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Endividamento Público e Crescimento Econômico: Evidências Para Países em Desenvolvimento Tiago de Jesus Irineu * Sérgio Fornazier Meyrelles Filho ** ** Breno Nahuel Freneau *** *** Daniel Oliveira Dias **** **** Resumo Este trabalho analisa a relação entre o endividamento público total e o crescimento do PIB per capita real nos países em desenvolvimento. Inicialmente, é feito um esforço de revisão de literatura, tanto empírico quanto teórica para entender quais os possíveis mecanismos de ligação entre o endividamento público e o crescimento econômico. Após, são realizados exercícios empíricos em um painel composto por 69 países em um intervalo de 25 anos (1988 – 2012). O primeiro exercício é uma análise de estatística descritiva onde encontramos indícios de uma relação negativa entre o grau de endividamento e o crescimento econômico. Após isto é feito uma breve análise econométrica estimando-se um modelo de crescimento aumentado com a variável de endividamento via o estimador de pooled OLS. Os resultados econométricos parecem confirmar o indício de existência de uma relação linear negativa entre o endividamento público e o crescimento econômico. Por fim, também são encontrados indícios de não-linearidade na relação entre o endividamento e o crescimento econômico, quando a interação entre a dívida e as taxas de juros ou de inflação são levadas em consideração. Palavras-chave: Endividamento público; Crescimento; Países em desenvolvimento. Classificação JEL: F40, F47, H60, H63. Abstract This paper analyzes the relationship between total public indebtedness and real per capita GDP growth in developing countries. Initially, an effort is made to review the literature, both empirically and theoretically, to understand the possible mechanisms for linking public indebtedness to economic growth. * Mestrando em Economia - UNB - [email protected] **** Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás - [email protected] ****** Mestrando em Economia - UFG - [email protected] ******** Graduando em Ciências Econômicas – UFG - [email protected]

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Endividamento Público e Crescimento Econômico:Evidências Para Países em Desenvolvimento

Tiago de Jesus Irineu*

Sérgio Fornazier Meyrelles Filho****Breno Nahuel Freneau******Daniel Oliveira Dias********

ResumoEste trabalho analisa a relação entre o endividamento público total e o crescimento do PIB per capita real nos países em desenvolvimento. Inicialmente, é feito um esforço de revisão de literatura, tanto empírico quanto teórica para entender quais os possíveis mecanismos de ligação entre o endividamento público e o crescimento econômico. Após, são realizados exercícios empíricos em um painel composto por 69 países em um intervalo de 25 anos (1988 – 2012). O primeiro exercício é uma análise de estatística descritiva onde encontramos indícios de uma relação negativa entre o grau de endividamento e o crescimento econômico. Após isto é feito uma breve análise econométrica estimando-se um modelo de crescimento aumentado com a variável de endividamento via o estimador de pooled OLS. Os resultados econométricos parecem confirmar o indício de existência de uma relação linear negativa entre o endividamento público e o crescimento econômico. Por fim, também são encontrados indícios de não-linearidade na relação entre o endividamento e o crescimento econômico, quando a interação entre a dívida e as taxas de juros ou de inflação são levadas em consideração.

Palavras-chave: Endividamento público; Crescimento; Países em desenvolvimento.Classificação JEL: F40, F47, H60, H63.

AbstractThis paper analyzes the relationship between total public indebtedness and real per capita GDP growth in developing countries. Initially, an effort is made to review the literature, both empirically and theoretically, to understand the possible mechanisms for linking public indebtedness to economic growth. Afterward, empirical exercises are carried out by a panel composed of 69 countries in a 25-year interval (1988 - 2012). The first exercise is a descriptive statistics analysis where we find evidence of a negative relationship between the level of indebtedness and economic growth. After this, a brief econometric analysis is done estimating an augmented growth model with the debt variable via the pooled OLS estimator. The econometric results seem to confirm the existence of a negative linear relationship between public indebtedness and economic growth. Finally, evidence of non-linearity is also found in the relationship between indebtedness and economic growth, when the interaction between debt and interest rates or inflation are taken into account.

Key-words: Public indebtedness; Growth; Developing countries

Área de Interesse: Área 1.

* Mestrando em Economia - UNB - [email protected] **** Professor Adjunto da Universidade Federal de Goiás - [email protected]****** Mestrando em Economia - UFG - [email protected]******** Graduando em Ciências Econômicas – UFG - [email protected]

Page 2: Introdução · Web viewrealizada por Reinhart e Rogoff (2010a), da relação entre o endividamento público e o crescimento econômico. Por fim, no capítulo 4, são apresentados

1. INTRODUÇÃOA literatura econômica que trata do problema do endividamento público foi por muito tempo

restrita à análise do endividamento externo dos países em desenvolvimento e os possíveis efeitos deletérios do mesmo sobre a performance macroeconômica destes países. Pouco era discutido sobre os países desenvolvidos ou sobre os possíveis impactos macroeconômicos da dívida pública total sobre os países, sejam eles desenvolvidos ou em desenvolvimento. Com a eclosão da última crise internacional, em 2007-2008, e o subsequente aumento da dívida pública nos países desenvolvidos, sobretudo devido à adoção de políticas anticíclicas ou de salvamentos de bancos, houve um aumento de interesse dos economistas pela relação entre a dívida pública total e o crescimento econômico. A partir de então emergiu uma literatura, predominantemente empírica, que busca entender quais os efeitos do endividamento público sobre o crescimento econômico. Até o momento, parece manifestar-se nessa literatura um certo consenso quanto à existência de uma relação negativa entre o endividamento público e o crescimento econômico, embora existam sérias controvérsias sobre a natureza desta relação, pois os resultados ainda são inconclusivos sobre a existência ou de não-linearidades nesta relação ou sobre a direção de causalidade.

Embora a análise da dívida externa tenha focado nos países em desenvolvimento, a literatura que emergiu no pós-crise quase os ignora, restringindo-se primordialmente aos países desenvolvidos, ainda que Reinhart e Rogoff (2010a), que foi o trabalho que deu ensejo a esta literatura, tenha analisado tanto os países desenvolvidos quanto os países em desenvolvimento. Esta falta de estudos sobre os países em desenvolvimento é particularmente preocupante, pois, conforme notado por Presbitero (2012), a dívida externa não é mais um bom indicador do endividamento público deste grupo de países, como já foi no passado, pois nas últimas décadas estes têm recorrido mais ao endividamento interno do que ao externo.

Neste trabalho espera-se contribuir à literatura ao analisar empiricamente a relação entre o endividamento público total e o crescimento econômico, exclusivamente nos países em desenvolvimento. Essa escolha é motivada principalmente pela ausência de trabalhos que se dediquem exclusivamente aos países em desenvolvimento1, enquanto já há uma literatura empírica relativamente bem desenvolvida quando se trata da análise dos impactos da dívida pública sobre o crescimento nos países desenvolvidos2. Além disso, conforme enfatizado por Reinhart, Rogoff e Savastano (2003), o efeito do endividamento público sobre o crescimento econômico é heterogêneo entre os países, havendo uma maior tolerância ao endividamento entre os países desenvolvidos.

Para a análise empírica deste trabalho é utilizado um painel de 69 países em desenvolvimento, estando a análise dividida em duas partes. Inicialmente, seguindo Reinhart e Rogoff (2010a), é realizada uma análise de estatística descritiva da relação entre o endividamento público e o crescimento econômico. Após isto, é estimado um modelo de crescimento, aumentado com uma variável de endividamento público, bem como possíveis interações. Para a estimação é utilizado o método econométrico de mínimos quadrados ordinários empilhados.

Além desta introdução e da conclusão, este trabalho divide-se em quatro capítulos. No primeiro, são apresentados aspectos teóricos pertinentes à relação em estudo. Dado a íntima relação entre déficit e dívida, serão discutidas diferentes perspectivas, identificadas no âmbito do pensamento econômico mainstream, quanto aos impactos dos déficits governamentais sobre a performance macroeconômica dos países e, em seguida, discorrer-se-á, brevemente, sobre alguns possíveis mecanismos que expliquem a relação negativa entre o grau de endividamento e o crescimento econômico. No segundo capítulo, faz-se uma breve revisão dos trabalhos empíricos que estudam a relação entre o grau de endividamento e a variação do PIB. No capítulo subsequente, realiza-se uma descrição dos dados e da metodologia econométrica de Pooled OLS, que é a utilizada no nosso exercício econométrico. Finaliza-se o capítulo 3 com uma análise de estatística descritiva,

1 Salvo engano da nossa parte, Presbitero (2012) é a única exceção.2 Para um survey desta literatura, ver Panizza e Presbitero (2013). Para uma breve discussão dos principais trabalhos desta literatura, ver a segunda parte do capítulo 3 do presente trabalho.

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conforme a realizada por Reinhart e Rogoff (2010a), da relação entre o endividamento público e o crescimento econômico. Por fim, no capítulo 4, são apresentados e discutidos os resultados econométricos obtidos via a utilização dos estimadores de mínimos quadrados ordinários empilhados.

1.1 Discussões PreliminaresEmbora o foco do trabalho seja a relação entre dívida e o crescimento econômico, neste

capítulo é discutida também a relação entre déficit e crescimento. Esta discussão é feita pois a literatura teórica que estuda os possíveis efeitos do déficit sobre a economia está melhor desenvolvida que a referente aos efeitos da dívida e os conceitos de déficit e dívida são intimamente ligados em uma perspectiva dinâmica, desta maneira um melhor entendimento dos efeitos do déficit pode servir de auxílio no estudo da relação entre dívida e a performance econômica de um país.

