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UNIVERSIDADE ANHANGUERA – UNIDERP ISA MARIA FORMAGGIO MARQUES GUERINI AS RELAÇÕES SOCIAIS NO CULTIVO DA CANA-DE-AÇÚCAR NOS MUNICÍPIOS DE MIRANDÓPOLIS, LAVÍNIA E VALPARAÍSO - SP CAMPO GRANDE – MS 2014

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA – UNIDERP

ISA MARIA FORMAGGIO MARQUES GUERINI

AS RELAÇÕES SOCIAIS NO CULTIVO DA CANA-DE-AÇÚCAR NOS

MUNICÍPIOS DE MIRANDÓPOLIS, LAVÍNIA E VALPARAÍSO - SP

CAMPO GRANDE – MS

2014

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ISA MARIA FORMAGGIO MARQUES GUERINI

AS RELAÇÕES SOCIAIS NO CULTIVO DA CANA-DE-AÇÚCAR NOS

MUNICÍPIOS DE MIRANDÓPOLIS, LAVÍNIA E VALPARAÍSO, SP

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional da Universidade

Anhanguera – Uniderp, como parte dos

requisitos para a obtenção do Título de Mestre

em Meio Ambiente e Desenvolvimento

Regional.

Orientação:

Prof. Dr. Sandino Hoff

CAMPO GRANDE – MS

2014

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela existência de todos e de tudo o que proporciona a

realização do meu projeto de vida.

Também agradeço meu orientador prof. Dr. Sandino Hoff pelas horas de

dedicação e o esforço desempenhado para me auxiliar no desenvolvimento

deste trabalho. Seu vasto conhecimento nas ciências sociais e a paixão que

demonstra pelo seu trabalho, me desperta admiração e serve de inspiração

para a minha formação profissional. Obrigada por não deixar que eu desistisse.

Um especial agradecimento ao meu esposo Clayton Guerini pelo apoio

nas horas de cansaço, por tolerar minha ausência nos finais de semana e por

me apoiar na conclusão do curso.

Agradeço meus pais, Luiz Carlos Burato Marques e Maria Antonia

Formaggio Marques, por me auxiliarem nas viagens realizadas e por não

medirem esforços em me acompanhar por horas de entrevistas e caminhadas

na zona rural.

Agradeço particularmente João Tamboreli, Ana Carla Tamboreli e

Antonio Zamboti por me atenderem inúmeras vezes e solucionarem minhas

dúvidas.

Dedico este trabalho à minha avó Yvone Aparecida Burato Marques e

aos meus pais, por terem dado o suporte necessário para que eu pudesse

alcançar esta realização.

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SUMÁRIO 1 Introdução Geral ................................................................................

5

2 Revisão de Literatura .........................................................................

9

3 Referências Bibliográficas ................................................................. 31

Artigo I - As Relações Sociais no Cultivo da Cana-de–Açúcar e os Novos Métodos Introduzidos no trabalho – Municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso – SP................................................

37

Resumo .................................................................................................. 37 Abstract ................................................................................................. 37 1 Introdução .......................................................................................... 38 2 Procedimentos Metodológicos ......................................................... 39 3 Resultados e Discussão .................................................................... 41 4 Conclusão ........................................................................................... 64 5 Referências Bibliográficas ................................................................ 65

Artigo II - Os Contratos para a Produção da Cana-de-Açúcar e os Parâmetros para a Precificação nos Municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso - SP. .....................................................................

69

Resumo .................................................................................................. 69 Abstract .................................................................................................. 69 1 Introdução .......................................................................................... 70 2 Procedimentos Metodológicos ........................................................ 71 3 Resultados e Discussão ................................................................... 73 4 Conclusão ........................................................................................... 92 5 Referências Bibliográficas ................................................................

Artigo III - O Cultivo da Cana-de-açúcar, a Reestruturação Produtiva e suas Consequências Sociais nos Municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso – SP........................................................................

92 96

Resumo .................................................................................................. 96 Abstract .................................................................................................. 96 1 Introdução ........................................................................................... 97 2 Procedimentos Metodológicos ......................................................... 99 3 Resultados e Discussão .................................................................... 99 4 Conclusão ........................................................................................... 118 5 Referências Bibliográficas ................................................................ 118

Conclusão Geral .................................................................................... 122

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1 Introdução Geral

O objeto deste estudo são as relações sociais estabelecidas no cultivo

da cana-de-açúcar que destruíram o domínio do conhecimento do trabalhador

direto, modificaram o ambiente, e o tipo de capitalismo no região, exigindo

novas funções sociais assumidas pelo Estado. Por relações sociais entendem-

se as mediações que expressam a sociedade nacional e operam em escala

global e separam o capital do trabalhador. No dizer de IANNI (1996, p. 89), nas

relações sociais “globalizam-se perspectivas e dilemas sociais, econômicos,

políticos e culturais”.

O tema tem por fundamento a constatação de que na expansão

sucroenergética, ou na territorialização da cana-de-açúcar, o capital

internacional apoderou-se de parte das terras disponíveis nas regiões de

abrangência, mediante cultivo próprio, compra da cana de fornecedor e

mediante arrendamento/parceria. Com o domínio da terra, as empresas

impuseram, também, mudanças significativas nas relações de trabalho e no

ambiente físico para as demais formas particulares de cultivo. Assim, pequenas

glebas rurais, que eram exploradas pelo trabalho imediato, foram somadas em

extensão às demais pequenas propriedades e deram lugar a uma vasta lavoura

canavieira, regida por conglomerados e agências mundiais. Sítios e fazendas

passaram a ser arrendados pelas empresas sucroenergéticas, com a finalidade

de produzir matérias-primas às indústrias.

A expansão da lavoura de cana acarretou a disputa pelo território

disponível, sobrepondo-se a outras lavouras, como a soja, o milho e a

pecuária. Nos municípios do centro da Região Administrativa de Araçatuba,

São Paulo, a produção de cana ocupa considerável parte do território, sendo

que em um dos municípios analisados o cultivo de cana representa 58,1% do

território municipal (CANASAT, Valparaíso-SP, 2012). Segundo o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, “o Estado de São Paulo participa

com 55,6% da produção nacional, sendo o principal produtor” de cana do

Brasil. (Levantamento Sistemático de Produção Agrícola - IBGE, 2013, p. 9).

A razão da busca pela ocupação do solo é porque à indústria extrativa

“falta um dos elementos do capital constante, a matéria-prima” (MARX, 1980, p.

886), que deve ser apropriada. As empresas oligopólicas apoderaram-se das

terras de cultivo de cana, - de forma direta ou de maneira indireta, mediante

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contratos - para submetê-las à produção de matérias-primas para a

industrialização.

Consequentemente, está em curso, nos estados produtores de cana-de-

açúcar, um conjunto de reorganizações do trabalho, que necessita de

categorias analíticas para que seja apreendida corretamente a realidade em

mudança. A categoria singular/universal foi acionada para esta finalidade. De

acordo com ela, entende-se a necessidade de uma mudança na base técnica

do trabalho. Diante da necessidade do plantio e da colheita em larga escala, a

mudança no método de produção ocorre com a incorporação de máquinas no

processo de cultivo.

Pelas observações em locais de plantio, constatou-se que ainda há

regiões em que não houve a total substituição do trabalho do homem, adiada

por algum tempo. Como exemplo, cita-se que o trabalho braçal, feito por

aproximadamente 500 homens na colheita, foi substituído pelo labor de dois

homens, os quais operam a máquina colhedora e o transbordo. O plantio da

cana e a pulverização de herbicidas e defensivos, que eram realizados pela

mão humana, também já são executados por máquinas. A evolução das forças

produtivas garante maior volume de produção, realizado em menos tempo. O

trabalho no cultivo da cana, ao ser objetivado e especializado, também torna-se

simplificado. Para acompanhar as mudanças, buscou-se a historicização das

formas de trabalho no cultivo da cana.

O desemprego acompanha esse movimento produtivo. No campo, e

especificamente na lavoura de cana, por conta da mecanização - uma

necessidade para o desenvolvimento das forças produtivas e do rendimento da

lavoura – colocam-se desafios aos trabalhadores rurais, aos agricultores de

trabalho imediato e aos assentados. O Estado participa desse momento social,

apresentando-se como o estado do capital e não somente o estado dos

capitalistas. A ele cabe organizar o parasitismo social. O mundo de

desempregados, jogados fora das profissões condenadas pelas forças

produtivas, é a situação em que se dá a nova função do Estado: cuidar do

trabalho improdutivo. (ALVES, 2005, p. 180).

A produção da cana, intimamente ligada às usinas sucroenergéticas, e a

necessidade de força de trabalho especializada se fazem sentir. Assim,

averiguaram-se as modificações nas relações de trabalho ocorridas diante da

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alteração do método de produção da cana e as novas funções das empresas e

do Estado. As empresas, diante das necessidades, procuram capacitar seus

empregados, como tratorista, operador etc. e, normalmente, encarregam o

Estado de realizá-lo, mediante parcerias, justificadas pelas obrigatórias

contribuições às instituições e às associações de assistência.

Por outro lado, nem todo plantio de cana está vinculado à produção de

açúcar, álcool e energia. Desta maneira, verificou-se como a modernização do

cultivo ajustou-se às pequenas propriedades, onde se cultiva a cana com vistas

à alimentação animal. Ali está uma das alternativas de produção.

Para a realização da pesquisa elegeram-se como loci municípios

localizados na Região Administrativa de Araçatuba, São Paulo, onde a cana-

de-açúcar representa a principal produção agrícola.

Justifica-se o estudo pelo contexto histórico de produção agrícola

realizada com trabalho imediato que, ao passar dos anos, cede lugar à

exploração de monoculturas com trabalho assalariado, tornando-se a região

uma das mais desenvolvidas, em termos de forças produtivas no ramo da

cana. Também representa uma das áreas de forte expansão de usinas

sucroenergéticas, tendo em vista que o clima e o solo são favoráveis à referida

cultura, o que fornece boa renda fundiária. O movimento do capital

internacional, em forma oligopolizada, somado aos incentivos fornecidos pelo

Estado, é similar ou idêntico para várias regiões do cultivo de cana. Esta

universalidade presente na produção de cana manifesta-se de forma singular

em cada local de seu cultivo.

O estudo obteve maior proveito porque o levantamento de fontes

primárias, mediante questionários aplicados, foi viável pelo acesso aos

sindicatos dos trabalhadores e produtores da região e aos trabalhadores rurais

das usinas do local, o que permitiu concluir o estudo em tempo exigido pelo

Programa.

O objetivo geral da pesquisa consistiu em analisar o trabalho despendido

em todo o processo de cultivo da cana-de-açúcar a fim de verificar como,

historicamente, as relações sociais modificaram as formas de trabalho e

exigiram novas funções do Estado.

Os objetivos específicos desenvolvidos na pesquisa assim se definem:

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- Verificar o cultivo de cana que, mediante a modificação da base técnica

do trabalho com a introdução de máquinas, modificou o processo de trabalho,

destruiu o domínio do conhecimento do trabalhador direto e modificou o

ambiente.

- Entender as formas e características dos contratos de fornecimento da

cana-de-açúcar e os parâmetros da produção e precificação estabelecidas

pelas usinas sucroenergéticas, diante dos novos métodos de trabalho cultivo,

nos municípios localizados na região Noroeste Paulista (Mirandópolis, Lavínia e

Valparaíso).

- Analisar as relações sociais estabelecidas no cultivo da cana-de-

açúcar, que modificaram a estrutura fundiária e social, além de que instituíram

a força de trabalho adequada aos interesses das usinas.

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2 Revisão da Literatura

Analisando a história da colonização brasileira, observou-se que a cana-

de-açúcar foi trazida para o Brasil Colônia pelos portugueses, conforme o

Pacto Colonial estabelecido pelos países europeus para suas colônias. A força

de trabalho utilizada nos engenhos de cana foi indígena, primeiramente, até

que as tribos escravizáveis fossem desgastadas. Em segundo momento, os

negros africanos foram trazidos para o país a fim de incrementar a produção

açucareira e acabaram por compor o contingente fundamental da força de

trabalho sob a forma de escravização. (RIBEIRO, 1995). O ciclo de cana foi

cedendo lugar, historicamente, para o ciclo do café, permanecendo em grande

volume nos estados do Nordeste. Com a introdução do álcool como

combustível, a cana voltou a ser cultivada nacionalmente.

No século XX, o Estado começou a investir no potencial energético do

álcool. Vários estudos, como os do Instituto Nacional de Tecnologia – INT,

foram iniciados com o objetivo de utilizar o álcool como combustível. Em 1931,

através do Decreto 19.717, o governo brasileiro determinou a mistura de 5% de

álcool na gasolina importada pelo país e, mais tarde, por meio do Decreto Lei

737/1938 estendeu o referido percentual de mistura à gasolina nacional e

implantou a primeira refinaria de petróleo. Ainda em 1933 criou-se o Instituto do

Açúcar e do Álcool - IAA, o qual foi responsável pela organização das bases

para o aumento da produção alcooleira, momento em que financiou destilarias

nas usinas de açúcar. (BRASIL - Ministério da Ciência e Tecnologia -

Comunicação Nacional Inicial do Brasil à Convenção Quadro das Nações

Unidas sobre Mudança Climática, 2004).

Na década de 40, a mistura de álcool à gasolina alcançou patamares

elevados, tendo em vista a dificuldade de abastecimento de petróleo gerada

pela II Guerra Mundial. Já na década de 1960, o Brasil se tornou importante

abastecedor açucareiro do Ocidente, tendo em vista o banimento de Cuba

(segundo maior produtor de cana da América na época) da Organização dos

Estados Americanos (OEA). Havendo aumento da demanda por produtos

derivados da cana, foi necessário o investimento e estímulo de inovações

tecnológicas, sendo que a década de 70 foi marcada pelo fomento à

modernização (PLEC et al., 2007).

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Outro ponto marcante dos anos de 1970 está relacionado com a queda

do preço externo do açúcar e aumento do preço do petróleo. Neste momento o

álcool combustível retorna à matriz energética do Brasil e há a determinação do

uso exclusivo do etanol como carburante. O impacto econômico dos choques

do petróleo despertou a necessidade de se adotar medidas para minimizar o

desequilíbrio da balança comercial brasileira e um dos programas adotados foi

investir em fontes alternativas ao petróleo importado. (BRASIL - Ministério da

Ciência e Tecnologia - Comunicação Nacional Inicial do Brasil à Convenção

Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, 2004).

Assim, desenvolveu-se em 1975, o Programa Nacional do Álcool

(PROÁLCOOL) que incentivou a produção e uso do álcool como combustível

em substituição à gasolina. Desde este momento até meados da década de 80

o Brasil passou por expansão horizontal de áreas cultivadas com cana e, após,

houve a expansão vertical, importando em transformações tecnológicas do

processo de produção e organização do trabalho (PADRÃO, 1997).

Nessa conjuntura favorável, a região administrativa de Araçatuba

intensificou a produção de cana na década de 1980. FREITAS e SPAROVEK

(2006, p. 1) escrevem:

“A vitória do Brasil da Organização Mundial do Comércio

(OMC), contra subsídios europeus à exploração de

açúcar, o advento dos carros bi-combustíveis e a

necessidade de fontes de energia renováveis que venham

a substituir os combustíveis fósseis, são alguns dos

fatores que vem causando crescente demanda por

produtos sucroalcooleiros. Para atender tal demanda, no

estado de São Paulo está sendo realizada uma intensa

busca por novas áreas aptas para o plantio de cana de

açúcar”.

Atualmente o Brasil é líder mundial de produção de açúcar e etanol da

cana-de-açúcar. Conforme dados do Ministério da Agricultura (BRASIL, 2014) o

país deverá alcançar a taxa de 3,25% de aumento da produção até 2018/19.

Estima-se colher 47,34 milhões de toneladas do produto. Este dado revela que

a utilização de tecnologia e a fixação de preço depende do capital (da

produção) mundial.

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Para implementar a cultura de cana, destacam-se algumas instituições

que realizam importantes atividades no setor de pesquisa e ciência e amparo

aos produtores de cana. Neste sentido, citam-se algumas destas instituições:

Instituto Agronômico de Campinas (IAC) fundado em 1887 e que, desde 1892,

realiza pesquisas específicas com cana-de-açúcar; Cooperativa de Produtores

de Cana–de–açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo

(COPERSUCAR), criada em 1959; União dos Produtores de Bioenergia -

UDOP, fundado em 1985 pela necessidade das destilarias autônomas de

etanol, do oeste paulista, trocarem informações sobre o setor após o início do

PROÁLCOOL; Conselho Interministerial do Açúcar e Álcool – CIMA, instituído

em 1997 para direcionar as políticas do setor sucroalcooleiro, tendo em vista a

externalidade positiva do álcool.

As modificações econômicas e sociais, ocorridas no Brasil e no exterior,

proporcionaram o desenvolvimento de um importante nicho industrial, mas que

deu início a uma nova conjuntura de exploração do trabalho do homem.

Analisando os acontecimentos históricos, é possível identificar como a força de

trabalho e a mecanização foram empregadas na produção de cana.

O aprimoramento das máquinas, com o objetivo de obter apurada

eficiência e aumento da produção para atender o mercado interno e externo,

atinge diretamente o trabalho realizado pelo homem. Este trabalho e as

relações sociais provenientes das mudanças são abordados neste estudo.

2.1 Capital e Relações Sociais

Assim, agregando-se os eventos favoráveis e o financiamento dos

governos às necessidades do mercado, fez-se sentir a força dos oligopólios e o

poder do capital na organização da cultura canavieira. É preciso entender,

primeiramente, que o capital não é uma coisa.

“O capital não é coisa — ferramenta ou máquina. Nada

mais despropositado do que imputar ao arco-e-flecha do

índio tribal à natureza de capital. Tampouco basta afirmar,

como Ricardo, que o capital é “trabalho acumulado”. O

arco-e-flecha cristaliza trabalho acumulado e, todavia, não

serve a nenhuma finalidade de valorização capitalista, ou

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seja, de incremento do valor inicial adiantado”. (MARX,

1996, p. 33)

Capital é relação social. É a relação que separa o trabalhador do

proprietário e é instrumento de exploração do trabalho:

“A fim de que o trabalho acumulado nos bens de

produção assuma a função de capital é preciso que se

converta em instrumento de exploração do trabalho

assalariado. Em vez de coisa, o capital é relação social,

relação de exploração dos operários pelos capitalistas. As

coisas — instalações, máquinas, matérias-primas etc. —

constituem a encarnação física do trabalho acumulado

para servir de capital, na relação entre o proprietário

dessas coisas e os operários contratados para usá-las de

maneira produtiva”. (MARX, 1996, p. 33)

As usinas sucroenergéticas são oligopólios e expressam “um setor no

qual existe apenas um pequeno número de vendedores importantes. Estas

empresas produzem todo ou a maioria do produto do setor”. (FRANK, 1998, p.

429). A interação estratégica entre elas é de conluio, o que dificulta a adoção

de medidas para reduzir os impactos gerados por sua atuação no mercado e

no meio ambiente natural e do trabalho. As usinas convergem na precificação

padronizada da cana e algumas submetem os trabalhadores a condições

degradantes de labor, seguindo o preceito da monopolização do mercado. Elas

não estão inumes ao lucro, às custas da dignidade da pessoa humana e ao

saque desenfreado dos recursos naturais.

As relações sociais, presentes na agroindústria canavieira, têm-se

constituído um importante foco de investigações e estudos por parte de

especialistas de diversas disciplinas, que destacam o controle exercido pelo

capital sobre o trabalho. PADRÃO (1997, p. 132) escreve: “Ainda que o

controle sobre o processo de trabalho não conforme um objeto específico de

investigação, pode-se afirmar que análises em torno da questão têm permeado

parte considerável destes estudos”.

PADRÃO (1997, p. 133) ainda aponta que:

“[...] Estes estudos têm se mostrado consensuais no

estabelecimento de uma certa periodização acerca da

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trajetória recente da agroindústria canavieira,

considerando duas fases distintas. A primeira delas

corresponderia ao período compreendido entre os anos

de 1975 (momento de lançamento do Proálcool) até

meados da década de 80, e se caracterizaria por uma

significativa expansão horizontal da área cultivada com

cana-de-açúcar no país. O segundo momento, que

cronologicamente se sucederia ao primeiro, e que mais

nos interessaria, seria caracterizado por uma expansão

vertical desse cultivo, que implicaria importantes

transformações tecnológicas no processo de produção e

na organização do trabalho”.

A venda da imagem de produção de energia e combustível limpos é uma

das estratégias do capital para a expansão canavieira. Contudo, apesar de o

álcool ser considerado um combustível vegetal, renovável e limpo, as

condições de sua produção expressam um modelo destrutivo e marcado pela

degradação do meio ambiente, com uma paisagem “verde” que se estende por

quilômetros, e da situação social dos trabalhadores do campo e dos operários,

os quais atuam na cadeia produtiva do setor. (SANTOS, 2009).

2.2 Pesquisas Realizadas sobre a cana-de-açúcar

As condições de trabalho, especialmente as relacionadas ao corte

manual da cana e do cultivo mecanizado, foram levantadas por pesquisadores.

Tendo como foco o trabalho despendido pelo homem, os pesquisadores

demonstraram o processo de cultivo e a constante reestruturação do processo

produtivo que se relaciona com a quantidade de força de trabalho empregada e

a especialização deste trabalhador. (PADRÃO, 1997; ROSSINI, 2009; SILVA,

1999; OLIVEIRA, 2010; SANTOS, 2009; FREITAS e SPAROVEK, 2006;

LOPES, 1976).

O governo estadual de São Paulo investiu intensamente em pesquisas

aplicadas à produção, ao consumo e à distribuição do etanol e de seus sub-

produtos. A literatura, que correlaciona a tecnologia aplicada com o labor

humano, tem tido como enfoque a reprodução do capital e as condições de

trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar. Analisa o movimento do capital na

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expansão da indústria sucroenergética e os impactos ambientais e

socioeconômicos advindos desta realidade. A exploração do trabalho do

homem, as jornadas de trabalho exaustivas, as condições insalubres de

alojamentos e refeitórios foram estudados por pesquisadores como ALVES,

(2006), o qual expõe os motivos que levam um cortador de cana ao óbito e,

ainda, a polêmica sobre os pagamentos por produção e a migração de

trabalhadores do norte do país para o corte de cana no estado de São Paulo.

Outros pesquisadores que abordam o tema são: BACCARIN, ALVES e

GOMES, (2008); SPECIAN e FIGUEIREDO, (2010).

SANTOS (2009) faz um paralelo entre a expansão e acumulação do

capital no complexo canavieiro do Brasil frente aos impactos ambientais

advindos da monocultura de cana e as condições de vida e trabalho

degradantes nos canaviais. Analisa a queima da palha e os reflexos negativos

que as queimadas geram para o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores e

moradores do entorno dos plantios. Contudo, esta perspectiva abre espaço

para a discussão sobre o emprego de máquinas para realização da colheita da

cana crua, o que minimiza impactos ambientais, mas gera um significativo

impacto social, qual seja, o desemprego e a formação de exército de reserva

dos trabalhadores que outrora plantavam e colhiam a cana. Sobre o assunto

citam-se alguns pesquisadores: DELGADO (2012); VIEIRA e SIMON (2005).

A mecanização das lavouras também é objeto de análise para a

caracterização da mudança da base técnica do trabalho aplicado no preparo do

solo, plantio, manutenção e colheita da cana-de-açúcar. O retrospecto histórico

que aponta a substituição da enxada e do facão pela plantadora e colhedora e

considera as pessoas, que trabalham na produção da cana, como “apêndice”

da máquina altamente sofisticada. Segundo ROSSINI (2009, p. 2-3):

“A aceleração da substituição de trabalho de homens e

mulheres dedicados a atividade por máquinas é

significativo e não tem havido a contrapartida

correspondente e no mesmo nível de aceleração para o

preparo destas pessoas ou para exercerem outras

atividades remuneradas ou para assumirem o comando

das máquinas. A resposta tem sido a exclusão da mão-

de-obra volante e da mão-de-obra permanente dedicada

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às atividades do plantio, tratos culturais e colheita. (...) A

constatação da intensificação das relações capitalistas na

agricultura, o deslocamento da família operária do campo

para a “cidade”, sem, no entanto desvinculá-la da

atividade agrícola, torna-se parte essencial no trabalho de

campo realizado na mais importante área canavieira do

Estado de São Paulo - Ribeirão Preto”.

Faz parte deste estudo a descrição da sequência de tarefas realizadas

no cultivo da cana e as mudanças nas relações de trabalho introduzidas nos

últimos 30 anos. Assim, por ser o objeto de estudo as relações socais do

trabalho e do meio-ambiente, é preciso entender o trabalho abstrato e o

trabalho concreto, definidos por Marx. A necessidade desta discussão refere-se

a uma maior possibilidade de análise do estudo, visto que há uma distinção e

uma contradição entre trabalho concreto e trabalho abstrato. O trabalho

concreto tem a ver com a aparência, o empírico, o dado, o trabalho abstrato

com a universalidade do empírico. É impossível trabalhar o método

singular/universal sem essa distinção e esse entendimento.

2.3 Trabalho Abstrato e Trabalho Concreto

O trabalho abstrato e o trabalho concreto têm por base a categoria

denominada mercadoria. Toda a produção capitalista toma a forma de

mercadoria. A riqueza das nações provém da produção de mercadorias, que

satisfazem “o estômago ou a fantasia”. (MARX, 1996, p. 165).

A mercadoria, inicialmente, é um valor-de-uso por ser útil para satisfazer

necessidades dos homens. Mas, pode tornar-se o seu contrário: valor-de-troca

ou a que vai ser levada ao mercado para trocar, aspecto essencial para a

reprodução do capital. O valor-de-troca é uma relação qualitativa, que

pressupõe alguma substância comum a todos os trabalhos humanos e não é

perceptível empiricamente. Essa substância comum é o trabalho humano

abstrato, despido de suas especificidades e considerado como dispêndio de

energias humanas, físicas e intelectuais.

Assim, o trabalho tem duplo caráter: o trabalho concreto, que se

manifesta no valor-de-uso; e trabalho abstrato que se manifesta no valor-de-

troca:

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“No concernente à mercadoria, o valor-de-uso é o suporte

físico do valor. Não pode ter valor o que carece de valor-

de-uso. Que a mercadoria possua o caráter dúplice de

valor de uso e valor resulta do caráter também dúplice do

próprio trabalho que a produz: trabalho concreto, que

responde pelas qualidades físicas do objeto, e trabalho

abstrato, enquanto gasto indiferenciado de energia

humana. O trabalho abstrato, pelo fato de estabelecer

uma relação de equivalência entre os variadíssimos

trabalhos concretos, vem a ser a substância do valor”.

