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- Sumário Inventário de expectativas e crenças pessoais acerca do álcool (IECPA) Estruturafactorial e estabilidade do inventário do Tipo Circadiano Hipocondria Psicodrama no Hospital Júlio de Matos (11)- Uma tentativa de avaliação de resultados Importância do coping no rendimento escolar Evolução e panorama da Psiquiatria e Saúde Mental na China JUL./SET. 1993, Vol. 14 n. g 3 CADEIRA DE PSIQUIATRIA - CLÍNICA PSIQUIÁTRICA ..,- HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE - COIMBRA

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Page 1: Inventário de expectativas e crenças pessoais acerca do álcool … · 2020. 5. 4. · J. PINTO GOUVEIA('), CARLOS RAMALHEIRA(2), MARGARIDA ROBALO(3), J. COSTA BORGESe), J. ROCHA

-

Sumário

Inventário de expectativas e crenças pessoais acerca do álcool (IECPA)

Estruturafactorial e estabilidade do inventário do Tipo Circadiano

Hipocondria

Psicodrama no Hospital Júlio de Matos (11)- Uma tentativa de avaliação de resultados

Importância do coping no rendimento escolar

Evolução e panorama da Psiquiatria e Saúde Mental na China

JUL./SET. 1993, Vol. 14 n. g 3

CADEIRA DE PSIQUIATRIA - CLÍNICA PSIQUIÁTRICA ..,- HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE - COIMBRA

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Sumário

Inventário de expectativas e crenças pessoais acerca do álcool (IECPA)-J. Pinto Gouveia, Cartas

Ramalheira, Margarida Robalo, J. Costa Borges, J. Rocha Almeida 147

Estrutura factorial e estabilidade do Inventário do Tipo Circadiano - M. Helena P. de Azevedo, Carlos

Fernandes da Silva, Vanda M. Oliveira Clemente, Ana Maria Ferreira, Isabel Coelho 165

Hipocondria-A. Ferreira de Macedo e Fernando Edilásio Pocinho 171

Psicodrama no Hospital Júlio de Matos (11)- Uma tentativa de avaliação de resultados - Fernando

Santos Vieira, Maria João Carnot, Noélia Canudo. 181

Importância do coping no rendimento escolar-Isabel Maria da Cruz Ferreira 187

Evolução e panorama da Psiquiatria e Saúde Mental na China- Inês Silva Dias e José Vicente Flores 197

Prémio de Psiquiatria Clínica Elysio de Moura

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Psiquiatria Clínica,14, (3), pp. 147-163, 1993

Inventário de ExpectativaseCrenças Pessoais Acerca do Álcool(fECPA)

POR

J. PINTO GOUVEIA('), CARLOS RAMALHEIRA(2), MARGARIDA ROBALO(3), J. COSTABORGESe), J. ROCHA ALMEIDA(5)

Resumo

No presente trabalho os autores descrevem a construção e validação de um instrumento psicométricooriginal, o Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do Álcool (IECPA), que se destina a avaliarexpectativas individuais sobre os efeitos decorrentes daingestão moderada de bebidas alcoólicas, um.factorcognitivo cuja importância na mediação do consumo de álcool tem sido repetidamente salientada por numerososautores. Este novo instrumento, uma escala do tipo Likert, com 61 items, que permite o cômputo de uma notaglobal e de notas correspondentes a seis dimensões ortogonais, isoladas com recurso a uma análisefactorial dositems seguida de uma rotação axial do tipo varimax, foi concebido tendo em conta peculiaridades da populaçãoportuguesa. No seu desenvolvimento e validação foram utilizadas, respectivamente, amostras com 350 e 467indivíduos (provenientes da população emgeral.funcionários dos HUC e, dos ServiçosMunicipalizados deCoimbra, e doentes alcoólicos internados na Clínica Psiquiátrica dos HUC) ,no Hospital Conde Ferreira, Porto,Hospital do Lorvâo, Coimbra e Hospital de Angra do Heroismo, Açores. Exemplificando com a amostra usadana validação, os autores ilustram diversas formas de utilização da escala, cujas excelentes características defidedignidade (coef. corro teste-reteste de0.764; alfa de Cronbach= 0.984) e validade, parecem tornaradequada, não só para utilização em contextos clinico-assistenciais, como na monitorizaçâo de protocolos detratamento ou na prevenção da recaída, mas também em estudos de rastreio de alcoólicos, na investigação geralsobre comportamentos de bebida, e na caracterização e detecçãode grupos de indivíduos com elevado risco devirem a tornar-se dependentes do álcool.

Palavras Chave: Álcool,Alcoolismo,Álcool-Expectativas,Álcool-Efeitos,Álcool-Prevenção,Álcool-Recaída,Cogniçôes, Medição, Instrumentos, Inventários, Psicometria.

Os efeitos comportamentais do álcool envolvemuma interacção complexa de factores biológicos,farmacológicos, situacionais e cognitivos.Acompanhando O interesse crescente pela influência

dos processos cogmtivos em vários distúrbiospsicológicos, a investigação na área do alcoolismo temdado uma particular atenção à influência das variáveiscognitivas na decisão de beber, na manutenção do

(1) Chefe de Serviço de Psiquiatria na Clínica Psiquiátrica dos HUC; Professor Associado Convidado da Faculdadede Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

(2) Médico psiquiatra da Clínica Psiquiátrica dos HUC; Assistente Convidado do Instituto de Higiene e MedicinaSocial da Faculdade de Medicina de Coimbra (bolseiro da JNTCT - Proc. 30167).

(3) Psicóloga clínica da Clínica Psiquiátrica dosHUe.(4) Médico psiquiatra do Centro de Estudos e Profilaxia da Droga de Coimbra.(5) Médico psiquiatra do Hospital Distrital de Angra do Heroísmo.

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148 J. Pinto Gouveia, Carlos Ramalheira, Margarida Robalo, J. Costa Borges, J. Rocha Almeida

comportamento de ingestão excessiva e nos processosde tratamento e recaída de alcoólicos. Foram os trabalhosexperimentais de Marlatt e Rohsenow (1980) queprimeiro chamaram a atenção para o papel importanteque as expectativas acerca dos efeitos do álcooldesempenhavam na mediação quer da ingestão, querdo comportamento sob intoxicação. Estes autoresrecorreram a uma metodologia de investigação quecruzava factorialmente o conteúdo alcoólico real deuma bebida e o teor esperado (two-by-two balancedplacebo desig n). Numa investigação deste tipo, metadedos indivíduos pensam que vão beber uma bebidaalcoólica e outra metade esperam uma bebida nãoalcoólica. Por sua vez em cada um destes grupos,metade recebe de facto uma bebida alcoólica e a outrametade uma bebida não alcoólica. As bebidas sãopreparadas de forma a não ser possível distinguir as quecontêm álcool das que não contêm, tomando-se assimpossível formar quatro grupos experimentais quepermitem manipular independentemente o efeito dasexpectativas e o efeito farmacológico do álcool. Talnão acontecia com os desenhos de investigaçãotradicionais, nos quais apenas o conteúdo da bebida eramanipulado, mantendo-se a expectativa constante, quenão permitiam testar a hipótese de que alguns efeitos"farmacológicos" do álcool só se tomam evidentesquando o indivíduo pensa que está a consumir álcool.(Hull e Bond, 1986; Marlatt e Rohsenow, 1980;Shouthwick e col., 1981).

A partir dos trabalhos pioneiros de Marlatt eRohsenow, numerosos estudos laboratoriais procuraramavaliar o efeito independente e interactivo dasexpectativas e do álcool em diversos tipos decomportamento humano. Hull e Bond (1986),realizaram uma revisão meta-analítica de 36 dessesestudos experimentais que utilizaram um desenhofactorial de grupos equilibrados contra placebo(two-by-two balanced placebo design) que lhes permitiuconcluir que o consumo real de álcool e as expectativasacerca do seu efeito originam efeitos diferenciados nocomportamento. As expectativas teriam um maior efeitoa nível dos comportamentos sociais ou emoções que omeio cultural proíbe de exprimir como a activaçãosexual, a agressividade e o consumo de álcool, e poucosefeitos em comportamentos não sociais. Por outro lado,o consumo real de álcool mostra um maior efeito sobreos comportamentos não sociais como a execuçãomotora, o processamento da informação, a memória, amodificação das sensações internas e do humor (Hull&Bond, 1986).

A importância destes resultados assenta no facto

de mostrarem que as expectativas exercem, de formaindependente, um forte efeito sobre comportamentosque parecem influir na decisão de beber e nocomportamento na intoxicação. Isto sugere apossibilidade de a decisão do alcoólico, de começar econtinuar a beber, ser mediada pela antecipação dosefeitos que acredita que o álcool lhe irá provocar, esugere a utilidade clínica de instrumentos de avaliaçãoque permitam avaliar as expectativas pessoais acercado efeito do álcool, não sóparaumamelhorcompreensãodo seu efeito na decisão de beber e no comportamentointoxicado, mas também para a elaboração de programasterapêuticos, de prevenção de recaídas e de prevençãoprimária.

Nesta linha, Brown, Goldman, Inn& Anderson(1980), desenvolveram o Alcohol ExpectancyQuestionnaire (AEQ), um instrumento de 90 itemsdestinado a avaliar as expectativas de efeitos positivosatribuídos à ingestão de quantidades moderadas deálcool. Os resultados obtidos pelos estudos que têmutilizado este questionário, quer em populações nãoalcoólicas, quer em alcoólicos, sugerem que o AEQéum instrumento útil para avaliar as expectativas emrelação aos efeitos do álcool e discriminasignificativamente entre bebedores com diferentespadrões de bebida e severidade de problemasrelacionados com o álcool, verificando-se uma tendênciapara os níveis de consumo de álcool se mostrarempositivamente correlacionados com o endosso deexpectativas positivas acerca do seu efeito (Brown,Goldman, Inn& Anderson 1980; Brown, Goldman&Christiansen, 1985; Connors, O'Farrel, Cutter &Thompson, 1986; Mooney, Fromme, Kivlahan&Marlatt, 1987; Oei& Jones, 1986).

Apesar da sua utilidade, o AEQ apresenta contudoalgumas limitações: nem todas as questões sãoformuladas na primeira pessoa (e só as crenças pessoaissão relevantes para a predição do comportamento doindivíduo); só são avaliadas expectativas acerca dosefeitos positivos; os seus 90 items tomam o seupreenchimento bastante demorado (Rohsenow, 1983).Estas razões, associadas ao facto de Portugal ser umpaís com crenças culturais bem específicas acerca doefeito do álcool, motivou-nos para o desenvolvimentode um inventário de expectativas acerca do efeito doálcool que não tivesse alguns dos inconvenientes doAEQ e tivesse em conta a realidade portuguesa.

O objectivo do presente trabalhoé dar conta daconstrução, desenvolvimento e validação finais doInventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acercado Álcool (IECPA), objecto de uma comunicação

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Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do Álcool (IECPA)

preliminar em 1989(J.Pinto Gouveia,J.Costa Borges,J. Rocha Almeida, Carlos Ramalheira& M. Robalo).

1. DESENVOLVIMENTO DO IECPA

Tendo por base a experiência clínica dos autorescom doentes alcoólicos e dados obtidos em consulta daliteratura acerca das expectativas relacionadas com oconsumo de bebidas alcoólicas, compilou-se um núcleoinicial de 200 proposições que se pretendeu quereflectissem apresença ou ausência relativas de crençaspessoais específicas sobre os efeitos do álcool. Na

formulação dos items foram utilizados diversos sentidoslógicos de questionamento, com o objectivo deminimizar possíveis efeitos de tendência de resposta.

Com o objectivo de identificar items com umaformulação menos clara, ambígua, ou de compreensãomais difícil, procedeu-se a um ensaio preliminar daescala, recorrendo à colaboração de pessoaladministrativo e técnico dos Hospitais da Universidadede Coimbra e a estudantes da Faculdade de Psicologiae Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.Desse ensaio resultou a eliminação de 85 items.

A primeira versão experimental da escala ficouassim com 115 items, representativos de oito grandesáreas de efeitos do álcool, apresentadas no Quadro 1.

O formato adoptado para a escala foi o usual eminstrumentos destinadosà auto-avaliação de crenças, otipo Likert. Para cada crença são apresentadas cincocategoriasderespostapossível:Nãoconcordo,Concordopouco, Concordo moderadamente, Concordo muito,

149

Concordo muitíssimo. Cada respondente obtém umapontuação em cada item (1,2,3,4 ou 5) e uma nota global,que corresponde ao somatório de todas as anteriores.

EstaversãoexperimentaldolECPA,com 115 items,foi dada a preencher aos elementos de uma primeiraamostra, recolhida na região de Coimbra, e que ficouconstituída por 350 indivíduos, 264 homens e 86mulheres. Destes, 96 eram doentes alcoólicos internadose, os restantes, funcionários dos ServiçosMunicipalizados de Coimbra e dos Hospitais daUniversidade de Coimbra ou ainda membros dapopulação em geral. A idade média dos respondentes

era de 37.6 anos, sendo a idade mínima de 16 e amáxima de 71 anos.

Juntamente com a versão inicial do IECP A aque sejuntou um pequeno questionário contemplando aspectosdemográficos e instruções para o seu preenchimento,os questionados preencheram também o Questionáriode Hábitos de Bebida (QHB), um instrumentodesenvolvido por Pinto Gouveia e colaboradores em1988 (Pinto Gouveia et al., 1989), e que se destina acaracterizar a história familiar e pessoal de aspectosrelacionados com a ingestão de álcool, bem como aapurar o padrão actual de consumo.

1.1. ProcedimentoA cada respondente foi fornecida uma cópia do

Questionário de Hábitos de Bebida e outra da versãoexperimental do IECPA. Todos foram informados deque os questionários eram confidenciais e que os dadosa obter não seriam fornecidos a qualquertipo de entidade

QUADRO 1.EFEITOS DO ÁLCOOL SOBRE • • •

ACTIVAÇÃO E AGRESSÃO

REDuçÃO DE ESTADOS EMOCIONAIS NEGATIVOS

EFEITO POSITIVO GLOBAL

EXPECTATIVAS PRÓPRIAS DA CULTURA PORTUGUESA \

(DIGESTIVO, DÁ FORÇA FíSICA, AOUECE... )

ACTIVAÇÃO SEXUAL E FONTE DE PRAZER

RELAXAMENTO E REDUÇÃO DA TENSÃO

REDUÇÃO DA ANSIEDADE SOCIAL

DIMINUiÇÃO DA SOLIDÃO E ABORRECIMENTO

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150 J. Pinto Gouveia, Cartas Ramalheira, Margarida Robalo,1. Costa Borges,1. Rocha Almeida

relacionada com os seus empregadores, Foram todosainda informados que os questionários não seriamobjecto de análises individualizadas eque se destinavamapenas a fins de investigação científica.

Tendo em vista uma melhoria qualitativa dainformação, durante a recolha dos dados os indivíduosforam ajudados a preencher o IECPA e os dados para opreenchimento do QHB foram obtidos em entrevista.Não foram incluídos na amostra os dados respeitantesa 30 indivíduos cujo comportamento sugeriu falta desinceridade, dificuldade na compreensão, ou falta deatenção. De igual modo, 14homens e 3 mulheres forameliminados pois pelo facto de terem sido desde sempreabstémios, evidenciavam naturais dificuldades nopreenchimento dos questionários.

Os critérios utilizados para classificar os padrõesindividuais de bebida foram os seguintes:

Bebedores ocasionais (BO): Uso não regular eem baixa quantidade de bebidas alcoólicas (1 a 2bebidas em festas ou ocasiões especiais. Mais de 1vezpor ano e não mais de 1 vez por mês).

Bebedores moderados (BM): Consumo diário nãosuperior ao equivalente a 0.5 litros de vinho de 12°.

Bebedores excessivos (BE): Indivíduos comconsumos diários entre 0.5 a 1 litro de vinho, ouequivalente, mas que nunca procuraram ou necessitaramtratamento.

Alcoólicos internados (AL): Todos bebiam maisde 1.5 litros de vinho ou equivalente por dia, epreenchiam os critérios para os diagnósticos dedependência, e/ou abuso do álcool, da DSM-I1I R.

A distribuição final da amostra no que respeita asexo e padrão de bebida, é apresentada no Quadro 2.

Como se pode observar, os homens ultrapassamem número as mulheres. No que respeita ao padrão de

bebida, a maioria das mulheres da nossa amostra referiubeber ocasionalmente, enquanto os homens declararamcom mais frequência possuir padrões habituais debebida mais pesados.

1.2. Apuramento da EscalaTendo em conta que se pretendia construir uma

escala do tipo Likert, a pontuação total obteve-seadicionando as pontuações de cada uma das questões.De acordo com o princípio da unidireccionalidade,respeitou-se o sentido da sua formulação, invertendosempre que necessário o sentido da cotação, de talforma que valores mais elevados na pontuaçãocorrespondem sempre a uma maior crença na obtençãodos efeitos mencionados através da ingestão de bebidasalcoólicas, e portanto, a um nível de expectativaspositivas mais elevado.

Numa primeira fase foram retirados todos os itemscom características psicométricas deficientes:eliminaram-se sucessivamente aqueles cuja correlaçãolinear (Spearman) com a nota global da escala erainferior a 0.55, os que revelaram possuir baixo índicede discriminação entre grupos extremos, e ainda, osque evidenciaram uma capacidade estatisticamentesignificativa para, independentemente do padrão debebida, discriminarem entre sexos.

Numa segunda fase, em que se finalizou orefinamento da escala, foram também retirados algunsitems que contribuíam com pesos inferiores a 0.35 naanálise factorial da escala(loadings menores que 0.35em qualquer dos factores obtidos numa análise decomponentes principais seguida de rotação ortogonalvarimax).

A versão final do IECPA, resultante dosprocedimentos descritos, ficou composta por 61

QUADRO 2. FREau~NcIA AMOSTRAL ABSOLUTA DE PADRÕES DE BEBIDA E SEXO

(AMOSTRA INICIAL)

PADRÃO DE BEBIDA

SEXO OCASIONAL MODERADO EXCESSIVO ALCOÓLICO TOTAIS

MASCULINO 41 47 83 93 264

FEMININO 78 3 2 3 86

TOTAIS 119 50 85 96 350

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Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do Álcool(IECPA) 151

items. As suas características métricas (nível médio é, aquela à qual foi retirado o valor correspondentede resposta, desvio padrão, correlação com a nota ao item com que se compara), são apresentadas noglobal e correlação com a nota global corrigida, isto Quadro 3.

QUADRO 3. CARACTERlsTICAS MÉTRICAS DOS ITEMS • VERSÃO FINAL DA ESCALA.

ITEM MEDIA DESVKJ CoAR:LAçiD CoAR:LAçiD

PADRÃO ITEM-TOTAl. ITEM-TOTAl.

CORRIGIDO

1(1) 2.439 1.284 .615 .601

1(2) 2.153 1.454 .733 .721

1(3) 2.288 1.423 .693 .679

1(4) 1.979 1.331 .743 .732

1(5) 2.243 1.397 .705 .692

1(6) 2.124 1.298 .646 .632

1(7) 1.995 1.272 .786 .777

1(8) 2.331 1.410 .709 .696

1(9) 1.696 1.211 .686 .675

1(10) 2.188 1.347 .793 .783

1(11) 2.362 1.438 .782 .771

1(12) 2.254 1.387 .746 .735

1(13) 2.471 1.357 .796 .787

1(14) 2.421 1.309 .698 .685

1(15) 2.101 1.235 .678 .665

1(16) 1.563 1.048 .602 .589

1(17) 1.683 1.148 .698 .687

1(18) 2.288 1.362 .793 .784

1(19) 2.545 1.363 .711 .698

1(20) 2.310 1.340 .716 .704

1(21) 2.717 1.377 .702 .690

1(22) 1.780 1.216 .726 .716

1(23) 2.431 1.362 .636 .622

1(24) 2.111 1.284 .762 .752

1(25) 1.757 1.181 .692 .681

1(26) 1.730 1.084 .561 .547

1(27) 2.220 1.352 .651 .637

1(28) 1.899 1.245 .665 .653

1(29) 1.833 1.265 .704 .693

1(30) 2.542 1.431 .720 .707

1(31) 1.929 1.210 .646 .633

ITEM MEDIA DESVKJ CoAR:LAçiD CoAFlõLAçiD

PADRÃO ITEM-TOTAl. ITEM-TOTAl.

CORRIGIDO

1(32) 2.230 1.385 .785 .775

1(33) 2.262 1.322 .648 .634

1(34) 1.955 1.262 .735 .724

1(35) 1.590 1.051 .645 .634

1(36) 2.228 1.365 .680 .666

1(37) 1.738 1.192 .696 .685

1(38) 2.288 1.315 .676 .663

1(39) 2.241 1.352 .661 .647

1(40) 1.606 1.077 .617 .605

1(41) 1.640 1.160 .755 .746

1(42) 2.140 1.374 .726 .714

1(43) 1.963 1.329 .762 .751

1(44) 2.270 1.396 .762 .751

1(45) 2.169 1.298 .712 .701

1(46) 2.167 1.334 .765 .754

1(47) 1.728 1.130 .570 .556

1(48) 1.950 1.146 .658 .646

1(49) 2.193 1.290 .797 .788

1(50) 1.839 1.244 .696 .685

1(51) 2.233 1.309 .742 .732

1(52) 1.989 1.347 .785 .775

1(53) 2.405 1.447 .745 .733

1(54) 1.873 1.236 .671 .659

1(55) 2.402 1.366 .775 .765

1(56) 1.653 1.086 .567 .554

1(57) 2.246 1.305 .784 .775

1(58) 2.212 1.261 .711 .699

1(59) 2.556 1.327 .711 .699

1(60) 2.429 1.365 .696 .684

1(61) 2.053 1.445 .798 .788

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152 1. Pinto Gouveia, Carlos Ramalheira, Margarida Robalo,1. Costa Borges,J. Rocha Almeida

QUADRO 4. CARACTERlsTICAS DEMOGRÁFICAS (AMOSTRA FINAL)

HOMENS MULHERES TOTAL

N = 324 N = 143 N = 467

Média s Média s P<

Idade 38.80 10.96 31.25 8.40 0.001

Escolaridade 6.07 3.85 10.04 4.22 0.001

Classe Social HOMENS MULHERES TOTAL

11 14 1 15

111 12 49 61

IV 92 46 138

V 206 47 253

Estado Civil HOMENS MULHERES TOTAL

Solteiro 68 56 124

Casado 232 75 307

Div. / Outro 24 12 36

2. ESTUDO DE VALIDAÇÃO DA VERSÃOFINAL DO IECPA

2.1. Amostra e procedimentoOs dados foram obtidos com recurso a urna nova

amostra de 467 indivíduos, 334 dos quais oriundos dapopulação geral e 139 doentes alcoólicos internados.Vinte indivíduos (12 homens e 8 mulheres), que sedeclararam abstémios, foram excluídos. Característicasdemográficas gerais dos elementos desta amostra sãoapresentadas no Quadro 4. Da análise deste quadropode constatar-se que havia na amostra um predomínio

de homens e que estes diferiam das mulheres por teremurna idade média mais elevada e um menor númeromédio de anos de escolaridade. Quanto à classe social,ficou incluída uma maior proporção de indivíduos dosestratos sociais mais baixos.

Tal como anteriormente, o IECPA foi fornecidojuntamente com oQuestionário de Hábitos de Bebida,sendo este último preenchido através de urna entrevi sta.

