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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=37416204 Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica Maria Isabel da Cunha Políticas públicas e docência na universidade: novas configurações e possíveis alternativas Revista Portuguesa de Educação, vol. 16, núm. 2, 2003, pp. 45-68, Universidade do Minho Portugal Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista Revista Portuguesa de Educação, ISSN (Versão impressa): 0871-9187 [email protected] Universidade do Minho Portugal www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=37416204

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Sistema de Información Científica

Maria Isabel da Cunha

Políticas públicas e docência na universidade: novas configurações e possíveis alternativas

Revista Portuguesa de Educação, vol. 16, núm. 2, 2003, pp. 45-68,

Universidade do Minho

Portugal

Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista

Revista Portuguesa de Educação,

ISSN (Versão impressa): 0871-9187

[email protected]

Universidade do Minho

Portugal

www.redalyc.orgProjeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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Revista Portuguesa de Educação, 2003, 16(2), pp. 45-68© 2003, CIEd - Universidade do Minho

Políticas públicas e docência nauniversidade: novas configurações epossíveis alternativas*

Maria Isabel da CunhaUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

Resumo

O texto discute as questões relacionadas com a formação do professor

universitário fazendo, inicialmente, uma reflexão sobre os componentes da

ação desse profissional. Referem-se alguns fatores que contribuem para o

desprestígio do conhecimento pedagógico na formação do docente do ensino

superior. Toma-se a idéia de habitus, no sentido dado por Bourdieu, para

explicar como o professor repete processos e estratégias de ensino e reproduz

valores que estão fortemente presentes na sua trajetória, perpetuando, muitas

vezes, um ciclo de reprodução. A idéia de habitus remete à compreensão de

uma ação nem sempre reflexiva, mas profundamente enraizada no modo de

vida cotidiana dos sujeitos. Analisa-se como essa condição é permeável às

influências externas que delineiam o perfil de sucesso para o professor.

Aponta-se as políticas públicas como um forte elemento que age sobre a

configuração da docência e, dentre elas, o impacto que os processos

avaliativos estatais estão exercendo nessa direção. Toma-se dois estruturantes

do fazer dos professores universitários como objeto de reflexão: a investigação

e a docência. Discute-se o prestígio de cada um deles no contexto da carreira

acadêmica. Recorrendo aos conceitos de regulação e emancipação, afirma-se

que os processos desencadeados pela função avaliadora do Estado têm

reforçado a dimensão reguladora, que tem provocado crises, contradições e

possibilidades. Analisa-se essas crises e suas repercussões nos saberes

docentes, usando as contribuições de Tardif, para questionar a configuração da

docência. Procura-se refletir sobre as alternativas possíveis para se contrapor

à lógica dominante, tornando possível uma formação de professores que os

ajude a construir saberes para uma docência emancipatória.

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A formação de professores universitários tem sido objeto de estudos

que indicam a necessidade de análises constantes sobre sua configuração e

práticas. A formação não é um constructo arbitrário pois sua proposta decorre

de uma concepção de educação e do trabalho que cabe ao docente realizar.

Perguntas como — formação para quê? com que sentido? — são balizadoras

da compreensão dos processos formativos. Sem um esforço para respondê-

las, corre-se o risco de tratar as questões da formação de forma naturalizada,

como se não se tivesse atuando num campo minado de ideologias e valores.

Estevão (2001) entende a formação como uma prática social

específica e como uma verdadeira instituição que cumpre certas funções

sociais relacionadas com a reprodução, regulação e legitimação do sistema

social. Lembra que a formação, ao mesmo tempo, celebra determinados

valores, por vezes contraditórios, ligados quer ao mundo empresarial e

gerencialista, quer ao mundo cívico e da cidadania (p. 185).

Se a concepção de formação não é neutra, característica de todo ato

humano, é preciso analisá-la numa perspectiva que se afaste da concepção

meramente técnica. Inclusive, é importante lembrar que a pesquisa sobre

formação de professores pressupõe a não neutralidade. Gauthier (1999)

lembra, com propriedade, que cada dispositivo do olhar e da observação

modifica o objeto de estudo... por isso, nunca estudamos um objeto neutro,

mas sempre um objeto implicado, caracterizado pela teoria e pelo dispositivo

que permite vê-lo, observá-lo e conhecê-lo (p. 24). Nessa perspectiva é

importante fazer uma reflexão mais rigorosa da formação do professor

universitário. É importante lembrar que, mesmo que se mantenha um núcleo

genérico da função docente, os professores possuem características próprias,

relacionadas com suas trajetórias e as condições de exercício profissional.

Assim eles são homens ou mulheres, jovens ou maduros, que atuam em

níveis de ensino diversos e em espaços institucionais próprios. Essa

compreensão justifica uma análise da formação de professores de forma

adjetivada. Nessa perspectiva, trataremos, especialmente, daqueles que

exercem suas funções na universidade.

A pedagogia universitária e a formação de professoresDiferentemente dos outros graus de ensino, o professor universitário

se constituiu, historicamente, tendo como base a profissão paralela que

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exerce ou exercia no mundo do trabalho. A idéia de que quem sabe fazer sabe

ensinar deu sustentação à lógica do recrutamento dos docentes. Além disso

a Universidade, pela sua condição de legitimadora do conhecimento

profissional, tornou-se tributária de um poder que tinha raízes nas macro-

estruturas sociais do campo do trabalho, dominadas, fundamentalmente,

pelas corporações. A ordem “natural” das coisas encaminhou para a

compreensão de que são os médicos que podem definir currículos de

medicina, assim como os economistas o farão para os cursos de economia,

os arquitetos para a arquitetura, etc. O pedagogo, quando chamado a atuar

nesses campos, é um mero co-adjuvante, um estrangeiro em territórios

acadêmicos de outras profissões, como caracteriza Lucarelli (2000, p. 23).

