israel e sua relação com yahweh um estudo do conceito de divindade guerreira do período...

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9 INTRODUÇÃO 1 Diferentemente dos relatos deuteronomistas dos livros de Josué e Juízes, a conquista da terra de Canaã pelos proto-israelitas “aconteceu em diversos estágios e num considerável período de tempo” (FOHRER, 2006,p.75). Segundo Donner (2004,p.139), Israel só se tornou um povo unificado na terra cultivada e em um processo muito demorado. Assim, não se devem analisar os livros de Josué e Juízes como “história”. Os escritores deuteronomistas, ao olharem para o seu passado, descrevem Yahweh, o seu Deus, como uma divindade guerreira que lutou e derrotou os inimigos do povo israelita na conquista da terra de Canaã. Schmidt (2004,p.172) acredita que a ideia de uma divindade guerreira e “a experiência de que Yahweh é um homem de guerra”, somente ocorreu na terra. Na concepção do mundo do Antigo Oriente, toda a guerra é santa por natureza, onde as nações têm as suas divindades protetoras e as lutas nos campos de batalhas eram também lutas entre divindades padroeiras. Esse tipo de pensamento é atestado na Assíria, onde, segundo Schmidt (2004,p.171), há relatos de que os “deuses intervêm na batalha em defesa de seu povo, e que os vencedores agradecem ao seu deus pelo êxito na batalha”. Algumas características da guerra santa, segundo de Vaux (2004,pp.297-299), são os ritos nos quais o participante deve se purificar e declarar a certeza da vitória para lutar nas batalhas e consagrar à divindade os despojos. O “ herem”, ou seja, a maldição de Yahweh é executada sobre os inimigos, embora Gottwald (2004,p.551) afirme que a prática do anátema “é muito mais frequentemente manifestada nas sociedades estatistas do que nas sociedades tribais”. A ideia de uma divindade guerreira está claramente contida nos relatos da conquista. De Vaux (2004,p.301) afirma que a conquista da terra cultivada é apresentada pelo livro de Josué e pelo primeiro capítulo de Juízes como uma guerra santa e que “qualquer que seja a data de sua redação e a parte 1 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado por mim, Rogério Lima de Moura na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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  • 9

    INTRODUO1

    Diferentemente dos relatos deuteronomistas dos livros de Josu e Juzes, a

    conquista da terra de Cana pelos proto-israelitas aconteceu em diversos

    estgios e num considervel perodo de tempo (FOHRER, 2006,p.75).

    Segundo Donner (2004,p.139), Israel s se tornou um povo unificado na terra

    cultivada e em um processo muito demorado. Assim, no se devem analisar os

    livros de Josu e Juzes como histria. Os escritores deuteronomistas, ao

    olharem para o seu passado, descrevem Yahweh, o seu Deus, como uma

    divindade guerreira que lutou e derrotou os inimigos do povo israelita na

    conquista da terra de Cana. Schmidt (2004,p.172) acredita que a ideia de uma

    divindade guerreira e a experincia de que Yahweh um homem de guerra,

    somente ocorreu na terra.

    Na concepo do mundo do Antigo Oriente, toda a guerra santa por natureza,

    onde as naes tm as suas divindades protetoras e as lutas nos campos de

    batalhas eram tambm lutas entre divindades padroeiras. Esse tipo de

    pensamento atestado na Assria, onde, segundo Schmidt (2004,p.171), h

    relatos de que os deuses intervm na batalha em defesa de seu povo, e que

    os vencedores agradecem ao seu deus pelo xito na batalha.

    Algumas caractersticas da guerra santa, segundo de Vaux (2004,pp.297-299),

    so os ritos nos quais o participante deve se purificar e declarar a certeza da

    vitria para lutar nas batalhas e consagrar divindade os despojos. O herem,

    ou seja, a maldio de Yahweh executada sobre os inimigos, embora

    Gottwald (2004,p.551) afirme que a prtica do antema muito mais

    frequentemente manifestada nas sociedades estatistas do que nas sociedades

    tribais.

    A ideia de uma divindade guerreira est claramente contida nos relatos da

    conquista. De Vaux (2004,p.301) afirma que a conquista da terra cultivada

    apresentada pelo livro de Josu e pelo primeiro captulo de Juzes como uma

    guerra santa e que qualquer que seja a data de sua redao e a parte

    1 Trabalho de Concluso de Curso apresentado por mim, Rogrio Lima de Moura na Universidade

    Presbiteriana Mackenzie.

  • 10

    atribuvel aos redatores, estes no inventaram esta tradio. Portanto, a

    tradio de Yahweh como guerreiro no foi inventada tardiamente, e essa ideia

    de um Deus guerreiro que, antes mesmo da conquista, libertou o povo do Egito

    e, tambm, deu a vitria na conquista da terra de Cana antiga.

    Na monarquia, a religio israelita sofreu algumas modificaes em seu

    imaginrio em relao Yahweh. No perodo pr-monrquico, as guerras eram

    guerras de Yahweh. J no perodo monrquico, o general que vai adiante nas

    batalhas o prprio rei, que era o escolhido de Yahweh e que possua um

    exrcito profissional. Segundo Gunneweg (2005,p.166), o rei como legtimo

    escolhido de Yahweh como tal senhor universal. E no com Davi, mas com

    Salomo, um templo construdo para Yahweh. O templo simbolizava para o

    povo de Israel, segundo Gunneweg (2005,p.179), a visualizao terrena do

    palcio celestial de Deus. Donner (2004) concorda com Gunneweg e

    acrescenta que o templo de Jerusalm era uma espcie de santurio real e

    tambm propriedade da dinastia davdica e, portanto, Deus e o rei residiam em

    Jerusalm muito prximos um do outro.

    No reinado de Salomo, alguns elementos clticos estrangeiros eram

    permitidos e, depois de sua morte, segundo Fohrer (2006,p.168), o sincretismo

    praticamente tinha triunfado. Yahweh era adorado junto com um panteo de

    deuses. Nesse perodo surgiram novas concepes religiosas a respeito de

    Yahweh em Israel e que, segundo Fohrer (2006,p.181), a dinastia davdica

    representou um papel religioso e que permaneceu at a queda do Estado de

    Jud graas a ligao dessa dinastia com Yahweh e seu templo. A cidade de

    Jerusalm foi, assim, considerada a cidade onde Deus habita e, portanto, uma

    cidade santa.

    No exlio, novas respostas precisaram ser criadas como forma de resolver o

    momento histrico do perodo. Nada foi mais aterrorizante para Israel do que

    as consequncias do perodo exlico. Para Klein (1990, p.12), o exlio

    significou morte, deportao, destruio e devastao. Fohrer (2006,p.399)

    concorda com Klein ao afirmar que a queda do Estado de Jud marcou um

    ponto crtico decisivo na vida histrica da nao israelita. Para aqueles que

    estavam fora de sua terra, viver em terra estrangeira, em um ambiente religioso

    diferente, com o seu templo destrudo e com o fim da dinastia davdica levou o

    povo a refletir seriamente o seu Deus. Segundo Klein (1990,p.15) todos os

  • 11

    antigos sistemas de smbolos haviam se tornado inteis. Fohrer (2006,p.401)

    argumenta que, nesse perodo, outros israelitas culparam a reforma de Josias,

    pois essa reforma teria encolerizado os outros deuses. Algumas perguntas

    surgiram de reflexes do povo devido a sua situao no perodo exlico. Klein

    (1990,p.14) argumenta que o povo chega a questionar seu Deus e chega a

    pensar que talvez houvesse divindades mais poderosas ou superiores a

    Yahweh. Fohrer (2006,p.402) acrescenta que em Israel sempre houve

    dvidas acerca de Yahweh e tais acontecimentos levaram-nos a adotar uma

    religio sincretista em que Yahweh era um Deus entre outros.

    Consequentemente havia no meio do povo aqueles que viam as naes

    estrangeiras como instrumentos de julgamento da nao israelita por parte de

    Yahweh e acreditavam que atravs de suas oraes, talvez, Yahweh, seguindo

    as palavras de Fohrer (2006,p.401), seria gracioso e misericordioso para com

    um povo penitente. Assim, novas imagens da divindade foram criadas.

    Posteriormente, no perodo helenstico, foram incorporadas novas imagens a

    Yahweh, em que ele assume imagens de um general frente de um exrcito,

    os chamados filhos da luz como atestado no Rolo da Guerra ,um manuscrito

    encontrado nas cavernas do Mar Morto, que ir julgar as naes pags e

    comear uma nova era de paz.

    De acordo com essa breve exposio acima, deve-se perguntar:

    - De onde surgiram concepes e imaginrios to diferenciados em relao a

    Yahweh?

    - Qual foi o impacto da monarquia na religio e pensamentos a respeito da

    divindade?

    - Desde os primrdios, Israel foi monotesta?

    - Qual a influncia das naes vizinhas em sua religio e imaginrio em relao

    Yahweh?

    Este trabalho pretende avaliar a situao histrico-religiosa de Israel desde o

    perodo pr-monrquico at o perodo chamado ps-exlico e identificar de

    onde surgiram as diferentes concepes e imaginrios de sua religio, assim

  • 12

    como as influncias que essa religio sofreu de seus vizinhos do Antigo Oriente

    Prximo em suas concepes para formar um imaginrio em relao Yahweh

    como uma divindade guerreira.

    I AS DIVINDADES DA RELIGIO SRO-PALESTINENSE E

    SUAS INFLUNCIAS NA RELIGIO DE ISRAEL NO PERODO

    PR-MONRQUICO

    Segundo Smith (2002,p.32), o Deus originrio de Israel foi El. Alguns

    argumentos favorecem essa ideia. O nome Israel aparece com o elemento El.

    Em xodo 6:2-3, o autor do livro quer claramente mostrar continuidade entre a

    religio dos pais com a religio javista mosaica: Deus falou a Moiss e lhe

    disse: Eu sou Yahweh. Apareci a Abrao, a Isaque e a Jac como El Shadday;

    mas meu nome, Yahweh, no lhes fiz conhecer. Em Deuteronmio 32:8-9,

    Yahweh demonstrado como um filho de El, chamado nesta percope de

    Elyon2:

    Quando o Altssimo(Elyon) repartia as naes, quando espalhava os filhos de Ado Ele fixou fronteiras para os povos, conforme o nmero dos filhos de Deus; Mas a parte de Yahweh foi o seu povo, o lote da sua herana foi Jac.

