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Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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RODRIGO FORTUNATO GOULART
”
Introdução
ao
DIREITO DO TRABALHO
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
2
Rodrigo Fortunato Goulart
Advogado trabalhista. Mestre (2006) e Doutor (2011) em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professor de Graduação e Pós-Graduação nas
disciplinas de Direito do Trabalho e Previdenciário (PUCPR, Unicuritiba, Escola da
Magistratura do Trabalho do Paraná e UFPR – Licenciado). Membro da Seção de Jovens
Juristas da Société Internationale de Droit du Travail et de la Sécurité Sociale (Genebra).
Coordenador da Câmara de Trabalho e Previdência da Associação Comercial do Paraná.
Sócio do escritório Fortunato Goulart Advocacia Trabalhista.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
art. Artigo
ADCT Atos das Disposições Constitucionais Transitórias
BGB Código Civil - Alemanha
Cfr. Conforme
CC Código Civil - Brasil (Lei nº. 10.406/2002)
CDC Código de Defesa do Consumidor - Brasil (Lei nº. 8.078/1990)
CLT Consolidação das Leis do Trabalho - Brasil (Decreto-lei nº. 5.452/1943)
CPC Código de Processo Civil - Brasil (Lei nº. 5.869/1973)
CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social
EC Emenda Constitucional
et al. E outros
EUA Estados Unidos da América
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ibidem Para fazer referência, subsequente, do mesmo autor e da mesma obra
Idem Para fazer referência, subsequente, do mesmo autor
IN-INSS Instrução Normativa do Instituto Nacional do Seguro Social
IPI Impostos sobre Produtos Industrializados
INSS Instituto Nacional do Seguro Social
MP Medida Provisória
OGMO Órgão Gestor de Mão de Obra
OIT Organização Internacional do Trabalho
OJ/SDI Orientação Jurisprudencial da Seção de Dissídios Individuais do TST
OJ/SDC Orientação Jurisprudencial da Seção de Dissídios Coletivos do TST
ONG Organização Não Governamental
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
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Jus variandi Direito de variar, direito de modificar as ordens
Passim Por aqui e ali, em diversas passagens (indica referência a vários trechos da obra)
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PPL Programa de Participação nos Lucros
PLR Programa de Participação nos Lucros ou Resultados
PPR Programa de Participação nos Resultados
RAIS Relação Anual de Informações Sociais
RPA Recibo de Pagamento a Autônomo
S.S. Sua Santidade
et seq. Seguinte ou que segue, da página indicada em diante
T.I. Tecnologia da Informação
Trad. Tradução
TRT2 Tribunal Regional do Trabalho da 2ª. Região
TRT3 Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região
TRT5 Tribunal Regional do Trabalho da 5ª. Região
TRT8 Tribunal Regional do Trabalho da 8ª. Região
TRT9 Tribunal Regional do Trabalho da 9ª. Região
TST Tribunal Superior do Trabalho
Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
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SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS, 3
PARTE I – TEORIA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO
FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO, 9
TIPOS DE ORDENS JURÍDICAS TRABALHISTAS, 12
Modelo Democrático, 13
Modelo Corporativo-autoritário, 13
VALORIZAÇÃO E PROTEÇÃO DO TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988 , 14
DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, 18
FONTES DO DIREITO DO TRABALHO, 22
Fontes Materiais, 22
Fontes Formais, 22
Autônoma, 23
Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), 23
Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), 24
Regulamento de Empresa, 25
Heterônoma, 26
Constituição, 26
Leis, 26
Tratados e Convenções Internacionais, 26
Decretos, 27
Portarias e Instruções, 27
Sentença Normativa, 27
Normas Regulamentadoras, 29
Princípios, 30
Princípio da Proteção, 31
Princípio da Inalterabilidade Contratual Lesiva, 31
Princípio da Imperatividade das Normas Trabalhistas, 31
Princípio da Irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, 32
Princípio da Continuidade da Relação de Emprego, 32
Princípio da Intangibilidade Contratual Objetiva, 32
Princípio da primazia da Realidade sobre a Forma, 32
Princípio da Intangibilidade Salarial, 33
CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DAS FONTES NO DIREITO DO TRABALHO, 33
RELAÇÃO DE EMPREGO , 35
RELAÇÃO DE EMPREGO E RELAÇÃO DE TRABALHO, 43
EMPREGADOS - SITUAÇÕES ESPECIAIS, 47
Ocupantes de funções de confiança, 48
Ocupantes de função de confiança bancária, 48
Diretores-empregados, 49
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
6
EMPREGADO DOMÉSTICO, 49
EMPREGADOS RURAIS, 50
CONTRATO DE ESTÁGIO, 51
COOPERATIVAS DE TRABALHO, 52
TRABALHADOR AVULSO, 53
EMPREGADOR, 53
GRUPO ECONÔMICO TRABALHISTA, 54
SUCESSÃO DE EMPREGADORES, 55
Continua ...