A seguir são apresentadas as identidades macroeconômicas básicas. Esta apresentação é necessária para um melhor entendimento da discussão sobre a relação entre déficit e crescimento, por deixar claro quais mecanismos que podem ligar o déficit ao crescimento.

Em uma economia fechada e com governo a alocação possível da renda privada é a seguinte: Y=C+S+T , (1)

onde C é o consumo privado, S é a poupança e T os impostos. A Renda Nacional é identicamente igual ao Produto Interno Bruto (PIB) em uma economia fechada. O PIB divide-se em três componentes:

Y=C+I+G , (2)onde I representa o investimento e é em função da taxa de juros3. G são os gastos do governo, definido de maneira exógena e C é o consumo, que é função da renda disponível.4 Igualando as equações 1 e 2 e reorganizando teremos:

(T−G )+S (i )=I ( i ) , (3)onde (T – G ), é poupança pública. A equação (3) diz que para uma economia fechada o Investimento será igual a poupança nacional. Esta equação representa o mercado de fundos emprestáveis, sendo o lado esquerdo a oferta de fundos emprestáveis e o lado direito a demanda, sendo a taxa de juros a variável que equilibra o mercado. Suponha que algum choque cause uma diminuição na poupança nacional. Isto elevaria o nível de juros e diminuiria o investimento, até o ponto que o investimento se igualaria à poupança. Consideraremos também que o PIB potencial é em função dos fatores de produção, capital e trabalho e, portanto, pode ser representado como:

Y=F ( K ,L ) . (4)O estoque de capital aumenta através do investimento. Partindo da equação (3) e (4), tem-se

que qualquer política que afeta a poupança afetará o investimento e, portanto, a acumulação de capital. Uma maior ou menor taxa de acumulação de capital afetará na disponibilidade de uma maior ou menor quantidade de estoque de capital no futuro e, portanto, a um nível maior ou menor do produto.

1.2 Déficit e Crescimento EconômicoNesta seção serão apresentadas as duas visões que dominam o debate sobre o impacto de

uma política fiscal expansionista sobre a economia no mainstream econômico. Antes de apresentá-las, porém, definimos no próximo parágrafo o que significa uma política fiscal expansionista para este trabalho.

Supondo que o Governo esteja inicialmente com um orçamento equilibrado, ou seja, o fluxo de receita5 é igual ao fluxo de despesas e, portanto, sua poupança é igual a zero. Política fiscal expansionista significa, neste trabalho, uma política onde o governo em um dado período diminui os

3 I=I ( i ), sendo i a taxa de juros.4 C=C (Y −T ).

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impostos, mas mantém o seu fluxo de gastos constantes e escolhe cobrir a sua posição deficitária com a emissão de títulos de dívida6. Na prática, portanto, a política fiscal expansionista aqui considerada é a escolha do governo de trocar impostos por títulos públicos como forma de financiamento de uma parte de suas despesas correntes.

Conforme dito no primeiro parágrafo, existem duas perspectivas dentro do mainstream para o possível impacto de déficits sobre a economia. A análise convencional ou padrão7 e a análise intertemporal do déficit. Ambas divergem não em qual a natureza do impacto do déficit, mas se existe ou não impacto do déficit sobre a economia. Para a análise convencional, déficits terão impacto tanto no curto quanto no longo prazo. Já para a análise intertemporal, uma política fiscal expansionista será neutra tanto no curto quanto no longo prazo.

1.2.1 A visão convencionalImagine que o Governo esteja inicialmente com o seu orçamento equilibrado e decida adotar

uma política fiscal expansionista nos moldes definidos acima, ou seja, diminui os impostos mas mantém a trajetória dos gastos inalterada e emita títulos para cobrir o déficit gerado. Para a visão convencional, esta política irá aumentar o Consumo no Curto Prazo e gerar um menor nível de Produto no Longo Prazo.

Conforme definido acima, o consumo privado é em função da renda disponível. O corte de impostos, portanto, aumenta o Consumo privado no curto prazo ao aumentar a renda disponível dos agentes. O déficit gerado diminui a poupança nacional, diminuindo assim a disponibilidade de fundos emprestáveis. Esta diminuição da poupança irá gerar um aumento da taxa de juros, dado o descompasso gerado entre poupança e investimento. A taxa de juros deverá subir o montante necessário para diminuir o Investimento até este tornar-se compatível com o novo nível de poupança nacional. Embora o aumento de juros possa incentivar um aumento da poupança privada, pressupõe-se na análise convencional que a poupança privada não sobe na mesma proporção do déficit do Governo e, portanto, o efeito líquido da política expansionista no curto prazo é um maior Consumo privado e uma Poupança Nacional menor.

A Poupança menor implicará em um menor nível de Investimento, que por sua vez implicará em um menor estoque de capital disponível no futuro. Conforme definido acima, o Produto no longo prazo depende da disponibilidade dos fatores de produção. O menor estoque de capital disponível implicará, portanto, em um nível de Produto no futuro menor do que seria na ausência do déficit8. Como a política de déficit aumenta o Consumo corrente em detrimento do Produto futuro e, portanto, do Consumo das futuras gerações, pode se definir déficits como políticas de transferência de renda Inter geracional, das gerações futuras para a atual (MODIGLIANI, 1961).

Além do mecanismo acima, um que pode explicar o impacto negativo do déficit é o chamado crowding out financeiro. Os títulos do governo competiriam com os títulos privados no mercado financeiro, por um dado estoque de poupança, o que irá elevar a taxa de juros, desestimulado gasto privado. Como se pode ver, o mecanismo por meio do qual uma política fiscal expansionista nos moldes aqui discutida pode ter um efeito negativo sobre a economia é através da pressão de alta nas taxas de juros.

5 Por fins de simplicidade, pressuponha que a única fonte de receita do Governo são os impostos. Tal pressuposição não é necessária para os resultados que serão apresentados.6 Conforme apresentado na nota de rodapé 3, a emissão de títulos com o consequente aumento da dívida pública não é a única maneira que o Governo tem para financiar um déficit, mas está é a forma de financiamento com a qual este trabalho está preocupado. Então sempre que se falar em déficit ou em uma política fiscal expansionista, deve se considerar a dinâmica apresentada neste parágrafo.7 Elmendorf e Mankiw (1999), definem esta perspectiva como convencional por ser a aceita pela maioria dos economistas.8 A diminuição do Investimento em decorrência do déficit governamental é chamada de efeito crowding out.

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No caso de uma economia aberta, uma política fiscal expansionista nos moldes discutidos aqui também teria efeitos sobre a economia. Um dos principais efeitos seria a presença de déficits gêmeos, isto é, um déficit orçamentário levaria a um déficit em conta corrente9. A principal fonte deste problema seria pela valorização do câmbio real em decorrência da maior demanda interna (CAMURI, 2015). O déficit em conta corrente pode ser coberto pela entrada de capitais estrangeiros em um cenário onde o capital estrangeiro venha em forma de financiamento de Investimento, compensando a diminuição da poupança nacional, a acumulação de capitais pode não diminuir. Ainda assim, embora o PIB não será menor no futuro, a Renda Nacional será devido a remessas de lucros e dividendos (BARRO, 1988).

1.2.2 A análise intertemporal do déficitA análise intertemporal ganhou relevância no debate sobre os efeitos do déficit a partir de

Barro (1974), que foi o primeiro a formalizá-la. O principal resultado da abordagem intertemporal é: a troca de impostos por títulos não tem efeitos significativos sobre a economia, ou seja, uma política fiscal expansionista, nos moldes discutidos aqui, seria neutra tanto no curto quanto no longo prazo. Esta proposição ficou conhecida como Equivalência Ricardiana ou proposição Barro-Ricardo a partir do momento que Buchanan (1976) mostrou que a mesma proposição já havia sido explorada pelo economista clássico David Ricardo10.

A proposição de que o financiamento via taxação ou via emissão de títulos são equivalentes, parte da combinação da hipótese de Renda Permanente e da Restrição Intertemporal do Governo (BARRO, 1988; ELMENDORF e MANKIW, 1999). Para que a combinação destas duas teorias estabeleça a Equivalência, uma série de pressuposições devem ser observadas como, Mercado de capitais perfeitos, impostos não distorcivos e que a população seja composta por indivíduos racionais, forward-looking e que apresentem ligações intergeracional altruísticas (BERNHEIM 1987).

A hipótese da Renda Permanente postula que o Consumo é função da renda real que o indivíduo espera auferir por toda a sua vida e que ele busca manter um consumo suave, ou seja, sem grandes variações por toda a sua vida. Desta maneira, choques na renda, que sejam enxergados como passageiros, não afetarão o Consumo corrente dos indivíduos, mas sim a sua poupança. A poupança irá diminuir a choques negativos na renda, que sejam enxergados como passageiros, e aumentar em resposta a choques positivos.

Já a Restrição Orçamentária Intertemporal, postula que o fluxo de gastos do governo deve ser igual ao fluxo de recursos esperado por ele, considerando todos os períodos. Na apresentação a seguir, pressupomos uma economia com dois períodos, onde o governo deve respeitar a sua Restrição Intertemporal11. Considere que o Governo não tinha dívida previamente acumulada e incorra em déficit no primeiro período.

Déficit=G1−T 1 . (1)Como o governo tem que respeitar a sua restrição orçamentária intertemporal, no período 2,

os impostos deverão cobrir tanto os gastos correntes do período 2 quanto a dívida contraída no primeiro período,

T 2=(1+r ) ∙ D+G2 . (2)Combinando as equações 1 e 2, e isolando T 1 e T 2 teremos a Restrição Orçamentária

Intertemporal do Governo:

T 1+T 2

1+r=G1+

G2

1+r.

