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ISADORA BERARDO TUMULO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: O CONTEXTO EMPRESARIAL E AS VERBALIZAÇÕES DO PSICÓLOGO Faculdade de Psicologia Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo - 2007 -

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ISADORA BERARDO TUMULO

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: O

CONTEXTO EMPRESARIAL E AS

VERBALIZAÇÕES DO PSICÓLOGO

Faculdade de Psicologia

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

- 2007 -

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ISADORA BERARDO TUMULO

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: O

CONTEXTO EMPRESARIAL E AS

VERBALIZAÇÕES DO PSICÓLOGO

Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para a graduação

no curso de Psicologia, sob orientação da Prof. Dra. Fátima Regina Pires de Assis

Faculdade de Psicologia

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

São Paulo

- 2007 -

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Agradecimentos

“Acontece que o amor que nos acolhe no mundo,

instituindo nossa confiança em"alguém que cuida",

torna-nos devedores ou, no mínimo, reféns de um passado

que é a história dos outros que já estavam lá e nos receberam”.

Contardo Calligaris

Agradeço a Deus por mais esta conquista em minha vida, por colocar ao

meu lado pessoas maravilhosas, com as quais contei para realizar minha

faculdade e uma vontade antiga, descoberta aos 14 anos, de ser psicóloga.

Dedico este trabalho com todo meu amor aos meus avós, Nícia e Benício,

que me proporcionaram cursar com tranqüilidade e conforto a universidade por

mim escolhida para a minha formação profissional. Dediquei-me durante os cinco

anos de faculdade para me tornar uma psicóloga disposta a atender e passar aos

demais meus conhecimentos e experiências, com o foco em orgulhar a cada dia

aqueles que investiram e acreditaram em meu potencial.

Aos meus pais e familiares, pelo apoio incondicional despendido durante

este período... Por todas as vezes em que deixaram seus afazeres para atender

às minhas necessidades e caprichos relacionados ao dia-a-dia de minha

formação.

Professores, a todos um forte abraço pelo carinho com que acolheram

minhas dúvidas, inseguranças e pelas contribuições com conhecimentos e

experiências significativas para minha formação pessoal e profissional, de modo

especial à construção de um olhar crítico em relação à realidade.

À Professora Dra. Fátima Regina Pires de Assis, por sua participação

memorável em minha formação em Análise do Comportamento, pela enorme

atenção e disponibilidade para orientar este trabalho e pela compreensão total das

dificuldades encontradas em seu percurso.

Agradeço ao Professor Dr. Sidnei José Casetto, pela extrema competência

em conduzir o projeto inicial deste Trabalho de Conclusão de Curso, em especial

por me fazer perceber a importância de uma boa redação, com atenção aos

detalhes e coerência do texto.

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Ao Professor Mestre André Bruttin, pela prontidão em realizar o parecer

deste trabalho e pela sua importante participação em minha formação no âmbito

da Psicologia Organizacional.

Aos psicólogos participantes da pesquisa, pela abertura à proposta de

trabalho, pelo carinho e atenção com que fui recebida e principalmente por terem

compartilhado suas experiências de vida e profissão para a produção do

conhecimento científico em Psicologia.

Por fim, aos meus colegas de curso, pelo apoio e troca constantes de

alegrias e angústias na construção de mais um ciclo de aprendizagem e

crescimento em minha vida.

Isadora Berardo Tumulo

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Área de Conhecimento: 7.07.09.00-9 - Psicologia do Trabalho e Organizacional

Assédio Moral no Trabalho: O contexto empresarial e as verbalizações do

psicólogo, 2007

Orientanda: Isadora Berardo Tumulo

Orientadora: Prof. Dra. Fátima Regina Pires de Assis

Palavras-chave: assédio moral; psicologia organizacional; saúde.

RESUMO

A pesquisa visa investigar o relato de psicólogos organizacionais consultores, sobre o assédio moral, como o definem e que relação estabelecem entre o fenômeno e a organização do trabalho. Os participantes foram quatro psicólogos, dois do sexo masculino e dois do feminino, com idades entre 28 e 45 anos, com formação entre 1983 e 2005 e inseridos em consultorias de RH por um período de no mínimo seis meses. Para a coleta das informações foi utilizada a entrevista individual e o procedimento foi realizado em local designado pelo profissional, com duração média de trinta minutos, gravado e transcrito. Os resultados mostraram que os psicólogos identificaram os principais pontos apontados pelos autores como definidores do assédio moral, ressaltaram a importância do acesso à informação sobre o fenômeno, entretanto, atribuíram em sua maioria, a causa do assédio aos aspectos individuais. A análise dos resultados destacaram a necessidade de um diagnóstico organizacional, antes de realizar internvenções solicitadas pela empresa e apontaram para o fato que formas de contracontrole, apenas atingiriam casos indviduais e não dariam conta das causas do problema. Para atingí-lo, é necessário planejamento de contingências que facilitem a emergência de novos comportamentos, novas formas de organização do trabalho menos coercitivas, além de considerar sempre a relação entre o indivíduo e o ambiente, com o foco bastante evidente na promoção de saúde.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

A construção do conceito de assédio moral..................................................7

Caracterização do fenômeno no ambiente de trabalho...............................11

Contextualizando o assédio moral nas relações de trabalho.......................15

Propostas de Intervenção............................................................................25

MÉTODO

Participantes.................................................................................................31

Material.........................................................................................................31

Procedimento...............................................................................................32

RESULTADOS E DISCUSSÃO...................................................................35

CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................62

REFERÊNCIAS............................................................................................64

ANEXOS

Anexo 1: Entrevistas Completas .................................................................67

Anexo 2: Termo de Consentimento Informado............................................84

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INTRODUÇÃO

A construção do conceito de Assédio Moral

O texto discute por meio dos autores selecionados um pouco da história da

organização do trabalho, os modos de organização da gestão das pessoas no

contexto empresarial e a produção de saúde ou sofrimento neste ambiente através

de um tema norteador: o assédio moral.

O interesse inicial em estudar este tema da psicologia surgiu a partir da

curiosidade em entender melhor a inserção do psicólogo nas empresas e suas

possibilidades de atuação no sentido de promover saúde e pensar em ações que

visassem a qualidade de vida dos funcionários. A partir desta visão e das

primeiras pesquisas bibliográficas a respeito dos assuntos ligados ao sofrimento

no ambiente de trabalho, a questão do assédio moral foi se configurando como

uma preocupação atual de estudo em ciências humanas e merecedor de uma

atenção especial por parte do psicólogo organizacional.

De acordo com Leymann (1996), o fenômeno do “assédio moral”, também

conhecido como: "mobbing", "ganging up on someone", "bullying" ou

"psychological terror" foi por ele apresentado em 1984 através da publicação de

um artigo sobre o assunto na revista “The National Board of Occupational Safety

and Health” em Estocolmo, na Suécia, e ganhou destaque mundial em 2000 com

a publicação do livro da psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen: “Assédio

Moral: a violência perversa no cotidiano”; desde então, adquiriu um papel de

destaque nos estudos atuais sobre essa área no ambiente de trabalho.

Leymann (1996), no entanto, faz uma distinção entre o termo “mobbing” e

“bullying”, dizendo que o termo “mobbing”, utilizado pelo etólogo Konrad Lorenz

em suas pesquisas para descrever o comportamento de ataque de pequenos

animais em grupos a um animal maior, foi aproveitado pelo físico Heinemann para

nomear comportamentos agressivos de grupos de crianças direcionados, em

geral, a um único indivíduo.

Quanto à terminologia, o autor aponta uma diferença básica entre o uso de

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“bullying” e “mobbing”, referindo-se ao fato de que o primeiro diz respeito a

agressões físicas e poderia ser utilizado em relação às crianças, no caso do

aparecimento deste comportamento na escola. O segundo foi utilizado para

descrever comportamentos mais sofisticados que não envolvem agressões físicas;

estão relacionados com a comunicação e são apresentados com freqüência no

ambiente de trabalho. O autor ainda acrescenta que a primeira publicação de um

livro mencionando o fenômeno apareceu em 1976 com Brodsky, que relacionou

algumas situações de estresse e pressão vividas em indústrias.

As definições de alguns dos principais autores que estudam o assédio

moral serão apresentadas e discutidas no sentido de proporcionar uma idéia geral

de como o fenômeno vem sendo abordado, quais os pontos que unem essas

visões e que aspectos ainda merecem atenção por parte dos pesquisadores.

Como definido por Leymann (1996), o terror psicológico ou assédio moral

no trabalho envolve uma comunicação hostil e antiética dirigida a um ou mais

indivíduos, em geral, a um único, de maneira sistemática em que a vítima se vê

em uma situação de desamparo e impotência. Para que determinada conduta seja

considerada assédio moral, é preciso que ocorra numa freqüência padrão,

estatisticamente definida, de pelo menos uma vez por semana e por um período

de tempo, também estatisticamente definido, de pelo menos seis meses de

duração. Devido a esta alta freqüência e duração das agressões, os resultados em

relação às vítimas levam em conta prejuízos mentais, psicossomáticos e sociais.

A definição do autor exclui conflitos temporários em que se procura o

motivo do desentendimento, onde a situação teve início, porque foi desencadeada,

etc. A distinção entre conflito e assédio moral não está no fato ocorrido ou em

como aconteceu, mas sim na freqüência e duração do que quer que tenha sido

feito.

De acordo com o autor, a identificação de acontecimentos relacionados a

condutas agressivas no ambiente de trabalho resultou no entendimento da

estrutura do processo de assédio moral. Comportamentos como brigar e discutir

são considerados normais na interação entre as pessoas; o que muda em relação

ao fenômeno em estudo é justamente a freqüência e a duração com que é

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utilizado. Nestes casos, os conteúdos e significados das ações são alterados e

conseqüentemente se tornam uma “arma de comunicação perigosa” (Leymann,

1996).

Ainda no que se refere à questão da definição do fenômeno, Hirigoyen

(2001), propõe a seguinte formulação:

Por assédio moral em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em risco seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho (p. 65) A autora justifica o uso dos termos agressor e agredido para referir-se ao

assédio moral da seguinte maneira:

Escolhi deliberadamente usar os termos agressor e

agredido porque se trata de violência declarada, mesmo quando oculta, que tende a dirigir seu ataque à identidade do outro e dela extrair toda individualidade (p.16).

Complementando essa idéia, ainda acrescenta que o assédio moral tem

início com agressões muito sutis que têm por objetivo deixar a vítima sem direção,

sem entender o que se passa e, por isso, sem reação. Caracteriza o fenômeno

como assustador, desumano, sem emoção, nem piedade.

Já na visão de Heloani (2004), uma definição possível do assédio moral

seria:

Em nosso entender, o assédio moral caracteriza-se pela

intencionalidade; consiste na constante e deliberada desqualificação da vítima, seguida de sua conseqüente fragilização, com o intuito de neutralizá-la em termos de poder. Esse enfraquecimento psíquico pode levar o indivíduo vitimizado a uma paulatina despersonalização. Sem dúvida, trata-se de um processo disciplinador em que se procura anular a vontade daquele que, para o agressor, se apresenta como ameaça. (...)

Geralmente o assédio moral nasce com pouca intensidade, como algo inofensivo, pois as pessoas tendem a relevar os ataques, levando-os na brincadeira; depois, propaga-se com força e a vítima passa a ser alvo de um maior número de humilhações e

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de brincadeiras de mau-gosto. (p.5)

A partir das definições levantadas, pode-se perceber que os autores citados

destacam como importante para o entendimento desse fenômeno uma forma

específica de comunicação (hostil e que pode se manifestar de diferentes formas)

direcionada a um indivíduo ou grupo e com objetivos claros e definidos do

agressor: ferir a dignidade do outro, desqualificá-lo, colocar em risco seu emprego

ou sua reputação. Além disso, apresenta características peculiares relacionadas à

freqüência em que ocorre (ao menos uma vez por semana e por um período de

seis meses) e às conseqüências para a vítima, envolvendo danos psicológicos e

sociais. Contudo, os autores deixam uma lacuna a respeito da relação entre o

assédio moral e sua produção no contexto do trabalho e não se perguntam por

que esse fenômeno tem ocorrido de forma sistemática nas relações de trabalho.

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Caracterização do fenômeno no ambiente de trabalho

Na reportagem “Assédio Moral”, Abe (2006) destaca que o fenômeno

aparece, de acordo com especialistas, como “epidemia do novo século” e “câncer

do mercado de trabalho”. Os destaques são os resultados de pesquisas atuais

mostrando que os países europeus consomem de 3% a 4% de seu PIB (Produto

Interno Bruto) com doenças decorrentes do assédio moral.

As condutas do agressor destacadas pela reportagem citada envolvem

ameaças sobre o risco de desemprego e demissão; chamar o outro de

incompetente; repetir ordens a respeito de atividades simples ou colocá-las de

maneira confusa ou contraditória; desmoralizar publicamente; faltar com

informações que permitam a continuidade de um trabalho em desenvolvimento;

exigir mudança de turno sem aviso prévio; espalhar pela empresa que o

funcionário está com problemas nervosos ou com desvios de conduta.

De acordo com Hirigoyen (2001), o agressor age de maneira que a vítima

perceba o que acontece, mas não possa se defender, ou seja, a agressão

acontece, por exemplo, através de suspiros, erguer de ombros, ignorar a

presença, olhares de desprezo, questionamento ou crítica excessiva e

comentários indiretos.

Entre outras manobras utilizadas pelo agressor para atingir seu objetivo de

afastar a vítima da empresa, estão: humilhação com sarcasmos e ironias que

impeçam a vítima de saber se o que o agressor diz é verdade, mentira ou

brincadeira; isolamento do funcionário da realização de tarefas, reuniões e

comemorações para justificar a inutilidade da pessoa na empresa e demiti-la;

estabelecimento de metas impossíveis de serem cumpridas e abuso sutil de poder

(ibid.).

O abuso sutil de poder merece uma atenção especial, pois para Hirigoyen

(2001), a sutileza está no discurso empresarial da autonomia e do estímulo à

iniciativa nas situações de trabalho, quando na verdade por trás desta fala

encontra-se o abuso de poder operando no despertar da competitividade entre os

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funcionários para aumentar a produção em troca da manutenção do emprego ou

de uma promoção. Esta postura da empresa demanda do funcionário: submissão,

obediência e alta performance. Além disso, a pressão pelo alcance dos resultados

favorece a criação de um ambiente de disputa, divergências e assédio moral.

Heloani (2004) concorda com essa idéia e destaca que, no ambiente

empresarial da atualidade, a competitividade é estimulada de maneira sutil, ou

seja, o discurso da empresa incentiva a cooperação entre os funcionários

organizados em equipes, mas de maneira velada estimulam a competição entre

eles mostrando um verdadeiro abismo entre o discurso e a prática.

Outro autor que discutirá a competitividade do ponto de vista da Análise do

Comportamento como fator crucial para o entendimento das relações humanas, é

Sidman (2003) que vai dizer que a competição está relacionada aos estados de

privação vividos pela humanidade por meio da limitação de recursos e

oportunidades para todos, afirmando que em nossa sociedade a competição é

admirada e valorizada como qualidade humana e premiada quando um indivíduo

atinge um objetivo que era disputado por várias pessoas.

Sidman (2003) aponta que com esta configuração, o lado coercitivo da

competitividade é deixado em segundo plano, uma vez que há escassez de

oportunidades de desenvolvimento pessoal. O autor quer dizer que o sucesso de

uma pessoa necessariamente implicará no fracasso de outra, que será punida por

não ter alcançado tal status. Como forma de lidar com este fator, os indivíduos

criam condições de assumir o controle das situações para direcioná-las em seu

favor e alcançar os objetivos pretendidos.

Para o autor, este não é o único jeito de conduzir as relações humanas,

pois se aqueles que desfrutam de melhores oportunidades as compartilhassem

com os demais, os estados de privação seriam menores e não produziriam

contracontrole social violento.

Nas palavras de Sidman (2003):

A questão não é lógica ou moral; o problema é comportamental. Enquanto outros nos virem como uma fonte de choques, eles reagirão a nós como ao próprio choque – lógica, precisão e justiça não importando. Competição é inevitavelmente coercitiva; coerção produz afastamento, esquiva e, finalmente,

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contracoerção. (...) Os efeitos destrutivos da competição e os resultados construtivos da cooperação são freqüentemente muito atrasados e a conduta é relativamente insensível a conseqüências atrasadas (pág. 237).

Segundo Hirigoyen (2001), o objetivo último do agressor é induzir a vítima a

cometer erros, a ser culpada ou culpar-se por alguma situação problema no

trabalho. A finalidade última do agressor é fazer com que a vítima peça demissão

ou seja afastada de seu cargo pela empresa. Por não entender o que realmente

está acontecendo, isto é, por ser colocada pelo agressor numa situação

desagradável, a vítima pode ainda se perguntar se está realizando ou não um bom

trabalho, se é aceita pelo grupo, se irritou alguém, etc.

A vítima pode ser aos poucos sobrecarregada de trabalho, cobrada o tempo

todo e sentir-se confusa com o que está acontecendo; pode tornar-se passiva na

situação ou conversar com as pessoas em volta, inclusive com aquela

reconhecida como “exploradora” para entender o que se passa. Entretanto, a

comunicação é vetada pelo agressor que se nega a conversar ou assumir que há

algo de estranho com o relacionamento (ibid.).

Nesta linha, Leymann (1996) propõe uma divisão das condutas de

comunicação negativa em cinco categorias, de acordo com os efeitos que

provocam nas vítimas:

1) Quanto à possibilidade de comunicação adequada: ausência de espaço

para a vítima falar; agressão verbal referente às tarefas de trabalho; ameaças

verbais; etc.

2) Quanto à possibilidade de manter contato social: colegas não conversam

com a vítima; a vítima é proibida pelo chefe de se comunicar com os colegas;

isolamento em sala longe dos demais; etc.

3) Quanto à possibilidade de manter a reputação pessoal: cochichos sobre

a vítima; ridicularização; piadas sobre o jeito de andar e falar da vítima, etc.

4) Quanto à situação ocupacional: a vítima não recebe tarefas no trabalho

ou recebe tarefas pequenas, insignificantes.

5) Quanto à saúde física: tarefas perigosas, que envolvem riscos de morte;

ataques ou ameaças de ataque físico e assédio sexual.

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Os autores mencionam que quando o agredido se dá conta do assédio, vive

uma situação de choque, em que a confusão se mistura com o sofrimento.

Quando se torna consciente, sente-se envergonhado, explorado, esvaziado, inútil,

impotente e derrotado e pode entrar em depressão, ter reações violentas,

apresentar falta de atenção, absenteísmo e queda de produção no trabalho.

Também pode manifestar sintomas físicos como: problemas cardiovasculares,

úlceras, alterações no desempenho sexual, emagrecimento ou até tentar suicídio.

