trevas, onde os corpos celestes se manifestam em certas estaes do ano. O que h por trs das trevas? S Al sabe! Voc pode perguntar: como todas essas maravilhas tornaram-se conhecidas e compreendidas pelos homens? Saiba ento que, aps criar o mundo, Al chamou a Mente existncia e lhe disse: Embeba-se de conhecimento, e esta se embebeu de conhecimento. Ento Al ordenou: Receba a capacidade de lidar com problemas, e assim foi. Mais tarde Al proferiu pela boca do seu Profeta, Maom: O homem sbio aquele cujo temperamento confivel e paciente; e a Mente que afasta o ser humano do Mal. Por isso, Al permite a entrada da Mente no Paraso, onde pode descobrir todos os mistrios, e no Dia da Ressurreio no punir os sbios da mesma maneira como o far com os ignorantes, que papagueiam com seus lbios, mentem com suas lnguas e se envolvem em problemas que no lhes dizem respeito com perguntas sobre coisas que so incapazes de compreender, ainda que saibam ler e escrever.

Duas histrias contadas por um ilustre muulmano de Damasco, na Sria, ilustram um pouco da viso islmica sobre o cuidado que se deve ter com uma orao. Ei-las. Um crente muulmano, velho, corpulento e muito religioso, dedilhava seu rosrio enquanto invocava incessantemente o Nome de Deus. Parava apenas para falar de outras coisas relativas s suas obrigaes e negcios. Em um dia chuvoso,

imediatamente antes de colocar o p esquerdo no estribo para montar no seu burro, ele gritou: Al, ajude-me!. Com grande esforo, conseguiu sentar-se sobre a cela, mas o seu esforo demasiado fez que se desequilibrasse e casse do animal em meio rua enlameada. Ajudaram-no a subir novamente no animal, e, enquanto os transeuntes limpavam, compadecidos, suas roupas rasgadas, ele exclamou: Al, como me outorgaste muito mais do que eu pedi, serei mais cuidadoso com os meus pedidos no futuro. Como escapei com vida, eu digo El Hamdu Lil, Graas a Deus. Em um acampamento de Ben Israel no meio do deserto havia um pobre pescador, mas muito religioso, que tinha uma esposa maravilhosa e um nico filho. O homem era to pobre, que sequer possua um lar para os cabelos ou seja, nada que lhe protegesse a cabea e o nico abrigo que ele e sua famlia tinham era um poo escavado no cho e levemente encoberto por galhos e plantas do deserto. Ele mantinha uma vida precria, pescando no Mar Vermelho com uma rede feita a mo. Entretanto, um dia, ao ver Musa,2 o Profeta (que esteja em paz), iniciando uma de suas visitas peridicas ao topo do Monte Sinai, o pobre homem, caindo aos seus ps, implorou-lhe para interceder junto ao Altssimo em seu favor. O Profeta prometeu fazer isso e disse-lhe que, ao retornar do Monte Sinai, o homem teria permisso para fazer trs pedidos, pois estes seriam atendidos. Feliz da vida, o pescador voltou para o seu poo escavado no cho, informou a esposa da sua grande sorte e acrescentou: No devemos ter pressa em apresentar nossos pedidos; vamos antes refletir bem sobre isso durante a noite. Entretanto, cansado das aventuras do dia, o pescador logo

adormeceu, enquanto sua mulher permaneceu acordada: Se meu marido pedir por riqueza, ele com certeza se cansar de mim quando eu ficar velha e se casar com outra mulher. Deixeme ento me beneficiar de pelo menos um pedido. Na manh seguinte, assim que o marido acordou, a mulher lhe disse para pedir que ela fosse sempre to bela como era quando fora noiva. O marido obedeceu prontamente. Foi pescar e, enquanto ele trabalhava, um amalequita maldoso, ao cavalgar prximo ao poo, viu aquela bela mulher, desceu do cavalo, arrebatou-a e fugiu a galopes. O barulho que ela e o filho fizeram chamou a ateno do marido, que pescava em seu barco a apenas uns duzentos passos de distncia. Como era incapaz de perseguir o ladro e resgatar sua esposa, o homem gritou: Al, eu te imploro, transforme-a em um porco. O pedido foi imediatamente atendido, para horror do amalequita, que se viu carregando um pirracento e barulhento suno. Bom, todo mundo sabe que o deserto est cheio de jins,3 ghuls4 e outros espritos maus, e o ladro, concluindo que o porco era um deles, derrubou-o no cho e fugiu. Quando o pescador chegou ao local e percebeu o que ocorrera, de imediato pediu a Al para que sua mulher voltasse ao estado original. O pedido foi atendido.

Aprendemos desta histria to instrutiva que nenhuma orao pode alterar o que est escrito na Tbua do Destino.

2. NOSSO PATRIARCA ADOA

l formou Ado a partir de um punhado de areia. Alguns dizem

que esta areia veio da Sakr, a Rocha Sagrada que est no centro do Bet Hamicdash, o Templo Sagrado dos judeus que existia em Jerusalm. Todavia, esto mais certos aqueles que afirmam que a areia da qual foi feito o primeiro homem foi coletada de diferentes partes do mundo e consiste de diversos tipos de solo, o que comprovado pelas cores variadas dos homens e mulheres. Outros dizem que ela veio do barro retirado das razes de uma palmeira. Enfim, vamos em frente. Quando Al formou Ado, deixou o seu corpo inerte e sem vida por quarenta dias (alguns dizem quarenta anos) e em seguida avisou aos anjos para estarem prontos a louvar e honrar o homem assim que Al soprasse ar nas suas narinas. Todos obedeceram, menos Iblis que, movido por orgulho e inveja, recusou-se a fazer isso. Acabou expulso do Jardim Celestial e passou a ser conhecido como Sat, o condenado a ser apedrejado; seu destino ser a causa de toda tribulao humana. No incio Ado era macho e fmea em um s corpo: homem de um lado, mulher do outro. Em um dado momento a parte feminina separou-se da masculina. Ela se tornou uma mulher perfeita e Ado passou a ser um homem perfeito. Assim sendo, eles se uniram. Contudo, eram infelizes, porque a mulher se recusava a se submeter ao homem, afirmando que ambos haviam sido feitos da mesma areia e que ele no tinha o direito de lhe dizer o que fazer. Ento ela foi expulsa do Paraso e, ao casar-se com Iblis, tornou-se a Me dos Demnios. Os rabes, tanto muulmanos como cristos, a chamam de El-Karine. Os judeus em geral a chamam de Lilith, mas os sefaradis judeus de descendncia rabe-espanhola a chamam de La Brusha. Alguns judeus temem at pronunciar o seu nome, chamando-a de A Velha Senhora. Seja como for, ela inimiga mortal de

todas as mulheres, especialmente daquelas que acabaram de se tornar mes. Estas devem ser cuidadosamente protegidas e vigiadas e, juntamente com seus bebs, precisam ser cercadas com amuletos sagrados, cabeas de alho, pedras-ume, contas azuis e assim por diante, para que Lilith, furiosa de inveja, no estrangule a criana ou perturbe a me at enlouquec-la. Os mdicos europeus, que acham que sabem tudo, no conhecem os perigos terrveis aos quais expem as mes quando probem que outras mulheres as visitem e auxiliem. Quando El-Karine foi expulsa do Paraso, Al criou a nossa Matriarca Eva, extrada de uma das costelas de Ado enquanto ele dormia. Ado e Eva eram muito felizes juntos at que Iblis conseguiu entrar no Paraso, escondido dentro do corpo oco da serpente. O Pai de Todos os Diabos subornou a serpente com a promessa de que esta possuiria o alimento mais rico e suculento que existia: carne humana fresca. Saberemos mais adiante neste livro a maneira como a serpente engoliu essa histria. Ao entrar no Jardim, Sat conseguiu persuadir Eva a comer o fruto proibido que, segundo alguns sbios muulmanos, era o trigo. Persuadido por Eva a compartilhar da sua transgresso, Ado foi punido com a expulso do Paraso, juntamente com ela, Iblis e a serpente. Ado, que era inteligente, teve o bom senso de levar, do Paraso para a terra, uma bigorna, um par de pinas, dois martelos e uma agulha. Ele teve que sair do Paraso pelo porto conhecido como Porto da Penitncia; Eva saiu pelo Porto da Misericrdia; Iblis saiu pelo Porto da Maledicncia; e a serpente, pelo Porto da Calamidade. Todos os quatro caram na terra, cada um em um lugar diferente: Ado pousou em Serendib (antigo Ceilo, atual Sri Lanka); Eva caiu em Jed (na atual Arbia Saudita); Iblis chegou em Ail (que fica na ponta do Golfo de Acaba, no deserto do Sinai); e a serpente acabou em

Isfah, na Prsia (atual Ir). Passaram-se duzentos anos at que Ado e Eva se reencontrassem em Jebel Arafat, a montanha do Reconhecimento, prxima a Meca. Nesse meio tempo ocorreram coisas horrveis, pois, sob maldio, Eva recebera dentro de si a semente dos demnios e Ado teve muitos filhos de jins fmeas. Os descendentes destes monstros horrendos, conhecidos como Afrits, Rassads, Ghuls, Marids e outros, ainda vivem na terra como pessoas comuns, e esto sempre prontos a infernizar a vida dos seres humanos. O que aconteceu ao final dos dois sculos, de como Ado se arrependeu, foi levado pelo Anjo Gabriel para se encontrar com Eva em Jebel Arafat e de como o casal, agora perdoado, viveu em Serendib, bem como a histria de seus filhos Caim, Abel e Set, desnecessrio contar, visto que isto conhecido dos relatos dos Povos do Livro, sejam judeus, cristos ou muulmanos. Entretanto, o que no se sabe que Al mostrou a Ado toda a sua posteridade, ou seja, todas as pessoas que viveriam entre os seus dias e o Dia da Ressurreio. Como isso ocorreu? simples: Al golpeou as costas de Ado e de l retirou toda uma multido de pessoas, milhares de dezenas de milhares, cada uma do tamanho de uma formiga. Quando todas estas se deram conta de que Deus era Al, que Abraho era o Amigo de Al, que Moiss foi aquele com quem Al falou, que Jesus, filho de Maria, nasceu do Esprito de Al, e que Maom era o Seu Apstolo; e quando cada ser humano confessou sua crena no Mundo Vindouro e no Dia da Ressurreio, ento todos eles voltaram para as costas de Ado.