(3)

9 Ou seja, o déficit público irá acabar por causar um excesso de exportações com relação as importações.10 Conforme apresentado por O’Driscoll (1977), embora Ricardo tenha discutido esta ideia, é duvidoso que ele acreditasse que esta possibilidade teórica fosse observada na prática.11 A apresentação a seguir é baseada em Lopes e Vasconcelos (2008).

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Esta formulação explicita que, caso o governo diminua impostos em t 1e emita títulos para cobrir os gastos correntes, ele deverá aumentar de maneira proporcional os impostos no período seguinte para que a sua Restrição Orçamentária seja satisfeita.

Aceitando a hipótese de Renda Permanente e os pressupostos necessários à observação da Equivalência, teríamos o resultado de que a política expansionista seria neutra, pois os agentes percebem que a política fiscal hoje implica em impostos mais altos em t 2, não alterando, portanto, a sua Renda Permanente. Desta maneira, a renda disponível extra é revertida em poupança para o pagamento das maiores taxas futuras. Assim, a política de déficit não impactaria a economia, nem no curto quanto no longo prazo.

Ainda que a proposição Barro-Ricardo não seja tão aceita quanto a visão convencional ela é relevante na discussão sobre os efeitos do déficit governamental sobre a economia. Uma explicação possível para a sua relevância é apresentada por Barro (1988), que considera que ainda que os seus resultados mais estritos não se verifiquem, a Equivalência pode servir como uma primeira aproximação do comportamento real da economia e como o modelo padrão para a análise de política fiscal. Já Elmendorf e Mankiw (1999) consideram que caso a Equivalência não seja corroborada empiricamente, investigar o porquê destes resultados não serem observados pode aumentar o entendimento sobre o comportamento real da economia. Devido a relevância teórica da análise intertemporal que agora serão apresentadas algumas objeções teóricas à validade da Equivalência e como os seus defensores respondem a algumas dessas críticas12.

1.2.2.1 Horizontes finitos e ligação altruísticaEm um mundo Ricardiano, a política fiscal expansionista não afeta a Economia, pois os

agentes não percebem o aumento da renda disponível em t 1 como aumento de riqueza líquida, pois acreditam que esta política implicará em uma menor renda disponível em t 2, dado que o Governo deve respeitar a sua Restrição Orçamentaria Intertemporal. Por este motivo, o agente pouparia o aumento de renda que teve para desembolsar no pagamento de taxas no próximo período.

Uma objeção a esta argumentação é o fato de que os agentes podem esperar que parte dos impostos seja cobrada após estarem mortos e, portanto, o aumento da renda disponível em t 1seria visto como um aumento líquido de renda, dado que o valor presente do fluxo de impostos que ele espera ter de pagar é menor que o aumento de renda disponível no momento atual.

Sendo isto verdade, uma política fiscal expansionista voltaria a ter os efeitos descritos pela abordagem convencional e é por isso que um dos pressupostos necessários para que a Equivalência seja válida é que haja ligação altruística entre as diferentes gerações.

No cenário descrito acima, os agentes aumentam o Consumo em resposta a uma política fiscal expansionista por acreditarem que parte do fardo dos impostos extras recairá não sobre eles, mas sim sobre as gerações futuras e, portanto, percebem a renda extra que recebem como um aumento na Renda permanente.

Barro (1988) argumenta que o fato dos agentes terem horizontes de vida finito e, portanto, poderem esperar que parte dos impostos recairá sobre as gerações futuras, aumentará o Consumo presente apenas se a utilidade auferida pelos descendentes não importe para as gerações atuais. Caso, entretanto, os agentes sejam ligados às gerações posteriores e deixem herança ou façam doações altruisticamente para a próxima geração, os agentes irão responder à política de transferência intergeracional implícita em políticas que gerem déficits, alterando o valor de suas doações e não aumentando o seu consumo.

12 Para um sumário com relação a esta discussão ver Elmendorf e Mankiw (1999), para uma apresentação mais crítica à Equivalência ver Bernheim (1987), para uma defesa do valor desta perspectiva ver Barro (1988).

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Barro (1974) formalizou o argumento acima propondo um modelo onde a utilidade da geração t (V t) depende não apenas do seu consumo durante a vida, mas também da utilidade total da geração futura (V t+1), descontada por um fator α 13:

V t=U (Ct )+α·V t+1 .Como esta função de utilidade seria válida para todas as gerações subsequentes, temos que:

V t=U (Ct )+α ∙ U (C t+1)+α2 ∙U (C t+2 )+⋯+α n∙ (C t+n ) .Desta maneira, a utilidade da geração atual passa a depender do Consumo de todas as

gerações subsequentes e, embora o indivíduo tenha um horizonte finito, a família, que passa a ser a unidade de análise relevante, vive infinitamente e a Equivalência será observada, pois um aumento da renda disponível corrente em detrimento da renda futura não representará aumento de renda líquida para a família.

Assim, o indivíduo desta geração irá responder ao aumento transitório da renda com um aumento de poupança para ser deixada como herança para as gerações futuras, que deverão pagar os impostos extras. Destarte, ainda que consideremos horizontes finitos para os indivíduos, os resultados da Equivalência seriam observados.

Evans (1988) aponta que, caso se permita heterogeneidade no fator de correção α, teremos indivíduos cuja resposta ótima será consumir toda a sua renda e não deixar herança ou fazer doações para as outras gerações, para estes indivíduos a política fiscal expansionista seria percebida como um aumento na renda líquida e aumentaria o Consumo. Há também as pessoas que não terão filhos e, portanto, não terão links com as gerações posteriores. Por fim, nos parece que a pergunta é se a proporção de indivíduos com links altruísticos com as gerações futuras é grande o bastante para tornar a transferência intergeracional contida em uma política que gere déficits neutra.

1.2.2.2 Imperfeição do Mercado de CapitaisQuando há imperfeições no mercado de capitais que dificultam ou impossibilitam a tomada

de empréstimos por algumas famílias, a política de déficits do governo pode ter efeito real, pois irá servir como o empréstimo que aquelas famílias não conseguiram nos mercados privados (BERNHEIM, 1987).

Imagine que parte da população tenha um fator de desconto alto e, portanto, desejassem consumir mais agora do que a seu presente permite. Eles desejariam contrair empréstimos agora para serem pagos no próximo período. Entretanto, caso parte destes agentes tenham colateral ruim e haja risco de inadimplência, parte das famílias desse grupo não conseguirão os empréstimos que desejam e a sua estratégia ótima será consumir toda a sua renda corrente.

Caso o governo gere uma política de corte de impostos que gere déficits, significando uma maior renda disponível no presente e uma menor renda disponível no futuro, estas famílias, ao contrário daquelas que tinham pleno acesso ao mercado de capitais, aumentarão o Consumo Corrente, pois a política de déficit servirá como o empréstimo que desejaram, e não tiveram acesso (ELMENDORF e MANKIW, 1987).

Barro (1988) discute um modelo onde a população é dividida em dois grupos, A e B, tendo as famílias do grupo A o mesmo fator de desconto que o governo e as do grupo B um fator de desconto maior e acesso limitado ao mercado de capitais por ter poucas garantias para oferecer aos emprestadores. Neste modelo, uma política deficitária do governo não implicará mudança de riqueza líquida para os agentes do grupo A. Em compensação, para os agentes do grupo B, o valor presente do fluxo de impostos extras que serão necessários para pagar a dívida no período seguinte é menor que o aumento da renda corrente, e, portanto, é visto como um aumento da renda líquida, e estes indivíduos aumentarão o Consumo. O resultado líquido da política será um aumento no Consumo Agregado e a Equivalência não será observada.

13 A formulação aqui representada é baseada em Elmendorf e Mankiw (1999).

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Para Bernheim (1987), o impacto de um déficit governamental depende da natureza da imperfeição do mercado de capitais, por isso modelos que tratam as restrições à liquidez como exógena, não seriam elucidativos. Como exemplo, ele apresenta um modelo onde a falha de mercado, é gerado pela assimetria de informação entre os tomadores de empréstimos e os emprestadores. Pressupondo um imposto de renda não distorcivo ele demonstra que é possível chegar tanto a um equilíbrio onde o déficit do governo aumenta o Consumo agregado corrente, quanto a um equilíbrio onde a Equivalência prevalece.

1.2.2.3 MiopiaUm pressuposto implícito em toda a discussão sobre a Equivalência, é a capacidade dos

agentes de perceberem perfeitamente que a política fiscal expansionista implica em maiores taxas no futuro. Caso parte considerável dos agentes sofra de uma ilusão fiscal e não percebam que a sua Renda Permanente não aumentou de fato, eles podem responder ao déficit com um aumento no Consumo por perceberem isto como um aumento de Riqueza.

É interessante notar que, para O’Driscoll (1977), é possível perceber nos escritos de David Ricardo que, embora ele considerasse a possibilidade teórica da neutralidade, na prática, ele acreditava que as pessoas sofriam de ilusão fiscal e não conseguiam perceber que a política de déficit não os deixava mais ricos e, portanto, o resultado de neutralidade da dívida não seria observado na prática.

1.2.2.4 Rolagem da dívidaOutra possível objeção é que de fato o governo não precisa pagar esta nova dívida, pois pode

simplesmente rolar a dívida de maneira infinita, emitindo uma nova para pagar a antiga. Entretanto, isto só é factível em um cenário onde a taxa de crescimento da economia seja superior à taxa de juros sobre a dívida do governo. Para isto ser verdade, a economia teria que ter um estoque de capital superior àquele definido pela regra de ouro, de tal maneira que poderia se aumentar o consumo em todos os períodos com uma diminuição na acumulação de capital (BERNHEIM, 1987). A importância desta possibilidade, portanto, depende da observação empírica se a economia em questão tem ou não um excesso de capital.