Os critérios utilizados na caracterização dos padrões.de bebida foram os anteriormente descritos. O Quadro5 mostra a distribuição dos indivíduos em função dopadrão de bebida. A amostra ficou composta

QUADRO 5. FREQUÊNCIA ABSOLUTA DE PADRÕES DE BEBIDA E SEXOS NA AMOSTRA FINAL

PADRÃO DE BEBIDA

SEXO OCASIONAL MODERADO EXCESSIVO ALCOÓLICO TOTAIS

MASCULINO 12 45 143 123 323

FEMININO 69 61 4 10 144

TOTAIS 81 106 147 133 467

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Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do Álcool (IECPA)

principalmente por bebedores moderados, excessivose alcoólicos. A maioria (70%) dos bebedores ocasionais

e moderados eram do sexo feminino, enquanto umaesmagadora proporção dos bebedores excessivos ealcoólicos eram homens (95%).

2.2. Propriedades Psicométricas do IECPA2.2.1. Fidedignidade2.2.1.1. Consistência internaNo que respeita à consistência interna, o

inventário revelou ser um instrumento de medidaextremamente homogéneo: com efeito, o coeficiente

de correlação para duas metades(Split-hatf} foi de0.973, um coeficiente de Spearrnan-Brown igual a0.986, e o coeficiente alfa de Cronbach, igual a0.984, traduzem a elevadíssima consistência internado instrumento.

2.2.1.2. Estabilidade temporalA estabil idade temporal do inventário foi estudada

utilizando uma sub-amostra aleatória de 39 indivíduos(20 do sexo masculino e 19 do feminino). O intervaloentre as duas respostas ao inventário (teste-reteste), foisempre superior a um mês e inferior a dois meses. Oresultado obtido a que corresponde um coeficiente decorrelação de Spearman para a pontuação global iguala 0.764, evidencia que este instrumento permite aobtenção consistente de padrões de resposta ao longo

do tempo.

2.2.2. Análise factorial

Tendo em vista explicitar, classificando-as, asdiversas dimensões de expectativas ligadas ao consumode bebidas alcoólicas que ficaram representadas no

inventário, realizámos várias análises factoriais, sempreseguidas de rotações axiais ortogonais do tipovarimax.Procurou obter-se um conjunto diferenciado dedimensões de onde se pudessem extrair as maisimportantes, quer no que respeita às proporções devariância explicada, quer ainda porque fossem dotadasde maior coerência e compreensibilidade.

Verificámos que a solução factorial maissatisfatória, concordante com estes critérios, exigia aeliminação prévia da amostra dos bebedores ocasionais.Apesar de esta ter sido uma decisão discutível, pareceu--nos que a dificuldade em obter uma solução factorialaceitável e estável enquanto estes indivíduos fossemincluídos na análise, poderia traduzir o facto de o seu

153

limitado reportório de experiências de bebida não lhespermitir o endosso consistente de um padrão pessoal deexpectativas. Deve notar-se que os critérios deinclusãode um indivíduo neste grupo eram o uso descontínuo debebidas alcoólicas, em pequenas quantidades, mais deuma vez por ano e menos de uma vez por mês. Naprática, estes critérios implicam que os indivíduosdeste grupo praticamente não bebem.

A solução factorial final, obtida após a eliminaçãodos bebedores ocasionais, permitiu o isolamento de

seis factores com valores próprios (eigenvalues)superiores a 1. No seu conjunto explicam 62.62% davariância total. Os Quadros 6. a 11. ilustram os itemsque mais contribuem para a formação de cada factor(pesos superiores a 0.35):

Factor 1-Efeitos Globais Positivos e Facilitação dasInteracçôes Sociais. explica 15.01% davariância total, sendo composto por itemsque exprimem expectativas de o álcoolproduzir efeitos globais positivos efacilitação das interacções sociais (vd.Quadro 6);

Factor 2 - representa 10.47% da variância total,traduzindo uma dimensão de expectativasde efeitos de Activação e Prazer Sexual (vd.Quadro 7);

Factor 3 - explica 14.31% da variância total, sendo

constituído por items que traduzemexpectativas de Efeitos Positivos naActividade e Humor (vd. Quadro 8);

Factor 4 - ex.plica10.19% da variânciatotal, traduzindo

uma dimensão de expectativas de o álcoolpoder funcionar como Escape a Estados

Emocionais Negativos (vd. Quadro9);Factor 5 - representa 2.88% da variância total, eé

dominado apenas por dois items quetraduzem expectativas deDesinibiçãoSexual (vd. Quadro 10);

Factor 6 - explica 9.76% da variância total, sendo

composto por items que exprimemexpectativas de o álcool originar Diminuiçãode Sentimentos Negativos de Si Mesmo e daAnsiedade Avaliativa (vd. Quadro 11).

Tendo em vista a realização posterior de um estudo

analítico das associações entre padrão de bebida e asdimensões de expectativas agora descritas, foi

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154 J. Pinto Gouveia, Carlos Ramalheira, MargaridaRobalo, J. Costa Borges, J. Rocha Almeida

QUADRO 6. FACTOR 1 - EFEITOS GLOBAIS POSITIVOS EF ACILlTADOR DAS JNTERACÇÕES SOCIAIS

ITEM NA. ITEM PESO

19 Quando bebo é mais fácil dizer o que penso. .72151 Quando bebo exprimo com mais facilidade os meus sentimentos. .63155 Sinto-me menos tímido depois de ter bebido. .62338 Depois de beber faço confidências com mais facilidade. .61059 Quando bebo fico mais divertido e faço rir as pessoas. .59721 Falo com mais facilidade depois de beber. .55124 Após algumas bebidas faço amigos com mais facilidade. .52913 A bebida põe-me mais à vontade. .51415 Após algumas bebidas sinto-me mais à vontade com as pessoas. .51018 Beber torna-me mais corajoso. .50910 Quando bebo sinto-me mais confiante a exprimir as minhas emoções. .50957 Depois de beber fico mais optimista. .50860 Quando bebo preocupo-me menos com aquilo que os outros possam pensar. .50720 Tudo fica mais risonho quando bebo. .49250 Quando bebo confio mais nos outros. .491

49 O álcool facilita-me a comunicação com os outros. .48258 Após algumas bebidas converso mais facilmente com pessoas do outro sexo. .488

7 Sinto-me com mais iniciativa e confiança depois de beber. .471

12 Quando bebo deixo de ter medo das pessoas. .468

45 O álcool torna-me mais alegre e simpático. .453

32 Tudo me parece mais fácil quando bebo. .45243 Sinto-me mais senhor de mim quando bebo. .444

46 O álcool ajuda-me a sentir menos nervoso quando estou a conversar compessoas que conheço mal. .440

48 O álcool favorece a intimidade. .402

44 O álcool tira-me os medos. .400

QUADRO 7. FACTOR 2 - ACTIVAÇÃO E PRAZER SEXUAL

ITEM NA. ITEM PESO

56 O meu desejo sexual aumenta depois de beber. .73547 É mais fácil ter aventuras sexuais depois de ter bebido. .723

35 Sinto-me mais atraente sexualmente depois de ter bebido. .675

16 Tenho mais prazer sexual depois de ter bebido. .648

26 Sou mais carinhoso com a minha cornpanheira]o depois de ter bebido. .580

28 Depois de ter bebido tenho conversas sobre sexo com mais facilidade. .56458 Após algumas bebidas converso mais facimente com pessoas do outro sexo. .46641 Sinto-me mais hornernlrnulner depois de ter bebido. .427

48 O álcool favorece a intimidade. .428

54 Sou melhor aceite num grupo de amigos depois de beber. .414

40 A bebida torna-me mais humano. .406

37 Quando bebo aprecio melhor as coisas boas da vida. .330

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Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do Álcool (IECPA) 155

QUADRO 8. FACTOR 3 -EFEITOS POSITIVOS NA ACTIVIDADE E HUMOR

ITEMNA. ITEM PESO9 Depois de beber o trabalho rende-me mais. .76517 Sinto mais vontade de trabalhar depois de beber. .58237 Quando bebo aprecio melhor as coisas boas da vida. .57622 Depois de beber gosto mais de mim. .5477 Sinto-me com mais iniciativa e confiança depois de beber. .5304 Quando bebo sinto-me mais disponível para ajudar as pessoas. .52411 O tempo custa menos a passar depois de beber. .51852 Quando tenho que fazer muitas coisas ao mesmo tempo ajuda-ma beber um copo. .50654 Sou melhor aceite no grupo de amigos depois de beber. .49829 Quando bebo fico mais alerta. .49636 Uma bebida é uma boa companhia quando estou só. .46425 Quando bebo sinto que os outros me dão mais atenção. .44343 Sinto-me mais senhor de mim quando bebo. .43961 Um dia que me corre mal só se torna suportável quando bebo. .42340 A bebida torna-me mais humano. .42920 Tudo fica mais risonho quando bebo. .419

QUADRO 9. FACTOR 4 - ESCAPE A ESTADOS EMOCIONAIS NEGATIVOS

ITEMNA. ITEM PESO

30 O álcool faz-ma esquecer os desgostos. .66827 A bebida tira-me as preocupações. .64553 O álcool faz-me esquecer os problemas. .61933 Sinto menos a monotonia da vida quando bebo. .60631 O álcool torna-me mais tolerante para as pessoas de quem não gosto. .51723 O álcool descontrai·me fisicamente. .45449 O álcool facilita-me a comunicação com os outros. .44561 Um dia que me corre mal só se torna suportável quando bebo. .4392 Por vezes sinto-me tão desinteressado de tudo que tenho de beber. .410

32 Tudo me parece mais fácil quando bebo. .4095 O álcool inspira-me (solta-me as ideias). .407

QUADRO 10.FACTOR 5 - DESINIBIÇÃO SEXUAL.

ITEMNA. ITEM PESO

6 Depois de beber fico sexualmente mais desinibido. .44915 Após algumas bebidas sinto-me mais à vontade com as pessoas atraentes do

outro sexo. .4405 O álcool solta-me as ideias. .377

QUADRO 11.FACTOR 6 - DIMINUIÇÃO DE SENTIMENTOS NEGATIVOS DE SI MESMO E ANSIEDADE AVALlATIVA.

ITEMNR. ITEM PESO

3 Sinto-me menos sozinho depois de beber. .63539 Seber diminui os meus sentimentos de inferioridade e de incapacidade. .5922 Por vezes sinto-me tão desinteressado por tudo que tenho de beber. .54812 Quando bebo deixo de ter medo das pessoas. .51642 Quando bebo fico menos nervoso. .50043 Sinto-me mais senhor de mim quando bebo. .48534 Se não beber não me consigo sentir descontraído em situações sociais. .47761 Um dia 'lue me corre mal só se torna suportável depois de beber. .47444 O álcool tira-me os medos. .46046 O álcool ajuda-me a sentir menos nervoso quando estou a conversar com

pessoas que conheço mal. .439

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156 J. Pinto Gouveia, Carlos Ramalheira, MargaridaRobalo, J. Costa Borges,J. Rocha Almeida

computada para cada indivíduo, a sua pontuação nosseis factores. Para referência de todos aqueles quevenham a utilizar este inventário e de igual modo,

desejem calcular os factores, apresentam -se no Quadro12 os coeficientes que devem afectar cada item nadeterminação da pontuação individual em cada factor.

QUADRO 12. COEFICIENTES AFECTANDO CADA ITEM NO CÔMPUTO DOS ESCORES FACTORIAIS.

ITEM Factor 1 Factor 2 Factor 3 Factor 4 Factor 5 Factor 6

I( 1) -0.008 -0.048 0.004 -0.036 0.160 0.084

I( 2) -0.167 -0.019 -0021 0.077 0.035 0.227

I( 3) -0.128 -0.006 -0.065 -0.035 0.074 0.314

I( 4) -0.004 -0.064 0.111 -0.014 0.030 -0.003

I( 5) -0.048 -0.008 -0.021 0.106 0.244 -0.039

I( 6) -0.027 0.076 -0.059 0.054 0.306 -0.074

I( 7) 0.082 -0.046 0.106 -0.029 0.000 -0.095

I( 8) 0.021 -0.085 0.185 0.034 0.156 -0.200

I( 9) -0.093 -0.061 0.257 -0.082 0.082 -0.026

1(10) 0.093 -0.050 0.079 -0.100 -0.001 -0.002

1(11) -0.039 -0.089 0.103 0.005 0.116 0.030

1(12) 0.051 -0.037 0.005 -0.156 -0.011 0.188

1(13) 0.076 -0.084 0.066 -0.025 0.151 -0.057

1(14) -0.017 0.007 -0.078 0.069 0.072 0.072

1(15) 0.110 0.053 -0.029 -0.206 0.272 0.015

1(16) -0.073 0.200 0.036 -0.077 0.178 -0.080

1(17) -0.059 -0.054 0.244 -0.058 0.098 -0.088

1(18) 0.082 -0.089 0.096 -0.104 0.054 0.017

1(19) 0.259 -0.053 -0.034 -0.096 -0.018 -0.077

1(20) 0.110 -0.053 0.068 -0.005 0.058 -0.129

1(21) 0.121 -0.048 -0.055 -0.028 0.002 0.046

1(22) -0.036 -0.072 0.128 -0.036 0.075 0.030

1(23) -0.123 -0.037 -0.051 0.147 0.211 0.085

1(24) 0.144 0.041 0.040 -0.047 -0.035 -0.150

1(25) -0.089 0.063 0.054 -0.006 -0.002 0.049

1(26) -0.046 0.183 0.019 -0.019 -0.068 -0.057

1(27) -0.066 -0.033 -0.039 0.290 -0.030 -0.068

1(28) -0.021 0.172 -0.097 0.021 0.123 -0.031

1(29) -0.130 0.012 0.092 0.061 0.105 0.002

1(30) -0.077 -0.033 -0.035 0.289 0.025-0.070

1(31) -0.022 -0.064 0.024 0.194-0.095 -0.050

ITEM Factor 1 Factor 2 Factor 3 Factor 4 Factor 5 Factor 6

1(32) 0.047 -0.017 0.002 0.076 -0.007 -0.057

1(33) -0.028 -0.004 -0.083 0.265 0.095 -0.108

1(34) -0.043 -0.019 0.010 -0.039 -0.018 0,.166

1(35) -0.110 0.222 -0.024 -0.075 0.030 0.071

1(36) -0.052 -0.010 0.076 0.084 -0.180 0.015

1(37) -0.045 0.043 0.127 0.001 -0.183 -0.021

1(38) 0.205 -0.061 -0.007 0.061 -0.055 -0.182

1(39) -0.018 -0.029 -0.087 -0.048 -0038 0.273

1(40) -0.092 0.079 0.060 0.105 -0.149 -0.037

1(41) -0.078 0.059 0.114 -0.076 -0.054 0.059

1(42) -0.061 0.000 -0.001 -0.010 -0.139 0.195

1(43) 0.056 -0.019 0.042 -0.149 -0.174 0.168

1(44) -0.002 0.Q10 -0.041 -0.033 -0.003 0.139

1(45) 0.100 0.017 0.019 0.044-0.103 -0.118

1(46) 0.046 0.046 -0.042 -0.074 -0.126 0.130

1(47) 0.001 0.281 -0.136 -0.103 -0.074 0.067

1(48) 0.101 0.094 -0.016 0.070 -0.194 -0.152

1(49) 0.085 0.014 -0.001 0.105 -0.098 -0.128

1(50) 0.136 0.054 -0.033 0.014 -0.226 -0.0651

1(51) 0.170 -0.013 -0.081 -0.075 -0.036 0,044

1(52) -0.029 0.005 0.069 -0.020-0.159 0.086

1(53) -0.088 -0.040 -0.066 0.230 -0.022 0.067

1(54) -0.014 0.071 0.089 -0.031 -0.157 -0.020

1(55) 0.152 -0.003 -0.095 -0.038 -0.043 0.042

1(56) -0.055 0.274 -0.108 0.029 0.063 -0.071

1(57) 0.086 0.007 -0.032 0.062 0.004 -O.Ó78

1(58) 0.082 0.131 -0.160 -0.030 0.069 0.028

1(59) 0.168 -0.003 -0.064 -0.Q10 0.010 -0.068

1(60) 0.094 -0.003 -0.114 0.051 -0.095 0.060

1(61) -0.105 -0.048 0.029 0.084 -0.031 0.136

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Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do ÁlcoolCIECPA) 157

QUADRO 13. ANÃUSE DE FUNÇÃO DISCRIMINANTE MÚLTIPLA

(VARIÁVEL DEPENDENTE: PADRÃO DE BEBIDA (3 GRUPOS); VARIÁVEIS

INDEPENDENTES: IECPA TOTAL E FACTORES 1 A 6). N = 386

Var.lndep. F P

IECPA tot 149.49 0.000

F(1 ) 132.26 0.000

Provas F(2) 114.38 0.000

F(3) 49.56 0.000

Univariadas F(4) 64.89 0.000

F(5) 92.55 0.000

F(6) 193.04 0.000

Provas Wilk's Lambda = 0.424

F estatístico = 24.624

Multivariadas gl= (14,664)

p< 0.0005

2.2.3. Validade de constructoUma vez que o IECPA foi concebido tendo em

vista a avaliação de expectativas, pareceu-nosimportante clarificar a forma como essas expectativasse relacionam com hábitos de bebida. Nesse sentidoefectuámos uma análise de função discriminantemúltipla, em que se considerou como variável depen-dente o padrão de bebida, categorizado em três grupos(bebedores moderados, excessivos e alcoólicos). Osresultados obtidos (Quadro 13) mostram que tanto anota global (lECPA), como os diferentes factores,permitem predizer a um nível estatisticamente

significativo, os padrões individuais de bebida, i.é,apoiam a suposição segundo a qual as expectativas serelacionam, diferenciada e caracteristicamente, comdiversos padrões de ingestão de bebidas alcoólicas.

Paraconfirmarseosindivíduosqueendossamum maiornúmerodeexpectativaspositivasacercadosefeitosdoálcooltambémsãotambémosquebebemmais,realizámosdiversasanálisesde variância(ANOVAS)seguidasde testespost-hocpelométododeTukey,paralocalizaro sentidoeasdiferençasestatisticamente significativas entre os níveis médios deexpectativas nos três grupos de bebedores. Os resultados,apresentados no Quadro 14,mostram que o nível médio

QUADRO 14.IECPA - DIMENSÕES MEDIDAS: NlvEL MÉDIO DE EXPECTATIVAS POR PADRÃO DE BEBIDA (M,).ANOVAS SEGUIDAS DE TESTES POST-HOC PELO MÉTODO DE TUKEY.

M, M2 M3 M2 vs. M, M3 vs. Ml M3 vs. M2 Teste Global.

N, = 106 N2 = 147 N3 = 133 M2- M, P M3 - M, P M3 - M2 P F P

IECPA 185.18 197.40 271.19 12.22 * 86.01 *** 73.79 *** 179.20 ***

F(l) 14.67 16.86 31.23 2.19 ns 16.57 *** 14.37 *** 132.26 • • *

F(2) 38.12 42.28 69.08 4.16 ns 30.98 *** 26.80 *** 114.38 ***

F(3) 10.10 10.33 16.24 0.22 ns 6.14 *** 5.92 *** 49.56 ***

F(4) 5.96 6.50 10.77 0.54 ns 4.81 *** 4.27 *** 64.89 ***

F(5) 11.00 13.57 21.11 2.57 ** 10.11 *** 7.55 *** 92.55 ***

F(6) 14.15 16.69 32.27 2.54 * 18.12 *** 15.58 *** 233.76 ***

Legenda: Mn = Média aritmética no grupo n; M, = Bebedores Moderados; M2 = Beb. Excessivos; M3 = Alcoólicos;

ns = não significativo; * = p < 0.05; ** = P < 0.01; *** = P < 0.001.

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158 J. Pinto Gouveia, Carlos Ramalheira, Margarida Robalo,1. Costa Borges,1. Rocha.Almeida

QUADRO 15. IECPA - DIMENSÕES MEDIDAS: MÉDIAS E PONTOS DE CORTE.

MODERADOS - G1 EXCESSIVOS - G2 ALCOÓLICOS - G3

N1 = 106 N2 = 147 N3 = 133 PONTOS DE CORTE

M1 S M2 S M3 S G1 VS G2 G2 VS G3

IECPA 185.18 27.97 197.40 34.35 271.19 49.36 188.10 226.79F(5) 11.00 4.34 13.57 4.72 21.11 6.99 12.10 16.20F(6) 14.15 5.04 16.69 6.62 32.27 9.15 14.63 23.21

MODER. + EXCESS. ALCOÓLICOS

M(1.2) S M3 S PONTOS DE CORTE

F(1) 16.10 5.86 31.23 11.12 21.46F(2) 40.83 15.05 69.08 19.14 52.91F(3) 10.25 3.93 16.24 6.97 11.73F(4) 6.31 2.52 10.77 4.60 7.50

Legenda: Ponto de Corte GaGb. sendo Gb > Ga = ((Mb - Sb) + (Ma + sJ) /2

de expectativas é sempre mais elevado nos grupos commaior ingestão de bebidas alcoólicas (todas as diferençasentre médias têm o mesmo sinal, ou seja, ocorrem nomesmo sentido).

Noentanto,emboratantoanotatotaldolECPA bemcomo todos os factores isolados se mostrem bonsdiferenciadores entre os níveis médios de expectativasdos alcoólicos e dos bebedores moderados e excessivos,apenas o IECPA total e os factores 5 e 6 (desinibiçãosexual por um lado, e diminuição de sentimentosnegativos de si mesmo e da ansiedade avaliativa poroutro), revelaram boa capacidade para distinguir, deforma estatisticamente significativa, entre todos osgrupos de bebedores.

No Quadro 15 pode de novo constatar-se que emtodas as contingências, a um nível médio de expectativasmais elevado, corresponde sempre uma mai or ingestãode álcool. Apresentam -se ainda para os casos em que asdiferenças individuais foram estatisticamentesignificativas, além de médias de grupo e desviospadrão, os pontos de corte que permitem classificar opadrão individual de bebida com base nos níveis deexpectativas apurados com o IECP A.

3. UTILIDADE CLÍNICA E EPIDEMIOLÓGICA

No Quadro 16 ilustra-se a título de exemplo, urnautilização possível dos pontos de corte anteriormente

QUADRO 16.VALIDADE PREDITIVA. CLASSIFICAÇÃO CRUZADA: CLlNICA

(SER OU NÃO ALCOÓLICO) VERSUS IECPA (ALTAS OU BAIXAS EXPECTATIVAS, I.É,

ACIMA OU ABAIXO DO PONTO DE CORTE, RESPECTIVAMENTE + E-)

Prova (IECPA)

+ (Elevado) - (Baixo)

Alcoólico n11 n12 n1iClínica

Não Alcoól. n21 n22 n2i

ni1 ni2 nil

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Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do Álcool (IECPA) 159

QUADRO 17.VALIDADE PREDITIVA. CLASSIFICAÇÃO CRUZADA: CLlNICA (SER OU NÃO ALCOÓLICO) VERSUS

IECPA (ALTAS OU BAIXAS EXPECTATIVAS). 331 < n, < 386.

Acordo Real

Dimensão / Po Po - p, Máx. kappa Odds Ratio Prev.2 categ. (o) (s.e.) ReI.