Ado era um homem muito alto, mais alto do que uma palmeira. Seus cabelos tambm eram muito longos. O Anjo

Gabriel

visitou-o

doze

vezes.

Quando

Ado

morreu,

sua

descendncia totalizava quarenta mil pessoas. Alguns dizem que ele foi o primeiro a construir o Templo Sagrado. Tambm h opinies diferentes sobre o local onde Ado foi enterrado: alguns afirmam que seu tmulo fica prximo cidade de Hebron, outros que ele foi enterrado com a cabea em Jerusalm e as pernas esticadas por todo o caminho que leva at Hebron. Muitos ainda defendem que justamente o contrrio, que a cabea de Ado repousa em Hebron, com os ps em El-Kuds (Jerusalm). Finalmente, alguns cristos afirmam que, na verdade, Ado foi enterrado com sua cabea repousada aos ps do Calvrio e foi ressuscitado por algumas gotas do sangue de Jesus que caram sobre seu crnio por ocasio da Crucificao; por isso o local conhecido como o Vale do Glgota.5 S Al sabe a verdade!

A CAUSAC

DA

MALDADE HUMANA

onta-se que, certa vez, Ado estava trabalhando no campo e, enquanto Eva cumpria suas obrigaes domsticas, ouviu o choro de um beb. ao Imediatamente um correu para ver e surpreendeu-se encontrar belo menino. Era (no

sabemos se ela sabia) um demnio malcriado que Iblis havia deixado diante da casa ansioso em tornar a vida dos pais da raa humana ainda mais turbulenta. Eva acolheu o beb no colo e fez de tudo para acalm-lo. Quando Ado voltou para casa e viu o diabinho, imediatamente retirou-o dos braos de Eva e arremessou-o ao rio, onde o viu afundar. No dia seguinte, depois que Ado foi para o trabalho, Iblis

voltou e chamou: Meu filho, onde est voc?. Aqui estou!, respondeu o diabinho, emergindo do rio. Fique aqui at eu voltar, disse o diabo-pai, colocando-o novamente porta da casa de Eva. Quando Ado voltou e encontrou aquela criatura horripilante, embora simptica, imediatamente lanou-a ao fogo e queimou-a at transform-la em cinzas. Na manh seguinte Iblis retornou mais uma vez e chamou seu filho, que novamente voltou vida, ressuscitado das cinzas. Quando, tardinha, o pai da raa humana voltou do seu trabalho e encontrou o pequeno demnio que acreditava ter afogado e queimado at virar cinzas vivo novamente, disse a Eva: A nica maneira de nos livrarmos deste inimigo to perigoso mat-lo, cozinh-lo e com-lo. Dito e feito. Quando na manh seguinte o Pai dos Demnios voltou e chamou: Meu filho, onde est voc?, duas vozes em unssono, vindas respectivamente dos corpos de Ado e Eva, responderam: Aqui estou, e muito confortvel!. Era exatamente isso o que eu tanto queria, disse o Diabo Nmero Um. E foi assim que todo ser humano passou a ter que lidar com o demnio que tem dentro de si.

3. NON

E

OG

o foi um dos seis maiores profetas que j viveram. Entretanto, no deixou nada escrito, ao contrrio do seu av Idris,6 o primeiro ser humano a usar uma pena com a qual escreveu trinta livros sob Inspirao Divina, entre obras de astronomia e outras cincias, que esto desaparecidas, antes que Al o levasse para o Paraso. No tinha outro nome, Abd el Gafar, que significa Servo do Deus Misericordioso. Ele nasceu 150 anos

aps a ascenso de Idris ao Paraso, e viveu em Damasco at Al envi-lo para advertir os seres humanos do Dilvio e construir a arca. Sob as ordens e orientaes do Todo-Poderoso ele fez o primeiro sino, igual queles usados at os dias de hoje nas igrejas e conventos do Oriente Mdio. Alm dos martelos e pinas que Ado trouxe do Paraso e mais tarde legou a seus descendentes, o nico instrumento que No possua era uma grande faca. Como isso era insuficiente para uma misso to grandiosa e trabalhosa quanto a construo da arca, o Patriarca recebeu a misteriosa promessa de que o seu pior inimigo tornar-se-ia o seu melhor assistente. No confiou na promessa e passou bravamente a cortar a madeira de uma grande rvore. Entretanto, num determinado momento a faca ficou to presa na fenda produzida no tronco que, por mais que tentasse, era incapaz de retir-la. Ele puxava e puxava por horas seguidas, mas em vo. Por fim, desistiu e foi para casa. De repente ocorreu de Iblis passar por l. Ao ver a faca, extraiu-a com facilidade e sentiu um enorme prazer em imaginar que, se a estragasse, esta se tornaria intil para No. Ento passou a cegar cuidadosamente o seu fio. Apesar disso, quando o Patriarca voltou ao trabalho na manh seguinte, encontrou uma serra excelente, pronta para ser usada. Os esforos de No para modificar a conduta dos seres humanos foram em vo. Ele era agredido e ridicularizado at mesmo por sua esposa Waile, por seus filhos Cana e pelo filho deste, Og, filho de Anak. Anak era filha de Ado, uma mulher muito m e a primeira bruxa de que se tem conhecimento. Estas quatro pessoas fizeram o mximo para persuadirem todos de que No estava louco. O Dilvio foi provocado pela forte movimentao de um tanur, um forno subterrneo, cuja localizao incerta alguns

dizem que ficava em Guzer, na Terra Santa, outros afirmam que estava em Damasco (atualmente na Sria). A arca foi carregada pelas guas, que, alimentadas por chuvas torrenciais, aumentavam incessantemente. No e sua famlia ( exceo de sua esposa Waile, Cana, Anak e Og), na companhia de verdadeiros crentes (segundo alguns eram seis, outros dizem que eram doze e outros ainda afirmam que eram 78 ou 80) em nmero igual de homens e mulheres incluindo Jorham o Ancio, o guardio da lngua rabe , foram salvos, alm dos animais que Al permitiu que entrassem na arca. O burro, sob cujo rabo Iblis se escondera disfarado de inseto, relutou em entrar na arca carregando consigo o Pai dos Demnios, mas acabou empurrado pelos gritos de No. A fim de compensar o burro por esta injustia, foi predestinado que um dos seus descendentes entraria no Paraso. Isso de fato ocorreu quando o burro de Ozair que alguns dizem que era o profeta Jeremias ou o Profeta Esdras, mas outros garantem que era Lzaro de Betnia ressuscitou e foi admitido no Jardim do Paraso. As guas do Dilvio destruram toda a humanidade, exceto aqueles que estavam na arca... e Og. Este ltimo era to alto que, quando veio o Dilvio, as guas s alcanaram seus tornozelos. Ele tentou por diversas vezes afundar a arca para destruir No e aqueles que estavam com o Profeta, mas em vo. Og carregava uma arma to difcil de manejar devido umidade, sempre lhe escorregava das mos que esta lhe escapou e acabou caindo intacta no cho. Quando tinha fome, Og se abaixava at a cintura, fazia uma concha com as mos e recolhia um pouco de gua. Ao deix-la escorrer por entre os dedos, sempre encontrava uma boa quantidade de peixes, e assava-os ao sol. Quando sentia sede, tudo o que precisava fazer era colocar as mos juntas e acumular as guas das

chuvas, que caam intermitentemente do cu. Ele viveu por muitos sculos depois do Dilvio, at a poca de Moiss. Certo dia, quando estava no Monte Hermon (na fronteira entre Israel, Sria e Lbano), Og quis atravessar El-Bekaa (uma larga plancie sria). No entanto, calculou mal a distncia, e no pisou no Lbano como pretendia, mas muito alm, no Mar Mediterrneo. Em outra ocasio, quando, em estado febril, deitou-se para descansar, estendeu-se desde o Banias, a nascente do rio Jordo, at o lago Merom, conhecido tambm como lago Hule. Enquanto estava deitado, alguns viajantes passaram por ele altura do Banias, ao sul. Quando se aproximaram do seu rosto, Og lhes disse: Estou muito doente para me mover. Por amor a Al, quando vocs chegarem aos meus ps, espantem os mosquitos que esto me picando e cubram meus ps com a minha abaieh.7 Os homens prometeram atend-lo; mas, ao chegarem aos ps do gigante, no encontraram mosquitos, mas uma multido de lobos. Og finalmente morreu pelas mos de Moiss da seguinte maneira: com o objetivo de destruir os israelitas durante a caminhada destes pelo deserto, o gigante arrancou da terra uma pedra enorme, to grande que poderia esmagar todo o acampamento de Israel. Og a carregava sobre a cabea com a inteno de arremess-la sobre o acampamento, mas Al enviou um pssaro que fez um buraco to grande na pedra, com suas bicadas, que o p desta caiu sobre a cabea e os ombros de Og, numa quantidade to grande que ele no podia dele se livrar nem enxergar por onde andava. Ento Moiss que tinha a altura de quase 7 metros e um cajado do mesmo comprimento ficou nas pontas dos ps e conseguiu atingir o tornozelo de Og, que tombou e morreu. As pedras que cobriram o seu corpo atingiram a altura de uma montanha.