Alguns outros fatores como a natureza distorciva dos impostos ou incerteza quanto ao fluxo de renda futuro são também relevantes para a discussão sobre a validade ou não da Equivalência Ricardiana, mas não iremos tratar deles aqui14. Discutimos nesta seção o possível impacto do déficit sobre a economia. Apresentamos as duas correntes principais. A convencional, que associa políticas de déficit a um maior Consumo no curto prazo e um menor estoque de capital no longo prazo. E a Análise intertemporal do déficit, que tem como principal resultado a equivalência entre o financiamento via emissão títulos ou taxação, a chamada Equivalência Ricardiana. Na próxima seção será feita uma breve discussão sobre a relação entre a Dívida e o crescimento econômico.

1.3 Dívida Pública e Crescimento EconômicoA primeira onda de trabalhos preocupados com o impacto da dívida sobre a economia é

associada à noção de debt overhang ou endividamento excessivo e preocupa-se exclusivamente com a dívida externa. Para Krugman (1988), um país estará com um excesso de dívida quando o valor presente da sua possibilidade de pagamento futura é inferior ao valor da sua dívida. Caso um país esteja nesta situação e parte considerável da receita extra factível de ser gerada através de ajustes institucionais ou de Investimento tivesse que ser direcionada para o pagamento da dívida, não haveriam incentivos para que este país se dedicasse a reformar a sua estrutura econômica, diminuindo assim a sua capacidade de atrair investimentos. Isto não apenas diminuiria o montante

14 Uma discussão detalhada sobre estes pontos e verificações empíricas sobre a validade dos pressupostos necessários para a observação da Equivalência e das implicações da mesma pode ser encontrada em Bernheim (1987).

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que os emprestadores estrangeiros podem esperar receber, mas também o crescimento econômico do país em questão.

Uma noção que emerge da discussão de debt overhang é a possibilidade da existência de uma curva de Laffer para o endividamento externo. Isto é, a partir de um certo ponto, seria interessante não apenas para o país devedor, mas também para os credores um abatimento das dívidas, de tal maneira que torne factível o esforço para geração de receitas por parte do país devedor, estimulando assim as reformas necessárias ao crescimento do país devedor e ao aumento da sua capacidade de pagamento (CLAESSENS, 1990).

Na segunda abordagem, o foco deixa de ser na dívida externa e volta-se para a solvência do total da dívida pública15.. Nesta linha de discussão, a existência de um limiar estaria relacionada à capacidade do país de pagar a sua dívida e não à sua capacidade de atrair investimento. Diferentemente da literatura de debt overhang, a literatura de solvência analisa tanto países em desenvolvimento quanto países desenvolvidos. Nesta literatura, caso a dívida do país ultrapassasse um dado limiar, o crescimento econômico seria afetado pelo necessário ajuste pelo qual o país teria que passar, como aumento de impostos distorcivos ou aumento da taxa de juros. Qualquer uma destas estratégias de ajuste afetaria negativamente o crescimento, desta maneira a causa da queda no crescimento não seria a dívida por si, mas o impacto dos ajustes aos quais o país deverá se submeter para reduzir a sua relação Dívida-PIB (CAMURI, 2015).

A terceira abordagem, iniciada por Reinhart e Rogoff (2010a), é focada na relação entre o nível de endividamento e crescimento econômico, e é predominantemente empírica e muitas vezes ateórica. Essa abordagem será melhor discutida, portanto, no próximo capítulo que é dedicado à literatura empírica. Apesar disso, após o trabalho original de Reinhart e Rogoff, alguns trabalhos buscaram apresentar justificativas teóricas para uma relação negativa entre a dívida e o crescimento, abaixo são apresentadas algumas destas justificativas.

Essa literatura está preocupada com o impacto do grau de endividamento sobre o crescimento contemporâneo ou imediatamente subsequente e na existência ou não de thresholds na relação entre endividamento público total e crescimento. Irons e Bivens (2010) afirmam não existir bases teóricas para uma relação contemporânea entre a dívida pública e o crescimento ou para a existência de thresholds na relação destas variáveis. Apesar disto, Reinhart, Reinhart, e Rogoff (2012) reafirmam um dos argumentos da literatura sobre solvência da dívida e postulam que um grau de endividamento alto pode ter efeitos negativos sobre a economia por ensejar a aplicação de políticas de ajuste fiscal que podem ser danosas ao crescimento no curto prazo. Além disso, altos níveis da dívida poderiam gerar dúvidas sobre a possibilidade de calotes, o que pressionaria a taxa de juros para cima e desestimularia o Investimento.

Outro ponto levantado por Reinhart, Reinhart e Rogoff (2012) e Panizza e Presbitero (2014) é que a natureza dos acontecimentos que levaram à acumulação da dívida são importantes para entender os seus possíveis efeitos sobre o crescimento econômico. Dívidas contraídas em tempos de guerra seriam menos danosas que aquelas contraídas em tempos de paz, pois o fim da guerra não apenas colocaria um fim à causa do endividamento, mas também está associada a um crescimento econômico, em geral, vigoroso, quando é feita a transição dos recursos da economia de guerra para a produção normal16.

Nesta seção foram analisadas possíveis explicações para a existência de ligação entre o grau de endividamento e o crescimento econômico. Inicialmente a preocupação com a dívida era mais focada na dívida externa e nos países em desenvolvimento, como é possível notar na literatura de debt overhang. Já a literatura mais recente preocupa-se com a relação entre o endividamento público 15 No presente trabalho, quando falarmos em dívida pública total ou em nível ou grau de endividamento estamos fazendo

referência à relação Dívida

PIB.

16 Para uma discussão mais detalhada destas três perspectivas sobre a existência de um limiar de dívida, ver Camuri (2015, pgs. 24-33).

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total e o crescimento econômico, analisando tanto os países em desenvolvimento quanto os países desenvolvidos, embora, como ficará claro no próximo capítulo, a maior parte da literatura é focada em entender esta relação nos países desenvolvidos.

2 A LITERATURA EMPÍRICA

2.1 A polêmica em torno de Growth in a Time of DebtReinhart e Rogoff (2010a) utilizam uma base de dados composta por 42 países desenvolvidos

e em desenvolvimento, com um alcance de quase 200 anos, para estudar a relação entre o grau de endividamento destes países, o comportamento do crescimento econômico e da taxa de inflação. Os autores dividem as observações em quatro faixas, de acordo com o nível de endividamento17 apresentado pelo país em um dado ano, e então calculam a média e a mediana de crescimento para cada faixa de endividamento e encontram evidências de que não há uma relação clara entre o tamanho da dívida e o crescimento econômico, enquanto a relação Dívida-PIB está abaixo de 90%. Entretanto, quando o endividamento ultrapassa este limiar, a média do crescimento diminuiria mais de 3 p.p. para os países desenvolvidos e também para os países em desenvolvimento18. Os autores tratam esta variação brusca como evidência da presença de um limiar de endividamento a partir do qual o crescimento econômico das economias, sejam elas desenvolvidas ou subdesenvolvidas, se tornaria negativamente relacionado com o crescimento.

Irons e Bivens (2010) criticam Reinhart e Rogoff (2010a) apontando que não há bases teóricas para a existência de uma relação contemporânea entre o grau de endividamento e crescimento econômico, e que embora Reinhart e Rogoff (2010a) não façam testes de causalidade, a maneira como discutem os dados mostra que eles implicitamente estão pressupondo a causalidade do endividamento em direção ao crescimento19. Além disso, Irons e Bivens (2010) realizam teste de causalidade Granger e não encontram evidência de causalidade da dívida em direção ao crescimento, mas encontram evidência de que o crescimento Granger causa a dívida. Reinhart e Rogoff (2010b) respondem a esta crítica indicando que não falam em relação de causalidade, mas apenas de correlação e que haviam estabelecido em trabalhos passados que para patamares altos de endividamento20 a causalidade provavelmente é bidirecional. Além disso, criticam Irons e Bivens (2010) por basearem sua crítica empírica na análise de um único país, os Estados Unidos, enquanto no trabalho original foram utilizados dados referentes a 42 países diferentes.

Uma crítica contundente e relevante sobre o trabalho de Reinhart e Rogoff, e que colocou em xeque o principal resultado de Reinhart e Rogoff (2010), foi apresentado por Herndon et al. (2014)21. Nesse trabalho apresentado, Herndon et al. buscam replicar a análise presente em Reinhart e Rogoff (2010a) a partir da mesma base de dados e descobrem que Reinhart e Rogoff cometeram três tipos de erros na manipulação dos dados. Esses erros, ao serem corrigidos, mudam os resultados encontrados, e então a presença de um limiar a partir do qual a relação tornar-se-ia muito negativa, deixa de existir.

O primeiro erro foi a exclusão seletiva e deliberada das observações referentes à Austrália (1941-44), Canadá (1946-50) e Nova Zelândia (1946-50). As catorze observações excluídas fariam

17 As faixas de endividamento são: ≤30%, 30 – 60%, 60 – 90% e ≥90%.18 Os autores também investigam a relação entre o grau de endividamento e a taxa de inflação, não encontrando nenhuma relação clara para os países desenvolvidos, em compensação encontram um limiar de 90% na relação endividamento-inflação para os países em desenvolvimento, a partir do qual a taxa de inflação teria uma relação positiva com o grau de endividamento.19 A mesma crítica pode ser encontrada em Camuri (2015). 20 Relação dívida-PIB acima de 90%.21 Embora Reinhart e Rogoff trabalhem com países desenvolvidos e em desenvolvimento, Herndon et al., (2014) verificam apenas os resultados para os países desenvolvidos. Camuri (2015), aplica as correções de HAP aos dados referentes aos países em desenvolvimento.

