inventario preliminar da paisagem da gleba … · cerca de 500 mil alqueires, das melhores terras...

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3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro INVENTARIO PRELIMINAR DA PAISAGEM DA GLEBA CAÇADORES NO NORTE DO PARANÁ PACHONI, MARIA EMANUELLA; YAMAKI, HUMBERTO T. Universidade Estadual de Londrina. Laboratório de Paisagem. [email protected] Universidade Estadual de Londrina. Laboratório de Paisagem. [email protected] RESUMO A Gleba Caçadores faz parte das terras colonizadas pela Companhia de Terras Norte do Paraná, na região Norte do Estado. Obedecendo à estratégia da Companhia de Colonização, imigrantes italianos foram assentados na bacia do ribeirão Caçadores. Considerando os componentes da paisagem: relevo, ribeirões, vegetação, caminhos, edificações, parcelamento do solo, o estudo visa identificar os elementos de identificação do caráter da paisagem que foi moldada pelos imigrantes italianos. Sabe-se que muitos imigrantes pioneiros e seus descendentes permanecem no local, permitindo identificar e analisar o patrimônio material e imaterial do grupo. Faz parte de um projeto maior onde se pretende fazer uma analise comparativa do sistema de ocupação do lote, organização da comunidade e toponímia que definiram a morfologia e significado da paisagem norte paranaense. Palavras-chave: Paisagem etnográfica; Gleba Caçadores; Italianos.

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3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

INVENTARIO PRELIMINAR DA PAISAGEM DA GLEBA CAÇADORES

NO NORTE DO PARANÁ

PACHONI, MARIA EMANUELLA; YAMAKI, HUMBERTO T.

Universidade Estadual de Londrina.

Laboratório de Paisagem. [email protected]

Universidade Estadual de Londrina.

Laboratório de Paisagem. [email protected]

RESUMO A Gleba Caçadores faz parte das terras colonizadas pela Companhia de Terras Norte do Paraná, na região Norte do Estado. Obedecendo à estratégia da Companhia de Colonização, imigrantes italianos foram assentados na bacia do ribeirão Caçadores. Considerando os componentes da paisagem: relevo, ribeirões, vegetação, caminhos, edificações, parcelamento do solo, o estudo visa identificar os elementos de identificação do caráter da paisagem que foi moldada pelos imigrantes italianos. Sabe-se que muitos imigrantes pioneiros e seus descendentes permanecem no local, permitindo identificar e analisar o patrimônio material e imaterial do grupo. Faz parte de um projeto maior onde se pretende fazer uma analise comparativa do sistema de ocupação do lote, organização da comunidade e toponímia que definiram a morfologia e significado da paisagem norte paranaense.

Palavras-chave: Paisagem etnográfica; Gleba Caçadores; Italianos.

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Introdução

A história da colonização das terras do norte do Estado do Paraná se inicia com o interesse

dos ingleses em uma “cooperação” comercial com o Brasil, no século XIX. Em 1924,

formou-se a Missão inglesa intitulada Montagu que tinha como um dos objetivos, a

colonização do Norte do Paraná. Chefiada por Simon Joseph Fraser, o 16º Lord Lovat,

prosseguiu à colonização:

[...] contratando, em 1927(sic) , com o Governo do Estado a aquisição de cerca de 500 mil alqueires, das melhores terras roxas, situadas entre os rios Paranapanema, Tibagi e Ivaí. Fundada a Paraná Plantations Ltd, em consórcio com a Companhia de Terras Norte do Paraná e com a Companhia Ferroviária São Paulo – Paraná, executou o plano de colonização das terras obtidas do governo paranaense. (BALHANA et ali, 1969, p. 215).

A Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) organizou a colonização da área dividindo-a

em patrimônios, glebas-patrimônio e glebas. Após demarcação, abertura de picadas e

estradas, eram colocadas à venda.

Fig. 01 - Sistema de parcelamento de terras adotado pela CTNP, 1975 Fonte: SANTOS, 1977 citado em YAMAKI, 2006.

O sistema de divisão de lotes rurais utilizado pela CTNP foi bem sucedido, possibilitando a

instalação de colonos. Os lotes eram relativamente pequenos, não ultrapassando os 15

alqueires. Tornava o preço acessível a pequenos proprietários e facilitava sua aquisição.