Mas voltemos a No. A arca flutuou para c e para l pela superfcie do Dilvio at chegar a Meca, e l permaneceu imvel por sete dias. Ento se moveu em direo ao norte at chegar a Jerusalm, onde Al o informou que ali seria erguido o Templo Sagrado, e que muitos profetas o freqentariam, como tambm seus descendentes. Aps o Dilvio, os homens e mulheres saram da arca para repovoar a terra. O Patriarca viveu s com sua filha, que cuidou da casa para ele em lugar da esposa, Waile, que perecera. Um dia apareceu um pretendente para a moa e No prometeu entreg-la desde que o noivo lhe oferecesse um lar aprazvel. O homem partiu, prometendo retornar em breve. Como o tempo passou e nada dele voltar, No prometeu entreg-la a outro homem, sob as mesmas condies. Este tambm partiu e no retornou em tempo. Veio um terceiro pretendente, que j tinha um lar, e No consentiu no casamento de imediato. Infelizmente, assim que o matrimnio se consumou, o segundo pretendente retornou e reclamou sua noiva. Como no estava disposto a desapont-lo, o Patriarca invocou o nome de Al, que transformou uma mula em uma moa que lembrava a filha de No e entregou-a ao segundo candidato a noivo. Depois que o casal partiu, o primeiro pretendente finalmente apareceu e reclamou sua noiva. Desta vez No transformou sua cadela em moa e a fez casar-se com o retardatrio. Desde ento h trs tipos de mulheres no mundo: primeiro, aquelas que so tementes a Deus e verdadeiras companheiras de seus maridos; segundo, criaturas estpidas e indolentes s quais s se pode educar com uma vara na mo; e terceiro, mulheres astutas que desprezam tanto a admoestao quanto a disciplina, vivem a rosnar e implicam com seu maridos.

No viveu por mais 300 anos aps o Dilvio. Como era saudvel e empreendedor, resolveu plantar um vinhedo. Entretanto, desconhecia que Iblis, o pai de todos os demnios, que criava macacos, lees e porcos, misturou o sangue destes animais e noite regou as jovens vinhas com essa mistura horrenda. Esta a razo pela qual as pessoas que bebem vinho vontade, primeiro se comportam de maneira to ridcula como os macacos, em seguida ficam ferozes e perigosas como os lees e, finalmente, acabam degradadas e imundas como os porcos. Quando chegou a poca da colheita, No produziu o vinho e, desconhecendo as conseqncias, fez uso descuidado dele. Para consternao de seus filhos, passou a tagarelar que queria se casar novamente e dar origem a uma nova raa. Seus filhos protestaram, ele ficou furioso e violento e em seguida caiu dormindo no cho. Eis que seus dois filhos mais velhos o deixaram, mas Cana, cuja inteno era impedir que seu pai se casasse novamente, lhe fez um corte horrvel no corpo. Segundo os judeus, por isso que, uma vez passada a bebedeira e ao acordar do seu sono, No amaldioou Cana e todos os seus descendentes. No acredita? Pois leia isso com seus prprios olhos: E [No] disse: Maldito seja Cana; servo dos servos ser para seus irmos (Gnesis 9:25).

4. JJ

E SUA

FAMLIA

era um homem muito rico e tinha uma grande famlia. Para provar a sinceridade da sua devoo, Al privou-o no somente de todas as suas posses e de seus filhos, mas tambm de sua sade. Ele foi afligido por uma doena de pele to repugnante,

que o mau cheiro das feridas afastava as pessoas e ningum, exceto sua esposa, conseguia ficar a menos de quinhentos metros dele. Apesar destes infortnios, o Patriarca continuou a servir Al e a agradecer-lhe como nos dias de prosperidade. Sua pacincia, embora enorme, no era maior do que a de sua esposa, que era filha de Efraim, filho de Jos alguns dizem que era filha de Menass, irmo de Efraim. Ela no s cuidava do marido com grande devoo, como o sustentava cora o prprio trabalho e, quando no pde mais trabalhar, passou a carreg-lo nas costas dentro de uma abaieh, pedindo esmolas de porta em porta. Fez isso por sete anos sem reclamar. Certo dia, quando foi obrigada a deix-lo por um curto perodo de tempo, Iblis, que era o prprio Sat, apareceu e prometeu-lhe que, se ela o servisse, ele curaria seu marido e restauraria o patrimnio que ele havia perdido. A mulher, embora tentada, foi consultar J. Ele ficou to nervoso por ela ousar conversar com o demnio, que jurou: se Al restaurasse a sua sade, puni-la-ia com cem chicotadas, e em seguida proferiu a seguinte orao: Meu Deus, um demnio me aflige, mas Tu s o mais misericordioso entre todos. Al enviou o Anjo Gabriel, que tomou J pela mo e ergueu-o. No mesmo instante a fonte de gua do povoado de Bir Ayub, no vale ao sul de Jerusalm, jorrou aos ps do Patriarca que, orientado pelo anjo, imediatamente bebeu da sua gua. Os germes que provocavam suas feridas caram imediatamente do seu corpo. Em seguida, ao se banhar na fonte, sua sade e aparncia foram restauradas. Al ento ressuscitou seus filhos, rejuvenesceu sua esposa e a fez to companheira, que ele teve com ela mais 26 filhos. Para que o Patriarca fosse capaz de sustentar uma famlia assim to grande e tambm para compens-lo pela perda da sua riqueza, seus campos cultivados

nos arredores de Bir Ayub ficaram cobertos de moedas de ouro e prata, que choviam de duas nuvens enviadas com este propsito. Mais tranqilo com estas evidncias da misericrdia do Todo-Poderoso, J arrependeu-se da promessa que fizera, e desejava no ter de chicotear a esposa. Em meio a este conflito pessoal, Gabriel veio novamente em seu auxlio. O anjo sugeriu que o Patriarca recolhesse um galho de palmeira com cem folhas e com ele chicoteasse sua esposa, considerando que assim ela receberia a punio prometida. Alm da esposa devotada, J tinha um parente que foi um dos homens mais fantsticos que j viveu em todos os tempos, conhecido como El Hakim Lokman. Mas tambm j ouvi dizer que se chamava El Hakim Risto. Esse grande homem era filho de Baura, que por sua vez era filho ou neto da irm de J, embora alguns digam que era da sua tia. Viveu por muitas centenas de anos, at a poca de David, de quem se tornou amigo. Era um homem extremamente feio, de pele spera, lbios grossos e ps chatos. Para compens-lo de suas deformidades, Al lhe concedeu sabedoria e eloqncia. Quando lhe foi permitido optar entre os dons da profecia e os da sabedoria, escolheu o ltimo. O Profeta David queria que ele fosse rei de Israel, mas El Hakim recusou essa importante posio e contentou-se em permanecer um simples Hakim. Aps ter sido preso e vendido como escravo por bedunos, que atacaram Hauran8 e roubaram o rebanho de J, El Hakim recuperou a liberdade de uma maneira impressionante. Certo dia seu senhor, aps ter-lhe dado um melo amargo para comer, ficou agradavelmente surpreso com sua obedincia em consumir todo o fruto e perguntou-lhe como era capaz de comer algo de sabor to ruim. Lokman respondeu que no deveria

causar surpresa o fato de ele aceitar, de vez em quando, algo ruim de algum que havia lhe conferido tantos benefcios. A resposta agradou tanto a seu senhor, que este lhe concedeu a liberdade.