Na maioria das vezes não denuncia o agressor, por medo de perder o emprego ou

expor sua situação, causando constrangimento. Os alvos dos ataques são em sua

maioria mulheres que, em geral, são as que mais denunciam (Heloani, 2004;

Hirigoyen, 2001).

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Contextualizando o Assédio Moral nas Relações de Trabalho

Diante do exposto a respeito do fenômeno, sua definição, dinâmica de

acontecimento e conseqüências, é fundamental explorar o contexto histórico e

social que dá sustentação às práticas atualmente desenvolvidas pelas empresas,

no sentido de refletir sobre uma possível relação entre a organização do mundo

empresarial - incluindo a organização da área de Recursos Humanos em que o

psicólogo está inserido - e o fenômeno do assédio moral neste ambiente.

A explicação de Heloani (2004) para o desenvolvimento da área de

pesquisa sobre o assédio moral envolve principalmente os avanços tecnológicos,

tanto dos maquinários quanto da informatização, que produziu um afunilamento

das oportunidades do mercado de trabalho, passou a exigir cada vez mais um

profissional especializado, gerando uma competitividade desenfreada e uma

mudança nas relações entre os homens no ambiente de trabalho.

Segundo Chanlat (1996), organização do trabalho ou modo de gestão

poderia ser definido como um conjunto de práticas direcionadas à ação no sentido

de atingir os objetivos propostos pela cúpula da empresa. A partir da definição das

metas a serem atingidas, a gestão de Recursos Humanos, mais especificamente,

é responsável por administrar as pessoas na ação, produzindo movimento e

mudança nas relações de trabalho, em seu ambiente, seus valores essenciais

para a realização de um bom trabalho e as maneiras de avaliação e controle dos

resultados.

O autor destaca dois fatores fundamentais que influenciarão a maneira de

gestão da empresa e, portanto, as estratégias adotadas pelo RH: os internos e os

externos. Entre os internos: a história da empresa, seus recursos, a tecnologia que

utiliza e seus objetivos principais. Entre os externos: a influência do mercado

externo, a concorrência, o contexto social, político e econômico. O método de

gestão adotado seria composto de uma prescrição abstrata, formal e estática, e de

uma gestão real, concreta, informal e dinâmica. Estes componentes estariam,

junto aos fatores internos e externos à empresa, numa tensão que impactaria o

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trabalhador e sua saúde (Chanlat, 1996).

Para Dejours (1996) a organização do trabalho, ou seja, a divisão das

atividades e das pessoas é um dos principais elementos envolvidos na produção

de saúde ou de sofrimento humano no ambiente organizacional.

Em seu artigo “Por um novo conceito de saúde” (1986), Dejours faz uma

crítica à noção de saúde definida pela ONU como um estado de bem-estar bio-

psico-social, dizendo que essa não passa de uma idéia, um estado ideal, que

concretamente não conseguimos atingir e nem manter, pois o organismo se

encontra em atividade, movimento e transformação. A saúde definida desta forma

poderia ser apenas um objetivo ao qual almejaríamos nos aproximar, e para tanto,

seria necessário que o indivíduo se comprometesse com a realidade, ou seja,

negociasse seu objetivo com as possibilidades do ambiente em produzir saúde.

Para pensar sobre a saúde no trabalho, Dejours (1986) ressalta a

importância de se levar em conta:

1) O ambiente material: o ambiente físico (o local de trabalho, a condição se

segurança, a qualidade dos instrumentos);

2) O ambiente relacional (a cooperação, a troca de afeto e reconhecimento);

3) O ambiente social (a organização do trabalho).

Para o autor, a saúde é a liberdade de dar ao corpo a possibilidade de

repousar, de comer, de ter sono e cansaço. É a liberdade de adaptação, de cada

um organizar sua vida e de agir individual ou coletivamente sobre a organização do

trabalho, a divisão e conteúdo das tarefas, dos homens e de suas relações.

De acordo com Vasconcelos e Vasconcelos (2002), o indivíduo ingressa na

empresa com uma bagagem de valores, convicções e princípios morais

construídos ao longo de sua história de interações sociais e se depara com uma

instituição que também possui uma estrutura de valores, missões, visões de

mundo e de homem.

O choque entre os princípios pessoais e empresariais exige do indivíduo um

movimento de compreensão da realidade da empresa, no sentido de integrá-la à

realidade construída por ele, permitindo a produção de novas maneiras de

comportar-se no trabalho. Em alguns casos em que essa integração não é

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possível, o indivíduo sofre e passa a viver um conflito entre o abandono do

emprego e sua necessidade de se adaptar à realidade empresarial, com a qual

não compactua, para manter-se no mercado de trabalho.

Serva e Ferreira (2006) apontam como fundamental para o entendimento

dessa nova dinâmica de mercado a crise dos modelos econômicos adotados a

partir de 1945 para fortalecer o capitalismo e a industrialização. O modo de gestão

toyotista criado no Japão por J. Ohno, no período Pós 2ª Guerra Mundial foi uma

tentativa de superação do modelo de produção taylorista-fordista criado durante a

Era Industrial, com o objetivo de se adaptar às novas demandas do mercado

moderno. Tanto o Taylorismo quanto o Fordismo estavam, em sua criação,

inseridos num contexto em que havia excesso de mão-de-obra e um mercado

ainda pouco explorado e em expansão. A lógica dominante era a da produção em

abundância e da posterior preocupação com a venda do produto.

A gestão no modelo Taylorista tem como traços principais a racionalização

da produção, a fragmentação do trabalho, a padronização e a simplificação. Trata-

se de um sistema que visa apenas o aumento da lucratividade através da

produção em massa e é caracterizado pelas tarefas repetitivas, horários

desgastantes, salários fixados de acordo com a produtividade e distanciamento

total entre planejamento e execução de tarefas.

De acordo com Marras (2005), o posicionamento da área de Recursos

Humanos neste modelo de gestão é meramente operacional, ou seja, as tarefas

se resumem ao registro e controle relativos tanto ao desempenho das pessoas

nas tarefas, quanto à folha de pagamento.

Neste modelo é possível identificar diversos problemas de saúde,

principalmente os de ordem física, como fadiga crônica, úlceras, doenças

cardiovasculares, musculares, ósseas e insônia. Entre os problemas mentais

comuns o autor identificou a neurose, a depressão e a fadiga nervosa (Chanlat,

1996).

As conseqüências para o trabalhador, nestes casos, estão associadas ao

aparecimento das doenças já citadas, bem como ao agravamento de doenças já

apresentadas. Além disso, os indivíduos que se encontram neste estado acabam

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desenvolvendo um padrão de comportamento evitativo nas relações familiares,

por medo de que as demandas decisórias e afetivas que geraram punição no

ambiente empresarial também se manifestem no ambiente familiar.

Nas palavras de Saldanha (1974):

(...) em uma organização formal em que as práticas e relações de trabalho são rigidamente mantidas e não avaliadas, os indivíduos tenderão a exercer sua função de maneira repetitiva e “engessada” (...) de maneira apática e conformada. Entre as conseqüências da vivência deste tipo de relação com o trabalho estão a frustração, a falta de perspectiva temporal e o conflito. (p.86)

O processo de reestruturação produtiva almejado pelo Toyotismo em

detrimento ao apresentado no modelo taylorista, se deu num contexto de

produção em excesso e mercado saturado devido ao estancamento do mercado

consumidor durante a 2ª Guerra e à produção em larga escala durante a

Industrialização. A solução para estes problemas pensada por Toyota se fixou na

produção reduzida, a partir da demanda direta do mercado e com produtos

diversificados. Para a implantação desta nova tecnologia chamada “sistema de

produção flexível” foi necessário o investimento numa força de trabalho em que a

inteligência do operário fosse acionada.

Chanlat (1996) definiu esta organização do trabalho como tecnoburocrática,

por se caracterizar em uma ordem hierárquica bem determinada em que se dá

importância aos especialistas e aos técnicos. O controle é bastante complexo, o

poder é centralizado e a comunicação dificultada. O homem, neste modo de

gestão, pode ser encarado como destituído de emoção, seguidor de sua

racionalidade e submisso às normas e limites impostos à sua atividade.

Segundo Marras (2005), a área de Recursos Humanos passa a ter um

papel de centralização do trabalho ou administração de pessoal, para coordenar

as atividades de avaliação de desempenho, descrição de cargos e pesquisa

salarial. Para isso, ele necessita ter conhecimentos amplos, incluindo a Psicologia,

a Sociologia, a Estatística, a Pedagogia e a Administração. Além disso, precisa

conhecer as técnicas americanas e européias de gestão para implantá-las na

empresa.

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Na nova organização toyotista, o objetivo do trabalho é romper com a

distância entre o pensar e o executar e, o trabalhador, para tanto, é chamado a

fazer sugestões e implementá-las efetivamente no processo de produção em

constante mudança. Os trabalhadores também deixaram de se organizar em

linhas de montagem e fazer uma função única, repetitiva e distante da visão total

do produto; passaram a se organizar em equipes ou em ilhas de produção, com

tarefas distribuídas entre os membros do grupo de forma alternada e de maneira

que todos possam ter a dimensão do todo ou do produto final de seu trabalho.

Neste modelo, os principais problemas de saúde encontrados foram:

cansaço profissional, insônia, úlceras, fadiga crônica, problemas cardiovasculares

e conflitos de interesse (Chanlat, 1996).

As perguntas que podemos fazer a partir da caracterização do modelo de

produção toyotista e das formas de relação entre os trabalhadores e suas relações

com o próprio trabalho são: este novo modo de gestão foi capaz de superar a

racionalização da produção e as condições precárias de trabalho ou apenas dar

continuidade a elas com um discurso diferenciado? A participação dos

trabalhadores realmente alcançou o nível da gestão?

Entre as críticas feitas ao modo de produção toyotista está a de que a

variação das tarefas executadas pelos trabalhadores não supera o sistema

repetitivo de produção, uma vez que as tarefas são apenas rodiziadas e não

incentivam um trabalho de criação por parte dos operários. A atribuição das

tarefas da produção não muda em sua raiz o tipo de trabalho realizado. Alguns

autores, como Marras (2005), consideram o toyotismo como um modelo pós-

fordista.

Os discursos do envolvimento e da participação no ambiente de trabalho

manipulam de forma sutil as situações visando atingir o interesse particular da

organização, o aumento da produtividade e do lucro. Isto pode ser percebido na

transformação das relações de conflito pelos interesses da empresa.

No modelo taylorista-fordista, os interesses da empresa são defendidos

exclusivamente pelos chefes e passam, no modelo toyotista, a ser também

defendidos pelos trabalhadores, mesmo que estes o façam sem consciência. O

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conflito de interesses passa a ser um conflito para ver quem melhor atinge o

objetivo da qualidade do produto ou da produtividade. Os interesses, antes

antagônicos, passam a ser ambos os interesses da empresa.

As opiniões dos trabalhadores não são tão abertamente colocadas e se

relacionam apenas a assuntos restritos, como a forma de trabalhar melhor para o

aumento da produtividade. Assuntos como: o que produzir, como planejar a

produção e como gerir as pessoas, são exclusivamente discutidos pelos

detentores dos meios de produção.

Os altos investimentos da empresa toyotista são feitos em treinamentos

que priorizam valores como co-responsabilidade e parceria. Como mensagens

encobertas, os treinamentos incentivam o espírito de grupo, uma vez que a equipe

precisa dar conta do trabalho na falta de um funcionário, fazer o trabalho dobrado

para não perder benefícios, competir com os trabalhadores por melhores salários

e fiscalizar o trabalho da equipe. Nesse sentido, uma crítica à empresa toyotista é

de que há um ocultamento das relações de poder e, além disso, um aumento

velado da exploração da força de trabalho, isto é, o trabalhador recebe menos do

que no final produziu.

De acordo com Serva e Ferreira (2006), a crise desses modelos de

produção teve início na década de 70 com a globalização econômica, o aumento

do desemprego e das despesas estatais, os desastres ambientais provocados

pelas indústrias e o crescimento de outros países do mundo. Principalmente este

último fator contribuiu para o desencadeamento da competitividade, uma vez que

se iniciou a corrida pela conquista de novos mercados, incluindo os países

emergentes, como o Brasil. Frente a este movimento, tanto as empresas privadas

multinacionais quanto nacionais, foram afetadas no sentido de se adaptarem à

nova ordem, produzindo mudanças nos valores e comportamentos esperados

pelos funcionários e ingressantes no mercado de trabalho.

Diante desse panorama, Chanlat (1996) apontará para um novo modelo de

gestão que se baseia na excelência ou qualidade total, em que se valoriza a ação

e o desafio no ambiente de trabalho. É exigida do indivíduo a permanente

atualização e adaptação, além de sua doação total na realização das atividades

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grupais. Diferente dos modelos apresentados até aqui, o trabalho por excelência

pressupõe certa autonomia com senso de responsabilidade. A idéia desta forma

de organização é que o funcionário da empresa faça de seu trabalho sua maior

motivação e desafio de vida e que, o encarando desta forma, se dedique ao

máximo para superar-se. Neste sentido, as relações hierárquicas se tornam mais

“igualitárias” e as formas de reconhecimento, tanto material quanto simbólica,

tornam-se mais individualizadas.

Entre os novos comportamentos, apontados por Serva e Ferreira (2006),

como esperados dos funcionários pelas organizações estão: a aceitação do risco;

a complexidade; a flexibilidade; o curto prazo; o ritmo e carga de trabalho

acelerado e a condenação a vencer. No que se refere à aceitação ao risco, os

autores destacam a sua naturalização, ou seja, os funcionários deveriam

desenvolver a capacidade de lidar com riscos em todas as suas atividades

cotidianas envolvidas com tomadas de decisões. Quanto à complexidade, a

expectativa organizacional é de que as pessoas possam tratar das situações

instáveis e imprevisíveis de maneira a fazer um bom trabalho de equipe para se

chegar às melhores decisões.

Em relação à flexibilidade, a exigência estaria no desenvolvimento das

capacidades de adaptação à mudança e confiança nas escolhas realizadas. O

ritmo de trabalho e a carga seriam cada vez mais acelerados e as tarefas de

trabalho teriam prazos menores. Além disso, a condenação a vencer consistiria

em dar conta da sobrecarga produzida pelas tarefas múltiplas e prioritárias e o alto

desempenho profissional, capaz de render o crescimento da empresa (ibid.).

De acordo com Vasconcelos e Vasconcelos (2002) neste modelo, a área de

Recursos Humanos substituiu o administrador de pessoal pelo gerente de

Recursos Humanos, que a partir das metas estabelecidas, teria o encargo de

gerenciar as pessoas para obter resultados planejados por meio de estratégias

focadas no aumento da produtividade. Este modelo parte do princípio de que

quanto mais eficiente for o trabalhador maior será a eficiência econômica. Além

disso, a autonomia é estimulada no sentido de permitir o desenvolvimento pessoal

a serviço da empresa.

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O papel dos Recursos Humanos neste modelo seria: gerir as pessoas de

acordo com os interesses e metas empresariais; selecioná-las dentro do mercado

de trabalho para ocupar cargos bem definidos; avaliar o trabalho das equipes

visando sempre a maximização dos resultados; motivá-las com remuneração

compatível com o desempenho; fazer o treinamento adequado de pessoas para

que realizem seu trabalho gerando os resultados esperados, produzindo relações

de trabalho satisfatórias (Vasconcelos e Vasconcelos, 2002).

Para Chanlat (1996) a devoção total do indivíduo a seu trabalho na

empresa, pode propiciar ao indivíduo reconhecimento por seu trabalho e

satisfação de seus interesses profissionais, mas em muitos casos, atinge estes

objetivos à custa de esgotamento profissional, dores de cabeça fortíssimas,

problemas cardiovasculares, úlceras, insônia, chegando até ao ponto de

cometerem suicídio.

Na mesma linha, o que foi apontado na pesquisa de Serva e Ferreira (2006)

como conseqüência deste modo de se comportar nas organizações foi uma

mudança no estilo de vida do trabalhador. A dedicação integral à empresa excluiu

as demais áreas de relacionamento como a familiar e a social e foi percebida uma

dificuldade em lidar com o aproveitamento do tempo livre, pois o funcionário

continua com o pensamento voltado ao trabalho. Também ficou evidente a

pressão pela realização de um trabalho de excelência, eficiente e de acordo com

os prazos e objetivos esperados, pois a presença de trabalhadores com alta

performance e especialização no mercado à espera de uma oportunidade de

emprego não oferece nenhuma saída a não ser a submissão às exigências

empresariais para se manter no emprego.

O que se pode perceber na descrição deste tipo de modelo de gestão é que

o funcionário ganha a autonomia pela qual batalhou, mas perde em outros

aspectos, pois fica claro o estímulo à competitividade e ao desempenho individual,

sem considerar em que condições os comportamentos de trabalho estão

ocorrendo, nem as conseqüências a médio e longo prazo produzidas. O

importante para a empresa é o resultado final do trabalho e não a forma como é

realizado, nem o impacto que isto tem na vida dos funcionários.

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Zajdsznajder (1996) afirma que embora as empresas sejam o agente

capitalista mais evidente, elas se encontram atualmente em processo de

transformação devido à intensificação da competição no mercado e ao avanço das

tecnologias da informação. Como apresentado por Chanlat (1996), Zajdsznajder

(1996) vai reforçar a idéia de que antigamente as empresas apresentavam uma

estrutura multidivisional, planejada e burocrática e atualmente apresentam-se de

maneira variável, sem uma identidade bem definida e uma estrutura permanente,

com poucas camadas hierárquicas, trabalhos superespecializados e temporários.

Claramente com este modelo se configura uma visão de que o fracasso ou

sucesso profissional está nas mãos dos indivíduos, independente do contexto em

que estão inseridos ou das relações estabelecidas entre eles e o ambiente. Com

isso, se naturaliza acentuadamente o fato de que o assédio moral é uma questão

pontual de dificuldades de relacionamento entre dois indivíduos isolados do

mundo. É facilmente justificável que o agressor apareça como aquele que tem

problemas de personalidade e dificuldade de adaptação no meio empresarial, bem

como a vítima do assédio seja denominada como aquela que não entende o que

acontece com ela, pois ao invés de questionar o que se passa nas relações

produzidas em seu ambiente de trabalho como um todo, se pergunta onde errou.

Na tentativa de relacionar o contexto acima exposto com a prática atual nas

empresas e o fenômeno do assédio moral, Hirigoyen (2001) faz a seguinte crítica:

“não se deve banalizar o assédio moral fazendo dele uma fatalidade de nossa

sociedade. Ele não é conseqüência da crise econômica atual, é apenas um

derivado de um laxismo organizacional” (p.103).

Este pensamento ressalta a idéia de que as pessoas não devem se

conformar com algumas explicações que justificam ou tornam natural

acontecimentos como o assédio moral, mas devem atentar para a postura adotada

pelas empresas, sua forma de organização do trabalho e seus valores.