(GORENDER, 1996, p. 30)

Ao considerar a mercadoria como forma molecular do capital, o duplo

caráter do trabalho, nela contido, serve como hipótese-chave para o

entendimento dos fenômenos econômicos. Concisamente, o trabalho abstrato

aparece na produção de mercadoria como valor-de-troca, sendo que o trabalho

concreto aparece na produção da mercadoria como valor-de-uso. O dinheiro é

um exemplo de categoria que expressa o trabalho abstrato. É uma mercadoria

especial que serve de equivalente universal do valor-de-troca de todas as

mercadorias.

O que ocorre com a introdução de máquinas nas lavouras é a

simplificação e a objetivação do trabalho, destituindo o trabalhador do

conhecimento total da produção naquele ramo específico. É o que se

caracteriza como alienação. Caracteriza, também, maior produção de valores,

que são criados pela atividade humana. MARX (1996, p. 318) exemplifica como

aparece o valor. O marceneiro, por exemplo, agrega,

“[...] valor a seu material mediante uma jornada de

trabalho. Agrega valor, portanto, mediante seu trabalho

não por ser trabalho de fiação ou de marcenaria, mas por

ser trabalho abstrato, social geral, e agrega determinada

grandeza de valor não por ter seu trabalho um conteúdo

particular, útil, mas porque dura um tempo determinado”.

Em virtude de o dispêndio de força de trabalho humano ser de

propriedade abstrata,

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17

“[...] o trabalho do fiandeiro agrega novo valor aos valores

do algodão e do fuso. Em virtude de sua propriedade

concreta, específica, útil, como processo de fiação,

transfere o valor desses meios de produção ao produto e

recebe assim seu valor no produto”. (MARX, 1996, p. 318)

O valor da mercadoria é o trabalho abstrato empregado em sua

produção e que representa, também, o trabalho alienado da sociedade

burguesa. Ou seja, a alienação econômica consiste em destituir o trabalhador

do controle do trabalho e do resultado de seu trabalho. A introdução das

máquinas na lavoura destitui o trabalhador do conhecimento total da produção

naquele ramo específico, mas também, diminui o trabalho necessário,

aumentando o trabalho excedente.

No processo da produção capitalista, em sua evolução mais avançada, a

da maquinaria, há uma inversão homem/coisa. Conforme MARX (1996), na

produção capitalista, por não ser apenas um processo de trabalho, mas

também um processo de valorização do capital, ao invés do trabalhador utilizar

as condições de trabalho, são as condições de trabalho que utilizam o

trabalhador.

O trabalho abstrato, que, no cultivo da cana, expressa os trabalhos

assalariados, imediatos, despendidos em várias propriedades rurais de

diversos tamanhos, traz o caráter de alienação, de exploração e de submissão

ao capital, direta ou indiretamente.

2.4 O Estado e a Ampliação do Capital

IANNI escreve que o Estado burguês garante seu domínio de classe e a

continuidade da acumulação do capital. Nesse processo, “continuam a

desenvolver-se as forças produtivas e as relações capitalistas de produção”.

“Justifica-se a necessidade do Estado forte, abrangente, ativo, repressivo, que

oprime o trabalhador, o operário e o camponês, segundo os interesses do

grande capital financeiro e monopolista” (IANNI, 1996, p. 187). O autor afirma:

“O Estado não é senão o poder total organizado das classes possuidoras, dos

proprietários de terras e dos capitalistas em face das classes exploradas, dos

camponeses e dos operários” (IANNI, 1996, p. 220).

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18

Nessa perspectiva, o Estado participa do movimento social,

apresentando-se não somente como Estado dos capitalistas, mas também,

como Estado do capital. No primeiro caso, seu papel, como regulamentador e

normatizador da expansão do capital agroindustrial canavieiro, é dar apoio às

indústrias com suas políticas públicas, por meio dos créditos rurais, de

pesquisas agropecuárias, de instrumentos de regulação dos preços e dos

mercados, de estruturas de armazenamento e de outros. Como Estado do

capital, assume uma nova função, a de organizar o parasitismo sociológico e

cuidar do trabalho improdutivo, dos desempregados, jogados fora das

profissões do trabalho produtivo pelo desenvolvimento das forças produtivas.

Nessa situação, encontram-se os trabalhadores da cana-de-açúcar que foram

jogados fora do cultivo da cana, pois, as tarefas foram mecanizadas ou estão

em processo de mecanização total.

Sobre a nova função de cuidar do trabalho improdutivo, assumida pelo

Estado, ALVES (2005, p. 176) esclarece que “a fase monopolista do

capitalismo passa a ser a fase do domínio do capital financeiro, enquanto o

capitalismo competitivo havia sido a época dominada pelo capital industrial”. O

autor ainda afirma que uma das peculiaridades da nova fase de domínio do

capital financeiro é o das inovações tecnológicas:

“[...] Com o advento da máquina moderna e ao sabor das

inovações tecnológicas, a sociedade capitalista passou a

produzir imensa quantidade de excedente. Por força das

constantes inovações, em contrapartida, grandes

contingentes de trabalhadores produtivos foram liberados

pelas empresas, fazendo crescer o exército industrial de

reserva.

A outra peculiaridade é o caráter parasitário assumido pelo capitalismo:

“Contraditoriamente, esse processo, cuja tendência é se

exacerbar de forma progressiva, vem concentrando

extraordinariamente a riqueza social, de um lado, e o

número de ociosos e miseráveis, de outro. O parasitismo

reflete-se especialmente, na evidência de que esses

ociosos passam a ter a sua existência assegurada pelo

consumo de parcelas de mais–valia, segundo formas de

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participação concedidas e controladas pelo capital, mas

com a mediação necessária do Estado”. (ALVES, 2005, p.

177).

O Estado assumiu uma política de intervenção na economia para conter

as crises cíclicas, tornando-se mantenedor de empresas ao lado das empresas

privadas. Para que isso fosse possível, o Estado aumentou a receita derivada,

através de arrecadação de impostos, venda de títulos públicos e empréstimos

internos e externos. “Todavia, esta tendência não se configurou lesiva aos

interesses das empresas privadas (...) pois, o estado investiu em indústrias de

base e em infra-estrutura para suprir a ausência de investimentos nessas áreas

prioritárias”. (ALVES, 2005, p. 177-178)

As empresas privadas, movida pela necessidade de lucro imediato, não

assumem voluntariamente a citada forma de apaziguamento social,

necessitando de apoio estatal. O compromisso do Estado na fase monopolista

e contemporânea é com o capital, motivo pelo qual investe em meios de se

garantir a reprodução do capital. (ALVES, 2005, p. 178).

2.5 A Propriedade Fundiária

O processo de desenvolvimento do capitalismo no campo é demarcado

pela relação entre indústria e a agricultura. Assim, acontece, também, no

cultivo da cana-de-açúcar. Numa primeira forma, o capital expande a produção

no campo, especificamente, sob a forma de latifúndio. Sendo proprietário

privado de canaviais, o capitalista industrial transforma a terra em geradora de

lucros, mediante exploração direta dos trabalhadores: “A propriedade fundiária

supõe que certas pessoas têm o monopólio de dispor de determinadas porções

do globo terrestre como esferas privativas de sua vontade particular”. (MARX,

1980, p. 707).

Uma segunda forma de cultivo da cana-de-açúcar é o arrendamento de

terras, que pertencem a algum proprietário agrícola, por parte do capitalista

arrendatário. Nessa ótica, “a renda fundiária se configura em determinada

quantia que o proprietário do solo recebe anualmente pelo arrendamento de

um pedaço do globo terrestre” (MARX, 1980, p. 714).

Aparentemente, a propriedade da terra é um obstáculo ao

desenvolvimento do capitalismo no campo, porque cobra um tributo do capital:

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“Isso ocorre porque para o capitalista explorar a terra, ele precisa pagar renda

ao proprietário da terra, seja por meio da compra ou do arrendamento”

(ALMEIDA, 2009, p. 1). Em vez de gerar conflitos, há, ao contrário, um contrato

entre o capitalista e o proprietário da terra. Com a aliança, o capitalista gasta

uma parte do capital que possui. Transfere renda “ao proprietário da terra

(quando se trata de arrendamento), mediante exploração direta dos

trabalhadores” (ALMEIDA, 2009, p. 1). Extrai lucro, mediante exploração direta

dos trabalhadores, e paga renda ao proprietário que arrenda o solo a ele.

Assim, “parte da mais-valia produzida pelo capital cabe ao proprietário da

terra”. (MARX, 1980, p. 705).

Na forma de arrendamento, o capitalista disponibiliza a terra para a

produção. A aliança entre capitalista e proprietário da terra, afirma MARTINS

(1994, p. 153) “fragiliza enormemente os trabalhadores, em particular os

trabalhadores rurais”.

2.6 A Renda Fundiária Diferencial e a Absoluta

A renda fundiária divide-se em renda diferencial e em renda absoluta, e

tem, como condição, a propriedade privada da terra. De acordo com LENZ

(1981) a ocorrência da renda diferencial deve-se a fatores internos a esse ramo

e ocorre, sempre, dentro de um ramo específico de produção, como a

agricultura; a renda absoluta surge do confronto entre dois ramos distintos, a

agricultura e a indústria.

No caso da renda diferencial, os produtos são vendidos aos preços de

produção, como todas as demais mercadorias, pelo preço regulador do

mercado, ou, pelo tempo de trabalho socialmente necessário, ou ainda, pelo

preço de custo médio da mercadoria nas condições médias do capital em todo

o ramo de produção: “Os produtos que pagam essa renda são vendidos aos

preços de produção, como todas as outras mercadorias. Nesses produtos,

parte da mais-valia, e do preço global, se reduz à renda fundiária” (MARX,

1980, p. 734). Na explicação, MARX (1980, p. 727) afirma estar ali: “A

confissão de que os arrendatários retiram do salário uma fração que sob o

nome de renda fundiária transferem para o bolso do proprietário da terra”.

As condições naturais não causam a geração da renda diferencial, mas,

se constituem a sua base, pois, é a produtividade excepcionalmente acrescida

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do trabalho humano sobre essa base natural, que gera essa renda. Assim, a “a

renda fundiária só é paga pelo solo que fornece o produto a preço individual de

produção abaixo do preço de produção que regula o mercado, surgindo, assim,

lucro suplementar que se converte em renda” (MARX, 1980, p. 860).

A renda fundiária absoluta atingirá a sua magnitude máxima quando o

preço do mercado atingir o valor da mercadoria. Ela se dá quando do

desenvolvimento da agricultura que está em confronto com a indústria. Para a

existência da renda fundiária absoluta, é necessário, então, que na agricultura

os valores dos produtos sejam superiores aos seus preços de produção,

calculados com a taxa média de lucro da economia.

Daí, a importância da propriedade fundiária, pois, como primeira

característica, a renda fundiária absoluta tem como condição necessária a

existência da propriedade privada da terra.

A indústria extrativa necessita da terra cultivada. A renda provém “do

valor, mais particularmente da mais-valia das mercadorias, a qual em vez de

caber à classe capitalista que a tirou dos trabalhadores, pertence aos

proprietários que a extraíram dos capitalistas” (MARX, 1980, p. 886).

O estudo da renda fundiária cabe na análise da transformação do

camponês, proprietário da terra, em assalariado dos oligopólios

sucroenergéticos. Com a elevada produção de cana, exigida pelo mercado, os

produtores passaram a atender às demandas propostas e a produção de suas

terras é destinada à indústria de açúcar, álcool e energia. Assim, no cultivo da

cana em pequena propriedade rural, ou há a venda direta do produto à

indústria ou há arrendamento/parceria da propriedade ao capitalista.

Entretanto, percebe-se que, mesmo com o aumento do domínio do

capital, não há, em todo o setor, a sujeição real do trabalho, porque ainda é

possível identificar pequenos proprietários que continuam donos das terras e

dos instrumentos do trabalho. Há, sim, controle e fixação de produção e

qualidade da cana e, principalmente, de preços e formas de pagamento por

parte do capitalista industrial.

2.7 A Valorização do Capital pelo Emprego da Maquinaria

Com a modernização da produção da cana–de-açúcar, houve a

necessidade de divisão do trabalho e o emprego de máquinas que otimizassem

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os resultados. A força do capital e o fetichismo inerente à grande indústria

sucroalcooleira modificaram a natureza do trabalho e a visão que o homem

possuía sobre os meios de produção.

O trabalho vivo realizado pelos operários do açúcar é constantemente

absorvido pelo trabalho morto, pelos meios de produção, compondo o quadro

de intervenção entre o homem e a coisa que caracteriza o modo de produção

capitalista. (LOPES, 1976).

O capital valoriza-se originalmente com o prolongamento da jornada de

trabalho ou, o que é idêntico, com a produção de mais-valia absoluta. A

introdução de máquinas na produção diminui o tempo de trabalho necessário e

aumenta o tempo excedente, sem prolongar a jornada de trabalho.

MARX (1980, p. 425) esclarece: “A maquinaria consiste em três partes,

essencialmente, distintas: o motor, a transmissão e a máquina”. Motor: é a

força motriz de todo o mecanismo (máquina a vapor, a ar quente,

eletromagnética) que produz a sua própria força ou recebe impulso de uma

força natural externa (roda hidráulica, a força do vento). Transmissão: é

constituída de volantes, eixos, rodas dentadas, turbinas, barras, cabos, cordas,

dispositivos e engrenagens de transmissão. Regula o movimento e o

transforma conforme o fim desejado. Máquina-ferramenta: não são mais

instrumentos do homem e, sim, ferramentas de um mecanismo, instrumentos

mecânicos, que realizam o trabalho. A máquina-ferramenta é, portanto, um

mecanismo que, ao lhe ser transmitido o movimento apropriado, realiza com

suas ferramentas as mesmas operações que, antes, eram realizadas pelo

trabalhador com ferramentas semelhantes. (MARX, 1980, p. 426-427). A

revolução industrial apoderou-se primeiro da ferramenta.

No período manufatureiro e até antes, as ferramentas transformaram-se

em máquinas, mas, apesar disso, não revolucionaram o modo de produção

(MARX, 1980, p. 428). A própria máquina a vapor do século XVII, no período

manufatureiro, até começo do século XVIII, não provocou nenhuma revolução

industrial. A criação das máquinas–ferramentas tornou necessária uma

revolução na máquina a vapor. A máquina da revolução industrial substituiu o

trabalhador, que maneja uma única ferramenta, por um mecanismo que, ao

mesmo tempo, opera um determinado número de ferramentas idênticas e é

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acionado por uma única força motriz, qualquer que seja sua forma. Temos,

então, a máquina (MARX, 1980, p. 429).

Historicamente, produziu-se uma máquina motriz ou um motor que

“pode agora impulsionar ao mesmo tempo muitas máquinas-ferramentas”.

(MARX, 1980, 431), resultando um produto inteiro feito por uma só máquina.

Na manufatura, isso não era possível, pois, realizava-se como o descrito na

fabricação de envelopes: um trabalhador dobrava o papel com a dobradeira,

outro passava a goma e um terceiro dobrava a aba do envelope na qual fica a

divisa que um quarto estampava etc. Cada envelope passava de mão em mão

nas operações parciais. Marx refere-se à feira industrial de Londres que, em

1962, expôs uma “máquina americana de fazer pacotes de papel, que corta o

papel, cola e dobra-o e faz o acabamento de 300 peças por minuto”. (MARX,

1980, p. 431). Marx cita Wyatt que inventou a máquina de fiar em 1735,

momento em que começou a revolução industrial. Ele disse: a “máquina para

fiar sem os dedos” (MARX, 1980).

2.8 Meio Ambiente do Trabalho e o Princípio Constitucional da Dignidade

da Pessoa Humana

O “meio ambiente do trabalho é aquele que está diretamente relacionado

com a segurança do trabalhador em seu local de trabalho” (SIRVINSKAS,

2003, p. 303). Ou seja, o local de trabalho é o ambiente onde o trabalhador

está diretamente exposto aos riscos dos produtos perigosos ou a uma atividade

insalubre.

Determinados setores possuem ambientes de trabalho naturalmente

agressivos, tendo em vista a natureza da atividade desenvolvida. Assim, é

preciso adotar medidas protetivas para que o meio ambiente de trabalho seja

adequado e sadio para o empregado.

Um dos princípios constitucionais de proteção ao indivíduo é o da

dignidade da pessoa humana. Este está expresso no art. 1º, inciso III da

Constituição Federal de 1988 (CF/88) nos seguintes termos:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela

união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e

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tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa

humana”. (BRASIL, 1988).

MENDES et al (2010, p. 216) contextualizam a normatização do princípio

da dignidade da pessoa humana, citando Peter Häberle, que afirma:

“[...] O conteúdo e os limites dos princípios constitucionais

concretos deduzem-se em primeira linha de suas

garantias textuais, e que a cláusula da dignidade humana

prevista no art. 1º, 1, da Lei Fundamental da Alemanha

não constitui uma particularidade dessa constituição, mas

um tema típico e atualmente central para muitos dos

estados Constitucionais integrantes da ‘Família das

Nações”, conforme revelam os respectivos textos

constitucionais. [...] no direito internacional. As referências

à dignidade humana encontram-se em diferentes

documentos, como no da Carta das Nações Unidas, de

26-6-1945; na programática Declaração Universal dos

Direitos Humanos, de 10-12-1948 [...] textos nos quais a

invocação desse valor [...] contém uma dimensão

prospectiva que aponta para a configuração de um futuro

compatível com a dignidade da pessoa”.

Estando o “Estado Democrático de Direito” brasileiro calcado no primado

do trabalho, é imperioso que se assegure a dignidade da pessoa humana em

qualquer circunstância e, principalmente, quando se trata das relações de

trabalho. Na CF/88 há disposição expressa sobre os direitos dos trabalhadores

no seu art. 7º, destacando-se a garantia ao meio ambiente de trabalho

saudável e seguro:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,

além de outros que visem à melhoria de sua condição

social: [...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho,

por meio de normas de saúde, higiene e segurança”;

(BRASIL, 1988).

Ademais, o Ministério Público do Trabalho estabeleceu políticas de

combate a todas as formas de trabalho que degradam a vida do trabalhador,

como por exemplo:

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a) Ênfase ao combate e à prevenção de doenças profissionais e

acidentes de trabalho, visando ao respeito e à dignidade do trabalhador, no que

tange às boas condições de segurança, saúde e higiene do trabalho;

b) Atuação preventiva, buscando reduzir e eliminar os danos à

integridade física, psíquica e moral dos trabalhadores

c) Atividade participativa dos interlocutores sociais, convergindo-se todos

os esforços na prevenção do meio ambiente do trabalho sadio, incluindo o

direito à formação profissional permanente e contínua. (MINISTÉRIO Público

do Trabalho - MS).

A degradação do ambiente de trabalho ainda representa uma realidade

preocupante em todo o território nacional. O Ministério Público do Trabalho e

outros órgãos de proteção à pessoa humana e relações trabalhistas,

constantemente flagram situações de trabalho análogo ao escravo, bem como

a utilização de força de trabalho infantil e indígena em condições insalubres e

degradantes.

No Brasil há uma crônica dificuldade material e sociocultural para tornar

efetivo o princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, não se pode

deixar influenciar pelos ditames legislativos e nem pelo romantismo do direito,

pois até mesmo a legislação existente é falha sob vários aspectos relacionados

à segurança e saúde do trabalho, conforme destaca FIORILLO (2009, p. 392):

“De uma forma geral, verificamos o empenho do estado

em regular as condutas para a preservação e

conservação do meio ambiente laboral, todavia, não se

pode deixar de criticar a ‘tarifação’ feita por conta dos

trabalhos insalubres e perigosos, atribuindo-se valores

ínfimos e que jamais compensariam os prejuízos

experimentados pelo trabalhador”.

A legislação brasileira caminha no seguimento sugerido pelo capitalismo,

tendo em vista que oferece uma parca remuneração para o trabalhador

inserido em atividades insalubres e de periculosidade com vistas a “corrigir” e

“remunerar” as condições ruins de trabalho e, ao mesmo tempo, não onerar o

empregador que necessita manter sua atividade econômica e obter o lucro

almejado. Em situações mais graves, em que a jornada de trabalho extrapola

os limites do organismo humano, a remuneração é tão ínfima e a subordinação

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ao empregador é tamanha que faz refletir se realmente trata-se de um

trabalhador livre. Trabalho em condição degradante e insalubre deveria ser

rechaçado, a fim de evitar a distorção enunciada.

Estas condições de labor, guardada as devidas relações de contexto

histórico, remetem à forma de trabalho na América Latina Colonial em que, na

imensa maioria dos casos, o trabalho aparentemente livre, ao qual se ligava um

salário, quando examinado com cuidado revela encobrir relações de produção

que implicavam a dependência pessoal do trabalhador com o patrão. O salário

aparecia como um artifício contábil, que acentuava a dependência do

trabalhador para com a pessoa que o obrigava a trabalhar. (CARDOSO, 1995).

Neste sentido, mesmo que atualmente se tenha uma vasta legislação

sobre direitos dos trabalhadores e sobre segurança e saúde no trabalho, ainda

é possível identificar “trabalhadores livres” vivendo em situações desumanas e

sem perspectiva de melhoras.

2.9 Legislação Aplicada

As relações sociais, estabelecidas na região de estudo ocasionaram

impactos de degradação ambiental e a expulsão das famílias de pequenos

agricultores, apresentando uma nova paisagem antrópica, que demonstra o

“futuro” das regiões de cana mais recentes. Ali, há a natureza do capital; há

resultados de intensa intervenção humana.

A preservação dos recursos naturais e o desenvolvimento sustentável

passaram a ser o maior desafio do século XXI. Mundialmente se discutem

medidas que podem ser tomadas para recuperação de áreas degradadas, bem

como ações de prevenção de danos ambientais. A proteção do meio ambiente

tornou-se interesse e responsabilidade das nações, através de tratados e

convenções, tais como: Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente

Humano (Estocolmo, 1972); Protocolo de Montreal (1987); Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992. Agenda 21,

Convenção da Biodiversidade e Convenção sobre a Mudança do Clima. Rio de

Janeiro, 1992. ECO-92); Convenção de Viena para Proteção da Camada de

Ozônio; Protocolo de Kyoto; dentre outros.

Para tanto, a Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88)

assegura a defesa ao meio ambiente, dispondo no art. 225 que “todos têm

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direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações” (BRASIL, 1988).

As relações de trabalho na agroindústria estão regulamentadas na

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para o trabalhador rural há

legislação específica, qual seja: Lei n. 5.889/73 e Decreto n. 73.626/74 (artigo

4, parágrafo único). Também lhe são aplicáveis a Lei n. 605/49 que versa sobre

o direito ao Repouso Semanal Remunerado, a Lei n. 8.036/90, que trata do

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e a Lei n. 8.213/91, que dispõe sobre

a Previdência Social.

Contudo, no que se refere à segurança e saúde do trabalhador deve-se

observar a Norma Regulamentadora n. 31 de 04 de março de 2005, editada

pelo Ministério do Trabalho e Emprego (com as alterações da Portaria 2546 de

14 de dezembro de 2011), específica para o setor rural, a qual trata da

segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração

florestal e agricultura.

Ademais, através dos órgãos representativos da classe trabalhadora,

como associações e sindicatos, é possível pactuar condições de trabalho além

das já previstas em lei ordinária. Essa pactuação se dá mediante Convenções

Coletivas ou Acordos Coletivos de Trabalho. Os trabalhadores do corte de

cana, analisados no presente artigo, são representados pelo Sindicato dos

Trabalhadores Rurais.

Em termos ambientais, a produção da cana-de-açúcar, como as demais

culturas, deve respeitar os princípios constitucionais do meio-ambiente

sustentável e equilibrado, bem como as seguintes normas gerais

infraconstitucionais: Lei n. 6.938/81, a qual dispõe sobre a Política Nacional do

Meio Ambiente; Lei n. 9433/97, Política Nacional de Recursos Hídricos; Lei n.

12.651/12, denominada Código Florestal, estabelecendo normas para a

proteção da vegetação, da exploração florestal, do controle da origem dos

produtos florestais e do controle e prevenção dos incêndios florestais,

prevendo, dentre outros pontos, os instrumentos econômicos e financeiros para

o alcance de seus objetivos; Resoluções CONAMA n. 01/1986 e n. 02/1984,

impondo a necessidade da elaboração de Estudos de Impacto Ambiental (EIA)

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e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para a obtenção de licença

para atividades que possam alterar, significativamente, o meio ambiente;

Legislação brasileira sobre agrotóxicos está estabelecida pela Lei n. 7.802/89,

regulamentada pelo Decreto n. 98.816/90.

Especificamente, para o controle de incêndios e gradual eliminação da

queima da palha de cana, foram editadas as seguintes normas: Decreto do

Governo Federal n. 2.661 de 08/07/98; Resolução SMA n. 32, de 17 de maio

de 2012, dispondo sobre os procedimentos relativos à suspensão da queima

da palha da cana-de-açúcar; Lei Estadual (SP) n. 11.241/02, que estabelece

sobre a eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá

providências correlatas; Lei Estadual (SP) n. 10.547/2000; Decreto Estadual

(SP) n. 47.700, de 11 de março de 2003; Decreto n. 8.468/76 que

regulamentou a Lei Estadual n. 997/76; Resolução SMA n. 12/05; Resolução

SMA n. 33/07; Resolução SMA n. 42/07; Resolução SMA n. 32/12; Portaria

CPRN 02/08.

As pesquisas desenvolvidas no sentido de promover o melhoramento

genético da cana-de-açúcar e a promoção de plantas geneticamente

modificadas devem seguir estritamente a legislação brasileira específica, a qual

trata da produção de transgênicos e da sua liberação no meio ambiente. A Lei

n. 8.974/95 criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a

qual é responsável pela elaboração das instruções normativas relativas aos

transgênicos.

Há o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), criado

pela Lei n. 11.097/05, a qual dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz

energética brasileira, bem como altera dispositivos das Leis n. 9.478/97,

9.847/99 e 10.636/02.

Ademais, as empresas sucroenergéticas associadas à União da

Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e as associadas à Consecana – SP

Conselho dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo,

orientam-se com relação às safras, preço de produtos, mix de produção, dentre

outros assuntos, pelas circulares emitidas pelo referido conselho.

O Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) regulamenta a utilização

controlada de fogo. Assim, as normas estabelecem prazos, procedimentos,

regras e proibições que visam regulamentar as queimas em práticas agrícolas.

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A Lei Estadual (SP) n. 11.241/2002 reforça a prática de preservação

ambiental trilhada na Constituição Federal e nas legislações

infraconstitucionais. O objetivo é extinguir tal prática até o ano de 2021, para

áreas mecanizáveis, e 2031 para áreas não mecanizáveis com porcentagem

de eliminação de declividade superior a 12% ou da queima menor de 150 ha.