A histria seguinte a que mais diz respeito a esse sbio. Um homem muito rico estava bastante doente e os mdicos diziam que um bicho lhe apertava o corao e que morreria fatalmente. El Hakim Lokman foi chamado como a ltima esperana. Ele afirmou que uma cirurgia poderia salvar o paciente, mas era muito arriscada. O homem doente aceitou esta que seria a sua ltima tentativa de permanecer vivo e enviou ao Kadi, ao Mufti, a todo o Conselho de Notveis e a todos os presentes um documento assinado e selado que exonerava Lokman de qualquer culpa no caso de ele morrer durante a cirurgia. Feito isso, despediu-se de seus parentes e amigos. Lokman convidou todos os demais mdicos da cidade a acompanharem a cirurgia, mas antes os fez jurar que s interfeririam por motivo humano e no por inveja. Contudo, ele no convidou um mdico: seu sobrinho, que, no obstante tivesse alcanado um nvel de excelncia mais elevado do que Lokman, o invejava demasiado (esta inimizade entre parentes era comum, mas o sobrinho era o seu pior rival, o que deu origem ao seguinte ditado popular: Se no tens um sobrinho, mas s to estpido a ponto de desejares um, toma um monte de barro, molda um para ti e faa-o ao teu gosto; ento, quando estiver perfeito, permita que finalmente ganhe vida e ento o fira). Esse rapaz resolveu acompanhar a cirurgia mesmo sem ter sido convidado. Para isso subiu no telhado da

casa, onde, por uma clarabia, podia observar tudo que acontecia.. Lokman administrou haxixe ao enfermo, e, assim que o anestsico fez efeito, passou a abrir o peito do paciente. Constatou um caranguejo enorme que lhe apertava o corao. Lokman tremeu: Esta , com certeza, a causa da enfermidade, mas no tenho idia de como retirar esse bicho da. Se algum souber como agir, que se apresente, em nome de Al. Os mdicos responderam: No sabemos como remover a criatura, pois se usarmos a fora ele poder apertar ainda mais o corao e matar o paciente. Assim que foram pronunciadas essas palavras desanimadoras, para surpresa e constrangimento de Lokman, a testemunha escondida no telhado da casa gritou para dentro do recinto: Afastem-no com fogo, seus tolos!. Ao ouvir esta que era a sugesto mais oportuna, Lokman enviou um dos seus assistentes at a Rua dos Aougueiros com a incumbncia de pedir emprestado ao primeiro proprietrio de uma loja de kobabs assados9 um espeto de ferro. Pediu a outros que preparassem um braseiro e, por ltimo, aos demais que coletassem l de algodo. Depois de tudo preparado, o grande Hakim embrulhou tecido mido ao redor do cabo do espeto de ferro para empunh-lo e o mergulhou no fogo at sua ponta ficar vermelha como brasa. Enquanto isso, um dos mdicos assistentes preparou, obedecendo suas ordens, dois pequenos chumaos de l de algodo. Com o espeto em brasa, tocou uma das garras do caranguejo. A dor repentina fez com que o bicho a erguesse. Pegou-a com um chumao de algodo e arrancou-a. Arrancou todas as garras do mesmo modo e, por fim, retirou o caranguejo sem riscos ao paciente. Enquanto Lokman limpava os ferimentos com uma colher

de prata, seu sobrinho gritou l do telhado: Cuidado para no tocar um corao humano com metal. Pegou ento um pedao de madeira que estava mo e amarrou-o ao redor da colher para este fim. Aps ungir os ferimentos do corao, costurou o peito do paciente, que se recuperou imediatamente e desfrutou de uma vida longa.

5. ABRAHO,A

O

AMIGO

DE

DEUS

braho, cujo sobrenome Khalil Al ou El-Khalil, o Amigo de Deus, era filho de Terach, um escultor e tambm vizir de Nimrod, Rei de Kuta.10 Nimrod era to impiedoso, que obrigava seus sditos a louvarem-no como se fosse um deus. O Rei Nimrod teve um sonho que muito o perturbou. As interpretaes dos adivinhos diziam que muito em breve nasceria um grande profeta que repudiaria a idolatria e levaria o rei runa. A fim de evitar isso, o tirano convocou todos os homens para comparecerem ao acampamento militar e ordenou o massacre de todo beb do sexo masculino que nascesse em seus domnios. O rei ordenou tambm que todas as mulheres grvidas fossem acompanhadas de perto e, no caso de gerarem um menino, a criana deveria ser morta ao nascer. Apesar de todas estas precaues, a esposa de Terach concebeu Abraho e o fato foi mantido em segredo. Chegado o momento do parto, foi levada em oculto por anjos para uma caverna escondida e com acomodaes bastante adequadas, situada no povoado de Barzeh, prximo a Damasco. O parto transcorreu sem dor, graas a Al. Ela deixou o recm-nascido aos cuidados dos seres celestiais, e voltou para casa em perfeito estado de sade e vigor.

Terach que, como todos os homens, estava sempre fora de casa a servio de Nimrod ignorou por um longo tempo o que ocorrera na sua ausncia. A esposa tinha permisso para visitar o filho periodicamente e sempre ficava surpresa com o crescimento e beleza extraordinrios do beb. Em um dia ele cresceu tanto quanto uma criana se desenvolve em um ms e, em um ms, tanto quanto outra cresceria em um ano. Ele tambm se alimentava de uma maneira maravilhosa. Ao entrar um dia na caverna, sua me encontrou a criana sentada sugando os prprios dedos com muito gosto. Desejando saber por que fazia isso, ela examinou as pontas dos seus dedos e descobriu que do primeiro jorrava leite; do segundo, mel; do terceiro, manteiga; do quarto, gua. Isto era muito conveniente e a me deixou de se surpreender com o notvel desenvolvimento do filho. Aos 15 meses de vida ele j conversava fluentemente e, muito questionador, fazia perguntas desconcertantes me: Me, quem o meu senhor?. Sou eu, ela respondia. E quem o seu senhor?. Seu pai. E quem o senhor do meu pai?. Nimrod. E quem o senhor de Nimrod?. Hush!, resmungou a me, batendo de leve na boca do filho. Na verdade ela estava to feliz, que no podia mais manter a existncia do garoto ignorada do marido, o vizir. Este ento veio, foi conduzido caverna e perguntou a Abraho se ele era de fato seu filho. O pequeno Patriarca respondeu afirmativamente e ento fez as mesmas perguntas ao pai, que deu as mesmas respostas da me.

Em um final de tarde, Abraho pediu me que o deixasse sair da caverna. Ela consentiu. Uma vez do lado de fora, ficou encantado com as maravilhas da Criao e fez uma declarao impressionante: Aquele que me criou concedeu tudo o que me era necessrio, deu-me de comer e de beber, Ele e somente Ele o meu Deus. Entardecia, e o sol, na linha do horizonte, brilhava intensamente. O menino olhava e admirava: Com certeza este o meu Deus!. Mas o astro mergulhou no oeste e desapareceu. Abraho ficou desapontado: No gosto de coisas que mudam. Este no pode ser o meu Deus. Neste meio tempo surgiu a lua cheia, derramando sua luz suave por todo o cu, e a criana disse, com um sorriso: Certamente este o meu Deus!, e ficou admirando-a a noite inteira. Ento a lua tambm se foi e, muito decepcionado, Abraho exclamou: Eu estava absolutamente errado, a lua no pode ser o meu Deus, porque eu no gosto das coisas que mudam. Mais tarde o cu foi tingido com todas as cores gloriosas do amanhecer e o sol surgiu em todo o seu esplendor, acordando homens, pssaros e insetos para a vida, banhando todas as coisas em uma glria dourada. Mais do que impressionado, o menino gritou: Certamente este o meu Deus!. Mas medida que as horas passavam, o sol comeou a descer em direo ao oeste e as sombras se alargaram at que a noite mais uma vez cobriu a terra. Muito desapontado, o rapazinho murmurou: Mais uma vez eu estava errado. Nenhum astro, lua ou sol podem ser o meu Deus. No gosto das coisas que mudam. Em meio angstia de sua alma, fez a seguinte prece: Al, Grande, Indecifrvel e Imvel Deus, revela-Te para o Teu servo, guia-me e me guarda do erro. O pedido foi atendido e o Anjo Gabriel foi enviado para instruir o jovem em sua busca incessante pela verdade.

Aos dez anos de vida Abraho passou a exortar as pessoas a rezarem unicamente para Al. Certo dia entrou em um templo que continha inmeras imagens de deuses e, ao perceber que estava sozinho, quebrou todos os dolos com um machado, exceto o maior deles, que deixou prximo aos que destrura. Ao entrarem no templo, os sacerdotes ficaram furiosos e, ao verem Abraho, acusaram-no de sacrilgio. Ele ento lhes contou que ocorrera uma enorme discusso entre os deuses e que o maior destruiu aqueles que o haviam provocado. Quando os sacerdotes responderam que isto era impossvel, o menino lhes mostrou que suas prprias palavras afirmavam a estupidez de suas crenas idlatras. Como era de se esperar, os sacerdotes ignoraram os argumentos daquele menino insolente de dez anos de idade e denunciaram-no a Nimrod, que construiu um grande forno, encheu-o de lenha, ateou fogo e ordenou que Abraho fosse jogado l dentro. Entretanto, o forno era to grande e estava to quente que ningum ousava se aproximar para cumprir a ordem real. Foi a que Iblis, o pai de todos os demnios, mostrou a Nimrod como construir uma mquina pela qual o jovem mrtir, com mos e ps amarrados, poderia ser arremessado s chamas. Mas Al estava atento e preservou o garoto: para Abraho o forno era um lugar to agradvel e fresco como um roseiral regado pelas fontes mais refrescantes. O menino saiu do forno sem um ferimento sequer.1 Naquela poca o rei construiu uma torre grandiosa que alcanava uma altura inimaginvel. Uma vez l em cima, o rei imaginava que poderia tocar o cu. Quando a construo da1

Este livro foi digitalizado e distribudo GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a inteno de facilitar o acesso ao conhecimento a quem no pode pagar e tambm proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras. Se quiser outros ttulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, ser um prazer receb-lo em nosso grupo.