Muitas vezes, assume apenas a função de dar forma discursiva ao decidido

nas corporações, para que os documentos (planos curriculares, projetos

pedagógicos, processos avaliativos, etc.) transitem nos órgãos oficiais. O

pensamento de Larrosa (1990) é elucidador, quando afirma que o discurso

pedagógico, com a profissionalização e institucionalização que lhe são

correlatas, está acompanhado de certas operações encaminhadas a

estabelecer alguma homogeneidade na produção e transmissão do saber

(uma certa normatização), assim como certas barreiras cognitivas

(metodológicas, lingüísticas, teóricas, etc.), tanto com respeito às formas de

conhecimento não profissionalizadas, como com respeito a outras

coletividades já institucionalizadas, entre as quais se tentará construir e

legitimar um espaço próprio (p. 25). O fundamental, nesses casos, é dominar

códigos de um saber pedagógico que vem do campo profissional e da tradição

com que os próprios atores foram formados, ainda que se façam presentes

novas energias advindas das políticas que circundam o tempo e o espaço em

que se situam as decisões.

Também cabe destacar que a docência universitária recebeu forte

influência da concepção epistemológica dominante, própria da ciência

moderna1, especialmente inspiradora das chamadas ciências exatas e da

natureza, que possuía a condição definidora do conhecimento socialmente

legitimado. Nesse pressuposto o conteúdo específico assumia um valor

significativamente maior do que o conhecimento pedagógico e das

humanidades, na formação de professores. Um bom exemplo é trazido por

Silva (2000) referindo-se ao depoimento do professor Benedito Castrucci, da

área de matemática, contratado pela USP, na fase de sua implantação. Diz o

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referido professor, aconselhando os alunos: estuda matemática, deixa de lado

essas coisas de didática, porque didática só tem uma regra boa: saber a

matéria. Se você souber a matéria, o resto você faz, se for um bom artista e,

se for um mau artista, o será a vida toda; se for um bom artista será um bom

professor. O resto põe tudo de lado (p. 8).

A concepção da docência como dom carrega um desprestígio da sua

condição acadêmica, relegando os conhecimentos pedagógicos a um

segundo plano e desvalorizando esse campo na formação do docente de

todos os níveis, mas, principalmente, o universitário. Nessa perspectiva, como

afirma Kessler (2002), a formação específica para a docência era

compreendida como desnecessária. Para a autora, essa trajetória acabava

constituindo um habitus2 para o professor que contemplava o

conservadorismo, ou seja, o comprometimento com a ordem estabelecida,

levando ao cumprimento de ordens sem questionamento.... e ao autoritarismo

que, em geral, se traduzia em relações hierarquizadas e a concepção

positivista de rigor (p. 119).

Em outro estudo, tendo como base as contribuições teóricas deBernstein (1990), afirmamos que as decisões pedagógicas não sãoautônomas; são, antes, dependentes historicamente das relações daeducação com a produção (Cunha & Leite, 1996). Assim, dos docentesuniversitários costuma-se esperar um conhecimento do campo científico desua área, alicerçado nos rigores da ciência e um exercício profissional quelegitime esse saber no espaço da prática. Contando com a maturidade dosalunos do ensino superior para responder às exigências da aprendizagemnesse nível e, tendo como pressuposto o paradigma tradicional detransmissão do conhecimento, não se registra, historicamente, umapreocupação significativa com os conhecimentos pedagógicos.

Vale ressaltar, também, que, por sua vez, os conhecimentospedagógicos se constituíram distantes do espaço universitário e sótardiamente alcançaram uma certa legitimação científica. Em geral o focoprincipal da pedagogia foi a criança, honrando a origem da palavra grega quea constituiu e construindo uma imagem social muitas vezes distorcida da suaamplitude e complexidade.

Especialmente identificada como um campo aplicado das demaisciências sociais, a pedagogia constituiu-se, especialmente, tributária da

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psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem ou da antropologiafilosófica. Trouxe consigo, ainda, a herança de ser um campo feminino,decorrente da “natural” vocação das mulheres para educar as crianças. Nessaperspectiva, pouco dialogava com as estruturas de poder do conhecimentocientífico de outras áreas.

Parecem ser importantes essas considerações, ainda que, em nenhummomento, haja a pretensão de minimizar a importância da pedagogia quetrata do desenvolvimento e da aprendizagem da criança e do adolescente. Aintenção principal é chamar a atenção para o fato de que essa condição foitambém parte do desprestígio do conhecimento pedagógico no âmbito daeducação superior.

Outro aspecto da desqualificação da pedagogia universitária refere-seà sua condição instrumental e não raras vezes entendida como um conjuntode normas e prescrições que, na perspectiva da racionalidade técnica, teriaum efeito messiânico na resolução de problemas. Não se leva em conta aperspectiva, tão bem caracterizada por Lucarelli (2000), de que a pedagogiauniversitária é um espaço de conexão de conhecimentos, subjetividades ecultura, exigindo um conteúdo científico, tecnológico ou artístico altamenteespecializado e orientado para a formação de uma profissão (p. 36).

Tudo indica que há uma inter-relação entre os fatores mencionados,

que se materializam numa prática social objetiva e facilmente identificável.

Nela a carreira universitária se estabelece na perspectiva de que a formação

do professor requer esforços apenas na dimensão científica do docente,

materializada pela pós-graduação strictu-sensu, nos níveis de mestrado e

doutorado. Explicita um valor revelador de que, para ser professor

universitário, o importante é o domínio do conhecimento de sua especialidade

e das formas acadêmicas de sua produção.

Como afirma Cortesão (2000), a Universidade, com a sua

preocupação de universalidade, se constitui como que o bastião da

uniformidade de ordenação da transmissão e globalização dos conteúdos e

processos que se revelam, algumas vezes, pouco adequados ao quadro atual

em que se insere. Os docentes universitários ensinam geralmente como

foram ensinados, garantindo, pela sua prática, uma transmissão mais ou

menos eficiente de saberes e uma socialização idêntica àquela de que eles

próprios foram objeto (p. 40). Essa perspectiva da autora confirma o sentido

49Políticas públicas e docência na universidade

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da docência como habitus, explorado por Kessler (2002). Nela, como já

explicitado, se estabelece um processo de imersão dos sujeitos na cultura,

produzindo um cotidiano revelador de práticas que se sucedem e se

corporificam, naturalizando formas de ser e de pensar. O professor repete

processos e estratégias de ensino e reproduz valores que estão fortemente

presentes na sua trajetória, perpetuando, muitas vezes, um ciclo de

reprodução. A idéia de habitus remete à compreensão de uma ação nem

sempre reflexiva, mas profundamente enraizada no modo de vida cotidiana

dos sujeitos.