Conforme disposto pela lei são áreas mecanizáveis as plantações em

terrenos acima de 150 ha (cento e cinqüenta hectares), com declividade igual

ou inferior a 12% (doze por cento), em solos com estruturas que permitam a

adoção de técnicas usuais de mecanização da atividade de corte de cana.

Áreas não mecanizáveis são as plantações em terrenos com declividade

superior a 12% (doze por cento) e em demais áreas com estrutura de solo que

inviabilizem a adoção de técnicas usuais de mecanização da atividade de corte

de cana.

Além das restrições da queima, com indicação de horários e área

máxima a ser atingida pelo fogo, a legislação determina a necessidade de

prévio aviso da população lindeira e de determinados seguimentos econômicos

e industriais que se encontram na proximidade. A sinalização das estradas e

acessos as áreas também são medidas exigidas pela legislação. Ademais, há

necessidade de autorização expressa concedida pelo órgão competente para

dar início ao procedimento, sob pena de sofrer a autuação com imposição de

multa.

O artigo 6º da lei em análise determina que “O requerimento de

autorização, para cada imóvel, independentemente de estar vinculado à

agroindústria, deve ser instruído nos termos do regulamento”. (BRASIL, 2002).

Conforme informações da CETESB - Companhia Ambiental do Estado

de São Paulo, na Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público Federal,

autuada sob nº. 0002726-51.2011.403.6107 e que tramita na 2ª Vara Federal

de Araçatuba, foi proferida, em agosto de 2012, sentença julgando

parcialmente procedente o pedido do autor para que a CETESB se abstenha

de conceder já a partir da próxima safra (2013/2014) autorizações para a

queima da palha da cana-de-açúcar nos municípios da Subseção Judiciária de

Araçatuba se não precedidas de apresentação de EIA/RIMA. (CETESB, 2012)

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30

Contudo, em 11 de março de 2013, o juízo da 2ª Vara Federal de

Araçatuba reconsiderou a decisão disponibilizada no D.J. F. da 3ª Região.

Assim sendo:

“A medida de antecipação parcial de tutela concedida no

início do processo e confirmada na sentença

disponibilizada agosto de 2012, teve seus efeitos

reestabelecidos, conforme sentença publicada no D.J.F.

da 3ª Região, em 27 de março de 2013, tornando a valer

a determinação para que a CETESB se abstenha de

conceder novas autorizações para a queima da palha da

cana-de-açúcar nos municípios da Subseção Judiciária de

Araçatuba (...) (Guararapes, Lavínia, Lourdes, Luiziânia,

Mirandópolis, Muritinga do Sul, Nova Independência,

Penápolis, Piacatu, Rubiácea, Santo Antonio do

Aracanguá, Santópolis do Aguapeí, Turiuba e

Valparaíso) se não precedidas de EIA/RIMA. A CETESB

informa também que estão SUSPENSAS as autorizações

para os referidos municípios com data prevista a partir de

01/04/2013”. (CETESB, 2013).

A queima da palha não envolve apenas questões ambientais, mas

influenciam no trabalho dos cortadores de cana que ainda realizam o corte

manual. O fato de cortar a cana queimada gera problemas de saúde aos

trabalhadores que ficam em contato com a fuligem. Mas o corte de cana crua

também pode gerar acidentes com animais peçonhentos e o desconforto físico

pelo contato com a palha da cana.

Todas essas questões são ponderadas pela legislação. Contudo, os

pesquisadores do tema analisam as relações postas e as formas de minimizar

os impactos ambientais, sociais e da saúde dos trabalhadores e moradores da

região do entorno das lavouras de cana-de-açúcar.

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ARTIGO I

As Relações Sociais no Cultivo da Cana-de–Açúcar e os Novos Métodos

Introduzidos no trabalho – Municípios de Mirandópolis, Lavínia e

Valparaíso – SP

Isa Maria Formaggio Marques Guerini

Resumo

As relações sociais estabelecidas no cultivo da cana-de-açúcar por meio de

novos métodos de trabalho constituíram o objeto de investigação. A análise

objetivou captar a alteração da base técnica no cultivo da cana, mediante o

aumento do capital constante e as consequências dessa mudança para o

trabalhador rural. O estudo se enquadra na linha de pesquisa Sociedade,

Ambiente e Desenvolvimento Regional Sustentável e foca os municípios de

Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso, SP. Os autores principais para a

fundamentação da pesquisa foram Alves (2005), Martins (1983), Ianni (1984),

Marx (1980) e Lênin (1980). Os instrumentos para levantamento de dados

empíricos foram questionários, aplicados aos trabalhadores das lavouras de

cana, aos produtores rurais e aos presidentes de sindicatos; observações em

situação de trabalho e captura de imagens fotográficas e do CANASAT. No

caso do setor sucroenergético, os resultados evidenciam o domínio dos

oligopólios sobre a terra e sobre a produção. Decorre desse domínio a

reorganização do trabalho no mundo rural, como condição e consequência do

tipo de reprodução do capital. Com a mudança da base técnica, o trabalhador

que usava as mãos e ferramentas tradicionais passou a ser operador de

máquinas. O movimento do capital no setor sucroenergético influenciou as

características do labor rural, a formação de exército de reserva e passou a

ditar, também, regras aos produtores independentes que fornecem cana às

usinas.

Palavras-Chave: Usina Sucroenergética; Instrumentos de Trabalho; Planta

Agroindustrial.

Abstract

The social relations established in the sugar cane cultivation by means of new

methods of work were the subject of investigation. The analysis aimed to

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capture the change of the technique base on the cultivation of sugarcane, by

the increasing of the constant capital and the consequences of this change for

the rural workers. The study meets the research line, Society, Environment and

Regional Sustainable Development and focuses on Mirandópolis, Lavinia and

Valparaiso, (SP) municipalities. The main authors for the research basis were

Alves (2005), Martins (1983), Ianni (1984), Marx (1980) and Lênin (1980). The

tools for the collection of the empirical data were questionnaires applied to

employees of sugarcane, the farmers and the presidents of unions;

observations in a work situation and capturing images and from the CANASAT.

In the case of sugarcane industry, the results show the dominance of

oligopolies on the land and on the production. The reorganization of work in the

rural areas results from this area, as a condition and type of reproduction of

capital. With the change of technical basis, the worker who used his hands and

traditional tools has become a machine operator. The movement of capital in

the sugarcane industry influenced the characteristics of the rural labor, the

formation of reserve army and started to dictate rules to the independent

producers who supply cane to the plants.

Keywords: Sugarcane plant; Work tools; Agroindustrial Plant.

1 Introdução

O objeto deste estudo são as relações sociais no cultivo da cana-de-

açúcar que modificaram o processo de trabalho, minaram o domínio do

conhecimento do trabalhador direto e modificaram o ambiente e o tipo de

capitalismo na região. O objetivo: analisar a alteração da base técnica no

cultivo da cana, mediante o aumento do capital constante e as consequências

dessa mudança para o trabalhador rural. Por relações sociais entendem-se as

mediações que expressam a sociedade nacional operando em escala global e

separam o capital do trabalhador. No dizer de IANNI (1996, p. 89), nas relações

sociais “globalizam-se perspectivas e dilemas sociais, econômicos, políticos e

culturais”.

O tema tem por fundamento a constatação de que na expansão

sucroenergética, ou na territorialização da cana-de-açúcar, o capital

internacional apoderou-se de parte das terras disponíveis nas regiões de

abrangência, mediante cultivo próprio, compra da cana de fornecedor e

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mediante arrendamento/parceria. As empresas oligopólicas apoderaram-se das

terras, - de forma direta ou de maneira indireta, mediante contratos - para

submetê-las à produção de matérias-primas para a industrialização.

Os conglomerados obtiveram o domínio sobre os produtos da terra e

impuseram, também, mudanças significativas nas relações de trabalho e no

ambiente físico, tanto nas terras próprias, quanto nas terras de fornecedores ou

na de arrendatários. Este estudo aborda o trabalho do fornecedor e do parceiro

no cultivo da cana a operar com a mecanização que modificou a base técnica

da produção da cana, gerando alterações no trabalho.

Justifica-se o estudo pelo contexto histórico de produção agrícola

realizada com trabalho imediato que, com o passar dos anos, cedeu lugar à

exploração de monoculturas com trabalho assalariado, tornando-se a região

uma das mais desenvolvidas, em termos de forças produtivas no ramo da

cana. A região abriga usinas sucroenergéticas, tendo em vista que o clima e o

solo são favoráveis à referida cultura, o que fornece boa renda fundiária.

Como loci da pesquisa elegeram-se municípios da região administrativa

de Araçatuba, São Paulo: Valparaíso, Mirandópolis e Lavínia – onde a cana

representa a principal produção agrícola.

2 Procedimentos Metodológicos

Os procedimentos metodológicos utilizados para a coleta e o

ordenamento dos dados consistiram em levantamento documental, com dados

colhidos nos sites das empresas; aplicação de questionários e entrevistas

realizados com funcionários de sindicatos, com pessoas que trabalham nas

lavouras de cana-de-açúcar, com pequenos e médios proprietários de terra,

que produzem ou já produziram cana-de-açúcar e com funcionários das

empresas, sendo que estes foram apenas inquiridos sobre as modificações

ocorridas na lavoura de cana, pois, as presenciaram. Utilizou-se, também, a

observação em situação de trabalho em seis visitas aos locais de trabalho, nas

propriedades que produzem cana, com registros das observações e dos

depoimentos de trabalhadores.

A representatividade dos entrevistados apoiou-se no seguinte

procedimento: quando o entrevistador, - o próprio pesquisador - depois de

realizadas as 20 entrevistas, verificou que as últimas não traziam mais dados

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novos e nenhuma informação que já não estivesse registrado nas entrevistas e

nos questionários anteriores, considerou que os dados eram suficientes,

consistentes e fidedignos. A sistematização dos dados das entrevistas

obedeceu à análise temática dos conteúdos, cujo procedimento foi o seguinte:

primeiramente, uma leitura horizontal de todas as entrevistas para detectar

temáticas comuns, algumas perguntadas a cada entrevistado e outras surgidas

dos conteúdos das entrevistas. Depois, foram sistematizados todos os

conteúdos das entrevistas em temáticas e sub-temáticas, para fins de análise.

Os conteúdos das entrevistas foram analisados por variáveis: conhecimento da

totalidade do cultivo; mudanças ocorridas no trabalho; e conduta dos

trabalhadores diante das contínuas mudanças na base técnica e nos métodos

do trabalho na produção de cana.

Pela “observação em situação de trabalho”, realizada em seis visitas e

enriquecida com depoimentos, foram recolhidas informações sobre as

experiências e as habilidades que detêm os trabalhadores da atividade e que

foram adquiridas no trabalho real. Os depoimentos revelaram competências e

conhecimento das diversas etapas da produção.

Para a análise utilizou-se a categoria singular/universal, sendo o objeto

de estudo a singularidade da investigação, mediada pela universalidade que os

dados expressam. Segundo ALVES (2003, p. 11), “O singular é a

manifestação, no espaço convencionado, de como leis gerais do universal

operam dando-lhe uma configuração específica. Universal e singular, nessa

perspectiva, são indissociáveis”. O singular refere-se à situação do cultivo de

cana, realizada em terras próprias ou em terras arrendadas, cujas

representações as entrevistas e os questionários desvelaram. O universal

refere-se ao capital enquanto relação social, em mãos de poderosas usinas,

com base financeira para comprar terras ou arrendá-las, pagar renda ou

salários, a fim de obter os lucros desejados.

O movimento do capital internacional, em forma oligopolizada, somado

aos incentivos fornecidos pelo Estado, é similar ou idêntico para várias regiões

do cultivo de cana. Esta universalidade presente na produção de cana

manifesta-se de forma singular em cada local de seu cultivo. Ou, em outros

termos, a singularidade da produção foi a forma em que as leis gerais se

concretizaram.

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3 Resultados e Discussão

A expansão da lavoura de cana acarretou a disputa pelo território

disponível, sobrepondo-se a outras lavouras, como a soja, o milho e a

pecuária. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, “o

Estado de São Paulo participa com 55,6% da produção nacional, sendo o

principal produtor” de cana do Brasil. (Levantamento Sistemático de Produção

Agrícola - IBGE, 2013, p. 9). Nos municípios do centro da região administrativa

de Araçatuba, São Paulo, a produção de cana ocupa considerável parte de seu

território, sendo que, em Valparaíso-SP, o cultivo de cana representa 58,1% do

município (BRASIL, CANASAT, Valparaíso-SP, 2012).

Os mapas de produção da cana identificaram as áreas de cultivo nos

municípios de Lavínia, Valparaíso e Mirandópolis, todos do estado de São

Paulo, nos últimos 10 anos. A fonte do monitoramento da cana-de-açúcar é o

Canasat, que fornece anualmente as imagens de satélite obtidas do Landsat

CBERS e Resoursat-I, disponibilizadas gratuitamente pelo Instituto Nacional de

Pesquisas Espaciais – Divisão de Geração de Imagens (INPE/DGI). O

processamento e a interpretação das imagens foram realizados no software

Spring. (BRASIL, CANASAT). As áreas destacadas com a cor verde (cana

soca) e cor marrom (em reforma) correspondem às lavouras de cana cultivadas

nos municípios. Comparando as imagens da figura 1 com as da figura 2, é

possível identificar a expansão canavieira no município de Lavínia – SP entre

os anos de 2003 (Figura 1) e 2012 (Figura 2).

Figura 1. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Lavínia-SP no

ano de 2003. Imagem CANASAT.

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A figura 2 apresenta a área 9 anos após o registro da imagem anterior:

Figura 2. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Lavínia-SP no

ano de 2012. Imagem CANASAT.

As figuras 3 e 4 que representam a expansão das áreas de plantio de

cana no município de Valparaíso-SP nos anos de 2003 e 2012,

respectivamente, podendo-se verificar a ocupação intensa com cana-de-

açúcar.

Figura 3. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Valparaíso-SP

no ano de 2003. Imagem CANASAT.

A seguir, a área com plantação de cana em 2012:

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Figura 4. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Valparaíso-SP

no ano de 2012. Imagem CANASAT.

As Figuras 5 e 6 demonstram o cultivo de cana no município do

Mirandópolis-SP no intervalo de 9 anos, comportando a verificação do aumento

de áreas rurais destinadas a produção de matéria–prima para a indústria

sucroenergética.

Figura 5. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Mirandópolis-SP

no ano de 2003. Imagem CANASAT.

O terceiro município, Mirandópolis, e o aumento de cana:

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Figura 6. Áreas de cultivo de cana-de-açúcar no município de Mirandópolis-SP

no ano de 2012. Imagem CANASAT.

O tipo de solo, presente nos municípios de Mirandópolis e Lavínia, é

classificado como “Solos com B textural - Pml - Solos Padzolizados de Lins e

Marília - Variedade Marília”. Em Valparaíso o solo é classificado como “Solos

com B textural - Pln - Solos Padzolizados de Lins e Marília - Variedade Lins”

(SISTEMA de Informações para o Gerenciamento de Recursos Hídricos do

Estado de São Paulo – SigRH). Tais solos são normalmente férteis e

quimicamente ricos.

Os três municípios, onde o trabalho no cultivo da cana é estudado, têm

características comuns, como a origem e o crescimento a partir da instalação

da Ferrovia Noroeste do Brasil. Os dados coletados junto ao IBGE, Cidades,

(2010) revelaram que os três municípios – Valparaíso, Mirandópolis e Lavínia,

pertencentes à Região Administrativa de Araçatuba, São Paulo – produziram

5.290.000 toneladas de cana, no ano de 2010, numa área plantada de 70.000

hectares.

Valparaíso plantou cana em 58,1% de sua área rural; Lavínia possui

34,3% de área rural ocupada com cana; e Mirandópolis dedica 25,10% do

município à esta cultura. A diferença de áreas cultivadas com cana existente

entre os municípios, que possuem condições semelhantes para a produção

agrícola, é explicada pelo contexto histórico de ocupação. Valparaíso é

referência na produção de açúcar e álcool, tem tradição de cultivo de cana e

desenvolve, há 30 anos, atividades voltadas ao setor sucroenergético. Ali se

instalaram duas usinas e o seu território é ocupado por grandes proprietários

de terras que investem no setor. A razão da busca pela ocupação do solo é

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porque à indústria extrativa “falta um dos elementos do capital constante, a

matéria-prima” (MARX, 1980, p. 886), que deve ser apropriada.

No município de Lavínia há grandes fazendas arrendadas para o cultivo

de cana. Boa parte destes proprietários de terra não reside na cidade e

arrendam suas propriedades rurais. Já no município de Mirandópolis, a maior

parte da área rural é de propriedade de médio e pequeno produtor. Ali, há

menor interesse na produção de cana, já que a rentabilidade e o custo-

benefício de pequenas áreas são baixos. Conforme OLIVEIRA (2010), em

pequena propriedade a plantação de cana não dá lucro.

Nos três municípios estudados, constataram-se quatro tipos de lavoura

de cana em uso: a produção de cana em terras próprias das indústrias, com

exploração direta dos trabalhadores; a produção realizada nas terras de

pequena e média propriedade, arrendadas e exploradas pela usina; áreas

arrendadas diretamente pela usina e repassadas para o cultivo e exploração de

pequenos e médios produtores; e, por fim, pequenos e médios proprietários

que exploram a cana com trabalho direto e fornecem o produto às empresas. A

pesquisa desenvolveu-se com a análise dos dois últimos tipos de lavoura

identificados na região de estudo, quais sejam: áreas que são arrendadas

pelas usinas e repassadas aos produtores locais e as lavouras dos pequenos e

médios proprietários que exploram a cana com trabalho direto. Tais relações

contratuais são denominadas pelas Usinas de Parceiros e Fornecedores,

respectivamente.

Constatou-se, em visita local, que ainda há regiões em que não houve a

total substituição do trabalho do homem, adiada por algum tempo. A realidade,

porém, é o uso generalizado da máquina para o plantio e a colheita da cana.

Assim, em depoimentos, que apresentaram cálculos gerais, soube-se que o

trabalho braçal, feito por aproximadamente 500 homens na colheita, foi

substituído pelo labor de dois homens, os quais operam a máquina colhedora e

o transbordo. O plantio da cana e a pulverização de herbicidas e defensivos,

que eram realizados pela mão humana, também já são executados por

máquinas. A evolução das forças produtivas garante maior volume de

produção, realizado em menos tempo. O trabalho no cultivo da cana, ao ser

objetivado e especializado, também torna-se simplificado. Para acompanhar as

mudanças, buscou-se a historicização das formas de trabalho no cultivo da

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cana e se verificou como a mecanização ajustou-se às pequenas e médias

propriedades.

Está em curso, nos estados produtores de cana-de-açúcar, um conjunto

de reorganizações do trabalho. Diante da necessidade do plantio e da colheita

em larga escala, a mudança no método de produção ocorreu com a

incorporação de equipamentos e de máquinas no processo de cultivo.

Nesse contexto, as mediações que separam o capital do trabalhado,

estabelecidas no trabalho do canavial, ocasionaram impactos de degradação

ambiental e a expulsão das famílias de pequenos agricultores. O território

tornou-se um grande canavial, apresentando uma nova paisagem antrópica,

resultado de intensa intervenção humana. Nos últimos dez anos, modificou-se

o cenário, não somente da região, mas, também do trabalho agrícola. Em

épocas de plantio e da colheita de cana, observavam-se trabalhadores vindos

de toda parte para executarem as tarefas, em grande mobilidade social.

Mudavam, repentinamente, o espaço. Nas visitas ao local de trabalho, em

junho e julho de 2013, observei que no cenário vê-se o horizonte verde da cana

e se ouve o ronco das máquinas em operação. Bastam poucos trabalhadores

para as tarefas dos novos métodos de trabalho.

3.1 As Usinas e os Produtores da Matéria-prima

As usinas possuem áreas em que desempenham diretamente a

produção da cana (terras próprias, arrendadas e mediante parceria), ou

adquirem a matéria-prima dos produtores locais (fornecimento ou repasse de

áreas para que os agricultores cultivem e após executem a venda).

Os produtores de cana são associados à União da Indústria de Cana–

de-açúcar – UNICA, a maior organização representativa do setor de açúcar e

bioetanol do Brasil. Criada em 1997, a UNICA é uma fusão de diversas

organizações setoriais.

Em forma de fornecedores, dois médios produtores de cana

entrevistados informaram que possuem três tipos de contrato, sendo estes:

Eu tenho cana em terra própria; tenho cana em área que

arrendo para produzi-la e possuo produção em terras que

a usina arrenda e a repassa para eu plantar. Sou um

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terceiro da usina. Tenho 3 tipos de trabalho. (Entrevistado

1)

Conforme informações disponíveis no seu site, a Usina Raízen possui

mais de 3.500 parceiros estratégicos na produção e no fornecimento de cana-

de-açúcar, os quais são responsáveis por 50% de toda matéria-prima

processada pela empresa. Ela estimula o desenvolvimento contínuo dos

parceiros, através do aprimoramento de processos e adequação às melhores

práticas do mercado. As demais empresas atuam da mesma forma.

A usina disponibiliza em seu site um e-mail para contatos de novos

parceiros que garantam o fornecimento da matéria-prima, diante da

concorrência interoligopólica entre as empresas sucroenergéticas, que não

favorece o produtor. OLIVEIRA (2010) identificou que, nas décadas de 70 e 80,

quando o produto era escasso, o preço da cana era imposto pelo produtor e se

pagava muito bem. Contudo, a situação mudou com a formação de grupos

econômicos e com a incorporação de usinas. Passou-se a remunerar a cana

pelo teor de sacarose e o valor da tonelada foi fixado pela indústria

sucroenergética. É o domínio dos oligopólios sobre a produção e a

comercialização.

Sem a concorrência de outrora, os fornecedores estão sujeitos à

comercialização de seu produto para os grupos econômicos. Na região

estudada, há usinas de um mesmo grupo e a situação de procedimentos

administrativos é semelhante. As diferenças anunciadas não são significativas.

3.2 O Maquinário no Cultivo e os Novos Empregos

Embora se constatasse que, em geral, o trabalho braçal de 500 homens

na colheita fosse substituído por apenas dois homens, operadores da máquina

e do transbordo, pelas observações em locais de plantio revelou-se que há

regiões em que ainda não houve a total substituição do trabalho braçal. A

dificuldade na compra de maquinário, como exemplo da colhedora, representa

um investimento elevado e que não compensa ao pequeno agricultor.

Enquanto ainda houver permissão de queima da palha, a colheita de cana

pode ser feita a facão. No corte manual da cana crua o rendimento é baixo, o

que encarece a força de trabalho braçal e delonga o período da colheita. No

plantio, ainda se constatam alguns proprietários que cortam os gomos de cana,

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os lançam nos sulcos e retampam. Entretanto, tal procedimento pode ser

efetuado de forma totalmente mecanizada, havendo atenção apenas para

retampa (evitando perdas de brotação).

De forma resumida, o plantio mecanizado funciona da seguinte maneira:

A colhedora corta a cana, colocando-a no transbordo, o qual se dirige à área de

plantio e repassa a muda para plantadeira que sulca a terra, coloca a muda,

tampa a vala e pulveriza o agrotóxico necessário para controle de pragas. Este

plantio também pode ocorrer com a utilização de um trator que arrasta a

“casinha”, momento em que as mudas são colocadas nas valas e após há a

“tampa” ou “retampa”. (Entrevistados 5, 6 e 7).

Por parte das usinas, não há imposição para que o plantio seja

mecanizado. O que determina se realmente será eliminado o trabalho humano

é a condição econômica de o produtor investir em maquinários e tratores.

Contudo, no que se refere à colheita, com a imposição legislativa da extinção

da queima da palha, o corte manual será também, gradativamente, extinto.

Ao optar pelo maquinário, como a colhedora, o proprietário deverá ter

um capital e manter trabalhadores assalariados para o serviço. Dessa forma,

ele utiliza uma base técnica totalmente nova e, com ela, a mudança de método

de trabalho. (MARX, 1980, p. 373). Produz uma nova relação social: relação de

exploração do trabalho.

Com o maquinário, altera-se o método de trabalho (MARX, 1980, p.

373). Para aumentar a produtividade do trabalho, exige-se alteração no

instrumental ou mudança no método do trabalho e tem que ser revolucionadas

as condições de produção, as formas de produção e o processo do trabalho.

Essas são as condições necessárias e as consequências para quem opta por

comprar um maquinário para a lavoura. Nessa ótica, o capital produtivo deverá

recorrer ao capital financeiro e subordinar-se a ele. O preço que o produtor

paga não é somente o preço da máquina; paga, também, o preço da

subordinação ao capital financeiro.

A Usina Raízen, alocada na região de estudo, nos últimos 2 anos

mecanizou o plantio nas áreas onde ela própria realiza a produção. Os

pequenos produtores que não possuem estrutura e recursos financeiros para

investir no maquinário de plantio ainda o fazem de forma manual. As empresas

não têm uma preocupação imediata na mecanização da lavoura dos

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fornecedores, porque, para elas, o importante é que a matéria-prima chegue

com qualidade às usinas e que tenha sido produzida de acordo com as

normatizações, não importando o quantum de dispêndio de trabalho exige.

Em situação de trabalho, observou-se que em algumas propriedades da

região o plantio da cana foi realizado, em 2013, por meio de empreita de

trabalhadores rurais, da seguinte forma: o trator abria as valas, os

trabalhadores diretos colocavam a cana e, após, o trator as tampava. Em

alguns casos, foi necessário efetuar a “retampa” (fechar as valas em locais que

o trator não operou a contento), o que foi feito manualmente pelos

trabalhadores.

Entretanto, conforme informado pelos entrevistados 1, 2, e 3, a partir de

2014, o plantio também será mecanizado. A expectativa dos produtores dirige-

se a um cálculo a ser feito para adquirir, individualmente ou através de

condomínio entre os produtores, o maquinário para o plantio ou realizar, se o

cálculo determinar, o serviço terceirizado, principalmente, para o plantio e a

colheita. Ou ainda, arrendar a terra.

Segundo o entrevistado 12, “a mão-de-obra é cara e está cada vez mais

difícil de encontrar trabalhadores”. Assim, até 2015, ele deverá mecanizar o

cultivo de cana. Manifestou, ainda, que a máquina realiza um trabalho melhor

que o executado pelo homem e que o plantio mecanizado é propicio para a

colheita por máquinas. Desta forma, “investir no maquinário é uma boa solução

para melhorar a produção”. (Entrevistado 10). A mecanização total do cultivo,

realizada nas terras próprias ou nas arrendadas pelas usinas, e a mecanização

pretendida pelos fornecedores autônomos, é uma base técnica totalmente

diferente da anterior, pois, acarreta um novo método de trabalho e se subordina

às relações sociais vigentes..