Tendo em vista a discussão apresentada até o momento, foi possível

concluir que um olhar mais abrangente e crítico em relação ao assédio moral

permitem estabelecer alguns pontos de convergência entre o fenômeno e o

ambiente em que está inserido. Os contextos sociais, políticos e econômicos do

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mundo sofreram mudanças ao longo dos anos motivadas pelas necessidades

humanas e estas transformações atingiram diretamente o modo de se trabalhar e

as relações possíveis de se estabelecer neste ambiente; foi necessária a

adaptação das empresas às novas lógicas de pensamento e demandas do

mercado, o que de acordo com os autores mencionados, seguiu a direção da

velocidade e da competição, produzindo instabilidade em relação ao plano de

carreira, tornando as relações mais superficiais e marcadas pelo interesse em se

obter sucesso profissional.

Este movimento de transformação das empresas e das relações de

trabalho, em geral, parece favorável à produção do assédio moral, na medida em

que os valores organizacionais estimulam, na maioria das vezes de forma velada,

a disputa entre as pessoas pelas melhores posições independente da forma como

isso é alcançado. Além disso, a lógica do mercado que torna as pessoas

“descartáveis” ou rapidamente substituíveis é um fator importante na determinação

das relações de trabalho, uma vez que as pessoas precisam lutar por seu espaço

e o fazem, em determinadas situações, a qualquer preço, pois o reconhecimento é

alcançado por meio de comportamentos individualizados, não havendo lugar,

neste cenário, para o coletivo.

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Propostas de Intervenção

Diante do exposto, a discussão segue no sentido de apresentar possíveis

formas de combater o assédio moral no ambiente empresarial, baseadas nas

idéias de alguns dos autores apresentados até o momento, que apontam medidas

de cuidado e prevenção. Além disso, apresentará uma nova forma de organização

empresarial considerada ideal para a promoção de saúde no ambiente de

trabalho.

Para Hirigoyen (2001), é importante identificar o assédio moral na empresa

através da observação do relacionamento entre as pessoas, a fim de detectar

qualquer sinal de desqualificação freqüente e de longa duração realizada por um

ou mais indivíduos. Frente à sua ocorrência, o mais acertado seria tomar atitudes

como registrar as agressões verbais e levantar provas que validem uma boa

defesa, bem como conseguir aliados dentro da empresa que testemunhem o

assédio. Dentre as dificuldades apontadas pela autora para se alcançar o ideal de

reação frente às agressões, estão: o medo de se expor à humilhação; o fato de

não poder contar com colegas que testemunhem formalmente a agressão por

receio de demissão, pressão dos demais colegas e prejuízo no relacionamento

interpessoal.

Dentro da empresa, Hirigoyen (2001) apontaria como possível aliado uma

pessoa ligada à área de Recursos Humanos, entretanto, acredita que este

profissional não está preparado para receber o assédio moral como demanda,

uma vez que sua preocupação está em verificar a produtividade e o resultado do

trabalho, não disponibilizando seu tempo para lidar com questões de

relacionamento entre funcionários. Isto pode decorrer também do fato de que o

papel dos atuantes nesta área ainda está em construção e, portanto, não há

clareza de que posição assumir diante deste tipo de situação.

Abe (2006) acrescenta a necessidade da vítima de buscar o sindicato ou

instâncias afins, bem como a Justiça do Trabalho e a Comissão de Direitos

Humanos para fazer as denúncias. Hirigoyen (2001) complementa esta idéia

ressaltando que a alternativa da busca do médico do trabalho para solicitação de

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afastamento com a finalidade de tratar da saúde, pode, de certa forma, atrapalhar

o funcionário no sentido de ser visto como incompetente por não suportar a

pressão que sua atividade exige. Além disso, há a busca de terapia para criar

alternativas de comportamento frente às agressões (ibid.).

Hirigoyen (2001) sugere como estratégias de enfrentamento do assédio

moral a serem adotadas pela vítima: a indiferença, a calma, o bom humor, os

cuidados com o material de trabalho para que não sejam adulterados e a mudança

na forma de comunicação, aceitando sempre respostas claras e pedindo

explicações em caso de uso de metáforas ou ironias.

O interessante das colocações acima é que os problemas são tratados

apenas no âmbito individual, sem levar em consideração em qual contexto o

assédio moral acontece, aqui não somente levando em conta o contexto

empresarial, mas o cultural.

De acordo com Sidman (2003) quando o indivíduo age para contracontrolar

aquele que exerceu algum tipo de controle coercitivo, por meio de uma queixa, por

exemplo, a uma situação de assédio moral, seu comportamento é apropriado, mas

leva em consideração apenas as conseqüências que isso trará a curto ou médio

prazo para si mesmo e não as conseqüências futuras que poderão ser produzidas

na cultura, como o enraizamento de padrões de comportamento e

estabelecimento de regras inflexíveis acerca da individualidade e competitividade

como formas de se adquirir satisfação.

Enfim, o último modelo de gestão que será apresentado como oposição

aos demais é o participativo, definido por Chanlat (1996). O indivíduo é colocado

como responsável e autônomo na realização de suas tarefas com o objetivo de

integrá-las à gestão mais global da empresa.

A gestão de Recursos Humanos se diferencia no que se refere ao valor

conferido à área nas decisões mais importantes da empresa e ao incentivo aos

demais trabalhadores nas pequenas decisões em seus grupos de trabalho

(Vasconcelos e Vasconcelos, 2002).

Segundo Chiavenato (1999), o diferencial neste modo de gestão de

Recursos Humanos está em tratar as pessoas como recurso organizacional ou

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como parceiros da organização: se as pessoas forem tratadas como recursos

precisarão ser administradas, o que envolveria planejamento, direção e controle

das tarefas para a obtenção do máximo rendimento. Nesta perspectiva, os

sujeitos seriam passivos da ação organizacional e parte do patrimônio físico da

contabilidade da empresa.

No caso da gestão de Recursos Humanos encararem as pessoas como

parceiras da organização, elas seriam vistas como fornecedoras de

conhecimentos e habilidades. Neste sentido, constituiriam o capital intelectual

capaz de tomar decisões e atribuir significados às atividades com foco nos

objetivos globais da organização (Chiavenato, 1999).

Vasconcelos e Vasconcelos (2002) vão dizer que as principais

características deste modelo são o equilíbrio entre eficiência do trabalhador e

eficiência econômica, o respeito ao ritmo de trabalho, a não exigência do máximo

da performance para obtenção dos resultados, a decisão das metas discutidas

entre os grupos de trabalho e a avaliação dos resultados, além de os

trabalhadores serem reconhecidos como pessoas que pensam, organizam e agem

promovendo debates e mudanças.

Os conflitos de interesse entre as posições superiores e inferiores na escala

hierárquica são debatidos e passam por um processo de negociação. A gestão de

Recursos Humanos, neste caso, visaria à promoção da humanização do trabalho,

a melhora de suas relações, o exercício democrático e a autonomia das equipes

(Vasconcelos e Vasconcelos, 2002).

Segundo Vasconcelos e Vasconcelos (2002):

(...) uma gestão de recursos humanos que favoreça a emancipação política do indivíduo e o seu acesso a uma identidade autônoma, (...) mostra-se mais adequado às organizações atuais, uma vez que prepara indivíduos capazes de atribuir sentido à experiência e adaptar-se melhor a um mundo de mudanças rápidas e complexas (p.77).

De acordo com França (2006), o objetivo do psicólogo neste contexto da

atuação em Recursos Humanos no mundo corporativo moderno, é promover e

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garantir um ambiente de trabalho saudável, produtivo e co-responsável, de acordo

com o entendimento da cultura organizacional da empresa, associada aos

diversos níveis hierárquicos, da gestão estratégica, ao nível das decisões

gerenciais até o operacional. Além disso, o psicólogo deve dar conta da

diversidade de pessoas e profissões, das metas ideais e reais, além do

alinhamento das intervenções com a estratégia de negócio da companhia.

A autora ainda aponta uma questão ética importante, a da ausência da

visão empresarial de “pessoa”, ou seja, o vocabulário organizacional focado em

“cargo”, “perfil”, “posição”, “competência”, pois o psicólogo organizacional deveria

incluir ações honestas, palpáveis e interativas, propondo mudanças na área de RH

e na empresa como um todo.

Ribeiro (2006) complementa esta idéia afirmando:

(...) É importante compreender o que é a organização além do que está escrito (missão, regras, etc.) e esse conhecimento deve ser dialogado e produzido na interação. (...) É importante também conhecer a história da área de trabalho e entender como as coisas foram construídas. (...) A falta de conhecimento das possibilidades restringe muito a atuação do psicólogo e dos trabalhadores: esse é um desafio para todos (pág. 8)

Portanto, a gestão participativa, pode ser entendida hoje como a mais

propícia ao desenvolvimento saudável do indivíduo, uma vez que promove uma

reorganização da estrutura empresarial, das relações de trabalho - agora mais

democráticas - em que o saber dos funcionários é valorizado na tomada das

decisões acerca dos objetivos a serem atingidos pela empresa (Chanlat, 1996).

De acordo com Chanlat (1996), um modo de gestão será tanto mais

saudável quanto mais o discurso da empresa se aproximar de sua prática.

Quando o discurso da participação de todos na construção de uma empresa mais

democrática e preocupada com a qualidade de vida das pessoas da organização e

da sociedade em geral for coerente com sua prática, mais as pessoas se sentirão

bem no ambiente de trabalho, se relacionarão melhor e trarão mais resultados

para a empresa.

Saldanha (1974) vai complementar a idéia descrita acima dizendo:

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Casos em que as decisões acerca de metas empresariais são discutidas e partilhadas entre as equipes, a atmosfera organizacional permite a inclusão de expectativas e sentimentos humanos como valores legítimos na vida organizacional (p.86).

Nesta direção, Dejours (1996) propõe a recuperação de um espaço público

e transparente de circulação da palavra, em que os trabalhadores possam colocar

suas idéias abertamente de modo que o grupo tenha visibilidade do trabalho

efetuado por cada um e acesso à seqüência ou ao andamento do processo de

trabalho. Para o autor é neste espaço de troca e negociação que se pode olhar

para a real organização do trabalho e abrir espaço para o reconhecimento e a

solidariedade entre os indivíduos.

Hirigoyen (2001) concorda com esta visão e estabelece como estratégias a

serem adotadas para a prevenção do assédio moral nas empresas, além das já

mencionadas: a educação sobre a importância de se levar em conta o ser

humano, tanto quanto sua atividade na empresa, e informação sobre o fenômeno

do assédio moral; a criação de cláusulas de proteção contra o assédio moral tanto

na justiça do país quanto nos códigos de ética empresariais.

De acordo com Heloani (2004) é fundamental a construção de códigos de

ética empresarial, denúncia escrita e anônima do assédio moral para a área de RH

e instituição de uma política de humanização empresarial. Abe (2006) partilha da

mesma opinião; entretanto, acrescenta que uma boa prevenção deve contar com

um aperfeiçoamento do processo de seleção de funcionários, o que pode ser

questionando se pensarmos que esta idéia reforça que o assédio moral é um

problema de ordem individual e de personalidade, como se determinada pessoa

apresentasse traços que nos permitam afirmar que ela não é adequada para

ocupar uma vaga nesta ou naquela empresa.

Do ponto de vista em que se baseia esta investigação, para uma boa

prevenção do assédio moral seria mais indicada uma revisão na cultura

organizacional da empresa, revisão de missão, valores, políticas e práticas

empresariais, com o objetivo de identificar em que condições os funcionários

trabalham no momento, sob quais regras e quais as conseqüências esta maneira

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de se comportar vem produzindo nas relações entre as pessoas, em sua saúde e

qual o impacto que esses aspectos têm gerado no negócio.

A partir das idéias apresentadas e partindo da premissa inicial de que o

fenômeno do assédio moral, enquanto prática que produz sofrimento, tem relação

com o contexto da organização social do trabalho e com o modo de gestão

adotado pelas empresas, a presente pesquisa visa investigar o relato de

psicólogos organizacionais atuantes no mercado de trabalho enquanto

consultores, que prestam serviços às demais empresas, a respeito do assédio

moral no contexto do trabalho, como o definem e que relação estabelecem entre o

fenômeno em questão e a organização do trabalho proposta pelo meio

empresarial.

Do ponto de vista social e científico, a investigação se faz relevante por

contribuir para o desenvolvimento de um campo de investigação ainda pouco

explorado pela psicologia, principalmente em relação ao olhar do psicólogo que

trabalha no meio organizacional. Além disso, abre espaço para que se pense o

fenômeno do assédio moral do ponto de vista da organização do trabalho nas

empresas, da produção de saúde ou sofrimento e das relações possíveis de

serem construídas neste ambiente.

O que se acredita e se pretende, a partir desta investigação, é relativizar a

idéia de que os problemas estão nos indivíduos e se devem a predisposições

psicológicas. A visão de que o ambiente social e histórico dos indivíduos e das

organizações tem relação com a forma como se dá o assédio moral e suas

conseqüências nos âmbitos pessoal e empresarial, são fundamentais para se

propor alternativas de comportamento, mudanças na organização do trabalho e

novas práticas do psicólogo que está direta ou indiretamente em contato com esta

problemática.

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MÉTODO

Participantes:

Tendo em vista o problema de pesquisa definido, os participantes do estudo

foram quatro psicólogos, inseridos profissionalmente em empresas de consultoria

em Recursos Humanos por um período de no mínimo seis meses. O tempo

mínimo de trabalho do psicólogo na empresa foi definido a fim de que o

profissional tivesse ao menos uma visão geral sobre o negócio em que trabalha e

entendesse a respeito do funcionamento do meio empresarial. O contato com os

psicólogos foi feito por meio de indicações de outros profissionais ou colegas, o

que configurou uma seleção aleatória e que independeu de sexo ou idade. Por

questões de sigilo, os participantes foram identificados com as seguintes siglas:

C.P.; F.F.; V.P. e S.G.

A amostra foi composta por dois psicólogos do sexo feminino e dois do

masculino, de idades entre 28 e 45 anos. O ano de formação em Psicologia variou

entre 1983 e 2005 e o início de atuação como psicólogo organizacional se deu, de

forma geral, logo após a conclusão da graduação - no mesmo ano - ou ainda

durante o curso de Psicologia, próximo ao término. Além disso, todos os

participantes estão realizando ou finalizaram alguma modalidade de pós-

graduação.

Material:

Para a coleta das informações foi utilizado o instrumento de entrevista

individual, pois o presente estudo parte da premissa básica apresentada por

Gaskell (2005):

Toda pesquisa com entrevistas é um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que as palavras são o meio principal de troca (...) de idéias e de significados, em que várias realidades e percepções são exploradas e desenvolvidas. Com respeito a isso, tanto o(s) entrevistado(s) como o entrevistador estão, de maneiras diferentes, envolvidos na produção de conhecimento. (p. 73)

A escolha de entrevistas como procedimento de coleta também foi

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baseada na possibilidade de se obter diversos relatos fundamentados acerca do

tema em estudo. Além disso, pelo fato de abrir espaço para o pesquisador

aprofundar alguma informação, tirar dúvidas quanto ao entendimento de

colocações e possíveis contradições. O procedimento foi realizado em local

designado pelo profissional, com duração de um encontro com média de trinta

minutos, gravado e posteriormente transcrito.

Procedimento:

Foi utilizada a entrevista episódica, definida por Uwe Flick (2005), que se

baseia em temas a serem abordados durante uma entrevista. As perguntas dentro

de cada tema foram elaboradas com a finalidade de investigar o assédio moral de

acordo com o problema de pesquisa definido.

1) “Introdução à lógica da entrevista”, em que se apresentou ao

entrevistado uma breve colocação sobre a pesquisa e como funcionaria o

procedimento. Foram explicitadas a duração do encontro e a necessidade de

gravação, com confirmação do entrevistado sobre a concordância através do

termo de compromisso (ver Anexo 2).

2) “A concepção do entrevistado sobre o tema e sua biografia com relação

a ele”: O que é assédio moral para você? Com o que você associa a palavra

assédio moral? Em seguida: Você se lembra a primeira vez que ouviu falar sobre

esse assunto? Em que situação isso aconteceu? Dê um exemplo de uma situação

concreta que ouviu ou presenciou sobre assédio moral.

3) “O sentido que o assunto tem para a vida cotidiana do entrevistado”: O

assédio moral é um assunto freqüente nas suas relações de trabalho? É colocado

em pauta em suas reuniões de trabalho?

4) “Enfocando as partes centrais do tema em estudo”: A que ou a quem

você atribui o acontecimento do assédio moral nas relações de trabalho?

5) “Tópicos gerais mais relevantes”: Em sua opinião, o que deveria ser feito

para prevenir o assédio moral nas empresas? Qual o papel do psicólogo

organizacional na empresa frente ao assédio moral?

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6) “Avaliação e conversa informal”: Você gostaria de acrescentar mais

alguma informação a respeito do tema que não tenha aparecido na entrevista?

Você gostaria de fazer uma crítica ou sugestão em relação à entrevista?

7) “Documentação – Informação contextual sobre a entrevista e o

entrevistado”:

Data da entrevista:

Local:

Duração:

Entrevistador:

Iniciais do Entrevistado:

Gênero:

Idade:

Ano de formação:

Pós-Graduação:

Início como psicólogo organizacional (ano):

A escolha do procedimento de entrevista foi orientada pela possibilidade do

desenvolvimento da análise do relato verbal. Segundo Gaskell (2005), uma análise

cuidadosa deve transpor a superficialidade dos relatos e buscar assuntos com

conteúdo comum e as funções que ocupam nos dizeres de cada entrevistado.

De acordo com Skinner (1987) citado em Andery e Sério (2002):

Comportamento verbal é o comportamento que é reforçado por meio da mediação de outra pessoa, mas apenas quando a outra pessoa está se comportando de maneiras que foram modeladas e mantidas por um ambiente verbal que evoluiu, ou linguagem (pág.125).

O que Skinner quer dizer com esta definição é que o comportamento de

análise da presente pesquisa é de origem social e mantido pela comunidade

verbal na qual o indivíduo foi inserido, entretanto, para ser utilizado como

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procedimento de coleta de dados, Luna (2000), faz algumas considerações:

O que confere legitimidade a ele [o relato verbal] como correlato daquilo que se quer estudar é o fato de se usarem as fontes mais diretas possíveis (em todos os casos, os informantes falam sobre eles mesmos) e a dificuldade de se conceberem maneiras alternativas melhores para se estudar o fenômeno (p.92-93)

A limitação do uso do relato verbal como instrumento de coleta se

configura, de acordo com o autor:

(...) quando se pretende/precisa tomar estas respostas como indicativas de como as pessoas se comportarão efetivamente frente àquelas situações. Em primeiro lugar, porque sobram demonstrações de que estas duas situações ocorrem sob o controle de condições muito diferentes. Em segundo, porque seria necessária uma teoria muito forte capaz de predizer a ação a partir da verbalização do indivíduo sobre como se comportaria frente a ela (...). p (93)

Dessa forma, a proposta de análise da pesquisa não pretende tomar por

base o relato verbal, a fim de fazer afirmações acerca dos comportamentos

emitidos pelos psicólogos nas situações reais relacionadas ao trabalho, ou ainda

à questão do assédio moral, apenas formular hipóteses sobre eles.