O que é um professor de sucesso na Universidade?A pouca valorização do conhecimento pedagógico na formação do

professor universitário contradiz o discurso acadêmico que defende essa

formação específica para os outros níveis de ensino. Vive-se uma

ambigüidade sobre o que representa valor para a profissionalidade docente.

Como a pedagogia universitária é um campo epistemológico inicial e ainda

frágil, estabelece-se um certo vácuo que favorece o impacto que as políticas

públicas têm tido na definição dos conhecimentos legitimados que o professor

universitário deve alcançar para ser reconhecido profissionalmente, com

fortes repercussões sobre sua carreira profissional. A reflexão desses

condicionantes e as possibilidades de novas alternativas vêm se configurando

como um importante campo de produção do conhecimento e dos saberes

docentes.

Os conhecimentos legitimados para a docência universitária, como já

analisado nesse estudo, têm raízes históricas e vinculam-se aos valores do

campo científico e às estruturas de poder da organização corporativa do

trabalho. Entretanto, as políticas públicas também são definidoras de seus

contornos. Essas políticas acompanham os processos que configuram o

papel do Estado na confluência de energias e movimentos vinculados a

projetos sociais e econômicos que, em tensão permanente, definem os rumos

a serem tomados.

Profundas modificações, nas últimas décadas, vêm, progressivamente,

instalando-se no relacionamento entre o Estado, a universidade e a

sociedade. De acordo com Neave & van Vught (1991), esta transformação

50 Maria Isabel da Cunha

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tem sido descrita pelos especialistas como a passagem do modelo de controle

para o modelo de supervisão estatal. Na medida em que o setor privado

assumiu a condição de ser o maior empregador dos egressos das

universidades e que se pontuavam as dificuldades para assegurar o

financiamento que atendesse as demandas da educação, o Estado

considerou-se ineficiente para dar conta da gestão dos processos educativos,

procurando, na retórica da autonomia, liberdade e auto-regulação, transferir

sua responsabilidade social para a livre iniciativa. O mercado surgiu, então,

como personagem principal do discurso político oficial, quer em nível do

Estado, quer das Instituições, bem ao gosto das teorias neo-liberais, que tanto

afagam a idéia da ineficiência do setor público como algo incontornável.

Na formulação das relações típicas do Estado-Nação, a expectativa

social para a universidade instalava-se, principalmente, sob o pilar da

emancipação, onde as relações se construíam no binômio sujeito-sujeito,

procurando alcançar a solidariedade (Santos, 2000). O Estado-Avaliador,

entretanto, vem reforçando o pilar da regulação, reinstituindo o processo de

relações colonialistas na relação sujeito-objeto. Essa perspectiva foi

particularmente enfatizada e resignificada pela chamada globalização, dentro da

tendência neo-liberal, que fortemente vem impondo-se como se fosse a única

alternativa de desenvolvimento, especialmente para os países dependentes.

Mesmo que este processo, que inclui a avaliação, possa trazer, num

espaço de contradição, alguns resultados positivos para a qualidade

educativa, representa um perigo ao tornar-se o padrão único que provém de

um ethos externo, anulando as configurações de autoria das universidades de

um projeto político-pedagógico próprio. A relação sujeito-objeto se fortalece e

a universidade, que tanto foi zelosa de sua autonomia e da sua condição de

geradora de um pensamento independente, se atrela ao processo produtivo,

aceitando que forças externas imponham o patamar de uma qualidade que

ela não escolheu. Além disso, como as estratégias governamentais são

ardilosas e fortemente acompanhadas de um convencimento da opinião

pública veiculadas pela mídia, a sensação de desconfiança que inicialmente

se percebia nas Instituições, vem passando por um processo de acomodação

aos novos padrões. Para tal condição muito contribui o sentimento de

impotência dos sujeitos acadêmicos frente ao modelo avaliativo, que se

legitima em legislações que impõem obrigatoriedades e punições aos que

51Políticas públicas e docência na universidade

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dele se afastam. A sensação de que não há alternativas ao modelo proposto

favorece a absorção de seus pressupostos.

Nesse marco, as grandes discussões acadêmicas sobre a vocação da

universidade, especialmente nos países em desenvolvimento, vão se

perdendo e, em seu lugar, são colocadas energias para dar conta da

qualidade imposta pelos processos avaliativos externos. O mais grave,

entretanto, é reconhecer que estes processos não são analisados nas suas

relações mais amplas ou seja, articulados com o conceito de Estado.

A compreensão das circunstâncias políticas que vêm definindo as

condições objetivas do trabalho na universidade precisa ser referenciada em

perspectivas mais largas. A rapidez com que são implementadas as novas

diretrizes destoam do ritmo natural da reflexão acadêmica que, em geral, é

mais lento e está acostumado a um certo distanciamento dos fatos para

empreender a sua interpretação.

Analisando os processos de avaliação externa, vigentes para a

universidade brasileira, identificam-se os elementos que estão constituindo os

indicadores de sucesso da docência universitária. Esses padrões têm

similaridade internacional, pois procuram legitimação no cenário globalizado.

Percebe-se, nesse perfil, duas vertentes principais: o componente da

investigação e o componente da docência. Ambos constituídos por

estruturantes, alguns de alto prestígio e outros de baixa valoração acadêmica

e social. O quadro a seguir procura explicitar melhor essa perspectiva.

O componente da investigação representa a concepção de que o

professor é, especialmente, um produtor de conhecimento e que a

universidade, para dar conta do seu perfil acadêmico, precisa estar alicerçada

numa forte tradição investigativa.

Já o componente da docência deposita nos professores a tradicional

tarefa da educação escolarizada, que expressa-se pela socialização e

distribuição do conhecimento.

52 Maria Isabel da Cunha

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Ao comparar as duas vertentes, no âmbito da avaliação, identifica-se

o componente da investigação como de maior prestígio, especialmente no

espaço da pós-graduação, adentrando, pouco a pouco, a graduação.