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A ocupação das terras da CTNP se deu até meados dos anos 1950. O sistema de divisão de

lotes, era um modelo comum a outras companhias privadas de colonização, responsáveis

pelo povoamento da região. Os colonizadores da região eram em sua maioria de procedência

paulista, mineira e nordestina. Havia também os colonos estrangeiros de variada origem e

procedência.

Vários autores, tais como Balhana (1964), Padis (1981), Linhares (1985), Nogueira (2004) e

Yamaki (2006), destacam a presença do imigrante italiano como importante grupo étnico

responsável pelo povoamento da região. “Constava que por volta de 1945, já existiam, na

região, pessoas de trinta nacionalidades diferentes sendo 12,5 por cento italianos, 7 por cento

japoneses, 6 por cento alemães, além de 42 por cento entre paulistas e mineiros”.

(PADIS,1981.p 93).

O objetivo do trabalho é identificar possíveis traços culturais reconhecíveis na paisagem da

Gleba Caçadores, considerando a forte presença da etnia italiana. A aplicação de uma

metodologia específica com a finalidade de identificar, inventariar e gerar projetos para o

reconhecimento e a preservação do patrimônio cultural é de grande importância para regiões

com colonização relativamente recente, como é o caso do norte do Paraná.

Estudos de Paisagem Cultural

Para Hardesty (2000), as práticas e as crenças dos habitantes, que permeiam as paisagens

com significados, fazem parte do que chamamos de paisagem cultural.

Meinig (1979), por sua vez, aponta a paisagem como parte dos ideais e memórias que une as

pessoas. São fruto não somente de diferentes histórias e tradições mas, produto do contínuo

processo que envolve transformações de várias ordens, no mundo natural. O estudo da

paisagem cultural abrange as práticas de uso da terra, a adaptação ao relevo e outros

recursos do meio natural e a organização espacial dos componentes da paisagem tais como

caminhos, edificações, vegetação entre outros recursos.

Paisagens construídas por grupos portadores de culturas específicas são aqui denominadas

paisagens etnográficas. Estas podem ser entendidas como o reflexo do conjunto de

significados, ideologias, crenças, valores e visões de mundo divididas por um grupo de

pessoas. Em outras palavras, as paisagens etnográficas refletem um modo especial de

transformar a natureza em cultura. (HARDESTY, 2000, p. 169).

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Métodos de Identificação e Leitura da Paisagem Cultural

Para a leitura das características ou marcas culturais da paisagem, o primeiro passo é a

identificação de componentes significativos e características específicas nas múltiplas

camadas de atividade temporal e cultural que compõem a paisagem. Esses componentes

podem ser materiais e imateriais. Entre essas características e componentes, estão fatores

decisivos na escolha de um bom lugar para desenvolver convenientemente seu modo de vida.

“Lugares que contenham recursos para subsistência fazem parte dessas características. A

importâncias das plantas, animais outras atividades culturalmente significativas, não pode ser

subestimada”. (HARDESTY, 2000, p.174). O autor alerta sobre a necessidade de preservação

das paisagens etnográficas em vias de extinção.

A integridade e a permanência das características únicas da paisagem, embora muitas vezes

sensíveis aos processos de transformação da sociedade, são importantes para a sua

identificação preliminar. A organização dos lotes de acordo com tradições e possibilidades e a

decorrente modelagem do espaço criam e incorporam elementos na paisagem com o passar

do tempo. Edificações, caminhos e vegetação podem ser elementos reconhecíveis.

O reconhecimento de paisagens significativas contribui para a sua manutenção e

preservação. O manual Landscape Character Assessment (2002), produzido pelos órgãos de

planejamento da Inglaterra e Escócia, demonstra a metodologia desenvolvida com este foco,

que está sendo utilizada neste trabalho.

A metodologia proposta é dividida em etapas. Como produto final, podem ser definidas

propostas para a valorização da paisagem, informações para o planejamento de projetos

envolvendo a paisagem, seu reconhecimento espacial e estratégias para sua exploração e

preservação.

Apontamentos para Leitura e Reconhecimento de Paisagens

Associações de Italianos

O estudo etnográfico busca um aprofundamento no estudo das características sociais

distintas de grupos culturalmente definidos. É importante, entre outros aspectos, para a

afirmação das singularidades culturais dos imigrantes e de seus descendentes em um espaço

pluriétnico, assim como a área de estudo.

