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Page 1: Introdução do diretor€¦ · ditadura militar no Brasil. Seus resultados seriam apresentados no relatório @inal em dezembro do ano seguinte. A Comissão Estadual Memória e Verdade
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Introduçãododiretor

Quando começamos a idealizar o documentário AURORA 1964, interrogávamossobre o potencial do @ilme como ferramenta de informação, de re@lexão, comopromotor de debate na sociedade e instrumento para processos educativos. Oobjetivodesteprojetosemprefoialcançaropúblicomaisjovem,torna-losensíveisaoestudodopassadorecentedoprópriopais,especialmentesobreoperíododaditadura civil-militar instaurada em 1964. Isto emerge por meio de distintoselementos:-AcrisedevaloresdemocráticosqueoBrasilestásofrendo,naqualassistimosaosdiscursos em favorda voltadosmilitares ao governoporparcelasda sociedade,inclusiveentregruposdejovens.-Operíododaditadurade1964aindaépoucotratadonostextosescolares.- Os crimes cometidos pelos órgãos repressores do regime militar foraminvestigadosrecentemente,pormeiodaComissãodaAnistia,ComissãoNacionaledas Comissões estaduais de Memória e Verdade. Pesquisas que buscaramidenti@icarassistemáticasviolaçõesdosdireitoshumanosperpetradaspeloregimemilitar entre 1964 e 1985, construindo assim visibilidade às histórias e aosacontecimentosmantidosescondidosdurantedécadase,portanto,desconhecidosdamaiorpartedasociedadebrasileira.EstesforamospontosdepartidaparaarealizaçãodoAURORA1964,quantoasuaatualidadeecontribuiçãoparaconstruirumentendimentosobreaatualsituaçãodasociedadebrasileira.Parafortalecerseupotencialeducativoeoalcancedepúblico,criamos,juntocomohistoriadorPabloPor@irio,estekiteducativo,queofereceumasériedeconteúdosadicionais sobre a contextualização histórico-política do período ditatorial, asbiogra@iasdosprotagonistasdo@ilmeepropostasdeatividadesdidáticas,aseremministradas por professores e educadores, direcionadas para alunos de ensinomédio e universidades. O objetivo é estimular a interação e a re@lexão sobre astemáticas tratadas pela série (história, memória coletiva, democracia, liberdadeindividual, funçãodoestado,participaçãopolítica,cidadania,ditadura,repressão,censura, atuação das instituições públicas e dos órgãos militares, entre outras).Este kit está disponível de forma gratuita no site www.p14311.org, na áreadedicadaaodocumentárioAURORA1964.Aquivaianossacontribuiçãoparaamemória,verdadeejustiçaparatodasetodosquelutaram contra a repressão do regime militar. E para que nunca maisaconteça.DiegoDiNiglioDiretordeAURORA1964

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Memórias,históriaseimagensPabloF.deA.Por;irio

Vivíamos os idos de 2013 e a Comissão Nacional da Verdade realizava suasinvestigações sobre as graves violaçõesdedireitoshumanosocorridasdurante aditaduramilitarnoBrasil.Seusresultadosseriamapresentadosnorelatório @inalem dezembro do ano seguinte. A Comissão Estadual Memória e Verdade DomHélderCâmara,emPernambuco,avançavatambémnosseustrabalhosdepesquisasobreotema.Doisanosantes,em2011,oMinistériodaJustiça,pormeiodaComissãodaAnistia,deu inícioaoprojetoMarcasdaMemória.Oobjetivoerapublicar livros,produzirexposições, audiovisual e digitalização de acervos. Dentro desse amplo projetosurgiu a demanda para realizar uma política pública sobre a História Oral daAnistianoBrasil.AssimfoiiniciadooprojetoMarcasdaMemória:HistóriaOraldaAnistia no Brasil. Realizado em parceria com as Universidades Federais dePernambuco, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, a atividade de pesquisaentrevistoucercade100pessoasvítimasdeperseguiçãopolítica,prisãoetorturaduranteaditadurainstauradanoBrasilapósogolpede1964.OgrupodepesquisadoresdaUFPE @ilmouasentrevistasde41pessoas, sendo9mulheres e 32 homens, dos estados de Pernambuco, Alagoas e Piauí. Eram ex-integrantesdepartidos,demovimentossociais,queformaram,emgrandemedida,a geraçãode1968,massacradapela repressãopósAto Institucional nº 5. Foramentrevistados também participantes das Ligas Camponesas, atuantes no períodopré-1964.Essesforamatingidospelarepressãologonosprimeirosdiasdogolpe.NarealizaçãodasentrevistasfoiutilizadaametodologiadaHistóriaOral.Estaéummétododepesquisaeproduçãode fonteshistóricas.Nãoéuma formaparticulardeHistória.Pormeiodoexercíciodamemória,aspessoaselaboravamseusrelatosoraispelosquaisnarravamexperiências individuais, coletivas, epor isso, sociais,sobreopassado.Asrememoraçõesdaspessoasperseguidasereprimidaspelosgovernosmilitarespartiramdeumpresentequeasmobilizava.Osprimeirosanosdadécadade2010foramummomento favorável ao exercício do lembrar. As comissões da verdade,nacional e estaduais, criavam oportunidades de fala e de escuta. Produziamespaçospúblicosnosquaishomensemulherescensurados,presos,torturados,ouaquelesquetiveramamigosefamiliaresassassinadosoudesaparecidos,poderiampromoverencontrosdopresentecomopassado,oucomospassados,pormeiodosseusrelatosdememória,mobilizandomodelosinterpretativos,silêncios,desejosediscursospolíticos.Os entrevistados realizavam recortes do tempo, selecionavam os objetos dopassado para produzir memórias e por meio delas tentar impedir retornosautoritários.Osmomentosde falas e de escutas, que se espalhavampelas váriasComissõesdaVerdadeetambémemaçõesdeprojetoscomooMarcasdaMemória,desejavam criar uma prática de valorização da democracia, afastar as soluçõesautoritáriasecolocarodebatepolíticoforadalógicadaperseguição,daeliminaçãoedogolpedeEstadotãopresentenahistóriadoBrasiledaAméricaLatina.