Não se trata de buscar a correspondência entre o dizer e o fazer, porque

para tanto, seria preciso a criação de uma medida que pudesse verificar de forma

precisa que o controle das respostas verbais, ou seja, os que as mantêm, são de

fato as descrições de antecedentes e não outros controles, como por exemplo, a

atenção do entrevistador.

De fato, o relato verbal foi escolhido pela facilidade de acesso às

informações e será um meio para discutir sobre os diversos aspectos que

envolvem o assédio moral.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Levando em conta os apontamentos feitos acima por Luna (2000) sobre o

uso do relato verbal enquanto instrumento de coleta de dados, os resultados

referentes às verbalizações dos psicólogos sobre as questões relacionadas ao

assédio moral no ambiente de trabalho foram analisados com a finalidade de

debater sobre o tema, através de cinco categorias: Conceituação, Visão do

fenômeno no dia-a-dia de trabalho, Causalidade, Prevenção e Atuação do

Psicólogo. As categorias foram elaboradas de acordo com o roteiro de entrevistas

proposto por Flick (2005) e os principais temas de assédio moral abordados

através das perguntas realizadas.

A apresentação das verbalizações dos entrevistados sobre cada uma das

categorias teve por objetivo a formulação de hipóteses a respeito das questões

que envolvem o assédio moral, além do diálogo com as descrições apresentadas

pelos autores referenciados na introdução.

A primeira categoria analisada, a de conceituação, destaca verbalizações

acerca de elementos essenciais que circunscrevem o fenômeno do assédio moral

de tal forma que os indivíduos reconheçam na descrição do conjunto de

comportamentos, aquilo que é classificado como assédio moral.

C.P. introduziu a conceituação sobre o fenômeno do assédio moral

afirmando:

“O entendimento geral que as pessoas têm é qualquer tipo de abuso que não seja físico e que seja de ordem psicológica que uma pessoa possa sofrer nas situações de convívio dela. O nosso foco é na empresa, mas a pessoa pode ter um assédio moral em outras áreas da vida dela (...)”.

A definição de F.F. mencionou de certa forma a questão do abuso, como

colocado por C.P. e a situou no universo das relações de poder:

“Assédio moral no ambiente de trabalho é quando você (...) expõe uma pessoa a uma situação desconfortável. Você coloca ela mediante algum tipo de imposição. (...) você usa a hierarquia que você tem em uma empresa para colocar a pessoa em uma posição que ela tem que fazer algo que você queira, mesmo que seja contra a vontade dela (...) contra os valores

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dela. (...) A base para isso eu acredito que é uma espécie de chantagem, entre aspas, que se faz a partir de uma posição de poder”.

Assim como F.F., V.P. enfatizou que a questão do assédio moral implica em

abrir mão dos próprios valores e relatou que o fenômeno “(...) por analogia a

assédio sexual, seja uma tentativa da empresa em você deixar de lado os

princípios, os valores, a moral e a ética para agir de acordo com uma necessidade

da empresa (...)”.

Em outras palavras, S.G. seguiu na mesma direção dos demais quando

apontou que “assédio moral, não (...) de forma conceitual, (...) é você humilhar as

pessoas, é você falar com as pessoas de uma forma inadequada, (...) é você

constranger uma pessoa”. Na afirmação, a entrevistada apresentou a idéia de que

este fenômeno pode ser identificado na forma de comunicação interpessoal.

As verbalizações apresentadas parecem convergir e complementar-se de

forma a acompanhar as conceituações propostas pelos autores citados

anteriormente. De fato, fazendo do conjunto de verbalizações uma única definição,

podemos perceber que os aspectos relevantes apontados na introdução, como a

comunicação hostil, a falta de ética, a conduta abusiva, os danos psicológicos

provocados na vítima, sua desqualificação e submissão ao poder aparecem

fortemente nos relatos.

Um dos pontos considerados pelos autores como fundamental para a

identificação do fenômeno e distinção do mesmo em relação aos demais, a alta

freqüência das ações ou prática sistemática de agressão à vítima, como apontado

por Leymann (1996), quando afirma que o assédio moral envolve uma

comunicação hostil que deve ocorrer pelo menos uma vez por semana durante

seis meses, não foi mencionado por nenhum entrevistado nas definições.

A partir desta constatação, podemos concluir que a conceituação do

assédio moral ainda é um tema significativamente novo entre esses psicólogos,

com muitas lacunas acerca de sua descrição e características específicas que o

circunscrevem dentro de uma classe de comportamentos, com determinada

freqüência e intensidade, bem como, conseqüências prováveis.

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A segunda categoria de análise que discorre sobre a visão que cada

entrevistado apresenta em relação ao assédio moral no dia-a-dia de trabalho, leva

em consideração a história de vida individual com o fenômeno.

Quando F.F. disse ter pensado na palavra assédio moral relatou: “(...) vem

sempre assédio sexual, estão muito associados.” É interessante notar nesse

momento que a mesma descrição foi feita anteriormente por V.P. em sua

conceituação de assédio moral, quando partiu da idéia inicial de que a definição

do fenômeno foi feita por analogia ao assédio sexual.

F.F. ainda completou seu raciocínio fazendo uma separação entre o que

considerou assédio e o que considerou moral em sua concepção:

“O assédio em si eu diria, colocaria como algo que é imposto, que é um bom jeito de definir. E o moral é algo que é imposto em relação ao moral de uma pessoa, em relação ao juízo de valor, ao juízo de certo e errado, assim por diante, de um determinado sujeito”.

C.P. disse ter associado a palavra assédio moral

“Com pessoas que se sentem extremamente oprimidas na condição que elas estão. Pessoas que sofrem pressão de alguma forma ou por ter um cargo, ou por algum tipo de postura, que não é a postura dela, e sofrem pressão para que isso não aconteça.”

Da mesma forma S.G. trouxe uma palavra fortemente associada ao assédio

moral “(...) humilhação, essa é a palavra (...)”

Enquanto nos comentários acima observamos aspectos da condição de

sofrimento vivida pela vítima de assédio moral, V.P. propôs uma associação do

fenômeno com as características da empresa que assedia ou do assediador:

“Falta de caráter, falta de integridade, falta de princípios... Eu acredito que por ser assédio, o outro lado tem que ter uma condição de poder, ter algo que te convença, quase que te force a agir daquela maneira.”

Os entrevistados neste momento continuaram suas descrições a respeito

do entendimento pessoal acerca do fenômeno, complementando as definições

fornecidas anteriormente de forma que duas visões distintas foram identificadas

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nos relatos: uma delas com um foco maior no agressor como aquele que impõe

uma regra ou desempenho a ser seguido a partir de uma condição de poder,

gerando dessa forma uma pressão na vítima que é levada a agir mesmo que

contra seus valores. A outra leva em consideração os aspectos do assédio moral

relacionados à pessoa que sofre a agressão, como aquela que é humilhada e

oprimida.

Nos relatos, podemos perceber que alguns psicólogos abordaram a

agressão do ponto de vista daquele que detém o poder e, por isso, impõe sua

vontade a despeito do moral do indivíduo. Sidman (2003) provocou uma reflexão

acerca desta visão ao afirmar que o problema não é de ordem moral, mas

comportamental, ou seja, se antes de julgarmos as relações de poder entre os

indivíduos envolvidos na situação de assédio moral, percebermos o contexto

maior em que as relações de trabalho e poder estão inseridas, seremos capazes

de entender que as diversas situações de assédio moral fazem parte de uma

cultura competitiva, em que um indivíduo só alcança o sucesso profissional

enquanto outro o perde. De fato, neste tipo de cultura, a punição será inevitável e

a criação de mecanismos que a impeçam ou a adiem, serão continuamente

utilizados.

Alguns entrevistados identificam que no ambiente de trabalho existe a

imposição e a pressão de uma instância de poder na produção do assédio moral,

mas não mencionam quais as punições envolvidas caso a vítima não se comporte

da forma esperada. Torna-se fundamental afirmar nesta análise que a vítima se

comporta para atender à demanda da empresa, mas apenas para se esquivar de

uma situação aversiva, por exemplo, como as mencionadas por Hirigoyen (2002),

a perda do emprego ou a degradação do ambiente de trabalho.

Nota-se que as descrições a respeito da vítima foram apresentadas em

função de sentimentos, que de acordo com Hirigoyen (2002), nem sempre são

percebidos. O fato é que as punições sistemáticas podem se dar de uma forma

tão sutil (como através de comportamentos de suspiros e erguer de ombros) que a

vítima não é capaz de discriminar que estímulos estão presentes em seu ambiente

que acompanham as reações emocionais desconfortáveis, nomeadas de

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humilhação ou opressão, e que produzem tais conseqüências aversivas.

Diante disso, é provável que a vítima passe a se auto-observar na tentativa

de identificar em que situações as punições acontecem e que comportamentos

emitidos são punidos. Entretanto, as manobras de punição se encontram de tal

forma arraigadas em nossa cultura que a vítima se comporta de acordo com as

contingências, mesmo que não seja capaz de descrevê-las.

No decorrer da entrevista, informações como o momento em que o

entrevistado ouviu falar pela primeira vez sobre o tema de pesquisa, revelou

semelhanças e diferenças interessantes: “Fazem quatro anos quando surgiu um

grupo de trabalho”, comentou C.P.

S.G. relatou exatamente o mesmo ano dito por C.P. como aquele em que o

tema apareceu em seu cotidiano:

“(...) uns quatro anos (...) Nesses últimos, por exemplo, dois anos... eu sinto assim, que a mídia está dando muita força a essa palavra, aparece em várias revistas, nós temos cursos focados em assédio moral hoje... é uma palavra que eu diria que está em moda atualmente.”

F.F. disse ter ouvido falar pela primeira vez em assédio moral “(...) no curso

de mestrado... eu tive uma matéria que tratou um pouco do tema”. Enquanto isso,

V.P. admitiu não se lembrar ter ouvido falar sobre o tema até então.

Se levarmos em consideração o ano de formação em Psicologia de cada

um dos entrevistados, foi possível perceber que os psicólogos inseridos no meio

corporativo há mais tempo, como C.P. e S.G., identificaram o assédio moral

presente em suas relações desde 2003, seja através de situações próprias da

rotina de trabalho ou no convívio com as informações sobre os assuntos mais

atuais no meio empresarial.

Quanto àqueles psicólogos que descreveram o primeiro contato com o

assédio moral a partir do ano de 2006, notou-se que o meio acadêmico apareceu

com mais força, ou seja, demonstrando que estudiosos estão produzindo e

transmitindo mais conhecimentos a respeito desta questão com a finalidade de

formar profissionais mais preparados para atuar e propor soluções reais de

combate ao problema.

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De fato, pode-se concluir que a primeira publicação sobre o assunto ganhou

destaque mundial em 2000 com a psiquiatra francesa Hirigoyen, entretanto, o

fenômeno faz parte das relações humanas há séculos. É interessante notar que a

nomeação dos comportamentos configura o fenômeno, lhe confere um aspecto de

novidade e a partir deste momento as pessoas passam a conhecê-lo, formar

conceitos a respeito e interagir com os demais como se uma nova variável fizesse,

agora, parte do ambiente.

Entendendo o assédio moral do ponto de vista dos entrevistados,

partiremos agora para o relato de exemplos de situações para verificar os

comportamentos e relações de trabalho apresentadas como ilustrações do

fenômeno.

C.P. mencionou uma situação que classificaria como assédio moral vivida

por uma organização cliente de sua consultoria:

“As pessoas são chamadas dia 25 de dezembro. De onde estavam tiveram que pegar avião, carro e sair do convívio familiar para atender um capricho deste publicitário que estava solicitando a presença de todas as pessoas na agência (...). Depois disso, várias pessoas pediram demissão porque isso era uma prática mais ou menos constante, e na verdade, foi a gota d’água para que um bando de gente saísse. E o convite veio de forma não muito educada: Tem que estar aqui porque senão vocês vão ser demitidos.”

Explorando a situação acima, fica clara a presença de diversos aspectos

mencionados nas definições dos entrevistados. Trata-se de uma situação que

envolve uma relação de poder fortemente estabelecida, a de patrão-empregado,

com a imposição da vontade de um indivíduo sob os demais, de forma a ferir

valores pessoais, como convívio da familiar em comemorações como o Natal.

Além disso, um ponto que mereceu destaque foi a presença da palavra

“constante” no relato de C.P., que em sua definição não havia aparecido e agora

foi mencionada como característica fundamental da situação de assédio moral.

Outros aspectos desta situação também podem ser destacados, como o

assédio moral destinado a um grupo de pessoas e não apenas a um único

indivíduo e a ameaça de punição como o fator determinante para diversas ações,

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entre elas, a de saída do convívio familiar.

De acordo com Sidman (2003):

Nem sempre administramos conseqüências desfavoráveis ou dolorosas quando queremos colocar fim às ações de alguém. Freqüentemente tentamos atingir este objetivo impedindo as pessoas de obter ou manter algo que queiram (pág. 100)

O autor quer dizer com esta afirmação que nem sempre é preciso aplicar

uma punição para que os efeitos esperados aconteçam, ou seja, basta retirar do

ambiente do indivíduo algo que lhe seja reforçador. Na situação relatada por C.P.

algum tipo de punição se tornou inevitável, pois o funcionário poderia abandonar a

família para se esquivar da possibilidade de perder o emprego ou abandonar o

emprego pelo choque entre os valores pessoais e a demanda da empresa,

fugindo, assim, da situação aversiva de ficar longe da família.

Assim como C.P., F.F. descreveu um exemplo de uma experiência de

trabalho como consultor a uma empresa cliente:

“Uma vez, por exemplo, eu fiz uma assessoria de cliente e

os funcionários relatavam que quando o diretor chegava na fábrica ele era tão grosso, estúpido, usava de pouca educação e assim por diante, que as máquinas começavam a quebrar de tanto que as pessoas ficavam nervosas. Então, é uma situação que realmente acontece no dia-a-dia dos profissionais. Eu lembro que em relação a isso eles contaram que tiveram que chamar a polícia um dia”.

A situação relatada por F.F. remete claramente a um dos efeitos colaterais

da punição abordado por Sidman (2003): a punição condicionada.

Nas palavras do autor:

Eventos que são usualmente neutros podem tornar-se punidores (...) porque sua habilidade para nos fazer parar de fazer algo é condicional a outras circunstâncias (p.95).

Quando quer que sejamos punidos, mais e mais

elementos de nosso ambiente tornam-se (...) punidores. Ficamos cada vez mais sob controle coercitivo e dependemos cada vez mais de contracoerção para nos mantermos à tona (p102).

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A presença do diretor na fábrica, como de uma pessoa qualquer passou de

um estímulo neutro para adquirir propriedades de estímulo aversivo, ou seja, a

história de vida destes funcionários em relação ao diretor passou por diversas

situações de punição que a própria presença dele no local de trabalho tornou-se

suficiente para provocar reações de nervosismo e comportamentos agressivos

como o de quebrar instrumentos de trabalho. Mais uma vez a situação de assédio

moral aparece na relação de poder patrão-empregado e direcionada a um grupo

de pessoas de forma sistemática.

S.G. apresentou um exemplo de trabalho realizado como consultora de uma

vítima de assédio moral:

“Uma vez uma moça em que eu estava também fazendo o trabalho de redirecionamento de carreira... ela me contou que ela saiu do seu emprego (...) ela fez um relatório no computador, digitou e ele estava, assim, com alguns erros... e quando o gerente viu o trabalho, ele ficou irritado, pegou a folha, amassou e jogou na cara dela. Ela pediu demissão”.

Neste caso, é possível perceber características do assédio moral, como a

desqualificação e o abuso de poder, mas de forma declarada. A agressão além de

manifestada através da irritação, poderia ser considerada como agressão física e

não propriamente moral, apesar de ferir questões éticas e de valores.

Na verdade, poderíamos discutir se esta situação se encaixa propriamente

no que os autores citados consideram assédio moral. Para tanto, precisaríamos de

mais informações a respeito da freqüência com que essas desqualificações

ocorriam e em que ambiente este patrão estava inserido para chegar a ponto de

tomar uma atitude tão descontrolada e explosiva.

Por fim, V.P. supôs uma situação, por não ter vivenciado na prática de

trabalho algo que pudesse classificar como assédio moral:

“Num caso de, por exemplo, uma consultoria que é contratada por uma empresa para prestar um serviço e o contratante tem interesses em que haja manipulação do resultado, chegando até a pagar um pouco mais para que a consultoria apresente as coisas do jeito que ele quer”.

É possível discutir da mesma forma que anteriormente, se esta situação

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configuraria assédio moral. Fica evidente a presença de elementos que ferem a

ética empresarial, mas se formos analisar mais a fundo, o que acontece é um tipo

de chantagem da qual é possível escapar fazendo uma escolha entre atingir os

objetivos de negócio, a conquista do cliente ou o abandono da relação de trabalho.

É importante ressaltar que Leymann (1996) além de apontar o fato de que o

assédio moral não acontece numa situação de trabalho pontual, como a relatada

por V.P., descreve aspectos fundamentais dos comportamentos de comunicação,

com padrões de inadequação, de afastamento do contato social, de desrespeito à

imagem pessoal e perda de reconhecimento profissional.

É possível concluir até o momento que as situações relatadas pelos

entrevistados envolvem características evidentes do fenômeno, como o abuso de

poder, mas é preciso ressaltar que o assédio moral também acontece em

situações mais sutis em que o assediador procura confundir a pessoa, a ponto de

que ela não perceba quais os elementos que controlam as punições que recebe.

A investigação do tema prossegue com a discussão dos entrevistados a

respeito da disseminação do assédio moral em pautas de reuniões de trabalho, ou

seja, a presença do assunto no meio empresarial como tema relevante.

V.P. afirmou que o assédio moral é um tema freqüente em suas relações de

trabalho: “É, mas não com este termo”. E C.P. acrescentou:

“É um assunto freqüente, embora as pessoas ainda não caracterizem isso como assédio moral (...). A gente tem pouquíssimos casos de assédio que efetivamente entram na justiça, ou que acionam de alguma forma a empresa ou a pessoa juridicamente, mas os relatos indicam que a pessoa sofreu, efetivamente, um assédio moral. Muitas vezes a pessoa tem medo, acaba não falando, atribuindo a uma situação externa. A gente percebe que algumas pessoas da área de Recursos Humanos começam a se preocupar mais com isso, (...) a tocar nesse assunto, mas muito pouco. Esse assunto ainda é muito pouco discutido dentro da empresa.”

