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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
08 a 10 de junho de 2016
GT Gênero e religiosidades
Igreja da Comunidade Metropolitana de Maringá, Paraná: identidade cristã e LGBT é
possível?
Adriana Gelinski (Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR
Mestranda em Gestão em Território
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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS GT Gênero e religiosidades
Igreja da Comunidade Metropolitana de Maringá, Paraná: identidade cristã e LGBT é
possível?
Adriana Gelinski1
Resumo: O presente trabalho concentra-se no seguinte objetivo: compreender como se
elabora uma identidade cristã de grupos LGBT, através do cotidiano da Igreja da Comunidade
Metropolitana (ICM) em Maringá, Paraná. Esta ICM, como outras, intitula-se radicalmente
inclusiva, ao realizar uma leitura alternativa dos textos bíblicos, em que reflete e articula
sobre as identidades sexuais e de gênero de modo flexível: entendendo a mobilidade e
multiplicidade das pessoas. Foram realizadas dez entrevistas a partir de um roteiro
semiestruturado e das vivências com a comunidade, o que resultou em um diário de campo.
Como resultado, evidenciamos que a ICM é um espaço de acolhimento, práticas e discursos, e
que a mesma elabora trocas de vivências e experiências nas relações sociais, tecendo uma
identidade cristã e LGBT.
Palavras-chaves: ICM; Identidade; Teologia inclusiva.
1 Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR; mestranda em Gestão em Território;[email protected].
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Introdução
A presente reflexão tem como objetivo compreender como se elabora uma identidade
cristã de grupos LGBT da cidade de Maringá, através do cotidiano da Igreja da Comunidade
Metropolitana em Maringá, Paraná. A partir dos caminhos de reflexão traçados nessa
pesquisa, buscou-se compreender as características identitárias, as relações sociais cotidianas
nas espacialidades e como se elabora uma identidade cristã através do cotidiano da ICM-
Maringá. As imaginações geográficas que foram proporcionadas ao acesso à ICM-Maringá,
levaram-nos à construção do recorte do grupo de pessoas LGBT e frequentadoras da ICM-
Maringá. Segundo o mesmo campo e as entrevistas, a ICM-Maringá constitui-se enquanto
uma possibilidade de vivências e práticas inclusivas. A ICM-Maringá pode ser compreendida
como um espaço que é vivenciado no cotidiano de pessoas que comungam uma determinada
forma de ver, significar e entender o mundo, essas buscam se reunir em espaços como igrejas,
casas de amigos e familiares, bares, boates, praças e ruas. Espaços estes que proporcionam
inúmeros sentimentos, experiências e vivências, as quais podem contribuir para a constituição
de identidades como é o caso da ICM-Maringá, a qual não segue o discurso heteronormativo
ou a linearidade de corpos, sexo, gênero, prática sexual e desejo. A construção da identidade
“é um processo que não tem fim ou destino, e no qual os objetivos se transformam antes
mesmo de serem alcançados”, (...) “o corpo do construtor de identidade deve ser flexível, e
suas atitudes sempre mutáveis e readaptáveis” (BAUMAN, 2005, p. 50).
Desta forma, a identidade pode ser entendida como uma busca individual, mas
também uma forma de entender, vivenciar costumes do grupo, no caso desta pesquisa da
ICM-Maringá. Evidenciou-se a partir das falas das pessoas, foco desta pesquisa, intersecções
entre os elementos identitários: a faixa etária, etnias, escolaridade, classe social, religião. As
vivências, as representações e as experiências contribuem para a constituição das identidades
das pessoas. Assim, as intersecções não podem ser olhadas meramente de forma somatória,
mas de modo a entender que as “identidades são ações sem fim” (ORNAT, 2012, p. 57). E as
combinações de diferentes identidades possibilitam diferentes experiências. Pois como afirma
Ornat (2012, p. 58), “o entrecruzamento das várias facetas identitárias dos sujeitos demandam
formas de se pensar a interseccionalidade a partir de encontros fluídos e instáveis”.
Vale lembrar que a maioria das pessoas frequentadoras da ICM-Maringá participavam
de outras denominações religiosas. Em sua maioria, apresentavam um discurso religioso
fundamentalista, utilizando trechos bíblicos como Levítico 18.21 e 22.13: “Com homem não
te deitarás, como se fosse mulher; abominação é [...]”. Passagens como essa, normalmente,
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são exploradas em igrejas como a Assembleia de Deus, Universal do Reino de Deus, Igreja do
Evangelho Quadrangular e a Igreja Católica.