Historicamente a Itália sofreu com o grande fluxo emigratório, permitindo-se a possibilidade de

replicar seus hábitos em outros territórios. Este fato é ressaltado sobretudo na manutenção

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dos costumes entre os seus descendentes, nas suas mais variadas expressões: na fala, nos

hábitos alimentares, nas tradições festivas, no modo de se organizar, enfim, em vários

aspectos que nos fornecem subsídio para compreender os seus traços.

Alguns fatores são determinantes para a definição das associações étnicas de italianos que

se estabeleceram no sul do Brasil: a área de beneficência e ajuda mútua; a área educacional;

a área esportiva e recreativa e a área cultural. (COLOGNESE, 2004)

Moradia e Modo de Vida do Imigrante Italiano

Sobre a organização doméstica na imigração italiana, um estudo mais aprofundado foi

realizado por Rovílio Costa, nas colônias do Rio Grande do Sul.

A preocupação inicial do imigrante italiano era: a) Escolha do local de residência; b) Estudo dos veios de água para serviço doméstico, para a criação de animais e para a lavagem de roupas; c) Construção de Casa com porão; d) Organização de estábulos, chiqueiros e paióis; e) Determinação de área para horta, lavoura, pomar; f) Ampliação das roças e organização do parreiral. (COSTA, 1976, p.16)

O cultivo e colheita de trigo, milho e uva, em geral, nas colônias gaúchas são até hoje

processos muito significativos para os descendentes de italianos. Já no Paraná e nos estados

do sudeste brasileiro, a cultura do café é predominante.

A criação de animais é uma tarefa comum nas colônias. Galinheiros estão presentes em

todas as propriedades, além de suínos e bovinos de corte. “As residências rurais geralmente

eram cercadas, com arame farpado ou ripas de madeira (stecato). Nas imediações da casa

rural estava o galinheiro [...] também nas imediações da casa está o chiqueiro e a estrebaria

para completar a cena”. (COSTA, 1976, p. 160). Os compartimentos construídos para animais

como estábulos e paióis são sempre isolados da casa, assim como a latrina de tábuas.

Um estudo da arquitetura colonial italiana nos estados do Rio Grande do Sul, de Santa

Catarina e do Paraná, indicou grande diversidade no uso de materiais e certa

heterogeneidade nos aspectos estético formais e construtivos, revelando várias

características importantes e inexistência de normas pré estabelecidas.

A investigação dessas edificações, foi possível principalmente pelo fato de terem sido

preservadas, seja por cuidados das famílias ou por leis e regulamentos de patrimônio histórico

vigentes na região.

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A casa do imigrante recém instalado possuía um aspecto rústico. A habitação rural se valia

dos recursos e das condições oferecidas pelo local de instalação para a sua construção.

Mais geralmente, a casa, construída em terreno inclinado, apresenta um pavimento inferior parcialmente escavado, o porão, usado como cantina (fabrico e conservação de vinho) e depósito. Via de regra no porão não há divisões internas, mas alguns pilares, decorrentes do uso de tesoura grega e de falta de segurança no uso das estruturas. O segundo piso é a moradia propriamente dita. Os vários dormitórios situam-se aos lados da sala de visitas, usada em poucas ocasiões e situada no centro anterior da casa [...] A cozinha quase sempre é uma construção isolada. Em alguns casos pertence ao conjunto da casa [...] A cozinha funcionava como sala de estar. ( COSTA, 1976, p.17-18)

Era utilizado também, um forno para assar pães, que ficava na parte externa da casa,

constituído basicamente de pedras ou de tijolos e tinha forma de abóbada, com uma

cobertura.

Formalmente, as casas, quase sempre, obedeciam a forma retangular de linhas severas,

onde buscava-se manter a harmonia, por meio de construção simétrica. As aberturas são

locadas cuidadosamente para que haja equilíbrio entre cheios e vazios. A cobertura segue

padrão de quatro águas, mas também de duas, com pequenos beirais.

Nas casas coloniais, os materiais e elementos construtivos variam muito, podendo as casas

ser de madeira, de tijolos, de pedra ou mistas. Algumas casas possuíam paredes erguidas

com tábuas que eram rachadas em cunha, serradas artesanalmente ou, em período mais

tardio, industrializadas. O madeiramento pode ser simples ou duplo, com mata juntas. Como a

madeira era material escasso na Itália, os italianos demoraram a possuir maestria no trabalho

com o material.