    O texto massortico no atesta filhos de Deus, mas, sim, filhos de Israel,

    talvez corrigindo uma antiga tradio que via El como uma deidade separada

    de Yahweh. J os textos da Septuaginta e do Deuteronmio da quarta caverna

    de Qumran (4QDeuteronmioj) atestam filhos de Deus. Em Gnesis 49:24-25,

    segundo a argumentao de Smith, aparecem uma srie de eptetos do deus

    El separadamente de Yahweh no verso 18 do mesmo captulo. Isso sugere que

    Yahweh foi entendido num antigo estgio separadamente de El.

    Em 1928, foram descobertos em Ras Shamra, ao norte da Sria, diversos

    documentos escritos em argila em linguagem cuneiforme e acdica que

    2 Todas as citaes bblicas so extradas da Bblia de Jerusalm (BJ) nova edio revista e

    ampliada. So Paulo: Paulus, 2004.

  • 13

    possibilitaram fazer um estudo mais profundo das divindades da antiga Ugarit

    bem como de sua religio. A literatura descoberta de contedo mtico e conta

    histrias de deuses e deusas. Aparecem nesses textos nomes como o do deus

    El, sua esposa Athirat, o deus da tempestade Baal e sua esposa Anat, entre

    outros.

    Na antiga Ugarit, a viso de mundo, segundo Smith (2006,p.135), correspondia

    a um mundo habitado por deuses e demnios. Deidades so imaginadas

    prximas do habitat das pessoas, em lugares de cultivo e que as ajudam em

    suas necessidades, enquanto os seres demonacos so imaginados como

    habitando a estepe, rios, fontes, ou seja, lugares no habitados e de ameaa

    s pessoas. As divindades so imaginadas morando em montanhas onde se

    prestado culto a elas. Os seres demonacos so imaginados habitando o

    submundo ou tambm o oceano csmico localizado abaixo do mundo. Existem

    os reinos governados pelas suas respectivas deidades e esses reinos servem

    para marcar a competio csmica. Esses reinos so governados pelo deus

    proeminente na literatura ugartica Baal, governante dos cus, Yam,

    governante do mar e Mot, governante do submundo. Os deuses so

    imaginados antropomorficamente, enquanto os seres demonacos so

    imaginados teriomorficamente, isto , em forma de bestas3:

    Por que Gapn e Ugar vieram? Qual inimigo se levanta contra Baal, Qual inimigo contra o cavaleiro das nuvens? Certamente eu lutei com Yam, o amado de El, Certamente eu acabei com Rio, o grande Deus, Certamente eu amarrei Tunnanu e o destru, Eu lutei com a Serpente sinuosa, a soberana de sete cabeas. Eu lutei com Desejo, o amado de El, Eu destru o Rebelde, o Bezerro de El. Acabei com Fogo, o Co de El, Eu aniquilei a Chama, a Filha de El, Que eu possa lutar pela prata e herdar o ouro. Sim, Deus, s meu rei desde a origem, E ganhaste vitrias por todo o mundo. Com teu poder agitaste o mar, Quebraste a cabea de Drages sobre as guas. Tu esmagaste as cabeas de Leviat, E o jogaste como pasto a manada de stiros. Tu abriste fontes e torrentes, Tu secaste rios inesgotveis. Teu o dia, tua a noite, Tu estabeleceste a luz do sol. Tu fixaste todos os limites do mundo,

    3 Texto da literatura ugartica extrado de: DEL OLMO LETE, G. Mitos y Leyendas de Canaan segun la

    tradicion de Ugarit. Madrid: Ediciones Cristandad, 1981.

  • 14

    Tu inventaste o vero e o inverno4.

    Pode-se ver no poema que Baal imaginado antropomrficamente como

    cavaleiro das nuvens, e Tunnanu, seu inimigo csmico, imaginado

    teriomrficamente como a Serpente sinuosa de sete cabeas.

    Na antiga Ugarit, a coletividade dos deuses foi chamada de assembleia divina

    ou conclio divino. Esse conclio, segundo Smith (2006,p.151), era chefiado por

    El e sua esposa Athirat, seguidos de vrias deidades como Athtart e Athtar (a

    noite e a estrela da manh), Shapshu (sol), Yarih (lua), Shahar (aurora), Shalim

    (crepsculo), Resheph (marte?), e o deus da tempestade, Baal. Logo depois,

    aparecem o nome de Kothar (deus arteso) e os trabalhadores divinos:

    mensageiros (anjos), porteiros e servos. Segundo Miller (1973,p.16), os

    cabeas da assembleia divina possuam mensageiros que executavam

    servios e suas ordens. A assembleia divina foi conhecida com a famlia de El

    e de sua esposa Athirat, os setenta filhos de Athirat.

    El foi retratado nesses escritos como um deus de idade avanada e de barba, o

    nico que eterno, onde sua eterna sabedoria louvada por Anat e Athirat. Ele

    o pai das divindades e pai dos seres humanos; compassivo e preside a

    assembleia divina e ordena decretos. Ele tambm designado de santo.

    Segundo Fohrer (2006), o ttulo rei e o epteto El-touro indicam seu poder e

    domnio. Devido a sua designao deus ocioso, parece que ele perde espao

    na literatura ugartica para Baal. Athirat foi a esposa de El e foi adorada como

    criadora dos deuses e da humanidade e tem influncia em decises de El.

    Baal parece se destacar com proeminncia nos escritos ugarticos e, segundo

    Miller (1973,p.24), Baal e a deusa Anat so deidades guerreiras por excelncia.

    Anat pintada como jovem e, segundo Fohrer (2006,p.60), com inesgotveis

    poderes de vida, amor e concepo, mostrando seu lado de exagerada

    sexualidade. Por outro lado, ela tambm retratada como sanguinria e

    sequiosa por guerra. Os inimigos de Baal nesses textos ugarticos so Yam e

    Mot. Em uma das passagens desses escritos, Baal luta com Yam, o prncipe do

    mar que a personificao do caos, que tendo habitado em um palcio, tenta

    impor seu senhorio sobre todos os deuses. Os mensageiros de Yam aparecem

    no conclio celestial que liderado por Baal com chamas e espadas e

    4 Traduo nossa.

  • 15

    aterrorizam os deuses. Eles exigem que entreguem Baal, o opositor de Yam.

    Os deuses, amedrontados, estavam prontos para se render. Baal, com suas

    hostes, derrota Yam e, assim, Baal feito rei. Em outra passagem, desta vez

    com Mot, Baal tem de lutar para manter o seu reinado. Baal derrotado e,

    ento, desce para o mundo da morte. Anat, sua irm e esposa, tem saudades

    dele e derrota Mot, esquartejando-o e espalhando suas cinzas pelos campos.

    Baal, assim, revive. Ambos os mitos tm reflexos na vida cotidiana do povo de

    Ugarit. O primeiro mito representa a vitria da ordem sobre o caos, ordem que

    constantemente ameaada. O segundo mito representa a vida agrcola, em

    que a chuva, a fertilidade e a vida vegetativa esto ameaadas pela seca,

    infertilidade e morte vegetativa. Nesses relatos, compreende-se que no

    pensamento religioso ugartico, o acontecimento divino reflete em

    acontecimentos da vida cotidiana. Segundo Miller (1973,p.35), nos textos

    ugarticos a vitria de Baal sobre Yam lhe d a imagem de um deus trovejante

    e guerreiro, morando em seu palcio e a terra, agora, estremece com a sua

    voz.

    Como visto acima, a religio ugartica pintou de vrias maneiras suas deidades.

    Em Israel no foi diferente. Sofrendo influncia da religio cananeia e atravs

    das lentes dos escritores bblicos, essas influncias foram filtradas para a viso

    monotesta do javismo.

    Alm disso, a divindade El no foi Yahweh, mas, sim, uma deidade separada e

    autnoma que foi adorada pelos pais. Muitos eptetos de El foram aplicados a

    Yahweh. Assim como El, Yahweh retratado como antigo Deus (Salmo

    102:28; J 36:26; Isaas 40:28), Ancio de Dias e Altssimo (Daniel 7:9-14,22)

    e, assim como El, Yahweh misericordioso, compassivo e criador da

    humanidade. O mesmo aconteceu com Baal, isto , a Yahweh foram atribudos

    vrios eptetos dessa divindade. Segundo Cross (1997,p.162-163), os textos

    ugarticos apresentam a seguinte evoluo de acontecimentos referentes

    interveno de Baal: a) A marcha da divindade guerreira; b) A convulso da

    natureza com a manifestao do poder da divindade guerreira; c) O retorno da

    divindade guerreira para a sua montanha santa para assumir o reinado divino;

  • 16

    d) O proferir da voz da divindade guerreira (isto , o trovo) de seu palcio,

    providenciando chuva que fertiliza a terra.5

    Assim como Baal, Yahweh apresentado como Deus da tempestade (1

    Samuel 12:18; Salmo 29; J 38:25-27, 34-38). O salmo 50:1-3 assim enaltece

    Yahweh como guerreiro:

    Fala Yahweh, o Deus dos deuses, convocando a terra, do nascente ao poente. de Sio, beleza perfeita, Deus resplandece, o nosso Deus vem, e no se calar. sua frente um fogo devora, e ao seu redor tempestade violenta;

    Outros textos relatam a ao de Yahweh como guerreiro (Salmos 97:1-6; 98:1-

    2; 104:1-4; Deuteronmio 33:2; Juzes 4-5; J 26:11-13; Isaas 42:10-15;).

    Assim como Baal, Yahweh retorna ao seu santurio como guerreiro vencedor

    (Salmo24:7-9) e exaltado em seu santurio como Senhor da

    tempestade(Salmo29).

    A assembleia divina tambm aparece como ingrediente no imaginrio religioso

    de Israel. Essa influncia ser tratada abaixo, quando a ateno estiver

    vinculada monarquia e seus aspectos religiosos.