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O projetoMarcas da Memória da Comissão da Anistia tomava ainda a memóriacomoummecanismodereparação.Esteeraseuconceitonorteador.Reparaçãonosentidodegarantirapluralidadedeleiturasdopassado,fortalecendoumexercíciodemocrático no presente, demultiplicidade das falas, do debate das ideias. Comisso,criava-seumaaçãoqueenfrentavaocaráterviolentodosregimesautoritários,que além de assassinar, impôs um único discurso possível, umamemória e umahistóriamonolíticas.Essaprática autoritária foimanifestadademodo sistemáticoapartirde1964.Ogolpe civil-militar interrompeu o governo de João Goulart , eleitodemocraticamente,mas tambémos debates promovidos por intelectuais, grupospartidárioseorganizaçõesde trabalhadores sobreosproblemasdoBrasil e suaspossíveis soluções. Antes do golpe, vivenciava-se uma experiência democrática esua multiplicidade política. Atores sociais, como os camponeses, invisíveis nahistória do Brasil, haviam sido alçados para o debate público por meio domovimento das Ligas Camponesas. Ocupavam as capas de jornais e revistasnacionais e internacionais. Lutavam pela reforma agrária e incomodavam a elitepolítica agrária. Com a justi@icativa de combater a corrupção e acabar com adesordem social, o golpe de 1964 retirou asmobilizações dos trabalhadores docenáriopolíticoeinstituiuumgovernonoqualapalavrademocraciaerasinônimode ordem e de concordância com os militares. Teve início a construção de umregime de governo, onde o não alinhado era identi@icado como uma ameaça,ocupavaolugardoinimigo,passíveldesereliminado.Na década de 1980, após 21 anos de governos militares, aconteceu a transiçãodemocrática no Brasil. A passagem para um governo civil foi um processocontrolado pela elite política em acordo com os militares. Contudo, houveconquistas. A redação de uma nova Constituição, a retomada dos movimentossociaisnasruas,acriaçãodemecanismosparapromoçãodosdireitoshumanosearealização de eleições diretas foram algumas delas. Ao mesmo tempo foiestabelecidaanarrativadafestademocrática,quecontribuiuparaimpedir,duranteo processo de redemocratização, as investigações sobre as violências praticadaspelosagentesdoEstadoduranteoregimemilitar.Masainda,haviapermanênciasdo período militar na Nova República. As práticas de tortura continuavam emmuitasprisõesdopaís.Oscamponesesseguiamsendoperseguidoseseuslíderesassassinados.Nemtudoerafesta.Omodocomooprocessode(re)democratizaçãofoiencaminhado,desdeaAnistiade 1979, proclamou o silenciamento das lutas sociais e políticas vivenciadas noperíododaditaduraemesmoantesdela.Anarrativadaarbitragem,daconciliação,[email protected]áticapolíticadaNovaRepúblicanegavaa vitória e a derrota, compartilhando a benevolência social e o congraçamentonacional.A (re)democratização exaltava a ordem constitucional e procurava apagar suasdisputasdepoder.Assentavaaprosapolíticasobrealutapolítica.Encarceravanopassado os episódios de violências, censura, autoritarismo para torná-losanacrônicos à festa democrática. Teriam sido superados e, por isso, se faziadesnecessário e até perigoso estabelecer uma comissão para investigar taisepisódiosnoBrasil.Tal ação foi iniciadaquase trêsdé[email protected] professores e pesquisadores participantes do projeto Marcas da Memória:históriaoraldaanistianoBrasilre@letiramsobreváriasdessasquestõesnasériedeartigosescritosparacomporolivro–demesmotítulo–quefoiumdosprodutos

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@inais da investigação. Esta publicação e o debate sobre essas questõesfuncionaramaindacomoopontodepartidadoprojetoaudiovisualrealizadoporDiegoDiNiglioequeresultounasérieAutora1964.Em 2013, um encontro na Universidade Federal de Pernambuco reuniu o autordestetexto,ohistoriadorAntônioMontenegroeDiegoDiNiglio.Nele,odiretordeAutora1964apresentousuapropostaderealizarumapesquisafotográ@icaapartirdasnarrativasdepresoseperseguidospolíticosentrevistadospelospesquisadoresdo projeto Marcas da Memória. Desejava investigar, por meio das imagens, ashistórias e os universos particulares dos retratados. Nos anos seguintes, dessaprimeirapropostasurgiuaideiadeumprojetoaudiovisualdestinadoaocinemaeàtelevisão.Di Niglio utilizou de alguns dos instrumentos dos bons historiadores em suapesquisa. Passou a frequentar diariamente os arquivos para consultar as fonteshistóricas, com destaque para o acervo DOPS-PE, localizado no Arquivo PúblicoJordãoEmerenciano.Percorreuacasadaspessoasaseremfotografadase@ilmadas,participando um pouco de suas vidas, do seu cotidiano. Isto possibilitou odesenvolvimento de um olhar autoral íntimo, criativo, sem deixar de serdocumental ao mesmo tempo. Produziu horas de @ilmagem com suas lentes,milhares de imagens, constituindo um grande acervo sobre a temática. Editou,escolheu,deslocouseusregistrosparacomporumanarrativavisual,documentalesensível.Aurora 1964 conta a história de um passado de perseguição política, tortura emortespromovidaspelopróprioEstadobrasileiro.Crialigaçõesentreessepassadoe o presente. Atualiza o debate sobre democracia, direitos humanos ememóriasindividualesocial.Avisa-nosqueessepassadonãopassoueseussigni@icadosestãoemdisputanopresente.

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1.OsProtagonistasdo;ilme

CapítuloI-“Odiadamentira”MiguelArraes

No dia 1º de abril de 1964, o Palácio do Campo das Princesas, sede dogoverno de Pernambuco, estava cercado e tomado por soldados do exército. Ogovernador Miguel Arraes gravava uma mensagem que iria ser veiculada nasrádios.Dizia:“No momento em que eu falo, o Palácio do governo está tomado por tropas doexércitoqueseinsubordinaramcontraoPresidentedaRepública,tocandoassimnomeumandatoqueopovodePernambucomeconcedeu[...]Seiquecumpriatéagoraomeudevercomopovopernambucano,seiqueestouLielaosprincípiosdemocráticoseàlegalidadeeàConstituiçãoquejureicumprir.”

Miguel Arraes consultava seus assessores e conversa com sua esposa,Magdalena. A tensão era crescente. Logo cedo, ela haviamandado os dois @ilhospequenosparaaescola,tentandomanterasatividadescotidianaseatranquilidadeparaas crianças.O casal foi separadoquandono @inaldamanhãMagdalena saiuparabuscaros@ilhosenãomaisconseguiuentrarnoPalácio.