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parte da quarta faixa definida por Reinhart e Rogoff (>90%) e, como será visto a frente, afetam o resultado final obtido. O segundo erro cometido foi na manipulação dos dados no Excel. Um erro de código excluiu todas as observações para Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá e Dinamarca. Estes dois erros diminuíram o número de observações ano-país com dívida acima de 90% de 110, que seria o número correto, para 71.

O terceiro erro não é de exclusão, intencional ou não de observações, mas a maneira como foram calculadas tanto a média quanto a mediana do crescimento. No lugar de calcularem a média e a mediana para todas as observações presentes em cada faixa de endividamento, Reinhart e Rogoff primeiro calculam estas estatísticas para cada país. E então tratam as estatísticas de cada país como uma observação única para o cálculo da média e mediana do crescimento para cada faixa de endividamento. O problema de utilizar este expediente é que caso um país tenha passado apenas um ano em uma dada faixa de endividamento e outro país tenha passado dez anos nesta mesma faixa, o peso dado à única observação do primeiro país será o mesmo dado às dez do segundo, o que poderia gerar distorções por dar mais pesos a episódios isolados22.

Na tabela a seguir são apresentados os resultados originais de Reinhart e Rogoff (2010a), os obtidos por Herndon et al. (2014)23 a partir de suas correções e os resultados da errata publicada por Reinhart e Rogoff em 2013, após reconhecerem a validade de algumas das críticas de Herndon et al.

Tabela 1 Taxa de Crescimento Real: Países Desenvolvidos 1946 - 2012

Fonte: Adaptado de Camuri (2015).

Analisando os resultados apresentados na tabela 1, é possível notar que após as correções, sejam elas as de Herndon et al. ou as de Reinhart e Rogoff, fica difícil notar a presença de um threshold na relação entre Dívida e Crescimento. Embora originalmente Reinhart e Rogoff tenham afirmado não ser possível encontrar uma relação entre a dívida e o Crescimento e nível de endividamento, nos parece haver indícios, após as correções, da presença de uma relação linear negativa entre o nível de endividamento e a taxa de crescimento econômico.

Growth in a time of debt foi importante por dar início a uma crescente literatura que busca entender a relação entre o nível de endividamento e crescimento econômico. Apesar disto, após a correção dos erros discutidos acima, o seu principal resultado, a existência de thresholds, deixa de ser observado. Além disso, por tratar-se de um exercício de estatística descritiva, pouca ou nenhuma luz é jogada sobre a questão de causalidade nesta relação. Ademais, ao tratar da correlação entre a dívida e o crescimento econômico contemporâneo, tornou-se impossível clarificar a dinâmica temporal na relação entre a dívida e o crescimento. Por fim, a crítica de Irons e Bivens (2010), de que não há justificativa teórica para uma relação negativa contemporânea entre a dívida e o crescimento,

22 Reinhart e Rogoff (2013) responde a esta crítica em específico dizendo que não há nada de pouco usual nesta maneira de ponderar os resultados. Além disso, se a ponderação não fosse por país, haveria o risco de dar sobrepeso a países que apresentassem várias observações dentro da mesma faixa de endividamento. 23 Uma confusão pode ser gerada pelas datas apresentadas entre críticas e respostas. A crítica de Herndon et al. está com a data de 2014 e a resposta de Reinhart e Rogoff com a data de 2013. Isto acontece porque Reinhart e Rogoff responderam ao working paper, que ficou disponível em 2013 e aqui é feita referência ao trabalho final de Herndon et al, que foi publicado em janeiro de 2014.

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não é irrelevante e ficou sem respostas. Na próxima seção são apresentados alguns trabalhos empíricos que fazem uso de diferentes técnicas econométricas para testar a relação entre o endividamento público e o crescimento econômico.

2.2 Análises econométricasApós a análise pioneira de Reinhart e Rogoff, diversos trabalhos buscaram estudar a relação

existente entre o crescimento econômico e grau de endividamento dos países através da utilização do ferramental econométrico. Em geral estes trabalhos buscam analisar a presença de thresholds na relação entre a dívida e o crescimento, levando em consideração problemas de endogeneidade ou causação reversa.

Kumar e Woo (2010) analisam um painel com 38 países, desenvolvidos e em desenvolvimento, para o período de 1970 a 2007. Dividem as observações em oito períodos de cinco anos e analisam o impacto do grau de endividamento no início de cada período com o crescimento subsequente24. A partir da estimação de um modelo de crescimento aumentado, os autores encontram evidências de impacto negativo da dívida pública total no crescimento subsequente, estando o aumento de 10 p.p. na dívida associado a uma diminuição de 0.2 p.p. por ano no crescimento subsequente. Além de uma relação linear negativa, os autores também encontram evidência da existência de thresholds na relação entre a dívida e o crescimento25.

Checherita-Westphal e Rother (2012) analisam 12 países da zona do euro, para um período idêntico ao analisado por Kumar e Woo, e também utilizam um modelo de crescimento, mas não encontram evidências de uma relação linear entre a dívida e o crescimento. Entretanto, ao utilizarem uma forma quadrática, encontram evidências de não-linearidade com a relação tornando-se negativa a partir de um endividamento de 90%. Este trabalho e o de Kumar e Woo (2010) também analisam empiricamente os canais de impacto da dívida sobre o crescimento. Para Kumar e Woo, o principal canal de impacto da dívida se dá por seu impacto negativo na produtividade do trabalho, possivelmente explicado pelo efeito negativo da dívida sobre o Investimento doméstico e a acumulação de capital. Já para Westphal e Rother, os principais canais de impacto da dívida são a poupança privada, o investimento público e a PTF.

Minea e Parent (2012) estimam os thresholds endogenamente para os mesmos 20 países desenvolvidos analisados por Reinhart e Rogoff (2010a) e encontram evidência de correlação negativa entre a dívida e o crescimento, mas que diminui de acordo com o aumento da dívida, tornando-se positiva a partir do momento que a relação Dívida-PIB ultrapassa 115%. Segundo Panizza e Presbitero (2013), isto sugere a existência de linearidades não detectáveis por modelos que definem os thresholds exogeneamente. Égert (2015), utilizando dados referentes a 29 países da OCDE, de 1960 a 2010, também busca estimar endogenamente os thresholds e encontra pouca evidência de uma relação não linear negativa entre a dívida e o crescimento. Mesmo quando o autor é capaz de encontrar thresholds significativos, eles estariam associados a uma relação dívida-PIB de 20% e 60%, consideravelmente menor que o encontrado originalmente por Reinhart e Rogoff e por Kumar e Woo (2010). O autor também enfatiza que tais resultados são poucos robustos a variações no intervalo temporal ou nos países analisados.

Panizza e Presbitero (2013) fazem um survey da literatura sobre a relação entre o endividamento público total e o crescimento para os países desenvolvidos e chegam a conclusão de que, embora a maior parte dos trabalhos encontre evidências de uma relação negativa entre a dívida e o crescimento, nenhum trabalho conseguiu estabelecer convincentemente a direção de causalidade

24 Ao analisar a relação da dívida com o crescimento subsequente do PIB, este trabalho não está sujeito à possibilidade de causalidade reversa, mas ainda pode sofrer de endogeneidade, isto é, a dívida e o crescimento podem ser conjuntamente determinados por uma terceira variável. 25 Em uma de suas regressões os autores adicionam dummies associados ao nível de endividamento. Uma para baixo nível de endividamento (≤30%), outra para endividamento intermediário (30-90%) e uma para alto nível de endividamento (>90%). Apenas a dummy associada ao maior nível de endividamento é significativa.

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nesta relação26. Além disso, os autores estabelecem que a presença de não-linearidades na relação entre o endividamento público e o crescimento é pouco robusta.

Embora Reinhart e Rogoff (2010a) analisem a relação entre a dívida pública e o crescimento tanto para os países desenvolvidos quanto para os em desenvolvimento, a maior parte da literatura posterior centrou-se nesta análise para os países desenvolvidos27. A seguir discutiremos alguns trabalhos que fogem a esta regra e analisaram também os países em desenvolvimento.

Kumar e Woo (2010) encontram evidências da existência de thresholds também para os países em desenvolvimento. Inclusive, os autores postulam que um aumento na razão Dívida-PIB é mais danoso para os países em desenvolvimento que para os desenvolvidos. Já Camuri (2015), busca primeiro replicar o trabalho de Reinhart e Rogoff (2010) e fazer posteriormente uma análise econométrica para investir a relação entre a Dívida e o Crescimento, tanto para os países em desenvolvimento quanto para os países desenvolvidos. Na tabela 2, apresentamos o resultado da sua replicação para os países em desenvolvimento, já levando em consideração as críticas de Herndon et al. (2013).

Embora os resultados mudem, é interessante notar que a diferença de medianas estre as últimas duas faixas de endividamento é maior no trabalho de Camuri do que no original. Em compensação, a variação da média passa de quase 3 p.p. para pouco mais de 1 ponto percentual, sendo um indício de ausência de não-linearidade. Ainda assim é possível observar uma clara correlação negativa entre ambas as variáveis. O autor encontra existência de um threshold para os países em desenvolvimento, mas somente a partir do momento que a Razão Dívida-PIB ultrapassar o limiar de 120%28.

Tabela 2 Média e mediana para países em desenvolvimento.