    Portanto, a religio de Israel sofreu diversas influncias para compor e

    cristalizar um pensamento em relao a sua divindade. Pode-se ver uma srie

    de eptetos que foram atribudos a Yahweh. Os escritores israelitas, ao

    escreverem sobre o seu passado, relatando a libertao do Egito ou a

    conquista da terra, usaram antigas tradies que, atravs de influncias

    externas, viam a ao de um Deus guerreiro que interveio em favor dos

    israelitas. As guerras do passado, para o povo israelita, de fato, foram as

    guerras de Yahweh. O povo e sua divindade participaram dessas guerras.

    Essas influncias foram interpretadas luz do javismo dos autores, isto , as

    aes do passado foram aes exclusivamente de Yahweh e no de vrias

    divindades.

    II O PERODO MONRQUICO: NOVAS CONCEPES NA

    RELAO DE ISRAEL E YAHWEH

    5 Traduo nossa.

  • 17

    Durante um bom tempo depois do estabelecimento das tribos israelitas na terra

    cultivada, Israel permaneceu sem uma monarquia. Problemas internos e

    externos eram resolvidos pelos cls e tribos e, segundo Donner (2004,p.181), o

    salvamento de perigos e ameaas s tribos eram deixados por conta de

    Yahweh que levantava um juiz carismtico que, eventualmente, afastava-os de

    Israel e de seus membros. Embora algumas tradies na Bblia polemizem a

    respeito de uma monarquia em Israel (Jz 8:22-23; 1 Samuel 8:4-7) por

    acreditarem que somente Yahweh era o nico rei, a monarquia acabou sendo

    instituda devido ameaa dos filisteus. Coube ao benjaminita Saul o cargo de

    primeiro rei de Israel. Saul atuou como rei segundo os moldes dos juzes

    carismticos (1 Samuel 11:1-12), sendo capacitado pelo esprito de Yahweh.

    Seu poder diante das tribos parece ter sido equiparado ao do profeta Samuel.

    A guerra era praticada ainda nos moldes da guerra santa (1 Samuel 14:15-23;

    15:1-9). Em 1 Samuel 13 e 15 temos os relatos mostrando como Yahweh

    rejeitou Saul que, segundo os textos, desobedeceu s ordens divinas. No

    podemos enxergar muita novidade no mbito religioso no perodo de Saul, pois

    muitas das antigas tradies de guerra santa comandada por um lder militar

    carismtico da poca dos juzes ainda permaneciam. Embora Saul fosse

    designado rei, pintado ainda nos textos como um lder militar carismtico e

    com poderes limitados em relao a Samuel.

    Com a uno de Davi como rei de Israel, mudanas em relao a Saul

    aconteceram, tanto em termos polticos quanto em termos religiosos. Davi

    conseguiu conquistar Jerusalm, um lugar estratgico que ficava entre Israel

    (norte) e Jud (sul). Conseguiu em vida manter os reinos do norte e do sul

    unidos. Trouxe a arca da aliana que estava em Silo para Jerusalm, o que foi

    uma grande estratgia tanto no mbito poltico quanto no religioso que Davi

    usou para unir as tribos. A arca da aliana desempenhou um grande significado

    para o pensamento israelita. Segundo Miller (1973,p.145), a arca da aliana

    est associada com as guerras de Yahweh, em que Deus marcha e luta pelo

    seu povo. o smbolo da presena de Yahweh ao lado do seu povo. Nmeros

    10:35-36 assim narra a respeito da arca:

    Quando a arca partia, dizia Moiss:

  • 18

    levanta-te, Yahweh, e sejam dispersos os teus inimigos, e fujam diante de ti os que te aborrecem! E no lugar do repouso dizia: volta, Yahweh, para as multides de milhares de Israel.

    Essa tradio atesta o carter guerreiro da arca que vai junto com o povo para

    a guerra santa e retorna para os milhares de Israel. Outros textos em que

    aparece a tradio da arca no pensamento israelita como a presena guerreira

    de Yahweh so: Nmeros 14:39-45; Salmo 132:8; Josu 6:6; 2 Samuel 11:11.

    Segundo o relato de 1 Samuel 4:1-11, embora a arca fosse o sinal da presena

    de Yahweh, ela nem sempre era levada com o exrcito para a batalha.

    Portanto, com a presena da arca da aliana em Jerusalm, Davi deu um

    importante passo para legitimar Jerusalm como a cidade em que Yahweh

    habita (Salmo 132:13-14). Outro fator importante no desenvolvimento religioso

    no perodo do governo davdico foi o estabelecimento de uma aliana eterna

    entre Yahweh e Davi (2 Samuel 7:5-17). Essa aliana legitimou o trono

    davdico e de seus descendentes. Davi era o filho de Yahweh (Salmo 2), e o

    seu ungido (Salmo 89). Embora, em vida, quisesse construir o templo de

    Yahweh, Davi, atravs do profeta Natan, recebe a mensagem de Yahweh que

    profetiza que o construtor do templo para Yahweh ser Salomo, seu filho (2

    Samuel 7:1-3.5b.13-15). A construo do templo ao lado do palcio real

    mostrava a legitimao da dinastia davdica e, acima de tudo, a construo do

    templo por Salomo em Jerusalm mostrava que Yahweh habitava no meio

    deles, que escolheu o templo de Jerusalm como o lugar onde habitaria e que

    apenas l, nesse templo, poder-se-ia encontrar Yahweh. Qualquer outro lugar

    de culto era ilegtimo. Por isso, tanta polmica com os reis do norte quando a

    monarquia estava dividida, pois os autores que contaram as histrias da

    sucesso dinstica dos reis do norte eram sulistas, onde o culto legtimo s se

    dava no templo de Jerusalm.

    A monarquia trouxe uma srie de novas perspectivas religiosas que puderam

    moldar o pensamento do povo israelita. No pensamento do povo de Jerusalm,

    assim como o rei reinava em seu trono e em seu palcio e possua um exrcito

    para lutar as suas guerras, Yahweh reinava em seu templo, assentado em seu

    trono invisvel e tinha o seu exrcito celestial. Em 1 Reis 22:19 lemos: eu vi

    Yahweh assentado sobre o seu trono; todo o exrcito do cu estava diante

    dele, sua direita e sua esquerda. Essa noo de uma assembleia divina

  • 19

    no originria da religio israelita e muito menos um produto da monarquia.

    Como visto acima, a religio de Ugarit em seus escritos j descreviam o

    conclio divino. Naqueles escritos, El o cabea do conclio em que vrias

    deidades so participantes. Em Israel, a herana de um conclio da religio

    cananeia evidente, porm sofreu modificaes por conta de um pensamento

    monotesta. Como El, em um estgio tardio, foi assimilado por Yahweh, todos

    os seus atributos e funes foram tambm transferidos a ele, isto , assim

    como El, Yahweh era o cabea de um conclio de hostes celestiais. Smith

    (2006,p.163) afirma que evidente que Yahweh tem o lugar que

    anteriormente ocupado por El na corte celestial. Em Isaas 6, Yahweh

    descrito cercado por serafins e pelos demais elementos desse imaginrio.

    Outro fator preponderante foi a no mais presena de divindades equiparveis

    ao cabea do conclio que, agora, Yahweh. Essas deidades foram rebaixadas

    a servidores celestiais ou mensageiros. Tais mensageiros aparecem em textos

    como Gnesis 3:24; Isaas 6:2-6; Zacarias3; J1-2. Segundo Miller (1973,p.67),

    nas hostes celestiais esto includos o sol, a lua e as estrelas (Deuteronmio

    4:19; 17:3) que so, tambm, identificados como hostes angelicais (Salmo

    103:20-21; Salmo 148: 2-3). Os integrantes do conclio divino ou assembleia

    divina so, para Israel, quase na totalidade, annimos, com exceo do

    mensageiro de Yahweh que em alguns textos identificado com o prprio

    Yahweh e o Satan de J e Zacarias. O mensageiro de Yahweh serve como um

    elemento para entendermos a profecia. Cross (1997,p.72) afirma que assim

    como na religio cananeia a imagem de El era a de um juiz em sua

    assembleia, em Israel tambm, a imagem dominante a de Yahweh julgando

    em seu divino conclio. Jeremias 23:18,22 deixa claro que o verdadeiro profeta

    aquele que esteve presente no conclio divino e que anuncia, ento, o seu

    veredicto (cf. Isaas 6).

    A noo de Yahweh presidindo a sua corte vem da imagem de Yahweh como

    rei. E, assim como o seu ungido que possui o seu exrcito, Yahweh possui o

    seu exrcito celestial, e Yahweh pde ser entendido como Yahweh dos

    Exrcitos. Esse epteto, que, segundo Mettinger (1982,p.117), tem seu Sitz im

    Leben (lugar vivencial) no templo salomnico, deve ser entendido em

    associao com o trono decorado com figuras de querubins presente no templo

    (1 Reis 6:23-28; 2 Crnicas 3:13;) e a designao de Yahweh como rei. Aos

  • 20

    olhos humanos, o trono permanecia vazio, porm era o smbolo do rei celestial.

    O templo o local onde Yahweh habitava, seu palcio, como relatado nas

    palavras de Salomo em 1 Reis 8:13: Sim, eu constru para ti uma morada,

    uma residncia em que habitas para sempre. O salmo 82 descreve Yahweh

    como um rei, assentado em seu trono e presidindo o divino conclio celestial.

    No templo de Jerusalm, a imagem do trono querubim tem paralelo com o

    ambiente celestial e, segundo Mettinger, a teofania de Yahweh, de acordo com

    esse imaginrio, pode acontecer tanto no cu (Salmo 18:10) quanto em Sio

    (Salmo50:2). Mais tardiamente, o profeta Ezequiel (1: 22-28), proveniente de

    tradio sacerdotal, pde usar essa mesma imagem do trono celestial.