No @im daquele dia 1ª de abril, o governador de Pernambuco deixou oPalácio do Campo das Princesas preso. Foi levado para o 14º Regimento deInfantariaeumdiadepoistransferidoparaailhadeFernandodeNoronha.Aindanomesmo dia, a Assembleia Legislativa de Pernambuco decretou a vacância docargo de governador, ocupado logo em seguida por Paulo Guerra, então vice-governador.

AentradadeMiguelArraesnoPaláciodoCampodasPrincesascomochefedo executivo havia ocorrido no dia 31 de janeiro de 1963. Uma multidão detrabalhadores estava na frente do prédio esperando o pronunciamento do novogovernador. Sobre um palanque improvisado na base de cimento de um poste,Arraesrea@irmouseuscompromissosapresentadosduranteacampanhaeleitoral:“Oúnico compromissoque tenhoégovernarao ladodopovo, contraamiséria eafome”. Em seu governo, assegurou o pagamento do salário mínimo para otrabalhadorrural,garantiuodireitoderecebimentodo13ºsalárioedajornadadeoitohorasdetrabalho.MiguelArraescolocoutrabalhadoresruraiselatifundiáriossentadosàmesadenegociaçãopara@irmaroAcordodoCampo.

Pouco depois de um ano, o Golpe civil-militar de 1964 interrompeu essaexperiência política. Muitos trabalhadores rurais foram presos, outros foramassassinados. O governador de Pernambuco passou pouco mais de um ano nocárcere. Conseguiu umHabeas-Corpus e a condição de exilado na Argélia, ondeviveu comMagdalenaArraes e @ilhos. A sua vida de gestor público foi retomadaapenas em 1986, quando se elegeu novamente governador do Estado. A suaatuaçãopolíticanuncacessou.

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GregórioBezerra

GregórioBezerranasceumiserávelem1900.Diziaquenasceu famintoe famintofoi vegetando e crescendo ao léu da sorte. Trabalhou desdemuito cedo. Foi uminfante camponês, jornaleiro e ajudante de pedreiro. Alistou-se ao exército em1922econseguiuingressarnaEscoladeSargentodeInfantariaem1925,apóssealfabetizarpormétodoautodidata.Foisargento-instrutoreprofessordeeducação@ísica do Colégio Militar de Fortaleza até ser expulso do exército em 1935.Ingressou no Partido Comunista em 1930, fazendo-se um dos seus principaislíderes. Tornou-se um dos dirigentes do Levante Comunista de 1935, razão pelaqualfoipreso.Recebeuanistiaapóso@imdogovernodeGetúlioVargaselogrousereleitodeputadofederalporPernambuco,sendoomaisvotadoemRecife,em1945.Em janeiro de 1948, seu mandato foi cassado. O PCB havia sido posto nailegalidadenoanoanterior.PassouaatuarnaorganizaçãodostrabalhadoresruraisnoNordestedoBrasil, auxiliandonacriaçãodesindicatos rurais.Foipreso,maisumavez,nosprimeirosdiasapósogolpede1964,quandopensavaemmontararesistênciadostrabalhadoresnocampo.EstavanoEngenhoPedroza,municípiodeCortês.Comasmãoseospésalgemados,aindateveocorpotodoamarrado.Jogadonacarroceriadeumcaminhão,seguiuparaomunicípiodeRibeirão,ZonadaMataSuldePernambuco.NodiaseguintechegouaCompanhiadeMotomecanização,emRecife,ondefoirecebidopelocoronelDarcyUrsmarVillocqVianna.AlíocorreriaoepisódiomaisconhecidodavidadeGregórioBezerra.Elefoiespancadocombarradeferro,obrigadoapisaremumasoluçãoácidae,amarradopelopescoço,levadopelasruasdobairrodeCasaForte.OcoronelVillocqoexibiacomoumcriminosoeincentivavaaspessoasparaqueoxingassem.GregórioBezerra sempre enfrentou com coragemas situaçõesmais complicadasdasuavida.QuandoestavapresonomunicípiodeRibeirão,em1964,escutoudocoronel Ibiapina: “Eu sinto nojo de você”. Prontamente, respondeu: “Eu tambémtenhonojodetodososfascistasfantasiadoscomafardadoExército”.Issolhevaleuumgolpedefuzilnoestômago,umsoconacaraeduaspancadasnosouvidos.EssaposturadoenfrentamentomarcouatrajetóriadeGregórioBezerra.Asfotogra@iasproduzidas pela polícia política de Pernambuco para o prontuário do lídercomunistadaDOPS-PEregistrambemesseespírito.Oolharédireto,enfrentandoaosqueoregistram,coma@irmezaecoragemdocombatente. NemamisérianemarepressãosubsumiramaGregórioBezerra.GregórioBezerra,presente!

FranciscoJulião

FranciscoJulião@icouconhecidointernacionalmente,no@inaldadécadade1950, como dirigente e advogado das Ligas Camponesas em Pernambuco. Essemovimentodetrabalhadoresruraishaviaconseguido,em1959ecomoapoiodealguns deputados, a desapropriação do Engenho Galileia, em Vitória de SantoAntão, para @ins de reforma agrária. Julião tornou-se deputado estadual peloPartido Socialista Brasileiro de Pernambuco em 1955. Foi reeleito pelo mesmo