Entretanto, no seu interior há um estruturante que carrega maior importância

do que o outro e refere-se à pesquisa pura ou aplicada, que toma a área de

conhecimento específico como objeto. Essa dimensão assume maior

prestígio do que a investigação dos processos pedagógicos que o professor,

também profissionalmente, desenvolve na universidade. No primeiro caso os

produtos são dimensionados pelas publicações, projetos investigativos

financiados, patentes registradas, coordenação e/ou participação em redes

investigativas e prestação de consultorias a órgãos públicos ou privados, no

âmbito de sua especialidade. Há uma visibilidade material mais intensa do

processo produtivo do professor.

No segundo caso, com menor prestígio está a pesquisa que

acompanha reformas curriculares, inovações pedagógicas, mediações

53Políticas públicas e docência na universidade

COMPONENTES DA AÇÃO DOCENTE E DIMENSÕES DE PRESTÍGIO

PesquisaPublicações

Área de conhec imento ProdutosCOMPONENTE DA forte prestígio RedesINVESTIGAÇÃO Consultorias

CurrículoPrát ica pedagógica Inovaçõesbaixo prestígio Mediações

ProdutosNormas

Indica dores de Regulação CompetênciasCOMPONENTE forte prestígio ExcelênciaDA DOCÊNCIA Produtividade

AçãoProcessos

Indica dores de Em ancipação Mediaçõesbaixo prestígio Valores

CompromissosRupturas

Intervenções

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culturais e afetivas com estudantes e comunidades, materiais pedagógicos e

instrucionais. As evidências dessa dimensão são mais fluídas e centram-se

mais em processos do que em produtos, atingindo a subjetividade dos atores.

Não são aspectos contabilizados numericamente nem a quantificação linear

os qualifica. A sistemática de avaliação adotada não os capta e, numa visão

pragmática, deslegitima sua condição acadêmica. Nesse sentido, o espaço da

pedagogia na universidade, é sempre visto como um saber menor, ligado à

base empírica da construção dos saberes, não merecendo uma legitimada

interlocução acadêmica. Exemplifica essa condição a política que não

reconhece, para fins de avaliação dos Cursos de Graduação, os títulos que os

docentes universitários das diversas áreas do conhecimento obtêm nos

mestrados e doutorados em educação.

O componente da docência contém dois tipos de estruturantes que

acompanham sua condição e prática: a regulação e emancipação. Essas

concepções, inspiradas nos estudos de Santos (1998), são os pilares

fundamentais da modernidade e estão presentes no horizonte da construção

do conceito de Estado, desde a sua emergência a partir do século XVI, com

fortes impactos sobre as formas de conhecimento. Para o autor, tal como

foram criados teoricamente, os dois pilares vinculados garantiriam o

desenvolvimento harmonioso de valores tendencialmente contraditórios, da

justiça e da autonomia, da solidariedade e da identidade, da emancipação e

da subjetividade, da igualdade e da liberdade (p. 71). Santos, porém, logo

aponta o equívoco que considerou a possibilidade desses princípios e lógicas

virem humildemente a dissolver-se num projeto global de racionalização da

vida social prática e cotidiana (p. 72) pois, ao longo dos períodos históricos do

capitalismo, o pilar da regulação foi tomando proporções muito mais fortes do

que o da emancipação, com profundo impacto para as políticas sociais,

inclusive as da educação.

As ações humanas, sistematizadas em torno de processos instituídos,

como é o caso da educação escolarizada, sendo tributárias da concepção de

Estado, são, portanto, portadoras tanto de forças regulatórias como

emancipatórias. O equilíbrio entre elas seria desejável para que, garantindo a

necessária sistematização, a regulação não fosse empecilho às energias

emancipatórias. Entretanto, tal como ocorre nos espaços políticos e sociais da

macro-estrutura, o pilar do conhecimento-regulação se sobrepõe ao pilar do

54 Maria Isabel da Cunha

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conhecimento-emancipação. Estamos tão habituados a conceber o

conhecimento como um princípio de ordem sobre as coisas e sobre os outros

que é difícil imaginar uma forma de conhecimento que funcione como

princípio de solidariedade ... e esse é um desafio a ser enfrentado (Santos,

2000, p. 30).

Tomando a educação como campo social percebe-se que entre os

estruturantes regulatórios estão as normas legais que regem a ação

educativa, assim como a cultura instituída que define padrões e condutas. De

uma certa forma trata-se, nesse sentido, do habitus bourdieuniano

anteriormente mencionado. O rol de competências que se espera dos atores

e o padrão de excelência definido a priori, constituem-se no ethos regulador

que define as práticas educativas e o padrão de qualidade. O mais alto padrão

identifica-se como valor, indicando o grau de produtividade dos sujeitos. No

caso dos professores universitários, a expectativa é de que alcancem padrões

de excelência em ações que exteriorizem sua competência acadêmica. Os

resultados são quase sempre quantificáveis, obedecendo a indicadores

pragmáticos de inserção em padrões generalizáveis. O sucesso da docência

pode ser dimensionado a partir do grau de alcance dos parâmetros propostos

pelo ethos regulatório.

Já a vertente da emancipação vincula-se muito mais a processos do

que a produtos, identificando-se com as mediações, os valores e os

compromissos que o docente expressa na sua prática pedagógica. Atitudes

emancipatórias também exigem conhecimentos acadêmicos e competências

técnicas e sociais que configurem um saber fazer que extrapole os processos

de reprodução. Entretanto, não se estabelecem sobre um ethos regulatório

geral. Ao contrário, como afirma Santos (2000), sua característica é de não

ser indiferente à diferença (p. 30). Isso significa que a competência situa-se,

justamente em agir diferenciadamente para cada situação, a partir da leitura

da cultura e das condições de produção do conhecimento que se estabelece

entre o professor e seus estudantes.