    Portanto, a designao Yahweh dos Exrcitos tem seu lugar no culto do

    primeiro templo, e esse lugar o palcio de Yahweh, o lugar onde ele habita. O

    trono decorado com figuras de querubins colocado no interior do templo

    simboliza a imagem de um rei diante da sua corte celeste. Esse objeto tinha a

    arca como seu pedestal. A imagem de Yahweh morando em palcio em

    Jerusalm autenticou a noo de que Yahweh aprovava a dinastia davdica e o

    seu imprio. Yahweh seria o autenticador do governo da dinastia davdica. O

    rei davdico o representante na terra do supremo rei das hostes celestiais, o

    domnio da dinastia davdica o reflexo do domnio do rei celestial. Como visto

    acima, a monarquia desempenhou um papel fundamental na nova relao

    entre a divindade e o povo israelita. O pensamento de um nico santurio onde

    Yahweh habitava e a aprovao divina da dinastia davdica no poderia tolerar

    outro lugar de adorao. Quando o reino do norte (Israel) se separou do reino

    do sul (Jud), os reis do norte foram tratados como reis rebeldes que fizeram

    mal aos olhos de Yahweh. A histria contada a partir de uma perspectiva

    judata em que os reis so analisados de acordo com a sua submisso a

    Yahweh e na observncia do culto praticado exclusivamente em Jerusalm. Os

    reis judatas foram avaliados de acordo com a pessoa de Davi. Segundo

    Rmer (2008,p.18), o critrio de centralizao explica porque nenhum rei de

    Israel pde satisfazer os padres ideolgicos dos autores ou redatores dos

    relatos dos reis de Israel.

    A respeito da antiga ideia de Yahweh como uma divindade guerreira nesse

    perodo no resultou apenas de antigas tradies que ligavam eptetos de Baal

    com Yahweh. A monarquia tambm desempenhou um papel importante na

  • 21

    construo desse imaginrio. O poder do rei reflete o poder do rei celestial, e

    os inimigos do rei davdico refletem os inimigos que so derrotados pelo rei

    celeste. Os inimigos do rei so os inimigos de Yahweh que o legitimou por meio

    de sua uno. Assim, v-se uma srie de cores na imagem de Yahweh durante

    a monarquia e, diferentemente do perodo pr-monrquico, Yahweh no teve

    somente aspectos guerreiros, mas adquiriu aspectos reais, como visto por

    exemplo, nos Salmos 96-99, tendo o seu representante em Jerusalm e

    habitando em um palcio entronizado entre os querubins. A noo de presidir

    uma corte celestial vem tambm da noo do rei e de sua corte e de seu

    exrcito. Embora essa tradio fosse antiga, encontrada em escritos ugarticos,

    a tradio israelita soube trabalhar tais concepes e filtrar os elementos para

    a sua elaborao sob o ponto de vista monotesta dos escritores dos relatos.

    A monarquia no conseguiu suprir o imaginrio da religio no mbito familiar de

    Israel. Se por um lado, a religio oficial do Estado criou uma noo de que

    Yahweh aquele que rei dos reis, senhor dos exrcitos, presidindo a sua

    corte, o deus familiar tinha aspectos muito mais pessoais. Segundo

    Gerstenberger (2007,p.74), os deuses nacionais do Antigo Oriente costumam

    estar relacionados com a totalidade do povo e com a dinastia real no poder. O

    deus do Estado, assim como o monarca estatal, exige obedincia, dedicao e

    submisso. Gerstenberger conclui que como o deus da famlia um deus

    prximo, que acompanha a famlia, esse deus assume caractersticas de

    relacionamento pessoal. Inmeras imagens de divindades femininas foram

    encontradas nos ltimos anos pelo trabalho de arquelogos em Israel. Esses

    matriais encontrados provaram que a religio israelita foi muito mais complexa

    do que se imaginava. Imagens femininas geralmente eram ligadas a cultos de

    fertilidade, e em um ambiente agrrio como o ambiente israelita era, no

    difcil concluir que essas divindades tiveram papel fundamental na religio do

    cl. Imagens dessas divindades femininas com ramos, hastes de plantas,

    rvores e de animais simbolizam o domnio dessas deusas sobre toda a

    natureza viva. As divindades femininas simbolizam a vida, a gerao de vida,

    portanto, eram adoradas para a garantia do plantio e da boa colheita. A bblia

    hebraica claramente atesta a adorao de outros deuses pelo cl, como por

    exemplo, Josu 24:2: Josu disse ao povo: Assim fala o Senhor, Deus de

  • 22

    Israel: Do outro lado do Rio que habitaram outrora os vossos pais, Terah, pai

    de Abrao e pai de Naor, e eles serviam a outros deuses.

    As divindades femininas como se viu acima, eram deusas que tambm

    participavam da corte celestial, era tambm de uma esfera csmica, porm, no

    relacionamento do cl com essas divindades, houve transformaes no

    imaginrio e na forma como eram vistas essas deusas. Gerstenberger afirma

    que com isso, esses deuses ou deusas da famlia so tirados do seu ambiente

    csmico de adorao e adaptadas para o mbito familiar. Encontram-se

    resqucios desse tipo de adorao mais pessoal da divindade, nos relatos da

    apario na Bblia hebraica de um ser divino. Deus faz uma visita a Abrao ,

    L, e a Hagar, ao conversar com eles face a face, mantendo tradies de

    apario de um ser divino, e preservando uma tradio mais antiga de um deus

    familiar que vai ao encontro pessoal s necessidades de cada membro do cl.

    Posteriormente, essas tradies foram supridas em favor do javismo, e

    portanto, o deus que apareceu a Abrao, Hagar ou a Jac foi Yahweh, o Deus

    de Israel. Se o deus da famlia se manifesta a um chefe de cl, e a partir dessa

    manifestao, erigido um altar para adorao dessa divindade que passa a

    ser o deus do cl, com a monarquia, Deus s se manifesta em um nico lugar

    legtimo, ou seja, o templo de Jerusalm. Os antigos lugares tradicionais do

    culto familiar agora so considerados profanos, e portanto, a religio oficial do

    Estado a nica legtima. Se Yahweh imaginado com uma srie de eptetos

    de outras divindades cananeias, com a monarquia, habita em um nico lugar e

    imaginado como rei, Senhor dos exrcitos celestiais. Mas ele tambm Pai

    misericordioso, compassivo e um Deus prximo, herana do culto familiar de

    um deus mais pessoal. Se Yahweh o Deus que d as vitrias nas guerras,

    ele tambm o Deus paciente e bondoso (Sl103:8-13). Todas essas novas

    maneiras de compreenso em relao Yahweh foram aglutinadas e

    consequentemente mantidas na Bblia hebraica sem preocupao doutrinal,

    pois segundo xodo 6:3, o deus que se manifestou de forma pessoal a Abrao,

    Isaque e a Jac o mesmo Yahweh, esse Deus que liberta, que luta, guarda e

    preserva o povo.

    Com o surgimento dos primeiros relatos da historiografia de Israel surgida no

    perodo provavelmente de Salomo, comeam a ser compiladas narrativas que

    relatam a histria dos primrdios, a poca dos patriarcas, e a sada do Egito j

  • 23

    com todas essas tradies e imaginrios da divindade. Embora se discuta

    amplamente a datao da compilao dessas tradies para um material

    escrito, os estudiosos datam a composio dessas tradies no mnimo no

    perodo monrquico. No livro de xodo, encontra-se um dos mais antigos

    cnticos da Bblia hebraica, o chamado cntico de Moiss. Esse cntico, que

    pode ser datado provavelmente no sculo X a.C, poca, portanto monrquica,

    celebra a vitria de Yahweh que imaginado como homem de guerra ao

    derrotar os egpcios:

    Ento, Moiss e os israelitas entoaram este canto a Yahweh: Cantarei a Yahweh, porque se vestiu de glria; Ele lanou ao mar o cavalo e o cavaleiro. Yah minha fora e meu canto, a ele devo a salvao. Ele meu Deus, e o glorifico, o Deus do meu pai, e o exalto. Yahweh um guerreiro, Yahweh o seu nome! Os carros de Fara e suas tropas, ao mar ele lanou; A elite dos seus cavaleiros, o mar dos Juncos devorou: O abismo os recobriu, e caram fundo, como pedra. Tua direita, Yahweh, pela fora se assinala; Tua direita, Yahweh, o inimigo estraalha. Pela grandeza da tua glria destris os teus adversrios, desencadeias a tua ira, que os devora como palha. ao sopro das tuas narinas as guas se amontoam, as ondas se levantam qual represa, e os abismos se retesam no corao do mar. Os inimigos dissera: Perseguirei, hei de alcanar, despojos eu terei e minha alma ir se alegrar, tirarei a minha espada e minha mo o prender! O teu vento soprou e o mar os recobriu; Caram como chumbo nas guas profundas. Quem igual a ti, Yahweh, entre os deuses? Quem igual a ti, ilustre em santidade? Terrvel nas faanhas, hbil em maravilhas? Lanaste a tua direita, e a terra os engoliu. Levaste em teu amor este povo que redimiste, e o guiaste com poder para a morada que consagraste! Os povos ouviram falar e comearam a tremer; Dores se espalharam no meio dos filisteus, e ficaram com medo os habitantes de Edom. Os chefes de Moab, o terror os dominou; Todos cambaleiam, os moradores de Cana, e a eles sobrevm o terror e o tremor. O poder de teu brao os petrifica, at que passe o teu povo, Senhor, at que passe este povo que compraste. Tu os conduzirs e plantars sobre a montanha, a tua herana, lugar onde fizeste, Yahweh, a tua residncia, santurio, Senhor, que as tuas mos prepararam. Yahweh reinar para sempre e eternamente.

    Na sua primeira parte, esse cntico celebra a vitria de Yahweh que lutou

    sozinho contra os egpcios lanando ao mar cavalo e cavaleiro que engloba

  • 24

    os versculos 1-12. Na segunda parte do cntico dos versculos 13-18 celebra-

    se o triunfo contra os reis de Cana (Pixley,1987,p.111).

    As imagens que aparecem no cntico confirmam sua datao no tempo da

    monarquia. No versculo 11 v-se que Yahweh designado como

    incomparvel em relao a outros deuses. A palavra hebraica que aparece no

    versculo 11 traduzido por deuses Elim, que lembra a tradio do conclio

    dos deuses que, como foi enfatizado acima, teve o seu imaginrio reforado no

    perodo da monarquia. No versculo 17 a narrativa deixa claro que a tradio da

    montanha como santurio e morada de Yahweh reinando tradio

    influenciada pela viso monrquica de Israel. Segundo Pixley (1987,p.114), A

    expresso montanha, a tua herana aparece em textos ugarticos para se

    referir a morada de Baal, El e outras divindades desse panteo. Pixley afirma

    que provavelmente no cntico bblico essa expresso se refere ao monte Sio,

    mas reflete tambm antigas tradies herdadas da religio cananeia.