O paradoxo desta configuração espacial está relacionado a dois elementos: as igrejas
evangélicas ou católicas, convencionalmente são tidas como um local de alívio frente às
mazelas da vida. Todavia, segundo entrevistas com pessoas da ICM-Maringá, as quais foram
frequentadoras de igrejas evangélicas ou católicas da mesma cidade, relatam que essas igrejas
configuram-se enquanto espaços de desconforto para grupos sociais que não se enquadram no
discurso e prática religiosa tradicional. “Quando eu ia na igreja da minha família era difícil,
eles me olhavam, falavam, me colocavam no banco pra orar, pra eles era pecadora, transexual
vai pro inferno pra eles. (Entrevista realizada com Ballatrix, em Maringá, PR no dia 04 de
abril de 2014); mesmo que o cristianismo institucional hegemônico (igrejas evangélicas ou/e
católicas) apregoem a compreensão do mundo a partir de dois polos, masculino e feminino, e
que compreenda a existência de pessoas com sexualidades e gêneros dissidentes relacionando
a algo pecaminoso, doença, manifestação do mal ou heresia, a ICM realiza uma teologia da
inclusão, a qual compreende e respeita cada pessoa como ela é, bem faz uma leitura
alternativa dos textos bíblicos com o objetivo de incluir a todos/as. De acordo com o manual
de introdução a teologia bíblica da ICM.
Fazer teologia para curar, e não ferir; pacificar, e não guerrear; encorajar, e não
desanimar; libertar, e não aprisionar; incentivar a liberdade e criatividade de
pensamento. Para nós teologia, é e sempre foi instrumento de libertação. Assim, que
em nosso labor como clérigos e leigos possamos comunicar eficazmente o
Evangelho da Radical Inclusão.
Desta forma, a ICM-Maringá faz uma releitura das tradições e dos textos bíblicos, bem
como pratica uma teologia baseada nas experiências das pessoas. Além de buscar
compreender o que cada autor bíblico quis dizer, para isso a Teologia bíblica conta com o
auxílio de técnicas e disciplinas como a exegese, hermenêutica e da história. Outro ponto que
vale ser ressaltado é a tentativa de rompimento com a “noção de pecado como o exercício da
sexualidade, o qual no sistema heterossexista e homofóbico culpabiliza as sexualidades
desviantes”. (MUSSKOPF, 2002, p. 134). Há grupos que tencionam tais discursos e
estratégias políticas, um deles é a ICM, a qual surgiu no ano de 1968 em Los Angeles, por
iniciativa de Troy Perry, ativista pelos direitos humanos. E o que começou com uma reunião
de 12 pessoas em 1968, dispersou-se ao redor do mundo com aproximadamente 172 igrejas,
como é possível ver no cartograma de dispersão espacial da ICM (FIGURA 1).
De acordo com Musskopf (2008), a “presença mais organizada da ICM” ocorre em
2003, quando aconteceu a I Conferência das Igrejas da Comunidade Metropolitana no Brasil.
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Mas foi em 2004 que a inauguração oficial do primeiro templo no Brasil ocorreu. Localizado
no Rio de Janeiro, a estreia da ICM contou com a visita do Rev. Troy Perry, fundador da
UFMCC.
Na cidade de Maringá a ICM teve início no ano de 2010. “Em Maringá ela surgiu em
2010, quando eu recebi o convite de Ballatrix que é transexual, e ela dizia assim eu preciso de
uma igreja que me acolha sendo quem eu sou”. (Entrevista realizada com Aldebaran, ICM em
Maringá-PR, no dia 04 de abril de 2014).
Figura 1 – Dispersão espacial da Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM)
Fonte: João Paulo Leandro Almeida
Portanto, este trabalho propõe compreender como as experiências e relações sociais
vivenciadas na espacialidade ICM-Maringá elabora uma identidade cristã para grupos LGBT
da cidade de Maringá. Busca-se então, um diálogo entre conceitos trabalhados na ciência
geográfica como o espaço, por intermédio das reflexões de Massey (2008); e o gênero
pensado por Butler (2003) e Silva e Ornat (2011). Outros conceitos utilizados neste trabalho
são o fundamentalismo e o neofundamentalismo, pensado por Panasiewicz (2008) e a teologia
de MUSSKOPF (2008).
