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IX Colóquio de Pesquisa Sobre Instituições Escolares HISTÓRIA E ATUALIDADE DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA A história dos testes mentais e sua influência no Brasil em tempos de Escola Nova BASSINELLO, Ieda. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde Universidade Federal de São Paulo UNIFESP Campus Guarulhos [email protected] Introdução Nos finais do século XIX, as preocupações com a infância nas teorias psicológicas ganham força, crescendo o número de publicações em relação aos estudos da criança e dos métodos de aprendizagem. Dentre esses estudos, Francis Galton deu um impulso inicial para criação de medidas que pudessem classificar, organizar, comparar, diagnosticar, estabelecer categorias relativas à normalidade e à anormalidade” da criança, dando origem àquilo que poderia ser chamado de “movimento dos testes mentais” (SOUSA, 2004, p. 32). Em 1904, o francês Alfred Binet desenvolve a criação da Escala Métrica da Inteligência (EMI) e esse método passa a ser aplicado não somente a psicologia experimental, mas também à pedagogia com a intenção de aferir a inteligência infantil. Essa metodologia passa a ser aperfeiçoada por outros escolanovistas como Claparéde, Dalton, e Ferrière e os psicopedagogos Simon e Termann. A citação de Goodenough (1949) sintetiza claramente este panorama: Foi o cientista inglês Francis Galton (1822-1944), após largos anos dedicados ao estudo da hereditariedade dos gênios, quem buscou fixar algumas bases de caráter sistemático. Desenvolvendo-lhe as ideias, James McKeen Cattell (1860-1944), mais rigorosamente definiu, em 1880, algumas provas psicológicas, que empregou na seleção de candidatos a uma escola superior, nos Estados Unidos. A Cattell se deve o nome testes mentais, que deveria fazer carreira e incorporar-se à terminologia psicologia universal. Contudo, o passo decisivo nesse terreno veio a ser dado pelo médico francês Alfred Binet (1857-1911) e de seu colaborador Theodore Simon. Encarregados, em 1904, de proceder nas escolas de Paris à triagem das crianças menos dotadas, ou de mais difícil aprendizagem, para que com elas se organizassem classes especiais, tiveram a idéia de utilizar pequeninas provas graduadas que

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IX Colóquio de Pesquisa Sobre Instituições Escolares – HISTÓRIA E

ATUALIDADE DO MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA

A história dos testes mentais e sua influência no Brasil em tempos de Escola Nova

BASSINELLO, Ieda.

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde

Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP

Campus Guarulhos

[email protected]

Introdução

Nos finais do século XIX, as preocupações com a infância nas teorias psicológicas

ganham força, crescendo o número de publicações em relação aos estudos da criança e

dos métodos de aprendizagem. Dentre esses estudos, Francis Galton deu um impulso

inicial para criação de medidas que pudessem “classificar, organizar, comparar,

diagnosticar, estabelecer categorias relativas à normalidade e à anormalidade” da

criança, dando origem àquilo que poderia ser chamado de “movimento dos testes

mentais” (SOUSA, 2004, p. 32).

Em 1904, o francês Alfred Binet desenvolve a criação da Escala Métrica da Inteligência

(EMI) e esse método passa a ser aplicado não somente a psicologia experimental, mas

também à pedagogia com a intenção de aferir a inteligência infantil. Essa metodologia

passa a ser aperfeiçoada por outros escolanovistas como Claparéde, Dalton, e Ferrière e

os psicopedagogos Simon e Termann.

A citação de Goodenough (1949) sintetiza claramente este panorama:

Foi o cientista inglês Francis Galton (1822-1944), após largos anos dedicados

ao estudo da hereditariedade dos gênios, quem buscou fixar algumas bases de

caráter sistemático. Desenvolvendo-lhe as ideias, James McKeen Cattell

(1860-1944), mais rigorosamente definiu, em 1880, algumas provas

psicológicas, que empregou na seleção de candidatos a uma escola superior,

nos Estados Unidos. A Cattell se deve o nome testes mentais, que deveria

fazer carreira e incorporar-se à terminologia psicologia universal. Contudo, o

passo decisivo nesse terreno veio a ser dado pelo médico francês Alfred Binet

(1857-1911) e de seu colaborador Theodore Simon. Encarregados, em 1904,

de proceder nas escolas de Paris à triagem das crianças menos dotadas, ou de

mais difícil aprendizagem, para que com elas se organizassem classes

especiais, tiveram a idéia de utilizar pequeninas provas graduadas que

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servissem a idades sucessivas. Tentaram assim, e com resultado satisfatório,