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partidoem1958eem1962conquistouavagadedeputadofederal. Aomesmo tempo, as suas ações de organização emobilização dos camponesespassaram a ocupar cada vez mais as manchetes dos jornais nacionais eestrangeiros.TheNewYorkTimesearevistaLifededicavamváriasdesuaspáginasparaapresentaro líderdasLigasCamponesasqueeracomparadoaFidelCastro.JornalistaseogovernodosEUA identi@icavamno franzinoadvogadoumpossívelrevolucionáriocomunista.As ações de Francisco Julião e das Ligas Camponesas não resultaram em umarevolução comunista, como temia os Estados Unidos e setores da imprensabrasileira. Contudo, revolucionaramavidadaquelespobres trabalhadores rurais.Comseusdiscursosin@lamados,queincendiavamopúblicoemoviammilharesdecamponesesparaa lutapordireitos, JuliãocolocouasreivindicaçõesdessegruposocialnocentrododebatepolíticodoBrasil.Construiuumavisibilidadeparaesseshomensemulheres.No dia do Golpe civil-militar de 1964, Francisco Julião estava em Brasília,exercendo suas funções de deputado federal. Dias antes, havia a@irmado em seudiscurso no plenário do Congresso, que poderia levantar 500 mil camponesescontraosgolpistas.Apromessanã[email protected] a ter seumandato cassado. Fugiu deBrasília disfarçado de camponês.PassouporBeloHorizonteefoiparaosuldeMinasGerais,ondearrumoutrabalhonaFazendaBauzinho.Depoisdetrêsmesesescondido,FranciscoJuliãofoidenunciadoepreso.UsavaonomedeAntônio.Tinhaumcachorro–Tenente–,umabíbliaeumrádioTransistor.Sua nova identidade era de camponês e pastor protestante.Nomomento da suaprisão,umpolicialolhouparasuasmãoseviucalos,quecomprovariasuacondiçãode camponês. Pediu, então, para que tirasse o calçado. O aspecto dos pés nãocondiziacomacondiçãodetrabalhadordocampo.Opolicialconcluiu:“Asmãossãodecamponês,masospéssãodedeputado”.Aprisãodurouatésetembrode1965,quando JuliãoconseguiuexílionaembaixadanoMéxico,paísemqueviveuatéaaprovaçãodaLeidaAnistianoBrasilem1979.Amilitânciapolíticajuntoaoscamponeseslhecobrouumaltopreço.Os@ilhosdoprimeiro casamento foram morar em Cuba em 1962, devido às ameaças quesofriamdosinimigosdoseupai.A@ilhadoseusegundocasamento,Isabela,nasceuquandoFranciscoJuliãoestavapreso.Aela,foidedicadoolivroAtéquarta,Isabela.Francisco Julião morreu em 1999, vivendo um autoexílio no México, depois dederrotado nas eleições de 1986 no Brasil. Morava em uma casa alugada muitasimples e sofreu um infarto quando preparava uma macarronada. Não possuíamais o prestígio e o poder político do líder das Ligas Camponesas que bradava“reformaagrárianaleiounamarra”[email protected], que tratou de cremar seu corpo. Não houve tempo para despedidas ehomenagens por parte dos @ilhos, dos amigos ou dos trabalhadores. QuandodecidiuretornarparaoMéxicodepoisde1986,FranciscoJulião,contudo,pareciajá se despedir: “Saio dessa peleja como entrei nela: pobre. E sigo em frente,recolhendoaspedrasquemeatirarampelocaminhoparaediLicarcomelasosmeussonhos,asminhasutopias.[…]queaspiraçõesaindameacompanham?Vouresumi-lasnumasópalavra.Paz.”

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EngenhoGaliléiaeosgalileus.(Cap.IeII)

Francisco Julião foi recepcionadocomvivas, fogoseumachuvadepétalasno Engenho Gailéia, em Vitória de Santo Antão. Era janeiro de 1955 e oscamponeses haviam @inalmente conseguido um advogado para defendê-los. Oencontroentreastrajetóriasdessaspessoaseadorecém-eleitodeputadoestadualsocialista iria colocar o Engenho Galiléia e seus moradores – nomeados pelaimprensa também como Galileus – em destaque no cenário político nacional einternacional.Em1959,comadesapropriaçãodasterrasdoGaliléiaemfavordosseus moradores, manchetes e editoriais de diversos jornais se voltaram paraexplicar o que acontecia nesta propriedade da Zona da Mata de Pernambuco.Muitostextosdestacavamoperigodestadecisão,quesubverteriaaordempolíticaeinstalariaocaossocialnomeiorural.OstrabalhadoresruraiseramapresentadoscomosujeitosperigososnocontextodaGuerraFria.Seriamagentesdadesordem,dasubversãoedocomunismoquepoderiam“cubanizar”oNordestedoBrasil.Missões diplomáticas, intelectuais, jornalistas e cineastas passaram a visitaraquelasterras.Queriamconhecerasociedadecivilorganizadapelostrabalhadorese nomeada pela imprensa de Ligas Camponesas.Havia umdesejo de entender eregistrar a experiência social e política ali desenvolvida. Entre esses visitantesestavaojovemEduardoCoutinho,queem1964começoua@ilmarahistóriadeJoãoPedroTeixeira,líderdaLigaCamponesadeSapé-PB,assassinadodoisanosantesamandodelatifundiáriosdaregião.AslocaçõeseramrealizadasnoEngenhoGaliléiae os atores e atrizes foram os próprios moradores. A esposa de João Pedro,Elizabeth Teixeira, interpretaria a si mesma. O trabalho foi interrompido pelarepressão policial na região, logo após o golpe de 1964. Muitos moradores, emesmo a equipe de @ilmagem, fugiram. Outros foram presos e os negativos atéentão produzidos @icaram perdido. Em 1981, esse material foi encontrado e oprojetopassouaserpensadonoformatodedocumentário.DosatoresedasatrizesgalileussurgementãoCícero,Dão, JoãoVirgílio,querepresentavamváriosoutrospersonagensdaquelahistória:Elzito,ZéBiu,Amara,MariaCeleste,ZezédaGaliléia.Anarrativa@ílmicaeastrajetóriasdevidasemisturavamemmeioàsmemóriasdelutaspordireitospolíticosesociais.Quandoem1ºde abril de1964 caminhões comsoldadosdoexército avançaramsobre o Galiléia, famílias foram destroçadas, amizades interrompidas, sonhosatropeladoseaslutaspelaterraepormelhorescondiçõesdevidaesmagadas.OscamponesessofreramnaprimeirahoraaviolênciadaditaduraqueseinstalarianoBrasil.Destruiraorganizaçãopolíticadoscamponesessigni@icavaacabarcomumatentativademudançaestruturaldopaís.Era necessário ainda invisibilizar esses atores sociais. Tentar apagar suasmemórias e as narrativas sobre eles. Essa foi uma das preocupações do RegimeMilitar e de setores civis que o apoiaram, como os latifundiários. O @ilme deEduardoCoutinhofoiexibidoem1985,noperíododaredemocratização.Apesardosucesso, ashistóriasdesses trabalhadores rurais e, especi@icamente, dos galileus,parecem não ter alcançado um lugar de destaque na memória social sobre osmassacrados pela repressão da Ditadura Militar. Atualmente não existe ummonumento às Ligas Camponesas no Engenho Galiléia, nem essa é uma históriaque se conte nas escolas ou mesmo em @ilmes. A experiência do movimento

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camponêsnoNordestedoBrasilconhecidointernacionalmenteantesde1964nãofoiincorporadaahistóriao@icialdopaís.Asmemórias dos galileus, bem como dos vários camponeses quemilitaram porreformaagráriaedireitossociais,entretanto,atuamcomomemóriassubterrâneas,que a@loram em sobressaltos repentinos e fazem suas exigências para essessujeitosseremvistos,escutadosenãoesquecidos.