Os processos de emancipação são estimuladores de intervenções

compromissadas com as rupturas que atuam no sentido da mudança. Não

são medidos pelo tamanho e abrangência, mas sim pela profundidade e

significado que têm para os sujeitos envolvidos. São difíceis de dimensionar

objetivamente pois atuam nos espaços de subjetividade e necessitam um

55Políticas públicas e docência na universidade

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tempo de maturação para poder produzir efeitos, que podem ser múltiplos e

heterogêneos.

Na conjuntura atual, onde o Estado neoliberal vem definindo políticas

educativas identificadas com a base econômica de produção, é fácil observar

como o pilar da regulação assume muito mais alto prestígio do que o da

emancipação. São eles os definidores de prêmios objetivos e simbólicos que

valorizam a docência universitária e reconfiguram a profissionalidade dos

professores, definindo o que é um professor de sucesso.

O termo profissionalidade tem sido introduzido nas últimas reflexões

sobre a formação profissional e se traduz na idéia de ser a profissão em ação,

em processo, em movimento. Gimeno Sacristán fala da profissionalidade

como a expressão da especificidade da atuação dos professores na prática,

isto é, o conjunto de atuações, destrezas, conhecimentos, atitudes e valores

ligados a elas que constituem o específico de ser professor (1993, p. 54).

Talvez, para o caso do trabalho docente, a concepção de profissionalidade

seja mais adequada do que a de profissão. Isto porque o exercício da

docência nunca é estático e permanente; é sempre processo, é mudança, é

movimento, é arte; são novas caras, novas experiências, novo contexto, novo

tempo, novo lugar, novas informações, novos sentimentos, novas interações.

Essa concepção, porém, contraria a histórica premissa construída para

o trabalho do professor, materializada na idéia de que a função docente

resume-se em ensinar um corpo de conhecimentos estabelecidos e

legitimados pela a ciência e cultura, especialmente pelo valor intrínseco que

os mesmos representam. Para esta perspectiva a erudição seria a qualidade

mais reconhecida no docente que representaria um depositário do saber cuja

palavra estaria pré-ungida de legitimação. O elemento fundamental do ensino,

nesta perspectiva, é a lógica organizacional do conteúdo a ser ensinado, suas

partes e pré-requisitos, sem maiores preocupações com os sujeitos da

aprendizagem e o contexto em que essa deveria acontecer. O conhecimento,

tido como puro reflexo dos objetos, se organiza sem a mediação dos sujeitos.

Para tal profissionalidade, as características do trabalho docente também são

tributárias da lógica e da neutralidade: segurança, erudição, metodologia da

demonstração, parâmetros únicos de avaliação, disciplina silenciadora dos

estudantes, etc. O silêncio, de acordo com Santos (2000), junto com a

diferença, é a expressão de uma sociologia das ausências, uma construção

56 Maria Isabel da Cunha

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que se afirma como sintoma de um bloqueio, de uma potencialidade que não

pode ser desenvolvida (p. 30). Enfim, um intenso processo regulatório no

sentido da garantia da permanência de práticas pedagógicas consolidadas

tradicionalmente, que incluem os conceitos de controle e poder.

Bernstein (1998) diferencia essas duas dimensões explicitando que o

controle estabelece formas de comunicação legítimas e o poder, as relações

legítimas entre categorias (p. 37). Assim o poder vincula-se às relações que

se instituem na prática pedagógica e o controle refere-se aos dispositivos do

discurso pedagógico que regula as mesmas. Como é fácil perceber, para o

autor (1990), a prática pedagógica pode ser entendida como um dispositivo

transmissor, um transmissor cultural. Um dispositivo unicamente humano,

tanto para a reprodução como para a produção da cultura (p. 68). Suas

reflexões, aliadas às contribuições de Santos, servem para que se

compreenda que o sentido da profissionalidade não é arbitrário, pois sempre

revela e contém formas de controle e poder ou, dito de outra forma, de

regulação. No caso da educação, essas formas se materializam na prática

pedagógica.

Entretanto, como possibilidade potencial, a contradição se estabelece

nos espaços caracterizados pelas ações humanas. Ainda que seja comum

identificar-se a presença dos processos regulatórios oriundos das políticas e

práticas tradicionais, o professor, conscientemente ou não, junto com seus

alunos, resiste a se tornar apenas objeto da ação que desenvolve. Nessa

perspectiva dialética é que vale a pena apostar. Uma das formas de fazê-lo,

é analisar como se constroem as práticas alternativas e os saberes docentes.

Regulação da docência: crise, contradições e possibilidadesO arcabouço histórico conceitual do entendimento da docência e da

mudança paradigmática, que vem afetando a concepção de conhecimento e

incluindo novas racionalidades, tem tido importante influência no campo da

formação de professores, conforme mencionado nesse texto.

Em Maurice Tardif e seu grupo de pesquisa, coordenado, atualmente,

a partir da Universidade de Montreal, encontramos uma possibilidade de

diálogo privilegiado. Num dos primeiros textos dessa equipe, publicado no

Brasil, denominado Os professores face ao saber: esboço de uma

57Políticas públicas e docência na universidade

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problemática do saber docente (Tardif, Lessard & Lahye, 1991), os autores

chamavam a atenção para a importância de considerar que os professores

são produtores de saberes e que estes são plurais na sua constituição e

natureza. Apontavam três tipos de saberes como constituintes da docência:

saberes das disciplinas, saberes curriculares e saberes da experiência.

Entre outros, alguns foram os méritos dessas reflexões no campo da

formação de educadores no Brasil. Ampliou o delineamento dos saberes

numa similaridade com os estudos de Nóvoa (1989, 1992), que vinham

impactando o campo das pesquisas educacionais no país, analisando a

constituição genealógica da docência. Além disso, mostrou que os saberes

requeridos para o professor são definidos na relação histórica do papel da

escola e da educação nas sociedades contemporâneas. Nesse sentido estão

matriciados numa relação de poder macro-estrutural. Sendo assim, os

saberes variam no tempo e no espaço, dando contornos ao papel docente,

orientando estudos e políticas necessárias para sua formação, quase sempre

de uma forma externa ao seu fazer cotidiano.

Em contribuições mais recentes (2001, 2002) Tardif e sua equipe

ampliaram, através de suas pesquisas, o estudo dos saberes dos

professores, no intuito de compreender melhor a profissão docente.