    Portanto, esse cntico celebra o a libertao do povo que estava no Egito com

    imagens de uma divindade guerreira e que ao mesmo tempo habita em Sio,

    ideologia monrquica que o autor ou autores desse cntico fizeram questo de

    manter. No cntico so mantidas algumas tradies antigas, mas as modifica

    de acordo com suas intenes javsticas.

    III O PERODO EXLICO: A DESTRUIO DE ANTIGOS

    SMBOLOS

    Em 722 a.C, o reino do norte (Israel) foi conquistado pelos assrios e sua

    identidade poltica foi destruda. Agora, Israel no passava de uma provncia

    assria. Com isso, o reino do sul (Jud) ficou sendo o nico herdeiro das

    antigas tradies javistas. Parte da populao, como era prtica dos assrios,

    foi deportada: aqueles que exerciam algum tipo de liderana na sociedade

    foram levados cativos. O resto da populao urbana ficou na terra e pde

    continuar trabalhando-a e cultuar o seu Deus. Muitos israelitas do norte

    migraram para Jud e aderiram s concepes judatas a respeito da

    centralizao do culto e a ideia de dinastia eterna da casa de Davi. Jud,

    agora, era o nico estado representante das antigas tradies e da adorao

    Yahweh e Jerusalm acabou triunfando em relao aos antigos santurios de

  • 25

    D e Betel, no norte. Com a debilitao do poder assrio devido a problemas

    internos, Jud, na pessoa do rei Josias, viu a oportunidade de restaurar a

    antiga glria do Israel unificado. Segundo Pixley (2004,p.74), Josias procurou

    legitimar o reino sobre uma aliana entre Yahweh, o rei e o povo. Isso

    confirmado em 2 Reis 23:1-3. Ao dar incio a sua reforma aos moldes do livro

    encontrado no templo (2 Reis 22-10), Josias pretendia muito mais do que uma

    simples restaurao cultual. Seus motivos tambm eram polticos, pois

    eliminando os deuses dos assrios, eliminava a influncia assria e centralizava

    o culto em Jerusalm e o seu poder de influncia sobre Jud. Em 609, Josias

    saiu para guerrear contra o rei do Egito, Neco II, pois ele apoiava o que restava

    do imprio assrio que estava arruinado pelos babilnios que haviam

    conquistado Nnive. Josias saiu para combater Neco II e acabou morrendo no

    campo de batalha. Assim, acabaram as esperanas de um imprio israelita aos

    moldes dos tempos de Davi e Salomo. Os reis que sucederam Josias foram

    meras figuras apagadas, se comparadas ao reformador davdico. Em 597, a

    Babilnia conquista Jerusalm e, de acordo com Jeremias 52:28, cerca de

    3.000 judatas so levados cativos para a Babilnia (comparar com 2 Reis

    24:14-16 que aponta 10.000 ou 8.000 pessoas deportadas). Os exilados na

    Babilnia viviam razoavelmente bem. Segundo Donner (2004,p.435), a maior

    parte dos exilados foi assentada pelos babilnios em diversas colnias que

    possivelmente pertenciam a propriedade dos reis (terras da coroa).

    Socialmente, os judatas tinham uma vida razovel, porm houve uma

    mudana drstica em sua relao com Yahweh e com a religio javista. A terra,

    que era ddiva de Yahweh ao seu povo, foi tomada por um povo impuro. O

    templo de Jerusalm foi destrudo e a arca da aliana tomada pelos babilnios.

    Como se viu acima, o templo representava o lugar da habitao do rei celestial,

    tendo, em seu interior, o trono e a arca da aliana que simbolizavam, no

    imaginrio judata, bem como no imaginrio do Israel unificado, a presena

    contnua de Yahweh e a eleio de Jerusalm como sua cidade. O fim da

    dinastia davdica representou tambm grande impacto nos pensamentos

    desses dias, pois se a dinastia davdica era eterna conforme a aliana com

    Yahweh (2Samuel 7), o que aconteceu? Muitas respostas foram elaboradas

    para entender esse momento crucial da histria de Jud. As respostas

    mostram as grandes transformaes que a imagem de Yahweh sofreu devido

    destruio dos smbolos da religiosidade judata e com exlio de parte da

  • 26

    populao. Muitos julgaram que a catstrofe de Jud teve como causa a

    reforma josinica, como asseverado acima. Outros procuraram respostas para

    o pecado do povo, pois ele tinha sido alertado pelos profetas que Yahweh

    estava prestes a castig-lo porque se rebelou contra Yahweh ao praticar cultos

    a divindades estrangeiras. Segundo Fohrer (2006,p.401), outros ainda

    duvidavam se Yahweh realmente existia. Essa dvida em relao Yahweh

    aparece j em Sofonias 1:12, um profeta pr-exlico que assim profetizou:

    E acontecer, naquele tempo, que eu esquadrinharei Jerusalm com lanternas e castigarei os homens que, concentrados em sua borra,dizem em seu corao: Yahweh no pode fazer nem o bem nem o mal.

    Com o exlio e a queda de Jerusalm essas dvidas aumentaram. Alguns

    acharam que o deus babilnio Marduk era mais poderoso do que Yahweh, pois

    a vitria nas batalhas, segundo a concepo do Antigo Oriente Prximo, era

    porque sua divindade padroeira era mais forte do que a divindade protetora do

    povo inimigo. Em Ezequiel 14:1-11 vemos a acusao do profeta a esses tipos

    de prtica do povo.

    No novo contexto social vivido pelos judatas na Babilnia, alguns ritos

    ganharam mais nfase, como a circunciso, as reunies de adorao, orao e

    cnticos e preleo (FOHRER, 2006,p.405). O sbado adquiriu maior

    importncia tambm nesse perodo. Todos esses ingredientes nas prticas

    religiosas do povo exilado demonstravam que eles eram distintos dos

    babilnios em sua religio e mostravam sua f em uma divindade diferente da

    que os babilnios adoravam.

    Nesse ambiente hostil a sua religio, os israelitas puderam reinterpretar antigas

    tradies de combate mtico entre duas divindades e colocar a sua f em

    Yahweh nesses relatos. Na tradio Babilnica o mito cosmognico de Enuma

    Elish dava a resposta de como o mundo tinha sido criado a partir da luta

    csmica entre duas divindades: Marduk e Tiamat. O trecho do mito assim diz:

    Quando no alto o cu no se nomeava ainda e embaixo a terra firme no recebera nome, foi Apsu, o iniciante, que os gerou, a causal Tiamat que a todos deu a luz; Como suas guas se confundiam, nenhuma morada divina fora construda, nenhum canavial tinha ainda aparecido.

  • 27

    Quando nenhum dos deuses comeara a existir, e coisa alguma tivesse recebido nome, nenhum destino fora determinado, em seu seio foram ento criados.

    Na quarta tabuinha de argila encontrada do poema de Enuma Elish, na

    continuao do mito, narrado que Ea, um deus do panteo babilnico mata

    Apsu. Tiamat se prepara para vingar Apsu e guerrear contra Ea. Os outros

    deuses temem a ao de Tiamat e aceita entregarem o poder supremo a

    Marduk, filho de Ea se ele enfrentar Tiamat nessa guerra. Marduk vence

    Tiamat e com o seu corpo constitui o universo:

    ...Voltou atrs em direo a Tiamat que ele havia capturado. O Senhor destruiu Tiamat e, com sua massa inexorvel, despedaou-lhe o crnio; Seccionou as artrias de seu sangue e deixou que o vento do norte o levasse para lugares desconhecidos. Vendo tal gesto, seus pais se alegraram, rejubilaram; e a ele ofereceram dons e presentes. Tendo-se acalmado, o Senhor examinou seu cadver; Quer dividir o monstro, formar algo engenhoso; Ele a cortou pelo meio, como em dois cortado um peixe na secagem, disps uma metade como cu, em forma de abbada; Esticou a pele, instalou guardas, confiou-lhes a misso de no deixar sair suas guas

    6.

    Na quinta tabuinha fica-se sabendo como Marduk estabelece a hegemonia da

    ordem sobre o caos, em que ele coloca os astros no lugar, as montanhas etc;

    na sexta tabuinha relatado por fim, a criao da humanidade.

    Esse tipo de pensamento mtico de luta entre duas divindades, uma

    representando a ordem, a criao, e a outra divindade representando o caos, j

    fora salientada acima na religio ugartica. Na Babilnia, os israelitas inseridos

    nesse contexto trabalham essa tradio tambm conhecida por eles, e

    reinterpreta como se pode ver no relato sacerdotal de Gnesis1. Nos primeiros

    dois versculos encontra-se o ambiente hostil do caos e da desordem:

    No princpio, Deus criou o cu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um sopro de Deus agitava a superfcie das guas.

    A palavra hebraica tehom que traduzido como abismo representa a gua

    salgada, uma personificao rebelde e turbulenta, e provavelmente a inteno

    6 Texto extrado de: A criao e o dilvio segundo os textos do Oriente Mdio Antigo. Paulus,

    1990.

  • 28

    do autor sacerdotal provocar o leitor ou o ouvinte desse relato com a tenso

    entre o caos e a divindade criadora. Em um ambiente babilnico, qualquer

    conhecedor das tradies babilnicas da luta entre divindades guerreiras

    esperaria na continuao do relato do captulo 1 de Gnesis, a luta primordial

    entre as divindades da ordem e do caos. Mas o escritor sacerdotal demitiza o

    relato babilnico e transforma a criao de Deus no em um embate entre

    divindades, mas em uma criao pela palavra soberana de um nico Deus, o

    Deus dos exilados. As guas passam a no ser mais foras caticas e

    negativas, mas representam a boa criao de Deus. Esse tipo de tradio

    corrente nos crculos da teologia sacerdotal, e pode ser corrente no

    pensamento dos exilados, em que novas concepes teolgicas foram

    surgindo diante do exlio.