Em alguns casos, as casas de tijolos eram fabricadas com adobe (bloco de terra crua), as

vezes com tijolos cozidos, de boa qualidade, reconhecível por sua textura. Há também

paredes que utilizam tijolos industrializados, construídas mais recentemente.

Segundo Costa (1976), nas colônias, as casas de pedra eram frequentes, e encontra-se

casas com paredes de pedras irregulares naturais, outras com pedras lascadas ou pedras

talhadas (as quais oferecem mais regularidade em sua forma). Estas eram assentadas com

junta seca ou com barro, e, mais tarde, com argamassa de cal.

Os imigrantes construtores no Rio Grande do Sul pareciam ter pouca preocupação com a

insolação da casa, assim, não havia uma orientação preferencial e, na maioria dos casos, a

insolação era deficiente. Há apontamentos de que as casas eram muito grandes pois cada

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família possuía em torno de 8 filhos. Em alguns casos, de colônias afastadas, não havia luz

elétrica e nem mesmo instalações hidráulicas nas edificações.

A simetria é um aspecto marcante, tanto em relação às aberturas quanto à planta e a

distribuição de compartimentos. Na fachada principalmente, onde porta está centralizada, o

número e espaçamento de janelas para cada lado é idêntico. A planta das casas é geralmente

composta de forma a manter simetrias. (BOLETIM INFORMATIVO DA CASA ROMARIO

MARTINS, 1977).

As Capelas nas Colônias Italianas

O imigrante italiano tem na fé um dos seus traços associativos étnicos mais fortes.

“Semelhante ao que ocorria na Itália, os imigrantes se associaram para construir capelas,

campanários, cemitérios e capitéis, mesmo antes de construir escolas. A religião era, para

eles, mais necessária e importante que a escola”. (COSTA, 1976, p. 92)

No Rio Grande do Sul, essas edificações constituem também um traço distintivo na paisagem.

As “linhas” de capelas são muito importantes no estudo da paisagem cultural, servindo de

marco de localização uma vez que a organização das edificações de dá de forma seletiva e

projetada, pontuando a área de forma linear.

Na edificação religiosa do imigrante italiano prevalece a tentativa de imitar os estilos

europeus, principalmente o estilo gótico. As capelas coloniais, “mais espontâneas e sinceras

que as matrizes [...] também sucumbiram à imitação dos estilos. Porém muitas vezes a

disciplina da cópia e da imitação é subjugada pela criatividade”. (COSTA, 1976, p. 99)

Os campanários, onde são alojados os sinos, na forma de construir do italiano, são, quase

sempre, construídos separadamente da capela.

A escassez de recursos econômicos e a distância de centros comerciais impulsionou os

imigrantes em certas práticas artesanais na busca de suprir necessidades do seu cotidiano.

“Casas, galpões, igrejas e capitéis surgiam nos mais diversos estilos, atendendo a criatividade

de engenheiros e arquitetos formados na escola da experiência”. (COSTA, 1976, p. 174)

Os cemitérios antigos podem portar muita simbologia para o imigrante, que, quase sempre

utiliza uma cruz nos sepulcros. Hoje a tipologia dos túmulos, após o surgimento da alvenaria é

em geral um prisma simples, com uma cruz ou capelinha na cabeceira. (COSTA, 1976).

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A Paisagem Etnográfica da Gleba Caçadores – Estudo de caso

Alguns aspectos chave da colonização italiana no norte do Paraná podem ser caracterizados

em primeiro momento, para a identificação da paisagem etnográfica, de acordo com estudos

apresentados previamente, de acordo com outras colônias italianas no sul do Brasil. A

metodologia a ser seguida sugere a exploração qualitativa da área, pontuando elementos

visíveis da paisagem, em diversas escalas.

O grande número de italianos que se instalaram na região norte do Paraná gerou o interesse

inicial deste estudo. Um livro produzido por órgãos governamentais em conjunto com a

Sociedade Ítalo Brasileira de Cambé - PR, no ano de 2003, trata das famílias italianas que

chegaram ao Município na década de 30. Neste livro foram elencadas mais de 80 famílias,

onde fotos e depoimentos descrevem sua origem e trajetória em território brasileiro.