IECPA Tot 0.83 0.29 0.46 0.64 22.60 6.30 34.46

F(1) 0.82 0.30 0.48 0.63 20.00 5.78 40.18

F(2) 0.78 0.26 0.49 0.54 11.86 3.18 40.18

F(3) 0.73 0.21 0.48 0.44 6.96 1.74 40.18

F(4) 0.73 0.21 0.49 0.44 6.82 1.70 40.18

F(5) 0.78 0.26 0.48 0.54 11.42 3.04 40.18

F(6) 0.88 0.33 0.45 0.73 44.05 13.74 34.46

Legenda: Po = concordância global observada; Pc = concordância atribuível ao acaso;Po - p, = concordância real; Máx. = concordância real máxima;kappa = coeI. kappa de Cohen; Odds Ratio / (o) = razão dos produtos cruzados (Odds Ratio);(s.e.) = erro padrão de (o); Prev. ReI. = frequência relativa de alcoólicos (%).

apresentados. Eles permitem de forma rápida fazeruma previsão sobre uma característica (no caso presentepertença a um, de entre dois, padrões de bebidaindividuais), tendo em conta uma outra variávelfacilmente disponível, que funciona como provadiagnóstica (no nosso caso o nível de expectativasendossado, acima ou abaixo do ponto de corte). Foi oque fizemos, pois estávamos interessados em avaliarde forma mais palpável, qual o desempenho previsíveldesta escala no rastreio de alcoólicos. A proporção decasos nas casas nll e n22, ou seja nll + n22 / n

ii, indica

concordância na classificação. Os casos incluídos nascasas n

l2e n

21os malclassificados.

O Quadro 17 apresenta os resultados deprocedimentos como os que se acabam de descrever.Com efeito tanto a nota global (IECPA), como osdiferentes factores (F(l) a F(6)), permitiram aclassificação correcta (veja-se coluna po) de entre 73 e88% dos indivíduos da nossa amostra. A colunaintitulada odds ratio indica que o melhor discriminador,o factor 6, apresenta um valor de 44, o que significa quena nossa amostra, um valor elevado na característicaque aquele factor mede (existência de expectativasligadas à diminuição de sentimentos negativos de simesmo e da ansiedade avaliativay;ésusceptível de serencontrado 44 vezes mais num alcoólico do que numnão alcoólico. No que respeita a valores acima do pontode corte nas expectativas totais e no factor 1, pode-sedizer que há cerca de 20 vezes mais possibilidades de

estas características se encontrarem elevadas (acimado ponto de corte) em alcoólicos, do que em nãoalcoólicos.

No último quadro (Quadro 18) pretendeexemplificar-se o modo como este instrumento sedeverá comportar em estudos em que sejam utilizadosos limiares que acabamos de descrever, ou seja, usadocomo prova visando a classificação, triagem, ourastreio,de alcoólicos. No referido quadro, que sintetiza osresultados obtidos mediante a aplicação da escala nanossa amostra, e em quetodos os valores representampercentagens, as colunas traduzem respectivamente, asensibilidade(Sn), isto éa proporção de todos os casosde alcoolismo correctamente diagnosticados, que chegaa atingir, nqcaso do sexto factor 83%, a especificidade(terceira coluna -Sp) , ou seja, a proporção dos nãoalcoólicos correctamente identificada, que para o mesmofactor, apresenta um valor de 90%. Nas colunasseguintes podem consultar-se, respectivamente, ascorrespondentes taxas de falsos positivos e de falsosnegativos (Tf+ e Tf-), bem como os valores preditivosde um resultado positivo ou negativo obtidos por estemétodo (Vp+ e Vp-). Sendo impossível uma análisedetalhada, chama-se a atenção para a homogeneidadedos valores obtidos. Apenas a título de exemplo, recorre-se de novo ao factor 6 para ilustração: os valorespreditivos para resultados positivos e negativos que lhecorrespondem mostram que quem tiver um valornegativo neste factor, ou seja, um baixo nível deste tipo

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160 J. Pinto Gouveia, Carlos Ramalheira, Margarida Robalo,1. Costa Borges,1. Rocha Almeida

QUADRO 18. VALOR DIAGNÓSTICO. CLASSIFICAÇÃO CRUZADA: CLfNICA (SER OU NÃO ALCOÓLICO) VERSUS

IECPA (ALTAS OU BAIXAS EXPECTATIVAS, RESPECTIVAMENTE + OU o).n, SEMPRE SUPERIOR A 331; n,j / n, entre 34.46 e 40.18%.

Dimensão: S. s, TI+ TI- Vp+ v,2 cat., + e - Sensib. Espec.

IECPA Tot 78.95 85.77 25.53 11.43 74.47 88.57

F(1 ) 76.69 85.86 21.54 15.42 78.46 84.58

F(2) 76.69 78.28 29.66 16.67 70.34 83.33

F(3) 68.42 76.26 34.06 21.76 65.94 78.24

F(4) 69.17 75.25 34.75 21.58 65.25 78.42

F(5) 73.68 80.30 28.47 18.04 71.53 81.96

F(6) 83.46 89.72 18.98 8.84 81.02 91.16

Vp+ Vp.

Pr=15 Pr=15

49.5 95.9

48.9 95.4

38.4 95.0

33.7 93.2

33.0 93.3

39.8 94.5

58.9 96.9

Legenda: Sn= Sensibilidade; Sp= Especificidade; Tf+= Taxa de falsos positivos (%); Tf-= Taxa de falsos negativos (%);Vp+= valor predictivo de uma prova positiva (%); Vp-= valor predictivo de uma prova negativa (%);vp- (Pr=15) = v. pred., teórico, de uma prova positiva, para n,; / n;;= 15%;Vp- (Pr=15) = v. pred., teórico, de uma prova negativa, para n,; / n;;= 15%;

de expectativa, tem 9 em 10 possibilidades de não seralcoólico e que, quem tiver um alto valor (acima dolimiar), tem 8 hipóteses contra 10 de o ser. Claro quetodos estes valores estão dependentes quer doinstrumento, quer da proporção de alcoólicos naamostra (no nosso caso, nos diferentes quadros, osci louentre 34.46 e 40.18%) mas, como se exemplifica nasduas últimas colunas do mesmo quadro, podemfacilmente calcular-se valores esperadoscorrespondentes aos descritos, para populações comdiferentes prevalências de alcoolismo. A título deexemplo podem observar-se, nas colunas referidas,estimativas para os valores preditivos positivo enegativo que se obteriam utilizando o mesmo pontode corte, numa população comparávelà da nossaamostra, mas com uma prevalência de alcoolismo de15%. Logicamente, desde que se possua umaestimativa da frequência relativa da condição a isolar,pode-se conhecendo as características do teste emanipulando adequadamente o ponto de corte, adeq uarmelhor o instrumento à finalidade pretendida.

4. CONCLUSÃO

Na sua versão final, oInventário de Expectativase Crenças Pessoais Acerca doÁ lcoolrevela possuir boascaracterísticas de fidedignidade e validade. Além disso,o seu preenchimentoéfácil e rápido, não tendo os itemsque o compõem suscitado reservas ou dificuldades

particulares, nomeadamente no que diz respeito à suacompreensibilidade. Contudo, já no que se refere aotipo de expectativas que permaneceram representadasna versão final impõe-se um comentário. Nenhum dositems traduzindo expectativas de efeitos negativos ouaversivos preencheu as condições pré-estabelecidaspara permanecer na versão definitiva do inventário.Embora teoricamente fosse de esperar que indivíduoscom diferentes padrões de bebida se diferenciassemnão só pelas expectativas de efeitos positivos do álcool,mas também pelas suas expectativas em relação aosefeitos negativos, os resultados encontrados no nossoestudo estão de acordo com os obtidos por Southwickc cal. (1981), que não encontraram diferenças entre asexpectativas dos bebedores ligeiros epesados em relação

à antecipação de efeitos de perturbação nocomportamento. Também Rohsenow (1983), numestudo realizado em estudantes com padrões de bebidaleve, moderado e pesado, verificou que os bebedoresmoderados e pesados não se diferenciavam dosbebedores leves nas suas expectativas de prejuízocognitivo e motor, ou irresponsabilidade, originadospelo álcool. Este autor conclui que "não é a antecipaçãodas consequências aversivas do beber, de per si, queleva algumas pessoas a escolherem beber pouco, masmais a expectativa de que haverá relativamente poucasconsequênciaspositivas do beber para si mesmas"(Rohsenow, 1983). No nosso estudo, cremos não ser dedesprezar a forte influência dos aspectos culturais,

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Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do Álcool (IECPA)

modelando sobretudo expectativas ligadas a efeitospositivos, que assim tendem a sobressair. Este aspectorevelou-se logo na fase de formulação dosítems, poisfoi muito difícil obter conjuntos equilibrados deproposições ligadas a efeitos positivose.negativos,quer no que respeita ao seu número, quer no que serelaciona com variedade de efeitos descritos. Por outrolado, a amostra queutilizámos nos passos iniciais deaferição da escala era dominada por indivíduos com umcontacto apenas episódico ou moderado, com bebidasalcoólicas, sendo de prever o menor endosso deexpectativas, que possivelmente, estão maisdependentes de experiências pessoais extremas ligadasa imoderação, do que de factores culturais.

Os resultados obtidos, embora resultando da suaaplicação sobre a amostra original, sugerem fortementea sua utilidade na discriminação de indivíduos comdiferentes padrões de bebida, pois verifica-seconsistentemente que aqueles que mais bebemendossam significativamente mais expectativaspositivas acerca dos efeitos do álcool. Por outro lado, oestudo factorial permitiu a identificação de seisdimensões subjacentes, que por seu turno, tambémrevelam boa capacidade diferenciadora de alcoólicos eindivíduos com padrões de bebida moderada ouexcessiva. No entanto, apenas a nota total do IECPA eas pontuações nos factores 5 e 6, que traduzemrespectivamente dimensões de expectativasrelacionadas com desinibição sexual, diminuição desentimentos negativos de si mesmo, e ansiedadeavaliativa, mostraram significativa aptidão paradiscriminar bebedores moderados de excessi vos. Estesdados mostram que embora de uma forma geral existaum progressivo aumento de expectativas positivasacerca do efeito do álcoolà medida que o padrão deingestão de bebidas alcoólicas se toma mais pesado, os

alcoólicos se afastam claramente dos outros grupos emtodas as dimensões de expectativas.

No seu conjunto estes resultados estão de acordocom os obtidos por outros autores que utilizaram oAlcohol Expectancy Questionnaire de Brown ecolaboradores (1980), para avaliação das expectativasem relação ao efeito do álcool (Brown, Goldman, Inne Anderson, 1980; Brown, Goldman, e Christiansen,1985; Connors, O'Farrel, Cutter e Thompson, 1986),sugerindo que o IECP Aé um instrumento adequadopara a avaliação das expectativas em relação aos efeitosdo álcool e que o seu uso poderá revelar-se útil emvários contextos. Em primeiro lugar, no contexto daprática clínica com alcoólicos ou bebedores problema,pois permite operacionalizar uma variável, que

161

consensualmente, se considera influenciar a decisão debeber e o comportamento sob efeito do álcool. Nestecontexto, a sua utilização como complemento daentrevista clínica pode ajudar a identificar asexpectativas e crenças positivas acerca do efeito doálcool, especificamente envolvidas em dado casoclínico, possibilitando o desenvolvimento e aplicaçãocriteriosa de programas terapêuticos maispersonalizados, bem como a monitorização dosprogressos obtidos com o tratamento. Este aspectopoderá ser especialmente importante em relação àprevenção da recaída. Na verdade a crença de que aingestão de álcool é uma forma eficaz de lidar com aspróprias emoções negativas, e de facilitar umcomportamento social mais auto-afirmativo, poderáconduzir o alcoólico abstinente a utilizá-lo nessassituações. Por outro lado,é de esperar que essascrenças se tomem mais salientes em situações de altorisco para a recaída, como por exemplo, todas aquelascom que no passado o alcoólico lidava recorrendoàbebida. Esta relação entre expectativas e recaídaséapoiada pelos resultados obtidos por Brown (1985),que num estudo de 12meses de seguimento de alcoólicostratados, apurou que a pontuação global no questionáriode expectativas acerca do efeito do álcool (AEQ), eraum preditor significativo (quando comparado comoutras variáveis como história de bebida, apoio sociale stress) da abstinência durante o ano a seguir aotratamento, assim como da participação nas consultasde seguimento ou nos encontros dos alcoólicosanónimos.

Finalmente, cremos que os dados que apresentámosmostram a pertinência da utilização do IECPA nocontexto dos cuidados de saúde primários, e emcontextos epidemiológicos mais latos, como o do estudodos determinantes causais da aquisição e/ou manutençãode hábitos de bebida, disfuncionais ounão. Com efeito,este instrumento revela possuir capacidades métricasadequadas ao uso no rastreio de alcoólicos, empopulações em que bebidas alcoólicas sejamregularmente utilizadas, e no campo da prevençãoprimária, ao possibilitar a caracterização de gruposcom diferentes padrões cognitivos, na detecção precocede não alcoólicos com um elevado risco de o virem aser, ou seja, no contexto mais geral da definição degrupos de risco.

AGRADECIMENTO

Os autores do presente trabalho desejam expressaro seu reconhecimento a todos os funcionários dos

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162 J. Pinto Gouveia, CarlosRamalheira, Margarida Robalo,1. Costa Borges,1. Rocha Alm.eida

Serviços Municipàlizados de CoimbraedosHospitaisda Universidade de Coimbra que se prontificaram acolaborar nesta investigação.

assistenciais oude investigação, porquaisquerprofissionaisinteressados. De igual modo, podem fornecer sob pedidoexemplares completos da escala, bem como um programacomputorizado para cotação. Os contactos devem serfeitos com: Professor Dr. José Pinto Gouveia, Dr. CarlosRamalheira,ouDr.'MargaridaRobalo(OfuicaPsiquiátricados Hospitais da Universidade de Coimbra, Apartado9001,3000 Coimbra, Portugal).

INFORMAÇÃO

Mediante pedido formulao.. por escrito. os autoresautorizam a utilização doIECPA para fins preventivos,

Summary

In this work the authors present the constructionand validation procedures performed to develop lheAlcohol Personal Beliefs and Expectancies Inventory (Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca doÁlcool (IECPA)), a new psychometric instrument designed to evaluate personal expectancies abouteffectsfollowing moderate intakeof alcoholic drinks, which arefrequently refered toin the literature as a maincognitivemediator of alchool use andof inioxicated behaviour. This is a 61 item Likert-type scale, which allows thecompuiation of a global scoreand ofscores on sixfactors representing underlying dimensionsisolated inafactoranalysis followed by a varimax axial rotation. The scale revealed very good psychometric properties, namely atest-retest correlation coeficient of0.764, and a Cronbachalpha of 0.984. In the construction and validationprocesses two samples were used, with respectively350 and 467 individuais, takenfrom the generalpopulation,

and also from the administrative and technicalstaffs of the University Hospital of Coimbra, and ofthe CoimbraCity Council Services Department. The characteristics of the inventory, which are fully described, allow theauthors to conclude that ir will be useful, not only on a clinical level, but also in the monitorization of treatmentprograms, or in the area of relapse prevention, in research prog rams on drinking behaviours andpauerns, andin the definition and detection of high risk groups for alcohol abuse and dependence.

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Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do Álcool(IECPA) 163

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Psiquiatria Clínica,14, (3), pp. 165-169, 1993

Estrutura Factorial e Estabilidade do Inventário do Tipo Circadiano

PORM. HELENAP.DEAZEVEDO(l),CARLOSFERNANDESDASILVACZ),VANDAM. OLIVEIRACLEMENTEC), ANA MARIA FERREIRAe), ISABEL COELHOCS)

Resumo

A tradução portuguesa do Inventário do Tipo Circadiano desenvolvido por Folkard (1987)foi administradaa uma população de estudantes, de ambos os sexos, do terceiro ano de Medicina (média de idades= 2] anos).A análisefactorial do ITC revelou dois factores significativos, o Factor7 "Flexibilidade-Rigidez" dos hábitosde sono, e o Factor 2 "Moleza- Vigor" da capacidade para vencer a sonolência. Os resultados obtidos mostramque o questionário possui uma excelentefidedignidade teste-reteste para ambos osfactores e cada um dos itensque o compõem.

Sumarry

The portuguese version of the CircadianType Questionaire (Folkard, ]987), was administered to apopulation of200 third year medica Istudents, of botn sexes, mean age2] years. Afactor analysis revealed twomainfactors, Factor] "Flexibility-Rigidity" of sleeping habbits, and Factor 2 "Languidiness- Vigorousness"inability to overcome drowsiness.[Iwas shown that the questionnaire has an excellent retest reliability for bothfactors and individual items.

INTRODUÇÃO em 4 grupos: (a) os que se deitam tarde e levantamcedo; (b) os que se deitam cedo e levantam tarde; (c) osque se deitam cedo e levantam cedo; e (d) os que sedeitam tarde e levantam tarde. O mesmo autor explicoua existência destas 4 classes com base (1) napredominancia de uma ou outra das divisões do sistemanervoso visceral e (2) em certas influencias endócrinas.

A tipologia de Sheldon (1942), relativa àinterdependência entre a estrutura corporal e o

Desde há muito se notou existirem diferençasindividuais em vários parâmetros dos ritmoscircadianos. Assim, no principio deste século, Lay(1912) referiu o facto de que certas pessoas aprendiammelhor de manhã e outras aprendiam melhor à noite.Vinte anos mais tarde, Léopold-Levi (1932) propôs ummodelo descritivo em que classificava a humanidade

(1) Proféssora Catedrática de Psicologia Médica da F.M.C.(Z) Assistente de Terapia do Comportamento, F.P.C.E.C.(3) Psicóloga Clínica, Consulta dos Distúrbio do Sono, HUC.(4) Assistente Convidada de Psicologia Médica da F.M.C.

(5) Assistente Convidada de Psiquiatria da F.M.C.

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166 M. Helena P. de Azevedo, Carlos Fernandes da Silva, Vanda M. Oliveira Clemente,Ana Maria Ferreira, Isabel Coelho

temperamento, por seu turno, pareceu ao autor estarrelacionada com os horários de deitar e de levantar.Sheldon caracterizou três tipos teóricos com base napredominância relativa das estruturas viscerais (tipoviscerotónico), nervosas (tipo cerebrotónico) e osteo-musculares (tipo somatotónico ou atlético), a quecorrespondem tipos característicos de temperamento.A maioria dos individuos revelam uma mistura detemperamentos, com um ou mais predominando.Segundo Sheldon, o viscerotónico, representado pelorapaz gordo dosPickwick Papers, gosta de dormir,dorme bem e o sono apresenta wna longa duraçãoespontânea, preferindo deitar-se cedo e levantar-setarde. O tipo cerebrotónico, de aspecto "esguio eesfomeado", é um mau dormidor, está mais alerta ànoite, odeia ir para a cama assim como levantar-se, e éfrequentemente pouco eficiente nas horas mais precocesdo dia. O tipo somatotónico ou atlético necessita depouco sono, gosta de se levantar cedo e sente-se bem demanhã.

No que diz respeito à "amplitude", as diferençasindividuais poderão dever-se a diferenças de robustezdos osciladores. Este facto permitiria avaliar o grau depersistência do ritmo circadiano em condições nãousuais a partir das diferenças na amplitude se não fosseo facto de as diferenças individuais naamplítude tambémpoderem ser devidasàinteracção entre o oscilador e umritmo "aberto" particular (Kerkoff, 1985). Porém,relativamente às diferenças individuais de fase acaracterização já émais consistente. Com efeito, podemser caracterizadas em termos de "madrugadores" (M) e"notívagos" (N), diferenças que parecem estarassociadas a diferenças noutros parâmetros de algunsritmos circadianos (Kerkoff, 1985).

No que diz respeito ao ritmo de sono-vigília, os

indivíduos tipo-M apresentam urna menor variabilidadeno horário de acordar que os indivíduos tipo-N, dondea menor flexibilidade dos primei tos (tipo- M), podendopor isso terem mais problemas com a variação doshorários de sono (Kerkoff, 1985).

Com jovens estudantes de enfermagem submetidas,no período de aprendizagem, a turnos que obrigavama wna deslocação temporal de 10 horas no período desono, efectuámos um estudo em que, entre outrascoisas, procurámos avaliar a relação entre a hora do diaem que subjectivamente sentiam mais "energia" e aqualidade do sono diurno. Os indivíduos que sentiammais "energia" de manhã foram também os que maisfrequentemente apreciavam o sono diurno como

perturbado (Azevedo, M.H. e col., 1987). Por outrolado, com base na experiencia clínica adquirida cominsones e investigação nesta área (Azevedo, 1980), énossa convicção de que diferenças individuaisrespeitantes ao comportamento de sono-vigília, podemconstituir wn factor importante na adaptação ao trabalhocontinuo por turnos. O aparecimento recente doInventário doTipo Circadiano desenvolvido por Folkard(1987), tomou possivel a avaliação objectiva de algumasdessas caracteristicas, donde o nosso interesse emadaptá-lo à língua portuguesa.

METODOLOGIA

O Inventário do Tipo CircadianoO Inventário do Tipo Circadiano (1987)é

constituido por 30 itens que dizem respeito aos hábitosdiários e preferencias de uma pessoa. Uma análisefactorial da versão original inglesa (Folkard, 1987)revelou a existencia de dois factores, Factor 1 «Moleza-Vigor» (capacidade para vencer a sonolência) e Factor2 «Flexibilidade-Rigidez» dos horários do sono. Paracada wna das questões que compõem o questionário há3 alternativas de resposta: Habitualmente, Algumasvezes e Raramente, cotadas respectivamente como 2, 1eO. Como são 15as questões que contribuem para cadafactor, as cotações de cada um deles podem variar deOa 30. Em ambos os factores, cotações altas indicamwna tendencia no sentido do primeiro dos dois rótulosque descrevem a dimensão, ou seja, tipos moles outipos flexiveis.

O questionário, gentilmente cedido pelo autor, foitraduzido para a língua portuguesa por um de nós(M.H.P .A.), depois foi comparado com umaretroversãofeita por tradutor profissional, e revisto por professor

bilingue.

AmostraNas aulas práticas da disciplina de Psicologia

Médica da Faculdade de Medicina de Coimbra, osalunos foram solicitados a responder à versão portuguesado ITC, pedido que nenhum recusou.À excepção dospoucos estudantes estrangeiros, não se registaramdificuldades de resposta. Depois de eliminados aqueles,a amostra ficou constituida por 200 estudantes, 93 dosexo masculino e 107 do sexo feminino, todos solteirose com idades compreendidas entre os 19 e os 49 anos(Média= 21.6; D.P= 3.338). Não há diferençassignificativas entre os sexos, relativamente às médias

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Estrutura Factorial e Estabilidade do Inventário do Tipo Circadiano

das idades (t = l.91; p = .056).

Análise EstatísticaDeterminaram -se médias, desvios-padrão, matrizes

de correlações momento-produto de Pearson, análisefactorial e testes t. Para o efeito, utilizou-se o programaStatView-512 e um microcomputador Macintosh.

RESULTADOS

Estrutura Factorial do ITeA análise factorial dos30 itens do ITC, do tipo

varimax, com rotação ortogonal dos componentesprincipais e para raízes latentes(eigenvalues) iguais ousuperiores a 1, revelou dois factores significativos, queexplicam 22,9% da variância total, explicando oprimeiro factor 12,7% e o segundo 10,2% (Quadrosr eII).

A matriz factorial revela ainda que os itens 9,10,

11,20,23 e 26 têm pesostloadings ) negativos.