torre alcanou uma determinada altura, Al confundiu as lnguas dos trabalhadores. De uma hora para outra, 73 lnguas passaram a ser faladas ao mesmo tempo e no mesmo lugar, causando um ruidoso bl bl bl; por isso a construo ficou conhecida como Torre de Babel. Peregrinos de Mosul e de Bagd (cidades do atual Iraque) afirmam que suas runas existem at hoje em seu pas. Fracassado em seu intento, Nimrod construiu uma mquina voadora to simples quanto engenhosa. Constitua-se de um compartimento com uma tampa em cima e outra embaixo. Quatro guias treinadas especialmente para isso foram presas cada uma em um dos quatro cantos do compartimento; ento foram fixados quatro espetos diante de cada ave e em cada um deles foi pendurado um generoso pedao de carne crua. Os pssaros levantaram vo a fim de abocanhar a carne e, ao faz-lo, carregaram consigo o compartimento onde estavam Nimrod e um arqueiro. As aves presas curiosa mquina voadora no tinham como alcanar a carne e assim a geringona subia mais e mais. Quando estavam to alto a ponto de a terra praticamente no poder mais ser vista, o rei ordenou ao arqueiro que atirasse uma das flechas aos cus. Antes de subir, Nimrod, que era precavido, mergulhou as pontas das flechas em sangue. Cada uma delas foi atirada aos cus e, quando no restou uma sequer, os espetos com pedaos de carne foram retirados e puxados pela abertura superior do compartimento. Ao se perceberem privadas do alimento to desejado, as outras trs guias, j cansadas, passaram a descer, claro. Ao aterrissar, Nimrod apontou para as flechas cadas como prova de que havia ferido Al, e Este fora incapaz de lhe causar qualquer mal. Esta blasfmia decepcionou inteiramente a sua gente, cuja

confiana em Nimrod j havia sido duramente abalada quando Abraho fora arremessado ao forno em chamas. Al tampouco deixou que a maldade do rei passasse impune. Para deixar bem clara a grandiosidade do Seu poder, o Todo-Poderoso empregou a menor das Suas criaturas para humilhar aquela que era a mais arrogante delas. Uma mosca do deserto foi enviada para entrar nas narinas do rei e atingir-lhe o crebro. Por duzentos anos atormentou Nimrod dia e noite, at a sua morte. No final da vida a sua agonia era to intensa, que ele s conseguia alvio mediante golpes constantes na cabea, aplicados com machado de ferro por um homem que ele contratou exclusivamente para essa finalidade. Neste meio tempo, quando Nimrod descobriu que no tinha como ferir Abraho e que muitas pessoas estavam se convertendo sua f, o rei expulsou o Profeta dos seus domnios. Mas assim que deu esta ordem, arrependeu-se e enviou uma tropa de soldados montados em mulas que haviam sido usadas para carregar lenha para o forno a fim de recaptur-lo. Quando o Patriarca, que montava em um burro, viu os soldados distncia, deu-se conta que no teria como escapar vivo, a menos que abandonasse o animal e se escondesse em algum lugar. Ento ele desceu e saiu correndo. Aps correr por algum tempo, passou por um rebanho de bodes e pediu-lhes proteo. Estes recusaram e o puseram para correr. Por fim Abraho viu um rebanho de ovelhas que, ao mesmo pedido, concordaram de imediato e o esconderam. Fizeram-no deitar-se rente ao cho e se aglomeraram de tal forma que os inimigos passaram por elas e nada notaram. Como recompensa, Abraho pediu a Al que lhes concedesse caudas longas e polpudas, pelas quais so conhecidas hoje as ovelhas

do Oriente Mdio; e como punio aos bodes, pediu para eles caudas bem curtas e retas, curtas demais para resguardar a decncia; as mulas, que at ento haviam sido capazes de procriar, tornaram-se estreis, pois carregaram lenha para o forno deliberadamente e levaram de boa vontade os soldados de Nimrod em perseguio a Abraho, o amigo de Deus. Depois disso o Profeta viveu muitas aventuras no Egito e em Beer Sheva no deserto do Neguev, na Terra Santa quando aconteceram coisas que sou incapaz de contar melhor do que um dos xeiques da grande mesquita de Hebron, que me fez o seguinte relato: Aps escapar do Rei Nimrod, Abraho recebeu ordens para ir a Meca e l construir um santurio. Chegando ao seu destino, foi instrudo a oferecer o seu querido filho Ismael como sacrifcio em Jebel Arafat, a montanha onde Ado reencontrou Eva. Iblis, na esperana de perturbar a vida do Patriarca e seu filho, foi at Hagar, a Matriarca do povo rabe, e implorou para que ela dissuadisse o marido de um dever to cruel. Ela agarrou uma pedra e arremessou-a contra o Diabo. Embora no lhe tenha causado qualquer dano, o local onde a pedra foi atirada conhecido como Ash Sheitan er Rajim, Sat, o Apedrejado ou Aquele que para ser apedrejado mostrado at hoje aos peregrinos. Ao finalizar a construo do santurio,Abraho foi orientado a construir outro em Jerusalm. Aps constru-lo, recebeu ordens para erguer um terceiro santurio em Hebron. Foi-lhe informado que o local seria indicado por uma luz sobrenatural que iluminaria a rea noite. Outra histria nos conta que trs anjos disfarados de homens apareceram ao Patriarca que, ao ver os peregrinos, convidou-os para entrar em sua tenda e ofereceu-lhes uma generosa refeio. Outra ainda relata que, sabe-se l como, um

bezerro chamou a ateno de Abraho, que o seguiu at uma determinada caverna. Ao seguir o animal, ouviu uma voz que vinha da cmara interna da caverna, e esta lhe dizia que estava entrando no sepulcro do Patriarca Ado, onde deveria construir um santurio. Uma terceira histria diz que um camelo muito estranho aproximou-se de Abraho e o guiou at um determinado lugar. Desta vez Iblis conseguira enganar o Patriarca, que passou a construir o santurio em Ramet el Khalil, distante uma hora de Hebron. No entanto, depois de assentar algumas pedras neste lugar, onde ainda podem ser vistas, Al lhe mostrou o erro e Abraho seguiu para Hebron.

Naquela poca Hebron era habitada por judeus e cristos, cujo lder era Habrun.11 Abraho veio visit-los e disse que pretendia comprar tanta terra quanto a sua vestimenta de l de ovelhas fosse capaz de cercar caso fosse cortada em tiras. s gargalhadas, Habrun disse: Eu lhe venderei este tanto de terra por 400 dinares de ouro, e cada 100 dinares devem ter a efgie de um sulto diferente.12 Era chegada ento a hora das oraes vespertinas e Abraho pediu para se afastar a fim de fazer suas oraes. Retirou sua vestimenta e a estendeu sobre o cho como se fosse um tapete. Ento realizou suas preces na posio adequada, acrescentando um pedido da soma exigida para aquisio das terras. Ao se levantar dos joelhos e vestir a tnica novamente, notou que ao seu lado havia quatro sacolas, cada uma com 100 dinares de ouro, e cada cento com a efgie de um sulto diferente. Ento, na presena de 40 testemunhas, Abraho entregou o dinheiro nas mos de Habrun, passou a cortar sua roupa em tiras e a cercar a terra que comprara. Habrun protestou, dizendo

que

no

era

este

o

acordo,

mas

Abraho

apelou

s

testemunhas, que decidiram que o tamanho ou nmero de tiras em que a roupa deveria ser cortada no havia sido especificado. Isso deixou Habrun to enfurecido que ele levou as 40 testemunhas ao topo da colina a sudoeste da cidade onde at hoje pode-se visitar as runas de Deyr el Arbain, o Convento dos Quarenta e l degolou-lhes a cabea. Mas nem assim conseguiu silenci-los, pois cada uma das cabeas, ao rolar colina abaixo, gritava: O acordo foi que a vestimenta deveria ser cortada. Abraho recolheu os cadveres e enterrou-os, cada um no local onde a respectiva cabea parou de rolar.

Alm da sua f inabalvel na proteo de Al, Abraho tambm era conhecido por sua hospitalidade. Ele sempre dizia: Eu era um pobre estrangeiro e fugitivo sem dinheiro, mas Al cuidou de mim e me fez rico. Por que ento eu no deveria demonstrar bondade com meus semelhantes?. Em sua casa Abraho tinha uma sala onde havia uma mesa sempre pronta para saciar a fome de todo forasteiro faminto, bem como roupas novas para aqueles que chegavam vestidos em trapos. Antes de fazer suas prprias refeies ele sempre saa das suas terras e andava alguns que quilmetros lhe fizessem na esperana de encontrar to convidados companhia. Apesar de

generoso, no lhe faltava dinheiro, muito pelo contrrio: Al o agraciou com muita riqueza. Em determinado ano uma grande estiagem maltratava as terras e o Patriarca enviou seus servos a um amigo que tinha no Egito, pedindo-lhe certa quantidade de gros. O amigo, pensando que teria uma oportunidade para arruinar o amigo de Deus, respondeu que se os gros tivessem sido pedidos para uso de Abraho e os seus, e no para outros,

ele teria lhe fornecido com prazer; mas, assim que soubera que o alimento seria consumido por vagabundos e mendigos, considerou que estaria agindo errado em envi-lo, pois este estava escasso no mundo inteiro durante aquele ano. Os servos de Abraho, que lhe eram muito leais, estavam envergonhados em retornar propriedade do Patriarca de mos vazias. Ento encheram seus sacos com areia branca e, ao chegarem, contaram o que aconteceu. Abraho ficou muito decepcionado com a traio do amigo e foi dormir refletindo sobre o ocorrido. Sara, que nada sabia, abriu um dos sacos e encontrou-os repletos da mais bela farinha, com a qual assou muitos pes. Assim, quando os amigos falharam, Deus socorreu Abraho. Abraho era to hospitaleiro que no conseguia entender como os outros no o pudessem ser exatamente como ele. Certo dia teve que deixar sua casa para visitar uma parte distante do pas onde pastavam alguns dos seus rebanhos, guardados pelos respectivos pastores. Ao chegar ao local onde esperava encontr-los, um beduno lhe contou que eles haviam partido em busca de outros pastos bem longe dali. Ento Abraho aceitou o convite do rabe para entrar na sua tenda e descansar um pouco. Uma criana foi morta para servir de refeio. Algumas semanas depois Abraho passou novamente pelo mesmo caminho e encontrou o mesmo beduno que, em resposta sua pergunta sobre por onde andavam os seus pastores, respondeu: Esto algumas horas ao norte do local onde matei uma criana por ti. Abraho ficou quieto e seguiu sua jornada. Algum tempo depois ele passou pela terceira vez pelo mesmo lugar e, ao encontrar o beduno, este lhe contou que os rebanhos que procurava estavam a uma certa distncia ao sul do local onde matei uma criana por ti. Na quarta vez