A partir de análise em livros de venda de terras da CTNP, identificou-se que a maioria dessas

famílias se fixou nas terras da Gleba Caçadores, hoje, zona rural de Cambé- PR.

A área faz parte do contexto da colonização das terras da CTNP. É delimitada lateralmente

por dois espigões no entorno do vale do Ribeirão Caçadores. À leste está a Rodovia Celso

Garcia Cid e a oeste a Estrada da Prata. O núcleo urbano ao sul da Gleba Caçadores é a

Gleba Patrimonio Nova Dantzig, atual cidade de Cambé – PR.

Foram elencadas as famílias que adquiriram terras na referida gleba, de acordo com as

vendas anotadas nos livros da CTNP (1930 – 1943). Verificou-se que os italianos e

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descendentes compreendem o mais numeroso grupo de compradores de lotes da

gleba, computando 85 dos 152 lotes vendidos, entre brasileiros e imigrantes de outras etnias.

Tab. 01 -Tabela de italianos e descendentes proprietários de lotes na gleba Caçadores por ordem de lote (1930-43).

FONTE: CTNP, Org.: Maria Emanuella Panchoni

Posteriormente, o mapeamento da instalação destas famílias italianas foi realizado,

demonstrando algumas aglomerações em áreas específicos da gleba.

Data da Venda Lote Comprador

Área (Alq.)

03/07/31 3 A ANTONIO VANSAN 20

03/07/31 3 B JOSÉ BERTAN 12,27

03/07/31 4 ANGELO E PEDRO DI GIULIO 12,5

03/07/31 4 A ANTONIO ROSADA 12,5

25/05/30 5 ZELINDO ZANATTA 15

27/05/31 6 ARTHUR FERRARINI 10

14/06/31 6 A AGOSTINHO FERRARINI 10

14/06/31 6 B CHRISTIANO MALLER 7

24/08/31 7 LUCAS CANÇÃO 30

30/12/31 8 ANGELO ORSE 30

23/05/32 12 JOÃO FREGONESE E OUTROS 50

08/08/34 16 JOSÉ QUAGLIO 30

13/09/34 17 JOÃO CASTELATTO 25

13/09/34 18 JOÃO CASTELATTO -

13/09/34 19 JOÃO CASTELATTO -

13/09/34 20 JOÃO CASTELATTO -

13/09/34 21 LUIZ GRANDIN 16,3

13/09/34 22 LUIZ GRANDIN -

13/09/34 23 LUIZ GRANDIN -

13/09/34 24 LUIZ GRANDIN -

13/09/34 25 JOÃO BALDIN 11

13/09/34 26 JOÃO BALDIN -

13/09/34 27 JOÃO BALDIN -

29/04/33 29 SYLVESTRE EGYDIO BRINHOLI E OUTROS 6

29/04/33 30 HENRIQUE O. BRINHOLI E OUTROS 12

29/04/33 31 CORNÉLIO BRINHOLI E OUTROS 12

09/08/34 38 JOSÉ COZELLATO 5

09/08/34 39 EMILIO COZELATTO 5

09/08/34 40 EMILIO COZELATTO 5

09/08/34 41 ANGELO COZELLATO 40,6

09/08/34 42 ANGELO COZELLATO -

09/08/34 43 ANGELO COZELLATO -

09/08/34 44 ANGELO COZELLATO -

09/08/34 45 ANGELO COZELLATO -

09/08/34 46 ANGELO COZELLATO -

09/08/34 47 ANGELO COZELLATO -

28/07/34 48 C. E G. DELFINI 30

15/10/34 48 A ERNESTO FANTINI 25

08/08/34 50 JOSÉ GASPARINI 5

22/04/35 58 ANGELO BORSATTO 8

28/07/33 59 ANTONIO BRUMATTI 10

26/04/34 60 DAVID MARANA 30

06/04/34 61 JOSÉ PARIS 40

24/02/38 68 B CIRILLO ITAPASSOLI 5

Data da Venda Lote Comprador

Área (Alq.)