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CapítuloII-“TristesTrópicos”

JomardMunizdeBrito

Cometeuatentadospoéticos

Preso

Movimenta-se,famigerado

JomardMunizdeBritofoiprofessordaUniversidadedoRecife,atualmenteUniversidadeFederaldePernambuco.AtuoujuntocomPauloFreirenaequipedoServiçodeExtensãoCulturalquetinhacomoumdosprincipaisobjetivoscombatero analfabetismo. Como golpe civilmilitar de 1964, foi preso, dividiu a cela comGregório Bezerra, e aposentado compulsoriamente. Tempos depois, passou alecionarnaUniversidadeFederaldaParaíba.Em1969,comoAtoInstitucionalnº5eaintensi@icaçãodarepressão,foiimpedidonovamentedelecionar.

Além de professor, Jomard Muniz atuou como cineasta. Sua relação comGlauber Rocha foi fundamental neste campo de ação. Como diretor de Super-8,produziu o curta “O palhaço degolado”, um monólogo provocativo e crítico deintérpretesdainventadaculturanordestina.

MunizdeBritofoirealizadordotropicalismo.EmPernambuco, juntocomCelsoMarconieAristidesGuimarães, lançouoprimeiromanifestodomovimentoem1968intitulado“Porquesomosenãosomostropicalistas”.

MariadeLourdesdaSilva

PróximoaoprédioondemoravacomsuairmãeseupaiemOlinda,LourdesdaSilvahaviasidopresa.Era janeirode1972.A irmã trabalhavan’AGirafa,umaloja de tecidos no centro do Recife. Seu pai e toda família eram da cidade deTimbaúba,ondetrabalhavamnosetordeproduçãodecalçadosetecidos.FoinessacidadequeajovemLourdescomeçousuamilitâncianaJuventudeOperáriaCatólica–JOC–epormeiodessegrupofoimoraremRecife,ondepassouatercontatocomsetoresconsideradosprogressistasdaIgrejaCatólica,gruposdaesquerdaarmada,comoAliançaLibertadoraNacional,eintegrantesdoPartidoComunista.Nuncase@iliou a essas organizações da esquerda e quando foi presa já havia se desligadoo@icialmentedaJOC.

Lourdes estava na prisão há quarenta dias sem se comunicar com sua

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famíliaeseusamigos.Afaltadeinformaçãoosmartirizava.Elestemiampelavidadelaedoseubebê.Eraosegundomêsdegravidez.

Umdia,nalojadetecidosnocentrodacidade,suairmãrecebeuumbilhete.O choroque acompanhou a leitura expressava a imensa alegria sentida. Lourdesconseguiu que um agente da Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS/PE -,ondeestavapresa,enviasseorecado.Diziaqueparavê-la,suairmãdeveriairàRuadaUnião, onde @icavaoprédiodaDOPS.Às13horas, ela estariana janelado1ºandar.

“Euestavacomamesmaroupadequarentadiasatrás.Elameviunajanelaeeudooutroladodandotchau.Foiumaalegria.Tinhacertezaqueeuestavaviva”.

MariadeLourdesdaSilvafoipresasemacusaçãoformal.Sofreusessõesdetortura.Nãoteveacessoaoseuprocesso.Perdeuseuemprego,mudou-sedecasa.Amizadesforamdesfeitas.Amarcadepresapolíticaafetavasuavidaapóssairdocárcere.Sentiamedo.Masseguiu.Emagostode1972,nasceusuaprimeira@ilha.

GeraldoMenucci

“VimaRecifeparapassartrêsmesesemcasadeparentes,maspassei14anos.Haviamuitos movimentos culturais populares na cidade”. O maestro Geraldo MenuccirelembraoperíodoanterioraoGolpecivil-militarde1964,quandotevedestacadaatuaçãono cenário cultural e político deRecife. Criou o Coral Bach, consideradoporHeitorVilla-Lobosumverdadeiromilagre,porserumexemplodesuperaçãofrenteàsdi@iculdadesdaépoca.Em1957,apresentou-senoVIFestivalMundialdaJuventude e dos Estudantes, realizado emMoscou, e em outros países do LesteEuropeu.Quandoregressou,foipresopelodelegadodaDOPS-PE,ÁlvarodaCostaLima, que lhe informou na ocasião ser “uma ordem de prisão não em sentidorigoroso”.Revelavam-seostemposderepressão.ParticipoudoMovimentodeCulturaPopular,juntocomoartistaplásticoAbelardodaHora,pormeiodoqualprocuroudifundiro gostopelamúsica, comdestaquepara a música clássica. Esteve conectado também aos movimentos políticos doperíodo. JuntocomFranciscoJulião,líderdasLigasCamponesas,criouoHinodoCamponês.Emumdostrechosdizia:

Hojesomosmilhõesdeoprimidos,Sobopesoterríveldocambão.Lutandonósseremosredimidos,Areformaagráriaéasalvação.

Comogolpede1964,foidemitidodaPrefeituradoRecife,ondetrabalhavacomo violinista emaestro daOrquestra Sinfônica. Passou a ser perseguido. Paratentar livrar-se da prisão, fugiu de Recife com o auxílio de DomHélder Câmara.PresonoRiodeJaneiro,passouadividiracelacomoatorMárioLagodequemsetornouamigo.Comaanistiade1979,retomouseupostonaPrefeituradoRecife.Segueutilizandoamúsicacomoinstrumentodeaçãosocialepolítica.

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FernandoSantaCruzeElzitaSantaCruz

Erasábadodecarnavaldoanode1974.Fernando,queviviaemSãoPaulo,comsuaesposaAnaLúciaeseu@ilhoFelipe,viajouaoRiodeJaneiroehospedou-senacasadoseuirmãoMarcelo,emCopacabana.Natardedaqueledia,elesaiuparaencontrarcomseuamigoEduardo,alertandoque“senãovoltasseatéas18horas,teriasidopreso”.

Fernandonãovoltou.Desapareceu.

ElzitaSantaCruz,suamãe,iniciouumabuscaporinformaçõessobreoseuparadeiro. Percorreu delegacias, órgãos de segurança do governomilitar. Visitouautoridadespolíticase religiosas.Escreveu cartas.UmadelasaoMarechal JuarezTávora,emmaiode1974,trêsmesesapó[email protected]:“São passados três meses. Não sabemos quais as acusações que pesam contraFernando.Dequecrimeoacusam?[…]MeuqueridoLilhotambéméesposoepai.QuedireiaomeunetoquandojovemseLizerequandomeindagarqueLimlevouoseupai,seelenãotiverafelicidadedeseuregresso?Direiquefoiexecutadosemjulgamento?Semdefesa?Àsescondidasporcrimequenãocometeu?OndeestámeuLilho?”