Fonte: Adaptado de Camuri (2015).

Além da análise de correlação, os autores fazem diversos testes de causalidade, e geram evidências em favor da existência de bi-causalidade e levantam sérias dúvidas em relação à causalidade normalmente assumida na relação entre a dívida e o PIB, tanto para países em desenvolvimento quanto para países desenvolvidos29.

Presbitero (2012), analisa exclusivamente os países em desenvolvimento. Utilizando um painel com 92 países, para o período de 1990 a 2007, estima um modelo de crescimento aumentado com uma variável de Endividamento e também uma variável para captar a qualidade institucional. O autor encontra evidência de um efeito negativo e monotônico de um aumento do endividamento sobre o crescimento econômico. Para testar a existência de thresholds, o autor utiliza uma especificação com descontinuidades no nível de endividamento de 10% e 90%, e encontra um efeito 26 Em um trabalho posterior, os mesmos autores utilizaram variáveis instrumentais para tentar analisar a causalidade e concluíram que não há evidência de que a dívida pública tem o efeito causal sobre o crescimento econômico.27 Um grande exemplo disto é o fato de Herndon et al. (2014), terem feito o exercício de replicação apenas para os países desenvolvidos.28 Na sua análise, Camuri (2015) adiciona uma faixa de endividamento extra, de 90 – 120%, e encontra que há uma queda brusca na taxa de crescimento do PIB apenas quando o limiar de 120% é ultrapassado. Para manter a comparação com Reinhart e Rogoff (2010) possível, não apresentamos o exercício onde ele adiciona a faixa de endividamento extra.29 Os autores chegam a encontrar evidências de que para alguns países um aumento do Endividamento causaria um aumento no crescimento do PIB, resultado que vai em direção contrária ao impacto negativo, que em geral pressupõe existir de um aumento do Endividamento sobre o Crescimento Econômico.

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positivo da dívida sobre o crescimento quando está abaixo do primeiro limiar, negativo quando se encontra entre os dois e irrelevante quando está acima do limiar superior. Para investigar a fonte de não-linearidade, Presbitero adiciona uma variável que mensura o impacto da inter-relação entre a qualidade institucional e a dívida sobre o crescimento, e encontra que a variável tem um efeito negativo e significativo, chegando à conclusão de que a fonte de não-linearidade é a qualidade institucional dos países, pois o excesso de endividamento seria uma restrição ao crescimento apenas de países que já tivesse certo grau de qualidade institucional30.

Neste capítulo foi feita uma breve revisão da literatura empírica sobre a relação entre endividamento público e crescimento econômico. A partir dos trabalhos analisados, parece ser razoável aceitar a proposição de que existe uma relação negativa entre a dívida pública e o crescimento econômico. Apesar disso, a literatura não contém evidências decisivas sobre a existência de thresholds ou de não-linearidades nessa relação e lança sérias dúvidas sobre a questão de causalidade. Os resultados com relação à existência thresholds parecem ser extremamente sensíveis aos dados analisados e aos métodos utilizados e, portanto, afirmações com relação à causalidade e a não-linearidades devem ser vistas com ressalvas. No próximo capítulo é feita a discussão da metodologia utilizada no capítulo empírico e a apresentação dos dados utilizados.

3 METODOLOGIA

3.1 Dados em painelCom dados em painel, os indivíduos analisados são observados em diferentes pontos do

tempo. Ou seja, cada unidade cross-section possui uma série de tempo para as variáveis a serem utilizadas. Caso o painel seja balanceado, todos os indivíduos têm observações para todo o intervalo temporal utilizado. Caso seja não-balanceado, alguns indivíduos podem não apresentarem observações para alguns períodos, mas desde que estas ausências possam ser consideradas aleatórias, não são gerados maiores problemas na estimação.

Para iniciar a discussão considere a seguinte regressão linear:y i ,t=α +θ x i ,t+ci+ui , t , (1)

onde y i ,t é a variável dependente, x i .t é um vetor de k variáveis explicativas, c i representa a presença de possíveis efeitos individuais específicos, invariantes no tempo e não-observáveis, e, por fim, ui , t é um termo de erro idiossincrático.

A metodologia proposta no presente trabalho consiste na utilização do estimador de mínimos quadrados ordinários empilhados ou pooled OLS. Nesse contexto, opta-se por não se incorporar de forma direta, no modelo a ser estimado, a presença de um componente de heterogeneidade constante no tempo. Desta maneira, o componente latente que representa os efeitos não observados em (1) passa a fazer parte do termo de erro, de modo que a mesma pode ser convenientemente reescrita como:

y i ,t=α +θ x i ,t+v i ,t , (2)onde vi , t=c i+u i ,t é o termo de erro composto. Para que seja possível estimar este modelo de forma consistente e eficiente com o pooled OLS, é necessário que os pressupostos do estimador de mínimos quadrados ordinários clássicos, como ausência de multicolinearidade perfeita e homocedasticidade, sejam respeitados. Outras duas condições devem ser satisfeitas para que o pooled OLS seja consistente. A primeira é de exogeneidade contemporânea das variáveis explicativas, isto é, o valor esperado do termo de erro, dado as variáveis explicativas e o efeito não-observado, seja igual a 0:

E (ui , t|x i , a i )=0. (3)Essa condição é violada caso x i ,t seja a variável dependente defasada. A segunda condição

necessária é a de que o termo não-observado seja independente das variáveis explicativas:

30 Isto aconteceria pois o impacto negativo de instituições falhas sobre o crescimento seria tão grande que tornaria o possível impacto da dívida imperceptível (PRESBITERO, 2012).

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E (c i|x i )=E ( ci )=0. (4)A última condição é necessária pois, conforme apresentado na equação (2), ao se utilizar o

estimador de pooled OLS, o termo não-observado passa a fazer parte do termo de erro e, caso ele não seja independente das variáveis explicativas, a hipótese de exogeneidade contemporânea será falsa.

Nos nossos exercícios econométricos partiremos do pressuposto de que o efeito não-observado seja independente das variáveis explicativas e utilizamos os erros-padrão robustos para lidar com a possibilidade de heterocedasticidade. Sabemos existir técnicas mais robustas para trabalhar com dados em painel, porém a utilização de técnicas mais sofisticadas ultrapassa o escopo pretendido para o presente trabalho. Nesse sentido, os resultados gerados por essa análise, apresentados no próximo capítulo, devem ser essencialmente interpretados como preliminares, a serem investigados com maior rigor, mediante a utilização de técnicas econométricas mais robustas, em trabalhos futuros.

3.2 EspecificaçãoA equação a ser estimada neste trabalho é baseado em Mankiw, Romer, e Weil (1992) e

Doppelhofer, Sala-I-Martin e Miller (2004). No seu importante trabalho de 1992 Mankiw, Romer e Weil testaram a robustez empírica do modelo de crescimento de Solow. Os autores concluem que ao aumentar o modelo com uma proxy de capital humano, ele torna-se consistente com a evidência internacional e que a maior parte da diferença do nível da renda per capita entre os países é explicada pelo crescimento populacional, pela taxa de poupança e pela educação. Além disso, os autores verificam empiricamente a existência de convergência condicional, isto é, países com níveis similares de tecnologia, crescimento populacional e acumulação de capital tendem a convergir para o mesmo patamar de PIB per capita. Já Doppelhofer, Sala-I-Martin e Miller (2004), testam a relação entre o crescimento e 67 variáveis explicativas e identificam 18 variáveis que são altamente correlacionadas com o crescimento. Destas 18, temos apenas algumas variáveis econômicas, como o PIB per capita inicial, o grau de abertura e a proxy para capital humano. Por isto, na estimação do nosso modelo essas variáveis são adicionadas. Por fim, é adicionada a variável de dívida31, para verificar se para a amostra aqui utilizada o endividamento é estatisticamente correlacionado com o crescimento, portanto a equação tem a seguinte forma:

Crescimentoi , t=α PIBi ,inicial+β Dívidai ,t +θ X i ,t+v i ,t , (5)onde PIBinicial verifica a presença de convergência condicional e X é um vetor dos controles tradicionalmente utilizados em regressões de crescimento.

Já a variável Dívida é utilizada de duas formas diferentes. Inicialmente utiliza-se a média do grau de endividamento para cada período buscando captar assim a relação contemporânea entre a dívida pública e o crescimento do PIB per capita. Na segunda especificação, utiliza-se o valor da variável Dívida no início de cada período para estudar assim o impacto do grau de endividamento sobre o crescimento subsequente. Esta especificação torna possível analisar a relação de médio prazo entre a Dívida e a variação do PIB per capita.

Uma vantagem da especificação que utiliza a o valor da razão Dívida-PIB no início do período é de não estar sujeita ao problema de causalidade reversa. Desta maneira pode-se falar em efeito do grau de endividamento sobre a variação do PIB, dado que não há sentido em pensar que o crescimento subsequente possa estar afetando a razão Dívida-PIB no início do período.

3.3 Descrição dos dados e estatística descritiva

3.3.1 Descrição dos dados

31 Embora já explicitado, relembramos que os termos grau/nível de endividamento e dívida pública estão sendo utilizados como sinônimos e fazem referência à razão Dívida/PIB.

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O painel utilizado no exercício empírico é composto por 69 países em desenvolvimento, conforme a classificação do FMI32, para o período de 1988 a 2012, e foi construído utilizando diferentes fontes. Os países foram selecionados segundo a disponibilidade de dados para as variáveis que serão utilizadas no modelo econométrico.

