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FACULDADE SÃO LUÍS DE FRANÇA Aracaju-SE, Brasil, 24 e 25 de novembro de 2012
INVESTIGAÇÃO LITEROCINEMATOGRÁFICA DO OPRIMIDO EM SÃO
BERNARDO DE GRACILIANO RAMOS E LEON HIRSZMAN
Fábio Wesley Santos Paixão (UFS)1
Diego Menezes de Araujo (UFS / PPGL)2
Tatiana Cíntia da Silva (UFS / PPGL / CAPES)3
RESUMO: O romance S. Bernardo (1932) de Graciliano Ramos e o filme homônimo (1972)
de Leon Hirszman servem como estudo comparativo entre literatura e cinema no viés da
condição do oprimido. O presente objeto analisa três pontos essenciais ao tema: o poder
centralizado do opressor em Paulo Honório, o silenciamento da mulher em Madalena e a
exploração do trabalhador em Padilha e Marciano. Averiguar-se-á concomitantemente a
receptividade de cada obra no cosmo das identidades concernentes às personagens acima
apresentados.
Palavras-chave: Oprimido; Literatura; Cinema.
Introdução
O presente artigo abordará em seu corpus uma comparação entre o romance S.
Bernardo de Graciliano Ramos (1932) e o filme homônimo de Leon Hirszman (1972) nas
perspectivas das significações sociais imagéticas de seus personagens.
1 Graduado em Letras Português Francês pela Universidade Federal de Sergipe. Atualmente desenvolvendo
paralelamente três pesquisas: I. Análise literocinematográfica do oprimido mulher/trabalhador em São Bernardo.
II. A representação feminina e subalterna em A Hora da Estrela; III. Estudo e análise de obras machadianas. (E-
mail: [email protected])
2 Graduado em Letras Português pela Universidade Federal de Sergipe, Aluno especial do Mestrado em Letras
Literatura pela mesma instituição. Atualmente desenvolvendo paralelamente três pesquisas: I. A representação
feminina e subalterna em A Hora da Estrela; II. Análise literocinematográfica do oprimido mulher/trabalhador
em São Bernardo; III. Estudo e análise de obras machadianas. (E-mail: [email protected])
3 Especialista em Linguística e Mestranda em Literatura pela Universidade Federal de Sergipe. Atualmente
desenvolvendo paralelamente quatro pesquisas: I. Estudo e análise de obras machadianas; II. O diálogo entre o
medievo e o sertão na lírica de Elomar Figueira Mello; III. A representação feminina e subalterna em A Hora da
Estrela; IV. I. Análise literocinematográfica do oprimido mulher/trabalhador em São Bernardo. (E-mail:
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O romance é considerado pela crítica literária como uma referência representativa do
meio social interiorano nordestino. Apesar de a obra ser reconhecida pelo viés da literatura
engajada, nela poder-se-á perceber certo desvio estético comparada a outras de sua geração.
Deste modo, a linguagem seca e direta, estilo peculiar a literatura de denúncia, está
acompanhada de uma introspecção complexa no tempo/espaço das personagens. No bojo das
informações, o que se observa de modo geral é: o poder centralizador e opressor em Paulo
Honório, a sufocação da mulher em Madalena e a exploração do trabalhador em Padilha e
Marciano.
Homonimamente e utilizando o mesmo texto de Graciliano Ramos, Leon Hirszman
aproveitou-se da fase do engajamento cinematográfico brasileiro, denominado de Cinema
Novo, para denunciar conforme a arte fílmica. O filme foi rodado em Viçosa, município de
Alagoas, cenário da obra, assim sendo, um dos seus objetivos era de se aproximar do espaço
na tentativa de representar a ficção como veracidade, apresentando a situação do oprimido
mulher/trabalhador no campo.
A comparação entre literatura e cinema fomenta a este projeto um olhar crítico no
contexto social em relação à abordagem dos anos 30 (obra literária) e 70 (cinema). Por fim, o
projeto explicitará por meio da análise literocinematográfica o que houve de confluência e
alteração na representação identitária de suas personagens para que a ficção se aproximasse
do real.
Definição do tema: no cosmo do oprimido.