Reflexões sobre espaço, identidade e gênero
A ICM-Maringá pode ser compreendida como um espaço que é vivenciado no
cotidiano de pessoas que comungam uma determinada forma de ver, significar e entender o
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mundo. Essas pessoas buscam se reunir em espaços como igrejas, casas de amigos e
familiares, bares, boates, praças e ruas. Para Soja (1993), cada pessoa pode conceber e
perceber o espaço no seu dia a dia, de modo a fazer uma representação espacial dos espaços.
Espaços estes que proporcionam inúmeros sentimentos, experiências e vivências, as quais
podem contribuir para a constituição de identidades como é o caso da ICM, a qual não segue
o discurso heteronormativo ou segundo Butler (2003) a linearidade de corpos, sexo, gênero,
prática sexual e desejo.
Massey (2008, p. 29) conceitua espaço a partir de três elementos: o primeiro, “produto
de inter-relações”; o segundo o “espaço é entendido como a esfera da possibilidade da
existência da multiplicidade”; e o terceiro, o espaço é entendido como “estando sempre em
construção” (p. 29). Pensando o espaço como algo político, em que podemos entrelaçar com
as teorias feministas e queer, a autora comenta que o espaço é algo em constante construção,
“tudo está relacionado com tudo” (p.10), visto que o espaço esta permeado por interligações e
atua também nas construções das identidades, ou seja, as relações entre as práticas sociais, as
identidades e a espacialidade são todas co-constitutivas (MASSEY, 1995).
O espaço pode atuar assim como um articulador dos discursos, das fantasias e das
corporeidades, bem como contribui para “dar forma nas alianças, inscrições e conquistas”
(ROSE, 1999, p. 248). Tais articulações, Rose (1999) denomina de performances relacionais, as
quais contribuem para formação de espaços: “um espaço específico. Outras performances de
outros tipos de relacionalidade produzem outros espaços” (ROSE, 1999, p. 250). Pensando
assim, o espaço não é algo fixo e sem aberturas, mas está em constante movimento de ser feito,
ativo e é produzido de acordo com as “performances situacionais de relação entre eu e outro”
(Rose, 1999, p. 250).
De forma semelhante, Rose (1993, p. 138) disserta que o “espaço é multidimensional e
contingente”. Podendo ser cartografado entre centro e margem e vivenciado ao mesmo tempo,
pois dois espaços existem simultaneamente, os quais não estão em oposição. De tal forma, as
pessoas que frequentam o espaço ICM-Maringá também frequentam outros espaços como as
ruas e as praças, locais de trabalho de algumas pessoas participantes deste trabalho, boates nas
quais fazem/faziam shows e bares da cidade de Maringá. São pessoas que se colocam “contra a
normalização, venha ela de onde vier” (Louro, 2001, p. 104). Não são somente pessoas com
práticas cristãs, mas fazem parte de outras práticas e grupos como, por exemplo, o grupo LGBT
de Maringá. Pensando que as relações sociais e de poder contribuem para as construções
identitárias, de gênero e sexualidade (Silva, 2009; Scott, 1990; Butler, 2003), entendo que a
religião também pode contribuir para representações sobre masculino e feminino, bem como
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legitima as concepções heteronormativas. Tais concepções segundo Jesus (2010) beneficiam ou
não a participação e as vivencias de pessoas não heterossexuais nas práticas e espaços
religiosos, “e mesmo entre as igrejas inclusivas, estas diferentes concepções torna-se favoráveis
ou impeditivas ao protagonismo de diferentes sujeit@s LGBTs” (p.141).
Se de um lado segundo Jesus (2010) vemos a religião tradicional legitimando a partir de
discursos e textos bíblicos “a “heterossexualidade compulsória” estabelecendo fronteiras entre o
natural (correto, bom, virtuoso) e o pecado (anormal, ruim, perversivo)” (p.141). Por outro, as
“igrejas inclusivas” como a ICM-Maringá “se inserem no quadro de disputas pela legitimação e
autoridade religiosas na medida em que têm se dedicado a legitimar práticas e modos de vida
não heterossexuais re-signifcando o texto bíblico” (JESUS, 2010, p.141).
Desta forma, a ICM-Maringá tenciona a sexualidade hegemônica, a qual produz
discursos e significados que são característicos e representam este grupo. De tal forma, tais
grupos não correspondem “às configurações de poder, onde a ordem heterossexual é excludente
e interditada” (CARNEIRO, 2013, p. 4).