Acompanhando a tendência contemporânea das pesquisas qualitativas de

inspiração etnográfica, eles concluem que os saberes que servem de base

para o ensino, tais como são vistos pelos professores, não se limitam a

conteúdos bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento

especializado. Eles abrangem uma diversidade de objetos, de questões, de

problemas que estão relacionados com seu trabalho. Nesse sentido os

saberes profissionais são plurais, compostos e heterogêneos... bastante

diversificados, provenientes de fontes variadas, provavelmente de natureza

diferente (2001a, p. 213).

Aponta, também, o autor para as dimensões da crise que assola a

profissão docente. Menciona, em primeiro lugar, que a crise do

profissionalismo é sobretudo, uma crise da perícia profissional, ou seja, dos

conhecimentos, estratégias e técnicas por meio das quais certos profissionais

procuram solucionar situações problemáticas. A perícia profissional perdeu

progressivamente sua aura de ciência aplicada para aproximar-se de um

saber muito mais ambíguo, de um saber socialmente situado e construído

58 Maria Isabel da Cunha

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localmente (p. 251). Mais do que conhecimentos advindos da racionalidade

técnica, a profissão docente está imersa em dimensões éticas, tais como

valores, senso comum, saberes cotidianos, julgamento prático, interesses

sociais, etc. Essas mudanças na visão da perícia profissional suscitaram

controvérsias a respeito do valor dos fundamentos epistemológicos das

práticas profissionais de um repertório de saberes estável, codificado,

consensual e portadora de imputabilidade (p. 251), alicerçadas no pilar da

regulação, explorado por Santos (2000).

O segundo estruturante do problema, para Tardif (2000), refere-se ao

impacto da crise da perícia nas atividades formação profissional. Na maioria

das profissões, esse impacto se manifesta por meio de uma grande

insatisfação e de críticas muitas vezes ferrenhas contra as formações

universitárias oferecidas nas faculdades ou nos institutos profissionais (p.

252). Sem defender uma competência generalizada às instituições

formadoras, uma posição mais reflexiva aponta para a relatividade dessa

condição, pois ela assume um poder de generalização, sem fazer as

distinções necessárias, além de atribuir um poder à formação inicial que não

parece procedente.

A terceira evidência da crise do profissionalismo remete também à

crise do poder profissional e à confiança que o público e os clientes depositam

nele... entendendo o termo “poder” aqui tanto no sentido político quanto no

sentido de capacidade ou competência (p. 253). A complexidade da existência

humana e o reconhecimento dos múltiplos fatores que a determinam, faz fugir

das mãos de um único profissional a condição de arbitragem da verdade e da

certeza.

Por fim, lembra o autor a crise da ética profissional, isto é, dos valores

que deveriam guiar os profissionais. Nos últimos trinta anos, nota-se que a

maioria dos setores sociais onde atuam profissionais têm sido permeados por

conflitos de valores para os quais tem-se tornado cada vez mais difícil

encontrar ou inventar princípios reguladores e consensuais. Esses conflitos

de valores parecem ainda mais graves nas profissões cujos “objetos de

trabalho” são seres humanos, como ocorre com o magistério (p. 252).

Os saberes do docente do ensino superior também são atingidos pelas

crises que compõem esse cenário. Abalados os conhecimentos que dão

sustentação a um ensino prescritivo e legitimado pelo conhecimento científico,

59Políticas públicas e docência na universidade

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o professor vê-se numa emergência de construção de novos saberes. As

questões principais que enfrenta na prática cotidiana dizem respeito a

processos que geram perguntas tais como: Em que medida consigo atender

às expectativas de meus alunos? Como compatibilizá-las com as exigências

institucionais? Como motivar meus alunos para as aprendizagens que

extrapolam o utilitarismo pragmático que está em seus imaginários? Como

trabalhar com turmas heterogêneas e respeitar as diferenças? Que

alternativas há para compatibilizar as novas tecnologias com a reflexão ética?

De que maneira alio ensino e pesquisa? Que competências preciso ter para

interpretar os fatos cotidianos e articulá-los com meu conteúdo? Como

enfrento o desafio da interdisciplinariedade? Continuo preocupado com o

cumprimento do programa de ensino mesmo que os alunos não demonstrem

interesse/prontidão para o mesmo? Como, em contrapartida, garanto

conhecimentos que lhes permitam percorrer a trajetória prevista pelo

currículo? Tem sentido colocar energias em novas alternativas de ensinar e

aprender? Como fugir de avaliações prescritivas e classificatórias e, ao

mesmo tempo, manter o rigor no meu trabalho?

A convivência com professores universitários indica que muitas outras

questões poderiam ser arroladas nessa direção. Fácil é perceber que elas

requerem respostas de natureza cultural e pedagógica. Os impasses que os

professores enfrentam cada vez menos dizem respeito ao domínio do

conteúdo de suas matérias de ensino, ainda que reconheçam nele uma

condição fundamental. Os desafios atuais da docência universitária parecem

estar requerendo saberes que até então representam baixo prestígio

acadêmico no cenário das políticas globalizadas, porque extrapolam a

possibilidade de quantificar produtos.

No fundo aparece com clareza uma questão de poder. Poder de quem

está conseguindo definir o que é e o que dá prestígio. Se fossem os alunos,

provavelmente, os saberes que constituem uma prática pedagógica

significativa seriam valorizados e o processo de solidariedade estaria dando

suporte a construções partilhadas de conhecimentos. Muitos professores

também se sentiriam mais prestigiados com o reconhecimento de seus

estudantes. Há dados de pesquisas que informam que quando perguntados

pelo sentido da docência nas suas vidas, os professores recorrem a

argumentos que estão no plano da subjetividade, assinalando o prazer que

sentem ao se sentir socialmente úteis na aprendizagem e crescimento de

60 Maria Isabel da Cunha

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seus alunos. Entretanto, o afã do Estado-Regulador tem conseguido,

explorando a tradição cultural do ensino superior, fazer valer uma visão

pragmática, onde têm prestígio aquilo que representa o resultado da

produtividade competitiva entre os sujeitos. Essa lógica privilegia os produtos

sobre os processos e, assumindo parâmetros universais, desconsidera as

diferenças e, certamente, provoca silêncios, muitas vezes potencialmente

portadores do germe alternativo da inovação. A literatura tem caracterizado o

professor, que se submete obrigatoriamente à lógica neoliberal, de professor

investidor. Sua principal função não é dedicar-se a produzir um conhecimento

que responda às questões emergentes e significativas para ele e seus alunos.