É possível supor pela verbalização de C.P. que o assédio moral é um

assunto freqüente nas relações de trabalho entre as pessoas que a entrevistada

percebe como interessadas na questão, ou seja, os profissionais com os quais

trabalha e as pessoas que sofrem assédio moral, apesar de nem sempre

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nomearem o fenômeno dessa forma e exigirem seus direitos frente à situação.

Entretanto, do ponto de vista da empresa e da área de Recursos Humanos, esse

assunto ainda é pouco aberto para conversas.

F.F. fez uma comparação entre a freqüência com que o tema aparece no

meio acadêmico e no empresarial:

“Aqui no mestrado é muito discutido. (...) Agora, no meio empresarial, tanto nas consultorias onde eu já trabalhei quanto para as empresas ele é tratado como política ou como uma diretriz. Às vezes algumas empresas têm manuais para tratar do assunto, mas não é uma conversa de dia-a-dia. (...) A gente pode perceber que assédio moral é constante nas relações de trabalho, mas só quando se passa de um certo limite é que ele vira caso de polícia ou coisa do tipo, mas é uma coisa relativamente comum, até pelo fato de serem seres humanos interagindo em um ambiente com pressão (...)”

Tratar do fenômeno como política, diretriz ou manual é um ponto

fundamental levantado por F.F. em seu relato, pois indica que a preocupação com

as formas de desrespeito nas relações de trabalho existe, mas o que precisa ser

analisado é se este tipo de ação permanece no papel, no plano ideal ou se

realmente a empresa propõe mudanças concretas que impactem diretamente as

relações entre os funcionários.

Políticas ou manuais são comportamentos verbais formados por um

conjunto de regras elaboradas pelos indivíduos para que os outros não tenham

que testar uma série de comportamentos no ambiente para aprender padrões

necessários ao convívio na sociedade. Isso torna o aprendizado mais rápido,

entretanto, nem sempre as descrições das regras são claras, bem como não dão

conta de gerenciar imprevistos que acontecem nas situações do indivíduo com o

ambiente.

O relato de S.G. abordou uma preocupação das empresas com o

desenvolvimento de líderes, entretanto, sem o uso da palavra assédio moral:

(...) nas empresas onde eu faço visitas, onde eu vou buscar quais são as necessidades, (...) gerentes e diretores não falam nessa palavra, quem fala é a pessoa que é assediada. Existe uma preocupação, mas que é velada... ninguém fala em assédio moral. Quando nós ministramos cursos de liderança (...)

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o nosso foco é sempre abordar como as pessoas devem ser tratadas, então, muitas vezes a empresa solicita quando você for dar esse treinamento: Por favor, faça uma observação com lideres que xingam, que falam palavrões, que não sabem falar com as pessoas”.

A questão diagnóstica levantada pela entrevistada é de extrema relevância

para abordar o assédio moral ou qualquer outra necessidade que a empresa

tenha. Quando na verbalização de S.G. aparece o comentário de que gerentes e

diretores preocupam-se com líderes que xingam e não são capazes de falar com

as pessoas, cabe ao profissional que recebe esta demanda questioná-la antes de

seguir com a intervenção planejada ou sugerida pela empresa, pois fazer um

treinamento, por exemplo, em cima da topografia de respostas não alteraria a

classe de comportamentos ou contingências envolvidas; para isso, seria

necessário uma análise funcional no sentido de entender o que mantém o

comportamento de xingar nas relações dos indivíduos com o meio.

Se os líderes xingam os funcionários, o psicólogo deveria se perguntar: Por

que isso está acontecendo? Em que contexto isso se dá? Quais as condições de

trabalho presentes na organização? Como a estrutura está organizada? Sob que

missão e valores se apóia? Como esses valores e missão são vividos no dia-a-dia

de trabalho? Dessa forma, garantimos que a intervenção proposta será eficaz e

adequada para atender aos problemas reais apresentados pela organização.

Os diversos relatos parecem apontar para uma preocupação das empresas

com o fenômeno, mas ainda de maneira incipiente e discreta, com foco no

desenvolvimento de lideranças ou de manual de normas de conduta empresarial,

sem uma abordagem de comunicação mais direta e aberta nas relações de

trabalho, bem como as ações solicitadas à área de RH são para soluções prontas,

o que deve ser investigado pelo psicólogo, a fim de se atingir as causas do

problema e propor intervenções efetivas.

Como abordado acima, a causalidade do fenômeno é uma questão

importante e por isso está presente no terceiro foco de análise, que tem por

objetivo investigar e discutir a que ou quem os quatro psicólogos atribuem o

acontecimento do assédio moral no trabalho e quais as relações que estabelecem

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entre o indivíduo e o ambiente em que está inserido.

V.P. iniciou o ciclo das possibilidades de determinação do assédio moral

apresentadas pelos psicólogos da pesquisa afirmando que seria possível atribuí-lo

“A quem tem o poder de decisão, a quem tem o poder da relação, quem é o articulador da história. Se for pensar em empresa, a empresa contratante da consultoria ou uma empresa que está querendo atuar de alguma forma no mercado, só que dentro da legalidade ela não consegue, então ela tem que fazer todo o quadro corporativo dela se desviar dos princípios para que ela atinja os resultados, não importando os meios para conseguir atingir.”

A hipótese formulada por V.P. ressalta a posição de poder e atribui a causa

do fenômeno à pessoa do assediador, ou seja, aquela que detém o maior cargo, e

que é a voz da relação.

No relato de S.G. uma dúvida se instalou:

“A quem eu não saberia dizer (...) A que, à falta de inteligência. Quando uma pessoa, a meu ver, trata o outro de uma forma inadequada, ela não está sendo inteligente. Segundo, uma questão assim, de algumas características de personalidade, uma pessoa que não tem autocontrole, que não consegue se posicionar de uma forma adequada... então, às vezes por próprias falhas, por falta de competência da pessoa (...) Quando uma pessoa assedia a outra moralmente, isso significa que não está tendo competência para falar de uma forma assertiva com o outro, então ela usa isso.”

Podemos supor que tanto na verbalização de S.G. quanto na de V.P.

colocou-se em evidência os aspectos individuais na determinação do fenômeno.

No caso de S.G. quando afirmou não saber a quem atribuir o assédio moral, na

verdade o identificou, pois apontou características que considerava particulares de

um assediador. O que ela destacou como causas do assédio moral foram

comportamentos inadequados e características internas que fazem a pessoa agir

de forma que produza o assédio moral.

Nessa visão o indivíduo independe do ambiente; ele irá agir de acordo suas

características nas diversas situações que se apresentem e, dessa forma, para

atingir as causas do problema, o tratamento individual do assediador no sentido de

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adequar a conduta aos padrões exigidos socialmente seria uma forma de

intervenção.

De acordo com a análise que esta pesquisa se propõe, poderíamos

questionar: Os padrões exigidos atualmente nas relações de trabalho vem

produzindo saúde, de forma que tenhamos que modificar apenas alguns

indivíduos? Quais são os produtos que a forma de organização atual do trabalho

geraram?

C.P. disse atribuir o assédio moral:

“À pressão, uma pressão muito grande por parte das pessoas e dos chefes por ter um cargo, e isso de uma maneira sobre-humana. Além disso, à falta de habilidade na condução dessa pressão. O diretor sofre uma pressão sobre o seu cargo, passa isso para o gerente, o gerente passa para o supervisor e o supervisor passa para o vendedor, mas muitas vezes quem está no nível de comando não tem preparo para isso, então, isso vem quadrado. As pessoas tratam essa informação de maneira quadrada e não fazem um trabalho de lapidar essa informação para que isso não se torne um problema (...). Porque o desafio por si ele pode ser caracterizado de duas formas, dependendo de como você vai receber. Então muitas vezes é uma pressão excessiva junto com inabilidade das pessoas é que aciona essa bomba que é o assédio moral.”

No relato de C.P., supõe-se uma distinção entre aspectos ambientais e do

indivíduo na determinação do assédio moral. Quando a entrevistada afirmou ser a

pressão um dos aspectos envolvidos na causalidade do assédio moral no

trabalho, descreveu um ambiente em que as pessoas trabalham para permanecer

ou crescer em função dos cargos independente do nível hierárquico que ocupam.

Se formos mais além à determinação do fenômeno do assédio moral nas

relações de trabalho, podemos analisar à luz de Dejours (1986): de que forma o

ambiente de trabalho está organizado em termos materiais (local de trabalho e

instrumentos), em termos relacionais (cooperação e reconhecimento), em termos

sociais (divisão de atividades) e sob quais objetivos focados de forma a produzir a

pressão?

A pressão, assim como o assédio moral envolvem aspectos ambientais de

diversas ordens, formando um conjunto de determinações. Isto para afirmar que

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as causas do assédio moral bem como da pressão, estão relacionadas com a

organização das contingências no ambiente de trabalho e, principalmente quando

refletirem a máxima cultural da competitividade construída ao longo da história,

com relações em condições materiais, relacionais e/ou sociais coercitivas, maior

será a probabilidade de ocorrência desses fenômenos.

De acordo com Skinner (2000), o primeiro efeito dos estímulos aversivos

usados na punição se confinam à situação imediata e à redução de uma tendência

a se comportar bastante evidente, o que significa dizer que, no caso do assédio

moral, o assediador é reforçado por neutralizar o comportamento do outro, mesmo

que momentaneamente.

No relato de C.P. a pressão pode ser entendida como um fator ambiental

que provoca assédio moral, mas a entrevistada complementa essa visão

apontando que a inabilidade e o despreparo dos indivíduos em lidar com ela,

também podem produzir o fenômeno. Sob a ótica da Análise do Comportamento,

a habilidade em lidar com a pressão não é inata no ser humano e só poderemos

dizer que uma pessoa é hábil socialmente em lidar com a pressão quando obtiver

sucesso em situações de trabalho que a envolvam. Portanto, trata-se de uma

habilidade que pode ser aprendida pelo indivíduo em suas relações com o

ambiente. Da mesma forma, o preparo para atuar em situações de pressão pode

ser aprendido para facilitar o desempenho dos indivíduos em situações que a

envolvam, sem que necessariamente tenham que passar por ela de forma

inadequada.

A questão é: quando propomos que a intervenção seja feita apenas no nível

individual, isto é, treinando as pessoas para lidar com a pressão, estamos dizendo

que ela é algo com o qual precisamos nos adaptar. Entretanto, quando a

intervenção se dá na modificação da relação do indivíduo com o ambiente (físico,

social e relacional), a perspectiva em longo prazo é de que a pressão faça parte

apenas de situações pontuais de trabalho, substituindo um ambiente propício ao

assédio moral por outro mais saudável.

Num segundo momento, F.F. relatou que o assédio

“(...) é muito vinculado à falta de maturidade das pessoas que estão em determinadas posições. Eu acho que não dá para

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dizer em relação a juízo de valor, não dá para dizer que é uma coisa que as pessoas sabem o que estão fazendo de errado o tempo todo. (...) E tem chefes que realmente não sabem de pedir por favor e falar obrigado, e são coisas importantes no dia-a-dia. Não sei se isso é uma questão de berço, de família e etc. (...) Existem outras, que são relações de poder mal definidas, que é a competitividade no ambiente de trabalho que muitas vezes é muito grande, mas se você está envolvendo sujeitos mais maduros, mesmo que exista a competitividade isso não se transforma em assédio”.

Assim como na verbalização anterior, F.F. apontou determinantes

ambientais e individuais na produção do assédio moral, entretanto, a hipótese é de

que ele atribuiu um peso considerável à questão do indivíduo, pois de um lado

temos relações de poder mal definidas e competitividade e de outro temos

indivíduos com ou sem maturidade suficiente para lidar com esse ambiente e as

situações de trabalho que se apresentam.

De acordo com as proposições defendidas por Sidman (2003), o ambiente

da competitividade e a configuração rígida das relações de poder, assim como o

de pressão anteriormente discutido, podem ser encarados como subprodutos e

não causas do fenômeno em questão.

Pode-se concluir através dos relatos que o assédio moral, assim como os

demais aspectos são produtos das mudanças ocorridas nas relações dos

indivíduos com o trabalho ao longo da história, guiadas pelos avanços da ciência,

da tecnologia, do comportamento de consumo, do avanço nos meios de produção,

da globalização, entre outros.

Já o aspecto individual de maturidade, assim como o de falta de preparo,

apontado por C.P. anteriormente, para lidar com as situações diárias de trabalho

pressionado e outras com que o individuo irá se deparar, não cabem como

explicações para a causa do fenômeno do ponto de vista da Análise de

Comportamento, uma vez que estão desconectadas da relação com o ambiente. É

como se o indivíduo tivesse determinada característica que o faz agir de forma a

produzir o assédio moral, independente da configuração do ambiente, seja ele de

pressão ou competitividade.

Tanto a maturidade como o preparo para lidar com a pressão são

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aprendidos através das relações entre indivíduo e ambiente e, portanto, são fruto

da história de vida de cada um, não só no âmbito familiar, como destacado por

F.F., mas nas demais estabelecidas ao longo do tempo. De fato, pessoas que

adquiriram maturidade em suas relações - entendendo maturidade como classes

de respostas emitidas de forma coerente às situações apresentadas, que

produzem conseqüências positivas – conseguirão um manejo mais eficaz em

ocasiões que sinalizem conduta abusiva, como no caso do assédio moral, mas

não poderiam ser entendidas, sob a abordagem desta pesquisa, como causa do

fenômeno.

Para discutirmos acerca destas e outras questões envolvidas com o

universo do assédio moral, será apresentada a categoria de prevenção, em que se

pretende verificar quais as soluções que os entrevistados propuseram para o

assédio moral, ou seja, quais medidas deveriam ser tomadas para diminuir a

freqüência de seu aparecimento nas relações de trabalho. Além disso, quais

procedimentos e pessoas poderiam ser envolvidos nesse processo.

Para F.F. a prevenção envolveu o conhecimento e a consciência sobre o

tema, além de ações focadas no ambiente organizacional:

“Olha, o maior passo a ser dado é a gente tomar consciência desse tema. Eu acho que ele ter sido nomeado de alguma forma na literatura e na academia, ele está sendo estudado. Ele chega, mesmo que demore, até o universo empresarial. Tomando-se consciência que, olha, mesmo nas relações de trabalho tem certos limites, eu acho que é o grande passo em relação a isso. É óbvio que quanto mais as empresas se empenham em passar a coisa de forma madura também, quer dizer, ter canais abertos, trazer isso para o dia-a-dia sem medo, isso tende a ser uma das formas de prevenção. Eu acho que não tem como impor regras ou outras coisas, a não ser conscientização. Eu tenho a impressão de que o número de casos de assédio moral tende a diminuir muito, principalmente se os atuais assediadores tiverem consciência do que estão fazendo”.

Na verbalização de F.F. temos comentários que traduzem algumas das

propostas de prevenção abordadas pelos autores mencionados na introdução.

Entre elas, a de Hirigoyen (2001), que incluiu como medidas a serem adotadas

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pelas empresas, a disseminação de informações a respeito do assédio moral e a

de Dejours (1996), que propôs a recuperação do espaço público de circulação da

palavra como medida de promoção de saúde nas relações de trabalho.

Ambos os autores foram mais além com suas propostas. Hirigoyen (2001),

por exemplo, mencionou que a educação e a tomada de consciência a respeito do

assédio moral passam pela valorização do ser humano enquanto pessoa e não

apenas trabalhador e Dejours (1996) acrescentou que a abertura de canais de

conversa e informação, além de possibilitarem a tomada de consciência, facilitam

organização do trabalho e a solidariedade entre as pessoas, provendo um

ambiente saudável.

C.P. fez sua proposta envolvendo gestores e empresa como um todo na

prevenção do assédio moral:

“Primeiro uma preparação dos líderes para ocuparem os cargos que eles estão. A gente percebe que muitas vezes tem um excelente técnico, um excelente vendedor, uma pessoa que domina muito bem a sua área de atuação na parte técnica, e que é promovida, mas não tem nenhuma habilidade na gestão de pessoas. E se é uma pessoa que tem um conhecimento técnico muito forte sem nenhum tipo de preparo a pessoa, a primeira resposta que a pessoa pode dar é uma resposta agressiva, e isso não cai bem. Outra coisa é definir muito bem a missão, visão, princípios, valores da empresa, porque isso que vai determinar para as pessoas qual que é o limite delas em relação ao posicionamento, em relação à cobrança, em relação ao limite e metas impostas para a equipe. Se uma empresa é totalmente desfavorável a qualquer tipo de postura agressiva que essa pessoa queira impor à equipe, é seleção natural, essa pessoa está fora. Se a postura da empresa favorece esse tipo de postura, a pessoa vai dar um jeito, vai ter esse tipo de postura”.

S.G. seguiu na mesma direção de C.P. e F.F. quando colocou a

importância do desenvolvimento das lideranças e da conscientização:

“Desenvolvimento... Eu estou colocando muito a questão, que assédio moral aparece somente assim, com líderes, com as pessoas que estão acima... eu diria que é um foco muito grande, mas é claro que nós podemos observar o assédio moral em outros departamentos, entre colegas de trabalho também. O que precisaria... de conscientização, de treinamento, de um trabalho em que as pessoas fossem desenvolvidas para aprender a se comunicar de uma forma diferente”.

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A preparação de líderes em gestão de pessoas e comunicação podem ser

entendidas como medidas preventivas que poderiam auxiliar na construção de

equipes de trabalho mais cooperativas. Quando um líder aprende que estratégias

usar para diagnosticar situações de conflito interpessoal, se coloca à disposição

para dar coaching de carreira e de atividades de trabalho para seus funcionários,

identifica pontos fortes e a melhorar em cada indivíduo ou grupo, além das

pessoas se sentirem valorizadas, o compromisso com o time tende a aumentar.

Dessa forma, o assédio moral poderia ter sua probabilidade de ocorrência

diminuída, mas ainda é possível não ter atingido o controle fundamental da

ocorrência do fenômeno, pois se uma empresa abre espaço para treinar

lideranças, manifesta sua preocupação com a estrutura das equipes de trabalho,

entretanto, é preciso entender a serviço do que propõe este tipo de intervenção:

aumento da produtividade? Efetividade organizacional? Promoção de saúde?

Por este motivo, um bom diagnóstico organizacional deve dar conta de

verificar os objetivos da proposta de intervenção, a fim de que ela seja efetiva no

que se propõe. Se uma organização quer preparar seus líderes para a gestão de

pessoas, mas sua missão, visão e valores estão voltados ao aumento da

produtividade e resultados agressivos no mercado, as relações de trabalho podem

ser desgastadas, e a pressão, bem como o assédio moral podem se manifestar.

Talvez neste caso, como apontado por C.P., seja necessário além de preparar

líderes, rever a cultura organizacional, ou seja, o movimento de mudança nas

relações de trabalho deve atingir a organização como um todo e não apenas uma

parte dela.

