ius cogens

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Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 181 Parte I Existência e identificação do ius cogens São inúmeros os problemas relaciona- dos ao tema das normas imperativas (ius cogens) no Direito Internacional: sua exis- tência; fonte de produção; campo de sua incidência; Direito cogente regional; ius co- gens e a hierarquia das fontes de Direito In- ternacional, fundamento do ius cogens 1 ; sua função; concreta individualização (caracte- rísticas, critérios de identificação); implica- Ius cogens e o tema da nulidade dos tratados Vera Lúcia Viegas Vera Lúcia Viegas é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pós-graduanda na mesma instituição, especialista em “Direito da Integração” pela Universidade de Roma “Tor Vergata” e profes- sora de Direito Romano no Centro Universitá- rio F.I.E.O. Sumário Parte I – Existência e identificação de ius co- gens. 1. Considerações iniciais. 2. Comprovação da existência do ius cogens. 3. Critérios de iden- tificação do ius cogens. 4. Caráter geral da nor- ma cogente de Direito Internacional. 5. “Acei- ta” e “reconhecida” pela comunidade interna- cional no seu conjunto. 6. Processo de formação do ius cogens. Parte II - Ius cogens e a Teoria Ge- ral dos Tratados. Da nulidade dos tratados. 1. Considerações iniciais. 2. Conflito entre um tra- tado e uma norma de ius cogens existente no momento de sua celebração. 3. Sobre quem pode alegar a invalidade de tratado conflitante com norma de ius cogens. 4. Conflito entre um trata- do e uma norma de ius cogens superveniens. 5. Conteúdo da incompatibilidade. 6. Procedimen- to para invalidar ou extinguir tratado conflitante com norma de ius cogens internacional. 7. Trata- dos contrários ao ius cogens, anteriores à entra- da em vigor da Convenção de Viena sobre Di- reito dos Tratados. 8. Considerações finais.

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IUS COGENS

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Page 1: IUS COGENS

Brasília a. 36 n. 144 out./dez. 1999 181

Parte I

Existência e identificação do ius cogens

São inúmeros os problemas relaciona-dos ao tema das normas imperativas (iuscogens) no Direito Internacional: sua exis-tência; fonte de produção; campo de suaincidência; Direito cogente regional; ius co-gens e a hierarquia das fontes de Direito In-ternacional, fundamento do ius cogens1; suafunção; concreta individualização (caracte-rísticas, critérios de identificação); implica-

Ius cogens e o tema da nulidade dostratados

Vera Lúcia Viegas

Vera Lúcia Viegas é bacharel em Direito pelaFaculdade de Direito da Universidade de SãoPaulo, pós-graduanda na mesma instituição,especialista em “Direito da Integração” pelaUniversidade de Roma “Tor Vergata” e profes-sora de Direito Romano no Centro Universitá-rio F.I.E.O.

SumárioParte I – Existência e identificação de ius co-

gens. 1. Considerações iniciais. 2. Comprovaçãoda existência do ius cogens. 3. Critérios de iden-tificação do ius cogens. 4. Caráter geral da nor-ma cogente de Direito Internacional. 5. “Acei-ta” e “reconhecida” pela comunidade interna-cional no seu conjunto. 6. Processo de formaçãodo ius cogens. Parte II - Ius cogens e a Teoria Ge-ral dos Tratados. Da nulidade dos tratados. 1.Considerações iniciais. 2. Conflito entre um tra-tado e uma norma de ius cogens existente nomomento de sua celebração. 3. Sobre quem podealegar a invalidade de tratado conflitante comnorma de ius cogens. 4. Conflito entre um trata-do e uma norma de ius cogens superveniens. 5.Conteúdo da incompatibilidade. 6. Procedimen-to para invalidar ou extinguir tratado conflitantecom norma de ius cogens internacional. 7. Trata-dos contrários ao ius cogens, anteriores à entra-da em vigor da Convenção de Viena sobre Di-reito dos Tratados. 8. Considerações finais.

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ções (conseqüências de sua violação: con-seqüências da nulidade do Tratado viola-dor, responsabilidade internacional...); efe-tividade; correlação com institutos jurídi-cos afins2 (ordem pública internacional,bons costumes, princípios de Direito...),etc.

Não é nossa pretensão aqui enfocar talobjeto por todos esses ângulos. Abordare-mos apenas algumas das questões dessecomplexo tema.

Nosso intuito aqui é apenas e tão-so-mente, com objetivos didáticos, procurar,do modo o mais conciso e sistemático pos-sível – sem porém sermos superficiais –, de-senvolver os aspectos escolhidos do tema,propiciando, assim, o que se destina a seruma leitura rápida e esclarecedora.

1. Considerações iniciais

Ius publicum privatorum pactis mutari nonpotest

D. 2. 14. 38Já os romanos aludiam a normas que

não podiam ser alteradas pela vontade daspartes. Empregavam o termo ius publicumtambém no sentido que hoje entendemospor Direito cogente, isto é, inderrogávelpelo exercício da autonomia privada.

Nesse sentido supra-empregado, o iuspublicum estaria em antítese ao Direito dis-positivo, não podendo ser derrogado pordisposição em contrário3.

Di Pietro claramente nos diz que há te-mas que, justamente por interessarem atodos, comportam-se necessariamentecomo obrigatórios: ius cogens4.

São várias as opiniões sobre o ius cogens.Há os que negam a sua existência no cam-po do Direito Internacional, por não haverna comunidade internacional um governocentralizado com força física dominante etribunais com jurisdição compulsória quepossam formular e impor normas de natu-reza similar às que definem a ordem públi-ca no nível nacional5.

Outra corrente afirma a existência do iuscogens, pois estão preenchidos os requisi-

tos mínimos de uma comunidade organi-zada. Assim, o ius cogens seria o “conjuntode normas gerais de Direito cuja inobser-vância pode afetar a essência mesma dosentido jurídico ao qual pertence”6.

Há ainda uma terceira corrente, queconsidera apenas os efeitos jurídicos do iuscogens, sem tentar determiná-lo. Para Ruda,é essa a posição adotada pela Convençãode Viena que, no seu art. 53, considera osefeitos do ius cogens: são normas que nãoadmitem acordo em contrário, não podemser derrogadas pelas partes num tratado.São normas que foram reconhecidas pelacomunidade internacional e sem a necessi-dade de uma aprovação unânime, mas coma exigência do reconhecimento por umnúmero considerável e representativo dosdiversos setores da comunidade internaci-onal, incluindo, conseqüentemente, paíseschamados ocidentais, socialistas, desenvol-vidos, em vias de desenvolvimento, de di-versos continentes7.

2. Comprovação da existência do iuscogens

Fausto de Quadros e André GonçalvesPereira tratam do tema ius cogens na parterelativa à hierarquia das fontes: a multipli-cidade das fontes formais do Direito susci-taria o problema da contrariedade de seusconteúdos, o que é solucionado pelo esta-belecimento de uma hierarquia das fontesdo Direito Internacional.

O ius cogens foi definitivamente consa-grado no topo da hierarquia das fontes doDireito Internacional, o que é, justamente,um dos traços mais marcantes da evoluçãodo Direito Internacional contemporâneo8.

A Convenção de Viena não traz exem-plo algum de norma de ius cogens, mas al-guns exemplos podem ser citados: a Cartadas Nações Unidas proibindo o uso da for-ça, a proibição à escravidão, genocídio, pirata-ria etc. Todos os Estados estão obrigados acooperar com a proibição de tais atos.

A própria jurisprudência internacionalaceita a existência do ius cogens.

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Nesse sentido, a Corte Internacional deJustiça, no caso Barcelona Traction, em 1970,afirmou que o Direito Internacional impõeaos Estados certas obrigações erga omnes,derivadas, no Direito Internacional contem-porâneo, da ilegalidade de atos de agressão,do genocídio, de princípios e normas relativosa direitos básicos das pessoas humanas, inclu-sive a proteção contra a escravidão e a discrimi-nação racial9.