Fernando foi sequestrado pela polícia política. É um desaparecido político daDitaduraMilitarbrasileira.Passadospoucomaisde40anos,oEstadobrasileironãoconsegue responderàsquestões.Osilêncioéensurdecedor.

AnacletoJulião

Anacleto Juliãoéantropólogo.Osmovimentos sociais estiverampresentesemsuavidadesdea infância.FilhodeAlexinaCrêspoeFrancisco Julião,quandocriança sua casa era palco de debates políticos e de organização demovimentossociais. Seu pai era líder das Ligas Camponesas no Nordeste do Brasil. Suamãeatuavanaorganizaçãodos trabalhadoresruraisenaarticulação internacionaldomovimentocamponês.

Noiníciodadécadade1960,AnacletoeseusirmãoforamestudaremCuba.As ameaças e perseguições políticas à sua família eram constantes emPernambuco.Anacleto conseguiria regressar aoBrasil como processo de anistiaem1979.ComoGolpeCivil-Militarde1964,Anacleto, suamãee irmãos @icaramimpedidosdeentrarnopaís.Mudaram-separaoChileondeviveramatéogolpede1973contraogovernodeSalvadorAllende.AnacletoJuliãoseguiuparaaEuropa,vivendonaSuéciaaté[email protected]íodo,visitouopai.FranciscoJulião vivia exiliado noMéxico desde 1965. Desta visita resultou uma entrevista@ilmada em Super-8 sobre a história das Ligas Camponesas e a trajetória do seulíder.Deu-seconta,Anacleto,aorevisaraentrevista,queo@ilmenãotinhasom.

ComaAnistiade1979,AnacletoJuliãoregressouaoBrasil.Passouaatuarna organização do Partido Democrático Brasileiro – PDT – e no processo deredemocratizaçãodopaís.

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JarbasAraújo

JarbasAraújoeraestudanteeestavanaFaculdadedeEngenhariadoRecifeem1ºdeabrilde1964.Dalisaiuumgrupoempasseata,pelocentrodoRecife,emdireçãoaoPaláciodoCampodasPrincesas, sededogovernodePernambuco.Osestudantes desejavam demonstrar seu apoio aMiguel Arraes, governador eleito,queestavaprestesaserpreso.Omovimentoestudantilfoireprimidoatirospelossoldados do exército que formavamumabarreira na avenidaDantasBarreto. Osestudantes Ivan Rocha e Jonas Albuquerque forammortos. Jarbas escapou, masdepois foi preso algum tempodepois.Torturado, esteve encarcerado como lídercamponêsFranciscoJulião,quepovoaalgumasdasmemóriasdeJarbas:

“Eumadasprisõesqueeuestavaerano7ºRO.[…]Eumanoite,eranoitedeeclipsedalua.Tudoescuro.FoiodiaemqueJuliãofoipresoechegoulá,nessequartel.Eagenteolhavadagradedaprisãoeossoldadosdaguardanãosossegavam.Seviravamparaumlado,seviravamparaooutro,pensandoqueoscomunistasiaminvadiretirarJuliãodelá.AíJuliãochega,comumabotinhaamarela,dessasdecourocru,elechutouaportadagrade.Juliãoerabrabo(sic)quesó.Chutouaportadagrade,entrou.Aínooutrodiatinhavisitadefamiliaresdagente[…]Levavammaçã,uva,pêra[…]eletavasozinho,agenteofereceuseelequeriaalgumacoisa,eeledissepragente:“Sourevolucionário,nãocomoguloseimas”,arrasoucomigo.

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CapítuloIII-“Memória,verdade…ejustiça?”

OdijasCarvalho

RegistroCivildeÓbito-Reti@icação

OdijasCarvalhodeSouza

Falecidonodiaoitodefevereirodemilnovecentosesetentaeumàscincohorasetrintaminutos,emHospitaldaPolíciaMilitar

com25anosestadocivilcasadoresidenteemPraiadeMariaFarinha@ilhodeOsanoFranciscodeSouzaeAnaliaCarvalhodeSouza

CausamorteHomicídioporrupturasdeórgãosinternoscausadoporatosde

torturadeagentesdaSecretariadeSegurançaPúblicadePernambuco

OsepultamentofoifeitonocemitériodeSantoAmaro–afuneráriapertenciaaumdosseustorturadores

AlbertoVinícius:testemunhadeOdijasCarvalho

Alberto Vinícius e Odijas Carvalho, militantes do Partido ComunistaBrasileiroRevolucionário–PCBR-,encontraram-seemRecife,1971.

Odijas havia sido preso na Praia de Maria Farinha, no @inal de janeirodaqueleano.AlbertofoipresonoParaná,noanoanterior.FoitransferidoparaSãoPaulo,entregueaOperaçãoBandeirantes–OBAN.SeguiuparaRecifenoiníciode1971.

AlbertorecordaquandoviuOdijasnaDelegaciadeOrdemPolíticaeSocialde Pernambuco – DOPS-PE: “Por volta das 7h, Odijas passou diante da cela,conduzidoporpoliciaisqueocolocaramnacelavizinha.Estavadecalçãodebanho,camisaedescalço”.

AmemóriaseguinteéconstituídaporquadrosdatorturasofridaporOdijas:

“Apesardaexistênciadaportademadeiraisolandoasaladocorredor,chegaramaténós os gritos de Odijas, os ruídos das pancadas e das perguntas cada vez maishistéricas dos torturadores. Durante este período, Odijas foi trazido algumas vezesaté o banheiro, colocado sob o chuveiro para em seguida retornar ao suplício. Em

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uma dessas vezes, ele chegou até minha cela e pediu-me uma calça emprestada,porque a parte posterior de suas coxas estava em carne viva. Os torturadosanimalizados se excitavam ainda mais, redobrando os golpes exatamente ali. Porvoltadas2h,ostorturadosextenuadosevencidoscolocaramOdijasnacela.Passadosalgunsminutos, apareceu o delegado José Silvestre. Visivelmente irritado, gritandocomos torturadores,ordenouo reiníciodoassassinatoque seprolongouaté4hdodia31dejaneiro”.