Como evidenciado na fala de Sirius2, quando relata sobre o isolamento e a „punição‟,
durante o tempo em que frequentava outra instituição religiosa devido a sua sexualidade:
Então eu procurei a diretoria da igreja, falei pra eles dos sentimentos que eu tinha
por pessoas do mesmo sexo e eles me colocaram no que eles chamam de disciplina,
que são dois meses no banco, não podia participar de nada (...) eles tiraram tudo que
era precioso pra mim. Aí eu fiquei vazio porque as pessoas não me
cumprimentavam, não falavam comigo, me demonizavam. (Entrevista realizada com
Sirius em Maringá, PR no dia 04 de abril de 2014).
A partir dessas proposições, nossa concepção de espaço está atrelada a visão de que o
espaço é produto das inter-relações e dos reflexos da sociedade, fruto das vivências
cotidianas, bem como pode ser produzido através das performances relacionais, as quais tem
relação com o espaço vivenciado. Logo, espaços como a ICM podem ser entendidos como
uma alternativa de tencionamento, onde é constituída por linguagens, práticas, vivências
cotidianas distintas da cultura dominante heteronormativa.
2 Os nomes das entrevistadas são fictícios. Esses nomes são nomes de estrelas, os quais foram escolhidos de
acordo com as características das pessoas.
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Identidades e interseccionalidade: reflexões para uma identidade cristã para grupo
LGBT
A identidade não pode ser considerada fixa, completa e imutável, pois está em constante
construção. De acordo com Hall (2006), uma única identidade, segura e imutável é uma ilusão,
pois “se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas
porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do
eu” (Hall, 2006, p. 13). Assim, a identidade não é algo estático e irrevogável, a qual deve seguir
uma ordem social heteronormativa, vivenciando apenas uma categoria identitária, por exemplo,
ser uma pessoa cristã somente. Mas pode ser vivenciada de forma ambivalente/mútua, podendo
ter práticas que não correspondem à norma heterossexual e se identificar como cristão,
rompendo assim com a tradição bíblica e dogmática da maioria das igrejas.
Pensando assim, a identidade, segundo Hall (2006), não pode ser considerada algo
estático ou biológico, mas é maleável, aberta e está em construção e transformação
constantemente. Pode ser construída social e historicamente, tais processos sociais e históricos
podem contribuir para o surgimento de novas formas de exercer identidades.
A construção da identidade “é um processo que não tem fim ou destino, e no qual os
objetivos se transformam antes mesmo de serem alcançados”, (...) “o corpo do construtor de
identidade deve ser flexível, e suas atitudes sempre mutáveis e readaptáveis” (Bauman, 2005, p.
50). Desta forma, a identidade pode ser entendida como uma busca individual, mas também
uma forma de entender, vivenciar costumes do grupo, no caso desta pesquisa da ICM.
Tal pensamento assemelha-se as tribos de Maffesoli (1998), pois o sentimento de
pertencimento a um grupo está relacionado à autodefinição pessoal e individual de cada pessoa,
bem como sentir-se participante de uma comunidade faz parte da autoidentificação de cada
pessoa. Assim:
O fato de partilhar um hábito, um ideal determina o estar junto, e permite que este
seja uma proteção contra a imposição, venha ela do lado que vier. (...) A confiança
que se estabelece entre os membros do grupo se exprime por meios de rituais, de
signos de reconhecimento específicos, que não tem outro fim senão o de fortalecer o
pequeno grupo contra o grande grupo. (...) A partilha secreta do afeto, ao mesmo
tempo em que confirma os laços próximos, permite resistir as tentativas de
uniformização. (MAFFESOLI, 1998, p. 159).
Deste modo, através das suas práticas e do feixe de relações vivenciados na/com a
comunidade religiosa ICM-Maringá, percebe-se contribuição para as formas de interpretar o
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mundo, vivenciar sua rotina, linguagem e práticas cotidianas. Essa comunidade/grupo desafia os
pensamentos tradicionais e fundamentalistas, que em seus discursos pregam a homofobia e o
heterossexismo. Afirmando assim, que práticas que não seguem a norma heterossexual estão
fadadas ao pecado, ou seja, algo negativo. Logo, igrejas como a ICM-Maringá, são mais uma
opção para trabalhar o respeito e as diferenças, bem como mais um braço para lutar contra
estruturas heterossexistas e homofóbicas, buscando assim, o respeito, o direito e a justiça para
todas as pessoas.