A oba literária de caráter denunciativo será contraposta ao filme como forma de
evidenciar o ser social oprimido, o que tornará necessária a entrada no campo sociocultural na
tentativa de explicar a exploração do homem pelo homem.
Adentrando ao campo das personagens tratar-se-á dos assuntos relativo à mulher e ao
trabalhador (homem) ambos conexos com a temática do oprimido. O vocábulo oprimido, do
latim opprimo, que significa está sob o peso de uma opressão ou está sob efeito de uma
tirania, é de certo a palavra mais adequada às mulheres e aos empregados da Fazenda S.
Bernardo. Desta maneira, serve como forma de situar ao menos três das personagens que
serão analisadas nesse projeto: Madalena (mulher/trabalhadora/esposa), Padilha (professor) e
Marciano (zelador), representantes da parte oprimida em contraposição a Paulo Honório o
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opressor!
O ser oprimido tende em sua condição não aceitar o que lhe é imposto, ele reconhece
e critica conforme o seu nível de conhecimento intelectual. Contundo, a força opressora
dominante faz o desfavorecido silenciar de forma abrupta. Em face, o opressor impõe a sua
autoridade através de situações que coloca o explorado numa conjuntura desvantajosa, a qual
inibi e coagi para que o oprimido aceite a casta vexatória.
Para se perceber melhor a relação dominador/dominado Paulo Freire (2005), no livro
Pedagogia do Oprimido, coloca que: Se a humanização dos oprimidos é subversão, sua
liberdade também o é. Daí a necessidade de seu constante controle. E, quanto mais se
controlam os oprimidos, mais o transformam em “coisa”, em algo como se fosse inanimado.
Utilizando a intervenção para dialogar com a obra percebe-se que as humilhações eram
justificadas pelo fato do poder está centralizado em Paulo Honório, que reprimia por meio do
silenciamento todos aqueles que fossem de encontro com as suas ideias.
Sabe-se que a questão da repressão feminina dialoga diretamente com a temática do
oprimido, se para a sociedade pós-moderna a luta da mulher confronta-se com o machismo
ainda em vigor, há de se imaginar a barbárie moral que era nos anos 30. A violência
simbólica imposta à mulher está incutida na sociedade de modo universal. Hábitos, atos e até
mesmo a maneira de enxergar as questões femininas passam normalmente pelo crivo da
repressão. Pierre Bourdieu (1999) em sua obra A dominação masculina, no capítulo A
masculinidade como nobreza, colocou de modo sucinto e de forma contundente a imposição à
mulher.
As injunções continuadas, silenciosas e invisíveis, que o mundo sexualmente
hierarquizado no qual elas são lançadas lhes dirige, preparam as mulheres, ao menos
tanto quanto os explícitos apelos à ordem, a aceitar como evidentes, naturais e
inquestionáveis prescrições e proscrições arbitrárias que, inscritas na ordem das
coisas, imprimem-se insensivelmente na ordem dos corpos. (BOURDIEU, 1999,
p.71)
Como observado, a mulher acaba sendo vista como um produto da sociedade
patriarcal, essa não admite a liberdade feminina de forma integral. Analogamente com o
romance S. Bernardo encontramos em Madalena a figura da mulher colocada por Bourdieu,
pois o seu opressor/marido ditava as regras do seu matrimonio não a deixando ter voz ativa,
apesar de alguns atos de revelia. Ela é em si um retrato do silenciamento feminino à época,
onde o ciúme doentio e o egocentrismo de Paulo Honório não admitiam: o trabalho, a sua
forma de pensar e agir humanitariamente. Assim sendo, a personagem configura a pluri-
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opressão feminina: mulher, esposa e trabalhadora.