Ao contrário, é, especialmente, estar alerta aos prazos e condições das

agências de fomento que acabam estimulando, muitas vezes, uma corrida

individualizada às melhores oportunidades de sucesso. E sucesso, nessa

dimensão, é visto como quantidade e exteriorização das publicações,

participação em eventos nacionais e internacionais, presença em comitês

científicos, projetos financiados etc. Sempre que esses produtos têm trânsito

internacional, acrescenta-se pontos no seu prestígio. Ainda que se reconheça

que esses produtos façam parte da agenda do docente universitário,

identifica-se, atualmente, uma concessão exorbitante de valor a essas

dimensões. O professor se vê envolvido, cada vez mais, num processo de

intensificação de seu trabalho que, com as tecnologias da informática,

extrapolam os tempos acadêmicos e invadem os espaços privados de

convivência social. Todos reconhecem que os sábados, domingos e feriados

são os melhores dias para produção intelectual, submetendo a si próprios e

às suas famílias, a um processo estressante de corrida acadêmica, à procura

do troféu da produtividade.

Exacerba-se o individualismo, nessa perspectiva. O docente é

valorizado pelo que produz individualmente ou com seus orientandos, que,

muitas vêzes, disponibilizam produções próprias para aumentar a autoria do

orientador. A relação social no espaço acadêmico, antes reconhecida como

um elo estabelecido entre os professores e entre esses e seus alunos, cada

vez mais é substituída pela relação do professor com seu grupo de pesquisa,

na melhor das hipóteses. Em muitas ocasiões o que se estabelece é apenas

a relação do professor com seus próprios livros e/ou computador.

61Políticas públicas e docência na universidade

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A crítica ao modelo de docência a que estamos submetidos, não quer

ser entendida como anuladora da importância dos produtos, especialmente

quando eles possuem a qualidade que decorre de processos rigorosamente

científicos e pedagógicos. Antes disso, quer prestigiar os resultados que

podem contribuir com a educação e com uma condição positiva de vida social,

no sentido de um conhecimento prudente para uma vida decente, como

defende Santos (1998). A crítica, que quer contribuir para uma reflexão

rigorosa sobre a condição da docência universitária atual, tem o sentido de

chamar a atenção para a possibilidade eminente de reconfiguração dos

saberes que constituem campos de prestígio e que, atingindo a subjetividade

dos atores envolvidos, se naturalizem como a expressão inquestionável de

qualidade.

Acreditamos que o imaginário de sucesso presente na sociedade, nos

alunos, nas instituições e nos próprios docentes é indicador da direção que o

professor dá à construção de seus saberes. Na atual conjuntura, temos a

preocupação de que os processos avaliativos externos, propostos pelos

organismos internacionais e incorporados pelas políticas públicas brasileiras,

tenham um importante papel regulador na concepção de docência. E esses

processos, como é de conhecimento público, tomam produtos definidos a

partir de uma arbitrário que são aplicados como parâmetro de qualidade de

forma universal, desconsiderando a possibilidade da diferença e

desestimulando processos emancipatórios. Certamente terão impacto

significativo no comportamente dos docentes, em especial, como pontuou

Tardif, daqueles que estão em fase inicial de suas carreiras.

Esse é um dos aspectos mais interessantes das suas contribuições

(Tardif & Raymond, 2000), pois aborda a dimensão temporal dos saberes que

se constroem na carreira docente. Para os autores, a carreira consiste em

uma seqüência de fases de integração em uma ocupação e de socialização

na subcultura que a caracteriza (p. 225). Chamam a atenção, ainda, para o

caráter coletivo da dimensão da carreira, já que a identidade dos atores está

referida naqueles que os precederam, que instituíram ou reforçaram normas,

atitudes e comportamentos estabelecidos pela tradição ocupacional e por sua

cultura. Com significativo impacto para os estudos sobre a docência,

ressaltam que os saberes dos professores comportam uma forte dimensão

temporal, remetendo a processos através dos quais são adquiridos no âmbito

62 Maria Isabel da Cunha

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da carreira do magistério (op. cit, p. 226), numa dinâmica de socialização

profissional.

Levar em conta esses pressupostos é reconhecer que os professores

universitários iniciantes recebem com maior intensidade o impacto das

influências culturais de seu tempo. Certamente são influenciados pelos

modelos culturais presentes nas suas trajetórias estudantis. Mas identificam

as primeiras experiências de trabalho como fundantes dos saberes que

constroem.

Em recente estudo (Cunha, Zanchet, Neumann, Fischer, Pinto &

Mallmann, 2001), entrevistamos professores universitários e percebemos que

eles reconhecem que a experiência de início de carreira foi uma das principais

fontes dos seus saberes profissionais. Segundo eles, essa é uma fase crítica,

marcada pelos erros, pelas tentativas de acertar e a necessidade de ser

aceito pelo círculo profissional. Segundo o depoimento dos entrevistados, os

saberes de início de carreira se constroem através da prática, tateando e

descobrindo. Em suma, se aprende no exercício da própria docência.

Com o tempo e com a prática, os professores reconhecem que

aprenderam a lidar com certas situações, e aprenderam a lidar com as

pessoas. Depois de um certo tempo de trabalho você já montou o seu

esquema, você já se organizou um pouco. Então fica mais fácil dar aulas...vou

modificando minhas atitudes em aula quando percebo que meus alunos ficam

desinteressados... Isso aprendi com o tempo, revela um professor.

O depoimento dos professores confirma a importância da fase inicial

de trabalho na construção de seus saberes. É um momento de socialização

cultural, onde as energias valorativas do campo simbólico de atuação dos

professores interferem na construção do seu modo de atuação.