17/05/33 85 ATTILIO CODATO 60

17/05/33 86 ATTILIO CODATO -

14/08/34 89 LIZOTTO NAZARENO 35

27/11/34 89 A JOÃO CASSANI 15

27/11/34 89 B JOSÉ AMADIO 16

27/11/34 90 ARTHUR PASSONI 10

22/11/34 91 PEDRO CAVASSANE 10

07/11/34 91 A PRIMO ROSIGNOLI 10

06/04/34 96 MARIA MALASSIS 30

17/03/36 99 PEDRO BREGANO 5

17/03/36 100 MIGUEL MARANA 8

07/01/32 116 ANTONIO ALEXANDINO 6

24/05/34 139 RENOR E RUBENS GIANNESCHI 30

14/08/34 140 LIZOTTO NAZARENO 35

24/11/33 141 SEGUNDO BOSCHI E OUTRO 15

23/11/33 142 ANTONIO VICENTIN 15

01/08/34 142 A SANTO BATISTÃO 10

01/10/33 143 JOÃO ESTEVO PIZAIA 10

02/10/33 144 PASCHOAL BAPTISTA 20

26/09/33 145 JOSÉ TOLOI 15

23/01/34 150 CAETANO CITTA 30

23/08/34 151 CARLOS PORNINI 2

23/01/34 151 A CARLOS PORNINI 8

09/11/35 151 B BRUNO DALLAGO 19,45

11/08/33 152 ADDONE MARTON 10

03/07/36 152 CARLOS PORNINI 2,35

03/07/36 152 A BRUNO DALLAGO 7,65

17/05/33 153 ATTILIO CODATO 60

16/05/33 154 SANTA MANETTIS 20

11/11/32 156 FRANCISCO MARANGONI 14

17/05/33 157 GIACOMO ROSSINI 18

17/05/33 158 CARLOS CODATO 60

17/05/33 159 CARLOS CODATO -

03/01/32 160 DR. AMEDEO BOGGIO MERLO 40

28/07/34 164 B C. E G. DELFINI 30

11/10/31 165 JOÃO ROSSI 15

06/10/31 167 ANTONIO ALEXANDINO 20

26/11/32 169 PAULO E PEDRO DALTO 30

06/11/33 171 VICENTE BOSCOLO 10

04/05/33 174 LOURENÇO BORTOLLOTTO 10

24/08/31 ? GAUDENCIO G. DE CASTRO 50

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Fig. 02 - Mapa de Cambé - Famílias italianas instaladas nos limites da gleba Caçadores. Fonte: Pefeitura Municipal de Cambé Org.: Maria Emanuella Panchoni

Do contexto com o qual se deparavam os italianos que chegavam à região nos anos 1930

fazia parte a floresta, a ser derrubada. Foi a produção cafeeira em expansão, o principal fator

de atração de imigrantes interessados em investir seu dinheiro visando o cultivo da lavoura.

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Nos `sítios’ o interesse pelo café existiu em função do antigo colono, transformado em proprietário, ser o lavrador junto com a sua família, da sua própria terra. Quase não tendo dispêndio de mão de obra, morando no lote, realizando ele mesmo a derrubada da mata e ainda vendendo a madeira de lei encontrada, alimentando-se com o produto do seu próprio esforço e trabalho, vivendo em casas que eram verdadeiras choupanas de pau a pique, recobertas de tabuinhas de palmito ou folas de palmeira, conseguiu capitalizar para pagar sua terra. E não eram apenas os antigos colonos que tinham esse procedimento. Os imigrantes estrangeiros eram numerosos e viviam de modo semelhante. (CANCIAN,1981, p. 76)

Hoje, na área de estudo, encontram-se esparsas as lavouras de café, predominando

sazonalmente a soja ou o milho e o trigo.

Visando identificar os elementos de definição do caráter da paisagem que foi moldada pelos

imigrantes italianos, considerou-se fazer uma análise preliminar o relevo, ribeirões,

vegetação, caminhos, edificações, parcelamento do solo, como descrito na metodologia

adotada.

Fig. 03 -Vista Parcial da Gleba Caçadores. Autor: Maria Emanuella Panchoni, 2014

Na exploração foi constatado uma aglomeração de italianos e descendentes. Instalaram-se

em lotes localizados no entorno do quilometro nove da Estrada da Prata. Nesta localização foi

possível encontrar edificações importantes, construídas nos anos 1940. Trata-se de uma

capela e uma escola, ambas construídas pela comunidade italiana, com doação do terreno

por parte do proprietário.

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Há também no entorno das edificações, que ficam de frente para a estrada, um bar, um

terreiro, parreirais e árvores frutíferas, compondo um espaço que serve de amenidade e lugar

de encontro da comunidade. Neste mesmo espaço, foi possível entrevistar os fiéis que

frequentam a capela, e assim, constatar que muitas famílias residem na Gleba Barra Grande,

localizada a oeste da Gleba Caçadores, e muitas, são de origem italiana.