Quadro I - Factor 1: Flexibilidade / Rigidez

2- Fácil vencer a sonolência se tiver algumacoisa para fazer (.360)

3-Pensa ser fácil adormecer quando quer (.393)

4- Passa uma noite sem dormir semdificuldade (.652)

6-Pensa ser tão fácil trabalharà noite comode dia (.704)

11- Se cansado dificuldade manter-seacordado se necessário (-.337)

12-Gosta de trabalhar a horas fora do normalou de noite (.696)

15-Consegue manter-se acordado até tarde s/cansaço (.607)

17-É tão fácil trabalhar até tarde da noitecomo de manhã (.412)

21- Não tem preferência por hora de dei tar (.577)

22- Passa e/poucas horas de sono vários diasseguidos s/dificuldade (.621)

23- Bastante difícil vencer o cansaço mesmoem situação estimulante (-.342)

24- Sentir-se-ia tão bem a fazer algumacoisa a meio da noite ou de dia (.693)

27-Faz noitadas se tiver que se levantar cedona manhã seguinte (.545)

Variância total explicada =12,7%

Quadro 11. Factor 2: Moleza/Vigor

167

(.595)l-Necessita de dormir mais que os outros

5-Difícil acordar se acordado a horadiferente da habitual

7-Fácil dormir de manhã se se deitar tardena noite anterior

8-Se se deitar tarde necessita dormir namanhã seguinte

9-Fácil manter-se acordado em situaçõesaborrecidas

lO-Geralmente não tem a noção das horas

13-Sonolência matinal

l-t-Lcvanta-se mais tarde que o costumeem férias ou fins-semana

16-A hora do dia tem influência nadisposição e capacidades

18-Se levantar muito cedo tem tendênciaa sentir-se muito cansado

19-Dormila se ouve ou vê programaaborrecido

20-Fácil adormecer mais cedo p/ recuperaro sono perdido

2S-Necessi ta despertador ou de alguémpara acordar de manhã

26-Aclormece depressa se deita cedo

28-Necessita café p/ acordar completamentedepois ter dormido

29-Evitaria certas alturas do dia p/ fazercertos trabalhos caso pudesse

30-Se pudesse esperaria cerca meia horapara tomar pequeno almoço

(.305)

(.602)

(.624)

(-.313)

(-.148)

(.612)

(.370)

(.383)

(.599)

(.470)

(-.381)

(.593)

(.299)

(.347)

(.297)

Variância total explicada =10,2%

(.222)

Uma análise dos itens que compõem os factoresque encontrámos, verifica-se que o nosso Factor 1contem quase todos os itens do Factor 2 da versãooriginal inglesa pelo que foi designado "Flexibilidade-Rigidez", o mesmo acontecendo comO Factor 2designado "Moleza- Vigor".

Para uma coincidência completa, os itens 7, 9, 20c 26 do Factor 2 deveriam estar no Factor 1, e os itens11 e 23 do Factor 1 deveriam estar no Factor 2.Entretanto, como todos os itens,à excepção do 7, têm

pesos negativos, esta estrutura factorial correspondeàobtida por Folkard (1987).

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168 M. Helena P. de Azevedo, Carlos Fernandes da Silva, Vanda M. Oliveira Clemente,Ana Maria Ferreira, Isabel Coelho

Estabilidade TemporalPara se estudar a estabilidade temporal,

responderam novamente ao ITC 136 estudantes passadopelo menos um mês do primeiro teste. Os valores dascorrelação de Pearson (r) teste-reteste mostram-se noQuadro ID.No que diz respeito aos factores os resultadosforam para o Factor 1 (r=.561; p< .(01) e para o Factor2 (r=.470; p< .(01). A média dos coeficientes decorrelação foi de .461 (p< .(01). Estes resultados sãoreveladores de uma excelente estabilidade temporal,tanto para os itens como para os dois factores,apresentando ambos correlações altamentesignificativos.

Quadro lU - Teste-Reteste entre os itens do ITC

ITEM r ITEM r

1 .574*** 16 .441 ***

2 .468*** 17 .410***

3 .525*** 18 .569***

4 .537*** 19 .648***

5 .247** 20 .470***

6 .565*** 21 .297***

7 .424*** 22 .716***

8 .477*** 23 .293***

9 .495*** 24 .611 ***

10 .422*** 25 .621 ***

11 .332*** 26 .607***

12 .579*** 27 .545***

13 .443*** 28 .606***

14 .587*** 29 .324***

15 .406*** 30 .559***

** p< .01 *** p< .001

Diferenças Sexuais relativamente aos FactoresdoITC

A fim de se comparar os indivíduos do sexofeminino com os do sexo masculino, determinaram-seas médias e os desvios-padrão nos dois factores, com os200 elementos da amostra (Quadro IV). Não seencontraram diferenças significativas entre os sexos noque diz respeito às cotações obtidas no factor 1(t=1.565; p =.12) e no factor 2 (t= -1.346; P= 18) o queconstitui um resultado significativo dado que itenssensíveis a diferenças entre sexos distorcem o valor dainformação em instrumentos psicométricos que sepretendem de aplicação a ambos os sexos (Vaz Serra,1988).

Quadro IV - Médias dos Factores por sexos

HomensMédia±D.P.

MulheresMédia±D.P.

.ImalMédia±D.P.

FIF2

12.23±4.2117.01±4.26

11.75±4.0617.44±4.17

11.33±3.9017.80±4.07

Distribuição dos estudantes quantoàdimensão"Flexibilidade-Rigidez"

A partir da média e do desvio-padrão no Factor 1,respectivamente 11.75 e 4.06, foram defmidos doispontos de corte: média menos 1desvio-padrão e médiamais 1 desvio-padrão, nesta amostra 7.69 e 15.81.Foram assim definidos três grupos: (1) Indivíduos«tipo-rígido», com valores no Factor 1 inferiores a7.69; (2) Indivíduos «tipo-intermédio», com valores noFactor 1 entre 7.69 e 15.81; (3) Indivíduos «tipo-flexível», com valores no Factor 1 superiores a 15.81.

Determinado o número dos indivíduos da amostraem cada grupo verificou-se que 30 (15%) são do tiporígido, 116 (58%) são do tipo intermédio e 54 (27%)são do tipo flexível. As percentagens revelam que adistribuição dos valores do factor 1 na amostra épraticamente normal (gaussiana).

CONCLUSÕES

A Análise Factorial efectuada com os 30 itensdo ITC(tradução portuguesa), permitiram aobtenção de2factoressignificativos, cuja estruturafactorial global coincide coma versão original. Na versão ponuguesa o Factor 1,denominado "Flexibilidade/Rigidez", é constituído pelositens 2, 3,4,6, 11, 12, 15, 17,fl, 22, 23, 24e 27, sendo ositens 11 e 23 cotados inversamente. O Factor 2, com adesignação "Moleza / Vigor", é constituído pelos itens 1,5,7,8,9, 10, 13, 14, 16, 18, 19,20,25,26,28,29 e"3D,sendo os ilens 9, 10, 20 e')fj cotados inversamente.

A cotação total de cada um dos factores édeterminada somando as cotações de cada um dos itensque integra o respectivo factor. No Factor 1, quantomaior fôr a cotação, maior é a flexibilidade. No Factor2, quanto maior fôr a cotação, maior é a moleza.

Não seencontraram diferenças significati vas entreos sexos quanto aos factores do II'C, o que constitui umresultado importante dado que itens sensíveis adiferenças entre sexos distorcem o valor da informaçãoem instrumentos psicométricos que se pretendem deaplicação a ambos os sexos. O teste-reteste revelouuma excelente estabilidade temporal do inventário.Adistribuição dQS estudantes quanto à dimensão"flexibilidade-rigidez" aproxima-se da curva normal.

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Estrutura Factorial e Estabilidade do Inventário do Tipo Circadiano 169

Folkard (1992) comparou os seus resultados comos obtidos no presente estudo e apurou existirem «fortessemelhanças» entre os dois. Por outro lado, um estudopiloto realizado em trabalhadores da Indústria Têxtil(Silva, C. F. e cols., 1992), mostrou que o ITC éigualmente acessivel a populacões de diferente nívelsocio-economico e cultural.

Um dos grandes problemas, se não mesmo o

maior, dos trabalhadores distribuidos por turnos aolongo das 24 horas, é não dormir. Cremos, pelas razõesaludidas, que a versão portuguesa doITC poderá serum instrumento útil, em estudos de adaptação ao trabalhoportumos, e eventualmente revelar-se uma boa medidapara ser incluída no processo de selecção dos maisadaptáveis, e consequentemente se evitarem as referidasdificultades e outras delas decorrentes.

BIBLIOGRAFIA

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Psiquiatria Clínica,14, (3), pp. 171-180, 1993

Hipocondria

POR

A. FERREIRA DE MACEDO (I) e FERNANDO EDILÁSIO POCINHO (Z)

ResumoNo presente artigo, os autores fazem uma revisão do conceito de Hipocondria, nas vertentes histórica,

clínica e epidemiológica, dando especial ênfase aos recentes contributos do modelo cognitivo-comportamentalna compreensão deste distúrbio, bem como referência a algumas estratégias terapêuticas nascidas deste modeloque se apresentam como alternativas promissoras neste campo.

1. INTRODUÇÃO HISTÓRICA

Clássicamente, é atribuida a Hipócrates a primeirareferênciaàdesignação "hipocondria", que no entantoapenas a utilizou no sentido anatómico para se referir à"doença dos hipocôndrios", pensando-se então ser estalocalização anatómica a fonte da bílis negra e damelancolia. Galeno também descreveu a hipocondria,num sentido próximo ao de Hipócrates, dentro daconcepção fisiopatológica então dominante ou seja aTeoria dos Humores, teoria que viria a dominar todo ocampo da medicina, da Antiguidade até aos finais daIdade Média. No entanto a primeira descrição objectivade um doente hipocondríaco surge da pena de um leigo,o dramaturgo francês Moliere (1673) que na peçaLeMalade Imaginaire descreve com notável mestria opersonagem Aragon, vítima de múltiplos malesimaginários. Cheyne (1733), refere-se a este tipo desituações como sendo a "Doença Inglesa". Boissier deSauvages na sua Nosologie Méthodique (1771) fazreferência a vários doentes com "males imaginários" eestabelece já a distinção entre Hipocondria Simples eHipocondria Delirante. Cullen (1795) no seu estudodas neuroses, considera a hipocondria como umdistúrbio do imaginário e um enfraquecimentoconsecutivo ao abuso dos prazeres. Falret (1822) cortadefinitivamente com a tradição galénica ao afirmar: "as

paixões não têm a sua sede no baixo-ventre como aindageralmente se acredita". Nessa linha de pensamento,Georget (1823) diferencia a "hipocondria dos antigos"da "hipocondria dos modernos" designando esta últimapor "cérebropatia''.

A hipocondria delirante(hypocondria major) seráligada a diversas entidades nosológicas então em viasde isolamento: a paralisia geral (Baillarger, 1860), amelancolia (Cotard,1880; Seglas, 1895) e os delíriospersecutórios (Morei, 1860; Legrand de Saulle,1881).

A hipocondrianeurótica(hypocondria minor) teveo seu período "neurasténico" com Kraft-Ebing (1890),Marchand e Roy (1905), sendo posteriormente erigidaem "constituição" por Camus e Dupré (1907).

Em 1914, Sigmund Freud inaugura o movimentopsicogénico no campo da hipocondria, incluindo-a nogrupo das Neuroses Actuais juntamente com a..Neurastenia e a Neurose de Angústia. Para Freud ahipocondria estaria ligada a perturbações da economialibidinal, com aumento da erogenicidade do orgãohipocondríaco e acrescenta ainda a propósito do casoSchreber (1911) que a hipocondria poderia constituir o"núcleo" da paranóia. Vários outros autores da correntepsicodinâmica deram contribuições nesta área, taiscomo Ferenczi (1924), Jones (1925), Reich (1926),Rado (1933), Fenichel (1945), ele.

Outros autores ainda, abordaram a hipocondria

e) Interno do Internato Complementar de Psiquiatria. Clínica Psiquiátrica dos Hospitais da Universidade (Director:Prof. Doutor Adriano Vaz Serra)

(l) Psicólogo da Clínica Psiquiátrica dos Hospitais da Universidade (Direcfor: Prof. Doutor Adriano Vaz Serra)

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172 A Ferreira de Macedo e Fernando Edilásio Pocinho

numa perspectiva fenomenológica, como Blondel(1914) no seu ensaio "Conscience Morbide" eposteriormente Schilder (1924), Minkowsky (1927) eAjuriaguerra (1946) baseando-se nos conceitos deesquema corporal e imagem do corpo.

Embora correndo o risco de alongar demasiadoesta introdução, parece-nos conveniente umesclarecimento sobre um conceito intimamenterelacionado com o de hipocondria que é o deSomatização. Este último refere-se genéricamente aqualquer quadro clínico em que predominam sintomasfísicos, mas nos quais é suposto que factorespsicológicos sejam essenciais na etiologia e manutençãoda doença. Este conceito é relativamente recente naepistemologia biomédica ocidental, radicando nopostulado essencial desta epistemologia ou seja opostulado da correspondência e associação mente/corpo.Modelo ambivalente que por um lado promoveu aclivagem entre mente e corpo e que por outro lado ostêm procurado reconciliar, nem sempre com muitoêxito. O modelo explicativo do processo de doençanascido dessa epistemologia é considerado comocientífico, universal e normativo, visto que valida omodo como a doença deve afectar o comportamento.Para os desvios deste último em relação ao que éesperado pelo postulado de correspondência, foi criadoo conceito de somatização.servindo esta categoria paraenglobar os doentes "desviantes" do que é suposto sera doença física, em sentido estrito, visto que do pontode vista analítico não se consegue detectar uma doença"verdadeira" e não podendo igualmente seremenglobados na nosologia psiquiátrica clássica.À luzdeste modelo não restam grandes alternativas, senãoconsiderar como causa algum obscuro mecanismo damente, chame-se-lhe depressão, ansiedade somática,alexitimia ou qualquer outra coisa .. Estas concepçõesradicam portanto no dualismo mente/corpo, mastambém no dualismo epistemológico do modelo de

doença das sociedades ocidentais, visto que resulta deuma teoria simultâneamente funcional e ontológica.Funcional, porque embora dando uma explicaçãofisiológica e química da doença. também tem em contaas variáveis biográficas que lhe imprimem um carácterindividual e único. Mas também ontológico por-quecoisifica as doenças tratando-as como objectosseparados, com a sua história natural distinta eindependente das pessoas.

Na tradição Euro-Mediterrânica, cujos expoentesforam as escolas hipocrática e galénica, cuja influênciaprevaleceu até ao século XVI, a doença foi encaradaessencialmente de um ponto devista funcional eportantoa distinção entre doenças mentais e físicas erairrelevante. Mesmo entidades como a histeria,

hipocondria e melancolia, que podem ser consideradasas raízes do actual conceito de somatização eramconsideradas doenças indistinguíveis de quaisqueroutras, não acarretando qualquer estigma para oindivíduo que delas padecesse.

A partir do século XVI, começa a esboçar-se ummodelo de doença mecanicista e dualista em que adoença é reduzida essencialmente aos sintomas físicosmas em que o sistema nervoso também podia actuaratravés da energia nervosa ouforça nervosa. No íniciodo século XIX, acrescente autonomização da psiquiatriae do movimento asilar teve como consequêncianegativaa desinserção e estigmatização do doente mental, queprevaleceu durante mais de um século e agudizou omodelo dualista que se traduziu por uma maiorcompartimentação no modelo explicativo da doença.

Em resumo, o conceito de somatização é aindauma sequela deste modelo que para além de não afastaro espectro do estigma psiquiátrico, pode implicar parao doente um fardo suplementar que vê o seu sofrimentoser muitas vezes desvalorizado ou mesmodesqualificado pornão ser considerado genuíno, quandonão é pura e simplesmente rotulado de simulado.

2· DEFINIÇÃO

A característica fundamental da Hipocondriaconsiste na preocupação acentuada com a crença oumedo de ter uma doença mais ou menos grave. AHipocondria Primária é reconhecida como entidadediagnósticanas principais classificações internacionais,ICD-9 (1978) e DSM I1I-R (1987), sendo os critériosdiagnósticos desta última classificação os que estãoreferidos no quadro seguinte.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOSDE HIPOCONDRIA (300.70)

A-Convicção ou medo preocupante de 'estar atingidode uma doença grave, fundado sobre umainterpretação errónea de certas sensações ou sinaisfísicos tidos como provas dessa doença.

B- O exame físico minucioso não permite fazer odiagnóstico de qualquer distúrbio físico em relaçãocom as sensações ou sinais alegados nasinterpretações do paciente e os sintomas descritosem A não são únicamente os de ataque de pânico.

C- O medo ou convicção da doença persiste apesar dosexames médicos tranquilizadores.

D- A duração do distúrbio é de pelo menos 6 meses.E- A convicção evocada em A não reveste uma

intensidade delirante, como no Distúrbio Delirante,tipo somático.

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Hipocondria

Como se pode observar a perturbação dominante éa interpretação irrealista de sinais ou sensações físicasque induzem o doente à convicção enraízada de quesofre de uma doença grave, apesar de todas as provasmédicas que lhe forem mostradas em contraposiçãodesse pressuposto.

A hipocondria tem sido a maior parte das vezesconceptualizada numa visão dicotómica: hipocondrianeurótica (hypocondria minor) Vs. hipocondriapsicótica(hypocondria major) ouhipocondria primária,quando não acompanhada por qualquer outro distúrbiomental Vs. hipocondria secundária quando esta. seconstitui em epifenómeno do quadro central, seja esteuma esquizofrenia, um distúrbio afectivo, ansioso ououtro.

A hipocondria tem sido de certo modonegligenciada, sobretudo devido à crença bastantegeneralizada de que se trata essencialmente de umproblema secundário a outros distúrbios,particularmente os quadros de distúrbios afectivos(Kenyon, 1965). No entanto a distinção entrehipocondria primária e secundária não é de somenosimportância do ponto de vista nosológico e sobretudono que diz respeito à estratégia terapêutica. Kenyon(1964), num estudo retrospectivo de 512 casosobservados nos hospitais Bethlem Royal e Maudsley,verificou que 301 tinham sido diagnosticados comohipocondria primária e 211 secundários a outrosdistúrbios. O autor comparou esses grupos com baseem certas variáveis no sentido de verificar se existiafundamento para a distinção primária! secundária.Chegou à conclusão de que não existia tal fundamentoe que a maior parte dos casos de hipocondria secundáriaeram um epifenómeno de um quadro depressivo. Noentanto este estudo merece sérias reservas por serretrospectivo e também por não terem sido definidosquaisquer critérios diagnósticos operacionais. O factoé que os doentes do grupo da hipocor dria primáriaapresentavam pior resposta ao tratamento em relaçãoao segundo grupo. Vários outros estudos substanciama validade do diagnóstico de hipocondria primáriacomo entidade autónoma. Pilowsky (1970), num estudode 147 casos em que 66 foram diagnosticados comohipocondria primária e 81 como secundária, verificouque os doentes do primeiro grupo tinham um tempo deevolução da doença bastante mais longo, com menostentativas de suicídio e com menos intervençõesterapêuticas, seja com electroconvulsivoterapia ou comfármacos antidepressivos ou ansiolíticos. Bianchi(1971), num estudo de 235 doentes psiquiátricosinternados, diagnosticou 30 casos do que designou por

173

"fobia de doença" e que não eram secundários a outrosdistúrbios. Existe ainda uma grande dificuldadeadicional em relação à execução de estudos sobre ahipocondria que é o facto de que a maior parte destesdoentes são observados em instituições médicas nãopsiquiátricas (Bridges e Golberg, 1985), dado que, pordefinição, o hipocondríaco vê os seus problemas emtermos físicos, tendo grande relutância em ser assistidopor um psiquiatra ou instituição psiquiátrica.

Na avaliação da distinção primária! secundária évital considerar a evolução cronológica dos sintomashipocondríacos e deprassivos, já que esteé o quadroque mais frequentemente lhe está associado. Esta foi aabordagem utilizada no distúrbio obsessivo-compulsivo, poucos pondo em dúvida actualmente aautonomia deste último distúrbio relativamente aosdistúrbios afectivos, embora ainda persista algumapolémica nesta área.

Outra confusão nosológica que tem existido éentre a hipocondria como distúrbio crónico e ahipocondriareaccional que pode ocorrer em indivíduossaudáveis em consequência de um acontecimento devida negativo ou em individuos acometidos de doençafísica transitória, por isso a DSM III-R requer umaduração mínima de6meses, critério que não existia naDSM-III.

3 ·ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOSE CLÍNICOS

A prevalência da hipocondria na população geralé desconhecida. Nos utentes de serviços de saúde nãopsiquiátricos (clínica geral, medicina interna, cirurgia),têm sido apresentados valores díspares de prevalênciaque variam de 3 a 14% (Kaplan e Sadock, 1989) a 20 a80% (Kellner, 1985). A distribuição por sexosésemelhante ou ligeiramente superior nos homens.Alguns estudos sugerem que a hipocondria tem umarelação inversa com o estatuto social, enquanto outroscontradizem essa sugestão. Em relaçãoà idade deinício, a maior parte dos estudos apontam para uminício na 2' e 3ª décadas da vida.

As queixas do hipocondríaco podem virtualmenteincidir sobre qualquer orgão ou sistema, no entanto asmais frequentemente relatadas dizem respeito aoaparelho digestivo, cárdio-circulatório, sistema nervosocentral e músculo-esquelético, sendo genéricamente ador o grande denominador comum. Os sintomas sãocrónicos, flutuando em intensidade e forma ao longodos anos.

A interacção com os médicos é habitualmente tão

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longa como desapontadora para ambas as partes,estabelecendo uma-relação hostil-dependente,combinação à qualO terapeuta tem tendência a reagirnegativamente. Este último é submergido por umfi uxode queixas díficil de parar, apresentado muitas vezes demodo hostil ou reprovativo, por vezes sob a forma denotas escritas onde está descriminada toda a evoluçãoda doença, terapêuticas efectuadas, etc. Não é raro quepossuam também elaboradas teorias sobre a etiologia efisiopatologia dos seus sintomas e por isso a procura domédico nem sempre ou pelo menos exclusivamente dizrespeito ao alívio dos sintomas mas também é ditadapela busca de um diagnóstico, que muitas vezes tem umefeito tranquilizador(pelo menos provisório), visto quetêm a convicção de padecer de uma doença que aindanão foi detectada. No entanto quase sempre a convicçãoirrealista de doença persiste apesar da tranquilizaçãomédica e dos exames complementares negativos,sobretudo se lhe for simplesmente dito "que não sofrede nada" ou que sofre "dos nervos". Este tipo de atitudelevará o doente a classificar o médico de imcompetente,criando um círculo vicioso de procura de novos médicos("doetor shopping") e uma escalada de examescomplementares nem sempre inócuos (endoscopias,cateterismos cardíacos, intervenções cirurgícas, etc ...),para além de se perpetuar o sofrimento subjectivo dodoente, que habitualmente acaba por culpar o médicodos seus problemas. Está tão convencido da naturezaorgânica dos seus sintomas que hostilmente rejeitará ahipótese de que factores psicológicos, ou de naturezasocial, desempenhem um papel de relevo na etiologiaou manutenção do seu distúrbio, embora consiga porvezes admitir que a crença na sua doença possa serexagerada. Assim, tal como acontece com os própriossintomas, também a convicção de doença sofreflutuações na sua intensidade. Em determinadosperíodos, porém o doente pode passar por uma fase de"dúvida" em relação às suas crenças disfuncionais dedoença, para logo depois as ver confirmadas por relatosde revistas ou de livros que leu sobre doenças, ou pelapresença de sintomas semelhantes, que observa nasqueixas de pessoas conhecidas.

Os sintomas podem ser invalidantes ao ponto deinterferir gravemente com a vida social e profissionaldo doente, quando a sua atenção se focaliza sobre amonitorização corporal, atento ao menor sinal de perigo,escravo dos sinais de pulso, da excreção urinária ouintestinal, das tomadas medicamentosas, enleando-seem elaborados auto-exames ou passando longas horasno leito para prevenir qualquer catástrofe orgânicaantecipada. O hipocondríaco passa a confundir-se com

a sua própria doença, sem passado nem futuro,cristalizando numa permanência dolorosa que o arrastapara vivências de ansiedade e de depressão.

4· DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Tal como nos outros distúrbios somatoformes, oprimeiro passo que se impõe é de excluir qualquerdoença física, nomeadamente doenças neurológicasque se iniciam por sintomatologia vaga tal como aesclerose múltipla ou miopatias, bem como as doençassistémicas que se repercutem em vários orgãos esistemas tais como as doenças do colagénio e doençasendócrinas. Em relação aos outros distúrbiospsiquiátricos, como já foi referido a hipocondria podesurgir como sintoma em vários quadros primários,sendo o principal a depressão. Neste último caso asqueixas não são apresentadas de forma reivindicativa,mas antes pelo contrário o doente sente que o seusofrimento físicoémerecido, sem remédio não havendouma procura activa de alívio para essas queixas. Poroutro lado pode existir uma história familiar de doençaafectiva o que não acontece na hipocondria primária.

Os sintomas hipocondríacos são também frequentesno distúrbo de ansiedade generalizada e no distúrbio depânico, aliás os hipocondríacos primários têm maiorincidência de ataques de pânico. No distúrbio de pânicoa preocupação com pensamentos sobre doença físicaou mental também é proeminente. Barlow et al. (1985)mostrou que o pânico coexistia com uma variedade deoutros distúrbios de ansiedade classificados na DSM-Ill, mas sem considerar a hipocondria. Salkovskis,Warwick e Clark (estudo não-publicado) encontraram59% de pacientes hipocondríacos que tambémpreenchiam os critérios diagnósticos de distúrbio depânico pela DSM -Ill, Portanto como se vê o diagnósticodiferencial tom o distúrbio de pânico nem sempreéfácil.

Os delírios somáticos podem ocorremos distúrbiospsicóticos como a esquizofrenia, distúrbio delirante detipo somático e depressão psicótica (síndrome deCotard). Mas nestes casos e por definição possuem ocarácter de convicção inabalável, o que não acontecena hipocondria em que a crença de doença é irrealistamas sofre flutuações da sua intensidade e "validade" epor outro lado nos distúrbios psicóticos acima referidos,as queixas somáticas têm muitas vezes um contéudobizarro ou absurdo.

Outra distinção importanteé entre hipocondria efobia de doença oú nosofobia. Nesta última, não existeuma convicção de doença mas sim o que existe em

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Hipocondria

qualquer distúrbio ansioso, isto é cognições de ameaçae neste caso específico a ameaça é de contrairdeterminada doença.

5 -CONTRIBUIÇÃO DO MODELO COGNI-TIVO-COMPORT AMENT AL

Tradicionalmente, o modelo comportamental nãoé um modelo de "insight", tendo habitualmente muito

pouco a ver com aquele conceito, em termos de tomarconsciente factores de natureza inconsciente. Porém, acomplexidade dos fenómenos encobertos (i.e., diálogointerno, esquemas cognitivos e emocionais,representações cognitivas, processamento deinformação ou estilos perceptivos de acontecimentosansiógenos, etc.), tem suscitado o interesse pelasabordagens terapêuticas cognitivas, bem como peloestudo e esclarecimento das estruturas cognitivassubjacentes a vários problemas psicopatológicos.

Com efeito, a evolução das terapiascomportamentais permitiu um avanço qualitativo nacompreensão dos transtornos mediados pela ansiedade,dando origem a conceptualizações concorrentes emtomo do funcionamento dos mecanismos cognitivos,frequentemente responsáveis pela etiologia emanutenção da doença.

O contributo recente, relativamente a outrosmodelos de intervenção psicológica, da abordagemcognitivo-comportamental proposta para acompreensão e tratamento dos problemashipocondríacos, bem como da ansiedade sobre a saúde-" health anxiety": (c.f., Warwick e Salkovskis, 1990),além de confirmar a referida evolução, salientasobretudo a pertinência clínica da relação que existeentre os factores cognitivos e agénese das perturbaçõesemocionais.

Tal como acentuam Mahoney e Gabriel(1987), a"revolução cognitiva" em psicoterapia está de "boasaúde" e no bom caminho, e as ciências cognitivasconquistam assim o seu espaço próprio no futuro.

Pelo seu precioso contributo no pioneirismo dasabordagens cognitivistas, autores comoJ.Rotter (1954),G.Kelly (1955), A.Ellis (1962), A.Beck (1963),A.Bandura (1969), M.Mahoney (1974), M. Maultsby(1975) eD.Meichenbaum (1977), entre outros, merecemser destacados. E todos eles, apesar de construíremteorias específicas sobre o funcionamento humano,aproximam-se de um pressuposto comum, segundo oqual, O indivíduo enquanto resultado de condiçõesbiológicas pré-existentes e da aprendizagem, tende adesenvolver "configuraçõescognitivas" (Lundh, 1988)/

175

"pressupostos filosóficos" (Ellis, 1987)/"esquemas"(Beck, 1987) ou "estruturas cognuivas" (Meichenbaum,1985), categorialmente e hierarquicamente organizadas(Beck e Freeman, 1990), que influenciam o modocomo constrói a sua própria relação com o mundo.Assim, das vivências do indivíduo podem ser criadassignificações e representações que, revelando-sedistorcidas (Beck, Emery e Greenberg, 1985),inadaptadas (Meichenbaum, 1977) ou irracionais (Ellis,1985) face à realidade percepcionada, propiciam odesenvolvimento e manutenção de problemaspsicológicos (c.f., Gonçalves, 1989).

Como se sabe, o modelo comportamental propõeque os comportamentos de medo derivam da existênciade um estímulo fóbico que préviamenteesteve associadoa situações ou consequências aversivas, isto é, aassociação de um estímulo neutro com um estímuloincondicionado pode fixar a resposta de medo(condicionamento clássico). E a persistência doscomportamentos de evitamento e de fuga é mantida porreforço negativo, desde que associado ao esbatimentoou extinção da ansiedade ("anxietyrelief"), o que podetambém suscitar reacções de medo (condicionamentooperante). Estas, porém, podem ainda ser originadaspor meio de outros mecanismos, como a aprendizagempor observação, ou por informação.

Alguns tipos de comportamentos fóbicos,nomeadamente a nosofobia (fobia das doenças) e asfobias obsessivas, aparentemente coexistentes numquadro hipocondríaco, diferenciam-se entre si, dadoque se nas primeiras existe um medo intenso da doençacom base na valorização de distúrbios específicos(cancro, doença coronária, etc.), enquanto temáticacentral, nas últimas observa-se uma qualidadecompulsiva ausente noutras fobias. Aqui, as ideiastomam-se intrusivas apesar das tentativas que o

indivíduo faz para afastá-las.Porém, alguns medos de doença que ocorrem e

persistem independentemente da existência de qualqueroutro sintoma, podem constituir o protótipo de umaforma extrema de hipocondria, dado que nesta situaçãoclínica os medos são geralmente difusos sem incidirsobre uma doença particular (Marks, 1969).

Numa perspectiva cognitiva (c.f., Salkovskis,1991), o estado de ansiedade advém da criação decognições de perigo ou de ameaça, pelo que parecemser idênticas as formulações comportamentais ecognitivas na etiologia das fobias e dos problemas deansiedade, sómentediferindo na terminologia empreguepara descrever aquilo que é aprendido. Contudo, estassemelhanças desaparecem de vez quando são estudados

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176 A F erreira de Macedo e F ernando Edilásio Pocinho

os factores de manutenção da ansiedade (idem, 1991).Também outros autores (Beck, Emety e Greenberg,

1985), salientavam a importância dos factoresmediacionais cognitivos no aumento dos efeitos daansiedade e do stress, dado que o elemento crucialnaqueles estadosé pois um processo cognitivo,susceptível de serrápidamente activado após o estímuloinicial, como se de um reflexo se tratasse, capaz demanifestar-se sob a forma de imagens ou de"pensamentos automáticos".

Warwick e Salkovskis (1990), mencionam que osproblemas hipocondríacos ou de ansiedade elevadacom a saúde podem também ocorrer sob a forma deuma fobia, de uma preocupação mórbida ou de umfenómeno de natureza obsessivo-compulsiva. Por outrolado, a preocupação excessiva e o evitamento depensamentos disfuncionais sobre a hipótese de umadoença física ou mental, pode ser igualmente observadanos distúrbios de pânico.

Goldstein e Chambless (1978; citados por Costello,1992), argumentam que o pânico deriva de um medointenso de sensações físicas desagradáveis, com eleassociadas, e de cognições maladaptativas acerca daantecipação das consequências da ansiedade. Clarck(1986; idem, 1992) por sua vez, defende que os ataquesde pânico podem resultar de interpretações catastróficasde certas sensações corporais. No que respeita aosdoentes hipocondríacos, estudos recentes revelam queos seus medos e crenças irracionais de doença efocalização da atenção nas sensações corporais, sãomais intensos efrequentes, em comparação com doentesansiosos e deprimidos. Por esta razão, parece tambémexistir alguma semelhança na formulação cognitivo-comportamental do desenvolvimento e manutençãodos ataques de pânico e da hipocondria, uma vez que ainterpretação irrealista das sensações físicas parececoexistir como elemento comum e crucial (Warwick eSalkovskis, 1990).

Podemos então salientar que uma das principaisdiferenças entre os dois quadros clínicos será de naturezacognitiva, isto é, o hipocondríaco bem como o doentecom ataques de pânico antecipam uma ameaça física,mas neste último ela apresenta-se com muito maioriminência do que no hipocondríaco. Neste sentido,Warwick e Salkovskis (1990) referem que taisdiferenças permitem ao doente hipocondríaco maistempo para prevenir o sofrimento antecipado,procurando quase obsessivamente os cuidados médicos.

Aqueles autores acrescentam ainda que em ambasas entidades são criadas interpretações sobre assensações físicas, como indicadores catastróficos de

doença física ou mental. Mas, enquanto que o doentecom ataques de pânico acredita que a doença já existeou surgirá nos momentos imediatos, o hipocondríacoacredita que a sintomatologia existente indica umaevolução mais insidiosa.

Vários estudos apontam para a existência de maiorincidência de doenças físicas e de sintomas funcionaisnos familiares dos hipocondríacos, pondo em relevo opapel da modelação ou imitação desse factor nodesenvolvimento do hipocondríaco, verificando-senessas famílias tendência para o reforço das queixassomáticas a que estão associados comportamentos desobreprotecção em relação a queixas triviais dascrianças. Outro factor predisponente encontra-serelacionado com o conhecimento e a existência deexperiências prévias de doença física (com uma maiorincidência na infância), que constituem o substratopara a formação de sistemas de crenças e de mecanismosde atribuição erróneos sobre sintomas e comportamentosde doença e saúde, que mais tarde serão (re)activadospor ocorrências ou sinais físicos triviais.

Segundo Warwick e Salkovskis (1990), se assensações ou os sinais percepcionados não são osresultantes da ansiedade (como consequência daactivação neurovegetativa), ou não considerando odoente a catástrofe temida como imediata, então aresposta será a de um estado de ansiedade hipocondríacasobre a saúde, com exacerbação dos componentescognitivo, afectivo, comportamental e fisiológico, talcomo se pode observar esquemáticamente na Figura 1.

No que respeita aos factores de manutenção daansiedade sobre a saúde, aqueles autores enunciam osaspectos seguintes:1 -A activação fisiológica deriva da ansiedade sentida

em relação com assuntos sobre a saúde e com ospróprios sintomas, o que acaba por ser interpretadocomo um sinal evidente de doença física;

2 -Existe uma atenção selectiva aumentada sobre ainformação relativa à doença;

3 -Presença de comportamentos confirmatórios dedoença associados a atitudes de desvalorização dainformação susceptível de infirmar qualquer ameaçafísica real

Estes mecanismos psicológicos constituem osuporte de um estado de preocupação exacerbada coma saúde, característica essencial do doentehipocondríaco, como se pode observar no esquemaapresentado na Figura 2.

O aumento da eficácia das diversas terapiasétambém, em parte, função da evolução dos respectivosmodelos teóricos, nem sempre capazes de satisfazer

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Hipocondria

Experiência Prévia

Experiência e percepção de:(1) doença no próprio ou familiar; prática médica incorrecta

(2) interpretações sobre sintomas e reacções apropriadas

~

Formação de pressupostos disf'uncionais

~Incidente critico

Incidente ou sintoma sugestivo de doença

Activação dos pressupostos

Pensamentos negativos automáticos

tpreocupaç~om ~ .aÚ<l~ hiP~ocondri:iSi01Ó~~

'" \ activsção aumentada

\l1udanças na funçãocorporal

\ AUe-raçõe-8 do 80no

Co~tivs

Fo~o sobre- o corpo e-8e-1'I.8açõe-scorporaisl10ni torização das al te-raçõe-scorporai8Ateonção para itúormação1'I.E>~stivsDesespero, preocupaçãoeruminaçãoDeosconto da informaçãop08itivs

Com.p.ortam.entale-vi ta me n.to e-reostriçõeosauto -im.postas AfeoctivsRepeotida auto -i1'l.8peocçãoA1'I.8:i.edadeol1anipulsção reopeotida da Deopre88ãoáreoa afectada lrri tabilidadeCo1'I.8U1tas e procura detrst'lQ'u:i.1:i.zaçãoBUSC8 de informação

l1edidas preownti VS8

Figura 1

Modelocognítívo do desenvolvimento da ansiedade sobre a saúde(adep t.de Warwick e Sedkovskts. 1990) •

177

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178 A Ferreira de Macedo e Fernando Edilásio Pocinho

Desencadean teünformação,acon tecimen to.coençe.ímegem)

~ãO i.i01Ó~\atençso focada sobre / verificaçãoe·C.,, 17anqUiliza.ã.

Preocupação excessiva com os sintomas

físicos percepcíonedos

Percepção de ameaça

In terpretação dos sinais ousintomas corporais como

indicadores de doença grave

• •iI

figura 2

Apreensão

Factores hipotéticos de manutenção da ansiedade sobre a saúde

(edept.de Warwick e Saikovskis, 1990)

em absoluto os desejos do conhecimento científico. Omesmo pode aplicar-se ao caso particular dapsicoterapia, apesar do aperfeiçoamento dasmetodologias terapêuticas utilizadas nas diversasdisfunções psicopatológicas.

O melhor protótipo da aptidão para controlar opróprio comportamentoé sem dúvida o ser humano,que privilegiadamente disfruta do acesso directo aosseus processos internos (fisiológicos, afectivos,

emocionais e cognitivos).Todavia, a tarefa de aprender a observar e alterar

com mestria os próprios pensamentos, sentimentos eatitudes, revela-se por vezes difícil, tal como acontecenos casos de hipocondria primária.

Na última década tem-se assistidoà tentativa deresolução da sintomatologia própria daquele quadroclínico, através do recurso a várias estratégiasterapêuticas (i.e., hipnose, dessensibilização

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1-[ipocondria

sistemática, implosão, paragem do pensamento,exposição com prevenção de resposta, intençãoparadoxal, etc.). Curiosamente numa revisão recentedos trabalhos realizados neste domínio, Warwick eSalkovskis (1990) observaram que existe algumasemelhança entre várias organizações psicopatológicas,nomeadamente entre os indivíduos que sofrem deperturbações obsessivo-compulsivas e aqueles que serevelam mais preocupados com a saúde, salientandoainda a sugestão feita por Isaac Marks de que osnosofóbicos deverão receber o mesmo tipo de tratamento(terapia comportamental) que habitualmente é aplicadonoutras fobias.

Sucedem-se desde então as tentativas de umaabordagem terapêutica estruturada da hipocondria, apartir de uma miscelânea de estudos comparativos dosprocessos e resultados obtidos no tratamento das fobias,obsessões-compulsões, ansiedade, pânico e depressão.

Actualmente, as metodologias terapêuticasadoptadas nos problemas hipocondríacos baseiam-seessencialmente no modelo cognitivo das perturbaçõesemocionais, utilizando técnicas derivadas da terapiacognitiva da ansiedade (c.f., Beck, Emery e Greenberg,1985).

O seu objectivo consiste em diminuir o nível desensibilização aos sinais de activação da ansiedade, oscomportamentos sistemáticos de monitorização de.sinais de doença(à semelhança dos rituais compulsivos),o recurso exacerbado aos cuidados médicos e, a buscade informação confirmatória daenfermidade imaginada.

Para que estes objectivos sejam atingidos,éfundamental a elaboração de urna análise funcionalcuidada que possibilite a formulação dodesenvolvimento e manutenção das dificuldades, emtermos comportamentais (através da identificação deatitudes compulsivas de aproximação aos cuidados elesaúde); em termos fisiológicos (monitorização daactivação neurovegetativa); em termos afectivos (aansiedade de ter ansiedade); e em termos cognitivos(através da identificação de padrões de diálogo interno-

179

"pensam entos automáticos", catastrofizações e crençaspessoais disfuncionais).

Amodificação dos factores que acabámos de referir,requer obviamente um tratamento integrado que incluamétodos comportamentais, como a aprendizagem detécnicas de controlo da ansiedade, através do treino deaptidões de relaxamento combinado com exercícios decontrolo respiratório; ou a exposição a experiênciaspara activação da ansiedade,com base na indução decognições ou imagens ansiógenas, ou através dahiperventilação, a que deve seguir-se o treino de auto-controlo mencionado. E métodos cognitivos, tais comoa recstruturação cognitiva, através da qual possam serdiscriminados os processos internos interactivos(pensamentos, imagense sentimentos),identificandoaqueles que se manifestem inadequados, obviando aodcsenvolvimento de configurações cognitivasalternativas, mais estáveis e funcionais, por meio deexercícios comportamentais e emocionais;identificação de crenças irrealistas e sua alteraçãoatravés de exercícios de análise críticae de disputacognitiva; distanciamento e descentração emocionalpara permitir conceptualizar os "pensamentosautomáticos" como fenómeno de índole psicológica, aser submetido a exercícios de validação, induzindo oindivíduo a abandonar a tendência a examinar-se comose fosse o centro de todos os acontecimentos; distracçãocognitiva, etc.

Em síntese, as técnicas de intervenção enunciadaspermitem a modificação de comportamentosinadequados, ajudando a desenvolver aptidões decontrolo e eleconfronto.

PartiIhamos pois a opinião de que até ao momentopresente, as terapias cognitivo-comportamentais têm--se revelado tão úteis quanto abertas à investigaçãocientífica (Warwick e Salkovskis, 1990), e se estão jávalidadas no tratamento dos distúrbios de ansiedade,de pânico e da depressão, talvez num futuro próximovenham também a demonstrar, em definitivo, a suaeficácia na abordagem da hipocondria.

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Psiquiatria Clínica,14, (3), pp. 181-186, 1993

Psicodrama no Hospital Júlio de Matos (II) - Uma tentativa de avaliação de resultados=

POR

FERNANDO SANTOS VIEIRA (I), MARIA JOÃO CARNOT (I), NOELIA CANUDO (2)

Resumo

Os autores após uma breve revisão teórica e reflexões pessoais sobre a utilidade do psicodrama enquantotécnica psicoterapêutica, expõem a sua experiência de um ano com um grupo de doentes que recorreram àsconsultas externas de um hospital psiquiátrico. Seguidamente, fazem uma tentativa de avaliação de resultados,e terminam meta-analizando e questionando-se sobre a utilidade e/ou processos de avaliação.

INTRODUÇÃO

Há quatro anos quando iniciámos a formação empsicodrama com o Dr. Alfredo Soeiro, logo nosapercebemos das potencial idades terapêuticas destaforma de psicoterapía, mesmo a nível institucional.

Eram vários os doentes no dia a dia clínico quepareciam "encaixar" perfeitamente nesta ou naquelatipologia ou circuito bio-eléctrico preferencial no dizerde Soeiro (1) (2). Também muitas vezes eramos levadosa pensar que a utilização desta ou daquela técnicapsicodramática seria a "chave milagrosa" para o insightdo doente que tinhamos à nossa frente.

Mas porquê estefeeling? Não serácertarnente só ofacto banal de repetir adiscussão (ex) que o protagonistajá teve na vida real múltiplas vezes, que o vai melhorar.Representar o problema (por exemplo um conflitoconjugal) ajuda a pessoaa percebê-lo melhor e a refletirsobre ele. Se não vejamos ... Além de em terapia sermais simples para o paciente, que doutra maneira noscontaria o que se passou com intermináveis "eu disse","ela respondeu", "depois retorquiu", ele volta de novoa vivenciar a cena no "aqui e agora". Este "viver" em

terapia é feito de uma forma mais intensa do quesimplesmente se relatasse - podendo sentir melhor oque se passou - mas menos intensa do que no real-permitindo-lhe "pensar" sem a "embriaguez" da intensaemoção. Por outro lado, ele pode "ver melhor" aquestão pelos vários ângulos, explorar as váriasrespostas - experimentar o que aconteceria se agissede outra maneira.

Fazia-nos especialmente sentido anoção de campotenso e relaxado; era nítido que por vezes no contextorelaxado de uma psicoterapia a saída da situaçãoproblemática toma-se visível e mais fácil, facilitando areflexão terapêutica.

Na consulta do Dispensário do Hospital Júlio de

Matos não era possível a terapêutica troca de papéis.Por exemplo (3) a mulher de um alcoólico pode nopalco, ao inter-agir com o ego auxiliar, verificar oquanto acusatória ela é, e a ausência de alternativas quedá ao conjuge, favorecendo a própria ingestão alcoólica.De uma forma simples e sem ser preciso dizer nada, elapode alterar a ideia de "o meu marido bebe e eu ficoagressiva" para "eu fico agressiva e ele bebe". Altera-se a pontuação de uma sequência interminável de

(I) Psiquiatras do Hospital Júlio de Matos. Sócios efectivos da Sociedade Portuguesa de Psicodrama-(2) Psicóloga do Hospital Júlio de Matos.* Comunicação apresentada noTI Encontro Nacional de Psicodrama (Luso, Novembro 1992).

Este textoéo desenvolvimento das ideias dosautores.já expostas em artigo anteriorreferenciado na Bibliografia.

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182 Fernando Santos Vieira, Maria João Carnot, Noélia Canudo

eventos (4).Também naconsultaeernpsíco-terapía individual,

é muito difícil apontar novos comportamentos, fazermodelagem, questionar pontos de vista e apontarpensamentos alternativos, o que é facilitado no contextopsicodramático (5).

O psicodrama parecia-nos condensar numa escolaalgo querido aos psicodinâmicos' - as vivências, algoquerido aos cognitivistas - o pensamento racionalalternativo, algo querido aos comportamentalistas - amodelagem, a exposição em imaginação, e o reforço(3) (5) (6) (7) (8).

Foram estas reflexões, partilhadas com colegasquando em reuniões de serviço fomos solicitados afalar da nossa formação, que estiveram na base da ideiade criar no nosso hospital um grupo de Psicodrama comdoentes do Dispensário.

MA TERIAL E MÉTODOS

Após entrevista individual foram seleccionadosdoentes das consultas do Dispensário do Hospital Júliode Matos, para os quais foi elaborado um protocoloterapêutico.

O grupo iniciou-se em Março de 1991, tendoterminado um ano depois (conforme o combinado comos doentes). Era fechado, e os doentes foramcomprometidos com a sua vinda, já que foi introduzidaa regra: se faltarem metade dos doentes não é feitasessão. Apesar de reconhecermos não ser fácil aosdoentes virem todas as semanas 90 minutos a umhospital psiquiátrico ("sem sequer levaremcomprimidos") criou-se uma razoável aderência aopsicodrama. Houve sempre sessões, tendo sido apenasa regra de "metade mais um" interrompida nos mesesde Agosto e Setembro atendendo às férias dos doentese dos terapêutas. Optou-se por nestes meses haversempre sessão independentemente do número depresenças.