Também, em alguns países, tribunaisnacionais já reconheceram a existência doDireito Internacional cogente10.

Pereira e Quadros mencionam o casomais citado, o do Tribunal ConstitucionalFederal alemão, em que o ius cogens inter-nacional foi definido como:

“O conjunto de regras que são es-senciais à existência do Direito Inter-nacional e que já obtiveram da partedos Estados a consciência da sua obri-gatoriedade”11.

3. Critérios de identificação do iuscogens12

Para caracterizar a noção de ius cogens,discutiu-se basicamente a adoção de trêsmétodos13:

1) elencar taxativamente as normas im-perativas de Direito Internacional;

2) formular uma definição de carátergeral, acompanhada de um elenco mera-mente exemplificativo de normas de iuscogens; ou

3) fornecer uma definição de ius cogensque contivesse os critérios idôneos a iden-tificar a natureza imperativa. Foi esse ométodo seguido na redação do art. 53 daConvenção de Viena sobre Direito dos Tra-tados.

O primeiro critério não foi aceito por-que as regras de ius cogens existem inde-pendentemente de sua codificação em ins-trumento pactício, não sendo, assim, con-veniente enumerar singularmente as regrasna Convenção ou em protocolos adicionais14.

O segundo método, por sua vez, inicial-mente fora adotado pela Comissão de Di-

reito Internacional, mas foi posteriormen-te abandonado porque um elenco mera-mente exemplificativo de normas impera-tivas portaria consigo o risco de atribuir,na prática, natureza cogente apenas a es-sas normas arroladas no elenco15.

Desse modo, descartados tanto o rol ta-xativo quanto o exemplificativo, restou oterceiro método: definir o ius cogens forne-cendo os critérios identificadores da natu-reza imperativa da norma.

Assim sendo, norma imperativa é aque-la aceita e reconhecida pela comunidade in-ternacional dos Estados no seu conjunto,enquanto norma não suscetível de derro-gação, podendo ser modificada apenas poruma outra norma cogente, posterior, deDireito Internacional geral.

Em suma, os requisitos identificadoresde uma norma cogente, encontrados no art.53 da Convenção de Viena sobre Direitodos Tratados, são:

1) ser tal norma aceita e reconhecida pelacomunidade internacional como norma co-gente;

2) comunidade internacional essa for-mada pelos Estados no seu conjunto;

3) e, por fim, deve essa norma ser irre-vogável ou

3.1) ser revogável apenas por meio deuma outra norma cogente, posterior.

Já que definir norma cogente como nor-ma inderrogável (item 3 e 3.1 do parágrafosupra16) é tautológico, os critérios identifi-cadores acabam por se resumir em:

1) generalidade da norma imperativa(como se verá);

2) e ser a mesma reconhecida e aceita –como norma cogente - pela comunidadedos Estados no seu conjunto17.

Analisemos cada um desses dois re-quisitos.

4. Caráter geral da norma cogente deDireito Internacional

A norma de ius cogens deve necessaria-mente ser uma norma de caráter geral18. Tan-to o artigo 53 quanto o 64 e o 71, referem-se

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sempre à norma cogente como norma decaráter geral.

Os trabalhos preparatórios da Conven-ção, quanto ao conceito de norma de cará-ter geral, referem-se sempre ao critério daobrigatoriedade universal da norma, ouseja, ser uma norma que vincule a todos osmembros da comunidade internacional,refletindo, assim, a consciência jurídica uni-versal, incorporadora dos princípios funda-mentais da comunidade internacional, des-tinada a proteger os interesses dessa comu-nidade19.

Isso porque é uma norma sem uma esfe-ra delimitada de destinatários, dirigindo-se,ao contrário, a todos os sujeitos do ordena-mento internacional, indistintamente20.

Trata-se de norma aceita e reconhecidapor todos os componentes essenciais da co-munidade internacional, como irrevogável(como se verá infra)21.

5. “Aceita” e “reconhecida” pelacomunidade internacional no seu

conjuntoPara interpretar esse requisito, devemos

analisar:1) o que se entende por “aceitação” e

“reconhecimento”,2) bem como, quem deve operá-los.

1) O que se entende por “aceitação” e“reconhecimento”

Já vimos que o Comitê de redação ha-via incluído o termo de norma “aceita”, co-locado antes de reconhecimento. Assim ofez porque o artigo 38 do Estatuto da CorteInternacional de Justiça emprega tanto otermo “reconhecimento” quanto o de “acei-tação”.

Porém, tal artigo 38 do Estatuto da Cor-te Internacional de Justiça refere-se à for-mação do costume: a expressão “aceitação”indica o elemento psicológico no processode formação do costume e o “reconheci-mento” refere-se à manifestação de vonta-de dos Estados.

Mas Grécia, Espanha e Finlândia, como termo “reconhecimento” em sua emen-da22, pretendiam apenas fazer referência àconvicção dos Estados: o termo “reconhe-cimento” não tinha sido empregado comsignificado diverso de “aceitação”; não sig-nificava expressa manifestação de vontade23.

Além disso, não era propósito dos re-datores da Convenção tratar da questão dasfontes do ius cogens, mas só dos critériosidentificadores.

Assim sendo, para concluir essa ques-tão, pode-se dizer que o convencimento deum Estado quanto à natureza cogente deuma norma pode advir tanto de uma ex-pressa manifestação de vontade, quanto deum comportamento que, de algum modo,assim o manifeste, ou seja, ainda que de ummodo tácito (v.g. com a celebração de umtratado, ou pelo costume...)24.

2) Quem é o agente da “aceitação” e“reconhecimento”:

O art. 53 afirma que a Comunidade Inter-nacional dos Estados no seu conjunto deveaceitar/reconhecer o caráter imperativo deuma norma de Direito Internacional Geralpara que se tenha uma norma cogente in-ternacional.

Mas, o que se entende por “Comuni-dade Internacional dos Estados no seuconjunto”?

Também nesse caso o acréscimo do ter-mo “no seu conjunto” é fruto do Comitêde Redação. Trata-se de expressão não novana praxe internacional e foi inserida com oescopo de deixar claro que a oposição deum determinado Estado não impede o nas-cimento de uma norma cogente25.

Pereira e Quadros expressamente afir-mam que não é necessário que o Direito im-perativo internacional seja aceito por todosos Estados da comunidade internacional,bastando a aceitação generalizada por par-te desses Estados26.

Para esses autores, o ius cogens abran-geria todo o – assim chamado pelos mes-mos autores – “Direito Constitucional In-ternacional”, ou seja:

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“a) o costume internacional geral oucomum – por exemplo, os princípiosda liberdade dos mares, da coexistên-cia pacífica, da autodeterminação dospovos, da proibição da escravatura,da pirataria, do genocídio e da dis-criminação racial, a qualificação doscrimes internacionais, e todo o vasto‘Direito Humanitário Internacional’;b) as normas convencionais perten-centes ao Direito Internacional geral– por exemplo, os princípios consti-tucionais constantes da Carta dasNações Unidas, como é o caso daproibição do uso da força, a soluçãopacífica dos conflitos, a condenaçãoda agressão, a preservação da paz, dasegurança e da justiça internacionais,a legítima defesa, etc. É nesse senti-do que deve ser interpretado o arti-go 103º da Carta da ONU;c) o Direito Internacional geral, defonte unilateral ou convencional, so-bre Direitos do Homem – é o caso daDeclaração Universal dos Direitos doHomem e dos Pactos27 de 1966”2829 .

O reconhecimento/aceitação provém deum número suficientemente representati-vo dos componentes da comunidade inter-nacional30, fazendo com que seja de caráteruniversal a convicção da existência de umadada norma cogente de Direito Internacio-nal geral.

Tendo-se em mente que universalida-de não significa unanimidade, surge umaquestão delicada: a da validade de umanorma cogente internacional a um Estadoque persistentemente tenha-se oposto àformação dessa norma cogente, por meiode atos inequívocos, v. g., afirmando-a re-petidamente como norma derrogável, ouseja, de Direito dispositivo.