criar uma escala, partindo da suposição de que uma grande parte das crianças

da mesma idade comporta-se de modo similar, ou idêntico, diante das

mesmas situações problemáticas; e que outras, de modo diverso reagem, mas

de forma a essa comparável. Poder-se-ia, pois, determinar o avanço ou atraso

relativo de cada uma, quanto à capacidade geral de adaptação, ou inteligência

global (apud LOURENÇO FILHO, 1978, p. 70).

Esse movimento caracterizado pela era dos testes mentais ganha forças no Brasil em

meados da década de 1920 quando entra em voga a defesa da Escola Nova. Entre os

defensores escolanovistas podemos destacar Manuel Bergström Lourenço Filho, um dos

signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e autor de Testes ABC para

verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita (1933).

Esse educador realizou vários estudos teóricos e experimentais no Laboratório da

Psicologia Experimental, resultando na criação dos Testes ABC que visava não somente

identificar a variedade mental das crianças em fase de alfabetização, mas também

classificá-las em classes homogêneas mediante o resultado prognóstico desses testes.

No alvo da Escola Nova este teste psicológico tornou-se por durante décadas um novo

instrumento de intervenção nas escolas, alçando doze edições entre o ano de 1933 a

1974.

No entanto, a pesquisa intitulada Lourenço Filho e os Testes ABC revela que esses

testes envolvem não somente elementos de leitura e escrita, mas também aspectos

matemáticos, sendo o objetivo da dissertação de mestrado a análise desses aspectos.

Breve histórico

Na evolução industrial da Europa em meados do século XIX-XX (sobretudo nos anos

de 1870 a 1914) também foi possível visualizar outros fatores em termos educacionais.

Nesse largo ciclo histórico que assistiu ao advento da escola de massas e sua

obrigatoriedade como questão de Estado, nasciam saberes especializados

denominados das mais variadas maneiras pelos mais variados espíritos:

“antropologia pedagógica” (Pizzoli), “pedagogia científica” (Montessori),

“psicologia pedagógica” (Claparède), “pedologia” e “pedotecnia”,

neologismos criados por Oscar Chrisman, para designar o estudo

experimental da criança, e por Decroly, para nomear a ciência aplicada à

criança, e , “pedanálise” outro neologismo criado pelo pastor protestante

Oskar Pfister para designar a educação psicanalítica [...] (MONARCHA,

2009, p. 33).

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De acordo com o mesmo autor, do experimentalismo nascente se consolidava a busca de

uma éducation nouvelle, tomando o “ensino pela ação” e não mais os princípios que

tomava Herbart da “educação pela instrução”. Nos Estados Unidos esse movimento

também se fez presente, sendo influenciados principalmente por John Dewey que

tomava a psicologia pela filosofia - diferente de Claparède que a adotava pela biologia.

Aliás, ambos tiveram destaque por difundir suas idéias em conferências e cursos pelo

mundo afora. Dewey percorreu Istambul, Cidade do México, Nanquim, Pequim, Tóquio

e Moscou enquanto Claparède percorreu Atenas, Bucareste, Cairo, Copenhagen,

Edimburo, Haia, Istambul, Madri, Moscou, São Francisco, Varsóvia e até mesmo

Brasil1.

Como coloca Damasco Penna em relação a Claparède:

Em 1930 esteve no Brasil, em Minas e no Rio. Já em 1920, aliás, havia sido

convidado pra vir a São Paulo: realizava-se, naquela época, no aparelho

escolar do Estado, a reforma Sampaio Doria, de cujos planos constava uma

Faculdade de estudos superiores de educação, na qual Claparède iria ser o

professor de psicologia. As circunstâncias, porém, não permitiram que se

levasse avante o plano dessa faculdade, e o psicólogo só dez anos mais tarde

é que conheceria o Brasil. Veio, aliás, na época agitada da Revolução de

Outubro, o que não o impediu de entrar em contato com alguns educadores

brasileiros (Mário Casassanta, Lourenço Filho, Francisco Venâncio Filho e

outros) e realizar conferências, uma sobre o Instituto Rousseau e outra sobre

o sentimento de inferioridade da criança. (PENNA, 1949, p. 262 apud

MONARCHA, 2009, p. 60).