A segunda parte de análise das personagens é dedicada à opressão do trabalhador em
Padilha e Marciano. O dever do dominador é reprimir veementemente para se manter no
controle da situação, Simone Weil (2001) em seu livro Opressão e Liberdade expõe que
conservar o poder é, para os poderosos, uma necessidade vital, ou seja, a opressão deve está
na ordem do dia para que o oprimido renove sempre a sua condição de desfavorecido. Paulo
Freire (2005) explica mais a fundo as consequencias de fazer parte desta casta desfavorecida,
vejamos o fragmento abaixo:
Enquanto se encontra nítida sua ambiguidade, os oprimidos dificilmente lutam, nem
sequer confiam em si mesmos. Têm uma crença difusa, mágica, na invulnerabilidade
do opressor. No seu poder de que sempre dá testemunho. Nos campos, sobretudo, se
observa a força mágica do poder do senhor. É preciso que comecem a ver exemplos
da vulnerabilidade do opressor para que, em si, vá, operando-se convicção oposta à
anterior. Enquanto isto não se verifica, continuarão abatidos, medrosos, esmagados.
(FREIRE, 2005, p.115)
A citação de Freire (2005) denúncia a obrigação imposta aos abnegados e o seu
processo de aceitação. Não obstante, indica o caminho ao desfavorecido para dirimir a
questão da dominação através dos pontos de fragilidade do opressor. No romance Marciano e
Padilha são análogos pela condição do explorado, pois ambos sofreram os mais variados tipos
humilhações que avassalam as questões da moral e da dignidade humana advinda do
personagem Paulo Honório.
Apesar dos dois personagens se encontrarem no ponto da condição do desprovido,
existe entre eles certa diferença de grau na aplicação da repressão, ou seja, Padilha por ter um
posicionamento social/intelectual tinha mais privilégios que Marciano. Numa passagem do
romance em que o professor e o zelador conversavam no horário do expediente, Paulo
Honório chamou a atenção de Padilha verbalmente, já Marciano foi espancado em público.
Tendo uma reflexão do exposto, entende-se que o trabalhador com determinado nível de
conhecimento deixa o seu oponente vulnerável na hora da aplicabilidade da punição.
Comparando cinema/literatura far-se-á dois recortes: O silenciamento da mulher em
Madalena e o julgamento punitivo em Padilha e Marciano. O primeiro recorte analisado se
passa durante o jantar onde estavam presentes: Paulo Honório, Madalena, D. Glória, Padilha e
Seu Ribeiro (bibliotecário). Madalena preocupada com o ordenado do bibliotecário disse-lhe
que o valor recebido era insignificante, mas logo foi discordada pelo mesmo, em seguida,
Paulo Honório não gostando do assunto agiu severamente contra a sua esposa e a tia dela.
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Vejamos a cena acalorada no romance:
Madalena empalideceu:
- Não é preciso zangar-se. Todos nós temos as nossas opiniões.
- Sem dúvida. Mas é tolice querer uma pessoa ter opinião sobre
assunto que desconhece. Cada macaco no seu galho. Que diabo! Eu
nunca andei discutindo gramática. Mas as coisas da minha fazenda
julgo que devo saber. E era bom que não me viessem dar lições.
Vocês me fazem perder a paciência. Joguei o guardanapo sobre os
pratos, antes da sobremesa, e levantei-me. (RAMOS, 2008, p.115)
Observa-se claramente a imposição do opressor em não admitir nenhuma opinião
relativo a sua fazenda ou a seus empregados e consequentemente o emudecimento da sua
esposa que ousou ter voz ativa. No quesito cinematografia constata algumas re-configurações
do texto original para dar mais considerações aos argumentos referidos a opressão feminina
em Madalena.
A primeira montagem está no empalidecer de Madalena que é substituído pelo
olhar perplexo para D. Glória, sua tia, logo depois da fala de intervenção é observado um
olhar estupefato a Paulo Honório que em seguida a responde com rigor fazendo-a: direcionar
a cabeça para baixo de modo acabrunhada e passar a mão suavemente em seu cabelo,
caracterizando uma situação de medo. Outro ponto foi a forma brusca em que o seu marido se
levanta da cadeira lhe dando um susto, talvez por pensar que a fala se transformasse numa
agressão física. Ao final, o silêncio de Madalena termina o ciclo opressivo da cena.
A segunda parte que concerne ao trabalhador oprimido expõe o modo de como
Paulo Honório ver aos seus empregados, bem como o tratamento diferenciado. Lembrando
que a questão já foi previamente discutida acima como fortuna crítica do emudecido, e agora
será tratado na comparação romance/filme enxergando na prática a adaptação. Observemos a
parte escolhida do romance:
- Marciano!