O grande desafio que se põe é, no enfrentamento das contingências

das políticas dominantes defensoras de padrões hegemônicos, tornar

possível uma formação de professores que os ajude a construir saberes para

uma docência emancipatória. Nessa perspectiva vale perguntar sobre a

importância da contribuição da ciência pedagógica para tal intento e como os

profissionais da pedagogia poderiam interagir com os demais docentes, numa

relação epistemológica que fosse dialógica e quebrasse as relações de poder

existentes entre os diferentes campos científicos. Não crendo em soluções

63Políticas públicas e docência na universidade

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messiânicas, parece que o caminho da mudança poderá se dar pelas

margens, como afirma Santos (1998), na criação de um novo senso comum,

onde a nova cidadania se constitui na obrigação política horizontal entre os

cidadãos. Com isto, revaloriza-se o princípio da comunidade e, com ele, a

idéia da igualdade sem mesmidade, a idéia da autonomia e a idéia da

solidariedade (p. 239).

Começar pelas margens significa que todos nós somos responsáveis

pelos processos de mudança em nosso campo de atuação. A universidade,

por sua condição, representa um elemento catalisador de possibilidades e

expectativas e não pode se omitir de suas responsabilidades. E, nesse

contexto, o professor é um elemento-chave.

São evidentes os desafios que tal proposta traz, especialmente numa

circunstância em que as políticas que orientam os mais fortes estados

ocidentais caminham em direção oposta. Vale acreditar, porém, nos sinais de

esgotamento da ordem capitalista desenfreada e apostar na capacidade

humana de crer que um novo mundo seja possível.

Notas* Texto vinculado ao Projeto “Políticas Educacionais: Formação de Professores no

Ensino Superior”. Apoio CAPES/ICCTI.

1 Ciência Moderna: presidida pela racionalidade técnica, onde só há duas formas deconhecimento: as disciplinas formais da lógica e da matemática e as ciênciasempíricas segundo a modelo mecanicista de ciências naturais (Santos, 1987, p. 18).

2 Habitus: conceito utilizado por Bourdieu (1994) para designar uma matriz deprincípios que predispõe o indivíduo a agir de determinadas formas; é um modusoperandi, uma disposição estável para operar em determinado sentido.

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PUBLIC POLICIES AND TEACHING AT THE UNIVERSITY: CONFIGURATIONS AND

POSSIBLE ALTERNATIVES

Abstract

The text discusses education of university teachers. It relates to some factors

which contribute to the lack of prestige of the pedagogical knowledge among

teachers of higher education. It takes the idea of habitus, in the sense given

by Bourdieu, in order to explain how the professor repeats processes and

strategies of teaching and reproduces values strongly present in his trajectory,

perpetuating, very often, a cycle of reproduction. The idea of habitus remits to

the comprehension of an action not always reflexive, but deeply rooted in the

daily way of life of the subjects. It analyses how this condition is permeable to

external influences, which reveal the profile of success for the professor. It

points out the public policies as a strong element that acts on the configuration

of teaching and, among them, the impact that the State’s evaluating processes

is exerting in this direction. It takes two structuring dimensions of the doing of

the university professor as an object of reflection: research and teaching. It

discusses the prestige of each one of them in the context of the academic

career. Recurring to the concepts of regulation and emancipation, it states that

the processes unleashed by the evaluating function of the State have

66 Maria Isabel da Cunha

Page 24: Redalyc.Políticas públicas e docência na universidade ... · Maria Isabel da Cunha Políticas públicas e docência na universidade: novas configurações e possíveis alternativas

reinforced the regulative dimension, which provoked crisis, contradictions and

possibilities. It analyzes these crisis, and their repercussions on the teaching

knowledge, using the contributions of Tardif, for questioning the configuration

of teaching. It tries to reflect on the possible alternatives for opposing the

dominant logic, enabling professors to construct knowledge for emancipatory

teaching.

POLITIQUES PUBLIQUES ET ENSEIGNEMENT À L’UNIVERSITÉ: NOUVELLES

CONFIGURATIONS ET ALTERNATIVES POSSIBLES

Résumé

Ce texte met en discussion les questions autour de la formation de

l’enseignant universitaire en réfléchissant, d’abord, sur les éléments de l’action

de ce praticien. Il indique certains facteurs qui contribuent à la dévalorisation

de la connaissance pédagogique dans la formation du professeur de

l’enseignement supérieur. On prend l’idée de l’ habitus, dans le sens que lui

accorde Bourdieu, pour expliquer comment l’enseignant répète des

démarches et des stratégies d’enseignement, et reproduit des valeurs qui sont

fortement présentes dans sa trajectoire. C’est ainsi que se perpétue souvent

un cycle de reproduction. L’ idée de l’habitus renvoie à la compréhension d’une

action qui n’est pas toujours réfléchie, mais plutôt profondément enracinée

dans la vie quotidienne des sujets. On analyse combien cette condition est

perméable aux influences externes définissant le profil de réussite du

professeur. On considère les politiques publiques comme un élément

déterminant qui agit sur la configuration de l’enseignement, et parmi ces

politiques, les processus évaluatifs de l’État qui ont un impact sur cette

configuration. On prend pour objet de réflexion deux éléments qui structurent

l’action des enseignants universitaires: la recherche et l’enseignement. On

examine l’importance de chacun de ces deux éléments dans le contexte de la

carrière académique. En faisant appel aux concepts de régulation et

d’émancipation, on prétend que les processus déclenchés par la fonction

évaluative de l’État ont renforcé la dimension régulatrice, ce qui a entraîné des

67Políticas públicas e docência na universidade

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crises et des contradictions. Ces crises et leurs retentissements sur les savoirs

enseignants sont analysés dans ce travail, à partir des contributions de Tardif,

afin de mettre en question la configuration de l’enseignement. On y cherche à

réfléchir sur les alternatives possibles permettant de contrecarrer la logique

dominante et rendant possible une formation des enseignants qui les aide à

construire des savoirs en vue d’un enseignement émancipateur.

68 Maria Isabel da Cunha

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Maria Isabel da Cunha, RuaIrani, 40 Casa 1, Porto Alegre 90810-140 Brasil.