Para os produtores sujeitos à cláusula CCT (Corte, Carregamento e

Transporte), o corte é feito pela usina, de forma mecanizada, sendo que a

empresa que determina a programação de corte (áreas que serão cortadas e

quando). Dois anos atrás havia o corte manual nas áreas que hoje estão sendo

colhidas com a colhedora. (Entrevistado 19). A máquina colhedora

basicamente corta a cana, pica a palha (quando equipada com picador) e lança

a cana picada no transbordo, ou a cana inteira na grua.

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Conforme depoimentos, atualmente as máquinas que efetuam o corte da

cana nas áreas tomadas pelos canaviais nos municípios analisados “são

disponibilizadas pela usina” contratante. A força de trabalho técnica e

qualificada “para operar a colhedeira e o transbordo também é fornecida pela

Usina”. (Entrevistados 2 e 9)

A orientação da usina é para que seja feita a sistematização da área, ou

seja, desde o preparo do solo é direcionado para a operação dos maquinários.

Em observação direta de trabalho, viu-se que são realizadas curvas de nível

para que a colhedora não precise realizar muitas manobras e, também, para

que não prejudique a rebrota da cana (“soca da cana”). Evidenciou-se que o

maquinário é muito pesado e as excessivas manobras podem “arrancar” a

cana, prejudicando a citada rebrota. Ainda há colheita manual nos locais onde

a máquina não pode operar por conta do relevo. Segundo depoimentos de

trabalhadores rurais, assalariados e contratados pela usina, são realizados

manualmente a “retampa” no processo de plantio e a abertura de “eitos” para

que o maquinário possa operar na colheita. Os resquícios próximos de

barrancos ou de relevo acidentado também são colhidos manualmente. Os

depoimentos colhidos reforçam a análise:

Faço o canudo que são as curvas, onde a máquina não

passa. (Entrevistada 8)

Trabalho no corte e no plantio só tem trabalho na

retampa, porque o restante é feito com máquina.

(Entrevistado 20)

As usinas não tomam em arrendamento propriedades muito pequenas

ou de difícil acesso, por ser inviável a utilização de maquinário. Seus

operadores de maquinário são capacitados pela própria usina empregadora.

Os cursos técnicos e de formação de operários do açúcar e álcool são

oferecidos pelas Usinas, assim como as capacitações dos profissionais. Sobre

o maquinário utilizado na colheita da cana, o entrevistado 3 informou:

“Colhedora e transbordo. Os caminhões e tratores são terceirizados e operados

por moradores da região”.

Em situação de trabalho, observou-se o trabalho de dois empregados

que realizavam as funções de tratorista e de “bituqueira”. Ambos são

moradores da cidade de Lavínia e contratados, respectivamente, para operar a

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carregadora, que coloca a cana cortada no caminhão de transbordo, e para

recolher manualmente a cana que não foi “pinçada” pela carregadora.

Figura 7. Fotografia do trabalho realizado pelo motorista do transbordo, do

trator e pela “bituqueira” em uma área de plantação de cana no município de

Lavínia – SP.

A figura 7 mostra uma colheita semi-mecanizada, que, ainda, necessita

de alguma força de trabalho braçal, como a dos cortadores que trabalham nas

áreas de difícil acesso e da “bituqueira” que recolhe a cana, evitando

desperdício. Em uma colheita mecanizada a colhedora realiza todo o processo,

ou seja, efetua o corte da cana crua, lançando-a: a) picada, no transbordo que

acompanha sua operação; b) ou inteira, na grua acoplada à máquina. Neste

caso, o trabalho humano está evidenciado apenas na operação de máquinas.

O trabalho de “bituqueira” é uma categoria agonizante, pois, com a utilização

de implementos e da própria máquina colhedora, não há a necessidade de

recolher os colmos dispersos pela área.

O entrevistado nº 6 exerce a função de encarregado de campo em uma

das usinas da região e acredita que na cidade de Lavínia existam em média de

30 a 40 pessoas que operam maquinário, sendo que estes profissionais

tiveram a oportunidade de acompanhar a modernização do cultivo da cana.

Informou que o trabalho com máquinas é melhor remunerado e gera menor

desgaste físico do que o braçal, mas, acrescentou: as pessoas necessitam se

dedicar ao estudo para obter qualificação técnica e concorrer às vagas.

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Afirmou ainda que a mecanização da colheita, em contrapartida, deixou muitos

desempregados:

Cortei muita cana queimada. Foi o meu primeiro emprego,

só tinha o conhecimento que os fiscais passavam.

Hoje como fiscal você conhece todo o processo do cultivo

da cana? Conheço o básico, antigamente como era

manual contratava 30 a 40 ônibus para corte de cana

queimada, mas isso foi diminuindo por conta do plantio

mecanizado direto. Tirou o emprego de 200 a 400

pessoas. (Entrevistado 6)

Com o passar dos anos e diante da necessidade de produção em larga

escala para suprir as necessidades da indústria do açúcar e do álcool, foram

desenvolvidas novas técnicas de preparo de solo, plantio, manutenção de

lavoura e colheita, nas quais se intensificou a utilização de maquinário. Desta

forma, no país há sistema de cultivo semi-mecanizado e mecanizado, não

existindo um sistema totalmente manual em nenhuma das etapas de produção.

Os quadros 1 e 2 relacionam o maquinário utilizado no sistema

mecanizado, as mudanças na base técnica do cultivo da cana em cada etapa

de produção e os benefícios aos trabalhadores ou produtores com o emprego

do maquinário.

Quadro 1. Apresentação das etapas de preparo do solo e plantio da cana e as

mudanças na base técnica do trabalho.

Etapas de Produ-ção

Maquinários / Implementos utilizados e suas funções.

Mudanças observadas na base técnica do cultivo da cana

Benefício (ou auxílio) ao trabalhador ou produtor.

Preparo do Solo

Grade aradora e niveladora (implemento).

Antes: Ações que, quando necessárias, eram realizadas manualmente e com tração animal. Exemplo: O arado de aiveca era utilizado com tração animal e atualmente é tratorizado. Utilizava-se a enxada e o enxadão para a construção de curvas de nível.

As mudanças ocorridas na preparação do solo, com auxílio das máquinas e dos tratores favorecem a saúde do trabalhador, simplificam e reduzem as jornadas de trabalho. Por outro lado, houve uma grande redução das frentes

Arado: de aiveca, de disco e escarificador (implementos)

Esteiras ou motoniveladora (máquina)

Agora: Há utilização de implementos acoplados em tratores de alta potência ou as máquinas são autopropelidas.

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Calcariadeira (implemento)

Assim, facilita-se o preparo do solo, tornando a execução desta fase mais rápida e simplificando o trabalho. Também há o direcionamento para o plantio mecanizado e com a técnica de plantio direto, o que influencia na qualidade da cultura e na proteção do solo.

de trabalho, pois atualmente apenas se contratam operadores e motoristas para a fase de plantio.

Plantio

Sulcadores (implemento utilizado em plantio manual)

Antes: O antigo sulcador, com tração animal ou humana, era usado para abertura das valas de plantio. A cobertura dos sulcos era realizado com enxada ou cobridores, que também aplicava defensivo agrícola. O processo manual de plantio: as mudas são lançadas nos sulcos, corta-se a cana com facões e após tampam-se as valetas com enxadas.

A técnica mecanizada ou semi-mecanizada de plantio propicia maior eficiência e rapidez na atividade, bem como não expõe o trabalhador à longas jornadas de trabalho e exposição à toxidez dos agrotóxicos e herbicidas aplicados no ato do plantio.

Cobridor (implemento utilizado em plantio manual)

Implementos ou Máquinas autopropelidas utilizados no plantio. Apenas picam as mudas e as distribuem nos sulcos.

No sistema semi-mecanizado utiliza-se equipamentos mais simples, contudo ainda é necessário o auxílio de pessoas para alimentação da bica. Nas Plantadoras semi-mecanizadas duas pessoas trabalham sentadas sobre a carroceria do veículo e direcionam as mudas.

Plantadoras semi-mecanizadas (utilizada no plantio semi-mecanizado)

Agora: A Plantadora realiza a abertura do sulco, a distribuição das mudas, a adubação, aplicação de inseticida e cobertura do sulco em uma única operação. Pode haver o trabalho braçal na “retampa”. O plantio é mais rápido na técnica mecanizada e há uniformidade das linhas de plantio.

Plantadoras (Máquina. Plantio mecanizado)

Quadro elaborado pela pesquisadora

O método empregado para a colheita da cana, de forma mecanizada, foi

a modificação mais expressiva na base técnica da produção da cana, pois

houve a substituição de centenas de trabalhadores pela máquina colhedora.

Assim, as frentes de trabalho foram reduzidas e iniciou-se a especialização

técnica dos operadores de máquinas.

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Quadro 2. Apresentação das etapas de manutenção da lavoura e colheita da

cana e as mudanças na base técnica do trabalho.

Etapas de Produ-ção

Maquinários / Implementos utilizados e suas funções.

Mudanças observadas na base técnica do cultivo da cana

Benefício (ou auxílio) ao trabalhador ou produtor.

Manu-tenção da Lavoura

Antes: A adubação era realizada de forma manual e a aplicação de herbicidas com máquina costal. A limpeza do canavial era feita com enxada.

Os benefícios: o menor contato com produtos tóxicos e a redução do esforço físico despendido pelos trabalhadores. A pulverização de herbicidas causa prejuízo a saúde de uma forma geral. A máquina costal, utilizada no plantio manual, causa prejuízos à saúde do aplicador, pelo peso do equipamento, esforço ao bombear, permanência da água fria nas costas e com a inalação do produto.

Cultivador (implemento)

Agora: Os defensivos agrícolas são pulverizados com implementos ou aviação agrícola. Quando o herbicida não é eficiente, faz-se a capina do canavial. Também há o controle biológico de pragas. Nestes casos reduz-se a utilização de produtos tóxicos.

Pulverizadores (implemento ou autopropelido) Aviação agrícola

Colheita

Antes: O corte manual é realizado com facão, sendo necessário um elevado número de empregados nas frentes de trabalho. A colheita pode ser realizada com cana crua ou queimada, tendo sido utilizado por anos o corte com cana queimada. No corte manual com cana crua a palha é separada dos colmos e deixada no solo. Assim, o trabalhador “baterá” o facão na base da cana e no topo da planta.

No corte mecanizado trabalham dois funcionário: um no transbordo e outro operando a colhedora. A atividade é realizada com rapidez e não expõe trabalhadores aos riscos presentes no corte manual, tais como: longas jornadas de trabalho; esforço físico excessivo com a atividade repetitiva de corte com facão e o carregamento diário de toneladas de cana para enleiramento; exposição a insetos e animais peçonhentos presentes nas lavouras (como cobras). Por isso, as novas técnicas favorecem a saúde do trabalhador.

Colhedoras (máquina)

Agora: A máquina colhedora executa as seguintes tarefas: a) Colhem a cana; b) picam a palha (quando equipada com picador) para posterior incorporação ao solo; c) lançam a cana picada no transbordo, ou a cana inteira na grua. A atividade é realizada pelo operador do maquinário e o motorista do transbordo.

Quadro elaborado pela pesquisadora

A fase final do processo é o carregamento e transporte da cana. No

método manual os trabalhadores carregam a cana cortada e formam o

enleiramento. Após, os feixes são recolhidos por carregadoras e colocados em

caminhões. Há o trabalho dos “bituqueiros” que recolhem a cana que não foi

apanhada pela carregadora, formando novo enleiramento. Já no método

mecanizado a cana colhida pela colhedeira é lançada diretamente no

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transbordo, que armazena a cana colhida e depois a conduz até os caminhões

que a transportarão até a usina. O trabalho braçal na lavoura de cana é,

definitivamente, uma categoria desenganada.

Este processo da produção de cana já foi definido por IANNI (1984, p.

54): “Na agroindústria canavieira continuam a crescer os investimentos em

máquinas, equipamentos, fertilizantes e defensivos. Ao mesmo tempo, continua

a concentrar-se o capital agroindustrial investido no setor”.

A ação do Estado, por sua vez, “passou a orientar-se expressamente no

sentido da centralização ou concentração do capital agroindustrial” (IANNI,

1984, p. 54)

O trabalhador, diante do maquinário utilizado, passou a exercer outra

função, a de operador. A máquina substituiu o trabalhador braçal e utilizou

apenas um homem para que sua função seja desempenhada. Marx cita Wyatt,

que inventou a máquina de fiar em 1735, momento em que começou a

revolução industrial. Ele definiu: a “máquina para fiar sem os dedos” (MARX,

1980, p. 425).

3.3 Os Novos Métodos de Trabalho no cultivo da Cana-de-Açúcar

Os depoimentos dos trabalhadores rurais acentuaram que o trabalho por

hora e por dia, cujo pagamento é regulado pela quantidade produzida, está em

extinção. Os novos empregos são de trabalho assalariado, com registro na

Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS e renda mensal de, ao

menos, um salário mínimo. Os entrevistados expuseram que há acréscimo

salarial por produção (ruas, leiras, canudos ou hectares de cana cortada), mas,

caso a cota da produção solicitada não for alcançada, recebem o piso salarial.

Quando questionados sobre a carteira de trabalho assinada e a forma de

remuneração, os trabalhadores braçais assalariados responderam:

Tenho carteira assinada. Recebo por mês, calculado por

tonelada e cana cortada. O salário base é o salário

mínimo, quanto mais se produz mais ganha. (Entrevistado

5)

Trabalho para uma empresa que empreita serviço. Ganho

novecentos reais e mais a cesta básica, com carteira

assinada. Quando eu trabalhava diretamente para a

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usina, também com carteira assinada o salário era fixo.

(Entrevistada 11)

O entrevistado 6 é encarregado de campo da usina e informou que no

tempo que trabalhava como cortador de cana e, aos 18 anos de idade,

“ganhava de vinte a trinta reais por dia, mas hoje ganha de setenta a oitenta

reais por dia, os trabalhadores compram carro, fazem casa”. Quando

questionado sobre sua remuneração atual como encarregado respondeu: “Sou

fiscal, recebo 9 reais e 33 centavos à hora. Tenho carteira assinada. Não existe

trabalho avulso nem menor de 18 anos trabalhando. Tudo na usina é selo 5S,

organização, preservação, tudo visa qualidade para exportação”. (Entrevistado

6)

O assalariamento do trabalho é o objetivo principal das relações sociais

da atualidade. Já LÊNIN (1980, p. 25) dizia que o capitalismo, que se

desenvolve na região rural, tem um indicador: “O indicador essencial do

capitalismo na agricultura é o trabalho assalariado”. A mecanização da lavoura

favoreceu este propósito.

A utilização da maquinaria, conforme destacou MARX (1982, p. 424),

tem como objetivo "[...] baratear as mercadorias, encurtar a parte do dia de

trabalho da qual precisa o trabalhador para si mesmo, para ampliar a outra

parte que ele dá gratuitamente ao capitalista. A maquinaria é meio para

produzir mais-valia". Dessa forma, o capital reproduz-se de forma ampliada. A

ciência e a tecnologia, aplicadas na produção da cana transformaram-se, no

dizer de MARX, (1982) “em forças produtivas, agentes da própria acumulação

do capital, aumentando a produtividade do trabalho humano”.

A máquina também necessita de reparos o que é feito na entressafra.

Alguns trabalhadores braçais e operadores, que trabalham na colheita,

desenvolvem atividades diversas na entressafra, tais como relataram os

entrevistados: “trabalho como seleiro” (Entrevistado 10); “faço serviço gerais e

trabalho de empregada doméstica” (Entrevistada 11); “trabalhei de empregada,

batia amendoim e catava algodão” (Entrevistada 12).

Durante a safra todos os diferentes tipos de operários e o trabalhador

rural estão laborando, mas no período de entressafra, há momento propício

para a reprodução dos meios de produção e tempo para aquisição de novas

especializações de trabalho. Segundo dados do relatório de Sustentabilidade

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da Usina, na entressafra de 2011-2012 foram desenvolvidos programas e

cursos de requalificação dos trabalhadores rurais para atuarem em atividades

como auxiliares de manutenção automotiva, operadores de colhedora,

mecânico. Os cursos objetivam capacitar profissionais para atenderem às

novas demandas do mercado, relacionadas à operação e manutenção de

máquinas, seja como trabalho interno da usina ou como trabalhador no campo.

(USINA, Relatório de Sustentabilidade, 2012, p. 58).

A entressafra é um momento propício para renovação dos canaviais.

Frentes de trabalho são recrutadas neste período, direcionadas ao labor braçal

– onde ainda existem essas tarefas - ou como operador de maquinário e trator.

Assim, existem funcionários que mantém seus vínculos de emprego também

na entressafra (Entrevistado 5 e 6).

As diferenças internas encontradas em um grupo de trabalho revelam a

situação de uma determinada classe de trabalhadores. Essa condição de

classe se observa na situação de trabalho, pois, foram encontrados operadores

de máquina e de trator e controladores do trabalho, assalariados das

usinas. Há, também, os trabalhadores manuais. Entre eles há uma diferença no

que diz respeito aos salários recebidos. Observou-se que a modificação na

base técnica de trabalho acarretou diferenças de classe social e que os

trabalhadores braçais irão, gradativamente, desaparecer do cultivo da cana. Ao

desenvolver a divisão de trabalho, a “usina vai mobilizando uma massa ampla

de operários industriais e agrícolas, além de empregados de escritórios,

técnicos e engenheiros” (IANNI, 1984, p. 56).

Outra atividade que merece atenção é a do pequeno agricultor que

depende de quem lhe compra o produto. O mercado mais perene é o

agronegócio; em menor proporção, o mercado local. Para preservar a

propriedade e para produzir e reproduzir sua vida material, o dono de pequena

propriedade cai na dependência do capital: “Na medida em que o produtor

preserva a propriedade da terra, cresce sua dependência em relação ao

capital, onde o capital tende a se apropriar da renda da terra, ocorrendo, então,

a sujeição da renda da terra ao capital” (MARTINS, 1983, p. 170). Em

consequência da expropriação do trabalhador, tende a ocorrer a separação

entre ele e suas ferramentas de trabalho, sendo a maior delas a própria terra,

perdida para os que concentram as propriedades. Ou, mantendo a

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propriedade, cai na dependência da usina que lhe compra o produto. O que é

mais comum, arrenda a terra ao produtor com mais posses ou à própria usina,

formando-se fornecedores ou parceiros.

Nessa condição, a denominada “reestruturação produtiva do capital” é

realizada com incentivos fiscais dos governos e o proprietário trabalhador terá

que cultivar a cana por sua conta e risco, ou arrendar sua terra, ou, ainda,

vender sua força de trabalho. Em todos esses casos, conforme MARTINS,

(1983), submete sua força de trabalho aos interesses e ao comando do capital,

no caso ao agronegócio. À medida que se expandia, o cultivo da cana

provocou “mudanças na composição da mão-de-obra agrícola, em geral”. Com

a reformulação da composição das forças produtivas, “a força do trabalho

também foi redefinida”. (IANNI, 1984, p. 42).

As famílias proprietárias fazem contratos com as empresas

sucroenergéticas, como fornecedoras, auferindo pagamento pelo produto, ou

como arrendatárias, recebendo renda fundiária. O entrevistado 1 é um

proprietário de terra que necessitou ampliar as áreas de plantio. Conforme

explicou, realizou contrato de arrendamento com outro proprietário de terra

para produzir volume maior de cana-de-açúcar do que produzia. Antes de

arrendar terra para cultivo, fez um contrato de fornecimento com a usina.

Recebeu da usina a remuneração padronizada do sistema CONSECANA em

unidade de quilo de Açúcar Total Recuperável (ATR). Com os devidos

descontos da cláusula contratual Corte, Carregamento e Transporte (CCT),

conforme ele, houve um lucro maior do que receberia pela pecuária e pela

produção de outras culturas.

A modernização gerou grave preocupação de ordem social referente a

demissões em massa de cortadores de cana. Segundo pesquisa efetuada por

VIEIRA E SIMON (2005, p. 2):

“Na Usina da Barra-SP, até o ano 2021, quando não

poderá haver mais queima de cana, serão dispensados

2.117 trabalhadores e contratados 177 trabalhadores

especializados. Na Usina Diamante-SP, serão

substituídos 411 trabalhadores e contratados cerca de 14

especializados”.

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Ressalte-se que a mecanização é positiva no que se refere a não mais

expor o homem a trabalho exaustivo e a condições degradantes. O alto índice

de desemprego, porém, aparece. Há estudos, como o de desenvolvido por

FREITAS e SPAROVEK (2006, p. 1), propondo que a mudança de cultura pode

ser benéfica: “Pode vir a modificar as estruturas produtivas e os objetivos da

agricultura familiar nos assentamentos”.

Ao questionar sobre as atividades que desenvolveriam com a redução

ou a extinção das frentes de trabalho no campo, duas entrevistadas, com mais

de 50 anos de idade demonstraram não ter qualquer expectativa positiva de

localizar um novo emprego. Elas sempre desempenharam trabalho rural (na

roça) e que passariam dificuldades quando o trabalho acabar. Uma delas foi

decisiva: “eu preciso da roça, não estudei. Só sei trabalhar na roça, nunca

trabalhei de empregada. Não tendo o trabalho na roça vou ficar desempregada,

muita gente também” (Entrevistada 8). A entrevistada 19 considerou que a

realocação será “difícil, porque nós vamos ficando mais velhos e os jovens não

querem trabalhar na cana, só quem não tem estudo que corta cana; não sei o

que vou fazer, tenho que trabalhar em serviço temporário; Se eu aguentar, vou

trabalhar na cebola”.

A situação das entrevistadas é a de não vislumbrarem uma saída, o que

lhes trava qualquer possibilidade de fazer um projeto de vida. Serão,

provavelmente, candidatas ao parasitismo, conforme a teoria de ALVES:

“O parasitismo reflete-se especialmente, na evidência de

que esses ociosos passam a ter a sua existência

assegurada pelo consumo de parcelas de mais–valia,

segundo formas de participação concedidas e controladas

pelo capital, mas com a mediação necessária do Estado”.

(ALVES, 2005, p. 177).

Uma ex-trabalhadora do corte de cana afirma ter encontrado uma nova

atividade e está satisfeita com a mudança: “Cuido de pessoas de idade, e

doentes, cuido da casa dou remédio e acompanho no médico. Não tive

dificuldades, porque cuidava dos meus pais. Fiquei surpresa, mas estou

gostando, é um trabalho calmo”. (Entrevistada 13).

Os entrevistados têm planos para novas frentes de trabalho, tais como:

seleiro e comerciante (Entrevistado 10); tratorista e motorista (Entrevistados 5 e

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7). Eles são de média idade e ainda estão trabalhando nas lavouras de cana.

Alguns já possuem planos para as próximas safras, mas entendem que haverá

dificuldades para desempenhar uma nova função ou conseguirem trabalho na

mesma atividade.

Outro ponto de atenção é a informação prestada pelos entrevistados de

que as usinas preferem os mais jovens, diante da mecanização em marcha na

lavoura, mas que uma parte dos jovens não se interessa pelo trabalho no

campo. O Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Lavínia-SP

apontou que futuramente os produtores encontrarão dificuldades para contratar

trabalhadores na região, devido ao desinteresse dos jovens pela atividade no

campo. Assim, para o entrevistado, a mecanização viria para solucionar um

problema latente. O raciocínio do presidente “desinteresse dos jovens leva à

mecanização” deve ser invertido: as relações sociais eliminam o trabalho braçal

porque a mecanização aparece como desempregadora, o que gera o

desinteresse de jovens que não vêem emprego rural no horizonte. O

entrevistado atém-se ao emprego de poucos especialistas treinados pela

empresa em parceria com o Estado. O que é insuficiente. Outra entrevista

compartilha com a inversão do raciocínio: “Os mais jovens não se preocupam

com desemprego ou emprego de máquinas, porque tem a casa dos pais para

morar. Quem se preocupa mesmo são os mais velhos que têm família para

tratar”. (Entrevistado 5)

A análise que se faz é de que a força de trabalho do jovem, que deseja

especializar-se numa profissão, é necessária para desempenhar o novo tipo de

trabalho proposto, operador de máquinas, e que muitos estão empregados

nesta função. Entretanto, reduziu-se a disponibilidade para trabalhar no

exaustivo trabalho braçal. Isto pode ser identificado com a dificuldade em

recrutar estes jovens para o trabalho nas lavouras, conforme apontam os

entrevistados 1 e 2.

A mudança na base técnica do trabalho – do arado, enxada e facão para

o maquinário - trouxe problemas sociais novos. O desemprego dos

trabalhadores rurais exigiu medidas públicas, como a necessidade de

capacitação dos jogados fora do sistema de produção. As relações sociais

eliminaram o trabalhador tradicional, introduziram o maquinário e, assim,

modificaram o método de trabalho. Novos fatores foram constatados: a grande

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maioria ficou sem emprego e uma parte da população migrou para o trabalho

especializado nas usinas ou como operadores de máquinas.

3.4 O Trabalho Especializado e a Perda do Domínio do Conhecimento

sobre a Produção

O entrevistado 6 labora como fiscal de campo, portanto um assalariado

da usina. Destaca: “Para trabalhar na usina hoje você tem que ser excelente,

se for só bom será descartado”. Desta forma, é possível identificar a contínua

necessidade de capacitação dos profissionais o que acentua a especialização

técnica para desempenhar uma determinada atividade.

A especialização na divisão do trabalho e, com ela, a perda do

conhecimento do processo de produção já estava posta, antes da introdução

de máquinas. Os trabalhadores sazonais, contratados exclusivamente para

desenvolver a atividade de plantio e corte, realizavam tarefas especializadas e

delas tinham o conhecimento e habilidade específicos. Seu saber resumia-se

em colocar a cana na vala, separar os gomos e tampá-la, no caso do plantio.

Acentuou-se a divisão do trabalho e, consequentemente, a especialização das

tarefas.

O conhecimento da totalidade da produção foi-se, aos poucos,

extinguindo. O que se fez ou se faz antes ou após as tarefas realizadas? Qual

o destino da cana cortada? Qual o processo para transformação em energia,

álcool, açúcar? As respostas dos trabalhadores a essas questões foram as de

não conhecer. Os trabalhadores, especializados no corte ou no plantio,

obtinham algumas respostas prontas, colhidas nos cursos e nas instruções

fornecidos pelas usinas. A entrevistada 8 respondeu que conhece todo o

processo de cultivo da cana, mas, quando questionada se seria capaz de

produzir sozinha, afirmou que não conseguiria, que precisaria da ajuda de

técnicos. É uma falsa percepção do conhecimento da totalidade. Apenas dizer

como se faz de forma abrangente e superficial não pressupõe que realmente

domine a base técnica da produção, pois nunca a realizou como um todo.