Gritei em vão. Desci a ladeira, com raiva. Lá embaixo, à porta da escola, descobri
Marciano escanchado num tamborete, taramelando com Padilha.
- Já para as suas obrigações, safado.
- Acabei o serviço, Seu Paulo, gaguejou Marciano perfilando-se.
- Acabou nada!
- Acabei, senhor sim. Juro por esta luz que nos alumia.
- Mentiroso. Os animais estão morrendo de fome, roendo a madeira.
Marciano teve um rompante:
- Ainda agorinha os cochos estavam cheios. Nunca vi gado comer tanto. E ninguém
agüenta mais viver nesta terra. Não se descansa.
Era verdade, mas nenhum morador me havia ainda falado de semelhante modo.
- Você está se fazendo besta, seu corno? Mandei-lhe o braço ao pé do ouvido e
derrubei-o. Levantou-se zonzo, bambeando, recebeu mais uns cinco trompaços e
levou outras tantas quedas. A última deixou-o esperneando na poeira. Enfim ergueu-
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se e saiu de cabeça baixa, trocando os passos e limpando com a manga o nariz, que
escorria sangue. Estive uns minutos soprando. Depois voltei-me para o Padilha:
- O culpado é você.
- Eu?
- Sim, você, que anda enchendo de folhas ventas daquele sem-vergonha.
Padilha defendeu-se, pálido:
- Não ando enchendo nada não, Seu Paulo. É injustiça. Ele veio de enxerido,
acredite. Não chamei, até disse: "Marciano, é melhor que você vá dar comida aos
bichos". Não escutou e ficou aí, lesando. Eu estava enjoado, por Deus do céu, que
não gosto da cara desse moleque. (RAMOS, 2008, p. 126-127)
O fragmento configura uma possível desobediência ao dominador. Observa-se o
autoritarismo de Paulo Honório em agredir física e moralmente o seu empregado, apesar de
reconhecer que na sua propriedade não se há tréguas no trabalho. O narrador por sua vez
conta todo o ocorrido de forma irônica e vantajosa, o que evidencia o seu prazer em espancar
sequencialmente Marciano. Quanto ao Padilha, cuja agressão fica restrita ao campo moral,
percebe-se explicitamente o sentimento de medo, que o faz concordar com o seu opressor na
intenção de alimentar o ego dele.
Na transposição para o cinema ocorrem mudanças significativas que favorecem a
identificação dos oprimidos e a condenação do opressor. O romance narrou que Marciano
respondera com rompante (arrogância), mas, no filme, o que se observa é o zelador com uma
voz em tom baixo, com um chapéu nas mãos demonstrando ao opressor respeito, parado na
posição ereta e lamentando-se de cabeça baixa. Porém, Paulo Honório chega pronunciando
palavras de baixo calão e golpeando Marciano, que por sua vez não esboça reação. Desta
maneira, a cena incrimina o repressor que diferentemente do texto não foi privilegiado pelo
artifício da ironia.
O personagem Padilha, que na literatura aparenta ser um covarde, na sua adaptação
para o cinema demonstra certo nervosismo, pois na cena a postura é a de sempre olhar para o
chão, manuseando o chapéu nas mãos e depois batendo em retirada pela tangente. O
comportamento em questão coloca também o professor na condição de dominado, porém, a
sua pena foi abrandada pelo protagonista Paulo Honório.
Considerações Finais.
A apresentação dos arcabouços teóricos pertinentes ao tema do oprimido,
mulher/trabalhador, em comparação com a literatura e o cinema em S. Bernardo, faz um
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diálogo com o objetivo principal dos estudos culturais que é interdisciplinar as ciências em
prol de um bom relacionamento social. Certo de que existem teóricos gabaritados no assunto
proposto, tais com: Foucault, Michelle Perrot, Terry Eagleton, Jacques Aumont e Arlindo
Machado, o projeto prioriza estudiosos que nortearam pedagogicamente. Por fim, comparar
literatura/cinema torna o presente artigo um objeto pertinente a temática do oprimido.
Referências.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil, 1999.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes,2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 30. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 2001.
HIRSZMAN, Leon. S. Bernardo. DVD. 2009.
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 2008.