Nessas condições, a psicologia, a biologia e a estatística se tornavam parte da evolução

da Sciencia Nova. Monarcha (2009, p. 46) afirma que “[...] na escola nova predicada

pela “revolução copernicana na educação”, o verdadeiro centro, o centro de fato, não é a

criança e seu ensino, mas a psicologia funcionalista, a ela e somente cabem todas as

honras e glórias”.

É de então que as discussões atuantes de Decroly (na Bélgica), Piéron (na França), Faria

de Vasconcelos (em Portugal) e de Lourenço Filho (no Brasil) foram essenciais para

revigorar a chamada Educação Nova, sobretudo a partir de práticas experimentais.

Testes mentais: dos exércitos para as escolas

1 Conforme consta na obra de Monarcha (2009).

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Conforme Aníbal Bruno (diretor técnico da Educação de Recife), em São Paulo,

Lourenço Filho

“[...] se lança no terreno da psicologia experimental e busca compreender o

perfil psicológico dos escolares, pelos métodos dos testes mentais, que no

Instituto de Psicologia, verdadeiro precursor do movimento no Brasil, já vem

há anos estalonando e praticando, com os mais variados resultados.

Visa o diretor do ensino paulista formar classes homogêneas do ponto de

vista das aptidões mentais e aproximar-se, assim, do ideal da “escola sob-

medida”, sonhada por Claparède, onde cada aluno seria objeto de uma ação

educativa, consoante o ritmo próprio da personalidade (1931, p. 11 apud

MONARCHA, 2009, 152-153).

Além dos Testes ABC para a verificação da maturidade da leitura e da escrita,

Lourenço Filho também publica na “Biblioteca de Educação” Introdução ao estudo da

Escola Nova2. Mas antes disso, ele também traduziu várias obras que não poderiam

deixar de serem mencionadas. Toma-se como exemplo: Psicologia Experimental de

Henri Piéron (1926), A escola e a psicologia experimental de Edouard Claparède

(1926), Educação e sociologia de Émile Durkheim (1928) e, Testes para a medida do

desenvolvimento da inteligência de Alfred Binet e Theodore Simon (1928).

Antes, contudo, Binet efetuou vários estudos que até hoje são utilizáveis no campo da

psicologia experimental, já que o seu interesse, propriamente dito, diz respeito às

avaliações das aptidões ou mesmo da área da saúde. Em 1895, esse psicólogo realizou

estudos da ciência da medida mental junto de Victor Henri, de cujos resultados

publicam a obra “La psychologie individualle”, diferentemente de Galton e Cattell que

realizaram estudos sobre a medida do processo sensorial simples (MONARCHA, 2009).

Influenciado pelo cientificismo da época, Binet se envolveu com exames de

craniometria, antropometria, visão, audição, memória da ortografia, inteligência e outros

tipos de investigações. É ele que cria os termos de idade mental e idade cronológica,

representado respectivamente por IM e IC, quando a frente do Année Psichologique em

1903.

Dois anos depois (1905), Alfred Binet elaborou o primeiro teste composto por trinta

tarefas cognitivas, dispostos em ordem crescente de dificuldade que pudesse avaliar o

2 Esta obra alcançou tiragens elevadas, sendo também publicada na Espanha e na Argentina. Teve

“recepção elogiosa de avatares como Aguayo, Claparède, Ferrière, Piéron, Walther, António Sérgio

(MONARCHA, 2009, p. 162).

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nível de inteligência das crianças nas escolas de Paris, sendo aceito posteriormente nos

EUA mediante a tradução de Terman em 1916.

No discurso de Binet podemos encontrar:

Nessas condições foi como elaboramos, com ajuda do nosso colaborador tão

abnegado, o doutor Simon, um método de medida da inteligência ao qual

demos o nome de escala métrica. Foi construído lentamente, com o auxílio de

estudos feitos não somente nas escolas primárias e nas escolas de parvos,

sobre crianças de todas as idades, desde os três anos até os dezesseis, senão

também nos hospitais e nos hospícios sobre os idiotas, os imbecis e os débeis,

e por último, em todo tipo de meios e até nos regimentos, sobre adultos

letrados e iletrados (1942, p. 128 apud MONARCHA, 2009, p. 188).