A entrevistada 9, porém, entendeu a divisão do trabalho especializado e

a perda do conhecimento da totalidade: “Não conheço, (o processo) porque

tem as pessoas que arrumam o solo, outras que plantam; cada turma trabalha

numa etapa e eu corto cana”. A entrevistada 13 também apresentou resposta

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semelhante: “Só conheço a parte do serviço manual. O que as máquinas fazem

eu não sei. A parte de preparo do solo é feito pelo tratorista, quando prepara a

terra faz curva de nível. Eu pegava só o plantio e o corte”.

O entrevistado 5 tem 55 anos e há 17 anos trabalha no campo. Disse no

depoimento: “Para o plantio é preciso ter acompanhamento dos engenheiros da

usina para a análise da terra, mas a função de plantar eu consigo. Os novos,

de menos de 55 anos, não sabem. Conheço todo o plantio manual”.

Por outro lado, os entrevistados 1 e 7, por serem pequenos proprietários

de terra e por terem trabalhado com suas famílias nas propriedades,

declararam que sabem todo o processo de cultivo da cana, sendo capazes de

produzi-la, mesmo sem a ajuda de técnicos. Já os entrevistados 4, 14, 15, 16,

17 conhecem o modo tradicional de cultivo da cana e o realizavam em suas

propriedades há anos para consumo interno.

Quem não teve mais lugar no trabalho de cultivo de cana e se

especializou como operador de máquina perdeu o conhecimento da totalidade

da produção, prevalecendo as normatizações da gerência das usinas, havendo

pouca oportunidade para a renormatização do trabalho real.

O trabalho braçal no cultivo da cana, mesmo que ainda consiga subsistir,

deve ser entendido como categoria desenganada, porque a base técnica do

trabalho na produção é, agora, a mecanização, modificando-se, conforme

MARX (1980) o método de trabalho. O entrevistado 5 pondera que houve uma

drástica redução nas frentes de trabalho e a realocação destes trabalhadores

está sendo feita para uma pequena parcela de trabalhadores rurais. “O plantio

direto é mais barato e fácil. Com isso, vai diminuindo a força de trabalho. Na

“carpa” eram 300 pessoas; hoje, passa o veneno com o trator e menos de 100

pessoas faz o restante do serviço”. (Entrevistado 5).

A lógica do desenvolvimento capitalista é a marcante ampliação do

capital constante. Essa ação “explicita, também, o seu oposto, isto é, a redução

relativa do capital variável e a consequente liberação da força -de- trabalho que

irá constituir-se no exército industrial de reserva”. (AUED. 1981, p. 23). Isso

quer dizer que o desenvolvimento capitalista se realiza às custas da liberação

de força de trabalho. É a lógica do capital que “amolda a geração/extinção do

nível de emprego” (AUED, 1981, p. 27). Nesse sentido, o trabalho vivo,

realizado pelos trabalhadores da cana, é constantemente absorvido pelo

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trabalho morto, pelos meios modernos de produção. (LOPES, 1976). A

expansão do capital busca controle e valorização na produção da matéria-

prima e na constituição do trabalhador coletivo, pois, o capital, pouco a pouco,

molda as formas individuais de produzir riqueza à sua imagem e semelhança.

O entrevistado 5 assim o entende: “Na carpa eram 300 pessoas; hoje, passa o

veneno com o trator e menos 10 pessoas faz o restante do serviço”.

No processo do trabalho especializado, a apropriação do saber

historicamente acumulado passa ao completo domínio do capitalista. O

trabalhador é destituído de seu saber, de suas ferramentas de trabalho e da

decisão sobre o que, como, quando e para que produzir. O trabalhador é

transformado, de uma vez por todas em fator de produção, porque possui a

capacidade de produzir mais do que o necessário para a sua subsistência, ou

seja, detém a capacidade de produzir mais-valia.

O saber do trabalhador se transporta totalmente para as máquinas. A

maquinaria é instrumental de trabalho automatizado. Segundo MARX (1982, p.

484), no complexo de máquinas autômatas, confirma-se a "[...] separação entre

as forças intelectuais do processo de produção e o trabalho manual e a

transformação delas em poderes de domínio do capital sobre o trabalho". Os

trabalhadores rurais constataram esse processo. Quando “uma massa ampla

de operários agrícolas, empregados, técnicos” ocupa o espaço que mera deles,

é do novo mundo social que falam.

O desemprego acompanha esse movimento produtivo. No campo

colocam-se desafios aos trabalhadores rurais, aos agricultores de trabalho

imediato e aos assentados. O Estado participa desse momento social,

apresentando-se como o estado do capital e não somente o estado dos

capitalistas. A ele cabe organizar o parasitismo social. O mundo de

desempregados, jogados fora das profissões condenadas pelas forças

produtivas, é a situação em que se dá a nova função do Estado: cuidar do

trabalho improdutivo. (ALVES, 2005, p.190)

A produção da cana está intimamente ligada às usinas sucroenergéticas

e a necessidade de força de trabalho especializada se faz sentir. Assim,

averiguaram-se as modificações nas relações de trabalho ocorridas diante da

alteração do método de produção da cana e as novas funções das empresas e

do Estado. As empresas, diante das necessidades, procuram capacitar seus

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funcionários, como tratorista, operador etc. e, normalmente, encarregam o

Estado de realizá-lo, mediante parcerias, justificadas pelas obrigatórias

contribuições às instituições e às associações de assistência.

A impotência de conseguir obter novo emprego aumenta com o princípio

detectado por MARX (1980, p. 747): ARX (1980, p. 747): “A magnitude relativa

do Exército industrial de reserva cresce com as potências das riquezas. [...]

Essa é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista”.

4 Conclusão

As relações sociais, estabelecidas na produção de cana-de-açúcar, e as

consequências advindas do emprego de máquinas nas fases de cultivo,

modificaram os aspectos econômicos, sociais e políticos, ao impor uma forma

determinada de produção capitalista, com que o capital agroindustrial explora

não somente a terra, mas também o trabalho produtivo dos trabalhadores que

gera a mais-valia oriunda das lavouras canavieiras.

Com a alteração da base técnica de produção da cana, a substituição do

trabalho braçal pelo uso de maquinário criou uma nova categoria de

trabalhador, o operador de máquinas, o tratorista, o mecânico etc. O que antes

era realizado com a ajuda de facão e máquina costal, hoje, é desempenhado

por uma máquina-ferramenta. As relações sociais extinguiram o trabalho braçal

no cultivo da cana e impuseram ao trabalhador a especialização do trabalho e,

com ela, a perda do conhecimento do processo de produção.

Mas, não foi apenas a alteração do trabalho que contou com a

introdução das usinas. Desenvolveu-se nova divisão social do trabalho. A

extinção das profissões tradicionais causou desemprego e a reprodução

ampliada do capital criou outros empregos rurais, como empregados agrícolas,

operadores de máquinas, técnicos agrícolas, pessoal da gestão, engenheiros,

químicos e outras categorias profissionais que, agora, atuam na região rural.

“Este é o novo mundo social nesse núcleo da agricultura canavieira” (IANNI,

1984, p. 56). Um mundo com características sociais, econômicas e políticas

diferentes das tradicionais profissões rurais.

Com o usineiro, as relações sociais também modificaram a burguesia

local: criaram-se lojas, oficinas, imobiliárias e outras instituições que se

adequaram ao tipo de capitalismo que o usineiro instalou nos três municípios.

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Os trabalhadores rurais e os proprietários agrícolas adaptaram-se à usina:

introduziram as parcerias, os arrendamentos, os fornecedores. A vida social

tornou-se urbana para os trabalhadores rurais e para os pequenos e médios

produtores, consequência dos arrendamentos e das parcerias. Como corolário,

o trabalhador perdeu o conhecimento da totalidade da produção, confiscado

pelo usineiro e por seus tecnocratas.

Os fornecedores, portanto, são as únicas exceções a esse movimento;

mantendo, ainda, um relativo conhecimento do cultivo, posto que sujeito às

normas e às práticas impostas pela usina contratante.

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ARTIGO II

Os Contratos para a Produção da Cana-de-Açúcar e os Parâmetros para a

Precificação nos Municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso - SP.

Isa Maria Formaggio Marques Guerini

Resumo

O objeto de estudo é o cultivo de cana e o tipo particular de organização das

relações de produção, que criaram formas de contratações junto aos

fornecedores e parâmetros de precificação do produto. O estudo se enquadra

na linha de pesquisa Sociedade, Ambiente e Desenvolvimento Regional

Sustentável e foca os municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso, SP. Os

autores de referência foram: Alves (2003), Ianni, (1993 e 1984), Picanço Filho e

Marin (2012), (Marx, 1996), Lopes (1976) e (Quintino Leal (2008). Para o

levantamento de dados empíricos foram aplicados questionários aos

trabalhadores das lavouras de cana, aos produtores rurais e aos presidentes

de sindicatos, realizadas observações em situação de trabalho e captura de

imagens, sobretudo, do CANASAT. Os resultados evidenciaram que, nessa

região do estado de São Paulo, foi adotada uma sistemática de pagamento dos

fornecedores de cana que tem por base a precificação através do índice de

sacarose presente na planta. Em que pese o arcabouço jurídico que regula as

disposições contratuais, torna-se evidente a disparidade no poder de barganha

entre a usina e os fornecedores de cana.

Palavras-Chave: Contrato de Parceria e Arrendamento. Precificação. Usina

Sucroenergética.

Abstract

The object of study is the sugarcane cultivation and the particular organization

type of the production relations, which created hiring forms along with the

suppliers and product pricing parameters. The study meets the research line;

Society, Environment and Sustainable Regional Development and focus

Mirandópolis, Lavínia and Valparaíso (SP) municipalities. The reference

authors are Alves (2003), Ianni, (1993 and 1984), Picanço Filho and Marin

(2012), (Marx, 1996), Lopes (1976) and (Quintino Leal (2008). Questionnaires

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were applied to the employees of sugarcane cultivation, to the farmers and to

the presidents of unions for the collection of the empirical data; observations in

a work situation and capture of images held, mainly, from the CANASAT. The

results showed that it was adopted a systematic payment of the cane suppliers

on this area in the state of São Paulo, in which it prices through the index of

sucrose present in the plant. Notwithstanding the legal framework to regulate

the hiring arrangements, it becomes clear the disparity in the bargaining power

between the power plant and the sugarcane suppliers.

Keywords: Partnership and lease agreement. Pricing. Sugar-energy plant.

1 Introdução

O objeto de estudo é o cultivo de cana e as formas jurídicas, criadas

pelas usinas sucroenergéticas, para a contratação de fornecedores da matéria-

prima e para a precificação do produto. Para obter a matéria-prima junto aos

produtores, os oligopólios firmam contratos de garantias de comercialização e

de qualidade do produto junto aos fornecedores, arrendadores e parceiros–

proprietários dos municípios de Mirandópolis, Lavínia e Valparaíso, São Paulo.

Essas formas singulares são a expressão, neste ramo determinado, das

relações sociais que regem a sociedade capitalista. São, também, o material de

estudo neste artigo.

As empresas oligopólicas do setor sucroenergético apoderaram-se de

parte das terras disponíveis nos três municípios e impuseram mudanças

significativas nas relações de trabalho. Pequenas glebas rurais, que eram

exploradas pelo trabalho imediato, deram lugar a uma vasta lavoura canavieira.

Sítios e fazendas passaram a ser arrendados pelas empresas com a finalidade

de produzir matéria-prima para a industrialização, que é o elemento do capital

constante que causa a disputa pela ocupação do solo. Consequentemente,

está em curso um conjunto de reorganizações no método de trabalho, com a

incorporação de recursos tecnológicos no processo de cultivo.

Justifica-se este estudo pelo contexto histórico de produção agrícola

realizada com trabalho imediato que, ao passar dos anos, cede lugar à

exploração de monoculturas, cultivadas com trabalho assalariado. O

movimento do capital internacional, em forma oligopolizada, somado aos

incentivos fornecidos pelo Estado, é similar ou idêntico para várias regiões do

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cultivo de cana. Cada cultivo da cana em determinado lugar manifesta no

concreto a universalidade das relações sociais vigentes na produção geral. Nos

municípios paulistas, para se apreender a singularidade dos novos métodos de

trabalho e de suas consequências sociais e econômicas, há que se investigar

os contratos de produção, o controle sobre a qualidade da cana, as

normatizações para o cultivo, o pagamento por tonelada imposto pelo usineiro,

e analisar as disparidades contratuais presentes na relação obrigacional

estabelecida entre a usina e os produtores de cana.

2 Procedimentos Metodológicos

Os loci da pesquisa foram os municípios localizados na Região

Administrativa de Araçatuba, São Paulo, em que a cana-de-açúcar representa

a principal produção agrícola, que passou, de mero plantio para suprir as

necessidades dos moradores da zona rural, a lavouras para abastecimento das

usinas sucroenergéticas.

A caracterização dos municípios de Lavínia, Valparaíso e Mirandópolis

seguem os dados publicados pelo Institui Brasileiro de Geografia e Estatística –

IBGE, colhidos no censo de 2010. O município de Lavínia produziu, no ano de

2010, 1.640.000 toneladas de cana. (Fonte: IBGE – Cidades, 2010). A região

destinada para produção de cana consiste em 34,3% da área municipal.

(Imagens de Satélite CANASAT). O município de Valparaíso produziu, em

2010, 2.779.200 toneladas de cana. (IBGE , Cidades, 2010), representando

58,1% da área municipal. (Imagens de Satélite CANASAT). Mirandópolis

colheu 870.870 toneladas de cana, em 2010. (IBGE, Cidades, 2010), sendo a

área agrícola do município ocupada em 25,1 com cana-de-açúcar. (Imagens de

Satélite CANASAT).

A escolha destes municípios se justifica pelo fato de ser uma região de

canaviais e de existir trabalhadores que presenciaram a mudança da produção

de cana nos últimos 30 anos.

O tipo de solo presente nos municípios de Mirandópolis e Lavínia é

classificado como “Solos com B textural - Pml - Solos Padzolizados de Lins e

Marília - Variedade Marília”. No município de Valparaíso o solo é classificado

como “Solos com B textural - Pln - Solos Padzolizados de Lins e Marília -

Variedade Lins” (Sistema de Informações para o Gerenciamento de Recursos

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Hídricos do Estado de São Paulo – SigRH). Tais solos são normalmente férteis,

quimicamente ricos e provenientes de arenito Bauru com cimento calcário.

Os procedimentos utilizados para a coleta e ordenamento dos dados

consistiram em levantamento documental, com dados colhidos nos sites das

três usinas que atuam na região, aplicação de questionários, realização de

entrevistas com trabalhadores do cultivo da cana de açúcar, funcionários de

sindicatos, médios e pequenos proprietários de terra. Além disso, utilizou-se a

metodologia de observações em situação de trabalho. Esta foi realizada com

seis visitas aos locais de trabalho, nas lavouras de cana-de-açúcar, com

registros de observações e de depoimentos.

A representatividade dos sujeitos da pesquisa apoia-se no seguinte

procedimento: quando o entrevistador, o próprio pesquisador, percebeu que,

depois de realizadas as entrevistas em número suficiente e que as últimas não

traziam mais dados novos e nenhuma informação que já não estivesse

registrado nas entrevistas anteriores, considerou que os dados eram

suficientes, consistentes e fidedignos. A apresentação dos resultados e a sua

discussão foram feitos por meio da análise temática dos dados colhidos. A

temática envolveu a análise das relações sociais estabelecidas no cultivo da

cana-de-açúcar, que, com a transformação do território em canavial e com a

introdução das máquinas e do trabalho especializado, estabeleceram, também,

parâmetros de contratação de produtores e precificação do produto. A pesquisa

utilizou, também, imagens de satélite – CANASAT.

A sistematização dos dados qualitativos foi feita da seguinte forma:

primeiramente, uma leitura horizontal de todas as entrevistas para detectar

temáticas comuns, algumas perguntadas a cada entrevistado e outras surgidas

dos conteúdos das entrevistas. Depois, foram sistematizados todos os

conteúdos das entrevistas nas temáticas e as sub-temáticas, para fins de

análise.

A abordagem desenvolvida pelos pressupostos teórico-metodológicos do

estudo da atividade humana - a pesquisa em situação de trabalho - recolheu

informações e experiências que detêm os trabalhadores da atividade e que

foram adquiridas no trabalho real.

Para a análise dos dados, utilizou-se a categoria singular do objeto de

estudo, mediada pela universalidade que os dados expressam. Segundo

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ALVES (2003, p. 11): “O singular é a manifestação, no espaço convencionado,

de como leis gerais do universal operam dando-lhe uma configuração

específica. Universal e singular, nessa perspectiva, são indissociáveis”. Na

utilização da categoria singular/universal na análise dos dados colhidos por

meio de questionários e entrevistas, entende-se a categoria da seguinte

maneira: O singular refere-se à situação do cultivo de cana, realizada em terras

próprias ou em terras arrendadas, cujas representações as entrevistas e os

questionários desvelam. O universal refere-se ao capital, enquanto relação

social, em mãos de poderosas usinas, com base financeira para comprar terras

ou arrendá-las, pagar renda ou salários, a fim de obter os lucros desejados.

Como tais, seguem o movimento do capital e buscam produzir mercadorias e,

para isso, determinam os contratos da normatização e os preços do produto.

Nas palavras de IANNI, (1993, p. 173): “O universal é o infinitamente concreto,

que compreende todas as coisas, que está presente em todas as partes”.

3 Resultados e Discussão

Nos municípios estudados, constataram-se quatro tipos de lavoura em

uso para o cultivo da cana: a produção de cana em terras próprias das

indústrias, com exploração direta dos trabalhadores; a produção realizada nas

terras de pequena e média propriedade, arrendadas e exploradas pela usina;

áreas arrendadas diretamente pela usina e repassadas para o cultivo e

exploração dos pequenos e médios produtores; e, por fim, pequenos e médios

proprietários que exploram a própria cana com trabalho imediato, estes

denominados fornecedores. Este estudo investiga os dois últimos tipos, porque

atingem diretamente a parte mais fraca das contratações e da precificação.

As formas de contratação apresentam peculiaridades e efeitos sócio-

econômicos e jurídicos diferenciados, principalmente no que diz respeito à

remuneração dos contratantes. A sistemática largamente empregada para

precificar a cana-de-açúcar é a desenvolvida pelo Conselho dos Produtores de

Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do estado de São Paulo (CONSECANA - SP)

e leva em consideração o teor de sacarose presente na cana produzida. Isso

significa dizer que o pagamento não se dá pela tonelada de cana bruta colhida.

Algumas disparidades contratuais entre usina e produtores ou

arrendador/parceiro foram tratadas no estudo para demonstrar a força e

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domínio do oligopólio sucroenergético ao adquirir matéria-prima e expandir o

cultivo de cana. A presença do usineiro modificou o cenário, não somente da

região, mas, também do trabalho agrícola e da possibilidade da sobrevivência

do trabalhador, especialmente de quem desempenha trabalho braçal nas

lavouras.

3.1 Infraestrutura dos Municípios

Constatou-se que a infraestrutura dos municípios é deficiente. As vias

públicas não são adequadas para atender às necessidades da mecanização da

produção. Um dos produtores entrevistados relata que:

O que se percebe é que antigamente os caminhões eram

pequenos. Hoje são altos e as redes elétricas estão

baixas em relação aos caminhões. Não há investimento

para melhorias. O asfalto é fraco e os caminhões são

pesados e acabam com as estradas e ruas da cidade.

Não se vê interesse em arrumar o asfalto nem as redes

elétricas, sendo assim, os produtores estão desanimando,

podendo acarretar a diminuição da produção no futuro.

Precisamos do apoio das Associações e das

Cooperativas para resolver estes problemas. Os

produtores sozinhos não conseguem e estão ameaçados

de não plantar nas próximas safras. Os direitos de ir e vir

são constitucionais, a população tem seus direitos à

circulação de mercadoria e também há o direito do

produtor. (Entrevistado 2)

Há visível desgaste das estradas que não são asfaltadas; deterioração

de pontes de madeira, que na maioria das vezes são improvisadas e

consertadas de forma paliativa para a passagem do maquinário e dos tratores;

a rede elétrica, há anos construída, dificulta a passagem e manobra das

colhedoras e os maquinários de grande porte; as estradas vicinais que

interligam os municípios de Mirandópolis e Lavínia e Valparaíso não

comportam o peso dos veículos; a própria via pública urbana de Lavínia não é

adequada à passagem do maquinário.

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Figura 1. Fotografia da Ponte de Madeira na Divisa do Sítio São José com

a Área de Plantação de cana do agricultor Antonio Zambotti, município de

Lavínia - SP.

Diante de tantos pontos de atenção, constatou-se que as usinas não

possuem interesse em comprar a cana plantada em áreas de difícil acesso. Um

dado observado nas entrevistas é o argumento de que haveria a proibição legal

de transitar com maquinário nas cidades, motivo pelo qual a usina estaria

reduzindo a negociação com os produtores locais. Mas o próprio entrevistado 2

averiguou a alegação da usina e identificou que não há lei que proíbe o tráfego

dos caminhões ou maquinário no município. Segundo ele:

Além do meio ambiente tem outra polêmica. Dizem que as

cidades não gostam que passem os caminhões com cana

nas vias porque arrebenta a fiação de energia elétrica,

afunda o asfalto, faz buracos e tudo fica por conta da

usina. Solicitamos ao sindicato rural para saber se tem lei

que proíbe a passagem dos caminhões nas cidades e

entorno e foi investigado e constatado que não há lei que

proíbe e é a própria usina que não quer passar nas

cidades com difícil acesso e utiliza desse argumento.

(Entrevistado 2).

O que se percebe é que a infraestrutura dos municípios do interior não

acompanhou o desenvolvimento tecnológico empregado nas lavouras. As vias

não são adaptadas para passagem de grandes maquinários e o asfalto não é

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reforçado o bastante. Com caminhões e máquinas cada vez maiores e mais

altos, acidentes se tornam comuns. Para uma solução, o entrevistado 2 diz ser

necessário o apoio das Associações e das Cooperativas para resolver os

problemas, pois os produtores sozinhos não conseguem mudar o cenário. O

direito à circulação de mercadorias deve ser assegurado pelo estado, já que é

salvaguardado constitucionalmente, mas as prefeituras abstêm-se da tarefa.

Os moradores, evidentemente, associam os desgastes da infraestrutura

das cidades à atividade canavieira e à usina. Esta procura evitar uma possível

imagem negativa, a fim de manter as certificações que garantem o acesso ao

mercado internacional sucroenergético, aos recursos fornecidos pelo Estado e

às parcerias firmadas com o governo. Há que se afirmar, por fim, que as

prefeituras culpam as usinas pelos estragos da estradas. O usineiro, por sua

vez, não é afetado por estes obstáculos ao transporte. Se as estradas

prejudicassem sua empresa, há tempos teria tomado providências junto às

autoridades. A usina já comunicou que não fará a disponibilização de

maquinário aos fornecedores nas safras futuras. Quem realmente toma

prejuízo é o produtor.

3.2 O Trabalho do Fornecedor Independente

O fornecedor de cana cultiva a terra de sua propriedade ou, se for o

caso, cultiva as terras arrendadas pela usina e a ele repassadas. Caracteriza-

se para o fornecedor uma certa liberdade de proprietário da terra ou da cana

cultivada, em termos de gestão autônoma, de trabalho imediato despendido

nas tarefas e de livre contratação de empregados rurais para manutenção da

lavoura, preparo do solo e, até mesmo, efetuando contratação de empresas

terceirizadas, as quais “fornecem trabalhadores para o plantio da cana

(retampa) e corte (cortes das áreas onde o maquinário não pode operar por

conta do relevo)”. (Entrevistado 2).

Conforme exposto por PICANÇO FILHO e MARIN (2012, p. 195), a

indústria repassa ao agricultor o compromisso da produção da matéria-prima,

mas não transfere, totalmente, a autonomia com relação à maneira de produzir,

“ficando o integrado obrigado a uma padronização das condições técnicas,

para serem atingidos o padrão da racionalidade e o nível de acumulação que a

empresa se propõe, visando obter o controle de todo o processo produtivo”.

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Não transferindo a total autonomia da produção da cana, o produtor,

muitas vezes, não possui o maquinário e, com os instrumentos braçais, fica,

simbolicamente, com o arco e flecha na mão, sem serventia. Ou como escreve

MARX: “Nada mais despropositado do que imputar ao arco e flecha do índio

tribal a natureza de capital. [...] Não serve a nenhuma finalidade de valorização

capitalista”. (MARX, 1996, p. 33). Às usinas pertence o comando sobre a

relação social, enquanto separação entre o trabalhador do proprietário: A fim

de que o trabalho acumulado nos bens de produção assuma a função de

capital é preciso que se converta em instrumento de exploração do trabalho

assalariado. Em vez de coisa, “o capital é relação social”. (MARX, 1996, p. 33).

No caso do fornecedor autônomo, que, originalmente, possui o domínio

do conhecimento da totalidade da produção de cana, tem a obrigação de,

paulatinamente, submeter-se ao conhecimento técnico e tecnológico das

empresas para poder operar com produtividade. Dessa maneira, também, vai

se submetendo à normatização dos especialistas das empresas.

A usina disponibiliza técnicos para acompanhar o preparo do solo, o

plantio, controle de pragas e o labor no campo é vistoriado por fiscais para

garantir a segurança do trabalho, como por exemplo, a correta utilização de

Equipamentos de Proteção Individual (EPI). (Entrevistados 1, 2, 3 e 6) e,

evidentemente, para garantir a qualidade do produto.

Quando questionado sobre o recebimento de orientações da usina para

o plantio da cana, o entrevistado 2 informou: “Tem os técnicos da usina que

orientam; é interesse deles que as áreas sejam bem cuidadas. Inclusive pagam

uma parte das despesas com construção de curvas de nível para conter

erosões e proteger as bacias”.

O suporte oferecido pela usina, dependendo do tipo de contrato firmado

e da situação específica, consiste em: oferecimento de tecnologia, maquinário,

fiscal de campo para os trabalhadores rurais e oferecimento de força de

trabalho qualificada para operação do maquinário.