V.P. encerrou os comentários sobre prevenção afirmando a importância de

um canal de denúncia na organização para questões com a do assédio moral. Na

verdade, esta medida relaciona-se mais com o cuidado que as empresas devem

ter com o fenômeno do que propriamente uma ação que elimine significativamente

o seu aparecimento.

“Bom, quando se trata de organizações, as pessoas não aceitarem esse tipo de imposição. Por exemplo, uma consultoria que está sendo contratada para isso ela pode perder a credibilidade no mercado ou até (...) ter mais um tipo de

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fiscalização sobre os contratos que são prestados e mais no nível pessoal, que as pessoas tenham algum tipo de canal para identificar que isso está acontecendo, sem serem identificadas, até mesmo que se for relação de poder, o chefe pode prejudicar ela depois.”

A visão de V.P. vai ao encontro da proposta de Heloani (2004), que ressalta

como práticas de cuidado, a denúncia escrita e anônima do assédio moral e afirma

que o canal mais adequado para a ação seja a área de Recursos Humanos.

A denúncia anônima ou ao RH como forma de cuidado pode ser

questionada, de acordo com Sidman (2003), por se tratar apenas de uma ação de

contracontrole, como a fuga de uma situação aversiva presente ou a esquiva de

uma situação de punição sinalizada. A denúncia, por exemplo, elimina a presença

do aversivo no ambiente momentaneamente e apenas para aquele indivíduo em

especial que a realizou.

Para o autor, quando uma pessoa apenas desenvolve mecanismos de

contracontrole, ela pode:

Restringir estreitamente interesses, até mesmo causando uma espécie de “visão de túnel” que impede de atentar para qualquer coisa, exceto o estresse, no momento, a que é submetida (...) em casos extremos, estaremos sempre olhando por sobre os ombros para ver que novo desastre está a ponto de desabar sobre nossas cabeças (pág.109).

Quando o entrevistado menciona que uma forma de prevenção seja a não

aceitação de imposições, podemos discutir com base nas idéias apresentadas até

aqui, que em muitos casos o assédio moral se dá de forma tão sutil que a pessoa

não percebe a gravidade da situação em que se encontra. A vítima pode

relacionar o que V.P. chama de imposição, com o ritmo de trabalho empresarial,

foco na obtenção dos resultados do negócio, mas em momento algum reconhecer

neste dia-dia de trabalho o assédio moral. Identificar uma situação como assédio

moral envolve a capacidade de descrever as contingências, ou seja, as situações

antecedentes às respostas de assédio, as respostas de assédio propriamente

ditas e as conseqüências imediatas e atrasadas produzidas no ambiente.

Outras formas de prevenção apresentadas pelos autores Heloani (2004) e

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Abe (2006) envolvem a criação de códigos de ética empresarial que mencionem

cláusulas referentes às relações entre as pessoas no ambiente de trabalho, além

de medidas de cuidado como a busca da Justiça do Trabalho e a Comissão de

Direitos Humanos.

No Brasil, diversos projetos de lei em âmbito municipal, estadual e federal

têm sido apresentados sobre a questão do assédio moral. O deputado federal do

PL, Marcos de Jesus, apresentou em 2001 à Câmara dos Deputados um projeto

de lei penal ao assédio moral. Este foi analisado pela Comissão de Constituição e

Justiça e de Redação que o refez para ser novamente encaminhado para votação

na Câmara. A versão final prevê pena de detenção de um a dois anos para o

cidadão que:

Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica (pág.7).

De qualquer forma, novamente percebemos medidas de cuidado com o

assédio moral e, quanto à detenção como forma de punição àquele que o

cometeu, mais uma vez Sidman (2003) aponta que trata-se apenas de uma

forma de contracontrole exercida pela sociedade para afastar do convívio social

aqueles que agem fora do padrão estabelecido pela cultura.

Realmente se a cultura humana e, neste caso das empresas, forem

organizadas de tal forma que promova a competição entre os funcionários ou a

busca pelo atingimento dos resultados a qualquer preço, continuaremos a

cuidar de casos individuais de assédio moral, quando na verdade a origem está

nas relações das pessoas com o ambiente configurado desta forma.

Pode-se concluir através dos estudos apresentados nesta pesquisa que

vários efeitos nocivos produzidos nas relações humanas e nos indíviduos são

provenientes da forma como o trabalho é organizado. Neste sentido, mudanças

nas organizações como um todo, na direção de construir uma gestão

participativa podem fazer diferença na prevenção do assédio moral.

Dentre os aspectos mencionados nos relatos dos entrevistados, ações

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informativas podem ser interessantes para a identificação e descrição de

situações de assédio moral e as demais intervenções pontuais, como o

contracontrole e outras, principalmente em nível individual, podem ser

repensadas de acordo com uma análise de contingências que leve em conta a

relação do indivíduo com o meio. Cabe aos funcionários e gestores de alto nível

hierárquico, negociarem de forma transparente as necessidades do negócio e

dos indíviduos que o conduzem, de forma a promover saúde.

Para discutirmos a promoção de saúde enquanto intervenção

organizacional, o papel da área de RH e do psicólogo são fundamentais. Por isso,

a atuação do psicólogo como categoria de análise pretende apresentar o que os

entrevistados relataram a respeito do papel do profissional da área no atendimento

das demandas relacionadas ao assédio moral, os desafios, os limites e foco de

ação, preventivo ou de tratamento.

C.P. relacionou o papel do psicólogo com a identificação e propagação dos

valores organizacionais e ressaltou a importância de seu papel de formação e

orientação de pessoas, bem como a ação preventiva e alinhada aos interesses da

organização e dos indivíduos:

"Primeiro trabalhar no reconhecimento de valores [da organização]. Segundo, trabalhar muito forte na propagação desses valores. O psicólogo na empresa hoje, ele tem tido cada vez mais espaço para atuar junto com a gestão e hoje acho que tem preferido profissionais de gestão dentro das áreas de Recursos Humanos, ou então dentro das áreas de atendimento ao cliente. Se você está alinhado com essa série do negócio consegue transmitir isso para os principais gestores, para as pessoas que são formadoras de opinião e no seu papel de formador de pessoas, e de orientador de pessoas, o psicólogo tem um papel importante em alertar situações que possam acontecer de assédio moral e trabalhar de uma maneira preventiva e se houver algum indício de que isso está acontecendo, eliminar essa situação. E não só pelo papel oficial que o psicólogo tem, mas pelo papel financeiro, porque isso gera desgaste, as pessoas vão embora, isso tem um custo, jurídico de tudo isso, fora o custo social e o custo psicológico”.

Os valores organizacionais são o coração da organização e identificá-los é

de extrema relevância para toda empresa. De acordo com Vasconceles e

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Vasconcelos (2002), quando os funcionários sabem claramente sob que valores o

negócio está apoiado, conseguem negociar com seus próprios princípios para

tomar decisões a favor do negócio, mas sem ferir aquilo que acreditam.

O psicólogo, neste contexto, pode trabalhar na propagação dos valores

empresarias, como aponta C.P., mas desde que estes estejam de acordo com

práticas éticas e saudáveis, ou seja, que promovam, de acordo com Dejours

(1996), a liberdade de adaptação, de organização de vida e de trabalho. Cabe ao

profissional da área de Recursos Humanos implementar situações no dia-a-dia da

organização que que possibilitem aos funcionários vivenciar e colocar em prática

estes valores.

Os próximos relatos, de F.F. e S.G., respectivamente, apresentam a visão

de que a prevenção do assédio moral nas organizações passa pela

conscientização a respeito do tema, que além de papel da empresa também é

fundamentalmente o do psicólogo, principalmente junto aos líderes.

Nas palavras de F.F.:

“Olha, o papel do psicólogo organizacional, ele é multifacetado (...) mas em relação a esse caso específico, é o tipo de conhecimento que ele pode trazer para dentro da empresa (...) E também, muitas vezes o psicólogo atua como consultor interno, ou com funções semelhantes, ele também pode ajudar a desenvolver essas lideranças e trazer esses conceitos para essas lideranças. Como eu falei, eu tenho a impressão que quanto mais as pessoas no geral se conscientizarem sobre isso, tanto quem é vítima quanto quem é atualmente o assediador, eu tenho a impressão que isso tende a diminuir muito”.

Assim como F.F., S.G. reafirma o papel central do psicólogo na propagação

de informações sobre o assédio moral, fortemente associado ao trabalho com os

gestores.

[O psicólogo exerce] "(...)papel de desenvolvimento das pessoas... de tentar de alguma forma preparar essas pessoas para lidar com as outras, de conscientização. O psicólogo ele poderia estar atuando no sentido de tomar ações preventivas, a questão de conscientização, a questão do próprio desenvolvimento das pessoas, até de coaching das pessoas que não sabem lidar com o outro”.

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V.P. deixou mais claro nesta verbalização que a prevenção do assédio

moral deve passar pela abertura de canais de denúncia, como havia apontado

antes, e que estas devem ser recebidas pelo psicólogo.

“Seria prezar pelo bem estar das pessoas e também não deixar elas expostas a este tipo de assédio. Então, além de manipular algumas variáveis do ambiente para que isso não aconteça, ele teria o papel de acolhimento para que as pessoas pudessem reclamar deste tipo de situação, e ele daí conseguiria resolver alguma coisa... Existindo um canal de denúncias na empresa o funcionário que está trabalhado nesse projeto, ele reclamaria com o psicólogo - com o RH e o RH seria responsável por manter o contrato, manter a empresa seguindo a metodologia que ela tem. O RH seria responsável para que as ações fossem entregues no mesmo molde em que foram contratadas e isso justificaria uma intervenção através de uma denúncia. Acho que você considera ela trabalhando num projeto e ela denuncia, o RH consegue fazer com que as normas e políticas da empresa sejam seguidas, atendendo ao cliente sem que seja necessário este tipo de alteração.”

Hirigoyen (2001) acredita, assim como V.P., que uma pessoa de RH

deveria ser responsável por receber este tipo de denúncia, entretanto, antenta

para o fato de que este profissional pode não estar preparado para atender a esta

demanda, principalmente se a organização do trabalho for do tipo tecnoburocrática

ou baseada na excelência de desempenho, como definidas por Chanlat (1996),

em que o foco de atuação é na administração de processos e verificação da

produtividade, respectivamente. Em ambos os RHs, o psicólogo pode receber a

denúncia de assédio moral e interpretá-la como fraqueza ou dificuldade de

adaptação do indivíduo.

É interessante notar que os entrevistados apontaram como papel do

psicólogo alguns aspectos anteriormente levantados como fundamentais que a

organização realize para prevenir o assédio moral. Se considerarmos a empresa

como sendo os líderes e funcionários clientes de Recursos Humanos e os

psicólogos como aqueles que atuam a serviço das demandas dos demais

trabalhadores, podemos dizer que o papel fundamental do psicólogo é mediar de

forma equilibrada os interesses do negócio e das pessoas, sempre com o objetivo

máximo, como apontado por França (2006), de promover e garantir um ambiente

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de trabalho saudável, produtivo e responsável, em que os funcionários sejam

vistos como pessoas e não cargos dentro da companhia.

Neste sentido, é possível concluir que disponibilizar informações sobre

assédio moral é relevante, pois o psicólogo forneceria estímulos discriminativos

para que os funcionários identificassem o assédio moral e conseqüências

provávies em suas próprias relações ou nas de outras pessoas, entretanto, isso

não seria suficiente para garantir a mudança nas contingências. Para tanto, seria

preciso de análises funcionais, identificação e implementação de formas

alternativas de relações de trabalho, que favorecessem a aprendizagem e

emissão de novos comportamentos o que, em geral, poderia levar a uma

reestruturação organizacional. Neste cenário, o psicólogo tende a adquirir uma

função central de diagnosticar a instituição para propor intervenções em políticas e

procedimentos, clima organizacional, entre outros, envolvendo níveis hierárquicos

diversos.

É possível afirmar, ainda, que a apresentação dos resultados e discussão

através das categorias de análise permitiu relacionar de forma consistente os

apontamentos feitos pelos entrevistados com os dados veiculados pelos autores,

de modo que muitos pontos em comum foram encontrados nos vários âmbitos:

conceituação, causalidade, prevenção e etc.

Além disso, é notável que algumas explicações ou considerações puderam

ser questionadas de acordo com a abordagem proposta pela análise desta

pesquisa, como por exemplo, sobre o fato de considerar sempre a relação entre o

indivíduo e o ambiente, sem pender para determinações de um lado ou de outro,

com o foco bastante evidente na promoção de saúde no ambiente de trabalho e

planejamento de contingências organizacionais para se atingir este objetivo.

Por fim, ao final das entrevistas, os psicólogos foram encorajados a ficar à

vontade para acrescentar informações sobre o tema de pesquisa ou comentários a

respeito da entrevista, o que produziu novas informações e debates.

Neste momento, F.F. e V.P., respectivamente acrescentaram comentários

destacando a importância do tema de pesquisa:

F.F. relatou:

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“Eu queria te parabenizar pelo interesse no assunto, porque realmente é um tema que vale a pena pesquisar e vale a pena se tocar no assunto. Acho que não é um tema fácil, não é um tema que tenha fronteiras muito bem definidas. Não sei se é mais uma característica do Brasil, ou do mundo. Talvez seja outra discussão. Mas é um caminho que vale a pena, e, reforçar talvez que o papel dos psicólogos como entendedores da natureza das relações humanas, das relações de grupos, enfim, como alguém que estudou isso, ele tem um papel importante em agir sobre essa realidade e procurar reverter isso”. E V.P. complementou:

“Acho que o trabalho é bem interessante, é diferente, pouco se fala disso na empresa. Na verdade o que se mais faz é driblar este tipo de cuidado e acho que ele devia ser divulgado de alguma forma para que tornasse a prática mais moral, mais ética e isso não vem acontecendo muito no mercado”. Ambos os entrevistados apontaram a divulgação do assédio moral como

sendo um fator importante para sua diminuição no ambiente de trabalho,

entretanto, cabe aqui resgatarmos que a informação sobre o tema é uma medida

interessante para que as pessoas identifiquem o fenômeno em suas relações, mas

apenas a descrição isolada do assédio moral não é capaz de modificar as

contingências que o mantém atuando. Portanto, além da disseminação do conceito

e das características que o envolvem, é preciso que os estudos desenvolvam

formas de analisar as causas do assédio moral para a formulação de intervenções

eficientes que eliminem o problema.

Já as entevistadas C.P. e S.G., respectivamente, foram mais além, e

apresentaram novos dados:

Para C.P., o assédio moral ainda apareceu como um tema muito novo e

principalmente presente no universo feminino:

“O que eu acho importante ressaltar é que esse tema ainda é muito novo e a gente já tem visto alguns estudos importantes, principalmente sobre assédio moral de mulher. A mulher hoje, até por ter papel de destaque, sem mesmo ter posições melhores nisso, ainda tem uma postura masculina, uma postura machista muito forte em muitas empresas. E qual que é a resposta disso? São mulheres se sentindo ameaçadas, mulheres se sentindo discriminadas, em algumas situações doloridas tendo que assumir posturas que não são condizentes ao que é de

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personalidade dela. Então mulheres extremamente agressivas, mulheres extremamente perturbadas (...) O assédio moral hoje é um assunto que permeia, principalmente, no aspecto feminino. Claro que tem isso no mundo masculino também, mas no feminino é constante”.

Na visão de S.G., o assédio moral apareceu como um assunto freqüente e

presente em cursos, como por exemplo, o de assédio moral no serviço público:

“Acho que as questões estão bem formuladas. A única observação que eu diria é que hoje este assunto está sendo muito falado. Os assediados estão em busca de conhecer como funciona esta questão, como eu posso, na realidade, culpar alguém por estar me assediando. Eu tenho visto cursos no mercado com relação ao assédio moral e outro dia eu vi uma palestra que o foco dela era o assédio moral no serviço público, que é uma questão hoje que a gente sabe que é muito forte. Como as pessoas não podem ser demitidas, qual é o recurso que os superiores usam para poder lidar com essas pessoas assediando o tempo todo, ameaçando... o assédio moral também é uma ameaça que você faz às pessoas”. Quanto aos alvos dos ataques serem mulheres, em sua maioria, Hirigoyen

(2001) e Heloani (2004), apontam que além de alvos mais freqüentes, são o

público que mais denuncia às instâncias responsáveis, o que de certa forma mostra

que as mulheres têm buscado informações e formas de defesa.

Entretanto, na verbalização de C.P. cabe uma ressalva quanto ao fato de

mulheres que sofreram assédio moral se comportarem em desacordo com seus

traços de personalidade, pois de acordo com a Análise do Comportamento, todos

os comportamentos, exceto os reflexos, selecionados filogeneticamente, são

aprendidos nas relações do indíviduo com o ambiente ao longo de sua história de

vida junto à comunidade verbal. Dessa forma, os comportamentos de

agressividade e perturbação são produto das relações da pessoas com o meio, no

caso coercitivo. Se considerarmos esses comportamentos como características do

indivíduo que emergem nesses tipos de situações, estamos dizendo que estes são

de ordem individual e que o problema deve ser tratado isoladamente.

Em relação, ao apontamento feito por S.G. sobre o assédio moral no serviço

público, uma questão importante foi evidenciada: qual é o objetivo do assediador,

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se o funcionário público que é vítima não pode ser demitido? Talvez, como destaca

Hirigoyen (2001), o fato do assediador realizar as agressões de uma maneira tão

sutil, não permita que vítima identifique o que acontece e venha a questionar-se

sobre a realização de seu trabalho, solicitando afastamento, apenas sob controle

das sensações de desgaste físico, estresse, entre outros.

No caso de uma situação em que o agressor é identificado e denunciado, de

acordo com provas levantadas pela vítima, é possível que o funcionário seja

afastado de sua função, mas enquanto a informação não é acessível e o trabalho

for organizado de forma a produzir o assédio moral, os indivíduos continuarão a se

utilizar de comportamentos de contracontrole ou intervenções pontuais que dêem

conta destes casos isolados.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados apresentados apontaram que a conceituação do fenômeno

foi identificada pelos psicólogos com base nas definições dadas pelos autores. Os

únicos aspectos não mencionados nos relatos dos entrevistados foram em relação

à freqüência e à intensidade com que devem ocorrer para que possam ser

classificados como assédio moral, mas este aspecto foi posteriormente introduzido

quando os entrevistados relataram as situações em que ouviram falar sobre o

tema.

Foi possível verificar também que os psicólogos verbalizaram acerca do

tema em suas próprias relações de trabalho, mesmo que muitas vezes

mencionassem o não uso da palavra assédio moral propriamente e, apesar de

considerarem o contato com o tema recente, eles aparecem tanto no meio

acadêmico quanto no trabalho nas consultorias e empresas clientes, ora com foco

no assediador, ora com foco na vítima de assédio.

A causa do fenômeno foi, em geral, identificada no nível individual através

de termos como “maturidade”, “inabilidade”, “falta de inteligência”, “características

de personalidade”, com alguns aspectos do ambiente mencionados, como a

pressão, a competitividade e relações de poder mal definidas.