A capela do quilômetro nove, como é conhecida, foi construída com madeira retirada do local.

Possui vários detalhes construtivos em seu interior e segue linhas retas e simétricas em todas

as elevações, encontra-se bem preservada. O cruzeiro fica localizado na parte anterior

esquerda da igreja e do lado direito, uma estátua instalada recentemente e um estandarte.

De acordo com o Sr. Oswaldo de Santa, pertencente à família responsável pela doação do

lote onde foi construída a escola e um dos mantenedores da igreja, alguns anexos da

construção foram demolidos. Havia um coreto para leilão de víveres e também um galpão

onde eram realizadas festas na parte posterior da igreja.

Nas observações feitas em visitas de campo às propriedades rurais, nos lotes 171 e 154, foi

encontrada configuração espacial do lote peculiar às propriedades descritas nos relatos das

colônias de italianos no Rio Grande do Sul. A lavoura fica localizada na parte mais alta do

relevo e na parte mais baixa, a residência da família, cercadas pelas casas de colonos, tulhas,

paióis, pomar e o terreiro de café.

Em um dos lotes, as edificações estão bem preservadas, contendo elementos originais. As

peças continuam sendo utilizadas pela família, inclusive o anexo à residência. Um barracão,

com o forno de pão, poço, fogão de lenha e mesa de refeições. Um outro lote vizinho, possui a

mesma configuração do caso descrito anteriormente, porém a casa principal foi demolida.

Outro ponto interessante é que o terreiro de café desativado está sendo desmontado. Os

tijolos foram vendidos para a decoração de uma residência em Londrina - PR.

Diante dos depoimentos de antigos moradores da Gleba Caçadores, verificou-se que havia na

alimentação das famílias o frequente consumo de carne suína e seus derivados. A plantação

de milho, trigo, arroz e café eram predominantes. O plantio e a colheita eram realizados

anualmente, parte da produção era estocada para consumo da família, em grandes caixas de

feitas de peroba, nas tulhas. O consumo da carne e de ovos de aves também era um

importante fator na cultura alimentar. As caçadas no início da colonização eram frequentes na

região, rica em catetos, pacas e veados e outras espécies selvagens que serviam de alimento.

A alimentação dos imigrantes incluía ainda uma variedade de frutas, verduras e legumes

produzidos na própria propriedade. Uma das propriedades visitadas ostenta imensas

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jabuticabeiras, abacateiros e mangueiras no entorno da casa sede. Casa e pomar definem

características próprias na paisagem, quando vistas em conjunto.

Fig. 04 - Casa com Pomar Anexo na Gleba Caçadores Autor: Maria Emanuella Panchoni, 2014

Os caminhos entre-lotes facilitavam o transporte e a comunicação entre as famílias. Havia em

uma das propriedades um monjolo d’agua, que era bombeada a partir do Ribeirão Caçadores.

O equipamento era utilizado para moer milho e fabricar o fubá. Otimizar os recursos naturais,

criar espaços seguros e confortáveis era ideal comum a todos os imigrantes.

Considerações finais

Através do estudo da Gleba Caçadores podemos concluir preliminarmente que, existe

similaridade entre as colônias de imigrantes na serra gaúcha e no Norte do Paraná.

Manifestam-se fortemente na localização e formação de capelas e na organização da

comunidade.

Além disso, podemos apreender nos usos do lote, nos arranjos em volta da moradia, do

pomar e lavoura de subsistência, referencias possíveis à cultura de origem.

Os métodos de leitura da paisagem etnográfica permitem identificar os elementos de

caracterização, favorecendo a reconhecibilidade enquanto conjunto.

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Os estudos podem ser importantes para a manutenção do caráter da paisagem etnográfica da

gleba Caçadores – PR.

Agradecimentos

Ao CNPq pelo apoio ao projeto sobre paisagem norte paranaense e ao Laboratório de

Paisagem UEL.

À Prefeitura Municipal de Cambé pelo apoio e fornecimento de informações.

À Liberaci Pascueto, Marcelo Ciconini, Oswaldo de Santa, Luiz Ribeiro Farias pelo auxilio na

realização deste trabalho.

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