As variáveis de PIB per capita e o índice de capital humano foram retirados da Pen World Table 9.0 (PWT). Das diversas medidas de PIB real disponíveis na PWT, a escolhida foi a RGDPNA, que é uma medida de PIB real construída utilizando as taxas de crescimento nas contas nacionais, e é indicada para ser utilizada em trabalhos comparando a taxa de crescimento do PIB entre diferentes países (FEENSTRA, INKLAAR e TIMMER, 2015). Utilizando-se da variável de população, também disponível na PWT, foi construída a variável de PIB real per capita e a partir desta última foi calculada a taxa de crescimento do PIB, que é a variável dependente na equação a ser estimada. Já o índice de capital humano por trabalhador é construído combinando os anos médios de escolaridade com o retorno esperado para os níveis primário, secundário e terciário de educação.

A razão Dívida-PIB foi retirada do FMI, mais precisamente da Historical Public Database que contém dados para o período de 1791 a 2012 e é descrita por Abbas et all. (2010). Já as demais variáveis macroeconômicas são retiradas dos World Development Indicator (WDI) publicados pelo Banco Mundial. Sendo estas variáveis, a taxa de Inflação, que é uma proxy para a estabilidade macroeconômica, a taxa de juros real, a Formação Bruta de capital Fixo (FBKF), o índice de abertura comercial e também a taxa de crescimento populacional.

Os vinte e cinco anos de dados são então divididos em cinco períodos de cinco anos cada, sendo a média para cada variável computada para cada um desses períodos. Procedendo-se dessa maneira espera-se que seja possível reduzir em considerável medida, o impacto de movimentos cíclicos sobre as séries aqui utilizadas. Desta maneira nossa base terá como dimensão temporal t = 5 e como dimensão cross-section, n=69. O número de países analisados foi definido a partir da disponibilidade de dados para as variáveis a serem utilizadas.

3.3.2 Estatísticas PreliminaresPara finalizar o capítulo replicamos a análise de Reinhart e Rogoff (2010a) para a relação

contemporânea entre o nível de endividamento público e o crescimento do PIB. Para calcular a média de crescimento por faixa de endividamento utilizamos a ponderação de ano-país indicada por Herndon, Ash e Pollin (2014).33

32 O FMI divide os países em economias avançadas ou economias emergentes e países em desenvolvimento. Segundo a explicação contida na área de perguntas frequentes do site da instituição, três critérios são levados em consideração para fazer tal classificação: Nível da renda per capita, diversificação da pauta de exportações e o grau de integração no sistema financeiro mundial. São, portanto, dois grupos, não havendo diferenciação entre países emergentes e em desenvolvimento, por isto utilizaremos apenas a denominação “países em desenvolvimento” para tratar do grupo de países aqui analisados.33 As faixas de endividamento são as mesmas utilizadas por Reinhart e Rogoff (2010), a saber, < 30% (Baixo), 30 – 60%(Médio-Baixo), 60 – 90%(Médio-Alto) e >90% (Alto).

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Tabela 3 Descrição e estatísticas sumárias

Fonte: Tabela elaborada pelo autor.

Conforme é possível ver no gráfico 1, há uma clara relação negativa entre o grau de endividamento e a taxa de crescimento do país no ano em questão, da mesma maneira que em Reinhart e Rogoff (2010a) e Camuri (2015). A diferença da taxa média de crescimento do PIB entre os países com uma razão Dívida-PIB abaixo de 30% e aqueles com uma razão acima de 90% é de aproximadamente 3 p.p.

A relação negativa encontrada por nós parece ser mais linear que a encontrada por Reinhart e Rogoff (2010a), embora a diferença de crescimento médio para os países na terceira faixa de endividamento seja mais de quatro vezes maior que aqueles na quarta faixa de endividamento, o que poderia ser visto como um indício de não linearidade na relação entre o grau de endividamento e a variação do PIB real.

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Gráfico 1 Relação entre Dívida e Crescimento para países emergentes

Baixo Médio-Baixo Médio-Alto AltoCE660ral

CE660ral

CE660ral

3.24

2.4952.159

0.53

3.35

2.83

2.04

1.01

Média Mediana

Grau de endividamento

PIB

(Var

. %)

Fonte: Elaborado pelo autor.

Ao analisar a mediana e não a média do crescimento, continua havendo indícios da presença de uma relação negativa entre o Crescimento e o tamanho da Dívida. Uma vantagem em utilizar a mediana no lugar da média do crescimento é que esta última medida pode ser bastante afetada pela presença de outliers tornando os resultados viesados, mas como a mediana e a média contam histórias similares nos parece haver certa robustez no resultado apresentado.

Como relacionamos o estoque da dívida e o crescimento contemporâneo, não se pode fazer qualquer tipo de afirmação sobre causalidade. Por isto a leitura que fazemos do resultado é que há uma clara relação negativa entre a taxa de variação do PIB e a razão Dívida-PIB para a amostra aqui analisada. Se esta relação é puramente linear ou há a presença de thresholds é difícil dizer apenas por este resultado, embora haja algum indício da existência de não-linearidade quando observamos a média, tal relação não é tão clara quando observamos a mediana do crescimento.

Neste capítulo discutimos brevemente a metodologia de pooled OLS que é utilizada a seguir para a nossa estimação econométrica. Ademais, apresentamos como foi construída a base de dados a ser utilizada e por fim fizemos um exercício de estatística descritiva para verificar a relação contemporânea entre a razão Dívida-PIB e o crescimento econômico dos países em desenvolvimento. O resultado obtido foi o esperado de acordo com a literatura, ou seja, verificou-se uma relação negativa entre o grau de endividamento e a variação do PIB, apesar disto, não ficou claro se é possível falar ou não da presença de não-linearidade.

4 BREVE ANÁLISE ECONOMÉTRICANeste capítulo são apresentados os resultados do exercício econométrico realizado. Conforme

discutido no último capítulo, foi utilizado o estimador de mínimos quadrados ordinários empilhados. Além desta introdução o capítulo é divido em duas seções. Na seção 4.1 discutiremos os resultados do modelo básico, cuja especificação foi discutida no capítulo anterior. Já na seção 4.2 são adicionadas ao modelo básico, termos multiplicativos que buscam captar possíveis efeitos da interação da dívida com a taxa de juros real e a inflação.

4.1 Modelo básicoAs regressões foram estimadas em três blocos, sendo dois deles referentes ao modelo básico e

um aos termos interativos. Nesta seção são discutidos os dois primeiros blocos de regressões e os resultados são apresentados nas tabelas 4 e 5 a seguir. As variáveis de controle incluídas são as mesmas para as regressões reportadas nas duas próximas tabelas, excetuando a variável referente ao

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endividamento público. Nas regressões reportadas na tabela 4, em linha com boa parte da literatura, utiliza-se o valor contemporâneo da razão Dívida-PIB como a variável de interesse. Ou seja, a variável Dívida reportada na tabela 4 como um dos regressores, é o valor médio da razão Dívida-PIB para cada período. Já as regressões reportadas na tabela 5 seguem Kumar e Woo (2010) ao utilizar o valor da razão Dívida-PIB no início de cada período para verificar o seu impacto no crescimento subsequente.

As regressões apresentadas nas duas primeiras tabelas seguem o mesmo princípio. Inicialmente testamos uma equação simples de crescimento, aumentada com capital humano e levando em consideração a hipótese de convergência condicional. Na segunda coluna são reportados os resultados obtidos ao se adicionar as variáveis de abertura comercial e taxa de juros. Conforme é possível observar, ambas não são estatisticamente significantes em nenhuma das especificações. Por fim, na terceira coluna são reportados os resultados obtidos ao se adicionar a variável de inflação. Nos dois blocos de regressões as variáveis de controle apresentam graus de significância estatística similares e o mesmo sinal e por isto serão discutidas apenas uma vez.

Tabela 4 Regressões com a Dívida contemporânea

Fonte: Tabela elaborada pelo autor.

Os nossos resultados são compatíveis com os resultados de Mankiw, Romer e Weil (1992) que estabelecem a existência de convergência condicional e a importância da acumulação de capital, físico e humano, no processo de crescimento econômico. Os coeficientes destas variáveis têm o sinal esperado e são significativos em todas as especificações aqui testadas. Por fim a variável de Inflação é significativa e tem o sinal negativo quando a variável de interesse é a dívida contemporânea, mas não é significativa quando é considerada a dívida no início de cada período.

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Tratando agora da variável de interesse, a Tabela 4 nos mostra que a razão Dívida-PIB tem um efeito linear e negativo sobre a taxa de crescimento do PIB real per capita, sendo os coeficientes estimados fortemente significativos. Este resultado parece corroborar os resultados sugeridos a partir da análise de estatísticas descritivas proposta pelo exercício realizado na última seção do último capítulo e é consistente com aquele encontrado por Presbitero (2012).

Observando as duas primeiras colunas da tabela 5, nota-se que o coeficiente da dívida inicial34 é estatisticamente significativo ao nível de 95% de confiança, estando em linha com os resultados encontrados por Kumar e Woo (2010). Apesar disso, diferentemente da dívida contemporânea que é significativa nas três especificações, o coeficiente da dívida inicial deixa de ser significante quando é levado em consideração a taxa de inflação. Similarmente a taxa de inflação que era significativa e tinha o sinal negativo quando a variável de interesse era a dívida contemporânea, deixa de ser significativa quando a variável de endividamento é a dívida inicial.

Tabela 5 Regressões com a Dívida Inicial

Fonte: Tabela elaborada pelo autor.