As propostas de prevenção e atuação do psicólogo envolveram

conscientização, preparação de líderes, a questão da denúncia do assédio à área

de Recursos Humanos, a construção dos manuais de ética empresarial, o resgate

do espaço público de palavra e a disseminação dos valores organizacionais.

Levando em conta esses e outros resultados apresentados, a discussão

partiu da definição do problema de pesquisa que consiste em investigar no relato

de psicólogos organizacionais a respeito do assédio moral, que relações

estabeleceram entre o fenômeno em questão e a organização do trabalho

proposta pelo meio empresarial, para afirmar que nas proposições dos psicólogos

e dos próprios autores da pesquisa, ainda existe uma dificuldade em tratar dos

fenômenos em sua relação.

A Análise do Comportamento contribuiu ao longo da discussão para firmar a

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posição de que o assédio moral, como qualquer outro fenômeno, deve ser

explicado através da análise de como as contingências estão organizadas,

envolvendo a história de construção da cultura e seu momento atual - com

características coercitivas - bem como as possibilidades de comportamentos neste

ambiente, fundamentalmente para identificar o que mantém comportamentos

como o do assédio moral.

A partir desta de análise, as propostas de intervenções partiram das

mencionadas pelos entrevistados e autores, para afirmar a importância do

conhecimento sobre o tema, a possibilidade de descrição e identificação do

mesmo nas relações de trabalho, ressaltando a necessidade de diagnóstico

organizacional com o intuito de verificar a serviço do que se propõem as ações,

antes de atingí-las como solicitado pela empresa.

Como apontado ao longo da discussão, formas de contracontrole, como

denúncias e punição aos agressores, apenas atingiriam casos indviduais e não

dariam conta das causas do problema. Para isso, é necessário planejamento de

contingências que facilitem a emergência de novos comportamentos e novas

formas de organização do trabalho menos coercitivas.

Por fim, é possível concluir com a pesquisa que o assédio moral ainda é

um tema com diversas lacunas em relação à sua definição e caracterização,

principalmente sobre as relações entre os indivíduos que assediam ou são vítimas

com o meio em que estão inseridos e, neste sentido, novos trabalhos que

abordem o fenômeno sob o ângulo da Psicologia ou de outras áreas do

conhecimento são fundamentais para a construção científica e divulgação social

do fenômeno.

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ANEXOS

1. Entrevistas completas

2. Termo de Consentimento Informado

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Anexo 1

Entrevista C.P. *P= Pergunta

*R= Resposta

P – Então te apresentei um pouco sobre o tema da pesquisa, então a primeira

pergunta é assim: o que você, o que é assédio moral para você?

R – Esse conceito é bem controverso. O entendimento geral que as pessoas têm

é qualquer tipo de abuso que não seja físico e que seja de ordem psicológica que

uma pessoa possa sofrer nas situações de convívio dela. O nosso foco é na

empresa, mas a pessoa pode ter um assédio moral em outras áreas da vida dela.

Então qualquer tipo de abuso que não seja físico, que seja de ordem psicológica

que a pessoa possa sofrer na vida real.

P – Com o que você associa a palavra assédio moral?

R – Com pessoas que se sentem extremamente oprimidas na condição que elas

estão. Pessoas que sofrem pressão de alguma forma ou por ter um cargo, ou por

algum tipo de postura, que não é a postura dela, e sofrem pressão para que isso

não aconteça. Então, por exemplo, uma pessoa que é muito quieta, muito

reservada, e que sofre uma pressão excessiva para que mude de postura e se

sente ofendida por conta disso. Isso para mim caracteriza um assédio moral.

Porque a percepção do assédio moral ela é muito individual, no meu ponto de

vista. O que é assédio moral para mim pode não ser assédio moral para você.

P – Você se lembra a primeira vez que ouviu falar de assédio moral?

R – Lembro, fazem 4 anos. Fazem 4 anos quando surgiu um grupo de trabalho.

Naquela época o assunto ainda era muito novo. É hoje, mas naquela época

estava começando a se falar, e isso fazem 4 anos.

P – Dá um exemplo de uma situação concreta que você ouviu falar de alguma

situação de assédio moral, ou que você teve alguma experiência com isso.

R – Vou falar de uma situação real, que aconteceu em um cliente nosso: O gênio

da criação. As pessoas são chamadas dia 25 de dezembro. De onde estavam

tiveram que pegar avião, de onde estavam tiveram que pegar carro, alugar carro.

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Sair do convívio familiar, etc, para poder trabalhar para atender um capricho deste

publicitário que estava solicitando a presença de todas as pessoas na agência, 25

de dezembro. Depois disso várias pessoas pediram demissão, porque isso era

uma prática mais ou menos constante, e na verdade foi a gota d’água para que

um bando de gente saísse. E o convite veio de forma não muito educada: “Tem

que estar aqui porque senão vocês vão ser demitidos.” As pessoas sofreram uma

pressão para que estivessem em uma data totalmente inadequada. Abandonar a

família, tudo: “Se vira, depois a gente paga” e fica assim.

P – O assédio moral é um assunto freqüente nas suas relações de trabalho?

R – É um assunto freqüente. Embora as pessoas ainda não caracterizem isso

como assédio moral, a gente percebe que o conceito de assédio moral é um

assunto freqüente. A gente tem pouquíssimos casos de assédio que efetivamente

entram na justiça, ou que acionam de alguma forma a empresa ou a pessoa

juridicamente, mas os relatos indicam que a pessoa sofreu, efetivamente, um

assédio moral. Muitas vezes a pessoa tem medo, acaba não falando, atribuindo a

uma situação externa, no nosso caso, né? Mas acionar juridicamente as pessoas

ainda têm acionado muito pouco. A gente percebe muitos relatos, são pessoas

que saíram da empresa, são pessoas que mudaram de área, são pessoas que de

alguma forma fugiram da situação, mas não entraram juridicamente com nenhuma

intimação.

P – E, esse assunto, ele é colocado em pauta nas reuniões de trabalho na

empresa que você atua? Esse assunto ele permeia as empresas?

R – Muito pouco, ainda muito pouco. A gente percebe que algumas pessoas da

área de Recursos Humanos começam a se preocupar mais com isso, a gente

percebe que algumas pessoas percebem que aquelas pessoas que estão

preocupadas começam a tocar nesse assunto, mas muito pouco. Esse assunto

ainda é muito pouco discutido dentro da empresa.

P – A que você atribui, ou a quem, o acontecimento do assédio moral nas relações

de trabalho?

R – Pressão, uma pressão muito grande por parte das pessoas, dos chefes, por

ter um cargo, e isso de uma maneira de falar sobre-humana. Falta de habilidade

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na condução dessa pressão. Então isso é efeito cascata, né? O diretor sofre uma

pressão sobre o seu cargo, passa isso para o gerente, o gerente passa para o

supervisor, o supervisor passa para o vendedor. E muitas vezes quem está no

nível de comando não tem preparo para isso. Então isso vem quadrado, as

pessoas tratam essa informação de maneira quadrada e não fazem um trabalho

de lapidar essa informação para que isso não se torne um problema e surja como

motivação. Porque o desafio por si ele pode ser caracterizado de duas formas,

dependendo de como você vai receber. Então muitas vezes é uma inabilidade a

pressão excessiva junto com inabilidade das pessoas é que aciona essa bomba

que é o assédio moral.

P – Na sua opinião, o que você acha que deveria ser feito para prevenir o assédio

moral na empresa?

R – Primeiro uma preparação dos líderes para ocuparem os cargos que eles

estão. Isso eu acho que é fundamental. Por que o que é que a gente percebe? A

gente percebe que muitas vezes a gente tem um excelente técnico, um excelente

vendedor, uma pessoa que domina muito bem a sua área de atuação na parte

técnica, e que é promovida. Não tem nenhuma habilidade na gestão de pessoas.

E quanto maior, e quanto mais afina a pirâmide mais distante você fica da parte

técnica, que é a área de atuação da pessoa, e mais exigente é essa pessoa em

termos de tudo. E se é uma pessoa que tem um conhecimento técnico muito forte

sem nenhum tipo de preparo a pessoa, a primeira resposta que a pessoa pode dar

é uma resposta agressiva. E isso não cai bem. Então eu acho que uma coisa que

pode ser feita é o preparo intenso das pessoas para assumir um cargo de

liderança. Outra coisa é definir muito bem a missão, visão, princípios, valores da

empresa, porque é isso que vai determinar para as pessoas qual que é o limite

delas em relação ao posicionamento, em relação á cobrança, em relação ao limite

e metas impostas para a equipe. Se uma empresa é totalmente desfavorável a

qualquer tipo de postura agressiva que essa pessoa queira impor à equipe, é

seleção natural, essa pessoa está fora. Se a postura da empresa favorece esse

tipo de postura, a pessoa vai dar um jeito, vai ter esse tipo de postura. Então

definir os valores da empresa também super importante para que a pessoa, para

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ficar claro para a pessoa qual que é o limite dela.

P – Você acha que é um assunto freqüente no trabalho, você tem trabalhado

nisso? As empresas, elas pedem esse tipo de solução para as empresas?

R – Pedem. A gente ainda vê uma inabilidade dos gestores muito grande. Isso tem

sido uma preocupação muito constante das empresas. Principalmente porque isso

não tem gerado resultados esperados. Então, se com força, se com agressividade,

se com reuniões que humilham as pessoas, isso não dá resultados pra ela, então

tem que ter outra fórmula. E essa outra fórmula que as pessoas estão procurando,

sempre estão procurando, e esse tipo de trabalho que a gente tem desenvolvido.

P – Muito bom. Agora, vou finalizar: qual que é o papel do psicólogo na empresa

frente ao assédio moral?

R – Então, primeiro trabalhar no reconhecimento desses valores. Segundo,

trabalhar muito forte na propagação desses valores. O psicólogo na empresa hoje,

ele tem tido cada vez mais espaço para atuar junto com a gestão. Antes o

psicólogo ele tinha um trabalho muito de bastidores, muito de suporte. E hoje acho

que tem preferido profissionais, vamos supor, de gestão dentro das áreas de

Recursos Humanos, ou então dentro das áreas de atendimento ao cliente, muito

focados com essa série do negócio. Se você está alinhado com essa série do

negócio você consegue transmitir isso para os principais gestores, para as

pessoas que são formadoras de opinião. E se você está alinhado com isso, e no

seu papel de formador de pessoas, e de orientador de pessoas o psicólogo tem

um papel importante em alertar situações que possam acontecer de assédio

moral, e trabalhar de uma maneira preventiva. Então são dois braços, né? Atuar

na prevenção e se houver algum indício de que isso está acontecendo, eliminar

essa situação. E não só pelo papel social que o psicólogo tem, mas pelo papel

financeiro. Porque isso gera desgaste, as pessoas vão embora, isso tem um custo

jurídico, fora o custo social e custo psicológico. Então não é só isso, é financeiro

também.

P – Bacana. Então eu queria saber se você quer acrescentar mais alguma

informação sobre esse tema que não tenha aparecido na entrevista, ou se você

gostaria de fazer alguma crítica ou sugestão à entrevista?

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R – Não, o que eu acho importante ressaltar, é que esse tema ainda é muito novo.

E a gente já tem visto alguns estudos importantes, principalmente sobre assédio

moral em mulher. A mulher hoje, até por ter papel de destaque,

Sem mesmo ter posições melhores nisso ainda tem uma postura masculina, uma

postura machista muito forte, ainda em muitas empresas, em muitas organizações

não tem sido bem-vista. E qual que é a resposta disso? São mulheres se sentindo

ameaçadas, mulheres se sentindo discriminadas, em algumas situações doloridas,

tendo que assumir posturas que não são posturas condizentes ao que é de

personalidade dela. Então mulheres extremamente agressivas, mulheres

extremamente perturbadas, mulheres hoje cada vez mais com síndrome de

burnout, mulheres com patologias, né? Síndrome do pânico, depressão, etc., por

conta do papel que ela vem assumindo nos últimos anos. Então o assédio moral

hoje, ele é um assunto que permeia, principalmente, no aspecto feminino. Claro

que tem isso no mundo masculino também, mas no feminino é constante.

P – É isso que eu queria conversar com você. Deu para ter uma boa idéia do que

você pensa sobre o assunto. Eu acho que é bem por aí que eu estou estudando. E

é isso, vou encerrando a entrevista e obrigada viu.

Entrevista F.F

P – Eu queria saber o que você entende por assédio moral?

R – Assédio moral no ambiente de trabalho é quando você, eu diria que é quando

você expõe uma pessoa a uma situação desconfortável. Você coloca ela ou

mediante alguma, algum tipo de imposição. Quer dizer, você usa a hierarquia que

você tem em uma empresa para colocar a pessoa em uma posição que ela tem

que fazer algo que você queira, mesmo que seja contra a vontade dela. Acho que

é o que seria a principal, ou seja, contra os valores dela, ou seja, ou que seja

alguma coisa que ela considera errado. A base para isso eu acredito que é uma

espécie de chantagem, entre aspas, que se faz a partir de uma posição de poder.

P – E com o que você associa a palavra assédio moral? Quando você ouve a

palavra assédio moral, o que vem na sua cabeça?

R – Olha, assédio moral vem sempre assédio sexual, estão muito associados. E o

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assédio em si eu diria, colocaria como algo que é imposto, que é um bom jeito de

definir. E o moral é algo que é imposto em relação à moral de uma pessoa, em

relação ao juízo de valor, ao juízo de certo e errado, assim por diante, de um

determinado sujeito.

P – Você se lembra da primeira vez em que ouviu falar de assédio moral?

R – Lembro, lembro sim. Foi aqui no curso de mestrado, eu tive uma matéria que

tratou um pouco do tema.

P – Em que situação isso aconteceu? Isso você já falou. Qual sua experiência ou

o fato mais importante de assédio moral que você já viveu ou já ouviu falar de

alguma situação concreta desse tema.

R – Eu já ouvi falar sim. Deixa eu lembrar. Um caso que é famoso, inclusive foi

relatado aqui nesse fórum, é de uma funcionária de um banco lá no Nordeste que

ganhou uma causa contra a empresa que ela trabalhava, por assédio moral. E ela

era, eu não lembro exatamente, como ela era assediada, mas esse caso ficou

famoso porque foi um artigo que foi publicado por uma professora daqui sobre

assédio moral que deu base para a sustentação da causa no poder judiciário.

Agora, eu não lembro exatamente como ela era vítima dessa situação. Eu lembro

só que ela teve sucesso com relação a essa causa. Agora, eu acho que situações

de assédio moral são mais ou menos comuns em empresas. A gente tem, mas é

uma pergunta complicada para definir. Quais são, exatamente, os limites. Eu acho

que em uma empresa, principalmente quando você está em uma relação de

precisar do trabalho, ou precisar da remuneração – que é o caso mais comum – a

não ser que seja uma coisa muito explícita e muito violenta, eu acho que as

pessoas não revelam. Eu acho que tem, a gente vê casos de limites próximos a

isso e que as pessoas não revelam. Uma vez, por exemplo, eu trabalhei em uma

empresa, eu fiz uma assessoria de cliente, e os funcionários relatavam quando o

diretor chegava na fábrica ele era tão grosso, estúpido, usava de pouca educação,

assim por diante, que as máquinas começavam a quebrar de tanto que as

pessoas ficavam nervosas. Então é uma situação que, realmente, acontece no

dia-a-dia dos profissionais. Eu lembro que em relação a isso eles chegaram a

chamar a polícia, então, um dia. Porque realmente você está em um lugar para

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desempenhar um trabalho, você não quer ser ofendido. Acho que isso faz todo o

sentido do mundo, então é um conceito que vem em boa hora para tratar disso.

P – O assédio moral é um assunto freqüente nas suas relações de trabalho? Ele é

colocado em pauta na consultoria que você trabalha e nas empresas que você

atua?

R – Não, não é. Não é um assunto comum no meio empresarial. Eu tenho a

impressão até que o meio empresarial evita um pouco tocar nesse assunto. Eu

tenho a impressão que é principalmente por causa daqueles limites tênues. Se a

gente for pegar e fazer uma análise muito crítica em cima, a gente pode perceber

que assédio moral é constante nas relações de trabalho. Só quando se passa de

um certo limite é que ele vira caso de polícia ou coisa do tipo. Ele vira, ele se

concretiza como assédio moral, mas é uma coisa relativamente comum. Até pelo

fato de serem seres humanos interagindo em um ambiente com pressão e etc, eu

acho que é...

P – Então você concorda em dizer que esse é um assunto bastante tratado

atualmente, porque não é um assunto antigo, é uma assunto relativamente novo,

mas é um assunto tratado mais em um nível acadêmico do que propriamente nas

organizações?

R – Certo. Concordo. Isso é bem claro. Aqui no mestrado é muito discutido. A

gente tem esse assunto volta e meia entra mesmo em matérias que não tratam

diretamente do tema. Agora, no meio empresarial, tanto nas consultorias onde eu

já trabalhei quanto para as empresas que eu já trabalhei ele é tratado como

política ou como uma diretriz. Às vezes algumas empresas têm manuais para

tratar do assunto, mas não é uma conversa de dia-a-dia.

P – A que você atribui o assédio moral nas relações de trabalho? Então, o que

você acha que provoca isso nas relações entre as pessoas no trabalho?

R – Olha, se for falar como psicólogo, nesse momento, eu diria que é muito

vinculado à falta de maturidade das pessoas que estão em determinadas

posições. Eu acho que não dá para dizer em relação a juízo de valor, não dá para

dizer que é uma coisa que as pessoas sabem o que estão fazendo de errado o

tempo todo. A gente tem, eu particularmente, eu trabalho muito com

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desenvolvimento gerencial. Com desenvolvimento de lideranças. E tem chefes

que realmente não sabem de pedir que pedir por favor e falar obrigado, são coisas

importantes no dia-a-dia. Não sei se isso é uma questão de berço, de família e etc.

Mas muita gente acaba tendo um tratamento ríspido com outras pessoas no

ambiente de trabalho por falta de maturidade mesmo. Eu acho que é a causa mais

freqüente. Existem outras que são relações de poder mal definidas, que é a

competitividade no ambiente de trabalho que muitas vezes é muito grande, mas se

você está envolvendo sujeitos mais maduros, mesmo que exista a competitividade

isso não se transforma em assédio.

P – O que você acha então que deveria ser feito para prevenir esse tipo de

atitude, de ação nas relações de trabalho?