Nesse trecho também podemos verificar que outros termos passam a ser criados e

utilizados no meio da psiquiatria clássica. Toma-se como exemplo o termo idiota (termo

de Esquirol) e imbecil, usados para indicar as pessoas com idade mentais inferior a três

anos ou então entre três e sete anos.

De fato, existem outros conceitos que saltaram no campo da deficiência mental que

estão presentes nos estudos de Binet e Simon. Consideremos o trecho seguinte:

É idiota toda criança que não chega a comunicar-se, pela palavra, com os

seus semelhantes, isto é, que não pode exprimir verbalmente seu pensamento,

nem compreender o pensamento verbalmente expresso pelos outros – uma

vez que não haja perturbação da audição ou dos órgãos de fonação.

É imbecil toda criança que não chega a comunicar-se por escrito com seus

semelhantes, isto é, que não pode transmitir seu pensamento pela escrita, nem

ler a escrita ou impresso, ou mais exatamente compreender o que lê – uma

vez que nenhuma perturbação da visão ou paralisia do braço tenham obstado

a aquisição dessa forma de linguagem.

É débil toda a criança que saiba comunicar-se com seus semelhantes pela

palavra ou por escrito, mas que demonstra um atraso de dois ou de três anos

no decurso de seus estudos, sem que esse atraso seja devido à insuficiência de

escolaridade (BINET & SIMON, 1927, p. 152 apud MONARCHA, 2009, p.

189- 190, grifo no original).

Antes, porém, é necessário perceber que no início os termos de “anormalidade da

inteligência” começaram a serem utilizados dentro dos asilos e dos hospícios.

Posteriormente essa idéia se expandiu nas escolas e nos exércitos - já que esperavam

obter indivíduos preparados para lidar com a Guerra3.

Evidentemente, o método para atrair soldados capacitados para o exército não era tão

diferente quanto parece ser, já que em todo caso os soldados também passaram a serem

submetidos a testes de inteligência quando os Estados Unidos se preparava para entrar

3 Sobre essa temática, consultar “A experiência da guerra” in Monarcha (2009).

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na Primeira Guerra Mundial. Em 1917, o destacamento militar formado por 190 mil

homens passou para 3.665.000 no ano seguinte.

Como assinala Monarcha (2009), ocorreu um verdadeiro progresso com a aplicação dos

groups tests, dispostos em duas versões que duravam em média 50 minutos de duração:

a) O Army Alpha poderia ser aplicado em grupos de no máximo 500 homens que sabiam

ler e escrever. Cada um responderia individualmente a 212 questões que seriam de

apenas sublinhar, tachar e pontilhar, ou seja, sem utilizar a escrita.

b) O Army Betha destinava aos analfabetos e imigrantes, podendo ser aplicado em

grupos de 75 a 300 homens por meio de gestos e demonstrações (pantomimas).

De acordo com o mesmo autor, os Army mental tests destinavam organizar o melhor

exército possível:

É elucidativo saber que, após a análise dos resultados, as fichas de dados

individuais eram identificadas por uma letra-símbolo, indicando maior ou

menor capacidade para aprender, pensar rapidamente e com exatidão, manter

esforço mental, compreender e seguir instruções. A letra A indicava

“inteligência muito superior”, B “inteligência superior”, C+ “inteligência

média elevada”, C “inteligência média”, C- “inteligência média baixa”, D

“inteligência inferior”, D- “inteligência muito inferior”, E “anormais”.

Parte dos indivíduos localizados nas escalas D e E era nomeada de moron.

Ao conferir a cada soldado um índice de inteligência, os experts

classificavam conforme a capacidade mental, selecionando os superdotados

para os postos de iniciativa e responsabilidade (MONARCHA, 2009, 201).

Após obter êxito com mais de três milhões de soldados americanos, os Army Tests

passaram a serem adaptados para o meio escolar de modo a definir a colocação do

aluno, bem como o seu estado desenvolvimento. Nas escolas, “Alfred Binet e Theodore

Simon foram os principais divulgadores dessa tendência, ao elaborarem o primeiro teste

de inteligência de repercussão internacional” (BORTOLOTI; CUNHA, 2013, p. 37).