que Abraho encontrou o homem, este lhe disse que as ovelhas estavam assim e assim a leste do local onde aquela pobre criana havia sido morta. Ah, meu Deus, exclamou Abraho, Tu sabes o quo desapegado sou. Dou hospitalidade sem fazer diferenas. Eu te peo, pois, que assim como este homem colocou este pobre menino entre os meus dentes, que eu possa vomit-lo, apesar do longo tempo desde que o devorei involuntariamente. A prece recebeu resposta imediata e o menino ressuscitou so e salvo. Entre outras coisas que, segundo a tradio islmica, Abraho instituiu, devemos mencionar trs. A primeira o rito da circunciso, institudo a fim de que os cadveres dos muulmanos cados em batalha pudessem ser distinguidos dos corpos dos descrentes e recebessem um enterro decente. A segunda, o uso daquelas largas calas orientais conhecidas como Sinval. At a poca de Abraho, a nica vestimenta era aquela conhecida como Ihram, que os peregrinos tinham que usar quando se aproximavam de Meca. Tratava-se de tecidos de l bem grosseira e outros do mesmo tipo jogados sobre os ombros. Considerando-as inadequadas modstia, o Patriarca perguntou a Al se no seria mais adequado que as pessoas usassem tambm roupas de baixo. Ento o Anjo Gabriel foi enviado do Paraso com uma pea de tecido da qual foi cortado o primeiro par de sirwals, que vm a ser as ceroulas, e ensinou a Sara (que foi a primeira pessoa desde a poca de Idris Enoch, av de No a usar uma agulha) como confeccion-las. Entretanto, Iblis, morrendo de inveja, contou aos infiis que sabia de um modo mais econmico e eficiente de confeccionar roupas e, como prova, confeccionou as ceroulas, que, naqueles dias de depravao e degenerao, passaram a ser usadas por alguns orientais vista de todos. A terceira inovao que comeou com

Abraho foram os cabelos grisalhos. At a sua poca era impossvel distinguir os jovens dos velhos, mas o Patriarca pediu que Al desse algum sinal que demarcasse a diferena. Em resposta ao seu pedido, sua prpria barba ficou branca como a neve. Ele tambm foi o inventor das sandlias, pois antes dele as pessoas andavam descalas. Abraho obteve de Al a promessa de que no morreria at que assim o desejasse. Entretanto, como o Patriarca era muito apegado vida e nunca se decidia pelo dia da sua morte, o Todo-Poderoso resolveu ento que o momento havia chegado e foi obrigado a fazer seu amigo partir deste mundo. Por outro lado, outras pessoas me contaram uma verso diferente para a morte do Patriarca. Voc j sabe que Abraho era muito hospitaleiro. Certo dia, ao ver um homem muito velho caminhando com dificuldade por suas terras, enviou um servo com um burro para ajud-lo. Quando o estranho chegou, Abraho, como de costume, recebeu-o com muita hospitalidade e lhe ofereceu uma refeio. No entanto, como o convidado ficava cada vez mais debilitado medida que comia e era com muita dificuldade que levava um pouco de comida boca, o Patriarca, que o observava com surpresa e piedade, perguntou: Do que padeces, meu bom homem? a fraqueza da idade, respondeu. E qual a sua idade?, perguntou Abraho. Ao ouvir a resposta, exclamou: O qu! Ser que daqui a dois anos estarei como o senhor? Com toda certeza!, respondeu o forasteiro. Ento Abraho voltou-se ao Todo-Poderoso e pediu: Meu Deus, leve a minha alma antes que eu chegue a uma condio to digna de pena!. Em seguida o homem velho, que era

Azrael, o Anjo da Morte disfarado, revelou-se e recebeu a alma do amigo de Deus. Abraho foi enterrado na caverna da Machpel, em Hebron, ao lado de Sara, sua esposa. Cada um ao seu tempo, o filho Isaac e o neto Jacob tambm foram enterrados ali. No entanto, um erro dizer que eles esto mortos em seus tmulos, porque esto vivos e bem. Esses profetas, assim como David e Elias, ainda aparecem de tempos em tempos para salvar os servos de Deus em pocas de perigo e perseguio, conforme me contou o rabino-chefe dos judeus em Hebron. Os judeus de Hebron, disse-me ele, eram muito pobres e s faziam jejuar e pedir por auxlio. A noite anterior ao dia em que receberiam seus salrios era passada em claro, em oraes incessantes na sinagoga. O dinheiro, entretanto, ia quase todo para o perverso Pash, que lhes tomava tudo em impostos. Certa vez, por volta da meia-noite, eles ouviram fortes batidas no porto do seu bairro. Um deles foi at l e, tremendo de medo, perguntou quem era o forasteiro que vinha perturb-los uma hora dessas. Um amigo, foi a resposta. Ainda com medo, no abriu e voltou para a sinagoga. Neste meio tempo, o homem que estava do lado de fora estendeu a mo por entre o porto e deixou uma grande sacola na fenda que havia no muro interno do bairro. Ento seu brao recuou e tudo ficou como antes. A sacola foi encontrada e, para surpresa de todos, continha a soma exata de ouro que lhes era exigida como imposto pelo Pash. Na manh seguinte, os judeus se apresentaram diante do seu opressor e depositaram o dinheiro aos seus ps. Ao ver a sacola, o Pash recuou e questionou como esta viera parar ali. Ao saber do ocorrido, confessou que aquela sacola e o ouro nela contido haviam sido seus at a noite passada quando, embora sua tenda estivesse fortemente protegida, um xeique

ricamente vestido veio e tomou-a, ameaando o Pash de morte instantnea caso se movesse ou dissesse uma s palavra. Ele ento soube que Abraho viera para proteger os judeus, e pediu-lhes perdo pela conduta perversa que costumava ter com eles. Os judeus de Hebron ainda mostram a todo visitante a fenda no muro onde Abraho colocou a sacola com o dinheiro.

6. LOTE

E A

RVORE

DA

CRUZ

m seu leito de morte, o Patriarca Ado ficou to aterrorizado com a idia da sua prpria partida, que enviou seu filho, o Patriarca Set, at o porto do Paraso a fim de pedir ao querubim que l estava de guarda para lhe dar um fruto da Arvore da Vida. Todavia, o anjo, incapaz de atender ao pedido, sentiu pena da raa humana e obteve permisso de Al para entregar ao mensageiro uma muda com trs ramos. Set voltou para casa, mas encontrou seu pai j morto. Plantou a muda no tmulo altura da cabea de Ado, onde esta criou razes e cresceu ao longo dos sculos. Embora tenha sobrevivido ao Dilvio, foi esquecida pelos seres humanos. O Patriarca Lot, cuja esposa foi transformada em uma gigantesca esttua de sal, que ainda causa admirao, nas proximidades de Jebel Usdum na costa sul do mar que leva seu nome, tambm conhecido por Mar de Sal ou Mar Morto , cometeu um pecado to grave que, quando se deu conta, desesperou-se. Ele teria cometido suicdio se um anjo de Al no tivesse aparecido e dito que havia uma rvore que, se regada e cuidada, traria graa a toda a humanidade. Entusiasmado, Lot preparou-se para sair em sua busca. O dia estava terrivelmente quente quando ele partiu: soprava o Siroco, aquele vento

quente que vem do Mediterrneo, desde o Norte da frica. Assim que chegou ao topo de uma montanha, avistou um peregrino caminhando nos arredores, aparentemente exausto. Lot, que tinha um bom corao, ofereceu-lhe um pouco de gua. Para sua surpresa, o peregrino que era Iblis, o pai de todos os demnios virou a jarra num s gole. Sem dizer palavra, Lot voltou ao rio Jordo e encheu novamente a jarra; e mais uma vez, quando j havia vencido uma boa parte do caminho, Sat, disfarado de um pobre peregrino, abusou da sua bondade e bebeu toda a gua outra vez. Uma terceira tentativa foi frustrada da mesma maneira. Por fim, o penitente, arrasado com o terceiro fracasso, caiu ao cho, gemendo: Se eu no consigo aliviar o sofrimento de todos os homens, pelo menos mato a sede daqueles que j esto cados. Por outro lado, se eu der de beber a todo homem sedento que encontrar, como poderei regar a rvore da minha salvao?. Triste e vencido pela fadiga, Lot caiu em sono pesado e sonhou. Em sonho o anjo lhe apareceu mais uma vez e disse onde estavam os verdadeiros peregrinos, acrescentando que a sua bondade agradara a Al e os seus pecados haviam sido perdoados. Enquanto isso, a rvore fora regada pelos anjos. Lot morreu em paz e a rvore cresceu e floresceu. No entanto, o diabo no deixou de tentar destru-la e conseguiu persuadir o rei de Tiro, Hiram, a cort-la para a construo do Templo de Salomo. O tronco foi levado a Jerusalm, mas como o arquiteto no encontrou como us-lo, deixou-o no vale a leste da cidade, onde serviu como ponte sobre as torrentes do rio Kidron (entre Jerusalm e o Monte das Oliveiras, no setor oriental da cidade; no inverno suas guas so turvas e escuras e no vero est seco) e foi usada como passagem at que Belkis, a Rainha de Sab, veio visitar Salomo. Assim que se aproximou

da cidade, ela sentiu no corao a natureza preciosa da ponte que teria de cruzar. Ao alcan-la, recusou-se a colocar os ps e ento se ajoelhou e rezou. O sbio rei de Israel, que viera encontrar sua convidada, ficou muito surpreso com sua atitude; mas quando ela lhe contou sobre as origens daquele tronco e o propsito ao qual estava destinado, o rei mandou retir-lo. O tronco foi cuidadosamente limpo e preservado no Templo em uma das cmaras do tesouro e l permaneceu at ser requerido para a construo da cruz na qual Jesus morreu. Qualquer um que examinar as pedras que ainda esto s margens do rio Kidron, prximo ao Pilar de Avshalom,13 em Jerusalm, poder ver algumas das grandes pedras que um dia escoraram aquele tronco maravilhoso.