Os terapêutas (director e ego-auxiliar) encontram-se em formação em Psicodrama Moreniano com o Dr.Soeiro, que garantia a supervisão, podendoocasionalmente algumas dúvidas pontuais seremesclarecidas pelos formadores da Sociedade Portu-guesa de Psicodrama.

Havia ainda um breefing semanal dos doispsiquiatras (director e ego) onde se discutiam as sessões,se recolhiafeed-back e se planeavam estratégias oulinhas de acção futuras.

Visto ser este o único grupo que seguiamos,procedeu-se à alternância mensal entre Director e Ego

por parte dos dois terapeutas; tal prática, não ortodoxa,'não teve em nossa opinião consequências negativas,pois ambos os técnicos eram pelo grupo reconhecidoscomo idóneos, e os pacientes foram previamenteinformados desta "troca de papéis". Teve aindavantagem do ponto de vista formativo (aprendizagemdo papel de director e do papel de ego) e dofortalecimento do vínculo dentro da equipa terapêutica.

Na selecção dos doentes foi tida em especialconsideração a moti vação verbalizada, ou interesse emparticipar nesta forma de tratamento. Este cuidado,talvez um dos responsáveis pelo baixo número dedrop-outs e pelos resultados positivos, poderá ter introduzidoum bias. De qualquer modo, e atendendo que de todauma população de utentes, tinhamos que escolher apenas12,pareceu-nos pelos menos não eticamente reprovávela selecção daqueles que mais poderiam beneficiar como nosso trabalho.

Os diagnósticos eram globalmente perturbaçõesneuróticas ou síndromes depressivos arrastados, alguns"cronificados" nas consultas. Procurámos que asprescrições farmacológicas semantivessem inalteráveisdurante a terapia.

Um dos doentes estava diagnosticado pelogastroenterologista com doença de Crohn e tinhafrequentes rectorragias que se tomaram posteriormenteraras. Em termos de tipologias, estavam representadasas depressivas, as histéricas, uma paranoide e umaobsessiva.

A média de idades era de 45,8, e a moda situava-se na classe dos 41-50 anos.

MATERIAL E MÉTODOSProcedimento:- respeito pelos conceitos fundamentais do Psicodrama

Moreniano ,- sessões semanais de lh30m de duração, por um ano

- grupo fechado- alternância mensal entre director e ego- brefing semanal entre a equipa terapêutica- supervisão pelo Dr. SoeiroAmostra:- iniciaram 12 doentes- concluiram 9- sexo: 4 homens 8 mulheres- idades: M=45,8 moda=41-50- estado civil: solteiro 1 casados 10 divorciado 1- área geográfica homogénea- diagnóstico: síndromas depressivos/ pertoneuróticas

não estruturadas- heterogeneidade de tipologias

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Psicodrama no Hospital Júlio de Matos (11)Uma tentativa de avaliação de resultados

DESCRIÇÃO DE ALGUMAS SESSÕES

o contexto dramático funcionou como um"laboratório" onde várias hipóteses foram testadas (9)(lO).

Uma doente tinha conflitos frequentes com o ex-marido, acusando-o de não se interessar pelo filho e nãoo ir buscar nunca. Durante a dramatização foi paratodos claro, inclusive para ela, que no fundo ela sesentia "sobrecarregada" por não poder sair aos fins desemana em virtude de ter o filho com ela.

Outra paciente estava indecisa em relação àseparação conjugal, não sabendo o que resolver quantoao seu futuro; foi-lhe proposta uma dramatização emque uma pessoa fictícia ia a uma astrológa para saber ofuturo; a paciente desempenhou o papel de astróloga e"teve que ver" o futuro da cliente (ego-auxiliar) a quemfoi dada a senha de representar o papel de uma pessoamuito semelhante à doente. Em contexto dramático, apaciente encontrou a solução, deixando antever as suasexpectativas.

Noutra sessão dramatizou -seuma conferência entreDeus e um anjo. já que a doente nos tinha dito que "sóDeus sabe o que hei-de fazer com o meu filho".Explorámos psicodramaticamente a ideia, ajudando-aa reflectir e a confrontar-se com os seus problemas.

O átomo social e a estátua da família foi práticacorrente, permitindo perceber como era a interacçãofamiliar, e "treinar" os doentes na troca de papéis e nosolilóquio.

AVALIAÇÃO

Todos os doentes foram entrevistados previamentee após o grupo terminar. Foi feita ainda uma avaliaçãoindependente por testes psicológicos (antes e apóstratamento) .

Dos 12 doentes que iniciaram terapia, concluiram9, tendo havido 3 drop-outs.

INICIARAM TERAPIA CONCLUIRAM DROP-OUT

12 9 3

Uma destas desistências referiu ao seu médicoassistente que abandonou o grupo por já se sentirmelhor. Teve aliás, alta de consulta externa depsiquiatria.

A Auto avaliação subjectiva dos pacientes foiligeiramente diferente da dos terapeutas, conforme sepode ver nos quadros.

183

AUTO AVALIAÇÃO SUBJECTIVA(DOENTES)

MUITO MELHORADOS MELHORADOS MESMO ESTADO PIORADOS

3 5 O 1

HETERO-A VALIAÇÃO SUBJECTIVA(pELOS TERAPÊUT AS)

MUITO MELHORADOS MELHORADOS MESMO ESTADO PIORADOS

2 5 2 O

Os testes psicológicos utilizados na avaliaçãoindependente revelaram também alguns dadosinteressantes, apesar de não ter sido possível avaliartodos os testes passados: Raven Factor G, Toulouse -Pierron, SCL-90, Inventário da Depressão de Beck,S.T.A.Y. de ansiedade; Willoughby (auto-afirmação).

Dos elementos constituintes do grupo, apenas 7completaram a avaliação estabelecida, pelo que iremosapresentar unicamente os resultados referentes a esses7 elementos.

No que se refere ao plano cognitivo-instrumental,verificou-se:

i .J,<=>

Concentração da Atenção(Toulouse-Pierron) 2 5 OProdutividade(Toulouse-Pierron) 7 O ORendimento intelectual(M.P.Raven - 38) 3 3

A análise destes resultados aponta para:-agravamento num elemento: desceu a

concentração da atenção e o rendimentointelectual. .

- melhoramento geral em 2 elementos: subiram aconcentração, a produtividade e o rendimentointelectuaL

-melhoramento parcial em 4 elementos:diminuiram a concentração da atenção.

Neste ponto, todavia, há o seguinte aspecto aconsiderar: os valores iniciais de concentração daatenção eram muito elevados, e uma vez que aoabaixamento da concentração corresponde um aumentoda produtividade, pode-se considerar que estadiminuição representa uma descentralização da atençãodecorrente de um afrouxamento dos processosinibitórios, sendo de notar que num destes 4 elementosse verificou até um aumento do rendimento intelectual.No que respeita à sintomatologia depressiva

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184 Fernando Santos Vieira, Maria JoãoCarnot, Noélia Canudo

(Questionãrio de Beck), apurou-se:

4 - melhoraram2 - mesmo estado1 - piorou

Este questionário não foi aplicadonasua totalidade,devido a urna falha de impressão não detectada a tempoe que levou a invalidar os itens deMaS (inclusive).Contudo, decidimos considerar as respostas obtidasnos itens apresentados.

Analisando os parâmetros sintomatológicosabrangidos pelo questionário verificou-se:

Há melhoria nos seguintes:- pessimismo- sentimento de fracasso- insatisfação- auto-acusação- desejos suicidas- irritabilidade- diminuição da líbido

Mantêm-se os seguintes:- estado de ânimo- sentimento de culpabilidade- crises de choro- afastamento social- hipocondria

No que se refere a este grupo é de notar que na suamaioria correspondem a itens que já eram cotados comzero na l.ª. aplicação, pelo que não era viávelapresentarem melhoramento.

Há agravamento apenas num parâmetro:

- ódio a si mesmo.

Incluindo-se neste grupo 1 elemento consideradoglobalmente como melhorado.

Deste modo, e pelo menos no que se refere aosparâmetros avaliados, podemos afirmar que severificouum alívio geral da sintomatologia depressiva.

Quanto ao Willoughby apura-se:

Melhorados - 4 elementosMesmo Estado - elementosPiorados - 1 elemento

Das questões que compõem este questinárioverificou-se uma melhoria em 11delas, questões essas

que, de umaforrnageral, se relacionam com a segurançaem si, pelo que podemos dizer ter ocorrido um reforçodas potencialidades de relacionamento social.

WILLOUGHBY.AUTO.AFIRMAÇÃO( Melhorados)

2 - Sente-se incomodado pelo facto de ter caído emridículo ou por sentir que pareceu ridículo?

3 -Sente medo de cair quando se encontra num lugaralto do qual não há perigo real de caír?

9 - Sente-se facilmente desencorajado, por exemplo,quando falha oué criticado?

10 -Diz coisas tão precepitadamente que depois searrepende de as ter dito?

12 -Chora facilmente?16 - Se estivernuma recepção ou numa festa sai do sítio

onde está para não se encontrar com uma pessoaimportante presente?

17 - Com frequência sente-se infeliz?18 - Se se encontrar num grupo de pessoas que conhece

mais ou menos sente dificuldade em participarnuma discussão?

19 - Tem uma sensação de isolamento, independente-mente de se encontrar sozinho ou com outraspessoas?

21 - Não sente confiança na sua capacidade habitualpara fazer coisas e para enfrentar situações?

24 - Sente que os outros são melhores do que você?

Curiosamente, ou talvez não, regista-se umaagravamento nos temas abordados pelas questões 13 e20. Em nossa opinião, atribuimos estefacto ao efeito deinteriorização do que Soeiro denomina de plateia externae que terá conduzido a um acréscimo deauto-crítica,com consequente acréscimo do valor dos outros e suasopiniões. Este resultado poderá assim traduzir umbenefício, indicando que "aplateía externa rompe arigidez da estereotipia de campo, quebra o campofechado, faz com que o protagonista veja maisamplamente e amplie sua plateia interna" (11)

WILLOUGHBY· AUTO.AFIRMAÇÃO(Agravamento)

13 - Sente-se incomodado pelo facto de as outras pessoasobservarem o que está a fazer mesmo que o estejaafazer bem?

20 - Sente-se incomodado quando se encontra napresença de "superiores" (professores, entidadespatronais, ou autoridades)?

As restantes questões do questionário não

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Psicodrama no Hospital Júlio de Matos(ll)Uma tentativa de avaliação de resultados

apresentam alterações significativas, mas também aquielas já eram, na sua maioria, cotadas com zero na l.ªaplicação.

No que respeita ao perfil sintomático avaliadopela escala (SCL-90) apura-se:

MelhoradosMesmo EstadoPiorados

51

Analisando os parâmetros abrangidos pela escalautilizada verifica-se, por ordem decrescente deimportância, melhor ia nos seguintes:

Depressão; interpretação sensitiva; obsessivi-dade; ideação paranóide e ansiedade; ansiedadefóbica; hostilidade.

Não se registou agravamento em nenhum dosparâmetros, sendo também aqui de sublinhar a existênciade itens já cotados com zero na l.ª aplicação.

O quadro seguinte descrimina os elementos daamostra e os seus respectivos resultados, repartidospelas diferentes provas aplicadas, bem como aapreciação global sobre cada um.

C.A. PROD. R.I. BECK WILL SCL-90A J. i i i i i MelhorB J. i J. J. i i PiorC i j t i Ç:::> i MelhorD i i i Ç:::> Ç:::> i IgualE J. t Ç:::> i i t MelhorF i t Ç:::> i i ,j MelhorG i i Ç:::> Ç:::> i Ç:::> Igual

(Codificação: i-melhorado; i-piorado;Ç:::>- mesmoestado)

MelhoradosIgualPiorados

LD.Beck421

STAY Willoughby S.C.L.-904 52

META· AVALIAÇÃO.ALGUNS COMENTÁRIOS

No seu livro"O instinto de plateia" Soeiro afirmaque "as modificações determinadas no indivíduo pelapresença de um outro da sua espécie têm sidoinclusivamente medidas cientificamente"(ll).

Como se avalia uma psicoterapia e em particularuma terapia por psicodrama? A resposta a esta questãonão é fácil. Como avaliar algo que apesar de todosconcordarem ser necessário uma razoável preparação

185

para a sua execução, ninguém sabe com total segurançao queéou como funciona?

Já vários autores, mesmo em Portugal e a propósitodo Psicodrama, se pronunciaram sobre factoresresponsáveis pelos efeitos terapêuticos nas psicoterapias(12), (13), (14), (15), (16), (17), (18).Destacam-se osseguintes factores: A suspenção temporária dasrestrições sociais (que acontece no contexto dramático),excitação e arousal emocional (o que acontece noPsicodrama por vezes até mais do que em outrasterapias) a confissão dos "erros" (que ocorre no contextogrupal), um racional para os sintomas (que pode serdado nos comentários), a confidencialidade, as relaçõesde apoio (não só com o director mas também com o egoe outros elementos do auditório)(18), o uso do reforço,da punição ou exposição (possível em qualquer dasetapas do psicodrama) e o manejo cognitivo (incluindoo sentimento de auto-eficácia que pode ser induzidocom a dramatização).

Se reflectirmos agora em factores específicos da"cura" psicodramática, mais uma vez vemos que issopode tomar-se difícil de objectivar. Como se pode tera certeza que ocorreu uma catarse de integração ou uminsighü O que é melhorar a tele do doente? No dizer deSoeiro(18) é ainda importante o instinto de plateia.Dada a importância de plateia externa na formação deuma plateia interna. Como avaliar esta última?

No nosso grupo não ocorreu nenhuma catarse (nãose passou nada de parecido com o descrito teoricamentesobre ela) mas talvez a capacidade télica dos pacientestenha melhorado. Nunca poderemos contudo avaliarcom rigor se a percepção da realidadeé agora nosdoentes mais correcta ou se "a percepção real do outro"ocorre; não só porque isso não é objectivãvel, massobretudo porque ao fazermos isso estaríamos aintroduzir um factor normativo nosso, que pode estardistorcido (19).

Já outros autores, apesar de não terem comoreferência o Psicodrama Moreniano, tentaram avaliaresta terapia, avançando com um modelo teóricoexplicativo das diferentes interacções em grupos depsicodrama (20). Marques Teixeira e colaboradoresprocuraram avaliar a eficiência do psicodrama centradono grupo ao "duplo nível da sua sintomatologia edesenvolvimento pessoal". Para tal utilizaram escalasde ansiedade, depressão e o autoconceito, antes e pósterapia. Concluiram melhoria sintomática acentuadabem como uma melhoria do autoconceito (que segundoo autor poderia traduzir o grau de desenvolvimentopessoal). A instalação precoce da coesividade naatmosfera do grupo seria um bom preditor dos resultados

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186 Fernando Santos Vieira, Maria João Carnot,Noélia Canudo

da terapia. A nossa experiência vai ao encontro destasideias apesar de ao contrário de Marques Teixeira nãotermos objectivado com escalas a coesão.

Quando nos propusemos realizar este trabalhoquestionámo-nos sobre o modo de avaliação. Optámospor procurar vários ângulos, diferentes avaliações, massempre anível sintomático que permitisse a comparaçãodos vários resultados.

Todas as avaliações revelaram efeitos positivos doPsicodrama no que respeitaàevolução sintomática.

Só o estudo longitudinal destas pessoas nospermitirá concluir sobre qual a evolução para além dossintomas.

Esperamos assim ter contribuído para a reflexãodos directores de Psicodrama empenhados na avaliaçãodo seu trabalho clínico.

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Psiquiatria Clínica,14, (3), pp. 187-195, 1993

Importância doCoping no Rendimento Escolar*

POR

ISABEL MARIA DA CRUZ FERREIRA (I)

Resumo

O presente trabalho procurou estudar a influência docoping no rendimento escolar. Partiu-se do princípioque os alunos com melhores estratégias de resolução de problemas obtinham melhores resultados escolares (evice-versa). Utilizou-se uma amostra de 507 alunos de três Institutos Poli técnicos, que foi dividida em dois gruposextremos de médias escolares (de 125 estudantes cada).O coping (variável independente) foi medido pelo"Inventário de Resolução de Problemas" (de Vaz Serra, 1988); e o rendimento escolar (variável dependente)mensurado pela média aritmética das notas obtidas no ensino superior. Os resultados obtidos permitiram concluirO seguinte: alunos com melhores médias escolares apresentam melhores estratégias gerais de coping, mas nemsempre melhores mecanismos específicos de resolução de problemas; algumas das estratégias específicas decoping, predizem piores médias escolares; estratégias gerais de coping, predizem médias escolares mais elevadas.

PALA VRAS-CHAVE: Coping, rendimento escolar.

INTRODUÇÃO

Muitos autores (Bemad (1990), Biggs (1984),Cruz (1988, 1989a), Serrano (1989), entre outros) têmprocurado conhecer melhor asvariáveis que influenciamo rendimento escolar. Considerado como uma variávelmuito complexa que resulta da interacção de diversosfactores (difíceis de delimitar com clareza), a maioriados estudos ou incide sobre a definição do próprioconceito ou sobre as múltiplas variáveis que lhe estãoassociadas.

As notas/classificações escolares que resultam daavaliação que os professores fazem dos seus alunos,constitui o critério operacional mais utilizado pelosinvestigadores, embora alguns optem por resultados deprovas estandardizadas em áreas específicas

(matemática, compreensão da leitura, ...) (Serrano,1989).

Biggs (1984) considera que a perspectiva maisadequada ao estudo das variáveis que contribuem parauma determinada nota escolar, é a que faz interagirvariáveis de personalidade com situacionais, ,nomeadamente: estilos cognitivos, características depersonalidade, factores intelectuais, natureza edificuldade da tarefa, método de estudo, forma deavaliação, aspectos motivacionais e afectivos, auto-conceito escolar, expectativas acerca da realização,etc ..

Se atendermos: às exigências escolares dosprogramas de cada nível de escolaridade; ao consumode forma intensa e não estruturado de informação (quedificulta a organização de conhecimentos pertinentes);

(I) Mestre em Ciências da Educação. Professora Adjunta na Escola Superior de Tecnologia de Tomar (InstitutoPolitécnico de Santarém). R. Professor Andrade, n.º 32, l.º dto. - 2300 Tomar

* Este trabalho apresenta um (outro) estudo realizado com os dados da amostra utilizada pela autora, na dissertaçãode Mestrado em Ciências da Educação apresentadaà Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação daUniversidade de Coimbra (1990).

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188 Isabel Maria da Cruz Ferreira

à discrepância entre o rendimento e as expectativasgeralmente altas formuladas por pessoas significativas(pais, professores, colegas); à pressão psicológicaefectivada pela competição escolar (ser o melhor aluno,o papel que o sucesso escolar assume no futuroprofissional); à presença em muitos alunos de níveiselevados de ansiedade aquando de avaliações escolares(e que interfere negativamente no rendimento); entremuitos outros aspectos, podemos pensar que o frequentara escola constitui para muitos alunos, uma situaçãoaversiva ou ameaçadora, ou seja uma fonte de stress querequer a mobilização de diversas estratégias para lidarcom ela.

O frequentar o ensino superior significa para muitosalunos, não apenas mudar de ambiente físico, social,psicológico e acadérnico, como também defrontar-secom matérias mais complexas e maiores níveis decompetição (Pennebaker, Colder e Sharp, 1990).

Deste modo, podemos supor que diferenças derendimento escolar poderão estar associadas não só adiferenças na capacidade intelectual, motivação derealização, etc., mas também a dificuldades do alunoem lidar com o stress que os aspectos da própria situaçãoescolar provocam.

Coping e stressCoping é um termo de origem anglo-saxónica

(Silva e Firmino, 1988) traduzido habitualmente para anossa língua por «estratégias de confronto" ou "formasde lidar" com situações de stress

O stress e seus resultados são mediados por doisprocessos: coping e avaliação cognitiva. SegundoFolkman e col. a«... avaliação cognitiva é o processoatravés do qual o indivíduo calcula se um encontroparticular com o ambiente, é relevante para o seu bemestar e se assim for de que modo o é" (1986, 992).

Existem três formas de avaliação: a avaliação primária,a avaliação secundária e a reavaliação. Na avaliaçãoprimária o indivíduo avalia sea transacção é significativapara o seu bem estar ou não. Estas avaliações subjectivaspodem ter um cariz positivo (quando conduzem aconsequênciaspositivas); irrelevante (quando não têmsignificado e por isso, são ignoradas); ou negativo(nomeadamente sobre a forma de ameaça. dano oudesafio) (Folkman e col., 1986; Vingerhoets, 1985).

A avaliação de uma situação como dano. refere-sea situações desagradáveis que já ocorreram no passado(doença; perca de um membro do corpo; perca derelacionamentos significativos); de ameaça. quandoenvolve a antecipação de ocorrências negativas idênticasàs de dano, mas que ainda não aconteceram; e na

situação de desafio, o indivíduo considera que tempossibilidades de ultrapassar as dificuldades.

Na avaliação secundária "... o indivíduo avalia sealgo pode ser feito para ultrapassar o prejuízo ... oumelhorar as perspectivas de benefício" (Folkman ecol., 1986, 993) e examina os recursos (de naturezafisiológica, psicológica, social ou material) e as opçõesde coping (modificação da situação; procura deinformações relevantes; aceitação da situação; etc.),sobretudo aquando de dano, ameaça e desafio.

Na reavaliação, o indivíduo faz um balanço daavaliação primária e secundária para determinar se asituação é significativa para o seu bem estar, e sereconhece que não tem aptidões para lidar com ela,então entra em stress (Vaz Serra, 1989).

As definições decoping embora inúmeras, dummodo geral enfatizam que se trata de um conjunto de" ... esforços cognitivos e comportamentais empermanente mudança de uma pessoa para lidar comexigências específicas externas e/ou internas, que sãoavaliadas como pondo à prova ou excedendo os recursosdo indivíduo" (Folkman e col., 1986, 993). Destemodo: (a) ocoping é definido como os esforços paralidar com as exigências independentemente dosresultados; (b) é um processo orientado pois envolvemodificações cognitivas e comportamentais ao longodos esforços; (c) e é visto como contextual, pois dependede variáveis situacionais e pessoais (Folkman e col.,1986; Vingerhoets, 1985).

Lazarus e col. consideram que ocoping tem duasfunções majoritárias, muitas vezes associadas:

- coping orientado para o problema ou seja,modificação da relação indivíduo/situação, através deesforcos para lidar com os agentes destress, pelaalteração do comportamento do indivíduo e/oumudanças nas condições ambientais;

- coping orientado para a emoção, ouseja,regulação do estado emocional, através de esforços quepossibilitam o indivíduo pensar e agir. Incluem porexemplo, selecção de aspectos positivos dapersonalidade ou da situação, evitar o agente destress,etc. (Compas, 1987).

** *

Em suma, o processo decoping diz respeito àsestratégias que o indivíduo utiliza para lidar comsituações de ameaça, dano e desafio; e determina aqualidade da vida. As estratégias decoping são muitovariadas epodem irdesde uma aproximação aoproblemae sua resolução, a outras, que conduzem à fuga e/ouevitamento da situação.

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Importância CÚJ Coping no Rendimento Escolar 189

FACTORES DE PERSONALIDADE E MOTIV ACIONAIS

SITUAÇÃORESPOSTAS

FISIOLÓGICAS

COMPORT AMENTOS/COGNIÇÕES DE

CONFRONTO

(ex.: estudar muito/pouco;sair com amigos; ele.

Fig. 1 - Modelo de stress/coping escolar

Modelo de stress/coping escolarNeste sentido apresentamos um modelo destresst

coping escolar (cf. Fig. I) que adaptámos de Cruz(1989 b, 4).