A ICM também propõe uma forma diferenciada de ética de relacionamentos sem o
objetivo central da procriação, distinta da compreensão heterossexual de matrimonio pregada e
valorizada pela maioria das igrejas cristãs. Além disso, buscam romper com a tradição
equivocada em relação à sexualidade vinculando o sexo ao pecado.
Então, a ICM entende que o pecado é quando a gente sai do foco que é Deus, você
perde o foco que é Deus. Mas a questão da homossexualidade a gente não vê pecado
em nada disso, tanto que para nós o sexo não é pecado, né. A gente até entende o
sexo como uma benção na vida do ser humano que foi criado por Deus. (Entrevista
realizada com Reverendo da ICM, Maringá em Maringá, PR no dia 04 de abril de
2014).
Deste modo, “o ponto de vista de teológ@s, apontam para “a necessidade de uma
interpretação contextual e não homofóbica/sexista da Bíblia” (JESUS, 2010, p.133). Assim, de
acordo com Jesus (2010) há um aumento nas discussões e reflexões em torno de uma teologia
inclusiva, a qual inclua homossexuais e não somente homossexuais, mas pessoas que não
seguem a norma. Transexuais, Travestis e gays encontram espaço no “grupo de louvor” e
assumem outras funções na ICM-Maringá.
Podemos assim, notar que a ICM contribui para formação de costumes, representações e
identidades que destoam da norma heterossexual, bem como da linearidade sexo, gênero, desejo
e sexualidade (BUTLER, 2003). Como é o caso da reflexão nesse trabalho, cujo foco é gênero,
sexualidade, religião e identidade, ou seja, pessoas que não seguem a heteronormatividade.
Desta forma, refletir sobre questões relacionadas à sexualidade implica em explorar e
aprofundar as questões sobre a heteronormatividade. Pensando desde a sexualidade como um
dispositivo de poder, homofobia de forma materializada e enraizada por mecanismos de
interdição e controle das relações sociais homoafetivas, até a padronização heterossexual
(MISKOLCI, 2009).
De modo semelhante, podemos pensar as identidades como o reflexo de discursos, de modo que
às identidades que não estão inseridas na norma heterossexual podem ser “estereotipadas, estigmatizadas
e até humilhadas” (BAUMAN, 2005, p. 44), como é evidenciado na fala de Canopus: “Eu falei já que tá
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todo mundo aqui mesmo, eu sou gay mesmo, gosto de meninos e pronto. Meu pai levanto pra me bate,
meu irmão, foi aquela correria. Então ele me humilhou de uma tal maneira que eu não desejo a
ninguém” (Entrevista realizada com Canopus em Maringá, PR em 21/07/2014).
O gênero é mais do que um conjunto de ideias construídas por uma dada cultura. Várias são as
identidades possíveis existentes nas pessoas, foco desta pesquisa. Afirmo isto, embasada nas
vivências, conversas em campo e entrevistas com as pessoas, foco desta pesquisa. Arcturus comenta
que faz um ano que não é travesti, bem como enfatiza a variação de preconceito sofrido devido as
diferentes identidades de gênero. Em alguns momentos, apenas gay cristão e, em outros momentos,
homossexual, travesti e prostituta.
“Quando eu era travesti o preconceito era muito maior entendeu. Hoje não mais,
mas se eu quiser ser travesti eu tenho liberdade de ser. Mais só que isso tem que vim
do meu eu, hoje eu não quero, hoje, eu não sei amanhã”. Mesma coisa quando eu era
da Universal e gay, depois fui pra rua me prostituir e agora estou aqui. (Entrevista
realizada com Arcturus, em Maringá, em 21/07/2014).
Percebemos o feixe de categorias identitárias, bem como o movimento de construção e
reconstrução da identidade. Desta forma, a identidade pode modificar-se ao longo do tempo e do
espaço, isso ocorre de acordo com as vivências e experiências de cada pessoa. Logo,
A identidade torna-se uma "celebração móvel": formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam [...]. É definida historicamente,
e não biologicamente. (HALL, 2006, p. 12).