    Outros temas teolgicos so encontrados na teologia do escritor sacerdotal no

    exlio, como a imagem de um Deus criador que reduz o sol e a lua, que eram

    adorados nos grandes zigurates babilnicos, em apenas simples luzeiros e

    criaes de Yahweh e o tema geral da criao era a certeza da promessa de

    que Yahweh soberanamente traria a ordem sobre o caos, pois os deuses

    babilnicos, sol e a lua, no passam de simples criaes de Yahweh. Apesar

    da situao do exlio, havia a esperana e a lembrana da promessa de que

    Deus tinha atravs de uma aliana com No prometido que nunca iria destruir o

    mundo, e que os descendentes de No seriam abenoados com fecundidade

    (Gnesis 9:1-17). Embora Yahweh castigasse o seu povo devido aos seus

    pecados, a aliana feita com Abrao era irrevogvel (Gnesis17). Dois sinais

    foram dados para lembrar os judatas das promessas de Yahweh: o arco aps

    o dilvio e a circunciso ordenada a Abrao e aos seus descendentes.

    Segundo Klein (1990,.p155), a promessa feita a Abrao no captulo 17 de

    Gnesis foi a de ser o seu Deus e o de sua raa depois dele. Os pensamentos

    teolgicos formulados no exlio ajudavam o povo a lembrar-se de Yahweh e de

    suas promessas feitas no passado aos pais.

    Outros escritos de destaque da poca exlica que nos ajudam a entender o

    pensamento do povo exilado em relao a Yahweh so: Lamentaes,

    Jeremias, Ezequiel, Dutero-Isaias e a Histria Deuteronomstica.

    O livro de Lamentaes expe, em cinco lamentos, o sentimento do escritor ao

    ver a cidade de Jerusalm destruda. O primeiro captulo do livro um

  • 29

    acrstico, ou seja, comea com a primeira letra do alfabeto hebraico (aleph) e

    termina com a ltima letra do alfabeto (taw). Segundo Smith (2006,p.100),

    talvez esse acrstico no poema inicial signifique que a catstrofe sofrida por

    Jerusalm foi completa. E um poema em que descrito a misria de

    Jerusalm, o sofrimento dos judatas ao compararem o seu passado com o seu

    presente. No versculo cinco do primeiro captulo, o poeta aponta a causa da

    desgraa e da queda de Jerusalm e assim lamenta: Venceram-na seus

    opressores, seus inimigos esto felizes, porque Yahweh a castigou por seus

    numerosos crimes; suas criancinhas partiram cativas diante do opressor. o

    castigo de Yahweh que cai sobre Sio. No captulo 2, o poeta acusa Yahweh

    de inimigo do povo (v.5) e, diferentemente como foi no passado, um Deus

    guerreiro ao lado de Israel, agora Yahweh luta contra o seu povo (v.4). No

    versculo 20, pede-se para Yahweh olhar com misericrdia novamente para o

    seu povo, pois a situao to crtica que at a me come o prprio filho. No

    captulo 3, no v. 21, o lamento transformado em esperana, que segundo

    Smith comea a explorar a realidade de que o Deus destrutivo

    fundamentalmente tambm o Deus da ajuda Israel. No captulo 4, alm de o

    poeta lamentar a misria do povo e de mostrar que a ira de Yahweh teve como

    consequncia a desgraa presente (vs.9-11), o captulo termina com a

    esperana de que Yahweh, ao expiar os pecados de Jud, acabaria com o

    castigo (v.22). No captulo final, o poeta pede para que Yahweh olhe e

    considere a misria do povo ainda que continue irado contra Jud.

    Jeremias 44 tambm mostra como o povo interpretou o exlio e a queda de

    Jerusalm. Segundo esse relato, Jeremias acusa o povo de ser o grande

    responsvel: devido adorao Rainha do Cu, Yahweh irou-se e puniu

    Jud. Porm, nos versos 16-19, os ouvintes de Jeremias que esto exilados no

    Egito atribuem as desgraas ocorridas ao fato de terem deixado de prestar

    culto a Asherah ou Ishtar (A Rainha do Cu). Essa deusa, que tambm

    aparece em Jeremias 7:18, considerada pelos estudiosos como Ishtar, a

    deusa da fecundidade. A ela so oferecidos bolos com a sua forma nua

    (Jeremias 7:19). Smith (2006,p.101) argumenta que provvel que Ishtar, ao

    ser adorada ao lado de Yahweh (Jeremias 7: 18), teria sido representada como

    esposa de Yahweh. Ishtar, a Rainha do Cu era esposa do rei Yahweh-El.

    Assim, como era normativo para Jeremias, essa prtica deveria ser condenada,

  • 30

    ainda que o que fosse normativo para o profeta e para alguns setores

    deuteronomsticos nem sempre era para os judatas e suas prticas de

    adorao.

    Ezequiel que foi sacerdote foi levado junto com os exilados para a Babilnia, se

    estabelecendo em Tel-Abib, s margens do Rio Cobar (Ezequiel 1:1; 3:15). V-

    se nos captulos 8-11 que Ezequiel transportado em esprito para Jerusalm

    e tem uma viso do templo onde lhe mostrado por um ser angelical a

    impureza em que o templo estava submetido. Imagens de divindades

    estrangeiras pintadas nas paredes do templo e tambm no prtico do altar

    junto a entrada (8:5; 8:10). H a adorao do sol e do deus mesopotmico

    Tammuz. Pelo fato de Ezequiel ter sido um sacerdote, impureza religiosa tem

    bastante significado no entendimento de Ezequiel sobre o exlio. Mas o que h

    de novo na viso teolgica de Ezequiel a de que Yahweh no se revela

    apenas no templo, mas est presente tambm com o povo na Babilnia. Em

    Ezequiel 11:22-25 o profeta tem a viso do trono-carruagem de Yahweh e da

    sua presena na terra dos caldeus. Esta concepo da divindade se revelando

    em terra estrangeira revolucionria para o pensamento judata, pois na mente

    do exilado o trono de Yahweh e sua morada estavam no templo de Jerusalm.

    Destaca-se tambm que Yahweh se revelando alm das fronteiras de Jud, o

    indivduo, onde quer que ele esteja, mesmo estando longe de sua terra ou do

    templo pode ador-lo. A responsabilidade individual em Ezequiel 18:20

    marcante:

    Sim, a pessoa que peca a que morre! O filho no sofre o castigo da iniqidade do pai, como o pai no sofre o castigo da iniqidade do filho: a justia do justo ser imputada a ele, exatamente como a impiedade do mpio ser imputada a ele.

    Em Ezequiel essa nova concepo de relacionamento do indivduo com

    Yahweh mostra que a participao do homem deve ser levada em conta, a

    despeito de que ele possa participar de um povo escolhido. Estas vises da

    divindade em Ezequiel mostram tamanha complexidade em que o exlio

    transformou as mentes dos exilados em relao sua divindade.

    O Dutero-Isaas profetizou nos ltimos anos de deportao. Sua tradio est

    contida em Isaas 40-55. Ele vocacionado a profetizar que o fim do exlio est

    prximo e conclama aos exilados a exultarem a libertao. Essa salvao vem

  • 31

    de Yahweh e de seu ungido. A grande surpresa que o ungido de Yahweh

    Ciro, o rei persa (45:1). Com esta nova fase na histria israelita destaca-se

    uma nova idia que ter reflexos posteriormente. Para Dutero-Isaas Yahweh

    o nico Deus (44:6-8) e sendo assim, todo o desenrolar da histria depende

    de Yahweh. A volta do povo exilado visto pelo profeta como um novo

    xodo(40:1-31,55:12-13). De grande importncia no Dutero-Isaas a sua

    expectativa escatolgica encontrada em seus textos. Isaas 45:20-25 j

    demonstra a ideia do profeta de duas eras. Um novo tempo era esperado com

    o fim do exlio e a volta dos exilados era o comeo de um novo tempo para a

    comunidade judata. Como Yahweh puniu no passado, em um tempo prximo

    Yahweh reerguiria Jerusalm e humilharia a Babilnia (51:17-23). Grandes

    transformaes escatolgicas aconteceriam mediante a queda da Babilnia e a

    restaurao de Jerusalm.

    A Histria de Israel contada em 1-2 Reis tambm reflete sobre a queda do

    reino do norte (Israel) e do reino do sul (Jud). Esses escritos so comumente

    chamados pelos estudiosos como Histria Deuteronomstica que abrange alm

    de 1-2 Reis os livros de Josu, Juzes, 1-2 Samuel. O historiador

    deuteronomista escreveu a histria de Israel desde os tempos dos juzes

    israelitas at a queda do reino do sul. Deve-se enfatizar que os redatores

    destes livros no estavam preocupados em escrever histria como ns

    conhecemos hoje, mas sim responder a pergunta: por que Israel e Jud caram

    diante dos seus inimigos? O enfoque dos livros acima citados teolgico acima

    de tudo. Isto no significa que no tenham em seus captulos fatos histricos,

    mas so muitas vezes cobertos pelas lentes teolgicas do Escritor

    Deuteronomista. O grande propsito dos deuteronomistas era demonstrar que

    o motivo do declnio de Israel era devido aos seus pecados e a conseqente ira

    de Yahweh. A avaliao de reis que reinaram tanto no reino do norte como no

    reino do sul amplamente demonstrada nos livros de 1-2 Reis. No reino do

    norte, Jeroboo e aqueles que o sucederam foram vistos como reis pecadores,

    pois introduziram no reino do norte lugares altos contrariando a ideia

    deuteronomstica de um nico santurio legtimo encontrado em Jerusalm. Os

    reis do sul foram comparados com Davi, e os nicos que chegaram perto em

    carisma foram Ezequias e Josias.

  • 32

    Portanto, no imaginrio do perodo exlico v-se que de diversas maneiras

    Yahweh foi visto e interpretado. Com a destruio de Jerusalm e a deportao

    da elite judata, muitos questionamentos foram feitos por aqueles que viram o

    seu templo ser destrudo pelos babilnios e a sua terra ser pisada por

    estrangeiros. Novas relaes com a divindade foram criadas em terra

    estrangeira e o Deus que outrora habitava em um templo agora habita no lugar

    em que adorado. Yahweh foi visto como agente do castigo do povo exilado,

    mas tambm como agente da restaurao e de um novo xodo com a volta dos

    exilados para Jerusalm.