Há, também, o auxílio de técnicos das usinas para orientar a utilização

de adubos e herbicidas. Conforme informado pelo entrevistado 1, “a Usina não

capacita os produtores de cana, ou seja, não há oferecimento de cursos”;

prefere orientá-los diretamente por meio de técnicos, para haver melhor

aplicação dos insumos e garantir o controle da qualidade do produto. As

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instruções superficiais oferecidas em formas parceladas pelos técnicos de

campo não habilitam o fornecedor a obter o conhecimento da totalidade da

produção. A expansão implicou uma ampla e complexa mobilização de forças

produtivas, desenvolvendo-se a divisão social do trabalho. A usina mobiliza

uma ampla massa de operários agrícolas, de técnicos, fiscais e de outras

categorias profissionais. Em certo sentido, pode-se dizer que o mundo social

habitado por pequenos e médios agricultores de trabalho imediato cedeu o

cenário para um profissional urbano que atua na lavoura mecanizada. Este

novo cenário aumenta o poder do usineiro. Tudo está organizado “segundo as

exigências da reprodução do capital agroindustrial, da divisão social do

trabalho, das hierarquias das posições e mandos, das formas e dos níveis de

participação no produto do trabalho coletivo dos operários agrícolas e

industriais”. (IANNI, 1984, p. 59-60)

Os produtores também contam com a assistência por parte de técnicos

da Associação dos Fornecedores de Cana da região Oeste Paulista - AFCOP,

a qual representa os fornecedores independentes. Assim, a associação tem

cunho assistencial e promove trocas de conhecimento e adaptações às regras

do setor. Os produtores se socorrem dela para apoio tecnológico e para

realização de cursos de capacitação. (Entrevistado 1). Recebem orientações

de agrônomos, representantes de defensivos agrícolas e adubos, os quais

“indicam os melhores produtos a serem utilizados” e os que “se encaixam no

nosso orçamento”. (Entrevistado 4). O produtor defronta-se com as

normatizações de um grupo de tecnocratas no campo. Conforme Ianni: “Surge

uma categoria social nova. Não é uma classe, mas é uma categoria que

merece atenção: é a tecnocracia que se expande no campo”, que exerce

“numa escala crescente, atividades no mundo rural”. (IANNI, 1984, P. 152).

3.3 Os contratos para produção da cana

Os contratos realizados entre os produtores, proprietários/possuidores

de terras e a Usina apresentam suas particularidades e atendem aos

interesses das partes. O conteúdo dos contratos não foi revelado durante a

pesquisa de campo, pois, os produtores entrevistados não os disponibilizaram.

Cumpre salientar que as dificuldades em ter acesso a dados detalhados, por

parte de usinas e contratantes, já fora preconizado por LOPES (1976) ao

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produzir a obra O Vapor do Diabo: o trabalho dos operários do açúcar. Apesar

desta dificuldade, foi possível colher, mediante a metodologia empregada, as

informações essenciais da pesquisa.

Pelas informações prestadas por trabalhadores rurais em situação de

visitas e pelos sites das três empresas da região, a remuneração dos

produtores de cana dá-se, em termos gerais, em valores por tonelada de cana

produzida. Contudo, essa forma é detalhada em novas modalidades. As formas

de remuneração podem variar de acordo com tipo de contrato firmado entre o

produtor e a usina. Os contratos são, basicamente, firmados na forma de

parceria agrícola, arrendamento ou fornecimento. Os produtores de matéria-

prima são denominados Parceiros Integrados, conforme se depreende das

informações postadas nos sites das usinas com o título “Seja um Parceiro da

Usina”, mas as espécies de contratos firmados podem variar.

O contrato de arrendamento se caracteriza legalmente por:

“Contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder

à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de

imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não,

outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo

de nele ser exercida atividade de exploração agrícola,

pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista [...]”. (BRASIL.

Art. 3º do Estatuto da Terra, BRASIL, 1966)

Na modalidade de contratação, o valor da contraprestação dada pelo

arrendatário é líquida e certa, não variando de acordo com a produção, bem

como há limitações impostas pelo Estatuto da Terra, tais como: prazo mínimo

de contratação, direito de preferência na aquisição do imóvel, direito à

indenização por benfeitorias necessárias e úteis, dentre outros. Um exemplo da

precificação de contratos de arrendamento utilizada por usinas é a pré-fixação

do preço do Kg de ATR por tonelada de cana produzida; assim, independente

do teor de sacarose da planta, o valor a ser pago será aquele estabelecido no

contrato.

Já a parceria rural, prevista no art. 4º do Decreto – Lei nº 59.566/66 e §

1º do art. 96 do Estatuto da Terra, com a nova redação dada pela Lei

11.443/07, consiste na modalidade pela qual o parceiro-proprietário cede ao

parceiro-produtor o uso da terra, partilhando com este os riscos do caso fortuito

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e da força maior, os frutos do produto da colheita e as variações de preços.

(BRASIL, 1966).

Destacam-se as seguintes formas de parceria agrícola: parceria por

tonelada de cana (valor do Kg de ATR – Açúcar Total Recuperável); parceria

por percentual de produção; parceria por valor fixo por hectare corrigido pela

inflação (modalidade pouco utilizada pelo risco de variação do valor de

mercado da cana e da terra); parceria para recebimento em equivalência em

produto que não a cana; parceria com opção para receber em açúcar e/ou

álcool anidro e/ou álcool hidratado. (CONFEDERAÇÃO da Agricultura e

Pecuária do Brasil – CNA).

Na modalidade de contrato de fornecimento, o produtor utiliza os seus

próprios meios para produzir a cana, em suas terras ou em áreas arrendadas,

a fim de entregar o produto na usina. Os tipos de fornecedores são:

fornecedores de cana na esteira, que possuem toda a estrutura de produção da

cana, desde o plantio até a entrega do produto na usina; e fornecedores de

cana em pé, que necessita do auxílio da usina ou de equipe terceirizada para

realizar algumas etapas da produção como, por exemplo, a colheita

mecanizada. (CONFEDERAÇÃO da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA).

Por sua vez, a forma de remuneração mais utilizada nos contratos

firmados com os produtores de cana é o pagamento pelo valor do Kg de

Açúcar Total Recuperável (ATR), através do cálculo da média acumulada da

safra, o qual é ponderado pela Usina do grupo ou estado.

Para zelar pelo relacionamento entre as Indústrias de Açúcar e Álcool e

os plantadores de cana, em 1999, fundou-se o Conselho dos Produtores de

Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do estado de São Paulo (CONSECANA-SP),

que criou um sistema de pagamento da cana pelo teor de sacarose, com

critérios técnicos para avaliar a qualidade da cana-de-açúcar entregue pelos

plantadores às indústrias e para determinar o preço a ser pago pela matéria-

prima. (CONSECANA-SP). O sistema criado consiste justamente em basear o

valor da cana no ATR, que corresponde à quantidade de açúcar disponível no

produto fornecido, subtraídas as perdas no processo industrial, bem como aos

preços do açúcar e etanol vendidos no mercado interno e externo.

(www.unica.com.br/consecana/).

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Segundo o Regulamento do Conselho, o preço médio acumulado do kg

do ATR servirá como referência para o faturamento e para o cálculo dos

adiantamentos (parcela do valor faturado) que a unidade industrial pagará ao

produtor de cana-de-açúcar. Expõe como metodologia para a formação do

preço final da cana:

“Art. 1º – O preço da cana-de-açúcar será calculado

utilizando-se os seguintes parâmetros: I – Qualidade da

cana-de-açúcar expressa em kg de ATR (Açúcar Total

Recuperável); II – Preço médio dos produtos acabados,

açúcar e álcool, livre de tributos e frete, na condição

PVU/PVD por produtores do Estado de São Paulo, em

relação ao mercado externo e interno; III – Participação

do custo da cana-de-açúcar (matéria- prima) no custo do

açúcar e do álcool, em nível estadual; e IV – Mix de

produção e de comercialização do ano-safra de cada

unidade industrial. (Conselho dos Produtores de Cana-de-

Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo.)

O modelo de gestão implementado pelo Conselho, o qual é de adoção

voluntária, começou a ser utilizado na safra 1998/1999 e atingiu 85% dos

produtos da cana com comercialização nos preços de marcado. O Anexo I do

Regulamento, emitido pelo CONSECANA-SP, apresenta as Normas

Operacionais de Determinação da Qualidade da Cana–de–açúcar, onde se

estabelece a fórmula de cálculo do Açúcar Total Recuperável (ATR). Por sua

vez, o Anexo II apresenta a formação do preço da cana e a forma de

pagamento, sendo que as regras podem ser aplicadas em qualquer região do

estado de São Paulo. Destaca:

“Art. 3º – A determinação da concentração de ATR, tanto

para a cana da unidade industrial como do produtor, para

fins de cálculo do ATR Relativo, deve observar a seguinte

equação, além das normas operacionais expressas no

Anexo I deste Regulamento e nas normas

complementares expedidas pelo CONSECANA-SP: ATR

= 10 x PC x 1,05263 x (1 - 0,01 x PI) + 10 x ARC x (1 –

0,01 x PI), onde:

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PC = pol da cana, que determina a quantidade de

sacarose aparente na cana-de-açúcar (vide o Anexo I); PI

= a perda industrial média dos açúcares contidos na cana-

de- açúcar em função dos processos industriais e

tecnológicos utilizados no Estado de São Paulo; ARC =

açúcares redutores, que determina a quantidade conjunta

de frutose e glicose contida na cana-de-açúcar (vide o

Anexo I); 1,05263 = coeficiente estequiométrico de

transformação da sacarose em açúcares redutores”.

(Manual de Instruções - Regulamento do CONSECANA-

SP).(grifo nosso)

No Anexo III do Regulamento citado acima há disposição das regras

contratuais mínimas para pactuar compra e venda de cana–de–açúcar, as

quais devem ser adotadas pelos integrantes do setor da agroindústria

canavieira que optarem pela adoção do sistema CONSECANA-SP. A título de

informação, o preço médio do ATR do mês de abril correspondeu a R$

0,4470/kg de ATR, conforme a circular nº 03/13 de 30 de abril de 2013. Abaixo,

apresentada-se um quadro de precificação do ATR, emitida pelo

CONSECANA-SP.

Quadro 1 - Os valores de ATR aplicados nas safras de 2007/2008 a

2011/2012.

Preço médio pago para cana-de-açúcar entregue pelos fornecedores no Estado de São Paulo

Valores médios calculados a partir dos dados e metodologia adotada pelo Consecana-SP1

Safra

Concentração de açúcares na

cana2 (Kg ATR/t )

Preço final do ATR (R$/kg ATR)

Preço médio da cana entregue

pelos fornecedores

(R$/t)

2007/2008 146,57 0,2443 35,81

2008/2009 143,25 0,2782 39,85

2009/2010 132,75 0,3492 46,36

2010/2011 143,36 0,4022 57,66

2011/2012 140,17 0,5018 70,34

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1 O Consecana-SP é um modelo voluntário que estabelece parâmetros e procedimentos para a definição do preço da cana-de-açúcar entregue pelos fornecedores. Para maiores informações consultar o manual do modelo, disponível em www.unica.com.br/unicadata. ²ATR - Açúcares Totais Recuperáveis

Fonte: Site da União da Indústria de Cana-de-açúcar – UNICA.

Há dois fatores importantes a serem destacados em relação à

remuneração dos produtores. A primeira é a falta de controle do fornecedor

sobre a aplicação da fórmula do ATR; a segunda consiste na dedução dos

gastos que a usina possui com a disponibilização de maquinário, força de

trabalho (operador da colhedeira e transbordo) e transporte – Cláusula CCT

(corte, carregamento e transporte).

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA lista a

importância e as vantagens dos fornecedores de cana produzirem e

administrarem sua lavoura:

“[...] A probabilidade de obterem lucro maior por área

utilizada: aproveitamento racional da infra-estrutura de

veículos, máquinas e equipamentos existentes;

aproveitamento da mão-de-obra familiar e de

empregados efetivos e formalizados; (...) Pulverização

das compras de insumos e produtos em geral no

comércio local e regional; (...) Participação ativa no

processo de evolução do setor em todos os aspectos.”.

(CONFEDERAÇÃO da Agricultura e Pecuária do Brasil –

CNA).

A utilização da sistemática do CONSECANA – SP foi confirmada pelo

entrevistado 1. Ele informou que se aplica a fórmula do ATR (Açúcar Total

Recuperável) para o pagamento da produção, pois os contratos com as usinas

são realizados pelo sistema da CONSECANA. Disse, ainda, ter conhecimento

da existência de contratos com valor de ATR pré-fixado por tonelada de cana

produzida. Contudo, o mais comum, em média 90% dos contratos, é

estabelecer o pagamento do ATR referente ao mês de pagamento.

Um fator importante, que influencia diretamente no cálculo da

remuneração a ser paga ao fornecedor de cana, é a cláusula contratual

chamada Corte, Carregamento e Transporte - CCT, oriunda de um acordo

entre as usinas e as associações que representam a classe dos produtores.

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Esta prevê os descontos referentes às despesas com o corte mecanizado, a

utilização do transbordo e do transporte da cana até a usina. O custo do corte é

padronizado, fixo. A despesa com transporte, porém, é calculado de acordo

com a distância existente entre a propriedade rural e a usina. A título de

exemplo, o produtor entrevistado 1 pagou CCT equivalente a R$ 23 reais por

tonelada colhida em maio/2013, com distância equivalente a 30 km de trajeto.

Como a colhedora e o transbordo são de grande porte, as áreas de

aclive ou declive acentuado, bem como as regiões de difícil acesso, são

recusadas pela usina. Esta não fará contratos de fornecimento com

proprietários que possuam imóveis nestas condições. (Entrevistado 1).

Segundo informações dos produtores entrevistados e do Presidente do

Sindicato dos Produtores Rurais de Lavínia, estima-se que a usina não

disponibilizará o maquinário para safras futuras. Nesse sentido, os agricultores

necessitarão organizar-se em forma de associações ou cooperativas para

aquisição do maquinário. O cálculo, estimado por um agrônomo especializado

na cultura de cana, é ser proprietário de no mínimo 13 mil alqueires plantados

para adquirir e manter uma colhedora sem prejuízo econômico.

Dentre várias questões contratuais controvertidas, o entrevistado 2,

médio fornecedor de cana, destaca que:

Um dos fatores é que a usina está querendo que a cana

seja entregue lá dentro. Assim eles recebem a cana,

moem e produz o álcool e o produtor tem que arcar com

todo esse processo. Acredito que futuramente a usina não

vai mais plantar cana. O plantio, o corte e o transporte

ficará por conta do produtor.

Na visão do entrevistado a usina buscará, cada vez mais, a contratação

de fornecedores e parceiros rurais, por ser mais rentável a ela a cana ser

entregue na esteira sem que o usineiro necessite ter um primeiro capital para

adquirir terras e um segundo para fazê-las produzir. É bem mais barato e

simples fazer o controle para obter qualidade na produção e comprar

diretamente de quem cultiva, considerando-se que o produtor está sujeito às

normatizações que tem que observar no trabalho real.

A Usina X informa, através do seu site, que possui mais de 3.500

parceiros estratégicos, os quais são responsáveis por 50% de toda a matéria-

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prima produzida pela empresa. (http://pt.raizen.com.br/pt-br/a-raizen). O

número de parceiros das demais usinas deve ser semelhante.

A imagem de satélite revela que em alguns municípios as áreas

agricultáveis foram totalmente “abocanhadas” pelas usinas. Com a saturação

de áreas tradicionais no cultivo de cana, como Ribeirão Preto e Piracicaba, a

indústria implementa novas usinas ou compra usinas menores em região não

tradicionais no cultivo, como a região Administrativa de Araçatuba, mas que

atenderão aos anseios por matéria prima. Observa-se a expansão de cana no

Município de Valparaíso – SP entre os anos de 2003 e 2012. As cores verde e

marrom identificam as áreas de plantio de cana:

Figura 2. Áreas de cana em Valparaíso-SP - 2003. Imagem CANASAT.

Abaixo a imagem que corresponde à safra de 2012:

Figura 3. Áreas de cana em Valparaíso-SP - 2012. Imagem CANASAT.

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Para auxiliar as usinas e os produtores na escolha de áreas com melhor

rentabilidade na produção de cana, há metodologias de catalogação de áreas

feitas por pesquisadores (BRANCO, 2013), indicando fatores agronômicos

(como o tipo de solo propício para o desenvolvimento da cana, o preço da terra

arrendada e a infraestrutura de transporte para escoar a produção) para a

tomada de decisão no momento de efetuar a compra de áreas e firmar

contratos de arrendamentos. (http://www.brasilagro.com.br).

Os objetivos estão sempre voltados à expansão canavieira determinada

pela força do capital. De fato, a produção sucroenergética, com capital

estrangeiro e nacional, aumentará significativamente nos próximos anos;

assim, a busca por áreas agricultáveis também aumentará. “O capital

estrangeiro está no campo”, escreve Ianni. (1984, p. 153).

3.4 A Disparidade Contratual entre a Usina e os Produtores de Cana

Analisando o conteúdo das entrevistas realizadas e correlacionando-o

com as informações sobre custos de produção apresentados por outros

pesquisadores da matéria (OLIVEIRA, 2010; PICANÇO FILHO E MARIN, 2012;

BELLINGIERI E FERNANDES, 2009, identificou-se a disparidade entre os

fornecedores de matéria-prima e a usinas na formação dos contratos de

arrendamento, fornecimento ou parceria, ocasionada pela hipossuficiência do

produtor em relação ao poderio do setor sucroenergético.

As usinas possuem o aparato tecnológico, mercadológico, econômico

financeiro e administrativo para a formação de um contrato de compra de cana

que atenda aos seus anseios e lhes garanta a lucratividade esperada. Em

contrapartida, os fornecedores de cana, ainda que assistidos por sindicatos,

associações e profissionais da área jurídica e contábil, não alcançam o mesmo

status da indústria canavieira no que diz respeito à discussão das cláusulas.

Segundo os entrevistados 1, 2 e 4 os fornecedores subordinam-se aos

regramentos impostos pelas usinas, sendo que muitos deles são padronizados

e não há possibilidade de modificação. Um exemplo citado foi a programação

de corte mecanizado,feita pela Usina, momento em que determina quando e

quais propriedades serão submetidas as colheitas, mesmo que, em algumas

situações, a cana pudesse permanecer por mais tempo no campo para

aumentar sua produtividade, o produtor se submete a aplicação de maturador e

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o corte é realizado. Há pouco espaço para que o trabalho real possa

renormatizar-se face ao trabalho prescrito.

O Estado vislumbrou a necessidade de intervir por meio de legislações e

regulamentos, na tentativa de equiparar as partes contratantes1. Atualmente os

contratos são regidos, também, pelas disposições do Código Civil de 2002, o

qual regulamenta as espécies de contratos previstos no ordenamento jurídico e

estabelece princípios gerais para a sua formação, estabelecendo no art. 425

que “é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais

fixadas neste Código”. (BRASIL, 2002).

Dentre estes princípios e normas gerais do Código Civil destaca-se o da

função social do contrato que “somente será cumprida quando a sua finalidade

– distribuição de riqueza – for atingida de forma justa, ou seja, quando o

contrato representar uma fonte de equilíbrio social”. (GONÇALVES, 2012, p.

26).

A forma de remuneração da cana foi criticada pelo entrevistado 2

durante seu depoimento. Ele dá, primeiramente, a informação:

Uma das grandes polêmicas é o aproveitamento do

bagaço da cana. A usina paga para o produtor o caldo da

cana, o bagaço gera energia, serve de adubo, forragem.

Se transformado pode ser feito ração animal e esse

bagaço fica na usina. Do bagaço dá para tirar etanol que

antes era extraído do eucalipto. Visitei uma fazenda em

Campinas há 30 anos, que após tirado a garapa da cana

eles jogavam o bagaço no campo para enriquecer o solo,

matéria orgânica.

A seguir, expõe a sua ideia:

Deveria ter interesse por parte das associações de

produtores de cana e do sindicato a procurar nas

universidades projetos que estão com certeza lá parados

de pesquisadores como você, que fabricassem

maquinários, para na roça extrair a garapa da cana e já

1 As primeiras medidas estatais foram: em 1933, criou-se o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA); elaborou-se o Estatuto da Lavoura Canavieira, Decreto-Lei nº 3.855 de 21 de novembro

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deixar o bagaço no campo, porque já que a usina não

paga para o produtor o bagaço então deixa na roça.

O bagaço da cana comercialmente pode ser utilizado para fabricação de

ração animal, para geração de energia da própria usina e para transformar em

adubo orgânico. Há anos, as usinas utilizam o bagaço para produção de

energia, a qual é consumida internamente, reduzindo gastos com energia

fornecida pelas concessionárias de energia elétrica. Com o aprimoramento da

técnica, a produção gerou excedente, o qual, na região centro-oeste, passou a

ser comercializado pelas indústrias na entressafra. (ALVES, 2006)

Estudos demonstram a evolução deste processo, os ganhos e reduções

de gastos das usinas, bem como o empenho das associações e centros

tecnológicos em acelerar os estudos para otimização do aproveitamento

energético de algumas usinas, ao ponto de torná-las autossuficientes em

energia. Segundo ALVES (2006, s/p):

“A energia gerada por co-geração, produção simultânea

de energia térmica, mecânica e elétrica, proveniente da

queima do bagaço em caldeiras, permite um

aproveitamento de cerca de 15% da energia total do

bagaço”.

Dessa forma, o interesse pelo bagaço da cana está ligado ao ganho, ao

lucro que a usina possa angariar com a sua transformação em mercadoria.

Para se ter uma noção da quantidade de bagaço que pode ser utilizado na

produção de energia, a moagem de cana-de-açúcar na safra de 2012/2013

correspondeu a 329.923 mil toneladas no estado de São Paulo. Também foram

produzidas 23.289 mil toneladas de açúcar, 5.600 mil m3 de Etanol Anidro,

6.230 mil m3 de Etanol Hidratado e 11.830 mil m3 de Etanol Total. (UNIÃO da

Indústria e Cana de Açúcar – ÚNICA e UNICADATA).

A questão não é a falta de destinação do subproduto, as opções

disponíveis são variadas, o cerne da discussão está na rentabilidade que este

pode gerar à indústria, ou seja, o aproveitamento que a Usina dará ao bagaço.

Convém adotar soluções que aumentem a rentabilidade dos oligopólios. E o

Estado, como interessado em formas alternativas de produção da energia,

de 1941; o Decreto – Lei nº 6.969 de 19 de outubro de 1944; o Estatuto da Lavoura Canavieira; e o Estatuto da Terra - Lei n° 4.504 de 1964.

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89

potencialmente apoiará as indústrias do setor, ao menos já debate esta

questão com os usineiros e donos de destilaria desde a década de 90. (ALVES,

2006).

Tem-se claramente um duplo significado nas palavras do produtor de

cana, (Entrevistado 2): a questão da ciência da Universidade e dos

pesquisadores, cujos resultados investigativos não favorecem o agricultor; e a

questão do aproveitamento do bagaço da cana.

A referência que faz o entrevistado 2 consiste numa crítica à ciência que

se coloca a serviço do capital: “procurar nas universidades [...] pesquisadores

como você, que fabricassem maquinários que na roça extrairia a garapa da

cana e já deixava o bagaço no campo”. Tendo dito anteriormente que as

universidades criam novas possibilidades de aproveitamento do bagaço,

“cutuca” agora os pesquisadores que não criam uma máquina que favorece o

produtor. Isso, porque a usina “não paga para o produtor o bagaço”. Da análise

feita sobre a posição do entrevistado 2, há clara indicação de que a ciência não

é do trabalhador, pois, para ele, o saber é dominado e controlado pelos que

detêm o capital. O entrevistado afirma que o trabalhador também quer

apropriar-se dos resultados científicos ou que os pesquisadores criem um

maquinário em favor dos produtores rurais. A questão é: quem se apropria dos

resultados da ciência e a utiliza de forma privada?

Ele tem razão ao comentar que “a usina paga para o produtor o caldo da

cana. O bagaço gera energia, serve de adubo, forragem. Se transformado,

pode ser feito ração animal e esse bagaço fica na usina. O bagaço não é

pago”. Há anos, as universidades públicas e particulares do país desenvolvem

pesquisas no sentido de aperfeiçoar a produção sucroenergética, aproveitando

todos os produtos e subprodutos da cana. Até mesmo a palha da cana que era

queimada para facilitar o corte já é utilizada como geradora de energia. Assim,

otimizar o processo de aproveitamento do bagaço da cana, obter energia

elétrica e gerar excedente, é uma meta que visa à redução dos impactos

ambientais da cultura da cana e à sustentabilidade na produção e fornecimento

de eletricidade às indústrias do setor sucroenergético e ao consumidor comum.

No pensamento do entrevistado 2 as usinas deixam de pagar uma parte

do produto, cujo trabalho foi despendido por ele. O entrevistado explicita o

significado de uma cultura histórica do trabalhador rural, que se desenvolve a

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partir do trabalho real, que acumulou experiências e habilidades. Ele pensa

uma divisão entre o caldo da cana e o bagaço. Historiciza a questão: antes, a

usina não aproveitava o bagaço e a cana tinha o mesmo preço; agora, o

usineiro aproveita o bagaço como energia de sua empresa, mas, não paga esta

parte ao fornecedor. Paga a sacarose e não paga o bagaço.

Tem-se aqui um senso crítico muito forte, que teve origem na prática do

trabalho real. O fornecedor pensa o valor que o seu trabalho acrescenta ao

produto e este valor agregado não é pago. Revela a parte não paga. Desmonta

a aparência de que “cana é cana”, tanto em décadas passadas quanto na

produção atual. O argumento do fornecedor é historicizado porque, antes, na

distribuição, a cana escondia sua dupla produção de valor e, agora, o bagaço

revela-se um valor produzido pelo trabalho do fornecedor: o bagaço, agora, é

valor-de-uso, transformado em valor-de-troca, cujo trabalho, despendido para o

produzir, não é pago. O aproveitamento do bagaço - que, na opinião do

entrevistado, não é pago - está exposto na mudança de denominação, de

“sucroalcooleiras”; passaram a ser “sucroenergéticas”.

O fornecedor não considera nefasta a ciência que está em poder do

capital, porque entende os resultados científicos do pesquisador, a quem ele

cutuca, não estão em seu próprio domínio, mas em domínio do usineiro. Ao

“cutucar” a pesquisadora, solicita que a ciência descubra, também, aspectos de

seu interesse, que ele próprio possa apropriar-se de resultados investigativos,

fato que lhe estão sonegados. Como se percebe, ele entende que a ciência é

universal e seus resultados são universais que devem situar-se também no

domínio do trabalhador. O seu entendimento adquire o significado de denúncia:

por que os pesquisadores não inventam algo que favoreça o trabalhador?

É o que SAVIANI afirma quando solicita que se trilhe “um caminho sem

retorno no processo de reapropriação, por parte das camadas trabalhadoras,

do conhecimento elaborado e acumulado historicamente”. (SAVIANI, 2005, p.

64). No fundamento de tudo está o trabalho que produz valor, o que aparece

escondido: “O capital se torna sumamente místico, pois, todas as forças

produtivas sociais do trabalho parecem provir, brotar dele mesmo e não do

trabalho como tal” (MARX, 1980, p. 92).