Pensando assim, em cada pessoa está presente um feixe de categorias identitárias ou uma
intersecção a qual pode ser entendida, de acordo com Silva (2009), como um conjunto complexo de
elementos que compõem os seres humanos. Assim, uma mesma pessoa possui várias categorias que
compõe sua identidade: a renda, a escolaridade, a idade, o gênero e a religiosidade como é o caso das
pessoas frequentadoras da ICM-Maringá. Logo, a complexidade de categorias identitárias posiciona os
sujeitos e cria diferentes laços identitários, podendo ser construída e reconstruída de forma ativa e
flexível, pois conforme Butler (2003, p. 200), “o gênero é uma identidade tenuemente constituída no
tempo”.
A interseccionalidade surge como uma proposta metodológica, a qual colabora nas análises
geográficas e entende que os conjuntos de elementos permeiam os seres humanos e também derivam
em diversas experiências ao longo de suas vidas. Assim, a noção de mulher em sua essência é
superada. Por meio de suas escolhas e experiências, qualquer corpo pode ser classificado como/por
feminino ou masculino, o que se dá através de representações (SILVA, 2009). Tal visão é ampliada na
leitura de Valentine (2007), que entende as identidades como algo fluído, em movimento, isto é, a
identidade passa por fases de construção e reconstrução. E mais, a autora concebe a questão da
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intersecção como uma forma de análise, fazendo ligação da interseccionalidade com o espaço e com o
tempo.
Evidenciou-se a partir das falas das pessoas, focos desta pesquisa, intersecções entre os
elementos identitários como a faixa etária, etnias, escolaridade, classe social, religião. Assim, as
vivências, as representações e as experiências contribuem para a constituição das identidades das
pessoas, foco desta pesquisa. Assim, as intersecções não podem ser olhadas meramente de forma
somatória, mas de modo a entender que as “identidades são ações sem fim” (Ornat, 2012, p. 57). E as
combinações de diferentes identidades possibilitam diferentes experiências. Pois como afirma Ornat
(2012, p.58), “o entrecruzamento das várias facetas identitárias dos sujeitos demandam formas de se
pensar a interseccionalidade a partir de encontros fluídos e instáveis”.
Portanto, a presente pesquisa busca identificar de que forma o discurso, as experiências e vivências
no espaço ICM-Maringá contribui para a elaboração de uma identidade cristã para grupos LGBT da
cidade de Maringá. Além disso, buscou-se compreender as conexões entre os discursos, as
experiências vividas e os espaços.
Conclusões ou considerações finais.
Igrejas inclusivas como a ICM-Maringá buscam legitimar discursos e práticas não
heteronormativas, buscando re-significar discursos, meditações e textos bíblicos de acordo
com as vivencias e experiências de pessoas não heterossexuais (Musskopf, 2008), portanto,
atuando de maneira inclusiva no campo religioso. Resistindo aos discursos fundamentalistas
focados normalmente em apenas alguns trechos bíblicos. Segundo a fala do reverendo da ICM
Maringá, o cristianismo institucional hegemônico e mais especificamente alguns segmentos
fundamentalistas utiliza-se de perícope da bíblia, trechos, recortes isolados do texto. Segundo
esta fala, a reflexão sobre esta perícope é descontextualizada. Não existe uma exegese, uma
hermenêutica, buscando compreender o sentido interpretativo profundo da perícope.
Desta forma, buscou-se evidenciar como as relações entre espaço, gênero, sexualidade,
bem como as vivências, experiências e práticas das pessoas frequentadoras da ICM elaboram
uma identidade queer cristã. Visto que a identidade não é algo fixo e imutável, mas sim, pode
ser entendida como readaptável, constituída por um feixe de categorias identitárias em
movimento no tempo e espaço. Logo, determinadas categorias identitárias podem ou não
contribuir para o sentimento de pertencimento e autodefinição, bem como uma categoria
identitária, como o gênero ou a sexualidade, não a exclui de ter uma vivência e experiência
religiosa ou o sentimento de pertença a uma comunidade religiosa como a ICM Maringá.
Portanto, as entrevistas e vivências com a comunidade ICM Maringá nos possibilita
pensar a relação destes fatos/exemplos com os conceitos até aqui abordados. Corrobora para a
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conclusão de que práticas sociais não se desprendem de espacialidades, ou seja, são
carregadas de culturalidades e de valores tangentes a determinados grupos. É assim que
podemos estabelecer uma conclusão através da hipótese de que a exclusão de discussões
tangentes a particularidades representacionais/identitárias, em torno de espaços como a
Igreja, apenas corrobora para a marginalização de pessoas que culturalmente são
enquadrados enquanto corpos abjetos (BUTLER, 2006).
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