7. A MORTEA

DE

AAROs

E

MOISSde Israel, na terra dos seus

o

chegarem

fronteiras

antepassados, os israelitas acamparam no pas, prximos ao Wady Musa.14 Em um final de tarde, logo aps terem chegado, Aaro mostrou a Moiss um local em uma encosta distante que parecia muito verde e belo luz do entardecer, e expressou seu desejo de visit-lo. Moiss ento prometeu que viajariam at l ao amanhecer. Assim, na manh seguinte os dois irmos, acompanhados dos respectivos filhos, partiram em uma expedio ao local. Ao alcanarem aquela terra, ficaram felizes em deparar com uma caverna onde encontraram abrigo do sol escaldante. Quando entraram, surpreenderam-se em ver uma bela cama com uma inscrio que dizia: Esta cama est reservada ao uso daquele cuja estatura compatvel e consiga se acomodar sem sobras ou apertos. Cada um dos integrantes

da expedio tentou deitar-se sobre ela; todavia no foram bem-sucedidos; Aaro, quando nela se deitou, coube exato na cama. Enquanto ainda estava deitado, um estranho entrou na caverna e, aps cumprimentar respeitosamente cada um dos presentes, apresentou-se como Azrael, o Anjo da Morte, e decretou que havia sido enviado por Al para receber a alma de Aaro. O venervel Sumo Sacerdote, embora acatasse a vontade do Todo-Poderoso, chorou muito ao ter que abandonar seu irmo, filhos e sobrinhos. Entregou sua famlia aos cuidados de Moiss e pediu que ele os abenoasse. Ento Azrael pediu que todos deixassem a caverna por um tempo. Quando permitiu que retornassem, o Sumo Sacerdote j estava morto sobre a cama. Os demais levaram o corpo, lavaram-no e o prepararam para o enterro. Aps realizarem as oraes apropriadas para a ocasio, trouxeram-no de volta para a caverna e o deitaram sobre a cama. Em seguida, aps fecharem cuidadosamente o tampo da sepultura, retornaram tristemente para o acampamento e contaram ao povo que Aaro estava morto. Ao ouvirem aquelas palavras, os filhos de Israel, que amavam o Sumo Sacerdote, acusaram Moiss de ter assassinado o irmo. A fim de eximir o Seu servo desta acusao, Al fez com que os anjos carregassem a cama com o corpo de Aaro pelos ares e pairassem sobre o acampamento, vista de todo o povo de Israel. Ao verem aquilo, todos proclamaram que Al levara a alma de Aaro e que Moiss era inocente. Sobre a morte do grande Legislador h duas verses diferentes. A primeira, muito comum entre os judeus, relata brevemente como Deus, aps informar a Moiss que a hora da sua partida chegara, permitiu-lhe passar seus ltimos dias exortando o povo de Israel a viver em temor ao Eterno e a cumprir os Seus mandamentos. Ento, ao anunciar solenemente

Josu como seu sucessor e entregar-lhe o governo, Moiss morreu enquanto estudava a Lei, que a Tor. A outra verso, mais comum entre os muulmanos, a seguinte: Assim como ocorrera a Abraho, Moiss recebera a promessa de que no morreria at que ele prprio se deitasse no tmulo por livre e espontnea vontade. Sentindo-se seguro com esta promessa, o Profeta simplesmente se recusou a morrer quando o Anjo da Morte informou que sua hora chegara. O Anjo ficou to bravo, que retornou ao Criador e se queixou da conduta de Moiss. Ento foi enviado novamente e fez promessas sedutoras e muito atraentes: que o seu tmulo seria visitado todos os anos por peregrinaes com milhares de muulmanos e que as prprias pedras ao redor seriam utilizadas como combustvel para acender lamparinas em sua memria. Azrael tambm lembrou Moiss de todos os favores que recebera de Al ao longo da sua vida e predisse as grandes honras que o aguardavam no Paraso. Tudo em vo. O Profeta se fez de surdo para cada um dos argumentos. Finalmente, muito incomodado com a aterrorizante persistncia do anjo, disse-lhe para partir dali, abandonou o acampamento e vagou por entre as encostas em direo ao oeste do Mar Morto. L passou pelo pastor a quem confiara o seu prprio rebanho Jetro, seu sogro quando fora enviado misso de retirar o povo de Israel do Egito. Os dois comearam a conversar e o homem, no escondendo a sua surpresa em ver o Legislador, perguntou-lhe a razo pela qual havia se afastado da sua gente. Quando Moiss lhe contou, o pastor, para sua decepo, tomou partido de Azrael, sugerindo que o Profeta deveria perceber que estaria simplesmente trocando os fardos, dificuldades e tristezas da sua vida pelas

alegrias infindveis oferecidas pela mo direita de Al, e que deveria agradecer com alegria pelo anncio da sua partida iminente. Eu tambm temo demasiado a morte, continuou o sogro, mas a natureza das coisas para uma pessoa como eu, um pobre pecador. Quanto a voc, que tem um conceito to elevado para Al, deveria estar alegre com esta perspectiva. Ao ser repreendido desta maneira, Moiss ficou contrariado e falou: Bom, ento como voc mesmo disse que teme a morte, que voc no morra jamais!. Amem, respondeu Jetro prece do Profeta, mal sabendo que se tratava de uma maldio. Quando Jetro completou os dias normais da sua vida, caiu desmaiado. Seus amigos, imaginando que estava morto, enterraram-no em um lugar onde at hoje seu tmulo pode ser encontrado, no muito longe do de Moiss. No entanto, assim como o Profeta desejara, Jetro no morreu, mas est vivo e vagando por a, montado em um cabrito monts. s vezes visto entre bedunos e caadores de bodes selvagens na regio prxima ao Mar Morto e nos vales a oeste do vale do rio Jordo, bem ao norte do Mar da Galilia, que fica prximo cidade de Tiberades. Alguns confundem o pastor com El Khudr, de quem se diz que teria encontrado a Fonte da Juventude (do qual falaremos em outro conto). Ainda teria sido visto lanando-se de um despenhadeiro, tentando desesperadamente cometer suicdio; tudo em vo. As pessoas que cruzavam seu caminho o descreviam como um homem velho e muito alto, com longos cabelos brancos, barba cor de neve e um nariz enorme. Ele sempre foge quando tentam se aproximar dele. Voltemos a Moiss. Ao deixar o pastor, o Profeta seguiu adiante pelas encostas pedregosas at chegar inesperadamente a um grupo de mineiros que escavavam uma cmara na rocha.

Os homens cumprimentaram-no e Moiss perguntou o que faziam. Eles contaram que o rei daquele pas tinha um tesouro muito precioso e desejava escond-lo cuidadosamente dos olhos das pessoas. Por isso lhes ordenara cavar uma cmara na rocha naquele ponto remoto do deserto. Era meio-dia e o calor era muito forte. Sentindo-se cansado e como no houvesse sombra em lugar algum, o Legislador pediu permisso para entrar na caverna e descansar; permisso cortesmente concedida. Exausto, o Profeta no se lembrara de que havia pedido para se deitar dentro da sua prpria sepultura. Assim que se recostou confortavelmente, o chefe do grupo dos mineiros, que era ningum menos do que o Anjo da Morte disfarado, ofereceu-lhe uma ma. Moiss cheirou a fruta e deu uma mordida, expirando na mesma hora. Ento os rituais fnebres foram realizados pelos supostos trabalhadores, que eram, na verdade, anjos enviados especialmente para esse propsito.