Este modelo envolve:- Interacções entre os recursos do indivíduo e as

exigências ambientais- Avaliação cognitiva, que inclui "a) avaliação

das exigências; b) a avaliação dos recursos disponíveispara lidar com as exigências; c) a avaliação daseonsequências se as exigências não foremcorrespondidas; e d) o significado que asconsequênciastêm para o indivíduo" (ibidem). Deste modo, um alunoque considere que o seu valor pessoal é definido pelosucesso na escola, comparado com outro que lhe atribuium significado reduzido, uma mesma nota/médiaescolar, assume diferentes significados.

A construção de uma situação como perigosadepende da avaliação das exigências (avaliaçãoprimária) e dos recursos de que se dispõe (avaliaçãosecundária). As exigências podem ter origem externaou interna. Assim, podem dizer respeito a realizar umexame auma disciplina difícil, fazer um teste importantepara a decisão da nota final ou à passagem de ano; bemcomo às motivações do aluno; aos objectivos quepretende atingir (ser o melhor aluno da turma/da escola,ter uma determinada média, etc.). Os recursos incluemas competências pessoais do aluno, e um outro conjuntode recursos externos (ficar próximo do melhor aluno,utilizar copianços, etc.). Ao longo do processo, o aiunoreavalia a situação e se acredita que não consegue lidarcom a ameaça, sente-se vulnerável e por exemplo, podepôr em causa interesses de natureza social ou individual

(aceitação pelo grupo, interacção com outrossignificativos, auto-conceito, sucesso, etc.) (Cruz,1988).

Por outro lado, o processo cognitivo é tambéminfluenciado por factores de natureza individual eambienta!. De entre os factores individuais podemosreferir os da: personalidade e motivação (auto-estima,locus de controlo, crenças pessoais, auto-eficácia, traçosde ansiedade, ete.); e quanto às variáveis ambientais: oclima e ambiente na sala de aula, a competição social,características e condições de realização da tarefa, etc ..

- Respostas somáticas (tremuras, sudação,ccfalcias, ...) que ocorrem ao experienciarstress,e quecontribuem por sua vez para poder elevar a intensidadedas emoções. •

- O confronto, de que faz parte um conjunto deactos eognitivos e comportamentais que variam aolongo do tempo e podem incluir, desde uma orientaçãopara a tarefa ,(estudar muito/pouco, utilizar ou não omesmo método de estudo para as diversas disciplinas,resolver ou não as dúvidas sobre as matérias, adiar oestudo, espaçar as sessões de estudo, usarmnemónicas,fazer inferências, etc.); a suporte social (sair comamigos c/ou familiares, etc.): a outros (pedir explicações,tomar calmantes, fazer exercício físico, etc.);dependendo dum modo geral da situação, dos recursospessoais, do esti lo de avaliação cognitivo e da naturezadas respostas emocionais (Cruz, 1988; Krantz, 1983).

Alguns estudos sobrecoping no âmbito escolarDweck e Wortman (1982) defendem que as

estratégias decoping podem ser entendidas como°conjunto de esforços individuais que minimizam a

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190 Isabel Maria da Cruz Ferreira

angústia e maximizam a performance (cit. por Compas,1987). Os estudos referentes ao âmbito escolar, sãoescassos, mas parecem indicar que melhores estratégiasde coping conduzem a maior rendimento escolar.Vejamos alguns desses estudos.

Segundo Compas (1987) os bons alunos constituemum exemplo de indivíduos com boas estratégias decoping, já que apresentam níveis mais elevados demotivação, são mais persistentes na resolução deproblemas e têm mais concentração. Em contraste, ascrianças a quemé necessário dar ajuda, apresentampiores estratégias de coping, esforçam-se .menos,desencorajam com mais facilidade e têm menorperformance escolar.

Smith (1989) realizou um estudo com alunos doensino secundário que apresentavam elevados níveisde ansiedade aos testes. Ao grupo experimental aplicouum programa prático de sessões bi-semanais (de umahora cada) durante 2-3 semanas, sobre estratégias decoping para lidar com as componentes da ansiedade.Ao comparar os resultados por eles obtidos com os dogrupo controlo, observou que os primeiros apresentavamdecréscimos significativos nos níveis de ansiedadeexperienciados nos testes, bem como melhoresresultados escolares.

Mikulincer (1989) ao expor 88 alunos de CiênciasSociais da Universidade de Bar Ilan a quatro problemasirresolúveis, encontrou que apenas os indivíduos queutilizavam ao mesmo tempo estratégias de problemafocado de coping e problema focado pela emoção, nãoevidenciavam défice de rendimento.

HipótesesAtendendo ao exposto, estabelecemos as seguintes

hipóteses de trabalho:Hl - Alunos com melhores médias escolares

apresentam melhores estratégias de coping, emcomparação com os de piores médias escolares.

H2 - Algumas estratégias de coping predizemmelhor as notas escolares 'de cada um dos gruposextremos de médias escolares.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostra inicialDa amostra inicial fazem parte 507 estudantes, 134

do sexo masculino e 373 do sexo feminino. Todosalunos do 1.º/2.º/3.º ano de Cursos Superiores dosInstitutos Politécnicos de Leiria, Santarém e Setúbal(durante o ano lectivo 88/89). As características geraisda amostra inicial estão expostas no Quadro 1.

A média das idades corresponde ao período dosjovens adultos e embora a média dos alunos sejaligeiramente superiorà das alunas, a diferença não ésignificativa. A grande maioria dos estudantes frequentao 1.º e 2.° anos dos cursos.

Instrumentos de medidaVariável independenteA fim de medir a variável independente foi utilizado

o «Inventário de Resolução de Problemas" de VazSerra (1987) que é um instrumento de auto-avaliaçãoque pretende medir as reacções dos indivíduos a

Total Homens Mulheres t-teste p

N 507 134 373

Idade

Média 21,886 22,075 21,818 -,831 .406 n.s.

D.P. 3,068 3,442 2,924

Ano do curso

1.º 216 60 156

2.º 211 4"j 164

3.º 80 27 53

Quadro 1 - Características gerais da amestra inicial

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Importância do Coping no Rendimento Escolar

situações do quotidiano envolvendo aspectos denatureza interpessoal (Vaz Serra, 1988). A escala expõesituações específicas dedano, ameaça e desafio,quedão a ideia que se prolongam no tempo (sem que sejaapresentada qualquer solução); e os seus 40 itens estãodivididos em três categorias diferentes relacionadascom ostress: estratégias globais de coping, mecanismosredutores dos estados de tensão emocional ecaracterísticas de personalidade.

É uma escala unidimensional de tipo Likert,distribuída por cinco categorias diferentes, em quequanto mais altaapontuação, melhor são as estratégiasdecoping (nas questões elaboradas de forma negativa,as pontuações são invertidas).

A consistência interna da escala, obtida pelocoeficiente de Spearman-Brown é de .860; e aestabilidadade temporal (através de um teste/retestecom pelo menos um mês de intervalo) é de .808(N=102, p<.OOI).

A Fig. 2 apresenta os factores obtidos com apopulação portuguesa (Vaz Serra, 1988).

FI - Procura de ajuda

F2 - Confronto e resolução activa dos problemas

F3 - Abandono passivo perante a situação

F4 - Controlo interno/externo dos problemas

F5 - Estratégias de controlo das emoções

F6 - Atitude activa de não interferência na vidaquotidiana pelas ocorrências

F7 - Agressividade intemalizada/extemalizada

F8 - Auto-responsabilização

F9 - Confronto com os problemas e planificação deestratégias

Fig. 2 - Factores específicos do LR.P.

Variável dependenteNo início do ano lectivo 89/90 e para cada aluno,

efectuou-se o levantamento das notas nas diversascadeiras realizadas ao longo do curso e até final do anolectivo 88/89.

O rendimento escolar foi medido através da médiaaritmética das notas obtidas pelos alunos no ensino.superior.

191

Análise estatísticaOs cálculos estatísticos foram efectuados após a

estandardização prévia das médias em cada curso (cf.Ferreira, 1990). Com as médias escolares estandar-dizadas (MST) procedeu-se à constituição de doisgrupos extremos e realizaram-se testes de diferençaentre as médias (t-teste) e análise de regressãostepwise(para cada um dos grupos).

RESULTADOS

Constituição dos grupos extremosForam constituídos grupos extremos, separando

os estudantes que tinham médias iguais ou menores queo valor do I.º quartil da distribuição, dos que tinhammédias iguais ou superiores ao valor do 3.º quartil(ibidem). Ao primeiro destes dois grupos, correspondemos alunos que apresentam piores médias escolares noensino superior (GPM); enquanto ao segundo grupo,correspondem os estudantes com melhores médiasescolares (GMM).

Características gerais dos grupos extremosCada grupo (cf. Ouadro 2) é constituído por 125

indivíduos e o número de mulheres excede largamenteo dos homens (principalmente no GPM). A média deidade dos grupos é muito semelhante, corresponde aoperíodo dos jovens adultos, e não apresenta diferençasignificativa (t=1.251, p< .212). A grande maioria dosalunos do GPM frequenta o l.º ano do curso, seguidodos do 2.Q ano; o mesmo não acontecendo com o GMM.

Diferenças entre os valores obtidos nos doisgrupos

Com o objectivo de determinar quais as diferençasentre o GPM e o GMM (e em que sentido) efectuámost-testes (cf. Quadro 3). Como podemos observar oGMM apresenta diferenças significativas e médiasmais elevadas em relação a GPM para os valores de:IRPT, F2, F3, F5, F8.

Análise de regressão stepwiseCom o objectivo de seleccionar variáveis que

melhor predizem as melhores ou piores médiasescolares, efectuámos análises de regressão stepwise(1) para cada um dos grupos extremos. Tomámos como

(1) Em virtude da variável dependente(MST) apresentarvalores próximosde zero (porqueestandardizada) optámospor utilizar regressões sem constante, prática que segundoWilkinson (1987) éhabitual nestas situações.

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192 Isabel Maria da Cruz Ferreira

GPM GMM t-test

N 125 125

Homens 21 44

Mulheres 104 81

Idade

Média 21,952 21,488 1,251

D.P. 2,439 3,354

Ano do curso

l.2 77 41

2.2 43 51

3.2 5 33

p

212 n.s.

Quadro 2 - Características gerais dos grupos extremos de médias escolares estandardizadas

GPM GMM t-teste p

Variáveis média d.p. média d.p.

IRPT 153.592 10.463 156.976 11.496 -2.434 *FI 15.824 2.877 15.512 3.291 .798 n.s.

F2 26.136 4.203 27.496 , 4.031 -2.611 *F3 13.360 1.725 13.776 1.408 -2.089 *F4 31.152 . 4.951 31.184 4.696 -.052 n.s.

F5 16.824 2.345 17.448 2.394 -2.081 *F6 11.944 2.160 12.088 2.396 -.499 n.s.

F7 9.448 .911 9.600 .852 -l.362 n.s.

F8 16.728 2.418 17.448 2.357 -2.384 I *F9 12.096 1.953 12.344 1.746 -1.058 n.s.

Quadro 3 - Valores obtidos para os grupos extremos

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Importância do Coping no Rendimento Escolar 193

Variável Coeficiente p

Independente

T Análise de variância

F-Ratio p

FI

F3

-.027

-.061

-2559

-4.775

.012

.000

500.196 ***

(R2: .891)

Quadro 4 - Variáveis independentes e escolhidas pela análise de regressão stepwise para GPM

Variável Coeficiente p

Independente

T Análise de variância

F-Ratio p

IRPT .008 24.977 .000

623.829 ***

(R2: .834)

Quadro 5 - Variável independente escolhida pela análise de regressão stepwise para GMM

variável dependente aMST e como variávelindependente os valores de I.R.P. (cf. Quadro 4 e 5)

Para GPM, o modelo explica 89,1 % da variânciatotal das médias e o valor de F é altamente significativo(F= 500.196, p< .000). A variável independente maisestável é F3 seguida de FI

Com a análise de regressão stepwise realizada parao GMM, obtivemos um modelo que explica 83,4% davariânciaeo seuF éaltamente significativo (F= 623 .829,p< .000). A variável escolhida (IRPT) é altamenteestável (T= 24.977, p< .000).

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Em virtude do grupo dos melhores alunos em

comparação comogrupo dos piores alunos, nem sempreapresentar melhores estratégias (gerais e específicas)de coping, não se confirma al.ª hipótese. Assim, osalunos com melhores médias escolares apresentam asseguintes características: melhores estratégias geraisde coping (IRPT); confrontam-se mais com os seusproblemas e fazem mais tentativas para os resolver(F2); tendem a abandonar-se passivamente às situações(F3); sentem que controlam mais as suas emoções (F5);autoresponsabilizam-se e receiam mais asconscquências (F8).

Compas (1987) e Smith (1989) tambémencontraram que os melhores alunos são os queapresentam melhores estratégias gerais de coping.

Os resultados obtidos permitem comprovar a 2.ª

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194 Isabel Maria da Cruz Ferreira

hipótese:A análise de regressãostepwise efectuada para osalunos do grupo das piores médias escolares,revelou que: um maior abandono passivo àssituações (F3), e urna maior tendência para procurade ajuda (FI), são os factores que mais contribuempara a predição de piores médias escolares.A análise de regressãostepwise realizada para osalunos com melhores médias escolares, indica quemelhores estratégias gerais decoping (IRPT)predizem as melhores médias académicas.Ao sintetizar os nossos resultados, pudemos extrair

as seguintes conclusões:

alunos com melhores médias escolares apresentammelhores estratégias gerais de coping, mas nemsempre melhores mecanismos específicos deresolução de problemas;

- algumas das estratégias específicas de copingpredizem piores médias escolares;estratégias gerais decoping predizem melhoresmédias escolares.

AGRADECIMENTOA autora agradece ao Professor Doutor Adriano

Vaz Serra os seus valiosos comentários e sugestões, na

elaboração deste artigo.

Abstract

This work concems the study of the influence of coping in the performance at school. It started from theprernise that students with the best strategies of problems resolutions would obtain better school results (and vice-versa). A sample of 507 students was used from three politechnical institutes. which was divided into two extremegroups of average school marks (125 students each). The coping (independent variable) was measured by the"Inventary ofproblems resolutions" (by Vaz Serra,1988); and the performance at school (dependent variable)calculated by the arithmetic average of the marks obtained while at the institutions. The results obtained haveallowed to make the following assertions: students with the best average school marks presented the betterstrategies of coping, but not always the best specific mechanisms of problems solving; some of the specificstrategies of coping, forecast superior school marks averages.

KEY -WORDS: Coping, performance at schooI.

Résumé

Le présent travail a cherché à étudier l'influence ducoping dans le rendement scolaire. On est parti duprincipe que lesélêvesavec les meilleures stratégies de résolution deproblêmes, obtenaientles meilleurs résultatsscolaires (et vice-versa). On a utilisé un échantillon de 507 élêves de trois Instituts Polytechniques duPays, quifut partagé en deux groupes extrêmes de moyennes scolaires (de 125 élêves chacun).

Le coping (variable indépendante) a été mesuré par 1"'Inventaire de Résolution deproblemes" (de VazSerra,1988); et le rendement scolaire (variable dépendante), a été mesuré par la moyenne arithmétique des notesayant été obtenues dans l'enseignement supérieur. Les résultats ont permis de conclure lachose suivante: lesélêves avec les meilleures moyennes scolaires présentent les meilleures stratégies générales decoping, mais pastoujours les meilleurs mécanismes spécifiques de résolution de problêmes; certaines stratégies spécifiques decopingprédisentde mauvaises moyennes scolaires: les stratégies générales decopingprédisentmeilleures moyennesscolaires.

MOTS-CLÉ: Coping, rendement scolaire.

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Importância doCoping no Rendimento Escolar 195

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Psiquiatria Clínica, 14, (3), pp. 197-205, 1993

Evolução e Panorama da Psiquiatria e Saúde Mental na China

POR

INÊs SILVA DIAS (I) eJOSÉ VICENTE FLORES(2)

INTRODUÇÃO

Ao longo dedecénios os países do Extremo Orientee particularmente a China têm estado envoltos emmistério e, os seus povos, hábitos e cultura são malconhecidos ou indevidamente ajuizados pelosocidentais. Esta situação deriva de várias razões e ofacto da China se fechar ciclicamente ao contacto como exterior constitui uma das principais. Aindarecentemente nos anos 60 e 70, era praticamente proibidovisitar a China, ou quando sucedia haver permissãopara determinados grupos de visitantes entrarem, eleseram devidamente acompanhados e as suas desiocaçõesestritamente programadas. Só na década de80 asfronteiras da China reabriram e começou umintercâmbio mais intenso com o exterior anível turístico,económico, comercial, científico e cultural.

Residindo nos últimos anos no território de Macauque, pode considerar-se como uma das franjas daimensa vastidão territorial da China, tem sido possívelconviver e observar uma população maioritariamentechinesa, obter informação sobre estas gentes, visitaralgumas regiões desse grande país.

Como especialistas em psiquiatria temos estadoparticularmente atentosà realidade da dupla doençacultura, integrados no sistema de medicina ocidental.

Colocando-nos na perspectiva da nossa formaçãoacadémica e cultural, procurámos saber como eram osserviços de saúde mental e psiquiatria da RepúblicaPopular da China. O trabalho que realizámos com essafinalidade levou a compilarmos dados e notas queposteriormente organizámos para escrever o presenteartigo o qual, pensamos, pode contribuir para umavisão da história da nossa especialidade no mundo,

(l) Chefe de Serviço Hospitalar em Psiquiatriar) Assistente Hospitalar em Psiquiatria

bem como para um conhecimento fundamentado sobreuma parcela da psiquiatria de hoje no Oriente.

As fontes de informação em que baseámos estetrabalho encontram-se dispersas em artigos e, poucoslivros encontrámos sobre a matéria. São essencialmenteobras de ocidentais ou de chineses "ultramarinos" que,visitaram a China nos anos que se seguiram à RevoluçãoCultural e, têm de diversas formas, ligações à realidadedeste povo.

Distingue-se o trabalho do Dr. Michael Phillipsque desde os anos80 reside numa cidade do interior -Sashi, província de Hubei - trabalhando como psiquiatrae investigador num hospital da especialidade e quetemos o privilégio de conhecer pessoalmente.Mencionamos as investigações conduzidas pelaassistente social Veronica Person da Universidade deHong Kong e os artigos que tem vindo a publicar. Olivro editado pelo Professor Tsung-Yi-Lin "MentalHealth Planning for One Billion People - a ChinesePerspective", deu-nos uma panorâmica vasta, actual eobjectiva. A forma como aborda assuntos com algummelindre porque reflexos políticos próximos enegativossobre a psiquiatria e saúde mental se fizeram sentir,constitui um relato sério e corajoso. Foi a nossa fonteprincipal sobre os dados históricos. '

Referimos tambémO trabalho compilado pela OMSem 1988sobre os Serviços de Saúde Mental na Regiãodo Pacífico Ocidental, com relatórios dos dez paísesmembros incluindo a China.

As publicações de autores da República Popularda China são escassas e o material disponível publicadoem língua inglesa compreende pouco mais que adescrição dos Serviços de Saúde Mental em Shanghaie do Instituto Psiquiátrico de Pequim. A área

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198 Inês Silva Dias e José Vicente Flores

metropolitana de Shanghai possui um Centro que "podeser considerado como um modelo para o país" (l l) etem sido o principal polo de desenvolvimento a partirdos anos 80.

Os serviços existentes em MacaU;'Hong Kong eTaiwan onde a realidade é substancialmente diferentee o desenvolvimento desta especialidade tem estadosujeito a contextos sócio-políticos bastante diferentesda China, não são analisados, no presente artigo.

POPULAÇÃO E CARACTERÍSTICAS GERAIS

A China é um dos países de maior extensãoterritorial e o mais populoso no mundo.

A sua áreaéde 9.600.000 KM2, aproximadamenteigual á do Continente Europeu, sendo praticamentehabitável em todas as zonas ouregioes.Administrativamente divide-se em 24 Províncias

(incluindo Taiwan), 3 Municipalidades ou áreasMetropolitanas e 5 Regiões Autónomas.

A região central da China com uma área de3.734.000 KM2 inclui 19Províncias, 3 Municipalidadese 1 Região Autónoma.

A população, segundo o censo de 1982,é de1.003.940.000 habitantes, dos quais 845.110.000habitam na referida região central. O ratio populacionalentre os anos 60-80 diminuiu, devido à tomada demedidas políticas controlando a natalidade, como seja,a política do filho único por família.

Numeros entretanto aparecidos na. imprensarelativos ao censo de 90, apontam para um crescimentopopulacional superior ao esperado.

A maioria da população pertence ao povo Han,com 93,3% do total, sendo os restantes divididos porcerca de 55 minorias étnicas, Pode pois considerar-seurna populaçao multicultural, da qual cerca de 80%

MER DE CHINEORlE!>TALE

(J'.

Quadro 1 -A traço grosso delimita-se a região Central da China(in "Précis d'Histoire de Chine", Ed. Foreign Languages Press, Beijing - China)

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Evolução e Panorama da Psiquiatria e Saúde Mental na China

vive em área rurais de dificil acesso a regiõesmetropolitanas.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PSIQUIATRIANA CHINA

o estabelecimento da Psiquiatria e o seudesenvolvimento como profissão surgiu tardiamentequando comparada com outras disciplinas de Medicina.Foi por acção de missionários e médicos europeus eamericanos que se introduziram as primeiras unidadespsiquiátricas em Hospitais, dos quais o primeiro surgiuem Cantão em 1898.O aparecimento e desenvolvimentode outras unidades continuou por toda a primeira metadedo século XX essencialmente nos principais centrosurbanos.

Apesar deste atraso no desenvolvimento daespecialidade, a doença mental já era conhecida naChina há mais de dois mil anos, havendo em textosclássicos referências descritivas a alguns quadrosclínicos psiquiátricos.

Até ao séculoXVII desenvolveu-se a observaçãoe classificação das doenças mentais, sendo em relaçãoà "Loucura" descrito o seu caracter crónico eprogressivamente deteriorante. Relativamente aosprocedimentos terapêuticos, baseados nos métodostradicionais, efectuaram-se também avanços, nãohavendo no entanto, tradicionalmente, o uso dointernamento dos doentes mentais em instituições,sendo antes cuidados pelos familiares, ou abandonadosvagueando pelas ruas. Após o século XVII, e até aoséculo XX, pouca alteração e evolução se verificaramna área da Psiquiatria, como atrás referimos.

Com a formação da República Popular da China(1949), o poder político, pôs um ênfase semprecedentes na política de saúde, contribuindo parauma elevação do estatuto da Psiquiatria e SaúdeMental. Nessa época iniciou-se a organização dosserviços com atenção particular para os aspectos daformação, treino de pessoal e investigação, sob ainfluência da Psiquiatria Soviética. Para isso contribuiua política de restrição de contactos, a todos os níveis,com os países ocidentais não comunistas, tornando aURSS, praticamente na única ligação da China com oMundo Exterior. Assim a Psiquiatria Soviética passoua exercer uma grande influência, e a Teoria Pav lovianaforneceu o modelo dominante de compreensão docomportamento humano.

A reorganização do ensino médico de acordo comesta teoria bem como a proibição da Psicologia,Sociologia e Antropologia, contribuiram para acentuar

199

o fosso em relação ao Ocidente, não integrando aPsiquiatria Chinesa, o avanço daquelas ciências,notando-se ainda hoje os reflexos destas medidas.

Apesar das convulsões políticas de então, aPsiquiatria continuou a desenvolver-se, surgindo novoshospitais psiquiátricos e respectivos Serviços nasFaculdades de Medicina.É também nos anos 50 que éfundada a sociedade científica dos Neurologistas ePsiquiatras, e iniciada a publicação do seu jornal.