A legislação visa coibir a disparidade econômica das partes, restaurando

o equilíbrio contratual e favorecendo a parte mais fraca na relação jurídica.

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Contudo, com o oligopólio da produção sucroenérgica, aliada ao conhecimento

tecnológico monopolizado pelas indústrias do setor, os produtores rurais que

firmam contratos com as usinas ficam a mercê das disposições jurídicas.

Outro ponto de controvérsia na remuneração dos produtores é a

cláusula que estabelece os custos com a colheita da cana-de-açúcar, chamada

de Corte, Carregamento e Transporte – CCT. O que se discute é o valor

estabelecido que pode variar de 35% a 60% da receita bruta da produção, por

estar relacionada com a distância da lavoura até a usina e a média de ATR do

produto. PICANÇO FILHO e MARIN (2012, p.197) destacam que:

“A agroindústria canavieira monopoliza essa etapa da

produção, uma vez que detém os recursos logísticos,

financeiros, científicos e tecnológicos, materializados nos

equipamentos necessários para os serviços de colheita.

Detendo ainda os conhecimentos econômicos,

mercadológicos, jurídicos e contábeis, a usina elabora, à

revelia dos produtores, as respectivas planilhas de preço

que servirão de base para cobrança pela execução

desses serviços. Aos fornecedores de cana resta mesmo

acatar a decisão”.

Nas entrevistas realizadas com os produtores de cana, confirmou-se a

fixação desta cláusula e a variação dos custos com relação ao transporte e a

necessidade de se submeter à programação de corte mecanizado de cana

imposto pela usina (Entrevistados 1 e 2). Esta possui todo o aparato

tecnológico (maquinário) para execução das atividades no campo. O ideal,

conforme narrado neste trabalho, é que o produtor detivesse seu próprio

maquinário e tecnologia necessária para o cultivo, pois a rentabilidade da

produção seria maior, tendo em vista que não haveria os descontos da cláusula

de CCT. Contudo o investimento é elevadíssimo, o que inviabiliza que os

pequenos e médios fornecedores façam suas aquisições.

Apesar das fórmulas intrincadas de cálculo da remuneração dos

produtores, das pesquisas realizadas no estado de São Paulo e das queixas

apresentadas pelos produtores, o entrevistado 01, médio produtor de cana,

declarou que a produção de cana está mais rentável que a pecuária, motivo

pelo qual optou pela produção desta cultura e acata as determinações da

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Usina. Ou seja, ainda que haja a inconformidade dos produtores, eles se

submetem ao movimento do capital, o qual está interligado aos fatores

econômicos e de valoração dos bens e serviços. Ainda que a remuneração

imposta não seja o ideal esperado, a produção ocorre, pois a rentabilidade é

assegurada neste cenário de expansão do setor sucroenergético.

4 Conclusão

O estudo investigou contratações firmadas entre usinas e fornecedores

para obtenção de matéria-prima e os impactos socioeconômicos advindos

desta relação obrigacional.

As usinas acumulam capital utilizando vários tipos de exploração do

trabalho. Um deles é o trabalho do proprietário fornecedor. Coerente com as

relações sociais, a conduta expropriatória, assumida pelos oligopólios

sucroenergéticos, no que diz respeito ao trabalhador braçal e aos

fornecedores, garante o fornecimento de matéria-prima, abastecendo as usinas

com o produto empregado na produção de açúcar, álcool e energia. Daí a

necessidade de disposições contratuais. O que se percebeu é que elas estão

postas a serviço do capital e, como tais, o fornecedor se beneficia, garantindo-

lhe a venda de sua produção. Coloca-se no primeiro plano, tanto para os

contratos como para as precificações, a eficiência e o lucro das usinas: maior

produtividade com menor custo.

A partir de sua situação de trabalho, o produtor interpreta a realidade

objetiva e a precificação imposta pelas usinas e a reinterpreta ao constatar a

sua subordinação às normas do cultivo e à remuneração imposta pelo usineiro,

além de detectar que a ciência, no caso específico, só favorece o capital.

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Artigo III

O Cultivo da Cana-de-açúcar, a Reestruturação Produtiva e suas

Consequências Sociais nos Municípios de Mirandópolis, Lavínia e

Valparaíso – SP

Isa Maria Formaggio Marques Guerini

Resumo

As consequências sociais decorrentes das modificações na estrutura fundiária

dos municípios que instalaram usinas sucroenergéticas são objeto deste artigo.

O objetivo foi analisar o desemprego oriundo da substituição do trabalho braçal

pelo maquinário no cultivo da cana, que impôs, também, uma nova função

social do Estado. O estudo foca os municípios de Mirandópolis, Lavínia e

Valparaíso, SP. Os autores principais para a fundamentação da pesquisa foram

Alves (2003 e 2005), Ianni (1984), Marx (1980 e 1985), Silva (1999), Meszáros,

(2011) e Vieira e Simon (2005). Os instrumentos para levantamento de dados

empíricos foram questionários, aplicados aos trabalhadores das lavouras de

cana, aos produtores rurais e aos presidentes de sindicatos; observações em

situação de trabalho e captura de imagens fotográficas e do CANASAT. No

caso do setor sucroenergético, os resultados evidenciaram que a instalação de

usinas implicou um tipo particular de organização técnica do trabalho, que

readequou a burguesia local e realizou o rearranjo da estrutura social. Houve o

desenvolvimento das forças produtivas, o fechamento de postos de emprego e

mudanças nas relações de produção. A introdução do maquinário substituiu o

trabalho braçal, causando o desemprego e a tensão social. O Estado, além de

financiar a produção, passou a exercer, também, a função de realocar os

trabalhadores desempregados em atividades improdutivas.

Palavras–chave: Oligopólio. Usina Sucroenergética. Funções do Estado.

Trabalho Improdutivo.

Abstract

The social consequences resulting from the changes in the land ownership of

the municipalities which have installed sugarcane plants are the subject of this

article. The aim was to analyze the unemployment derived from the

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replacement of the manual labor by machinery in the cultivation of sugarcane,

which also imposed a new social function of the state. The study focuses

Mirandópolis, Lavínia and Valparaíso, SP municipalities. The main authors for

the research justification were Alves (2003 and 2005), Ianni (1984), Marx (1980

and 1985), Silva (1999), Meszáros, (2011) and Vieira and Simon (2005). The

tools for the empirical data collection were questionnaires, applied to the

sugarcane workers, to the farmers and to the presidents of the unions;

observations about work situation and capture of photographic images and from

CANASAT. In the case of the sugarcane sector, the results showed that the

installation of the power plants involved a particular type of technical

organization of the labor, which readjusted the local bourgeoisie and made the

rearrangement of the social structure. There was the development of the

productive forces, the shutdown of employment creation and changes in the

production relations. The introduction of the machinery replaced the manual

labor, causing the unemployment and the social tension. The State, besides

financing the production, also started acting the function of relocating the

unemployed workers in unproductive activities.

Keywords: Oligopoly. Sugarcane Plant. State Functions. Unproductive work.

1 Introdução

O objeto deste estudo são as modificações da estrutura fundiária e

social, ocorridas na produção da cana-de-açúcar, em três municípios paulistas,

com a instalação de usinas sucroenergéticas que pressionaram os pequenos e

médios proprietários de terra e os fazendeiros a reorganizar ou dinamizar seus

empreendimentos e obrigaram o Estado e exercer uma nova função social em

relação aos trabalhadores desempregados. A formação da economia

açucareira nos municípios provocou modificações no campo e na cidade. As

usinas instalaram um tipo particular de organização capitalista de produção,

adequada aos seus interesses econômicos; e, dessa forma, mudaram a

estrutura fundiária dos municípios, além de associar, absorver e subjugar a

burguesia local, no dizer de Ianni, (1984, p. 40) “aos interesses do capital

aagroindustrial comandado pelo usineiro”.

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A modificação dos métodos de cultivo da cana, com a introdução de

maquinário e de equipamentos a substituir o trabalho braçal, acarretou o

desemprego. Como decorrência do desemprego dos trabalhadores rurais, o

Estado, permanecendo no seu papel de financiar a produção, exerceu,

também, a função de assumir o trabalho improdutivo.

O tema teve por fundamento a situação de desemprego dos

trabalhadores rurais que, antes, eram empregados no cultivo da cana-de-

açúcar. O poder público participou do momento social, apresentando-se como

o Estado do capital e não somente o Estado dos capitalistas. A ele coube

organizar o parasitismo social. O mundo de desempregados, jogados fora das

profissões condenadas pelo desenvolvimento das forças produtivas, é a

situação em que se dá a nova função do Estado: cuidar do trabalho

improdutivo. De um lado, o Estado, diante das necessidades das empresas,

procurou capacitar os operadores de máquinas, mediante parcerias e cursos

técnicos e, de outro, começou a cuidar dos trabalhadores desempregados que

não foram aproveitados nas empresas, ou seja, cuidou do capital improdutivo.

Para a realização da pesquisa elegeram-se como loci três municípios

localizados na Região Administrativa de Araçatuba, São Paulo, onde a cana-

de-açúcar representa a principal produção agrícola: Mirandópolis, Lavínia e

Valparaíso. A região abriga usinas sucroenergéticas, com clima e o solo

favoráveis à referida cultura. A expansão do cultivo de cana e das usinas é

realizada pelo capital oligopolizado e pelos incentivos fornecidos pelo Estado,

manifestou-se de forma singular nos três municípios, seguindo as relações da

sociedade capitalista.

Justifica-se o estudo pelo contexto histórico de produção agrícola

realizada com trabalho imediato que, ao passar dos anos, cedeu lugar à

exploração de monoculturas com trabalho assalariado, tornando-se a região

uma das mais desenvolvidas, em termos de forças produtivas no ramo da

cana.

O objetivo do estudo foi analisar o desemprego oriundo da substituição

do trabalho braçal pelo maquinário no cultivo da cana, - rearranjo técnico e

social - que propiciou o exercício da nova função social do Estado.

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2 Procedimentos Metodológicos

Os procedimentos metodológicos empregador para a coleta e o

ordenamento dos dados consistiram em levantamento de documentos, com

dados colhidos nos sites das empresas. Consistiram, ainda, na aplicação de

um questionário e na realização de entrevistas com presidente do sindicato dos

trabalhadores rurais; com presidente do sindicato dos produtores rurais; com

trabalhadores que cultivam/cultivaram a cana-de-açúcar; e com empregados

das usinas, estes, inquiridos sobre as modificações ocorridas na lavoura de

cana. Utilizou-se, também, a metodologia de observação em situação de

trabalho, em seis visitas realizadas nos locais de trabalho, nas lavouras de

cana-de-açúcar, com registros de observações e de depoimentos.

Para a análise aplicou-se a categoria singular/universal, sendo o objeto

de estudo a singularidade da investigação, mediada pela universalidade que os

dados expressavam. Segundo ALVES (2003, p. 11), “O singular é a

manifestação, no espaço convencionado, de como leis gerais do universal

operam dando-lhe uma configuração específica. Universal e singular, nessa

perspectiva, são indissociáveis”.

3 Resultados e Discussão

Antes o trabalho nas lavouras de cana era realizado por pequenos e

médios produtores em regime de economia familiar. Também existiram

fazendeiros de diversos cultivos. A transformação do modo de vida do

trabalhador agrícola ocorreu com a expropriação de suas terras, com o

arrendamento ou com o assalariamento do trabalhador rural. Nos três casos,

expropriou-se o conhecimento da totalidade do cultivo da cana.

Durante a expansão da produção de açúcar e álcool, as frentes de

trabalho no campo aumentaram e as tarefas de produção passaram a ser

desempenhadas por diversos trabalhadores que provinham de todo o país em

busca de atividades de safras. Conhecidos como “bóias-frias”, os trabalhadores

temporários sujeitavam-se ao trabalho degradante, insalubre e ao máximo da

exploração de sua força de trabalho. Os relatos dessas situações são

conhecidos há décadas e analisados por vários pesquisadores da área, como

D´Incao (1984): não recebiam os valores combinados pela produção ou pelo

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dia de trabalho; excediam as jornadas de trabalho para melhorar o ganho; e os

salários acabavam por bancar suas despesas nos alojamentos fornecidos

pelos próprios empregadores. Na região não foi diferente. Mas, na nossa

pesquisa observou-se que a mecanização do processo de cultivo da cana e a

proibição da queima da palha reduziram os postos de trabalho. Observou-se

que, no plantio e no corte da cana, não existem mais trabalhadores temporários

oriundos de outros estados brasileiros.

A mecanização da lavoura ocorre o que escreve IANNI (1984, p. 94):

“Ao mesmo tempo, “despovoa-se” e urbaniza-se o campo.

À medida que se expande o capital agroindustrial, que

aumenta a composição orgânica do capital nos negócios

da cana, reduz-se o contingente de trabalhadores

residentes nas áreas dos canaviais”.

Pelas entrevistas realizadas nos loci da pesquisa, apresenta-se um

contingente de trabalhadores diversos no cultivo da cana, como empregados

que possuem Carteira de Trabalho e Previdência registrada e com contrato de

trabalho por prazo indeterminado; trabalhadores temporários, os quais são

contratados para realização de determinada atividade na produção da cana,

como plantio ou corte e depois são dispensados; trabalhadores autônomos que

prestam serviços, tendo como exemplo os motoristas de caminhão ou trator

que recebem pela empreitada e não possuem contrato de trabalho.

Os trabalhadores entrevistados, que residem na região estudada, ou

são empregados de três usinas alocadas na região, ou são contratados por

médios produtores de cana que fornecem a matéria-prima para as usinas.

Identificou-se também a terceirização do trabalho, localizada no plantio da cana

e na manutenção da lavoura.

Observando-se o movimento que está em curso, foi reduzido o número

de trabalhadores, principalmente com o término dos trabalhadores temporários

vindos de outros estados, e, a partir de 2014, as frentes de trabalho braçal do

plantio diminuirão ainda mais, diante da inserção de máquinas que realizam

plantio, manutenção e colheita nas lavouras de cana-de-açúcar. Conforme

informação prestada na entrevista de um encarregado de campo (Entrevistado

6), os trabalhadores são: “De Lavínia e Mirandópolis, os quais trabalham em

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Valparaíso. Até 2013, tinha mineiro, mas diminuiu as pessoas porque não

queima mais a palha da cana. Neste ano só corta cana na palha”.

A nova base técnica do trabalho utiliza “dimensões novas do capitalismo

no campo”. Tem-se, também, “uma crescente rearticulação das antigas formas

de produção com a nova estrutura econômica brasileira”. (IANNI, 1984, p.148).

A usina ou a empresa terceirizada cultivam a cana. Plantam, zelam pela

planta, aplicam os nutrientes e os agrotóxicos e, por fim, colhem a cana. Só

necessitam de terra disponível, que conseguem na disputa pelo solo, em

termos de sua propriedade particular ou de parcerias e arrendamentos.

Depoimentos coincidem com a ideia da inutilidade do emprego agrícola, pois o

cultivo da cana não necessita mais do trabalho direto do pequeno proprietário.

Isso porque o trabalho real é totalmente objetivado pelas normatizações e

pelas forças produtivas novas. A produção, em nova escala crescente,

necessita de agentes especializados, “uma categoria social nova. Não é uma

classe, mas, é uma categoria que merece atenção: é a tecnocracia que se

expande no campo” (IANNI, 1984, p. 152). A transformação de alguns

agricultores em operadores de máquinas agrícolas é fato, posto que em

quantidade pequena. Tem-se, agora, a realidade de engenheiros agrônomos,

economistas, contadores, administradores, supervisores, “exercendo, numa

escala crescente, atividades no mundo rural”. (IANNI, 1984, 152). No caso

deste estudo, o pequeno e médio proprietário arrenda a terra e nela atua,

agora, a nova tecnocracia do campo, enquanto ele próprio tem o direito do não-

trabalho ou da renda da terra, por menor que seja, mudando-se, geralmente,

para os arredores da cidade.

Depoimentos feitos em situação de trabalho afirmaram que as usinas

sucroenergéticas não cresceram, de pequenas para médias e, depois, para

grandes empresas. Surgiram instaladas em pouco tempo, com capital e

tecnologia importados. Essa afirmação coincide com a de Ianni (1984, p.42s)

que estudou a origem das usinas em Sertãozinho, na década de 1970,

definindo que elas, atualmente, não nascem mais de pequenos produtores de

aguardente e de açúcar, que, no passar dos tempos, ampliavam suas

instalações industriais e aumentavam sua produção até chegar a uma usina

moderna, como foi o caso das usinas modernas de Sertãozinho. O autor

escreve que na atualidade a usina tem sua origem no grande capital

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internacional e nacional, nas forças produtivas desenvolvidas e na ação do

Estado. Este conjunto de esforços instala, de forma imediata, a usina mais

moderna onde há interesse.

Quando se instala numa região, o usineiro não transforma apenas a

estrutura fundiária, a estrutura social e as forças produtivas. O usineiro

transforma, também, as relações sociais, subordinando as burguesias locais à

forma capitalista por ele introduzido nos municípios. É o que se observou com

o crescimento de lojas, serviços públicos e particulares, oficinas, um aumento

exigido pelas novas necessidades da usina.

Além de eleger as terras mais propícias para o plantio da cana e

desapropriar o pequeno e médio produtor do conhecimento da totalidade da

produção, a usina também seleciona a força de trabalho que lhe interessa. Ao

selecionar, dispensa um grande número de trabalhadores que se tornarão um

exército de reserva, sob a custódia do Estado que cuidará do trabalho

improdutivo.

3.1 A Relação do Produtor Rural com a Usina

O capitalismo não descansa enquanto não tiver convertido todo o

trabalho em trabalho assalariado. Ou seja, ele necessita do trabalho produtivo

para a geração de mais-valia. Com isso, converte a matéria em riqueza

almejada pela burguesia e transforma o trabalhador rural em proletário ou

submete o agricultor à forma de pensar, de ser e de produzir da usina. Nesse

sentido, TEDESCO (1999, p. 194) denomina o trabalho imediato e

independente do proprietário rural como “assalariado disfarçado”, quando o

trabalhador rural ainda detinha os meios de produção e trabalhava em

economia familiar. Como proprietário e assalariado disfarçado. Isso ocorria nas

pequenas e médias propriedades dos três municípios da região em estudo. À

medida que se desenvolveram as forças produtivas, por meio da tecnologia e

da mecanização da lavoura do campo (maquinário), o trabalho na região rural

mudou sua base técnica.

O trabalho do pequeno produtor, utilizando as antigas ferramentas de

trabalho, como o facão no cultivo manual, foi superado por nova base técnica.

O pequeno e médio proprietário rural ainda permanece em algumas regiões do

país, executando determinadas atividades com os meios de produção que

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possui. Mas, se não tiver ligação direta com a cooperativa e o agronegócio, a

agricultura familiar pode se tornar uma categoria desenganada, fadada ao

desaparecimento no cultivo da cana.

O que se observou nos municípios produtores de cana foi a direta

ligação e a submissão da produção ao modo de ser do capitalismo instituído

pela usina. O trabalhador rural passou a ser subordinado ao capital, destinando

sua propriedade rural para a forma de produção desejada pelas empresas

oligopólicas do açúcar, do álcool e da energia.

MARX (1985, p. 706) aponta o que foi uma tendência no século XIX e

está em vigor na economia atual:

“O modo capitalista de produção desapropria o

trabalhador das condições de produção, e do mesmo

modo na agricultura subtrai a propriedade ao trabalhador

agrícola e subordina-o a um capitalista que explora a

agricultura para conseguir lucro”.

Aos poucos os pequenos e médios lavradores dos três municípios foram

se deslocando para as cidades em busca de novos recursos financeiros para a

manutenção de suas famílias, visto que a produção ditada pelo capital, por

vezes, não supre as despesas para mantença.

Ou seja, o capital conduz ao empobrecimento do produtor imediato.

Nesse sentido, o entrevistado 7 narrou que, mesmo possuindo uma pequena

propriedade rural, atualmente trabalha como empregado e tratorista, a serviço

de um médio produtor de cana da região e cultiva uma pequena área de cana

apenas para alimentar as poucas cabeças de gado que possui. É o caso de

quem resiste à total proletarização e de quem não consegue extrair os recursos

necessários da agricultura familiar. Relatou também:

Na década de 80 e 90 eu produzia cebola, feijão, milho,

algodão, arroz e criava gado de corte, mas com o passar

do tempo essas atividades ficaram economicamente

inviáveis pela falta de marcado e o alto custo de produção.

Hoje só tenho algumas cabeças de gado. (Entrevistado 7).

O pequeno produtor rural não consegue concorrer com o preço dos

produtos que circulam no mercado. Dessa forma, a diversificação da lavoura

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somente favorece a quem estiver ligado à cooperativa e subordinado ao

agronegócio.

O depoimento de um proprietário rural referiu-se a sua produção,

quando contava com a ajuda de 6 familiares e 10 empregados no serviço. A

produção atual conta com apenas 1 familiar. Seus filhos, com idades de 18 e

16 anos, estudam em colégios da cidade e nunca executaram qualquer

atividade no meio rural e não pretendem fazê-lo.

O entrevistado 3 trabalhou por vários anos na sua propriedade (décadas

de 80 e 90), mas, hoje, é empregado rural e trabalha na cana. Durante a

entrevista informou o que segue:

Estou trabalhando com cana há 5 anos. Fui pequeno

produtor rural. Plantava cana só para o consumo, para

alimentar o gado e animais. Trabalhava com agricultura

familiar. Eu fazia de tudo no cultivo da cana, desde o

plantio, passar herbicida até a colheita.

O trabalho qualificado, que engloba o conhecimento de todo o processo

da lavoura, ainda persiste, mas, não tem mais valor no cultivo que, atualmente,

é realizado com a divisão do trabalho e com o consequente trabalho

especializado. O mundo social no cultivo de cana é “um mundo em que domina

e predomina o usineiro” (IANNI, 1984, p. 62)

Outros pequenos proprietários, que foram entrevistados, sobrevivem,

atualmente, com os ganhos da aposentadoria, do arrendamento de suas terras,

da criação de rebanho reduzido de gado, ou possuem algum comércio na

cidade.

A modificação na estrutura social, a partir da presença do usineiro,

alcançou também os médios produtores de cana que foram entrevistados:

possuem, também, outras formas de renda, ligadas às atividades urbanas,

como posto de combustível e loja de material de construção. A pequena

burguesia urbana transmutou-se e adequou-se à nova forma de capitalismo

que a usina instalou nos municípios. Assim, observou-se que na área urbana

surgiram oficinas elétricas, mecânicas, retíficas de motores, oficinas de

reparos, lojas de venda de equipamentos de trabalho e comércio em geral.

Generalizaram-se as relações de trabalho, gerando o assalariamento e o

considerável aumento da população operária. Neste novo cenário, o campo

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assistiu a grandes mudanças. SILVA (1999, p. 35-36) constatou este fenômeno

social ainda nas décadas do século passado:

“A partir da década de 70, o assalariamento generalizou-

se largamente na agricultura brasileira. De um contingente

de 15 milhões de trabalhadores em 1976, 4,9 milhões

eram assalariados, sendo a maior parte, 3,3 milhões,

composta de trabalhadores temporários ou “bóias-frias” e

1,6 milhões era permanente. Enquanto isso, cerca de 10

milhões de camponeses dividiam-se entre minifundiários

(4 milhões); pequenos posseiros (2,4 milhões) e rendeiros

e parceiros (4 milhões). Uma realidade nova,

principalmente no Sudeste e no centro – oeste, era a

expansão dos “bóias-frias”, trabalhadores agrícolas

formados, em sua parte, por população não-rural. Ou

seja, pessoas que trabalham no campo – são cortadores

de cana-de-açúcar, colhedores de café ou laranja, por

exemplo – mas moram em regiões urbanas, nas periferias

de grandes cidades ou em entroncamentos rodoviários”.

O processo de ocupação dos centros urbanos acentuou-se ainda mais

com a substituição da força de trabalho pelo maquinário no setor agrícola.

Merecem atenção os proprietários rurais que arrendam suas terras para

as empresas sucroenergéticas. O capitalista arrendatário paga ao arrendador

uma quantia estabelecida contratualmente para a exploração da terra. Esse

valor pago, denominado por MARX (1985, p. 710) de “renda fundiária”, é uma

forma que produz o capital para o arrendador e valoriza a propriedade fundiária

ao arrendatário. Dessa forma, observou-se a relação social entre o usineiro e o

proprietário da terra. Este fornece a terra e aquele explora o solo e obtém a

matéria-prima. Isso se dá mediante contratos de arrendamento entre o

proprietário da terra e, no caso das parcerias, o fornecedor, dono da terra,

“entrega” o produto, realizado de acordo com as normatizações da usina. Ele

necessita de boa renda capitalizada em terras, instrumentos e maquinário.

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3.2 As Relações de Produção e o Trabalho Rural

Na sociedade civil, o capital impõe as condições de realização do

trabalho. O produto deste trabalho, no entanto, não é distribuído de forma

igualitária. A alienação do trabalhador resulta em que ele não é mais dono dos

meios de produção; nesta condição o trabalhador fica alienado do produto que

ele realizou.

Para o capitalismo o exército de reserva – também o rural – é saudável

porque, entre outros fatores, tem o poder de diminuir os salários. Para

MESZÁROS, há um exército de desempregados que nunca será resolvido,

pois, o desemprego é algo funcional a ele. O desemprego crônico assola

nações inteiras e toma proporções irreversíveis. Segundo o autor:

“No entanto, foi sistematicamente ignorado o fato de que

a tendência da “modernização” capitalista e o

deslocamento de uma grande quantidade de trabalho não

qualificado, em favor de uma quantidade bem menor de

trabalho qualificado, implicavam em última análise a

reversão da própria tendência: ou seja, o colapso da

‘modernização’ articulado a um desemprego maciço”.

(MESZÁROS, 2011, p. 1004-1005)

O autor acrescenta que o desemprego: “adquire o caráter de um

indicador do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo atual”. E que o

“problema não mais se restringe à difícil situação dos trabalhadores não

qualificados, mas atinge também um grande número de trabalhadores

altamente qualificados”. (MESZÁROS, 2011, p. 1004-1005)

A realidade anunciada pelos que estudam as relações sociais e a

influência do capital pode ser visualizada na evolução técnico-científica das

indústrias do setor sucroenergético, no que se refere à exclusão da força de

trabalho e à formação de exércitos de reserva. Segundo pesquisa efetuada por

VIEIRA e SIMON (2005, p. 2) “na Usina da Barra-SP, até o ano 2021, quando

não poderá haver mais queima de cana, serão dispensados 2.117

trabalhadores e contratados 177 trabalhadores especializados. Na Usina

Diamante-SP, serão substituídos 411 trabalhadores e contratados cerca de 14

especializados”.