É sabido que, em matéria de costumeinternacional, desenvolveu-se a teoria danão-oponibilidade de uma norma costu-meira a um Estado que tenha-se oposto àformação dessa mesma norma costumeira31.

Essa teoria da não-oponibilidade pare-ce, porém, não ser aplicável às normas co-gentes.

Isso porque “le regole imperative, infatti,essendo destinate a proteggere interessi fonda-mentali della comunità internazionale, vinco-lano, per loro natura, tutti i membri della co-munità”32.

Para concluir: o art. 53 da Convençãode Viena fornece os critérios identificado-res de uma norma cogente. Uma vez pre-sentes esses critérios, tal norma vinculatoda a comunidade internacional.

6. Processo de formação do ius cogensO art. 53 da Convenção de Viena, ape-

nas fornecendo os critérios identificadoresdo ius cogens, nada menciona quanto à ori-gem, ao processo de formação da normacogente.

Porém, podemos deduzir o processo deformação do ius cogens:

a) dos próprios critérios identificadoresda norma cogente;

b) dos trabalhos preparatórios da Con-venção; e

c) de outros elementos da própria Con-venção.

Uma primeira pergunta que pode serfeita é esta: as fontes das normas imperati-vas internacionais são as arroladas no art.38 da Corte Internacional de Justiça, ou, porserem uma categoria particular de normas,o ius cogens internacional teria um proces-so de produção jurídico diverso33?

Uma norma imperativa internacionaldeve, de acordo com o art. 53 da Conven-ção, ser uma norma de Direito Internacio-nal geral e – conforme o supra-aludido –pertencer à categoria de normas que vin-culam os Estados independentemente daaceitação destes.

Assim, um acordo não poderia produ-zir uma norma de Direito Cogente, porquenorma pactícia não é norma de Direito In-ternacional geral e, além disso, principal-mente por poder o Tratado ser posterior-

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mente derrogado pelas mesmas partes.Logo, não estariam presentes os elementosidentificadores da norma imperativa, elen-cados pelo art. 53 da Convenção34.

Nada impede, no entanto, que uma nor-ma pactícia se torne posteriormente umanorma costumeira35, nem que um tratadorefira-se a uma norma cogente de DireitoInternacional geral, mas, neste último caso,o caráter imperativo da norma pactícia nãoadviria do tratado, mas sim da norma cos-tumeira que preenche os requisitos do art.53 da Convenção.

Questão igualmente interessante é a dasConvenções multilaterais. Vejamos.

Se uma convenção multilateral contémuma cláusula prescrevendo serem inváli-dos os acordos contrários às disposiçõesdessa convenção, esta não se torna umaconvenção de ius cogens, já que não perdeo seu caráter pactício, e, se dois Estadosmembros dessa convenção multilateral ce-lebram um tratado contrário à mesma, essetratado permanece válido, configurandoapenas uma violação de tal cláusula da con-venção multilateral e também um ilícito in-ternacional, já que uma convenção multi-lateral deve ser respeitada e cumprida portodos os seus membros (art. 26 da Conven-ção de Viena sobre Direito dos Tratados)36.

Quanto às outras fontes indicadas peloart. 38 do Estatuto da Corte Internacionalde Justiça, os princípios gerais de Direito re-conhecidos pelas Nações civilizadas (art. 38, I,“c”, do Estatuto da Corte) são ius cogens seforem admitidos como princípios uniforme-mente previstos nos ordenamentos internose forem, internacionalmente, “sentidos”como obrigatórios e também como cogen-tes, isto é, não passíveis de derrogação37.

Quanto ao costume, este, diferentemen-te dos princípios gerais reconhecidos pelasnações civilizadas, destina-se a protegerinteresses fundamentais da comunidadeinternacional, podendo, assim, assumir ca-ráter de norma cogente. Isso não significa,porém, que todo o costume internacionaltenha esse caráter.

Sendo os dois elementos do costume adiuturnitas e a opinio juris, para que umanorma costumeira seja cogente, o diferen-cial é o elemento psicológico: a opinio iurisda comunidade internacional deve ser nosentido, além da obrigatoriedade de umacerta praxe, também da sua irrevogabilida-de. Assim, o processo de formação de umanorma cogente é dissociado do processo deformação do costume: o caráter cogenteda norma surge com a posterior mani-festação do convencimento da suainderrogabilidade38.

Parte II

Ius cogens e a Teoria Geral dos Tratados

Da nulidade dos tratados

Os tratados também estão submetidosa requisitos de validade e nulidade, tantoquanto os contratos do Direito Interno39.

No entanto, não se podem aplicar indis-criminadamente as normas contratuais doDireito Privado aos tratados internacionais,pois para estes não existe a centralizaçãode órgão legislativo e jurisdicional encon-trada no Direito Interno.

Assim, diante dessa peculiaridade, parao tratamento da validade de um tratadoconsideram-se a jurisprudência dos tribu-nais internacionais, o trabalho da Comis-são de Direito Internacional e as disposi-ções da Convenção de Viena sobre Trata-dos40. Vejamos.

1. Considerações iniciaisNo Direito Interno, distinguem-se o ato

inexistente do ato nulo:1) ato inexistente: aquele que não pre-

enche os elementos de fato exigidos para asua existência, pela sua natureza e seu ob-jeto e em ausência dos quais é logicamenteimpossível conceber sua existência;

2) ato nulo: preenche as condições es-senciais para a existência do ato jurídico,mas se encontra privado de efeitos por lei.

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O mesmo se aplica ao Direito Internacio-nal. Exemplos de atos inexistentes no Di-reito Internacional: um bloqueio não efeti-vo; uma ocupação sem posse efetiva; etc.

O Direito Interno distingue também oato nulo do anulável:

1) ato nulo: a nulidade decorre da lei;uma vez provada a causa de nulidade, ojuiz deve declará-la, podendo até fazê-lo exofficio;

2) ato anulável: uma vez provada a cau-sa de nulidade, o juiz tem a faculdade dedeclará-la ou não.

Discute-se a existência dessa distinçãoentre ato nulo e anulável no Direito Inter-nacional, por não haver no plano interna-cional um órgão jurisdicional obrigatório41.

O Direito Interno faz também a distin-ção entre atos nulos ou anuláveis absolu-tos e atos nulos ou anuláveis relativos:

a) atos nulos ou anuláveis absolutos: vi-olam a ordem pública e os bons costumes,não se podem convalidar, sua nulidadepode ser pronunciada pelo juiz, requeridapela parte interessada ou por terceiros;

b) atos nulos ou anuláveis relativos: es-tabelecidos pela lei em benefício de interes-ses particulares, somente podem ser invo-cados pela parte interessada e são passíveisde convalidação.

Essa última distinção foi, de certa for-ma, reconhecida pela Convenção de Viena.

As nulidades relativas ocorrem no casode vício de consentimento – exceto a coa-ção – a saber: violação de procedimentosinternos (art. 46), restrição de poderes (art.47), erro (art. 48), dolo (art. 49) e corrupçãodo representante do Estado (art. 50). Só oEstado contratante vítima dessas causas denulidade é que pode invocá-las. Essas cau-sas de nulidade foram estabelecidas eminteresse particular do Estado e, por isso,este não as pode alegar se, após ter conhe-cimento delas, manifestou sua aquiescên-cia na validade do contrato, expressa outacitamente.

Já as causas de nulidade absoluta são asseguintes: coação42 – quer seja sobre o re-

presentante do Estado ou sobre o próprioEstado – ou violação de uma norma impe-rativa de Direito Internacional: ius cogens(art. 53)43.

“Art. 53. Tratado em conflito comuma norma imperativa de Direito inter-nacional geral (ius cogens).