Em 1958, pela primeira vez realizou-se umaConferência Nacional de Psiquiatras definindo as linhasorientadoras dos programas de Saúde Mental na China.Destas constavam, a adopção de uma abordagemcolectivista ("linha de massas") em substituição daabordagem individualista, a integração da MedicinaTradicional Chinesa na Psiquiatria, como modalidadede tratamento e meio de contrabalançar o que eraconsiderada a aderência cega às teorias e prática daPsiquiatria Ocidental. Dá-se então um grandecrescimento da Psiquiatria e seus Serviços sendo umaépoca de consolidação das estruturas existentes.

As vicissitudes do relacionamento China-URSSconduziram em 1959à ruptura das relações entre osdois países, levando a um isolamento da China peranteo exterior, naturalmente com reflexos na Psiquiatria,assistindo-se ao reforço das orientações da Conferênciade 1958.

Nesta época ocorreu também um fenómeno políticomarcante que influenciou todos os aspectos da vidachinesa. "O grande salto em frente", sob o lema "Políticaacima de tudo" e que ao nível da Saúde se transformouno slogan "tudo pelo doente e tudo pela causa dareconstrução socialista". Este acontecimento levou amudanças radicais no tipo de cuidados psiquiátricosprovidenciados, nomeadamente a introdução da políticade porta aberta, a promoção de actividades recreativase ocupacionais, a integração dos pacientes na áreaprodutiva e ao mesmo tempo a discussão e participaçãopolíticas.

Referiremos também, pelo seu inedetismo, acampanha desenvolvida contra a Neurastenia, patologiaque rapidamente vinha a aumentar de proporções comsérios reflexos pelo elevado absentismo no trabalho,gerando uma baixa acentuada da produtividade. Estacampanha caracterizou-se pelo ênfase posto no combatea esta perturbação, valorizada essencialmente pelosseus efeitos debilitantes na vida económica.

Em 1966, iniciou-se uma época que deixou marcas

profundas a todos os níveis da sociedade chinesa: ARevolução Cultural.

A Revolução Cultural tomou-se uma campanha

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200 Inês Silva Dias e José Vicente Flores

violenta a nível nacional que abaloutodas as área devida chinesa sob o lema "Servir o Povo". Neste apenaseram incluídos os operários, camponeses e soldados.Os intelectuais e suas famílias não eram considerados"povo" sendo vítimas de descriminação e mesmoperseguição.

Os slogans da Revolução Cultural apelavam paraa auto-suficiência, igualitarismo e descentralização.Na área da Saúde Mental a aplicação destes princípiostraduziu-se num ênfase marcado no conteúdo políticodas actividades e programas terapêuticos e na diluiçãodas responsabilidades entre as diferentes classes deprofissionais de saúde.

As consequêcias negativas da Revolução Culturalforam crescendo com a destruição e desestabilizaçãolevada a cabo pelos Guardas Vermelhos. Ao nível daPsiquiatria tiveram um impacto ruinoso, não só pelosmotivos atrás referidos mas também pelo facto de ospsiquiatras terem recebido dos Guardas Vermelhosum tratamento mais duro, sendo apelidados de "contrarevolucionários" e "burgueses" e os doentes de"possuidores de maus pensamentos". Muitos dospsiquiatras foram humilhados, torturados e enviadospara trabalho manual em campos de reeducação emzonas remotas da China. Um grande número deHospitais Psiquiátricos foi encerrado e os quepermaneceram abertos tiveram de reduzirdrasticamente as suas actividades, tendo praticamenteparado a actividade clínica, investigação e formaçãopsiquiátrica.

Com o fim da Revolução Cultural e a política deabertura entretanto iniciada em finais dos anos 70,começaram a reconstruir-se os Serviços, que ossobreviventes da Revolução Cultural vieram encontrardelapidados e tendo como pessoal um pequeno númerode médicos jovens e com formação muito básica.

Com a definição da política das 4 Modernizações estaabertura acentuou-se, intensificando-se contactos comos países ocidentais e retomando-se a partici pação emorganismos e reuniões internacionais.

Nos anos oitenta proferiram-se declarações deintenção no sentido de organizar e desenvolverServiços de Saúde Mental voltados para a Comunidade.Com esta finalidade foram levadas a cabo iniciativasque conduziramàorganização de um Comitê Nacionalpara a Saúde Mental integrando representantes dediversas áreas da administração e vida social. Em1985 constituiu-se uma organização multidisciplinara Associação Chinesa de Saúde Mental, tendo em1987 iniciado a publicação do Jornal Chinês de SaúdeMental.

ESTRUTURAS E ORGANIZAÇÃO DESERVIÇOS

A saúde mental e psiquiatria está integrada nosserviços gerais de saúde dependentes do respectivoministério do governo central, o qual se divide emdepartamentos de saúde pública das municipalidades eprovíncias da China num total de 29.

Esta especialidade não é contemplada com umaestrutura própria que enquadre e defenda os princípiose normas que lhe são peculiares, não existindo mesmolegislação sobre saúde mental.

As decisões políticas envolvendo a saúde mental ea coordenação dos serviços, são tomadas com apoio deum comité consultivo, composto por directores dedepartamentos de psiquiatria de escolas médicasconceituadas. A partir deste comité organizam-sesubcomités para estudar determinadas matérias maisespecíficas, como sejam estudos epidemiológicos,classificação das doenças mentais e outras.

Como atrás referimos durante a Revolução Culturala Saúde Mental sofreu importantes revezes,desorganizando estruturas incipientes que desde aimplantação da República tinham surgido e fazendoretroceder conceitos e formas de encarar a doençamental então tida como uma doença ideológica. Areorganização inicia-se no final dos anos 70, começandoa evidenciar-se nos anos 80, surgindo em 1985 a"Associação Chinesa de Saúde Mental" cujos objectivoscontemplam: a formação e treino de pessoal; a expansãoe desenvolvimento de conhecimentos; a organizaçãode conferências e actividades de investigação. Em1987 surge pela primeira vez uma "Revista Chinesa deSaúde Mental". Contudo, o trabalho a desenvolver napresente década de 90 é árduo se atendermosànecessidade de integração harmónica dos conceitos

provenientes da biologia, psicologia e sociologia nacompreensão da doença mental.

No panorama actual, os cuidados ainda estãocentrados no modelo do hospital psiquiátrico. onde sãoatendidas as situações mais pesadas e graves.principalmente os doentes com esquizofrenia.

Não há serviços que prestem assistência a distúrbiosemocionais e mesmo a Psiquiatria Infantilé feita nasenfermarias dos hospitais psiquiátricos.

Estes situam-se geralmente nas grandes cidades e,nos centros urbanos de Beijing, Nanking e Shanghaiexistem também centros e institutos com funções

assistênciais e de pesquisa.Os casos sob alçada da lei são tratados em hospitais-

prisão dependentes do Ministério da Segurança Pública.

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Evolução e Panorama da Psiquiatria e Saúde Mental na China

As Forças Armadas dispõem dos seus própriosServiços de Saúde, incluindo naturalmente a área daPsiquiatria. Estes Serviços prestam assistência aosmilitares no activo bem como aos já retirados.

Se as informações e elementos publicados sobre osServiços de Saúde Mental na China, já não sãoabundantes, relativamente aos Serviços Militares, talcomo tudo o que envolve as Forças Armadas o assuntoé praticamente tabú.

O número de hospitais psiquiátricos existentesactualmente na China é de 414, com cerca de81.000camas, segundo estatísticas oficiais de 1989 "emboraestes números possam ser sobrestimados" (4). Amaioriadestas camas situa-se em áreas urbanas, como dissemos,embora80% da população resida em zonas rurais onde'os cuidados psiquiátricos são inadequados ouinexistentes. Daqui resulta uma assistência desniveladacom desarticulação dos cuidados prestados. Adiantereferimos com mais detalhe este aspecto.

Prevalece o modelo médico de intervenção semrecurso de técnicos com outras formações, como sejamterapeutas ocupacionais, assistentes sociais, psicólogose com uma especialização sub-dotada de médicos eenfermeiros, essencialmente preocupados com a tomadade medicação e desvalorizando o papel dos factorespsico-sociais nas recaídas e mesmo na etiologia dasdoenças mentais.

Os programas de tratamento incluem à cabeça aadministração de psicofánnacos, mas o uso da medicinatradicional e a aplicação da acupunctura e da ervanáriasão métodos também utilizados. Procura-se ainda queos doentes participem nas actividades de rotina dasenfermarias e estabelecem-se programas com umafinalidade eminentemente prática de ajustarcomportamentos e de "corrigir o pensamento dosdoentes", através das "classes de estudo" e "conversas-

coração-a-coração". A noção de "classe-de-estudo"ébastante diferente daquilo que sepode inferir do conceitoe da palavra "estudo" no ocidente. Esta, tem umsignificado particular em chinês, estando mais ligada aconteúdos políticos e morais do queà aprendizagempropriamente dita. Por outro lado e segundo a doutrinade Confúcio o self pode ser transformado.através daeducação. Assim sendo, as "classes de estudo" sãoformas de tratamento em grupo em que se abordamassuntos vários como sejam os sintomas de doençamental, a responsabilidade dos cidadãos, o sistemaprodutivo, etc ..

Nas conversas "coração-a-coração" os membrosdo staff dão oportunidade ao doente para falar sobre osseus problemas, com o objectivo de o tornar capaz de

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compreender a sua patologia para no futuro podermodificar o seu comportamento.

Nos hospitais psiquiátricos existem departamentosde consulta para doentes em ambulatório. Aqui também,sãoutilizados ospsicofánnacos e amedicina tradicional.

O serviço da consulta desempenha ainda um papelde coordenação com a chamada "Divisão de Prevençãoe Promoção" que é a estrutura para onde sãoencaminhados casos clínicos cuja principal tónica éposta na reabilitação e reinserção social. Nalgumasáreas metropolitanas esta divisão tem serviçosdomiciliários e oficinas protegidas e faz de elo deligação com instituições onde residem doentes crónicose sem família.

Em muitas províncias, os hospitais psiquiátricosque descrevemos são departamentos de escolas médicasuniversitárias. Nos últimos anos, estas escolas, têmvindo a adquirir importância na formação pré e postgraduada em psiquiatria, bem como na actividade deinvestigação, colaborando em projectos de pesquisainternacional. Contudo, o ensino de psiquiatria nasescolas médicas chinesas requer a "tomada de drásticase imediatas reformas quernos métodos querno conteúdodo ensino" (3) que éministrado. Processando afonnaçãoe treino de médicos e de especialistas, estesdepartamentos universitários de psiquiatria assumem--se como centros regionais de ensino em saúde mental,constituindo-se como institutos nas zonas de maiordesenvolvimento e aprovisionamento de bens e serviçoscomo sejam as áreas de Beijing, Shanghai, Nanjing,Sichuan (Chengdu), Changsha, Guangdong (Cantão) eHarbin (Manchúria). Estes institutos desempenhamfunções de ensino, organizam cursos e semináriosinter-regionais, e promovem conferências nacionaispara as quais endereçam convites a especialistasinternacionais.

A avaliação da psiquiatria e saúde mental na Chinado pomo de vista estatístico ou epidemiológico éextremamente difícil de fazer por razões de toda aordem. As estatísticas hospitalares não existem, comgraves inconvenientes e levantando sérias dificuldadesao planeamento da saúde mental. O número de escolasmédicas universitárias com ensino ou currícula depsiquiatria é desconhecido. Não existem números

"relativos às dificuldades de aprendizagem, problemasdos jovens, situação de alcoolismo e droga, etc.

Encontram-se referências a alguns estudosepidemiológicos em artigos, e na publicação da OMSsobre a organização dos serviços da região do PacíficoOcidental apresentam-se resultados duma amostraepidemiológicaefectuadaem 1982,cobrindo 12distritos

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A informação que fomos coligindo ao longo dosanos e posteriormente ordenámos, revelou-nos aexistência de elementos contraditórios e deixou-nos acerteza de abordarmos uma realidade complexa eheterogénea cujapráxis diária pode não coincidir comas descrições disponíveis. Reforçando esta ideia citamos"apesar da minha familiaridade com a língua, a culturachinesa, a saúde pública, encontrei certas dificuldadesnas minhas tentativas para obter uma imagem objectivada situação actual da psiquiatria e saúde mental naChina" (3). Realmente caracterizar a situação queenvolve uma vastidão populacional e territorial,apresentando grandes assimetrias entre os cuidados desaúde prestados nos núcleos urbanos e rurais,é maisum escolho à tentativa de ser objectivo. Como diz omesmo autor,justificando a asserção feita, as estatísticas-deficientes e raras, a tendência para odiscurso normativocom uso generalizado de modelos, bem como o"sindroma do passado amargo", difícul tam a reproduçãodo quadro sobre a psiquiatria na China. Com adesignação de sindroma do passado amargo refere-seum fenómeno histórico ecíclico que aparece sempreque há mudança nas dinastias ou imperadores e maisrecentemente com aRepública, comunismo eRevoluçãoCultural, sendo aproveitado pelos novos govemantes

0,10% que lembram o passado amargo em contraste com oshorizontes de esperança que se abrem no futuro, paraobter adesão ao novo regime, criando um clima deeuforia e crédito popular.

Não restam dúvidas que a assistência psiquiátricaoferecida à população do campo, das zonas ruraisafastadas dos centros urbanos épraticamente inexistente.Já em zonas rurais limítrofes das áreas metropolitanasexistem cuidados psiquiátricos organizados peloscentros e institutos das cidades respectivas.

As próprias estruturas de saúde a nível das aldeiasou de aglomerados maiores defrontam-se comproblemas assinaláveis. Os cuidados clínicos sãoprestados por "médicos-pé-descalço" os quais não têmqualquer preparação do ponto de vista psiquiátrico. Oshospitais gerais destas regiões não têm enfermarias depsiquiatria nem consulta desta especialidade. Oshospi tais psiquiátricos são raros e funcionam de acordo

A descrição que vimos fazendo sobre a Psiquiatria com o modelo já referido anteriormente. Digamos quee Saúde Mental na China é certamente incompleta, mas a falta de técnicos minimamente sensibilizados para osprocura dar uma visão tão aproximada quanto possível" problemas de saúde mental e psiquiatria, sequer comda realidade que temos do outro lado das "Portas do conhecimentos elementares, é uma constante nas zonasCerco" e que, duma maneira ou de outra, nos aparece rurais. Daí que os "curandeiros" desempenhem umquando atendemos residentes recentes, imigrantes importante papel. Legalmente eles estão proibidos deilegais, enfim quando contactamos com uma parcela exercer actividade, masé um facto que eles sãosignificativa da população do territóÍi.o. procurados e dão uma primeira resposta a muitas

em diferentes partes do país, envolvendo uma populaçãode pouco mais de 38.000 indivíduos. Constata-se aseguinte prevalência de doenças mentais:

PREV ALÊNCIA DOS DISTÚRBIOSPSIQUIÁTRICOS NA CHINA, 1982 *

EsquizofreniaAtraso mental

5,69%2,88%0,76%0,~8%

Distúrbios afectivosPsicoses reactivasDistúrbios psiquiátricos

associados com doençasvasculares cerebrais

Psicose epilépticaToxicodependênciaDistúrbios paranóidesDemência senilDistúrbios psiquiátricos

associados com traumatismos

0,50%0,42%

0,39%0,29%0,29%

intra-cranianosAlcoolismoDistúrbios de personalidadeDistúrbio esquizo-afectivoDistúrbios associados com

0,21%0,16%0,13%0,10%

doença físicaDistúrbios associados com

alcoolismo crónico 0,03%0,03%0,03%

Infecção intracranianaPsicoses tóxicas

* Adap. da Pub. OMS pág. 47

Como se pode constatar as designações relativasaos distúrbios da ansiedade, dissocíativas, psicosexuaisnão vêm mencionados. Aliás toda a classificação temuma base orgânica na sua génese e correspondeà"Classificação das Perturbações Mentais da AssociaçãoMédica Chinesa" a qual é diferente da ICD9 ou DSMIll, como se verifica.

ASSIMETRIA RURAL-URBANA

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Evolução e Panorama da Psiquiatria e Saúde Mental na China

situações vividas pelos habitantes destas regiões quandoconfrontados com problemas de psicoses. Encontrámosa seguinte descrição caracterizando os curandeiros naChina que não difere substancialmente doutras zonasdo globo "são camponeses pobremente educados semconhecimentos médico-religiosos credenciados,praticando o shamanismo ou usando outro tipo derituais, exercendo actividade em part-tíme" (2).

A importância deste facto advém da sua dimensãopois conforme referem Li Shengxian e M. Phillips"aproximadamente 70% dos residentes rurais Comdoença mental consultam curandeiros. Seconsiderarmos que 75% da população vive no campo,concluímos que numa fase ou outra da doença mentala maioria das pessoas recorre a curandeiros" (2). Noartigo publicado em 1990 os autores referem o prováveldesconhecimento que os próprios investigadoreschineses têm sobre a matéria.

Sem dúvida que todas as sociedades têm crençasculturais sobre a natureza da loucura envolvendoexplicações variadas em que o componente sobrenaturalestá geralmente presente. Estas convicções vão-sedesvanecendo à medida que QS conhecimentoscientíficos avançam e o nível de vida dos grupos sociaisprogride. Ora nas circunstâncias actuais o recurso aoscurandeiros e sua credibilidade é directamenteproporcional à falta de informação e de pessoal técnicocom formação e treino especializado, bem como àscondições sócio-económicas de vida desta população.Tudo indica que é longa a distância a percorrer parahabilitar a população rural com uma assistênciapsiquiátrica eficaz.

Mas o panorama da assistência nas zonas ruraisdas grandes áreas metropolitanas é diferente do queacabamos de descrever.

Nas zonas rurais limítrofes dos grandes centrosurbanos, as unidades de cuidados de Saúde Mentalfazem parte do esquema integrado que abrange a áreaadministrativa em que estão inseridas. Como exemplode uma destas áreas referiremos aqui a estrutura decuidados de Saúde Mental da Área Metropolitana deShangai.

A Municipalidade (Área Metropolitana) deShangai, é uma das três municipalidades directamentesob o "controlo" do governo central da China, sendo"habitada por 12 milhões de pessoas. Administrati-vamente é constituída por 12 freguesias urbanas e 10freguesias rurais.

A estrutura de cuidados de Saúde Mental estáorganizada verticalmente, em três níveis, com o nívelmunicipal no seu topo, um nível intermédio na freguesia

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e um nível de base ou local. Este nível, é constituídopelos Hospitais de Comuna que providenciam cuidadosambulatórios e domiciliários e que a nível urbano têmo seu correspondente com as Clínicas de Bairro, com asmesmas funções. Esta última estrutura relaciona-se aum nível mais diferenciado c0!ll a organização defreguesia, onde existem Hospitais Psiquiátricos comum número de camas entre 60-200, que para além doscuidados de Saúde Mental se dedicam também aotreino de pessoal médico e para-médico nãoespecializado eàsupervisão e apoio aos serviços locais.Coordenando as estruturas a nível de freguesia existeum comité constituído por representantes dasautoridades a três níveis: Saúde, Assuntos Civis eSegurança Pública.

Por sua vez esta organização, de freguesia,relaciona-se a nível municipal comO Centro de SaúdeMental, dependente dos Serviços de Saúde e onde estáintegrado o Instituto de Saúde Mental de Shangai. OCentro de Saúde Mental, para além de desenvolver asactividades clínicas dedica-se tambémà investigação eapoio e formação de pessoal.

Para além deste Centro, existem a nível municipaldois outros tipos de instituições que providenciamcuidados:

1) Unidades de Doentes Crónicos, em número detrês, com 1520 camas, dependentes dos Serviços deAssunto Civis.

2) Um Hospital de Segurança Pública, com 254camas, dependente dos Serviços de Segurança Públicae destinado aos casos sob alçada da Lei.

No topo de todas estas estruturas está o ComitéCoordenador Municipal a quem compete definir aspolíticas, organização e coordenação de Serviços ePessoal, tendo para o desempenho destas funções osuporte do Centro de Saúde Mental, e dos Serviçoscujos representantes têm assento no próprio comité(Saúde, Assuntos Civis e Segurança Pública).

Para além destas estruturas, existem a nível local,urbano, Unidades de Cuidados Domiciliários,assentando no trabalho de voluntários que dão apoioa doentes psiquiátricos crónicos que permanecem nassuas casas. A nível rural existem Unidades de TrabalhoProtegido, com uma média de 28 pacientes por unidadeonde estes realizam pequenos trabalhos manuais, comum horário de trabalho de 6h/dia e 6 dias/semana e doqual recebem uma pequena remuneração. A nível doscomplexos fabris existem unidades sobresponsabilidade de clínicos gerais ou trabalhadoresda saúde que providenciam cuidados ambulatórios oudomiciliários a doentes psiquiátricos integrados nos

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colectivos * desses complexos fabris.Como unidades suplementares para doentes

esquizofrénicos crónicos, tomando medicações e comdeficiente apoio familiar, foram criadas as Unidades deReabilitação Psiquiátrica onde estes doentespermanecem por meses ou anos.

Aestrutura de cuidados de Saúde Mental de Shangaia que aqui fizemos referência,é uma das maisestruturadas da China sendo apontada pelas autoridadescomo um modelo a seguir por outras zonas da China.

CONCLUSÕES

Ao longo deste trabalho começámos por situar ascaracterísticas gerais e populacionais da China,abordámos a evolução da Psiquiatria neste país,descrevemos os serviços, estruturas e organizaçõesnesta área, referindo-nos tambémà assimetria rural--urbana na assistência psiquiátrica e de saúde mental.

Os últimos anos têm sido de progresso e de avançosna área desta especialidade. Contudo, as vicissitudes depercurso anterioramente ocorridas e intimamenterelacionados com mudanças político-sociais, criamincertezas quanto ao futuro. Como dissemos, ainda élongo, o caminho a percorrer, para dotar este imensopaís e sua população de um sistema de saúde integral.Os reflexos na Psiquiatria e Saúde Mental estão à vista.A autonomia que a mesmajá granjeou é insuficiente,como se pode concluir pelo exemplo da inexistência delegislação própria. O estatuto que precisa firmar,passando pela Associação de Saúde Mental, passa maisfortemente pela mudança do estigma associado a quemsofre de doença mental. Há que adaptar as declarações

de intenção à realidade e tomar iniciativas de acordocom esta.

A falta de pessoal qualificado e a inexistência detécnicos com formação nas áreas sociais, da psicologiae reabilitação, constituem um campo em que énecessário apostar para dotar os quadros de pessoaldiversificado.

Os cuidados estão centrados no modelo médico deintervenção, nos grandes hospitais psiquiátricos, ondesão atendidos, principalmente, os casos deesquizofrenia, estando em falta, por exemplo, os serviçospara prestar assistência a distúrbios emocionais.

Em áreas metropolitanas, como sejam Beijing,Shanghai e outras, existem serviços com umaconsiderável organização e eficiência. No entanto estesserviços dão cobertura a uma minoria da população.Cerca de 75% a 80% da população reside no campo, enão tem estruturas que prestem cuidados psiquiátricos,recorrendo a curandeiros numa qualquer fase da doençamental.

Referimos por último que as estatísticas deficienteslevantam grandes dificuldades ao planeamento deserviços e da própria Saúde Mental.

O panorama da Psiquiatria e Saúde Mental naChina reflecte a imagem dum país, duma realidadeheterogénea e complexa com dissonâncias marcadasentre as gentes dos meios urbanos e rurais e os própriosserviços, que vão desde a lacuna completa a serviçosorganizados e prestigiados.

* Na China, os grandes complexos fabris, funcionam comopequenas aldeias, vivendo os operários e famílias no recintodaqueles.

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