Odijas Carvalho morreu em 8 de fevereiro de 1971. Alberto Vinícius foitransferido para o Quartel de Cavalaria e para a Base da Aeronáutica emPernambuco,ondesofreutorturas.A@irmatersaídodoinfernoquandoseguiuparaa Casa de Detenção, localizada no centro do Recife. Foi transferido ainda para aPenitenciária Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá – PE, onde @icou até 1979.Haviasidocondenadoaprisãoperpétua.Depoissuapenafoitransformadaem30anosdecárcere.

AnatáliadeSouzaMeloAlves

RegistroCivildeÓbito–Reti@icação

AnatáliadeSouzaMeloAlves

Falecidanodiavinteedoisdejaneirodemilnovecentosesetentaetrêsàsdezessetehorasequinzeminutos,emDelegaciadeOrdemPolíticae

SocialdaSecretariadeSegurançaPúblicadePernambucocom28anos

estadocivilcasadaresidenteem____--------_________@ilhodeNicacioLoiadeMeloeMariaPereiradeMelo

CausamorteHomicídioporestrangulamento.Depoisde35diasdeviolências,sevíciasetorturasnasdependênciasdaSecretariadeSegurançaPúblicade

Pernambuco,sofreuas@ixiacausadaporestrangulamento.Osseustorturadoressimularamumsuicídio,montandoacenadoenforcamentodeAnatáliacomaalça

queseriadesuaprópriabolsa.EssaversãofoidivulgadapeloDiáriodePernambuco,em23dejaneirode1973,comoseguintetítulo:“Subversivasuicida-

secomalçadabolsanobanheiro”.OsepultamentofoifeitonocemitériodeSantoAmaro–semconhecimentoda

família

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EscultorAbelardodaHora

RelatóriodeAbelardodaHoraCargo:ProfessordoColégioTécnicoProfessorAgamenonMagalhãesMunicípio:RecifeHistórico: O indiciado é tão notoriamente comunista que, rebentada a revoluçãodemocrática, logo foi preso. É desses cujas convicções e atividades, de tãoextremadamente contrárias ao regime democrático, o tornavam sem sombra dedúvidasumdosprincipaisadeveremsofreroexpurgoaserexecutadopelasforçasvitoriosascomocondiçãosinequanondoprestígiodavitória”.

Aprisão:Quando eu fui preso, o coronel Ibiapina disse: “Quem for Abelardo daHora dê umpassoa frente”.Eunão Lizserviçomilitar,mastinhasidochefeescoteiro.Fiqueiemposiçãodesentidonafrentedele,quefalou:"OsenhorganhouumafortunanaquelaPraça da Torre." Eu disse: "Eu Liz aquilo tudo de graça, eu dei de presente àprefeitura." Ele disse: "De graça?" "Foi, o senhor pode pesquisar na Secretaria deFinanças se tem algum recibo de pagamento assinado por Abelardo da Hora.Ibiapinaretrucou:"Equemensagemocultaéaquela?(referindo-seapartesuperiordaesculturainstaladanaPraçadaTorrequegiravacomovento).Elepensavaqueeraumamensagemcomunista. "...éaquelaque tem láemcimadaquela torre?Quemensagemocultaéaquela?"Eurespondo:“Bem,aquiloaliquemfazéovento,sóseosenhor mandar prender o vento.” Ele se arretou comigo: “recolha-se ao xadrez,atrevido!”Edeumeia-voltaefoiembora.

Ocompanheirodeprisão:“Passeiquaseumanopreso.EueGregórioBezerrafomoslevadosparaaCompanhiadeMotomecanização, comandada pelo coronelDarcy Villocq. Ele parecia o cão, sóolhavaparamimtrincandoosdentes,queriamemorder.AmarrouGregórioBezerradecorrenteearrastoupelasruasatéaPraçadeCasaForte.Ooutroiasereu,iaserossoparatodolado,porquesemprefuimagro,parecequenaquelaépocaeueraatémaismagro.Iaserosso,euteriamorrido,nãotinhaaguentado.NãosoufortecomooGregórioera.Gregórioeramaismusculoso”.

Aberlado da Hora morreu em setembro de 2014. Estava trabalhando emumaesculturaparahomenagearGregórioBezerra.Aimagemdacapadestasérieédo documentário é uma fotogra@ia da escultura inacabada. O artista Abelardo,assim,sefazpresentecomoumdospersonagensdestanarrativasobre1964.

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2.Atividadesemsaladeaula

CapítuloI-“Odiadamentira”

Ogolpecivil-militarde1964Apósassistiraocapítulo01,sugere-sequeprofessor(a)ealunos(as)pesquisemede@inam alguns dos princípios de um regime democrático. Recomenda-se criarpainéisparasistematizarasconclusões.(O/Aprofessor(a)podediscutiroconceitodedemocraciaemaulaanterior)A classe de alunas (os) deve ser organizada em grupos. Cada um pode escolheruma das personagens que aparecem no primeiro capítulo. Recomenda-se nãohaver repetições. Deve-se estudar sua trajetória a partir do @ilme e do textobiográ@ico apresentado nestematerial educativo. O professor deve orientar essapesquisaeestudo.Deve-sepedirqueosalunos(as)sereúnamnovamentenograndegrupo,formandouma roda. As(os) estudantes devem contar sobre as trajetória e [email protected] @inal,apartirdashistóriasdevidadapersonagemescolhida, as(os) estudantes tentarão identi@icar quais princípios dos regimesdemocráticos não foram respeitados no contexto histórico narrado no primeirocapítulo.

CapítuloII-“TristesTrópicos”-Violaçõesdosdireitoshumanos

2.1DesaparecidosPolíticosElzitaSantaCruz,mãedeFernandoSantaCruz,desaparecidopolíticopeladitaduramilitarnoBrasil,escreveuumacartaaoMarechalJuarezTávora,emmaiode1974,queterminavacomaseguintepergunta:“Ondaestámeu@ilho?”.Aproposta de atividade consiste emdividir a classe emgrupos e pedir que elesescrevamumacartarespostaaElzitaSantaCruz.Aprofessora/oprofessordeveorientarosalunosaexplicaremnacartaocontextohistóricoquepossibilitouodesaparecimentodepessoasnasdécadasde1960e70no Brasil e na América Latina. A pergunta “Onde estámeu @ilho?” é o ponto departidapara re@lexão sobre autoritarismo, direitoshumanos e justiçaquedevempermearaescritadosalunos.Ao@im,nãosepretendequeacartadasalunas/dosalunosofereçaumarespostaexata para a pergunta, mas uma re@lexão sobre a prática política estatal dedesaparecerpessoasduranteaditadura.