É nulo o tratado que, no momen-to de sua conclusão, conflita com umanorma imperativa de Direito interna-cional geral. Para os fins da presenteConvenção, uma norma imperativade Direito internacional geral é umanorma aceita e reconhecida pela co-munidade internacional dos Estadosno seu conjunto, como norma da qualnenhuma derrogação é permitida eque só pode ser modificada por novanorma de Direito internacional geralda mesma natureza.”44

“Art. 64. Superveniência de umanova norma imperativa de Direito inter-nacional geral (ius cogens):

Se sobrevier uma nova norma im-perativa de Direito internacional ge-ral, qualquer tratado existente emconflito com essa norma torna-senulo e extingue-se.”45

Trata-se de uma nulidade absoluta cujacausa não é um vício de consentimento,mas sim objeto ilícito do tratado.

Feitas as observações supra, passemosagora, ainda dentro destas consideraçõesiniciais, às conseqüências da nulidade deum tratado. Vejamos.

A nulidade de um tratado não eliminaeventual responsabilidade internacional doEstado e a necessidade de reparação46.

Existe, até hoje, um setor da doutrinaque entende que se deva reconhecer a todoe qualquer Estado uma actio popularis em re-ação a infrações ao Direito Internacional co-gente.47

Os artigos 69 e 7l da Convenção regu-lam as conseqüências da nulidade de umtratado.

O tratado nulo carece de força jurídi-ca, ou seja, não tem caráter obrigatório

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(art. 69, 1). O tratado é nulo ab initio e nãoa partir da data da invocação de nulidade.As partes devem retroceder ao status quoante, à situação anterior à celebração do tra-tado (art. 69, 2, “a”). Os atos praticados deboa fé antes da invocação da nulidade doTratado não serão afetados por esta.

O vício de consentimento em um trata-do multilateral afeta apenas a relação jurí-dica entre o Estado com consentimento vi-ciado e os demais Estados, e não a relaçãoentre estes (art. 69, 4).

Já as conseqüências da nulidade de umtratado gerada por violação à norma de iuscogens são outras, estando reguladas dife-rentemente pelo art. 71 da Convenção.

De acordo com o art. 71, se um tratadofor nulo por violação ao ius cogens, as par-tes devem:

“a”: eliminar na medida do possível asconseqüências de eventuais atos executa-dos com base em disposição contrária aoius cogens e

“b”: ajustar suas mútuas relações à nor-ma imperativa de Direito Internacional ge-ral. Logo, esta é de fato imperativa, impõe-se aos Estados; estes devem necessariamen-te observá-la.

Assim, se a causa da nulidade de umtratado for a violação do ius cogens, nãobasta o retorno ao status quo ante, sendotambém necessário que as partes se ajus-tem à norma de ius cogens.

2. Conflito entre um Tratado e umanorma de ius cogens existente no

momento de sua celebraçãoNesse ponto, cabe indagar: um tratado

contrastante com uma norma imperativa éautomaticamente inválido ou continua aproduzir provisoriamente os seus efeitosaté que o procedimento da invalidade sejaobservado?

O supramencionado art. 53 da Conven-ção de Viena sobre Direito dos Tratados de-clara ser nulo o tratado que, ao momentode sua conclusão, conflite com uma normacogente. O art. 69, § 1º48, por sua vez, apre-

goa que as disposições de um tratado“nulo” não têm força jurídica.

Mas é o art. 65 que regula o procedimen-to a ser adotado no caso de nulidade de umtratado: a parte que impugna a validade dotratado, dando-o por extinto, retirando-sedele ou suspendendo sua execução, devenotificar sua pretensão às outras partes, in-dicando, na notificação, a medida que pre-tende tomar e as suas razões (esse pontoserá aprofundado infra).

O prazo dessa notificação, de acordocom o próprio art. 65, será de no mínimotrês meses, salvo em caso de extrema ur-gência.

Já o art. 71, por sua vez, regula os efei-tos da invalidade dos atos cumpridos emexecução de um tratado contrário a umanorma imperativa: além do dever de elimi-nar, na medida do possível, as conseqüên-cias de qualquer ato praticado com base emdisposição conflitante com o ius cogens, de-vem as partes adaptar o tratado violador ànorma de ius cogens violada, conforme jávimos.

Assim, o ius cogens, como já se disse su-pra, é realmente de imposição obrigatória,devendo ser não apenas respeitado, isto é,não violado, como também cumprido, exe-cutado, pela Comunidade Jurídica Interna-cional.

Mesmo considerando-se que a invalida-de opera ex tunc, ou seja, retroage ao mo-mento inicial da celebração do tratado,sabe-se, porém, que a retroatividade nemsempre conduz eficazmente as partes aostatus quo ante.

Surge então uma dúvida quanto a essadeclaração de invalidade que deve ser fei-ta pela parte que alega a violação do trata-do ao ius cogens, bem como do prazo míni-mo dessa notificação às demais partes.

Durante o prazo de notificação, a parteé obrigada a continuar cumprindo esse tra-tado, mesmo sendo violador de uma nor-ma imperativa de Direito Internacional ge-ral?

Deve a parte obrigatoriamente observaro supra-aludido procedimento prescrito

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pelo art. 65 da Convenção de Viena sobreDireito dos Tratados?

O estabelecido no art. 65 tem por esco-po evitar meras declarações unilaterais deinvalidade de tratados, independentes deverificação, consensual ou judicial, da realexistência da causa de invalidade invoca-da. Mas, ao mesmo tempo, na outra faceda moeda, estão em jogo não apenas os in-teresses dos Estados contratantes, mas simos de toda a comunidade internacional, portratar-se, justamente, da violação de umanorma de ius cogens.

Na redação do art. 65 da Convenção deViena sobre Direito dos Tratados, deu-semais peso à estabilidade dos tratados in-ternacionais49.

Por um outro lado, o próprio art. 65menciona que tal prazo de notificação deveser observado “salvo em caso de extremaurgência”50.

É interessante ainda observar que umtratado contrastante com uma norma de iuscogens não se convalida por aquiescênciada parte, ou seja, não se aplica o art. 45 daConvenção de Viena sobre Direito dos Tra-tados, já que esse artigo refere-se a víciosde consentimento.

Uma outra conseqüência é a invalidadecausada por violação ao ius cogens atingirtodo o tratado: o inteiro tratado, e não ape-nas a cláusula violadora da norma impera-tiva de Direito Internacional geral, fica pri-vado de força jurídica, em virtude do § 5ºdo art. 44 da Convenção de Viena, que pro-íbe a divisibilidade das disposições de umtratado, nesse caso.

Porém, numa interpretação sistemáticada Convenção de Viena sobre Direito dosTratados, devemos considerar eventuaisefeitos causados por atos executados com baseem ‘cláusulas não eivadas do vício’ de nulidadepor contraste com norma de ius cogens. Nessecaso, incide a alínea “b” do § 2º do art. 69da Convenção: os atos praticados de boa fé,antes de a nulidade de um tratado haver sidoinvocada, não serão afetados pela nulidade dotratado.

3. Sobre quem pode alegar a invalidade detratado conflitante com norma de ius

cogensJá que o Direito cogente protege inte-

resses de toda a comunidade internacional,todo e qualquer Estado, parte de um trata-do violador de ius cogens, pode invocar ainvalidade desse tratado (o art. 65, § 1º, re-fere-se a Estado “parte”)51.

Já nos casos de vício de consentimento(arts. 46 a 50 da Convenção de Viena sobreDireito dos Tratados), apenas o Estado queteve o consentimento viciado é que podeimpugnar o tratado52.

4. Conflito entre um tratado e umanorma de ius cogens superveniensDe acordo com o art. 64 da Convenção

de Viena, um tratado antagônico a umanorma de ius cogens superveniente torna-se nulo e extingue-se: se sobrevier uma novanorma imperativa de Direito internacional ge-ral, qualquer tratado existente em conflito comessa norma torna-se nulo e extingue-se53.

Um tratado contrastante com uma nor-ma de ius cogens superveniente tem seusefeitos cessados ex nunc, ou seja, apenas apartir do aparecimento da nova norma deius cogens superveniente, e não desde o iní-cio da celebração do tratado (art. 71, § 2º,“b”, da Convenção de Viena).