Suas pesquisas contribuíram para que ampliassem significativamente os saberes da

medicina e da psicologia que dizem respeito às proposições da inteligência, da memória,

bem como as causas do baixo rendimento escolar diante daquilo que poderia estar

relacionado com os conceitos de “anormalidade”.

A expansão da psicologia no Brasil

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No Brasil, podemos afirmar que a psicologia segundo Patto (1990) floresce nas

Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro a partir de teses de conclusão de

curso:

Na Faculdade de Medicina da Bahia, Raimundo Nina Rodrigues ocupou

lugar de destaque no desenvolvimento da pesquisa e na formação de

especialistas em medicina social: entre os seus discípulos encontrava-se o

médico Arthur Ramos, que viria a contribuir de forma decisiva para o

desenvolvimento da psicologia educacional no país, fato que evidencia a

existência de nexos entre o pensamento educacional e as teorias médicas da

passagem do século (PATTO, 1990, p. 77).

De acordo com a autora, os primeiros estudos no Brasil com testes psicológicos

nasceram no meio médico em 1918 quando um pediatra testava os testes de inteligência

de Binet no Hospital Nacional. Assim, “os primeiros cursos de psicologia aconteceram

nas faculdades de medicina e foram ministrados por médicos” (idem).

Na Escola Normal da Praça da República, Lourenço Filho é apontado como um homem

de qualidades (MONARCHA, 1999). Se consultarmos a sua Biobibliografia, feita a

partir de Lourenço Filho (1996) e Monarcha e Lourenço Filho (2001), veremos que ele

se matriculou em 1918 na Faculdade de Medicina de São Paulo (curso que interrompe

no ano seguinte) e logo depois assume cargos de Psicologia de Pedagogia nas Escolas

Normais de Piracicaba e São Paulo, passando a desenvolver atividades de pesquisa em

Psicologia.

Lourenço Filho (além de traduzir o clássico de Binet-Simon) também deixou

contribuições, particularmente, com a criação dos Testes ABC para a verificação da

maturidade da leitura e da escrita em 1933. É notório que o Teste Binet-Simon gerou

uma grande influência para este educador escolanovista brasileiro, isso pode ser

observado tanto na sua “estrutura” (ou na composição dos testes) quanto por alguns

conceitos presentes na obra.

E falando em “conceitos”, a citação seguinte explicita bem o que queremos dizer:

A proposta de Binet era oferecer um instrumento útil à pedagogia e aos

pedagogos, por meio de “métodos exatos” de aferição da inteligência,

permitindo estabelecer uma hierarquia entre os diversos tipos de

inteligências, dos estados superiores aos estados inferiores e, com isto,

construir uma classificação da inteligência infantil (SOUSA, 2004, p. 33).

Já a proposta de Lourenço Filho caminha na mesma direção no sentido que os seus

Testes se constituíam em um instrumento simples e de fácil aplicação pelos

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examinadores e/ou professores, permitindo captar o nível de maturidade das crianças a

serem alfabetizadas. De acordo com Sganderla e Carvalho (s/d), os Testes ABC é uma

das obras de Lourenço Filho mais difundidas no Brasil, tendo ampla utilização também

em outros países até a década de 19704.

O estudo de Oliveira (2012) compreende que

a concepção de criança e desenvolvimento infantil presente nas obras escritas

pelos psicólogos funcionalistas franco-genebrinos e por Lourenço Filho

apontam para o pressuposto de que a biologia e a psicologia garantem um

conhecimento sobre a criança e a infância, sendo que o educador deve

apropriar-se deste conhecimento para fazer valer os princípios ascendidos

com o movimento da Escola Nova (p. 612).

Assim, pode-se afirmar que a ciência experimental desempenhou um papel importante

para florescer estudos referentes aos “processos de aprender” da criança, passando a

cogitar sobre as “diferenças individuais” que possam existir na infância bem como no

adulto (LOURENÇO FILHO, 1978).