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A entrevista com o Presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de

Valparaíso – SP (Entrevistado 21, junho de 2013), abordou o desemprego da

população. O entrevistado informou que os moradores da região não estão

sofrendo o desemprego, pois eles têm seus empregos nas usinas e que houve,

sim, redução das frentes de trabalho no cultivo da cana – no plantio e no corte.

Uma grande parte (o entrevistado não soube precisar os dados numéricos) foi

capacitada através de cursos, oferecidos pelas usinas ou por convênios com o

estado e, hoje, desempenham funções de tratorista, motorista, operador de

máquina e trabalho interno da usina. Contudo, nestas funções são

aproveitados apenas aqueles que possuem maior nível de escolaridade e os

mais jovens.

Destacou que houve redução na contratação de trabalhadores oriundos

de outros estados, como mineiros e nordestinos, tradicionalmente presentes

nas colheitas. O presidente do sindicato estima que tenha ocorrido a redução

de 70% a 80% das contratações de pessoas que se deslocam de seus

estados. Contudo, alertou para a preocupação para com a situação dos

trabalhadores no próximo ano (2014), quando (possivelmente) todo o processo

estiver mecanizado. Naquele ano, a redução do emprego na região será

sentida e as medidas para realocar os trabalhadores deverão se intensificar.

Os dois sindicatos que representam os trabalhadores rurais da região

pesquisada, - Sindicato dos Empregados Rurais de Valparaíso e o Sindicato de

Mirandópolis e Lavínia - não possuem dados precisos sobre a quantidade de

trabalhadores rurais empregados, pois não dispõem de um serviço estatístico

que detecta o número de desempregados ou de realocados em outras funções.

Confirmam os presidentes que, apesar de haver projetos governamentais,

estes ainda são incipientes e não asseguram efetivamente a realocação do

trabalhador nas indústrias, usinas ou demais setores agrícolas. Em entrevista

ao jornal Correio do Estado, o então diretor-geral da Funtrab afirmou:

“Através destes cursos, atendemos essa demanda pontual,

oferecendo aos trabalhadores que já estão atuando no

setor, por exemplo, no corte de cana, que é uma função

que já tem data para acabar e que provoca um desgaste

muito grande. A chamada vida útil destes trabalhadores na

função é de no máximo 15 anos, é uma oportunidade de se

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qualificar para atuar em outra atividade dentro da própria

usina”. (CORREIO DO ESTADO, março de 2011).

A usina não é capaz de absorver todo o corpo técnico que é capacitado

em cursos. Os cursos, oferecidos pelo Estado em parceria com as usinas, não

conseguem realocar todos os trabalhadores rurais desempregados. Os mais

jovens e com maior facilidade em compreender o funcionamento do maquinário

têm maiores chances de serem empregados para operar máquinas,

transbordo, tratores etc. Contudo, o trabalho, que antes era executado por mil

homens, atualmente necessita apenas de um motorista de transbordo e de um

operador da colhedora.

MARX (1996, p. 525), ao analisar a superpopulação fluente, que crescia

com o tamanho da indústria já demonstrou a tendência de atrair ou repelir

trabalhadores conforme as necessidades das fábricas:

“Se o acréscimo natural da massa trabalhadora não

satisfaz às necessidades de acumulação do capital e,

ainda assim, simultaneamente as ultrapassa, é uma

contradição de seu próprio movimento. Ele precisa de

massas maiores de trabalhadores em idade jovem, de

massas menores em idade adulta. A contradição não é

mais gritante do que a outra, a de que haja queixas

quando à carência de braços, ao mesmo tempo que

muitos milhares estão na rua, porque a divisão de

trabalho os acorrenta a determinado ramo de atividades”.

Entrevistados desta pesquisa já acenam planos para as próximas safras,

pois têm consciência de que, em dois ou três anos, seus empregos rurais serão

extintos ou reduzido significativamente na região estudada.

Os entrevistados, que estão na meia idade têm a preocupação maior

com a possibilidade de serem realocados no mercado do trabalho. Esgotados

pelo trabalho braçal realizado no campo e sem recursos financeiros para

investimentos, nos depoimentos colhidos pôde-se avaliar suas expectativas

para o futuro.

Duas entrevistadas do sexo feminino e com mais de 50 anos de idade

demonstraram não ter qualquer expectativa positiva de localizar um novo

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emprego. Narraram que sempre desempenharam trabalho rural e que passarão

dificuldades quando o trabalho acabar. Quando questionadas, informaram que:

Eu preciso da roça, não estudei. Só sei trabalhar na roça,

nunca trabalhei de empregada. Não tendo o trabalho na

roça vou ficar desempregada, muita gente também.

(Entrevistada 8)

Fazia de tudo na roça. Plantava cebola, quebrava milho, o

que tivesse para trabalhar. Difícil saber o que vou fazer

quando não tiver mais a roça. Não sei o que vou fazer,

tenho que trabalhar em serviço temporário. Se eu

aguentar, vou trabalhar na cebola. (Entrevistada 19)

Uma ex-trabalhadora do corte de cana afirmou ter encontrado uma nova

atividade e está satisfeita com a mudança: “Cuido de pessoas de idade, e

doentes, cuido da casa, dou remédio e acompanho no médico. Não tive

dificuldades, porque cuidava dos meus pais. Fiquei surpresa, mas estou

gostando, é um trabalho calmo”. (Entrevistada 13). Substituindo um trabalho

formal por um emprego informal, ele atua agora sem soleiras, serenos ou frios

de inverno, mas, também sem previdência social.

Dentre os entrevistados do sexo masculino há, pelo menos, planos para

novas frentes de trabalho:

Trabalho como seleiro na entressafra e como motorista de

trator durante a safra. Não quero mais trabalhar na cana.

Quero abrir um comércio e trabalhar com couro, gosto de

artesanato. (Entrevistado 10)

Quando acabar a época de trabalho na cana eu pretendo

ficar na minha cidade, sei trabalhar com trator, sou

motorista. (Entrevistado 5)

Não sei o que vão fazer quando acabar o trabalho braçal.

Vão procurar outras coisas. Os jovens vão tirar carteira de

motorista, vão se virando, fazendo cursos. Os mais de

idade não sei o que vão fazer. Eu ainda posso trabalhar

no meu sítio, de tratorista, motorista. (Entrevistado 7)

O site da União da Indústria de Cana-de-Açúcar - UNICA noticiou, em

2012, que as Indústrias do setor sucroenergético, com base no Projeto

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RenovAção, estão promovendo suas próprias ações para requalificação de

trabalhadores para atuarem em outras áreas. Cita-se como exemplo uma

trabalhadora, ex-cortadora de cana, que passou a exercer a função de

assistente elétrica automotiva. Segundo a entrevista postada no site, “apenas o

Projeto RenovAção, coordenado pela UNICA e pela Feraesp, já requalificou

4.550 trabalhadores em 83 usinas de processamento de cana localizadas no

Estado de São Paulo desde sua criação em 2009”. (Notícias UNICA, 2012). No

entanto, não revela o volume de trabalhadores que obtiveram um novo

emprego.

Na região de estudo também há o exemplo de uma moça de 30 anos

que atualmente opera máquina agrícola na lavoura de cana e que, durante

anos, trabalhou no plantio e no corte de cana. (Entrevistada 20).

Os casos narrados geralmente beneficiam os mais jovens e com maior

escolaridade. Todos os entrevistados possuem a percepção de que a usina

prefere os trabalhadores mais jovens, diante da mecanização em marcha na

lavoura. Nem todos os trabalhadores braçais possuem condições de operar

maquinário ou trabalhar em setores internos da indústria, tendo em vista as

limitações físicas, da idade e baixo nível educacional.

Entretanto, os mesmos entrevistados afirmaram que parte dos jovens

não se interessa pelo trabalho no campo. O Presidente do Sindicato dos

Produtores Rurais de Lavínia-SP apontou que futuramente os produtores

encontrarão dificuldades para contratar trabalhadores na região, devido ao

desinteresse dos jovens pela atividade no campo. Assim, para o entrevistado, a

mecanização teria solucionado um problema latente, mas o jovem não cogita

trabalhar na lavoura. A realidade é que a mecanização emprega poucos

especialistas treinados pela empresa em parceria com o Estado e contrata

somente os melhores. O entrevistado 5 destacou que “os mais jovens não se

preocupam com desemprego ou emprego de máquinas, porque tem a casa dos

pais para morar. Quem se preocupa mesmo são os mais velhos que têm

família para tratar”.

A mudança na base técnica do trabalho – do arado, enxada e facão para

o maquinário - trouxe problemas sociais novos. O desemprego dos

trabalhadores rurais exigiu medidas públicas, como a necessidade de

capacitação dos trabalhadores jogados fora do sistema de produção. As

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relações sociais eliminaram o trabalhador tradicional, introduziram o maquinário

e, assim, modificaram o método do processo de trabalho. Novos fatores

derivaram da modificação do método de trabalho: a grande maioria ficou sem

emprego e uma parte da população migrou para o trabalho especializado nas

usinas ou como operadores de máquinas.

3.3 A Função Social do Estado

BRAVERMAN (1987, p. 242) aponta que o poder do Estado é

empregado para estimular o desenvolvimento do capitalismo, principalmente na

fase monopolista do capitalismo. Complementa dizendo que “o Estado é o

penhor das condições, das relações sociais, do capitalismo, e o protetor da

distribuição cada vez mais desigual da propriedade que este sistema enseja”.

O Estado assumiu a função de regulador da sociedade burguesa, no

último terço do século XIX, e fez emergir o Estado do Bem–Estar Social.

Passou a financiar a produção para acumulação de capital. No tocante ao

trabalho, assumiu a responsabilidade de gerar e administrar as atividades

improdutivas e as políticas sociais foram estabelecidas no sentido de custear a

produção da força de trabalho. (ALVES, 2005).

Ao analisar a relação do estado com o trabalhador rural, IANNI (1984, p.

230) aponta que:

“O relacionamento entre o Estado e o trabalhador rural

aparece, de forma relativamente clara, em alguns

momentos da história social da agricultura brasileira. [...] É

descontínuo e contraditório. [...] Os principais momentos do

relacionamento entre o Estado e o trabalhador rural são

aqueles nos quais ocorrem o desenvolvimento das forças

produtivas e relações de produção na agricultura”.

Há que se considerar que o domínio do conhecimento, das leis, da

produção e de seus aspectos tecnológicos, são fatores que o Estado, em seu

aparato administrativo, não consegue acompanhar ou dominar. Ele legisla à

medida que os descontentamentos se manifestam. Ele próprio, porém, não

consegue obter o conhecimento da produção que está encerrado nos cofres

das empresas. O Estado e os trabalhadores não têm essa ciência. Por isso,

atém-se o governo à legislação com princípios gerais da cidadania.

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O Estado-nação não controla mais o que acontece na produção de

empresas internacionais. “Que nação controla a tecnologia desenvolvida por

empresas mundiais?”, pergunta IANNI, (1993, p. 42). O Estado nacional

começa a debilitar-se frente às obrigações e regras estabelecidas por

empresas internacionais. A capacidade de atuar na prática e de intervir é

limitada. “Só pode manifestar-se praticamente e de modo eficaz quando as

nações mais poderosas estão de acordo”. As grandes empresas “jamais

atrelam as razões de organização, essencialmente global, a razões deste ou

daquele Estado-nação”. Este se debilita, “devido ao alcance e à intensidade do

processo de globalização”. (IANNI, 1993, p. 51).

Nesse sentido, o Estado tem a função de auxiliar as empresas privadas

expandir em sua produção. Uma das formas de financiamento estatal são os

recursos provindos do Banco Nacional do Desenvolvimento - BNDES. Também

há o apoio oferecido pela política do Sistema “S” (Serviços Sociais

Autônomos), o qual tem por objetivo qualificar e promover o bem-estar social

através da atividade de suas instituições: SESI, SENAI, SEBRAE, IEL, SENAC,

SESC, SENAR, SENAT, SEST, SECOOP. Estas instituições são oficializadas

pelo Estado e trabalham ao seu lado, sob seu amparo.

A Usina X, com filiais em Mirandópolis e Valparaíso - SP, por exemplo,

firma parcerias com o Senai e Senac para requalificação de cortadores de

cana. Em seu Relatório de Sustentabilidade 2011- 2012, dispõe que:

“Durante a safra 2011-2012, 430 alunos participaram dos

cursos profissionalizantes, abertos para pessoas de até

30 anos e realizados em parceria com instituições de

renome, como o Senac e o Senai.

Em outro curso elaborado junto com o Senai, cerca de

300 jovens de comunidades próximas às instalações da

Empresa aprendem a desempenhar a função de

auxiliares mecânicos de manutenção agrícola”. (2012, p.

58).

Por sua vez, a Usina Y, estabelecida em Valparaíso – SP também firma

parcerias com o Sistema S. Em seu site obteve-se as seguintes informações:

“A usina atua incansavelmente para desenvolver a

comunidade que a cerca, priorizando os jovens dos

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municípios da AID (Área de Influência Direta). Em

parceria com o SENAI de Araçatuba, a Da Mata implantou

o projeto: “Formando para o Futuro”. A iniciativa oferece

formação técnica profissional, visando colocar mão-de-

obra jovem e qualificada no mercado de trabalho”.

(disponível em <http://www.damata.ind.br/p.php?ID=

Acesso em: 22 jul.2013).

A função do Estado não é somente a de financiar a produção; sua

função vai mais além. O estado de São Paulo oferece constantemente cursos

para nova qualificação profissional de cortadores de cana, sendo que estes são

desenvolvidos em parceria firmada com Unidade de Formação Inicial e

Continuada do Centro Paula Souza (Autarquia Estadual) e as Usinas

Sucroenergéticas. O objetivo é controlar as demissões causadas pela

mecanização da lavoura canavieira, garantindo postos de trabalho para

aqueles que se matricularem nos cursos. Em 2011 formou-se 840

trabalhadores e em 2012 foram ofertadas 2.520 vagas para qualificação de

trabalhadores de 10 usinas. (CENTRO Paula de Souza-Governo do Estado de

São Paulo, 2012).

O Programa Estadual de Qualificação (PEQ), coordenado pela

Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo –

SERT, também desenvolve cursos de qualificação de trabalhadores

desempregados e em situações de vulnerabilidade social, dentre eles

empregados do setor sucroenergético. A SERT efetuou parceria com usina

sucroalcooleira do noroeste paulista em 2009, procedendo o levantamento

qualitativo e estatístico dos resultados do projeto. (LAVOS et al. 2010).

O poder público libera recursos para garantir a formação ou

“profissionalização” do contingente de desempregados ou do “exército de

reserva”, através de parcerias firmadas com as grandes empresas privadas e

com o oligopólio sucroenergético. Há um aporte de recursos para implantação

de Escola de Jovens e Adultos (EJA) e cursos de formação técnica dos

trabalhadores que trabalham nas usinas. Numa análise mais profunda, os

cursos oferecidos servem como forma de preservação do parasitismo, pois,

somente poucos trabalhadores especializados são contratados. As usinas,

entretanto, aproveitaram uma mínima parcela dos indivíduos capacitados pelos

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cursos oferecidos. A maioria das pessoas forma o exército industrial de reserva

e faz parte do grupo de beneficiários das políticas sociais públicas, como o

auxílio-desemprego, salário-família. ALVES (2005, p. 190) afirma que os

desempregados “passam a ter a sua existência assegurada pelo consumo de

parcelas de mais-valia, segundo formas de participação concedidas e

controladas pelo capital, mas, com a mediação necessária do Estado”. Para

que o processo de reprodução do capital possa funcionar, “tornou-se

indispensável o seu controle”. Esse controle foi assumido pelo Estado que

“organizou o parasitismo a partir da transferência, por meio de impostos, de

parte dos ganhos dos capitalistas para a atividade improdutiva”. (ALVES, 2005,

p. 190).

Tendo em vista a expressiva produção de açúcar e álcool no país, há um

grande desafio para as usinas do setor sucroenergético, referente à redução

dos impactos ambientais, sociais e econômicos que a atividade ocasiona.

As relações sociais do país determinaram a mecanização nas atividades

agrícolas, a qual favorece a produção de cana e reduz impacto ambiental, mas

elimina postos de trabalho. Assim, as usinas atuantes na área de estudo

investem na “requalificação” dos trabalhadores para exercer as novas

atividades provenientes da mecanização. O oferecimento de cursos

profissionalizantes e de capacitação técnica tem o objetivo proclamado de

auxiliar o trabalhador a continuar inserido no mercado, seja na própria indústria

sucroenergética, seja em outros setores da economia. Assim,

“Por meio do Programa Brotar, foram realizados

treinamentos durante a safra 2011-2012 para que os

trabalhadores exerçam funções como operação de

máquinas e colhedoras, manutenção automotiva e

aplicação de herbicidas. Por outro lado, a Fundação X

promoveu cinco cursos de formação que atingiram 430

pessoas das comunidades no entorno das usinas da

Companhia”. (RELATÓRIO de Sustentabilidade 2011-

2012, p. 27).

A Usina X potencializa sua contribuição social através de parcerias com

instituições de ensino e de sua fundação, que atua através de “programas

contínuos de educação e qualificação profissional, realizados nos seis núcleos

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da instituição, localizados nos municípios paulistas de Piracicaba, Barra Bonita,

Dois Córregos, Jaú e Valparaíso”. Relata cerca de 90 mil pessoas que

participam de suas atividades, todos os anos. (RELATÓRIO de

Sustentabilidade 2011-2012, p. 54).

Especificamente para os cortadores de cana, a usina ofereceu cursos

em 5 atividades: formação de operadores de colhedora, formação de auxiliares

de manutenção automotiva, operador mantenedor, capacitação de mecânicos e

escola de líderes. “O curso possui carga horária teórica de 60 horas e 320

horas de prática, com acompanhamento. Essa formação é realizada 100%

interna, por multiplicadores de treinamento, visando valorizar o conhecimento

dos profissionais da Companhia”. (RELATÓRIO de Sustentabilidade 2011-

2012, p. 30).

Os entrevistados confirmam o oferecimento dos referidos cursos:

Na usina, dão bastante curso para trabalhar com

maquinário. Depende do interesse das pessoas

acompanharem o crescimento do setor onde trabalha. Se

eu parar vou ser descartado. Para a usina o funcionário

tem que mostrar que sabe mais. No corte de cana tem

outras atividades que precisa saber fazer. Vai diminuindo

o serviço manual e quando tem curso os interessados

podem participar. A usina dá oportunidade, mas tem que

ter estudo até o 9º ano. As vagas são disputadas de

acordo com grau de escolaridade dos funcionários. Para

operar as máquinas deve ter habilitação de categoria C.

Se não tiver qualquer nível de escolaridade é difícil

trabalhar na usina. (Entrevistado 7)

Tem para tratorista e operadores de colhedora. Em

Valparaíso tem casa para estudo, para os profissionais e

outras pessoas da comunidade. Tem projeto social para

os trabalhadores que ainda não possuem a quinta série.

O curso é aberto para todos que queiram frequentar.

(Entrevistado 6)

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Vários cursos, quando você vai trabalhar antes do

trabalho tem reunião para as orientações como a empresa

quer, como ela exige o trabalho. (Entrevistado 5)

Os cursos são oferecidos pela Usina Y e pela Fundação X. Também são

firmadas parcerias com Senac e Senai para requalificação e formação

profissionalizante dos empregados e moradores da região.

Observando o balcão de empregos e os sites das empresas, encontram-

se disponibilidade de vagas, mas falta o trabalhador especializado e com

experiência. A formação tecnológica através de instituições de nível superior é

uma solução que demanda investimento considerável por parte do trabalhador

e não há garantia de que terá trabalho após a conclusão do curso. Em verdade,

tem-se uma contradição que se refere ao número de desempregados em

relação à existência de vagas por falta de capacitação técnica da mão-de-obra

disponível. Este fato aparentemente justifica o investimento das usinas em

capacitação dos profissionais e oferecimento de cursos gratuitos ou de baixo

custo, utilizando, por vezes, os empregados da usina para capacitar os demais

ou se valendo das parcerias indicadas.

A própria Usina explicita que a “a escolha da formação profissionalizante

como foco de atuação prioritário é um movimento estratégico”. O setor sofre

com a carência de profissionais qualificados, “seja para a operação agrícola,

cada vez mais automatizada, seja na operação industrial”. Por isso há

formação de profissionais “de acordo com as necessidades do setor produtivo”.

(RELATÓRIO de Sustentabilidade 2011 – 2012 Usina X, p. 57).

Analisando as entrevistas e as certificações das usinas, depreende-se

que as empresas promovem cursos de capacitação e treinamentos de acordo

com seus interesses, ou seja, para suprir suas necessidades. Do contingente

treinado, a usina seleciona os trabalhadores que atendem às demandas e os

demais são alocados como força de trabalho reserva.

Essa reserva desempregada gera desequilíbrio social o que pode

interferir na reprodução do capital. Assim, o Estado exerce uma segunda

função: cuida do trabalho improdutivo, o qual não gera mais-valia, mas

assegura a existência parasitária de uma parcela significativa do referido

contingente.

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Através de dados fornecidos pelas Secretarias de Assistência Social dos

loci, mediante entrevistas com profissionais do Serviço Social, identificou-se a

concessão dos seguintes benefícios:

Quadro 1. Apresentação dos benefícios assistenciais concedidos nos três

municípios paulistas.

Municípios Auxílios concedidos

Valparaíso Renda cidadã: 160 beneficiados

Ação Jovem: 100 beneficiados

Bolsa família: 800 beneficiados

Lavínia Renda cidadã: 230 beneficiados

Ação Jovem: 109 beneficiados

Bolsa família: 230 beneficiados

Mirandópolis Renda cidadã: 265 beneficiados

Ação Jovem: 260 beneficiados

Bolsa família: 1080 beneficiados

Fonte: Secretaria de Assistência Social dos Municípios

Destaca-se que parte dos entrevistados desta pesquisa, estão

recebendo algum dos benefícios acima elencados. Assim, o Estado não só

administra o parasitismo, como também subsidia a força de trabalho, pagando

uma parcela da remuneração do trabalhador. O Estado complementa a renda

dos empregados, favorece as empresas sucroenergéticas e reduz os custos

deste seguimento.

Com a mecanização, a construção histórica de renormatizações passa

para outro patamar, pois, o trabalho manual é extinto. Agora, a análise se

desloca para o trabalho real do operador da máquina, os tratoristas, os

mecânicos e os controladores do trabalho, personagens do novo método de

trabalho. Os trabalhadores remanescentes caem na superpopulação relativa

flutuante ou exército industrial de reserva”.

Retorna-se ao papel do Estado, que assume a função de regulador da

sociedade burguesa. Além de financiar a produção para acumulação de capital,

também assume o compromisso de administrar as atividades improdutivas.

(ALVES, 2005, p. 121).

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4 Conclusão

O rearranjo da estrutura fundiária nas terras localizadas nos três

municípios de estudo tomou a afeição do usineiro. A instalação das usinas

implicou um tipo particular de organização capitalista de produção, adequada

aos interesses econômicos das empresas; implicou, também, na readequação

da burguesia local e, principalmente, no rearranjo da estrutura social, que

significou fechamento de empregos e abertura de novas forças produtivas e de

novas relações de produção.

A estrutura produtiva foi redefinida com a instalação das usinas,

acarretando o êxodo para as cidades grandes; a diversificação da lavoura do

pequeno proprietário; a reorganização das forças produtivas, modificando a

estrutura social do pequeno arrendatário e do operador de máquinas na

lavoura. O espaço rural, agora, é ocupado por novos agentes, uma nova

categoria social – engenheiros, operadores, agrônomos, supervisores, etc., que

“exercem atividades no mundo rural” (IANNI, 1984, p. 152).

O exército de reserva fica a disposição do capital para atender às suas

necessidades, especificamente, para os empregos temporários. A

profissionalização de trabalhadores tem duas funções: atender aos anseios das

indústrias e solucionar a questão do desemprego. O Estado, o qual assume o

papel de pacificador social, dá, juntamente com a iniciativa privada, suporte

para os trabalhadores, que antes realizavam trabalho braçal, e agora são

empregados como operadores de máquinas.

A reorganização e a dinamização da burguesia local frente à presença

do usineiro causaram pouco crescimento da força de trabalho nos três

municípios. O ponto mais preocupante é a constatação de que parte dos

trabalhadores entrevistados demonstrou não saber o que fazer quando as

frentes de trabalho no plantio e na colheita forem extintas.

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regional. In ALVES, G. L. Mato Grosso do Sul: o universal e o singular.

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Conclusão Geral

As relações sociais estabelecidas pelo movimento do capital evidenciam

a exploração do trabalho do homem até que este seja útil à produção da mais

valia almejada. Quando o trabalho pode ser substituído por máquinas que

desempenham a atividade de forma mais eficiente, o trabalhador é posto na

categoria de operador. O fato é que poucos trabalhadores braçais serão

empregados como operadores. Assim, formar-se-á um contingente de exército

de reserva explicitado por Marx.

Mesmo tendo uma vasta legislação sobre os direitos da pessoa humana

é preciso fazer um exercício de artesanato e encontrar a causa de situações

díspares. O exercício inicia com o pensamento burguês. Ele considera o capital

como uma posse ou uma entidade ou uma coisa, sendo o lucro concebido

como o retorno pela iniciativa e o empreendimento, realizado dentro das

normas e leis. Trata-se de uma “dignidade possível” do trabalhador. Isso está

no direito e nos economistas.

A ciência da história, porém, apresenta uma perspectiva diferente: a

produção de mais-valia realiza a riqueza e o capital; revela, ainda, como a

realização de lucros e a acumulação de capital colocam as pessoas em conflito

entre si e geram oposição entre interesses dos capitalistas e dos trabalhadores.

A apropriação da terra e a sua exploração também são visíveis no modo

de produção capitalista. A expansão canavieira revela esta tendência. Alguns

municípios foram tomados por plantações de cana, não restando espaço para

outras culturas.

Os camponeses, que antes residiam no campo e trabalhavam em

regime familiar forma uma categoria extinta, pois saíram do campo para

exercer o trabalho assalariado. Perderam o controle e o conhecimento sobre a

totalidade da produção e passaram a ser assalariados do capitalista. Isto

também revela a alienação do trabalhador sobre os meios de produção.

Restará ao trabalhador a realocação em trabalhos improdutivos e

especializados, financiados pela nova função social do Estado de apaziguador

social.

O que se evidenciou nos três artigos apresentados são as análises

temáticas da relações sociais dispostas em todo o processo de produção da

matéria-prima do setor sucroenegético, destacando-se a exploração do

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trabalho do homem, a apropriação das áreas de cultivo, a imposição das

normatizações das usinas, os reflexos do emprego de máquinas, o impacto da

infraestrutura dos municípios que alocam a atividade canavieira e a função

social assumida pelo Estado neste cenário.