8. DAVIDD

E

SALOMO

avid era um homem que cultivava uma religiosidade e dedicao nicas no cumprimento de suas obrigaes com Deus e com seus semelhantes. Ele costumava dividir o seu tempo em trs partes: devotava um dia para suas oraes ao Eterno e ao estudo da Tor, um dia para questes de Estado e um dia para as obrigaes domsticas e o trabalho sim, porque David trabalhava como qualquer pessoa comum para sustentar sua famlia. E por que um rei deveria trabalhar? Prestem ateno e acompanhem: Depois que assumiu o trono, David vivia ansioso para saber se a sua gente estava satisfeita com o seu governo. Como

sabia que as informaes fornecidas por seus mensageiros no eram confiveis, pois buscavam poupar-lhe de qualquer dissabor, resolveu descobrir por contra prpria e, disfarado, passou a ouvir o que diziam a respeito da sua administrao. Em certa ocasio, foi informado por um anjo em forma de gente que a grande falha do seu governo era viver custa do tesouro pblico em vez de trabalhar com as prprias mos pelo po de cada dia. David ficou muito incomodado e pediu que Deus lhe indicasse algum tipo de trabalho do qual ele e sua famlia pudessem viver sem onerar a nao. Ento o Anjo Gabriel foi enviado para ensinar ao rei a arte de confeccionar armaduras. Da em diante, durante suas horas de lazer o Rei David sempre podia ser encontrado trabalhando em sua oficina. Ele recebia uma profuso de pedidos, pois a armadura que confeccionava era prova de todas as armas existentes na poca. O preo mdio de cada armadura completa era alto, seis mil dinares, e o rei era capaz de confeccionar uma por dia. Um tero de toda receita obtida era destinado manuteno da sua famlia, um tero doado para as pessoas carentes e o que restava era destinado compra de material de construo para o Templo. Seu filho Salomo tambm tinha um negcio: ele conhecia a arte de trabalhar pedras. Em suas mos ganhavam formas as mais variadas. No Domo da Rocha, em Jerusalm, alguns curiosos eixos de mrmore, torcidos como se fossem cordas, so apresentados aos visitantes como de sua autoria.

Certa vez David fez uma peregrinao aos tmulos dos Patriarcas em Hebron e, ao retornar a Jerusalm, expressou em uma longa orao o desejo de ser to abenoado por Deus

quanto eles haviam sido. O rei chegou a afirmar que tinha certeza de que, caso fosse exposto a qualquer tipo de tentao, seria capaz de evitar cada uma delas; dizia isso com a perspectiva de receber uma recompensa equivalente sua conduta. Em resposta, Deus lhe disse que o seu pedido seria atendido, porm, ciente de que a raa de Ado havia degenerado, o Todo-Misericordioso acrescentaria ao pedido uma condio que os Patriarcas haviam sido incapazes de cumprir: que Ele deveria ser informado do exato momento em que David seria julgado por suas aes. Quando este dia chegou, David, inteiramente confiante, subiu no topo de uma torre que at hoje leva o seu nome15 e ordenou que no fosse perturbado em hiptese alguma. Ele passou o tempo lendo e meditando. Muitos pombos de pedra passaram a sobrevoar a torre e o rei teve a suas oraes perturbadas pelo bater das asas. Ao olhar pela janela, viu o pombo mais maravilhoso jamais visto: tinha uma plumagem que reluzia um arco-ris de cores; suas penas eram de ouro e cravejadas de pedras preciosas. O rei ento jogou algumas migalhas de po no cho; o pssaro se aproximou e veio biclas aos seus ps, mas fugia sempre que estava prestes a ser capturado. Por fim, voou at a janela e l pousou. David tentou captur-lo novamente, mas a criatura escapou e ento, enquanto admirava o vo do pssaro, o rei viu aquilo que o levaria aos seus grandes crimes cometidos contra Urias. Dois anjos foram enviados em seguida, disfarados de homens, para reprovar a conduta do monarca. Quando alcanaram o porto da Torre de David, os guardas os impediram de entrar; contudo, para assombro deles, os homens escalaram o muro da fortaleza com extrema facilidade e entraram na cmara real. Surpreso com a chegada no

anunciada e sem ter como escapar, David exigiu saber o que queriam dele e ficou estupefato quando eles relataram a parbola da ovelhinha.16 Deus enviou Natan at David, que lhe contou: Havia numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. O rico tinha ovelhas e gado em grande nmero; mas o pobre no tinha coisa alguma a no ser uma ovelhinha que comprara e criara. A criaturinha crescera em sua casa, junto com seus filhos. Comia do seu po e do seu copo bebia; dormia nos seus braos e era tratada como uma filha. Quando um viajante chegou casa do homem rico, este no quis sacrificar nem uma das suas ovelhas ou do seu gado para lhe dar de comer; em vez disso, tomou a ovelhinha do homem pobre e a preparou para o seu convidado. David ficou irado com a conduta do homem rico, e disse a Natan: To certo como Deus vivo, o homem que fez isso deve morrer. Natan respondeu: David, voc este homem, porque foi voc, que um rei e tudo tem, que tomou a mulher de Urias aps mat-lo ao fio da espada. Em seguida os anjos denunciaram a sua iniqidade e, com a misso cumprida, partiram deixando o rei com tal remorso por ter fracassado em resistir tentao, conforme havia prometido, que chorava dia e noite. As montanhas e os vales, as rvores e as pedras, os animais selvagens na terra e as aves que se habituaram s canes de louvor a Deus agora se solidarizavam com o rei em suas lamentaes. Era um choro to sentido e as lgrimas de David fluam to copiosamente, que preencheram os reservatrios de gua de Birket el Sultan17 e de Birket Hamam el Batrak.18 Por ltimo, um anjo foi enviado para informar ao pecador arrependido que, em considerao sua penitncia,

Deus perdoava o pecado em relao a Ele, porm para obter o perdo pelo crime cometido contra seu semelhante o rei deveria pedir desculpas diretamente pessoa prejudicada. David ento empreendeu uma peregrinao at o tmulo de Urias. Enquanto confessava seus pecados, veio uma voz de dentro da tumba que disse: Senhor meu rei, como o seu crime me garantiu o Paraso, eu lhe perdo de todo corao. Mas Urias, disse David, eu fiz o que fiz para ficar com a sua esposa!. Como Urias no respondia sua aflio, j desesperado, David rezou a Deus para que Urias o perdoasse. Ento a voz veio da tumba mais uma vez e disse: Eu lhe perdo, Rei David, porque em compensao pela esposa que me foi retirada na terra, Al me concedeu mil mulheres no Paraso.

No muro sul do Domo da Rocha em geral chamado equivocadamente de Mesquita de Ornar do lado direito, bem junto ao porto externo, h duas pequenas placas de mrmore. Foram cortadas do mesmo bloco, e por isso apresentam os mesmos veios. Colocadas lado a lado, as linhas dos veios formam uma figura que se parece com dois pssaros empoleirados nos lados opostos de um mesmo vaso. A imagem est em uma pedra de mrmore escuro, e sobre ela conta-se o seguinte: Certo dia, o grande Rei Salomo estava sentado prximo janela do seu palcio ouvindo palavras de amor trocadas entre um casal de pombos que estavam no telhado. O pombo se gabava: Quem este Rei Salomo? E por que se orgulha tanto das suas construes? Porque eu, se quiser, posso bic-las e derrub-las em um minuto!.

Ao ouvir isso, Salomo inclinou-se sobre a janela, chamou o pssaro fanfarro e lhe pediu para explicar os motivos pelos quais mentia daquele jeito. Majestade, foi a estridente resposta, perdoe-me, pois eu estava me exibindo para uma fmea. O rei sabe que ningum deixa de se vangloriar nessas circunstncias. O monarca soltou uma gostosa gargalhada e ordenou que o pssaro voasse dali, advertindo-o para que jamais falasse naquele tom novamente. Aps uma profunda reverncia, o pombo voou para reencontrar sua parceira. Uma vez juntos novamente, a pomba perguntou ao pombo por que o rei o havia chamado. Ah, respondeu cora desdm, ele estava ouvindo o que eu lhe contava e me pediu para no repetir mais isso. Salomo ficou to enfurecido com a irreprimvel vaidade do pombo tagarela que transformou o casal em pedra, como sinal de advertncia aos homens para que no fiquem se vangloriando, e s mulheres para que no os deixem mentir.

Salomo conhecia a lngua das plantas. Sempre que se deparava com uma planta nova ele perguntava o seu nome, o uso, o solo e o modo de cultivo mais apropriado para o seu crescimento e suas propriedades; e a planta respondia com prazer. Foi Salomo que construiu o primeiro jardim botnico do mundo. Certo dia o rei encontrou dentro dos muros do Templo uma planta que lhe era desconhecida e perguntou imediatamente o seu nome. Sou El Karrub, a Caroba,19 foi a resposta. Bem, mas El Karrub tambm significa o destruidor. Qual uso podemos fazer de ti?, prosseguiu o rei. Destruir as suas obras, respondeu a planta. Ao ouvir isso, o Rei Salomo exclamou com

tristeza: O qu? Deus criou a causa da destruio das minhas obras durante a minha vida? Ento pediu a Deus para que, onde quer que viesse a morrer, fosse escondido dos jans (espritos maus) at que os homens soubessem do ocorrido. A razo para este pedido era o temor de que os jans, se soubessem da sua morte antes dos seres humanos, pudessem aproveitar a oportunidade para ensinar crueldades e maldades s pessoas. Aps completar suas oraes, o rei plantou a caroba junto a um dos muros do seu jardim. A fim de evitar ao mximo qualquer dano que esta pudesse causar, acompanhou o seu crescimento todos os dias at que ela se tornou uma rvore forte e muito troncuda. Ele ento serrou os galhos do tronco e com eles fez diversos cajados, que usava em suas caminhadas para monitorar as aes dos espritos maus, que eram seus escravos, a fim de evitar que exercessem seus poderes contra as pessoas. Entretanto, muitos anos antes, Belkis