#inventeummeio seguir?”, e em uma benção, ela ouviu: “sim...

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Era primavera. A vela ardia o fogo, enquanto a rainha brincava absorvida de infância. No reino, no entanto, não havia espaço para a brincadeira, apenas para a insegurança. As pessoas suplicavam, faltava luz. *** A rainha vivia hipnotizada, o brilho a acalentava e as sombras a envolviam. Em sua vida de faíscas, ela se apartava das preocupações, enquanto se aquecia. Na rua, porém, a vida era de fagulhas. A lua era sempre nova, as estrelas eram apenas breu e os pavios, cada vez mais escassos. As pessoas existiam de catar destroços e de aguentar solidões. As longas guerras haviam a tudo consumido: inclusive as luzes. O desespero só aumentava, e voltar a se iluminar com o fogo foi a única solução. Com o queimar das velas, as pessoas passaram a ansiar: “E se as chamas acabarem? O que nós vamos fazer?”. A rainha, em tom evasivo, sempre respondia: “Calma! Tenhamos paciência. O fogo não vai se apagar!”. E, de tanto ouvir a mesma resposta, aos poucos, um canto triste surgiu e começou a rondar a cidade. Uma lamúria que ecoava a cada chama apagada. Sem outra solução, o canto das ruas se uniu em correnteza obstinada, e como em um mistério, desapareceu. A rainha fora abandonada. Ela andou muito até adentrar naquele descampado de pedregulhos e gravetos. O piado guiante de pássaro, na realidade, era o crepitar de uma grande fogueira. Naquele campo, uma senhora, em volta de chamas incandescentes, dançava. Ela estendeu as mãos para a rainha, que confiante foi logo dançar. Mas essa apenas tropeçou em seus passos e se enfureceu. Mesmo assim, levantou e tentou outra, e outra vez. Até adormecer. Em seu sonho, viu as chamas em movimento dançante e se surpreendeu. Ela, então, dançou como o fogo. Era ela a fogueira. E havia muita gente ao seu redor. A rainha crescia em luz. Ela despertou com o peito em brasa. Olhou a fogueira. Não haviam mais chamas. A senhora lhe deu água e pão. Ela se serviu agradecida. Em seguida, pegou a sua sacola de joias e na terra seca a enterrou. Iluminada, a rainha chorou toda a dor. A senhora, então, se aproximou e se despediu. Em lágrimas, a rainha ainda quis saber: “Posso seguir?”, e em uma benção, ela ouviu: “Sim.”. A CIDADE SEM LUZ - FOGO texto de Carlos Bressan ilustração de Paulo de Medeiros este conto faz parte do livro Costurando contos narrados produzido pelo ...mínimo diário! patrocínio: http://minimodiario.com.br [email protected] #InventeUmMeio Quando se deu conta do silêncio, ela ficou imóvel e seca. Foi assim, de tanto se isolar, tinha sido encastelada por seu povo. Ela ainda permaneceu em seu reinado por um bom tempo, apesar de sentir suas chamas esfriarem. Isso se fez até o dia em que notou: o fogo estava acabando. A rainha, então, se levantou, juntou seu pequeno tesouro, e partiu. Passou a ser mais uma peregrina pelo mundo. A vida lhe chamava e, dessa vez, ela haveria de ouvir. Em nenhum lugar por onde cruzou, ela encontrou gente. As casas estavam abandonadas e todos os caminhos, vazios. O mundo era só um breu. Para continuar a sua andança, a rainha aprendeu a se proteger. Ela simplesmente abafava o sofrimento. Em sua sacola de pano, mantinha um singelo arsenal de fósforos e velas – sua herança do tempo de realeza. E com essas joias em mãos, trilhava a sua busca por calor. Ela persistia: altiva, solitária e sobrevivente. E continuaria, dessa forma, se não fosse pelo pio ardente que passou a escutar.

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Era primavera. A vela ardia o fogo, enquanto a rainha brincava absorvida de infância. No reino, no entanto, não havia espaço para a brincadeira, apenas para a insegurança. As pessoas suplicavam, faltava luz.

***

A rainha vivia hipnotizada, o brilho a acalentava e as sombras a envolviam. Em sua vida de faíscas, ela se apartava das preocupações, enquanto se aquecia.

Na rua, porém, a vida era de fagulhas. A lua era sempre nova, as estrelas eram apenas breu e os pavios, cada vez mais escassos. As pessoas existiam de catar destroços e de aguentar solidões.

As longas guerras haviam a tudo consumido: inclusive as luzes. O desespero só aumentava, e voltar a se iluminar com o fogo foi a única solução.

Com o queimar das velas, as pessoas passaram a ansiar: “E se as chamas acabarem? O que nós vamos fazer?”. A rainha, em tom evasivo, sempre respondia: “Calma! Tenhamos paciência. O fogo não vai se apagar!”.

E, de tanto ouvir a mesma resposta, aos poucos, um canto triste surgiu e começou a rondar a cidade. Uma lamúria que ecoava a cada chama apagada. Sem outra solução, o canto das ruas se uniu em correnteza obstinada, e como em um mistério, desapareceu.

A rainha fora abandonada.

Ela andou muito até adentrar naquele descampado de pedregulhos e gravetos. O piado guiante de pássaro, na realidade, era o crepitar de uma grande fogueira.

Naquele campo, uma senhora, em volta de chamas incandescentes, dançava. Ela estendeu as mãos para a rainha, que confiante foi logo dançar. Mas essa apenas tropeçou em seus passos e se enfureceu. Mesmo assim, levantou e tentou outra, e outra vez. Até adormecer.

Em seu sonho, viu as chamas em movimento dançante e se surpreendeu. Ela, então, dançou como o fogo. Era ela a fogueira. E havia muita gente ao seu redor. A rainha crescia em luz.

Ela despertou com o peito em brasa. Olhou a fogueira. Não haviam mais chamas. A senhora lhe deu água e pão. Ela se serviu agradecida. Em seguida, pegou a sua sacola de joias e na terra seca a enterrou. Iluminada, a rainha chorou toda a dor. A senhora, então, se aproximou e se despediu. Em lágrimas, a rainha ainda quis saber: “Posso seguir?”, e em uma benção, ela ouviu: “Sim.”.

A CIDADE SEM LUZ - FOGOtexto de Carlos Bressanilustração de Paulo de Medeiros

este conto faz parte do livroCosturando contos narrados

produzido pelo ...mínimo diário!

patrocínio:

http://[email protected]

#InventeUmMeio

Quando se deu conta do silêncio, ela ficou imóvel e seca. Foi assim, de tanto se isolar, tinha sido encastelada por seu povo. Ela ainda permaneceu em seu reinado por um bom tempo, apesar de sentir suas chamas esfriarem. Isso se fez até o dia em que notou: o fogo estava acabando. A rainha, então, se levantou, juntou seu pequeno tesouro, e partiu. Passou a ser mais uma peregrina pelo mundo. A vida lhe chamava e, dessa vez, ela haveria de ouvir.

Em nenhum lugar por onde cruzou, ela encontrou gente. As casas estavam abandonadas e todos os caminhos, vazios. O mundo era só um breu.

Para continuar a sua andança, a rainha aprendeu a se proteger. Ela simplesmente abafava o sofrimento. Em sua sacola de pano, mantinha um singelo arsenal de fósforos e velas – sua herança do tempo de realeza. E com essas joias em mãos, trilhava a sua busca por calor. Ela persistia: altiva, solitária e sobrevivente. E continuaria, dessa forma, se não fosse pelo pio ardente que passou a escutar.

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