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2.2Prisõesilegais,SequestroeTorturaAs informações coletadas comapesquisa realizadapara a confecçãoda cartanoitem 2.1. são o ponto de partida para essa nova re@lexão. As alunas e os alunosserãodivididosemgruposerealizarãonovaspesquisasnalegislaçãoemvigornoBrasilparaidenti@icaroquedizsobreosdireitosdosindivíduosnoprocessopenal(presunção de inocência, habeas corpus, fatores que autorizam uma prisão) esobreotemadatortura.Asalunaseosalunosdiscutirãoentresieescreveramumanovacarta,endereçadaa Dona Lourdes e sua família, explicando porque, de acordo com a legislaçãovigente,nãoseriapermitidoqueserepetisseosfatosqueelavivenciounaditadura.A/odocentedeverápromovera leituradascartaseestimularos/asestudantesadebaterotemadaprisãonoBrasilhoje.

2.3CensuraeculturaAprofessora/oprofessordevedividiraturmaemgrupos.Cadaumdeveescolherumconceito/direito relacionadoàpráticadademocracia (recomenda-sequeo/adocenteofereçaàclasseosconceitos/direitosaseremescolhidos.Pode-se tomarporbaseosestudosdesenvolvidos paraaatividadedocapítulo01).Pormeiodoexercíciodamímica,umintegrantedecadagrupodevetentarexplicaroconceitoselecionadoparaorestantedaturma.Quemdescobrirá?Éimportantequeosalunoseasalunaspercebamasdi@iculdadesdeexpressarsuasideiasquandoasformasdeexpressãosãolimitadas,censuradas.Apartirdessadinâmica,o/adocentedevepromoverodebatesobreacensuranoperíodo ditatorial, utilizando os casos relatados no @ilme sobre a censura àproduçãoartísticaeintelectualdeJomardMunizdeBrito,GeraldoMenuccieAveSangria.Pode-seutilizaros textosbiográ@icoscomoapoioeprovocarosalunosealunasaestabeleceremrelaçõescomsituaçõesatuais.

2.4OstrabalhadoresruraiseoGolpede1964O/Aeducador(a)deveofereceraalunosealunasinformaçõessobreaexperiênciahistórica das Ligas Camponesas (Recomenda-se que em momento anterior aexibição do @ilme). Esses dados serão complementados com as histórias doCapí[email protected]/A professor(a) deverá levar recortes de notícias sobre violências contratrabalhadores rurais no Brasil, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, nosúltimosanos.Recomenda-sequeos/asalunos(as)sejamdivididosemgrupos.Estesdevemlerasnotíciasedebaté-las,[email protected]@inal,cadagrupoexpõessuasleituraseasrelaçõesestabelecidosentrenotíciasatuaise@ilme.

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CapítuloIII-Memória,Verdade...eJustiça?Oprofessor/aprofessoradeveproporumdebatesobrequaisaçõespolíticasesociaispodemcontribuirparaevitaroretornodeumregimeditatorialnoBrasil.Comomaterialdeapoio,a(o)docentepodeutilizarasrecomendações@inaisdaComissãoNacionaldaVerdade,disponíveisem:

http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Capitulo%2018.pdf

As sugestões dos alunos e das alunas para evitar um retorno de um governoditatorialnoBrasilpodemserescritasemcartazeseexibidosnomuraldaescola.

Bibliogra;iasugerida

DossiêDitadura-MortoseDesaparecidosPolíticosnoBrasil1964-1985Autor:ImprensaO@icialEditora:ImprensaO@icialSPADitaduraMilitarnoBrasil-RepressãoePretensãodeLegitimidade1964-1984Autor:Rezende,MariaJosédeEditora:EduelDesarquivandoaDitadura-MemóriaeJustiçanoBrasil-2VolumesAutor:Santos,CeciliaMacDowell;Teles,Edson;Teles,JanaínadeAlmeidaEditora:HucitecHistóriaIndiscretadaDitaduraedaAbertura-Brasil:1964-1985Autor:Couto,RonaldoCostaEditora:RecordDitaduramilitar,esquerdasesociedadeAutor:ReisFilho,DanielAarãoEditora:J.ZaharOGovernoGoularteoGolpe64-ColeçãoTudoéHistóriaAutor:Toledo,CaioNavarrodeEditora:BrasiliensePropagandaeCinemaaServicoGolpe1962/64Autor:Assis,DeniseEditora:MauadFranciscoJulião:EmlutacomseumitoAutor:PabloF.deA.Por@irioEditora:PacoEditorial

DiscursosepráticasdaIgrejaPresbiterianadoBrasilduranteasdécadasde1960e1970Autor:MárcioVilelaEditora:Ed.DaUFPE

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DitaduramilitarnoBrasil:entrepráticaserepresentações(1960-1968)Autor:ErinaldoCavalcantiEditora:FGV/Ed.UFPE

RelatóriodaComissãoNacionaldaVerdadhttp://cnv.memoriasreveladas.gov.br/

RelatóriodaComissãoEstadualMemóriaeVerdadeDomHélderCâmarahttps://www.comissaodaverdade.pe.gov.br/index.php/relatorio-@inal-2

Filmogra;ia

PraFrente,Brasil(1982),RobertoFariasOqueÉIsso,Companheiro?(1997),BrunoBarretoBatismodeSangue(2007),HelvécioRattonZuzuAngel(2006),SérgioResendeOAnoemqueMeusPaisSaíramdeFérias(2006),CaoHamburgerCabraMarcadoparaMorrer(1984),EduardoCoutinhoElesNãoUsamBlack-Tie(1981),LeonHirszmanEmNomedeAmérica(2017),FernandoWellerAurora1964(2017),DiegoDiNiglio

FichaTécnica

IdeiaerealizaçãoDiegoDiNiglioTextosPabloF.deA.Por@irioProduçãoexecutivaLíaMiceliLópezLecubeSitewww.p14311.org.br

FinalizaçãoemOlindaPernambuco,março2018.

Apoio

–UniversidadeFederaldePernambuco–UFPE/DepartamentodeHistóriaePós-graduaçãoemHistória–ComissãoEstadualdeMemóriaeVerdadeDomHelderCâmara–InstitutoMiguelArraes–IMA–FundaçãoJoaquimNabuco,Coordenação-GeraldeEstudosdaHistóriaBrasileiraRodrigoMeloFrancodeAndrade–Cehibra–AssociaçãoPernambucanadeAnistiadosPolíticos

Incentivo

FUNCULTURA-FUNDARPE/SECULTPE-GOVERNODEESTADODEPERNAMBUCO