R – Olha, o maior passo a ser dado, que é o que já está acontecendo, é a gente

tomar consciência desse tema. Eu acho que ele ter sido nomeado, de alguma

forma, na literatura e na academia ele está sendo estudado, ele chega, mesmo

que demore, até o universo empresarial. E tomando-se consciência que, olha,

mesmo nas relações de trabalho tem certos limites, eu acho que é o grande passo

em relação a isso. É óbvio que quanto mais as empresas se empenham em tratar

a coisa de forma madura também, quer dizer, ter canais abertos, trazer isso para o

dia-a-dia, sem medo, isso tende a ser uma das formas de prevenção. Eu acho que

não tem como impor regras ou outras coisas, a não ser conscientização. Eu tenho

a impressão que o número de casos de assédio moral tende a diminuir muito,

principalmente se os atuais assediadores tiverem consciência do que estão

fazendo. Eu acho que é um bom caminho...

P – Qual você acredita então que seria o papel do psicólogo organizacional na

empresa para enfrentar essa questão?

R – Olha, o papel do psicólogo organizacional, ele é multifacetado. Ele é, ele tem

alguns focos distintos de atuação, mas em relação a esse caso específico, é o tipo

de conhecimento que ele pode trazer para dentro da empresa. É o tipo de assunto

que ele pode, de alguma forma trazer para as discussões. E também, muitas

vezes o psicólogo atua como consultor interno, ou com funções semelhantes, ele

também pode ajudar a desenvolver essas lideranças e trazer esses conceitos para

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essas lideranças. Como eu falei, eu tenho a impressão que quanto mais as

pessoas no geral se conscientizarem sobre isso, tanto quanto quem é vítima

quanto quem é atualmente o assediador, eu tenho a impressão que isso tende a

diminuir muito.

P – Eu queria saber então se você gostaria de acrescentar mais alguma

informação a respeito desse tema que não tenha aparecido na entrevista, se você

gostaria de fazer alguma crítica ou sugestão em relação à essa entrevista.

R – Não, eu queria te parabenizar pelo interesse no assunto. Porque realmente é

um tema que vale a pena pesquisar e vale a pena se tocar no assunto. Acho que

não é um tema fácil, não é um tema que tenha fronteiras muito bem definidas. Não

sei se é mais uma característica do Brasil, ou do mundo. Talvez seja outra

discussão. Mas é um caminho que vale a pena e reforçar talvez que o papel dos

psicólogos como entendedores, de alguma forma, da natureza humana, da

natureza das relações humanas, das relações de grupos, enfim, como alguém

estudou isso, ele tem um papel importante em agir sobre essa realidade e

procurar reverter isso.

P – Uma última pergunta que me veio agora é: eu perguntei para você acerca do

psicólogo, como o psicólogo vê essa questão. Eu queria saber, do ponto de vista

da empresa, o que você acha que a empresa deveria ter ou fazer para que isso

não aconteça dentro da empresa, ou que isso se mostre mais e as pessoas

tenham mais consciência como você falou em relação a isso.

R – Tá. A tua pergunta é complicada porque a gente não pode considerar a

empresa como algo que existe e que tenha vida em si própria. A empresa é um

conjunto de pessoas. Então a empresa como a entidade ela não faz nada que as

pessoas que estejam lá dentro não tenham uma atuação ativa. Então o papel das

pessoas como líderes, como formadores de opinião, como diretores, como

gestores, enfim, o papel das pessoas que têm poder de influência sobre a

empresa e sobre a comunicação empresarial, sobre os sistemas de gestão, sobre

os sistemas de recompensa, essas pessoas têm que, primeiro, reconhecer se elas

estão incentivando de alguma forma práticas que levam ao assédio moral. Por

exemplo, excesso de competitividade, por exemplo, canibalismo entre pares e

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coisas do tipo. É uma primeira reflexão. E a segunda é colocar o assunto, na

medida do possível, para se discutir abertamente dentro da empresa. Eu acho que

é um caminho ainda longo, eu acho que as empresas ainda estão se estruturando

para poder falar sobre isso num nível adequado de maturidade. Mas eu acho que

é um sentido que a coisa está indo. Então é, primeiro, trazer a coisa para dentro

da informação, trazer os conceitos, trazer o assunto e, segundo, olhar e ver: olha,

sabendo que isso existe o que é que eu estou fazendo para contribuir para isso?

Eu como empresa, nesse sentido e, o que é que eu posso fazer para reduzir?

Muitas práticas, principalmente de Recursos Humanos ou de gestão que podem

coibir ou incentivar esse tipo de coisa. E o conhecimento eu acho que é o caminho

único senão para resolver essa questão.

Entrevista S.G.

R – Então boa tarde, eu sou psicóloga, atuo na área de Recursos Humanos há

mais ou menos 20 anos e trabalho com consultoria, trabalho também na parte de

recrutamento e seleção. E, além disso, ministro treinamento.

P – Nossa primeira pergunta é: o que é assédio moral para você?

R – Assédio moral, não vou definir nada de forma conceitual. Agora, o que eu

entendo por assédio moral? Assédio moral é você humilhar as pessoas, é você

falar com as pessoas de uma forma inadequada. Que mais eu poderia dizer? É

você constranger uma pessoa.

P – Com o que você associa a palavra assédio moral? O que vem à sua cabeça

quando você ouve a palavra assédio moral?

R – Humilhação. Essa é a palavra que vem sempre para mim.

P – A primeira vez em que ouviu falar sobre esse assunto?

R – Uns quatro anos. É, uns quatro anos. Mas agora, assim, nesses últimos, por

exemplo, dois anos, eu sinto que a mídia está dando muita força a essa palavra.

Parece que invade as revistas, nós temos cursos focados em assédio moral, hoje.

Então assim, é uma palavra que eu diria que está em moda atualmente.

P – Em que situação isso aconteceu? Você falou há quatro anos, né? Em que

situação você se lembra de ter ouvido falar?

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R – Leituras de revistas especializadas da área de Recursos Humanos.

P – Eu queria que você tentasse dar um exemplo, agora, de uma situação

concreta em que você ouviu falar de uma situação de assédio moral ou presenciou

em algum tipo de situação sobr esse fenômeno.

R – Eu me lembro assim, de uma situação que ocorreu na mídia. Eu não lembro

se foi no ano retrasado, mas de uma empresa em que ela, um colaborador foi

demitido e na sua demissão o líder dele, o supervisor o xingou de incompetente,

de burro. E ele depois abriu um processo contra essa empresa e ele foi

recolocado naquela organização. Então isso assim, é uma coisa que me vem. Mas

no meu dia-a-dia eu trabalho muito com treinamento, e como aparece o assédio

moral? Quando um líder ou encarregado, ou gerente da área chama o seu

colaborador de incompetente, de burro, humilha as pessoas. Isso é uma coisa

assim que a gente vê o tempo todo. Eu tenho mais uma situação, uma vez uma

moça, em que eu estava também fazendo o trabalho de redirecionamento de

carreira contou que ela saiu do seu emprego porque o seu gerente, ela

datilografou, datilografou não, ela fez um relatório no computador. Digitou. E ele

estava com alguns erros. E quando esse gerente viu o trabalho ele ficou irritado,

ele pegou a folha, amassou e jogou na cara dela. E aí ela pediu demissão. E com

isso assim, é uma, está muito claro que é um assédio moral.

P – Até físico, né?

R – Exatamente.

P – O assédio moral, você acha que ele é um assunto freqüente, então, nas suas

relações de trabalho? E ele é colocado em pauta em reuniões que você tem com

empresas, por exemplo, para algum tipo de demanda deles?

R – Não. O assédio moral ele não aparece. É uma coisa muito velada nas

empresas. Na realidade, as pessoas, os assediados comentam sobre assédio

moral. Agora quem faz, de forma nenhuma. Nas empresas onde eu faço visitas,

onde eu vou buscar quais são as necessidades, o que está acontecendo nessa

empresa: gerentes, diretores, empresários, eles não falam nessa palavra. Quem

fala é a pessoa que é assediada.

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P – Então você acredita que nas empresas que você está trabalhando hoje não

tem nenhum tipo de preocupação em pedir um trabalho que esteja relacionado

com isso?

R – Existe uma preocupação também, mas que ela é velada. Ninguém fala em

assédio moral. Mas quando nós iniciamos cursos de lideranças, desenvolvimento

de líderes o nosso foco é sempre abordar como as pessoas devem ser tratadas.

Então muitas vezes a empresa solicita: "Olha, quando você for dar esse

treinamento, por favor, faça uma observação com líderes que xingam que falam

palavrões, que não sabem falar com as pessoas." Mas a palavra assédio moral ela

não aparece.

P – Agora você como psicóloga: a que você atribui o assédio moral ou a quem?

R – A quem eu não saberia te dizer, mas, ou saberia? Vamos ver. A quê? É falta

de inteligência. Quando uma pessoa, a meu ver, trata o outro de uma forma

inadequada não está sendo inteligente. Segundo, uma questão, assim, de

algumas também características de personalidade. Uma pessoa que não tem

autocontrole, que não consegue se posicionar de uma forma adequada. Então às

vezes por causa de falhas, por falta de competência da pessoa, que também está

ligado à questão de inteligência. Quando uma pessoa assedia a outra moralmente,

isso significa que ela não, então ela usa, para falar de uma forma assertiva com o

outro, então ela usa isso.

P – Na sua opinião o que você acha que deveria ser feito para prevenir o assédio

moral nas empresas?

R – Desenvolvimento. Eu estou colocando muito a questão assim, do assédio

moral ele aparece somente assim, dos líderes, das pessoas que estão acima. Eu

diria que é um foco muito grande, mas é claro que nós podemos observar o

assédio moral em outros departamentos. Entre colegas de trabalho também. O

que precisaria de conscientização, de treinamento, de um trabalho onde as

pessoas fossem desenvolvidas para aprenderem a se comunicar de uma forma

diferente. Acho que é isso.

P – Qual o papel, então, do psicólogo organizacional na empresa, frente a esse

problema?

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R – Papel de desenvolvimento das pessoas. De tentar de alguma forma preparar

as pessoas para lidarem com as outras. De conscientização. Eu diria assim, que o

psicólogo ele poderia estar atuando no sentido de tomar ações preventivas. E que

ações seriam essas? A questão de conscientização, a questão do próprio

desenvolvimento da pessoa. Um trabalho até de coaching com as pessoas, assim,

que não sabem como lidar com outras.

P – É isso, essas eram as perguntas que eu tinha que te fazer aqui da entrevista.

Eu queria saber se você quer acrescentar mais alguma informação que você

tenha a respeito desse tema que não tenha aparecido? Se você gostaria de fazer

alguma sugestão em relação à entrevista, para as próximas?

R – Eu acho que as questões estão bem formuladas. A única observação que eu

diria é que hoje esse assunto está sendo muito falado, as pessoas estão, os

assediados eles estão em busca de conhecer como funciona essa questão. Como

é que eu posso, na realidade, culpar alguém por estar me assediando. E eu tenho

visto bastante assim, alguns cursos no mercado com relação a assédio moral. E

outro dia eu vi uma palestra e o foco dela era: assédio moral no serviço público. O

que é uma questão hoje que a gente sabe que também é muito forte. Como as

pessoas não podem ser demitidas, qual é o recurso que os superiores usam para

poder lidar com essas pessoas? Assediando o tempo todo. Ameaçando. Então o

assédio moral também é uma ameaça que você faz a uma pessoa. É isso.

Obrigada.

P – Obrigada, foi ótima a sua entrevista, eu vou ficando por aqui.

Entrevista V.P

P – Boa noite, eu estou aqui com V. Eu já dei uma, eu já apresentei para ele o

tema e ele vai se apresentar em primeiro lugar.

R – Meu nome é V., eu tenho 28 anos. Trabalho, sou psicólogo. Trabalho com

Psicologia Organizacional desde o terceiro ano da faculdade. Comecei como

consultor em 2003. Fiquei desde maio de 2003 como consultor, responsável pelos

cursos de capacitação.

P – Então, a sua primeira pergunta é: o que é assédio moral para você?

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R – Então, para ser bem sincero, assédio moral eu não sei exatamente a

definição, mas imagino que seja - por analogia a assédio moral, eu imagino que

seja um assédio, uma tentativa da empresa em que você deixe de lado os

princípios, seus valores, sua ética para agir de acordo com uma necessidade da

empresa que seja passar por cima disso.

P – A que você associa a palavra assédio moral?

R – Com falta de caráter, falta de integridade. Falta de princípios. Eu acredito que

por ser assédio, o outro lado tem que ter uma condição de poder. Tem que ter

algo que te convença. Algo que te... A palavra não é seduzir, mas algo que te

quase force a agir daquela maneira. Seria ultrapassar os princípios éticos

prezados pela sociedade.

P – Você se lembra a primeira vez em que ouviu falar sobre esse assunto?

R – Não. Como eu disse no começo eu não sei exatamente o que é assédio

moral. Cheguei nessa definição quase por consenso. E, não, não lembro. Mas fiz

analogia entre assédio moral, ética e princípios, valores.

P – Eu queria que você tentasse me dar um exemplo de uma situação concreta

em que você imagina que exista uma situação de assédio moral ou que você

tenha presenciado algum tipo de situação desse tipo.

R – Por exemplo, um trabalhador, quando ele é contratado ele está sob o poder da

organização. Porque a organização lhe dá emprego, salário, benefícios, toda a

condição para ele voltar a trabalhar. Então é, muitas vezes a empresa, para não

pagar imposto ela ou paga um valor pequeno de CLT e o resto por fora. Só que

esse por fora se a pessoa tiver uma integridade afinada com a sociedade ela não

vai querer driblar imposto de renda, pagar os impostos, mas a empresa vai. Então

ela força a pessoa a aceitar condições para que ela assuma aquele emprego. Ou

até mesmo, sei lá, no caso de, por exemplo, no caso de consultoria. A consultoria

é contratada por uma empresa para prestar um serviço. E quando o contratante

tem um interesses em que haja manipulação do resultado, chega até a pagar um

pouco mais para que a consultoria apresente as coisas do jeito que ele quer.

Acredito que esse seja um exemplo.

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P – O assédio moral, ele é um assunto freqüente nas suas relações de trabalho?

Ele é colocado em pauta nas suas reuniões de trabalho?

R – É, mas não com esse termo, mas é.

P – A que ou a quem você atribui o acontecimento do assédio moral nas relações

de trabalho?

R – A quem tem o poder de decisão, a quem tem o poder da relação. Quem é o

articulador da história. Porque, lógico, se for pensar em empresas, seria a

empresa contratante, que contrata a consultoria. Ou uma empresa que está

querendo atuar de alguma forma no mercado, só que dentro da legalidade ela não

consegue. Então ela tem que fazer todo o quadro corporativo dela se desviar dos

seus princípios para que ela atinja os resultados e não importando os meios para

ela conseguir aquele fim. Ou de um chefe que faz isso com os funcionários assim,

no nível das pessoas.

P – Na sua opinião o que você acha que deveria ser feito para prevenir o assédio

moral nas empresas?

R – Bom, quando se trata de organizações é... as pessoas não aceitarem esse

tipo de imposição. Igual, uma consultoria que está sendo contratada para isso ela

pode perder a credibilidade no mercado. Ou até mesmo a empresa contratante, se

esse tipo de informação vazar ela perde toda a credibilidade. Então eu acho que

ter mais fiscalização. Não é fiscalização? É, ter mais algum tipo de fiscalização

dos órgãos públicos dos contratos que são prestados, quando é prestação de

serviço. E mais no nível pessoal, que as pessoas tenham algum tipo de canal para

identificar o que é que está acontecendo sem serem identificadas. Até mesmo

porque se for relação de poder o chefe pode prejudicar a pessoa.

P – Qual você acha então que é o papel do psicólogo organizacional na empresa,

frente ao assédio moral?

R – O papel do psicólogo, em especial? Então o papel do psicólogo seria prezar

pelo bem estar das pessoas e isso implica também em não deixar elas expostas a

esse tipo de assédio. Então além de manipular com as variáveis do ambiente para

que isso não aconteça ele teria um papel de acolhimento para que pudesse, para

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que as pessoas pudessem reclamar esse tipo de situação e ele daí conseguir

resolver alguma coisa.

P – Você conseguiria me dizer que tipo de variáveis a gente poderia interferir?

R – Poderia. Nesse exemplo que eu te dei de prestação de serviço. O contratante

exige isso no meio do contrato. Existindo um canal de denúncia na empresa, o

funcionário está trabalhando nesse projeto ele reclamaria com o psicólogo, com o

RH. E o RH seria responsável por, por manter o contrato, manter a empresa

seguindo a metodologia que ela tem e não adaptar a este tipo de exigência do

cliente. Então, como isso o RH ele seria responsável para que as ações

contratadas fossem entregues no mesmo molde que elas foram contratadas. E

isso justificaria uma intervenção através de uma denúncia. Eu acho que se o

funcionário ele está trabalhando em um projeto e ele vem, denuncia, o RH

consegue fazer com que as normas e políticas da empresa sejam seguidas sem

que seja necessário esse tipo de operação.

P – Tá ótimo. Você gostaria de acrescentar mais alguma informação a respeito do

tema que não tenha aparecido na entrevista ou fazer alguma crítica ou sugestão

em relação a esse tema ou à entrevista?

R – Não, eu acho que o trabalho é bem interessante. É diferente, se fala pouco

disso na empresa. Na verdade o que se mais faz é driblar esse tipo de cuidado. E

acho que ele devia ser divulgado de alguma forma porque, torna essa prática

mais, mais moral. Que a prática seja mais ética, mais moral. E isso não está

acontecendo muito no mercado não.

P – Tá ótimo V. Essa foi nossa entrevista. Obrigada.

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Anexo 2

Termo de Consentimento Informado

Eu, Isadora Berardo Tumulo, aluna do 5º ano da Faculdade de Psicologia da PUC-

SP, elaborando Trabalho de Conclusão de Curso, venho por meio deste solicitar sua

participação neste trabalho.

O objetivo desta pesquisa consiste em investigar como psicólogos que prestam

serviços a empresas, definem assédio moral no ambiente de trabalho e que relação

estabelecem entre o fenômeno em questão e a organização do trabalho proposta pelas

empresas clientes.

A previsão da duração da entrevista é de aproximadamente uma hora e meia e o

procedimento de gravação foi escolhido apenas com o intuito de obter as informações por

completo e de maneira objetiva. O sigilo em relação a seus dados pessoais e às

empresas mencionadas será mantido não acarretando nenhuma espécie de dano. A

gravação será desfeita assim que forem complementados os dados relevantes da

entrevista. Você terá total liberdade de interromper sua participação a qualquer momento.

Quanto aos dados coletados, estes serão utilizados para fins acadêmicos e

eventual publicação, garantindo-se o sigilo em relação ao psicólogo informante e às

empresas mencionadas.

Se você ao ler este termo entende claramente os objetivos desta pesquisa, a que

ela se destina e se dispõe a participar, preencha os seguintes dados:

Eu ________________________________________________ portador (a) do

R.G. __________________________ concordo em colaborar com a pesquisa acima

descrita, seus objetivos e finalidades.

Obrigada por sua atenção!

Ass: __________________________

Participante

Ass: __________________________

Isadora B. Tumulo

Ass: __________________________