Não se prejudicam os direitos e obriga-ções havidos na execução do tratado ante-riores ao surgimento da nova norma de iuscogens54 justamente por terem por base aboa fé das partes no momento da celebra-ção e início da execução do tratado (o vícioé apenas posterior, só surge quando do nas-cimento da nova norma imperativa, admi-te-se retroagir, fazendo cessar os efeitos daexecução do tratado, apenas ao momentodo aparecimento dessa nova norma impe-rativa superveniente)55.

Quanto ao procedimento para a extin-ção, nesse caso, basta mencionar que a Con-venção de Viena distingue entre as causasde extinção previstas diretamente por um

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tratado e as causas de extinção previstaspela própria Convenção. As primeiras ope-ram independentemente do procedimentoestabelecido no art. 65 e seguintes; já paraas segundas, estão justamente subordina-das ao procedimento do art . 65 eseguintes56.

Um outro ponto interessante é que, tan-to no caso de conflito de tratado com nor-ma imperativa já existente ao tempo de suacelebração, ou superveniente, a parte nãoperde o direito de reclamar a extinção dotratado, ou seja, não se configura a hipóte-se de incidência do art. 45 da Convençãode Viena (não se admite convalidação poraquiescência).

Quanto à legitimidade para a extinçãodo tratado por incompatibilidade com nor-ma de ius cogens superveniente, apenas umEstado parte nesse tratado é titular do po-der de fazer valer o procedimento do art.65 da Convenção, pelos mesmos motivossupra-explicitados, quando da análise deconflito com norma imperativa já previa-mente existente ao tempo da celebração dotratado.

Diferentemente ocorre, porém, quantoà possibilidade de divisão do tratado vici-ado. O conflito com norma imperativa su-perveniente torna nula e extingue apenasa cláusula incompatível, e não todo o trata-do. O art. 44, § 5º, da Convenção admite adivisibilidade, nesse caso, fazendo com queo tratado continue a produzir efeitos,extinguindo-se, apenas, as cláusulasconflitantes.

5. Conteúdo da incompatibilidade

Os arts. 53 e 64 da Convenção de Vienanão determinam qual deva ser o núcleo daincompatibilidade. Nos trabalhos prepara-tórios, percebemos que inicialmente haviasido feita a distinção entre o objeto do tra-tado (conteúdo de suas cláusulas contra-tuais) e a sua execução.

Do desenrolar dos trabalhos preparató-rios, infere-se que o critério da execução dotratado para a aferição da incompatibilida-

de foi afastado. Assim, apenas o conteúdodo tratado deve ser considerado para a ve-rificação da incompatibilidade do mesmocom uma norma do ius cogens57.

Logo, se o tratado não tem um conteú-do incompatível com o ius cogens, mas é exe-cutado por uma forma violadora de nor-ma imperativa internacional, é válido; po-rém, as partes, ao executá-lo desse modocontrastante com o Direito cogente, come-tem um ilícito internacional.

Para Ronzitti, a análise da incompatibi-lidade deve ser feita com base não apenasno objeto do tratado, mas também de seuescopo, ou seja, o fim perseguido pelo Tra-tado, inferido do próprio conteúdo das clá-usulas contratuais. Objeto e escopo seriamdois critérios indissociáveis58.

6. Procedimento para invalidar ouextinguir tratado conflitante com norma

de ius cogens internacionalComo já havíamos mencionado supra,

o Estado que alega incompatibilidade dotratado com norma cogente deve inicial-mente notificar a outra parte e indicar a me-dida que pretende tomar, ou seja, se pre-tende declarar inválido ou extinto o trata-do e os seus motivos (art. 65, § 1º, da Con-venção de Viena).

Esse Estado poderá declarar o tratadoinválido ou extinto se, decorridos três me-ses do recebimento da notificação, a outraparte não objetar (art. 65, § 2º)59.

Se, porém, houver objeção, as partes de-vem procurar uma solução, valendo-se deum dos meios previstos no art. 33 da Cartada ONU (art. 65, § 3º)60. Essa controvérsiaserá resolvida até doze meses após a obje-ção, ou então qualquer das partes poderá,mediante recurso unilateral, outorgar acontrovérsia à Corte Internacional de Jus-tiça, se não se preferir recorrer à arbitragem(art. 66 da Convenção, caput e § 1º).

Assim, conseqüência importante desseprocedimento é a atribuição da competên-cia obrigatória da Corte Internacional deJustiça: para provocar a manifestação da

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Corte quanto à aplicação ou a interpreta-ção dos artigos 53 e 64 da Convenção deViena, não se exige a anuência da outraparte; apenas uma das partes, medianterecurso unilateral, pode iniciar o procedi-mento61.

A Tunísia fez reserva ao art. 66, alínea“a”, justamente por este determinar obri-gatória a competência da Corte Internacio-nal de Justiça. Ela se opôs, mesmo se tra-tando apenas de competência obrigatóriaquanto à matéria de ius cogens62.

O que a Corte deve fazer, uma vez pro-vocada por recurso unilateral de uma daspartes, é determinar se uma dada normatem a natureza cogente e se o tratado ata-cado em questão é contrário a essa norma.

Já as conseqüências da invalidade e ex-tinção de um tratado contrário à norma deius cogens não estão compreendidas na ju-risdição obrigatória da Corte Internacionalde Justiça. Logo, a Corte não pode declararinválido ou extinto o tratado63.

7. Tratados contrários ao ius cogens,anteriores à entrada em vigor da

Convenção de Viena sobre Direito dosTratados64

As disposições da Convenção de Vienasobre Direito dos tratados só se aplicam,obviamente, aos Tratados concluídos apósa sua entrada em vigor, com ressalva, po-rém, para aquelas cláusulas que são meracodificação do Direito Internacional geralpreexistente (art. 4º da Convenção)65.

Isso posto, considerando-se que o ius co-gens internacional não é criação da Con-venção de Viena – esta apenas expõe os cri-térios identificadores –, suas disposiçõesrelativas ao Direito cogente internacionalaplicam-se também a tratados anterioresà Convenção.

De acordo com o art. 4º da Convenção,para sabermos se uma determinada estipu-lação da Convenção pode ser aplicada a umtratado a ela anterior, basta verificarmos se

se trata de uma estipulação fruto do Direi-to pactício/convencional da Convenção ou,então, de Direito consuetudinário, anteriorà mesma.

A invalidade de um tratado em conflitocom o ius cogens decorre não do Direitopactício/convencional da Convenção deViena, mas sim do Direito Internacionalgeral, preexistente, que foi apenas codifi-cado no art. 53 da Convenção. O mesmo sedá com o art. 64.

Logo, tanto o art. 53 quanto o art. 64 –bem como o art. 71, pelos mesmos moti-vos, ou seja, sua adequação ao Direito con-suetudinário preexistente – aplicam-se in-clusive a tratados anteriores à entrada emvigor da Convenção de Viena, já que nãosão criação da mesma, mas, sim, pertencemao Direito Internacional geral, consuetudi-nário, que foi apenas codificado nessesartigos66.

Outra questão é a referente àsconseqüências da invalidade ou extinção deum tratado concluído antes da entrada emvigor da Convenção de Viena. Essas con-seqüências são reguladas pela Convenção?Ou seja, considerar-se-á inválido todo o tra-tado ou apenas a cláusula contrastante?

A cláusula que veda a divisibilidade dasdisposições contratuais (art. 44, § 5º, daConvenção), essa sim deve ser considera-da fruto apenas do Direito pactício/con-vencional da Convenção de Viena: não setrata de codificação de Direito Internacio-nal geral preexistente67.

Isso porque tal artigo foi alvo de inú-meras contestações por parte dos Estadosmembros da Convenção e também de umaemenda em sentido contrário68.

Já quanto ao procedimento para a de-claração de invalidade ou extinção, a suaregulação é também entendida como frutodo Direito pactício/convencional, não seaplicando, portanto, aos tratados celebra-dos antes da entrada em vigor daConvenção.