Resultados parciais da pesquisa

Perante a análise do Teste Binet-Simon-Burt5, pode-se dizer que as pesquisas de Simon

e Binet foram uma verdadeira fonte de inspiração para a composição dos Testes ABC

para a verificação da maturidade da leitura e da escrita.

Como cita o próprio Lourenço Filho, “os trabalhos de Binet estimularam ensaios

similares em muitos países, neles se destacando os que, na Universidade de Stanford, na

Califórnia, Lewis Terman (1877-1956) organizou e dirigiu por longo tempo”

(LOURENÇO FILHO, 1978, p. 71).

Se tomarmos como exemplo o primeiro exercício do Teste ABC (anexo 1), veremos que

a sua forma não é tão diferente da que se propõe no teste número 13 e 22 de Binet-

Simon-Burt (anexo 2).

4 Entretanto, existem estudos que indicam que os Testes ABC ainda vem sendo aplicado por

psicopedagogos que estudam a deficiência da aprendizagem causada por Anoxia Perinatal, que é quando

se tem qualquer tipo de alteração cerebral como por exemplo, falta de oxigênio no cérebro. 5 O Teste Simon-Binet-Burt foi adaptado para o Brasil. De acordo com Cyril Burt, a forma brasileira não é

diferente da que se pode observar no Teste Simon-Binet.

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Entretanto, deve-se observar que a proposta de Lourenço Filho deixa explicita que o seu

objetivo é verificar o grau de maturidade de leitura e da escrita da criança em fase de

alfabetização, no qual tais alunos poderiam ser organizados em classes homogêneas de

turmas fortes, médias e fracas. Mas, a pesquisa que vem sendo desenvolvida em um

projeto mais amplo intitulado “Lourenço Filho e a Matemática da Escola Nova”, sob

orientação do Prof. Wagner Rodrigues Valente, revela que os Testes ABC também

envolve aspectos matemáticos.

As formas geométricas presentes nos teste 1 de Lourenço Filho (ou no teste 13 e 22 de

Binet-Simon-Burt) é apenas um exemplo do que queremos comprovar. Na matéria

intitulada “Como classificar rapidamente as crianças no 1º ano” escrito por Consuelo

Pinheiro na Revista do Ensino (1956), encontramos uma possível resposta para a

escolha de tais figuras:

As razões de escolha do losango vêm de que, segundo Binet, é a figura

geométrica que mais dificuldades oferece em seu traçado. Não há linhas

horizontais como no quadrado, nem o traço carregado de afetividade do

círculo. Além disso, é a figura mais sensível às alterações psicomotoras,

revelando o seu traçado, sobretudo na parte inferior, indicações sobre o

estado emocional da criança (REVISTA DO ENSINO, 1956, p. 28).

Desta forma, o desenho geométrico aparece como um elemento que permite captar o

nível de intelectualidade da criança através da figura solicitada que ela mesma irá tentar

representar.

Se considerarmos as indicações de idade mental de Binet-Simon, tomando como base a

escrita: uma criança com menos de quatro anos não conseguiria copiar uma grafia;

crianças de 4 a 6 seriam capazes de copiar letras isoladas; entre 5 e 6 anos a criança se

torna capaz de copiar palavras; entre 6 e 7 ela é capaz de copiar frase sem alterar a

aparência da frase e com 7 anos a criança se torna capaz de fazer corretamente a cópia

de uma escrita (REVISTA DO ENSINO, 1956). Com o desenho, também é evidente

que a idade mental obedece aos mesmos critérios de capacidade geral de representação,

podendo obedecer a critérios um pouco diferentes6.

Segundo Moreira (1987) a ação de desenhar é um procedimento que deve estar sempre

presente no cotidiano das crianças. Sendo assim, “é importante que também possa fazê-

lo nas aulas de estudos sociais, ciências, português, matemática... Não será a matemática

6 Toma-se por “critérios um pouco diferentes” a fase de desenvolvimento do desenho da criança

(rabiscos, garatujas, etc.).

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também uma linguagem que expressa as relações do tamanho, quantidade, volume etc?”

(MOREIRA, 1987, p.74).