    IV O PERODO PS-EXLICO: O DESENVOLVIMENTO DA

    APOCALPTICA

    Em 538 a.C o rei da Prsia Ciro vence os babilnios. Com isso, os deportados

    de Israel puderam retornar para a sua terra e reconstruir suas vidas. Nem todos

    voltaram, pois alguns conseguiram se estabilizar e viver uma vida cmoda. Os

    que retornaram tiveram a chance de reconstruir o seu templo que havia sido

    destrudo pelos babilnios. Ciro alm de permitir a volta dos exilados devolveu

    o mobilirio do templo que Nabucodonosor havia trazido para a Babilnia

    (Esdras 6:3-5). Embora a construo do templo tivesse sido autorizada pelo rei

    persa, aconteceu uma paralisao da reconstruo devida segundo os

    primeiros captulos de Esdras aos samaritanos e povos vizinhos. Porm em

    520 a.C liderado pelo governador de Jud Zorobabel e pelo Sumo-Sacerdote

    Josu a reconstruo novamente tomada,sob a influncia das profecias de

    Ageu e de Zacarias. No mbito religioso neste perodo cresceram expectativas

    escatolgicas, a esperana de um novo tempo que iria acontecer. Ageu 2:15-

    19 aponta para um tempo de beno que Yahweh traria para o povo que

    estava morando em Jerusalm. Conclama o povo a olhar para o futuro e fazer

    uma comparao com o passado que eles viveram e comparar com a nova era

    que Yahweh traria. Em Zacarias 1:1-6 pode-se ver este mesmo esquema de

    duas eras, em que o profeta avalia o passado de Jud e em sua admoestao,

    chama a comunidade a levar em considerao essa nova oportunidade que

    Yahweh estava dando aos que retornaram do exlio. A esperana de um

    messias aparece tambm em Ageu e Zacarias. Em Zacarias 4:14 tanto

    Zorobabel como Josu so chamados de ungidos. O olhar se dirige, portanto,

  • 33

    para o futuro em que com o novo templo e uma nova era seria inaugurada,

    seria um tempo de salvao. O chamado Apocalipse de Isaas (24-27) tambm

    tem forte carter escatolgico, composio que no deve ser posta antes do

    sculo V a.C. Anuncia o julgamento de Yahweh e a destruio dos seus

    inimigos. Israel a vinha de Yahweh (27:2-3) na qual ele cuida com seu amor.

    O chamado Dutero-Zacarias comumente datado da poca de Alexandre

    Magno predominam textos escatolgicos nos captulos 12:3-9; 13:2-4; 14:6-13.

    A expectativa escatolgica pensada no perodo ps-exlico formulou a noo

    de que a salvao de Yahweh estava prxima. Com a experincia concreta dos

    juzos de Yahweh, a comunidade de Jerusalm sentiu que o dia de Yahweh

    estava cada vez mais prximo (Joel 2:1-2,10-11; 4:15-17). Com o passar do

    tempo esta expectativa escatolgica visto nos textos acima d lugar a uma

    escatologia transcendente e dualista. Deste modo surge a apocalptica.

    Antes de se prosseguir, deve-se definir nessa pesquisa o que seria apocalipse,

    apocalptica e escatologia apocalptica, para assim se entender as inovaes

    no mbito religioso de Israel ps-exlico e suas novas concepes em relao a

    sua divindade. Segundo as definies de Russel (1997,pp.33-34):

    - Apocalipse seria um gnero literrio que tem o seu interesse pelo mundo

    celeste, pelo curso da histria judaica e pelo destino do mundo e dos indivduos

    dentro dela, e afirma que essas coisas se deram por revelaes diretas de

    Deus atravs de sonhos, vises ou pelo intermdio de anjos.

    - Apocalptica certa perspectiva religiosa ou complexo de idias que

    aparecem no Apocalipse ou literatura relacionada, uma perspectiva que mais

    ampla que a escatologia, mas que tem como caracterstica a preocupao

    especial com as ltimas coisas e com o juzo vindouro, e tambm mais ampla

    do que os livros chamados apocalipses, sendo reconhecvel tambm em

    escritos de tipo relacionado.

    - Escatologia apocalptica a expresso da crena sobre as ltimas coisas que

    se encontram nos escritos que refletem a perspectiva apocalptica. Escatologia

    proftica e escatologia apocalptica se relacionam em termos de origem, mas

    devem se distinguir em pelo menos dois aspectos: enquanto a primeira

    percebe a salvao em termos comunitrios da nao ou do resto justo dentro

    da nao, a ltima percebe-a tambm em termos do indivduo; e enquanto a

  • 34

    primeira focaliza o cenrio terreno e a restaurao de Israel, a ltima focaliza

    um mundo transcendente envolvendo vida feliz depois da morte e a vinda do

    juzo.

    Dada as devidas definies acima, pode-se dizer que como a escatologia, a

    apocalptica a resposta encontrada para uma situao em que ela acontece.

    De acordo com alguns estudiosos a literatura apocalptica surge propriamente

    com o livro de Daniel.

    O livro de Daniel foi escrito no perodo do rei selucida Antoco Epfanes IV

    (175-163). Antoco Epfanes na tentativa de fortalecer o seu reinado implantou

    uma srie de medidas. Estas medidas incluam uma forte poltica de

    helenizao. Jogos eram praticados em ginsios e anfiteatros, dos

    participantes era esperado que partilhassem de sacrifcios a deuses pagos. O

    pice aconteceu quando Antoco resolveu exercer presso para a indicao de

    um sumo-sacerdote de sua prpria escolha, o que acarretou a revolta dos

    judeus. Irrompeu-se uma luta armada na cidade de Jerusalm. Antoco soube

    desses acontecimentos em Jud e sentiu que os judeus desafiaram sua

    autoridade, e como punio profanou o templo dos judatas e retirou os seus

    tesouros em 167 a.C. Decretou que os judeus estavam proibidos de viverem

    segundo as leis dos seus antepassados, e no templo no s ergueu uma

    esttua do Zeus olmpico no topo do altar como ofereceu sobre ele carne de

    porco ( 2 Macabeus 6:2; Daniel 11:31; 12:11). neste contexto que o livro de

    Daniel surge como mensagem de esperana para os judeus de sua poca.

    Para que o escritor ou escritores do livro de Daniel escrevesse o que se l, pelo

    menos em sua segunda parte, ele ou eles retomaram uma srie de tradies

    antigas em conjunto com novas tradies. O livro de Daniel dividido em duas

    partes. Dos captulos 1-6 composto de narrativas que descrevem a vida de

    um certo Daniel que chegou prisioneiro na Babilnia sob Nabucodonosor e

    comea a servir na corte. Consegue se destacar pela sua retido e sabedoria

    at os tempos de Ciro. Na segunda parte do livro (7-12) aparecem imagens

    totalmente distintas da primeira parte do livro. Sonhos e vises so

    proeminentes. Antes de se comentar a segunda parte do livro de Daniel,

    convm destacar a herana religiosa e a tradio que fez com que o autor ou

    autores do livro de Daniel fosse influenciado.

  • 35

    Desde o exlio, Israel sofreu forte influncia da cosmologia babilnica. O cu

    o lugar dos seres divinos, lugar onde so travadas batalhas que influenciam as

    vidas das pessoas na terra. Bem e mal esto em uma constante batalha no cu

    e o pensamento dualstico muito forte. Segundo Schiavo (2006, p.35), no

    nvel superior, no mbito cosmolgico, o pensamento dualista se expressa no

    conflito entre os prncipes do bem e do mal, que na literatura apocalptica,

    Miguel e seus anjos esto lutando com o Diabo, tambm chamado de Belial ou

    Mastema. A tradio judaica nesse perodo atribui a uma figura angelical,

    caractersticas messinicas que age e luta em nome de Deus. Com a

    descoberta dos manuscritos do Mar Morto, foi possvel para os estudiosos

    pesquisarem as funes dos anjos no perodo do segundo templo e estudar o

    que eles chamam de tradio angelomrfica. A tradio do judasmo ps-

    exlico aglutinou uma srie de ideias que transformaram o pensamento

    religioso e trouxeram inovaes no imaginrio do povo. Nesse perodo, atesta-

    se um desenvolvimento de uma angelologia bem mais definida. Satan torna-se

    adversrio de Yahweh e no mais um membro da corte celeste (comparar

    1Cr 21:1 com J 1:6-2:7;). Os anjos tornam-se mediadores entre os homens e

    a divindade. As tradies dos anjos de Yahweh (Gn 16:7-13;32:24,30; Ex

    14:29; entre outros) do perodo do Israel pr-exlico ganham novas cores no

    perodo ps-exlico, no que Schiavo chama de angelomorfismo. Seguindo a

    interpretao de Schiavo, angelomorfismo significa anjo em forma de homem

    ou o prprio homem elevado a condio divina. Na tradio da Bblia hebraica,

    o anjo de Yahweh exerce funes divinas, possui o nome divino, muitas vezes

    confundido com o prprio Deus e pode-se lhe prestar alguma venerao,

    tradio provavelmente da religio do cl. Havia um crescente pensamento

    nesse perodo em dar a trs figuras anglicas funes messinicas, julgamento

    escatolgico e funes de anjos combatentes: Miguel, O Filho do Homem e

    Melquisedec.

    Miguel aparece como guerreiro e protetor do povo de Israel. ele quem vai

    defender o povo de Israel contra o prncipe do reino da Prsia (Dn 10:13,21).

    Na Regra da Guerra de Qumran (1QM17: 5-8), Miguel o anjo guerreiro que

    combate pelo lote redimido e ele tem funo de libertador escatolgico,

    aquele que vai derrotar Belial:

    [Ao Deus de] Israel o que e ser [...] em tudo o que sucede sempre.

  • 36

    Este o dia fixado para humilhar e para rebaixar o prncipe do domnio do mal. Enviou ajuda eterna ao lote redimido com o poder do anjo majestoso, pelo servio [...] de Miguel em luz eterna. Far brilhar de gozo a aliana de Israel, paz e beno ao lote de Deus. Exaltar sobre os deuses o servio de Miguel e o domnio de Israel sobre toda a carne.