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8. Considerações finais

Como bem afirmam Pereira e Quadros,a doutrina aceita hoje pacificamente a exis-tência do ius cogens internacional69 e, alémdisso:

“A admissão de um Direito Inter-nacional imperativo representa aaceitação do princípo de que a Comu-nidade Internacional assenta em ‘va-lores fundamentais’ ou ‘regras bási-cas’, que compõem a ordem pública daComunidade Internacional ou ordem pú-blica internacional, e que, dessa forma,obrigam todos os sujeitos do DireitoInternacional, limitando inclusiva-mente a liberdade dos Estados e dasOrganizações Internacionais quer naconclusão de tratados, quer na práti-ca de actos unilaterais. É nesta medi-da que é justo continuar a afirmar-seque o ius cogens se opõe ao ius dispo-sitivum.”70

Essa necessidade de assentar a comuni-dade internacional em valores fundamen-tais surgiu principalmente após a 2ª Guer-ra Mundial.

A própria jurisprudência internacionalaceitou a existência do ius cogens, ainda quemuitas vezes não tenha-se valido dessaexpressão.

A Convenção de Viena sobre Direito dosTratados, admitindo a existência de regrasimperativas de Direito Internacional, limi-tou-se a:

– caracterizar o ius cogens internacionalcomo norma imperativa de Direito Interna-cional Geral,

– exigir que seja aceito e reconhecidopela comunidade internacional no seu con-junto e

– tornar nulo o tratado a ele contrário71.A admissão da existência do ius cogens

internacional é prova da crise do volunta-rismo e está de acordo com as modernasconcepções do Direito Internacional, quenão mais se baseiam no conceito de sobe-rania indivisível dos Estados72.

O artigo 53 da Convenção de Viena so-bre Direito dos Tratados foi aprovado por87 (oitenta e sete) votos contra 8 (oito), com12 (doze) abstenções, o que comprova aexistência do ius cogens internacional limi-tando a liberdade contratual dos Estadosem nome de interesses de toda a comuni-dade internacional de Estados73.

Notas1 Sobre o fundamento do ius cogens, vide o Capí-

tulo II de ALEXIDZE, Levan. Legal Nature of jus cogensin Contemporary international law. Recueil des cours del’Académie de Droit Internacional, 1981-III, Tomo 172,p. 243-258.

2 Sobre esse último ponto, vide ALEXIDZE,1981:237-242.

3 BURDESE, A. Manuale di Diritto Privato Romano.4. ed. Torino : Utet, 1993. ristampa 1996. p. 5.

4 Di PIETRO, Alfredo. Derecho Privado Romano. Bu-enos Aires : Depalma, 1996. p.41.

5 Vide RODAS, João Grandino. “Ius cogens em Di-reito Internacional”. In: Revista da Faculdade de Direitoda Universidade de São Paulo, v. 69, 1974. p. 134.

6 RUDA, José Maria. Nulidade de los Tratados. In: In-ternational Law at a Time of Perplexity – Essays in Honour ofShabtai Rosenne, organizado por Yoram Dinstein, p. 674.

7 Todas essas considerações iniciais serão adianteaprofundadas, oportunamente.

8 PEREIRA, André Gonçalves, QUADROS, Faustode. Manual de Direito Internacional Público. 3. ed. Coim-bra : Almedina, 1997. p. 277.

9 PEREIRA, QUADROS. 1997. p. 279., e notas 4 a 6mencionam outros casos envolvendo aplicação do di-reito cogente internacional.

10 BOGGIANO menciona dois casos da Corte Su-prema da Nação Argentina aplicando o conceito de iuscogens (BOGGIANO, Antonio. Teoria del Derecho Inter-nacional – las relaciones entre los ordenamientos jurídicos –ius inter iura. Buenos Aires : La Ley, 1996. p. 60).

– à violação ao princípio da defesa e direito à juris-dição (caso Washington Carranza). A questão básicaenvolvida, nesse caso, é a da conciliação da norma deum tratado conferindo imunidade de jurisdição a umaorganização internacional e a norma constitucionalargentina reconhecendo à outra parte o Direito à juris-dição (o art. 4º do Acordo de Sede da Comissão Técni-ca Mista de Salto Grande atribui-lhe imunidade de ju-risdição) BOGGIANO, Antonio. 1996. p. 447.

– à proibição do genocídio, alegando que o genocí-dio não pode-se justificar como represália por um atoilícito prévio (caso Priebke) BOGGIANO, Antonio.1996. p. 740.

11 Os autores citam, ainda, outro caso, o Filartiga,da Suprema Corte norte-americana. PEREIRA, QUA-DROS. 1997. p. 280.

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12 Esse tópico é tratado no Capítulo II (The Identifi-cation of the ius cogens norms) de ROZAKIS, Christos L.The Concept of jus cogens in the Law of Treaties. Amster-dam/New York/Oxford : North-Holland PublishingCompany, 1976. p. 44-84.

13 RONZITTI, Natalino. La disciplina dello ius co-gens nella Convenzione di Viena sul Diritto dei Trattati.In: Comunicazioni e Studi. Milano : Giuffrè, v. 15 , 1978.p. 248-250. O autor utilizou-se, nessa parte, das infor-mações contidas nos Documentos Oficiais das Confe-rências das Nações Unidas sobre Direito dos Tratados(Conférence des Nations Unies sur le droit des traités,Primière session, Vienne, 26 mars – 24 mai 1968. Docu-ments Officiels, Comptes rendus analytiques des séan-ces plénières et des séances de la Commission pléniè-re, New York, 1969 e também Conférence des NationsUnies sur le droit des traités, Deuxième session, Vien-ne, 9 avril-22 mai 1969, Documents Officiels, Comptesrendus analytiques des séances plénières et des séan-ces de la Commission plénière, New York, 1970).

14 Quanto a uma enumeração de normas de ius co-gens, para Antonio BOGGIANO, faz parte do ius cogensa proibição:

– ao uso da força;– ao tráfico de escravos;– à pirataria;– ao genocídio;– à violação dos direitos humanos;– à igualdade dos Estados e– ao princípio da autodeterminação dos povos. O autor complementa, ainda, aduzindo que o

conceito de ius cogens deve ser desenvolvido pela prá-tica dos Estados e pela jurisprudência dos Tribunaisinternacionais BOGGIANO, Antonio. 1996. p. 60-61.

15 Vide, a respeito, RODAS, 1974. p.129.16 Esses itens apenas descrevem a natureza de uma

norma de ius cogens, sem, porém, permitirem uma indi-viduação.

17 O primeiro requisito – exigência da generalida-de da norma – encontrava-se já no projeto da Comis-são, cujo texto definitivo foi redigido em 1966. RODAS.1974. p.127; já o segundo decorre de emenda da Gré-cia, Finlândia e Espanha, que porém, mencionavam só“reconhecimento”, e pela Comunidade Internacional(sem se referir a “no seu conjunto”). Os acréscimos pos-teriores (“aceitação”, além de reconhecimento, e Co-munidade Internacional “no seu conjunto”) decorremdas propostas do Comitê de Redação. RONZITTI. 1978.p. 250-251.

18 Como é sabido, além do Direito InternacionalGeral, existe o Direito Internacional Pactício, decorren-te este último da celebração de tratados por parte dosmembros da comunidade internacional. A propósito,Rodas apregoa que o caráter universal de o ius cogensestá justamente realçado pelo fato de o direito cogenteser constituído exclusivamente de normas de DireitoInternacional geral. RODAS. 1974. p. 128.

19 RONZITTI. 1978. p. 251. PEREIRA e QUADROSchegam a falar em “Direito Constitucional Internacio-nal” [PEREIRA, QUADROS. 1997. p. 282-283].

20 Sobre a admissão de um ius cogens regional, videRONZITTI. 1978. p. 252., nota 18, em que há referênci-as bibliográficas de autores que o admitem.