Isso indica que os critérios utilizados na confecção desses testes incorporaram uma

série de habilidades que vão além da leitura e escrita, pois é de notar que existem

aspectos matemáticos implícitos nessas provas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo mostramos como se deu a história dos testes mentais e sua influência no

Brasil a partir dos trabalhos de Binet-Simon e de Lourenço Filho. Apesar dos Testes de

Binet-Simon serem os mais divulgados no mundo, e aplicados institucionalmente, deve-

se reconhecer que o trabalho de Lourenço Filho também serviu, durante muito tempo,

como uma medida corretiva durante todo o período da Escola Nova no Brasil e em

outros países. Entretanto queremos notar que a partir da perspectiva de verificação da

“maturidade para a leitura e escrita”, ainda é possível detectar outras habilidades. Toma-

se como exemplo, a matemática.

REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

BORTOLOTI , K. F.; CUNHA, M. V. Anísio Teixeira e a Psicologia: o valor da

mensuração. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 94, n. 236, p. 32-52, jan./abr. 2013.

LOURENÇO FILHO, M. B. Introdução ao estudo da escola nova: bases, sistemas e

diretrizes da pedagogia contemporânea. São Paulo: Melhoramentos, 1978.

________________________ Testes ABC: para verificação da maturidade necessária à

aprendizagem da leitura e escrita. São Paulo: Melhoramentos, 1962.

MONARCHA, Carlos e LOURENÇO FILHO, Ruy. Por Lourenço Filho: uma

biobliografia. Brasília - Distrito Federal: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais, 2001.

MONARCHA, C. Brasil Arcaico, escola nova: ciência, técnica & utopia nos anos

1920- 1930. São Paulo: Ed. UNESP, 2009.

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______________ Escola Normal da Praça: o lado noturno da luzes. Campinas: Ed.

Unicamp, 1999.

MOREIRA, A. A. O espaço do desenho: a educação do educador. 2 ed. São Paulo:

Editora Loyola, 1987.

OLIVEIRA, P. M. A “Coleção Biblioteca de Educação” e a concepção de criança e

desenvolvimento infantil: uma análise das obras escritas por Claparède, Pièron, Binet &

Simon e por Lourenço Filho. Cadernos de História da Educação, v. 11, n. 2 – jul./dez.

2012.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia.

São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.

PINHEIRO, C. Como classificar rapidamente as crianças no 1º ano. Revista do Ensino,

ano VI – n. 41, Porto Alegre, Outubro-Novembro/1956.

SOUSA, C. P. Infância, pedagogia e escolarização: a mensuração da criança

transformada em aluno, em Portugal e no Brasil (1880-1960). São Paulo: EDUCA,

2004.

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ANEXOS

Anexo 1: Exercício 1 dos Testes ABC

Material – três pequenos cartões, cada um dos quais tem impressa uma das figuras

abaixo; cada figura será mostrada por sua vez. Meia folha de papel branco, sem pauta.

Lápis preto, nº 2. Relógio que marque segundos.

Fórmula verbal - Tome este lápis. Faça, neste papel, uma figura igual a esta. (Tempo

máximo de espera, para a reprodução à vista do modelo, um minuto). Muito bem!

Agora, faça outra, igual a esta. (Tempo máximo, um minuto). Agora, esta última.

(Tempo máximo, um minuto). Muito bem!

AVALIAÇÃO – Quando a reprodução do quadrado estiver perfeita, ou com dois lados

apenas sensivelmente maiores, conservando todos os ângulos retos, o losango com os

ângulos bem observados, e a terceira figura reconhecível – 3 pontos;

- quando a cópia do quadrado tiver dois ângulos retos, e as demais figuras forem

reconhecíveis – 2 pontos;

- quando as três figuras forem imperfeitas, mas dessemelhantes – 1 ponto;

quando as três figuras forem todas iguais (três tentativas de quadrado, três células, três

simples rabiscos) ou apresentarem desenhos quaisquer de invenção (uma casa, um

balão, por ex.) – zero.

O examinador anotará se a criança copiou com a mão direita ou esquerda.

Fonte: (LOURENÇO FILHO, 1933, p. 127-128)

Page 13: IX Colóquio de Pesquisa Sobre Instituições Escolares ...docs.uninove.br/arte/ix_coloquio/PDF/iedabassinello.pdf · signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e

Anexo 2: Exercício n. 13 e 22 do Teste Binet-Simon-Burt

Fonte: (BURT, s/d, p. 56 e 61)