Considerando as regressões apresentadas nas primeiras duas tabelas, os resultados aqui encontrados estão de acordo com a maior parte da literatura empírica, que indica haver uma relação negativa entre o endividamento público e o crescimento econômico. Nas estimações deste trabalho, a dívida contemporânea tem uma relação negativa e sempre estatisticamente significativa com nível de confiança sempre superior a 99%. Já a dívida inicial apresenta também o sinal negativo, mas deixa de ser significativa quando a taxa de inflação é levada em consideração.

Baseado nesses resultados, a relação entre a dívida contemporânea e o crescimento parece ser mais robusta que a relação entre a dívida inicial e o crescimento subsequente, pois mesmo ao

34 Valor da razão Dívida-PIB no início de cada subperíodo.

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adicionar a variável de inflação ela continua sendo fortemente significativa enquanto a segunda deixa de ser significativa, mesmo que se considere um nível de 10% de significância.

4.2 InteraçõesConforme apresentado na seção acima, os resultados dos dois blocos de regressões principais

parecem confirmar a existência de uma relação linear negativa entre o crescimento econômico e o endividamento público. Para explorar a possível interação do endividamento público com outras variáveis macroeconômicas, adicionamos, alternadamente, um termo onde a dívida interage com a taxa de juros e outro termo onde ela interage com a taxa de inflação. Ao contrário da última seção, onde trabalhamos com o valor da razão Dívida-PIB contemporâneo e o inicial, neste apenas a variável da dívida contemporânea é utilizada. Isto é feito pois, embora seja possível que exista uma relação entre a dívida no início do período e o valor subsequente da inflação e dos juros, não parece haver uma boa razão para esperar que o valor futuro da inflação ou da taxa de juros afete a relação entre o endividamento público inicial e o crescimento subsequente. Os resultados das regressões aumentadas com termos interativos são reportados na tabela 6 a seguir.

Na regressão apresentada na primeira coluna foi adicionada a variável de interação entre a taxa de inflação e a dívida, sendo ela significativa ao nível de 1%. É interessante notar que, ao acrescentar o termo interativo, a variável da dívida mudou de sinal e passou a ser positiva, mas se manteve estatisticamente significativa, enquanto o termo interativo é negativo. Isto indica que a relação entre a dívida e o crescimento dependem da taxa de inflação do país, desta maneira, caso a inflação esteja em patamares baixos, um aumento da dívida pode ter um efeito positivo sobre o crescimento do PIB per capita. Em compensação, a partir do momento que a taxa de inflação ultrapassa um certo patamar, o efeito da dívida torna-se negativo. Na nossa relação esse patamar de inflexão se daria quando a inflação alcançasse por volta de 24% ao ano.

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Tabela 6 Regressões com os termos interativos

Fonte: Tabela elaborada pelo autor.

Na segunda coluna é apresentada a regressão que foi aumentada com o termo interativo entre a dívida e os juros. Com essa especificação, tanto as variáveis da dívida, quanto da taxa de juros, são estatisticamente significativas ao nível de 90% de confiança. Da mesma maneira que quando foi adicionado o termo interativo de inflação, aqui o coeficiente da variável da dívida também se tornou positivo enquanto o coeficiente do termo interativo é negativo. Desta maneira, a relação entre a dívida e o crescimento depende do valor da taxa de juros real. Na nossa regressão a dívida tem uma relação positiva com o crescimento desde que a taxa de juros real esteja abaixo de 6.5%, tornando-se negativa quando esse limiar é ultrapassado. É interessante relembrar aqui a discussão realizada no capítulo de revisão da literatura teórica, onde vimos que, para a visão convencional, uma política que gere déficits irá pressionar a taxa de juros para cima, desestimulando investimentos e diminuindo o crescimento. Além disso, no fim daquele capítulo vimos como que a taxa de juros pode ser um dos mecanismos por meio do qual a dívida impacta negativamente o crescimento, desta maneira, é possível que o resultado possa ser um indício disso, ainda que não possamos tratá-lo como uma evidência conclusiva.

Tais resultados devem ser vistos com cautela, dado o caráter preliminar da investigação aqui proposta, conforme já ressaltado. Nesse sentido, entendemos que mais importante do que o valor preciso onde se daria tais inflexões, é o aparente indício quanto a existência de uma possível não-linearidade envolvida nos casos em questão, que merecem serem investigados mais detidamente em trabalhos futuros, permanecendo, até o momento, essencialmente inexplorada na literatura, salvo engano da nossa parte.

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Em linha com a maior parte da literatura, testamos inicialmente a relação contemporânea entre a dívida e o crescimento do PIB per capita real e encontramos uma relação linear negativa e fortemente significativa. Em um segundo momento testamos a relação entre o grau de endividamento no início de cada subperíodo e o crescimento subsequente. Aqui novamente encontramos uma relação negativa e em geral estatisticamente significativa, ainda que não em todas as especificações. Esses resultados estão em linha com a maior parte da literatura empírica, que em geral encontra evidências de uma relação negativa entre o endividamento público e o crescimento. Finalizamos o capítulo com uma análise exploratória, adicionando alternadamente termos interativos da dívida com a inflação e com a taxa de juros. Os resultados obtidos dão indícios de que o valor destas variáveis afeta a relação entre a dívida e o crescimento econômico e, portanto, pode ser interessante investigar mais a fundo em trabalhos futuros a natureza desta interação entre dívida, inflação e taxa de juros.

5 CONCLUSÃONeste trabalho foi analisada a relação entre a dívida pública e o crescimento do PIB per capita

real nos países em desenvolvimento. Na nossa análise empírica foi utilizado um painel de 69 países, com dados de 1988 a 2012 que foram divididos em 5 períodos não sobrepostos de cinco anos cada. Uma contribuição deste trabalho é o fato de seu objeto de estudo ser, exclusivamente, os países em desenvolvimento, enquanto a maior parte da literatura tem se preocupado apenas com os países desenvolvidos, salvo raras exceções. Ainda assim, os resultados aqui encontrados estão em consonância com a literatura e confirmam a existência de uma relação negativa entre o endividamento público e o crescimento econômico.

A primeira evidência dessa relação negativa entre a dívida e o PIB foi obtida na última seção do capítulo 3, onde replicamos a análise de Reinhart e Rogoff (2010) e observamos que os países com uma razão Dívida-PIB acima de 90% apresentam um crescimento médio do PIB de 2.5 p.p. menor do que aqueles com a razão abaixo de 30%. É importante ter em mente que esta análise não nos permite falar em causalidade e, portanto, tudo que podemos extrair deste exercício é que uma maior razão Dívida-PIB está associada a um menor crescimento do PIB per capita para os países aqui analisados.

No capítulo 4 utilizamos a técnica de mínimos quadrados ordinários empilhados para fazer uma análise econométrica da relação entre a dívida e o crescimento. Utilizando um modelo de crescimento aumentado com a variável da dívida, encontramos que há uma relação negativa e estatisticamente significativa entre a dívida e o crescimento do PIB real, parecendo confirmar os resultados encontrados na análise de estatística descritiva realizada na última seção do capítulo 3. Além da análise contemporânea analisamos também o efeito do grau do endividamento no início do período sobre o crescimento subsequente e encontramos que um maior endividamento inicial está associado a um menor crescimento econômico subsequente, embora esta relação seja significativa apenas ao nível de 10% e deixe de ser estatisticamente significativa quando levamos em consideração a taxa de inflação.

Também testamos a interação do endividamento com a inflação e a taxa de juros. Os resultados encontrados foram interessantes, dando indícios de que a dívida só passa a ter um impacto negativo sobre o crescimento quando os valores dessas variáveis ultrapassam um determinado patamar. Esses resultados devem ser vistos como preliminares e como motivadores de trabalhos futuros, dado que esta possível não-linearidade ainda não foi explorada na literatura, caso tenha sido explorada, não é do conhecimento comum acadêmico.

Embora o nosso exercício econométrico tenha gerado resultados que estão de acordo com o entendimento padrão da literatura, algumas qualificações são necessárias. O primeiro é que embora parte considerável da discussão sobre a relação entre dívida pública e crescimento seja centrada sobre a existência ou não de thresholds ou limiares nesta relação, nós não testamos esta hipótese econometricamente, fazendo alguns comentários sobre isto apenas na nossa análise de correlação

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realizada na última seção do capítulo 3. A análise econométrica não foi realizada pois envolve a utilização de uma metodologia que está fora do escopo do presente trabalho.

Uma outra qualificação a ser feita, e talvez mais importante que a primeira, é sobre a metodologia econométrica utilizada. A técnica econométrica utilizada foi a de mínimos quadrados ordinários empilhado ou pooled OLS, enquanto as técnicas geralmente utilizadas em análises de crescimento econômico com dados em painel é a de painéis dinâmicos combinado com a utilização de variáveis instrumentais. Novamente, por acreditar que esta técnica está fora do escopo do presente trabalho, preferiu-se utilizar o pooled OLS. Ainda assim é pretendido aperfeiçoar o presente trabalho utilizando técnicas econométricas mais robustas em oportunidades futuras.

A literatura sobre a relação entre a dívida pública total e o crescimento econômico ainda é recente, tendo iniciado a partir de 2010. No presente trabalho, obtemos evidências empíricas para os países em desenvolvimento indicando que há uma relação negativa entre a dívida e o crescimento. Levando em consideração as qualificações levantadas acima, acreditamos que uma análise com técnicas econométricas mais refinadas é necessária. Além disso, é importante dedicar um esforço para entender a dinâmica da interação entre a dívida e variáveis como a taxa de inflação e a taxa de juros. Dado que ainda há poucas explicações sobre o porquê existe uma relação negativa entre a dívida contemporânea e o crescimento, a investigação das interações da dívida com estas demais variáveis podem abrir o caminho para entendermos o real efeito do endividamento público sobre o crescimento econômico.

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