21 PEREIRA e QUADROS mencionam o Acórdãoda Corte Internacional de Justiça, de 27 de junho de1986, referente ao caso das atividades militares e para-militares na Nicarágua, “onde o Tribunal admitiu aexistência de Direito cogente regional” PEREIRA,QUADROS. 1997. p. 281. outra tentativa de alegaçãoda existência de ius cogens regional encontra-se naspáginas 281-282. Os autores expressamente se mani-festam favoráveis à existência do direito cogente re-gional, que porém “deverá sempre respeitar as regraspara-universais ou gerais de ius cogens.” PEREIRA,QUADROS. 1997. p. 282. Já para MORELLI, as nor-mas imperativas pertencem ao Direito Internacionalgeral. MORELLI. Gaetano, A proposito di norme inter-nazionali cogenti, Rivista di Diritto Internazionale, v.51, 1968. p. 110-116.

22 Feita com o escopo apenas de melhor aclarar adefinição de ius cogens elaborada pela Comissão.

23 RONZITTI. 1978. p. 253-254.24 Nesse sentido, manifestou-se a Polônia [RON-

ZITTI, 1978:255].25 RONZITTI, 1978:255. Vide também a nota 27 do

mesmo autor, indicando quem compartilha desse mes-mo entendimento e quem, porém, levanta dúvidas.

26 Assim, não é pelo fato de a República Popular daChina – e outros poucos Estados de regime não-demo-crático – “não terem ainda ratificado a Declaração Uni-versal dos Direitos do Homem e os Pactos de 1966 quese pode dizer que as suas regras não são imperativaspara toda a Comunidade Internacional.” PEREIRA,QUADROS: 1997:282. Nesse mesmo sentido, Alexidzeentende que “comunidade internacional no seu con-junto” deve englobar cada qual dos grupos políticosde Estados existentes no mundo, e um ou dois mem-bros de cada grupo não podem afetar o estabelecimen-to do ius cogens ALEXIDZE. 1981. p. 258.

27 Ou seja, o Pacto Internacional de Direitos Civis ePolíticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômi-cos, Sociais e Culturais, ambos aprovados pela Assem-bléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de1966, entrando em vigor em 22 de março de 1976. PE-REIRA, QUADROS. 1997. p. 91.

28 PEREIRA, QUADROS: 1997:282-283.29 Quanto à controvérsia de se saber se todos os

tratados, até mesmo os regionais, sobre Direitos doHomem, configuram direito cogente ou não, os autoresafirmam que pertencem ao direito imperativo ao me-nos os mais importantes dos direitos e liberdades con-sagrados na Declaração Universal de 1948 e nos Pac-tos de 1966 e que não fazem parte do direito consuetu-dinário geral, como os direitos à vida, propriedade pri-vada, liberdade, constituição da família, liberdades de

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expressão do pensamento, de reunião, associação, decirculação... Afirmam ainda os autores que o âmbitodo Direito Internacional geral imperativo deve-se alar-gar, englobando todos os direitos e liberdades reconhe-cidos pela Declaração Universal e pelos Pactos de 1966,e encerram esse ponto de vista corroborando o enten-dimento de Dominique Carreau, afirmando que: “oconceito de ius cogens é evolutivo, podendo regras quehoje já cabem nele deixar de o fazer e vice-versa. Mas atendência é, sem dúvida, para o alargamento do con-teúdo do conceito.” PEREIRA, QUADROS. 1997. p. 284.Considerando o caráter evolutivo do ius cogens, po-demos afirmar que um tratado pode conter uma novanorma de ius cogens que contrarie uma anterior e aderrogue.

30 Isso significa a participação de Estados tantoocidentais quanto orientais, desenvolvidos e em viasde desenvolvimento, etc.

31 Sobre as dúvidas em torno dessa teoria, videnota 28 de RONZITTI. 1978. p. 256.

32 RONZITTI. 1978. p. 256. Essa opinião é refor-çada pelos trabalhos preparatórios da Convenção.

33 Artigo 38: “1. A Corte, cuja função é decidir deacordo com o direito internacional as controvérsiasque lhe forem submetidas, aplicará:

a) as convenções internacionais, quer gerais, querespeciais, que estabeleçam regras expressamente re-conhecidas pelos Estados litigantes;

b) o costume internacional, como prova de umaprática geral aceita como sendo o direito;

c) os princípios gerais de direito, reconhecidospelas nações civilizadas;

d) sob ressalva da disposição do art. 59, as deci-sões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualifi-cados das diferentes nações, como meio auxiliar paraa determinação das regras de direito.

2. A presente disposição não prejudicará a facul-dade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono,se as partes com isto concordarem.”

34 Há, porém, os que afirmam ser possível umacordo criar normas imperativas (vide, a respeito, nota31, RONZITTI. 1978. p. 258); entre os argumentos aliutilizados, está o da possibilidade de uma Conven-ção multilateral geral poder modificar, e, portanto, tam-bém criar, uma norma cogente. RONZITTI. 1978. p. 258.

35 Vide, a propósito, o art. 38 da Convenção de Vie-na sobre Direito dos Tratados (art. 38 Regras de um tra-tado tornadas obrigatórias para terceiros Estados por forçado costume internacional “Nada nos artigos 34 a 37 im-pede que uma regra prevista em tratado se torne obri-gatória para terceiros Estados como regra costumeirade direito internacional, reconhecida como tal”).

36 Art. 26 Pacta sunt servanda “Todo tratado em vi-gor obriga as partes e deve ser cumprido por elas deboa fé”.

37 RONZITTI. 1978. p. 260-261. principalmentenota 34. Sobre a possibilidade de derrogação de princí-pios gerais de direito, vide ALEXIDZE. 1981. p. 252-

253, e sobre princípios de direito internacional comcaráter imperativo, vide o mesmo autor, p. 253, in fine.Já Pereira e Quadros entendem que todos os princípiosgerais de direito encontram-se incluídos no Direito Im-perativo, estando, assim, igualmente, no topo da hie-rarquia. Conseqüentemente, todo e qualquer tratadoque seja celebrado contrariamente a um princípio ge-ral de Direito é nulo PEREIRA, QUADROS. 1997. p.287. Já quanto ao conflito entre os próprios princípios,é curiosa a hipótese proposta por Boggiano: o autortrata do caso de conflito entre duas normas de ius co-gens, v. g., a proibição ao uso da força e a autodetermi-nação dos povos. Entende Boggiano que não é lícitoviolar uma norma imperativa – proibição ao uso daforça – “para alcançar o resultado ao qual conduziriaa aplicação da autodeterminação dos povos” BOGGI-ANO, Antonio. 1996. p. 61.

38 A Itália manifestou-se considerando normas im-perativas um grupo restrito das normas consuetudi-nárias; igualmente o fez a Bulgária. Já para a Polônia,as normas imperativas de Direito Internacional advêmtanto do costume quanto do acordo, mas, neste últimocaso, o pacto deve-se transformar em Direito Internaci-onal consuetudinário (art. 38 da Convenção de Vienasobre Direito dos Tratados). RONZITTI. 1978. p. 363.Vide, também, RODAS. 1974. p.128.

39 O ato jurídico, para ser válido juridicamente,deve preencher os seguintes requisitos:

1) sujeito capaz;2) objeto lícito;3) observação da forma prescrita ou não defesa

em lei. Essas condições gerais de validade do ato jurídi-

co também se aplicam aos tratados, já que estes nãodeixam de ser atos jurídicos (atos jurídicos internacio-nais, mas, de qualquer forma, atos jurídicos).

Se o tratado não atender a esses três requisitos,será sancionado pelo Direito Internacional com a nu-lidade, ou seja, carece de efeitos jurídicos (ser nulosignifica não produzir efeitos jurídicos).