    7

    Melquisedec tambm aparece como anjo guerreiro nos Manuscritos do Mar

    Morto. Na Bblia hebraica esse personagem enigmtico aparece duas vezes,

    em Gnesis 14:17-24 e no Salmo 110. Embora a Bblia hebraica no d

    margens para muita especulao de quem seria esse Melquisedec, em

    Qumran essa figura ganha novas cores no imaginrio encontrado nos escritos

    daquelas cavernas. Segundo Schiavo, Melquisedec encontrado no apcrifo

    de Gnesis (1 Qap Gn 22:12-18) comentando o episdio de Gnesis 14, nos

    Cnticos dos Sacrificios Sabticos em que aparece como anjo e exercendo

    funo sacerdotal. Mas em 11Q Melch 13, consegue-se ver claramente as

    novas concepes que Melquisedec adquiriu em Qumran. Esse escrito datado

    aproximadamente no sculo I a.C, descreve Melquisedec com caractersticas

    de agente de libertao escatolgica e como figura divina:

    pois o tempo do ano de graa para Melquisedec, para exal[tar no pro]cesso os santos de Deus pelo domnio do juzo, como est escrito sobre ele nos cnticos de Davi que diz: Elohim se ergue na assem[bleia de Deus], em meio aos deuses julga. E sobre ele diz: Sobre ela retorna s alturas, Deus julgar os povos. E o que di[z: At quando jul]gareis injustamente e guardareis considerao aos malvados?. Sua interpretao concerne a Belial e aos espritos de seu lote, que foram rebeldes[todos eles] apartando-se dos mandamentos de Deus[para cometer o mal]. Porm Melquisedec executar a vingana dos juzos de Deus[nesse dia, e eles sero libertados das mos] de Belial e das mos de todos os es[pritos de seu lote].

    Ao ser apresentado como aquele que julga Belial, percebe-se que o texto

    coloca Melquisedec como uma figura divinizada (Elohim) no meio da

    assemblia dos deuses. Ao ser apresentado tambm como chefe da

    assemblia divina e aquele que derrotar Belial, Melquisedec como chefe das

    7 Todos os textos de Qumran que sero citados foram extrados de: GARCIA MARTINEZ,

    Florentino. Textos de Qumran. (Traduo do espanhol de Valmor da Silva). Petrpolis, Vozes, 1995.

  • 37

    hostes celestiais e libertador celestial, pode-se notar um imaginrio comum

    entre Miguel, Melquisedec e tambm a figura do Filho do Homem, que agora se

    passa a falar.

    No livro de Daniel, impressiona as diversas tradies que foram trabalhadas e

    juntadas no relato do livro. Alm da tradio de Miguel e tambm outras

    tradies que como no livro de Melquisedec, trabalha conceitos de libertao

    escatolgica atravs de agentes divinizados que lutam e guerreiam em nome

    de Yahweh, como os anjos combatentes tambm se podem encontrar antigas

    tradies mticas do Antigo Oriente Prximo. Essas tradies atestam a luta de

    um ser divino, que assim como atestam as antigas tradies da Bblia hebraica,

    lutam em favor de Israel contra os inimigos da nao. Os inimigos de Israel, ou

    melhor, de Jud devido datao tardia de Daniel, representam o caos na

    ordem da vida estabelecida do povo.

    No captulo 7 de Daniel, destaca-se a viso dos reinos mundanos

    representados por feras. Os animais surgem do mar catico lembrando antigas

    tradies que via no mar a habitao do monstro Yam, a personificao do

    caos. Os animais representam os inimigos de Yahweh. Yahweh julga as feras,

    condenando uma ao fogo, e as outras, foram dadas autoridades por tempo

    determinado por Ele (Daniel 7:11-12). Yahweh descrito em Daniel como

    ancio lembrando o antigo epteto do deus cananeu El. O Filho do Homem

    aparece em Daniel 7:13-14 que assim diz:

    Eu continuava contemplando nas minhas vises noturnas,quando notei, vindo sobre as nuvens do cu, um como Filho de Homem. Ele adiantou-se at o ancio e foi introduzido sua presena. A ele foi outorgado o poder, a honra e o reino, e todos os povos, naes e lnguas o serviram. Seu imprio imprio eterno que jamais passar, e seu reino jamais ser destrudo.

    Assim escreve Schiavo(2006,p.52) a respeito dessas imagens que aparecem

    em Daniel:

    As imagens do ancio e do vir sobre as nuvens relembram a mitologia Canania do II milnio a.C, nas figuras de El, pai dos deuses( o ancio), e de Baal, deus da tempestade e da chuva( o que vem nas nuvens); e o mito babilnico de Marduk em conflito com Tiamat ( a descrio do monstro, a subida do mar e os quatro ventos).

  • 38

    Assim diz Dingermann (2004,p.431) sobre a apario da figura do Filho do

    Homem: certo, todavia, que se tem em vista uma figura messinica, mesmo

    que seja no sentido lato da palavra. Daniel entende que o tempo da

    perseguio de Antoco Epfanes representava a fase final dos seus dias. Viria

    um tempo novo com a ressurreio dos mortos (Daniel 12:1-2).

    O pensamento apocalptico e a escatologia apocalptica desenvolveram uma

    grande influncia no pensamento judaico do segundo templo. Durante as

    tribulaes do povo, sempre permanecia a esperana pela redeno de

    Yahweh contra os inimigos da nao. A comunidade de Qumran em um dos

    rolos encontrados em suas cavernas chamado de A Regra da Guerra, se v

    como a comunidade escatolgica e pronta para a volta de Yahweh que ir

    guerrear contra Belial junto com os filhos da luz na qual a prpria

    comunidade. Em (1QM[+1Q33]) no verso11 assim diz: os filhos da luz e o lote

    das trevas guerrearo juntos pelo poder de Deus, entre o grito de uma multido

    imensa e o clamor dos deuses e dos homens, no dia da calamidade. Para a

    comunidade qumrnica, os ltimos dias era uma realidade imediata e moldou

    sua existncia.

    Portanto, o perodo ps-exlico se caracterizou em uma nova fase da vida

    religiosa dos judeus, pois sua viso a respeito da divindade se tornou

    amplamente moldada por expectativas escatolgicas e de uma espera de uma

    interveno guerreira e divina, e a conseqente salvao do povo de Jud.

    Consideraes finais

    No perodo pr-monrquico Yahweh foi pintado como uma divindade guerreira

    e adquiriu vrios eptetos das divindades de Ugarit. De certa forma, a religio

    javstica que se encontra na Bblia hebraica soube moldar antigas tradies a

    luz das concepes monotestas dos redatores dos textos. Na monarquia

    devido construo do templo o imaginrio em relao divindade ganha

    novas cores. Yahweh no apenas guerreiro, mas rei e habita em seu palcio

    em Jerusalm. O rei seu ungido e seu poder legitimado por esta escolha.

    Assim como o rei tem o seu exrcito profissional, Yahweh chamado de

    Yahweh dos exrcitos, pois preside uma corte celestial em que o cabea.

    Embora a religio do Estado fosse decisiva para uma nova compreenso da

  • 39

    divindade israelita, no mbito familiar a religio do cl adorava um deus muito

    mais pessoal, anttese do deus guerreiro estatal.

    No perodo exlico a destruio do templo e o fim da dinastia davdica

    trouxeram novas reformulaes no imaginrio do povo exilado em relao

    sua divindade. Embora muitos acreditassem que Yahweh agiu como inimigo, a

    literatura exlica expressa o sentimento de culpa dos exilados em relao

    Yahweh, em que os pecados do povo os levaram ao castigo imposto pelo seu

    Deus. Yahweh, porm, com a destruio do templo, segundo Ezequiel, se

    revela ao indivduo e em qualquer circunstncia em que ele for invocado, no

    est mais restrito a um templo.

    No perodo ps-exlico cresce a expectativa escatolgica e a noo de que o

    tempo da salvao estava prximo como comprovado nas literaturas

    apocalpticas citadas desse perodo. Esta expectativa escatolgica culminou no

    desenvolvimento de ideias apocalpticas e de uma extensa literatura desse

    gnero. Este tipo de literatura serviu como esperana aos judeus em tempo de

    perseguio e aqueles que escreveram seus escritos tinham a convico de

    estarem vivendo os finais dos tempos em que Yahweh acabaria com os

    inimigos de Jud e inauguraria um novo tempo de paz.

    Portanto, a concepo de divindade em Israel foi influenciada por vrios

    fatores. No perodo pr-monrquico o deus cananeu El foi adorado pelos pais.

    El era o cabea de um conclio de deuses no qual aparecem nomes de deuses

    familiares de Israel como Asherah e Baal. Em um estgio posterior El foi

    entendido como manifestao de Yahweh e consequentemente Yahweh ficou

    com os atributos de El. A noo de uma divindade guerreira vem de antigas

    tradies relacionadas com Baal, o deus guerreiro por excelncia. O culto a

    outras divindades era prtica dos israelitas. O monotesmo pregado pelos

    historiadores deuteronomistas no era vigente para o resto de Israel. Percebe-

    se pela dificuldade dos escritores da bblia hebraica em distinguir El de Yahweh

    em alguns textos. El aparece tambm como elemento em vrios nomes,

    inclusive no nome da nao israelita. Baal aparece tambm sendo adorado e

    os deuteronomistas polemizam contra a sua adorao. A religio do perodo

    monrquico foi amplamente influenciada pelo estabelecimento do templo em

    Jerusalm e pela noo de ungido de Yahweh para a dinastia davdica.

    Yahweh reflexo da monarquia, ou seja, Yahweh visto como rei e cabea de

  • 40

    um exrcito celestial. A monarquia desenvolveu um papel proeminente na

    imagem da divindade. Se em um estgio anterior Yahweh foi visto como

    guerreiro, agora tambm ele rei.

    No perodo exlico com a destruio dos principais smbolos do povo judata,

    vrias dvidas surgiram e vrias formas de entender a divindade foram

    surgindo. Yahweh foi pintado como inimigo de Israel, como aquele que pune os

    pecados do seu povo e aquele que no restrito a algum lugar especfico para

    se revelar acarretando uma contradio com a teologia sionista que via o

    templo de Jerusalm como nico lugar em que Deus se revela.

    As esperanas escatolgicas dominam o perodo ps-exlico em que Yahweh

    esperado como juiz escatolgico e provedor de salvao. Assim, em cada

    perodo da sua histria, Israel moldou a imagem da divindade de acordo com

    as suas experincias na vida cotidiana, de acordo com suas dificuldades e de

    acordo com suas esperanas. O imaginrio da divindade israelita no deve ser

    entendido fora do contexto da experincia do indivduo, pois em cada situao

    existencial, Yahweh se fez presente na vida dos israelitas pintado de diversas

    maneiras, suprindo a deficincia do homem de tentar entender a Deus.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    2004.

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