Isso porque se um tratado conflitar com uma nor-ma de direito cogente, configura-se justamente a hi-pótese de objeto ilícito. O mesmo se dá quando é vio-lada a ordem pública internacional e os bons costu-mes. Como bem acentua Vicente Ráo, os atos que con-trariem a ordem pública, as disposições imperativasde lei e os bons costumes são nulos, sendo essa nuli-dade absoluta, podendo assim ser argüida por qual-quer interessado e pelo Ministério Público, podendo,inclusive, ser decretada ex officio pelo juiz, ao conhe-cer o fato. RÁO, Vicente, Ato Jurídico: noção, pressupos-tos, elementos essenciais e acidentais: o problema doconflito entre os elementos volitivos e a declaração, 3.ed. São Paulo : RT, 1994. p. 132-133.

40 RUDA, José Maria. Nulidade de los tratados. In:International Law at a Time of Perplexity – Essays in Ho-nour of Shabtai Rosenne, organizado por Yoram Dins-tein, p. 661.

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41 Não entraremos aqui nessa discussão, nem tam-pouco na diferença terminológica existente na dou-trina quanto à nulidade dos tratados. Mencionaremosapenas que Ronzitti prefere “invalidade” – termo maisamplo – à “nulidade”, isso depois de ressaltar quealguns autores adotam a dicotomia nulidade relati-va/nulidade absoluta, enquanto outros, ao contrário,afirmam não existirem, no ordenamento internacio-nal, as categorias, do Direito Interno, de nulidade/anulabilidade. RONZITTI. 1978. p. 264-265.

42 O objetivo aqui é desencorajar o uso da forçano cenário internacional.

43 Procura-se aqui defender a ordem pública in-ternacional.

44 Ou, se preferir, na versão inglesa: “A treaty isvoid if, at the time of its conclusion, it conflicts with a pe-remptory norm of general international law. For the pur-poses of the present convention, a peremptory norm of ge-neral international law is a norm accepted and recognizedby the international community of States as a whole as anorm from which no derogation is permitted and whichcan be modified only by a subsequent norm of general in-ternational law having the same character.” In: ALEXI-DZE, 1981. p. 227.

45 O texto da Convenção de Viena sobre Direitodos Tratados pode ser encontrado em RANGEL, Vi-cente Marotta. Direito e Relações Internacionais. 4. ed.São Paulo : RT, 1993. p. 242-271.

46 Sobre responsabilidade do Estado, vide GAJA,Giorgio. Jus Cogens beyond the Vienna Convention.Recueil des cours de l’Académie de Droit Internacional,Tomo 172, 1981-III, p. 290-301.

47 Essa ação popular foi admitida pela Corte In-ternacional de Justiça no caso Barcelona Traction PE-REIRA, QUADROS. 1997. p. 285.

48 Trata-se de regra geral, disciplinando todas ascausas de “invalidade”.

49 Para RONZITTI, melhor teria sido a opção deconsiderar desde logo eficaz a declaração da parte deinvalidade do tratado por violação do ius cogens e aposterior verificação da procedência dessa declara-ção. Caso a declaração do Estado fosse, porém, de fato,improcedente, desconsiderar-se-ia essa declaração deinvalidade e o Estado responderia pela falta de exe-cução do tratado. Assim, evitar-se-ia a situação ab-surda de ter um Estado que continua executando umtratado que entende violador do ius cogens, por ob-servância do procedimento estabelecido no art. 65 daConvenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Paraamenizar essa situação, o que a parte pode fazer éater-se ao prazo mínimo da notificação (três meses) ou,então, requerer à Corte Internacional de Justiça a con-cessão de uma liminar, em medida cautelar, de suspen-são da execução do tratado. RONZITTI. 1978. p. 267-268.

50 Bernardini igualmente entende que a parte podeadotar o procedimento do art. 65 ou, então, simples-mente fazer uma declaração de invalidade, que seria

plenamente operante e lícita, e encerrar imediatamentea execução do tratado. apud RONZITTI. 1978. p. 267-268, mais especificamente na nota 47.

51 Vide nota 55, de RONZITTI, 1978. p. 273; sobrea discussão levantada, nos trabalhos preparatórios daConvenção de Viena, sobre a possibilidade de qual-quer Estado, ainda que não-membro do tratado vio-lador, invocar a invalidade desse tratado. O autoresclarece, ainda, em referida nota, que, pelo fato doius cogens proteger interesses de toda a comunidadeinternacional, a execução de um tratado violador denorma de ius cogens é um ilícito, podendo, assim, todoe qualquer Estado requerer dos Estados membros doTratado violador uma reparação, que pode, inclusi-ve, consistir no reconhecimento da invalidade dessetratado, fazendo valer o § 1º do art. 71 da Convençãode Viena sobre o Direito dos Tratados.

52 RONZITTI. 1978. p. 272.53 A doutrina discute se esse art. 64 é uma causa

de extinção ou de invalidade de tratado, ou, ainda,uma categoria intermediária. Vide nota 57 de RON-ZITTI. 1978. p. 274., sobre a doutrina em cada umdesses sentidos. O autor demonstra sua opinião aonos dizer que o art. 71, § 2º , da Convenção de Vienadetermina as conseqüências da nulidade e extinçãode um tratado, decorrente justamente do supramen-cionado art. 64, e o estipulado por esse art. 71, § 2º,repete, em linhas gerais, o contido no art. 70, que re-gula as conseqüências da extinção de tratados, e não doart. 69, referente à invalidade.

54 Desde que esses direitos, obrigações ou situaçõespossam ser mantidos posteriormente, na medida em queisso não entre em conflito com a nova norma imperativa dedireito internacional geral (art. 71, § 2º, “b”, in fine, daConvenção de Viena sobre Direito dos Tratados).

55 RONZITTI. 1978. p. 276-278.56 RONZITTI. 1978. p. 276.57 RONZITTI. 1978. p. 279-281.58 RONZITTI. 1978. p. 281-282.59 Esse prazo de três meses pode ser abreviado,

dependendo de particular urgência, conforme já infor-mamos supra.

60 Art. 33 da Carta das Nações Unidas: (CapítuloVI: Solução pacífica de controvérsias)

“§ 1º: As partes em uma controvérsia, que possavir a constituir uma ameaça à paz e à segurança inter-nacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a umasolução por negociação, inquérito, mediação, concilia-ção, arbitragem, solução judicial, recurso a entidadesou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífi-co à sua escolha.

§ 2º: O Conselho de Segurança convidará, quandojulgar necessário, as referidas partes a resolver, por taismeios, suas controvérsias.”

61 Vide, sobre a jurisdição obrigatória da Corte In-ternacional de Justiça. RODAS. 1974. p. 131.

62 Vários Estados se opuseram à reserva da Tuní-sia, acentuando que o art. 66, alínea “a”, conferia com-

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petência obrigatória à Corte Internacional de Justiçaapenas em matéria de interpretação e aplicação dosarts. 53 e 64 da Convenção de Viena. RONZITTI. 1978.p.284-285.

63 RONZITTI. 1978. p. 285-286.64 A Convenção de Viena sobre Direito dos Trata-

dos foi aberta à assinatura, em Viena, em 1969 e en-trou em vigor a 27 de janeiro de 1980. RANGE. 1993.p. 242.

65 “Art. 4º. Sem prejuízo da aplicação de quaisquerregras enunciadas na presente Convenção, às quais ostratados estejam submetidos em virtude do direito in-ternacional independentemente da Convenção, estasomente se aplicará aos tratados concluídos por Esta-dos depois de sua entrada em vigor, em relação a essesEstados.”

66 Também Pereira e Quadros entendem que, pelaConvenção de Viena, é nulo qualquer tratado, anteriorou posterior, que contrarie o direito cogente internaci-onal PEREIRA, QUADROS. 1997. p. 281.

67 RONZITTI. 1978. p. 295-296.68 RONZITTI. 1978. p. 296, principalmente nota 87.69 PEREIRA, QUADROS. 1997. p. 277.70 PEREIRA, QUADROS. 1997. p. 278.71 PEREIRA, QUADROS. 1997. p.281.72 PEREIRA, QUADROS. 1997. p. 285-286.73 ALEXIDZE. 1981. p. 231.

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