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
7
“La función del derecho del trabajo es evitar que el hombre sea tratado
igual que las cosas”.
H. Sinzheimer
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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PARTE I
TEORIA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
9
FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO
A palavra “trabalho”, em inúmeros idiomas, sempre trouxe a ideia de dor: lavoro (italiano) ou
labour (inglês) provém da expressão latina labor, que significa sofrimento, esforço, fadiga; trabalho
(português), travail (francês) ou trabajo (espanhol) tem como origem o vocábulo latino tripalium
que era um instrumento romano formado por três estacas cravadas no chão, utilizado para prender
bois ou cavalos difíceis de ferrar e também para torturar escravos. O trabalho na Antiguidade (Séc.
VIII a.C. ao Séc. V d.C.) sempre representou punição, submissão. Trabalhadores (escravos) eram os
povos vencidos nas batalhas pois a eles era relegada esta tarefa “indigna”. Ser culto, à época,
significava riqueza material e ociosidade. Diga-se que muitos escravos, sem personalidade jurídica,
eram simplesmente “coisa”, ou seja, sem direitos ou liberdades. Obrigados a trabalhar, não recebiam
salário.
Com o Feudalismo (Europa, Séc. X ao Séc. XIII), o trabalho deixa de ser escravo e passa a ser
servil. Alguém se tornava vassalo de um senhor feudal, prestando-lhe serviços, obediência e auxílio,
e recebia em troca da proteção e do sustento, uma gleba (terra). O servo era ligado hereditariamente
ao senhor feudal. O trabalho servil não poderia ser considerado como um trabalho livre, e sim
forçado. Nele, o servo encontra-se ligado à terra, não podendo eximir-se das obrigações feudais, e
sequer trabalhar para quem quisesse, mas somente fazê-lo para o senhor feudal.
Paralelamente, no ambiente urbano, surgiram as Corporações de Ofício, associações que, a
partir do século XII, predominaram no processo produtivo artesanal. Nas grandes cidades europeias,
eclode-se unidades de produção artesanais marcadas pela hierarquia e pelo controle da técnica de
produção, constituídas de aprendizes, companheiros (ou oficiais) e mestres. Terminada a
aprendizagem, subia-se à condição de companheiro (oficial formado), mas sem possibilidades de
ascender à maestria, porque os mestres somente passavam esta condição aos filhos. Visava-se, com
isso, que o segredo da “obra-prima” permanecesse em família. As pessoas que exerciam a mesma
profissão tinham que se filiar às respectivas corporações, caso contrário, não poderiam trabalhar.
Mais tarde, na Revolução Francesa (1789), as corporações foram abolidas e proibidas de existir, pois
interessava à nova classe política (burguesia) que houvesse mão-de-obra abundante e livre para as
contratações.
É nesse turbilhão de novos acontecimentos, no final do Século XVII, que se inicia a Revolução
Industrial. Os trabalhadores passam a alienar sua força de trabalho por um salário dentro da grande
indústria, movida pelo vapor (e posteriormente pela eletricidade), porém, sob a modalidade de um
contrato, no qual imperava o princípio de que as partes seriam “livres e iguais para negociar”.
Nesta recente divisão do trabalho, surgem inovações até então desconhecidas para a época:
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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utilização maciça da força operária como instrumento produtivo central; implementação da chamada
“grande indústria”, ou seja, a utilização de máquinas pesadas e de execução repetitiva de tarefas em
uma linha de produção; a identificação profissional do operariado, com o nascimento da consciência
de classe, proporcionada pela elevada concentração de trabalhadores em aglomerados urbanos
industriais e inflamada pelos ideais socialistas.
Entretanto, a Revolução Industrial fez surgir inúmeras consequências, pois, no novo modelo
produtivo, longe do trabalho servil ou artesanal da Idade Média, os produtos começam a ser
fabricados em larga escala. Para tanto, era necessário um contingente enorme de trabalhadores e uma
disciplina rígida de horários e de execução dos afazeres, tudo fortemente baseado na eficiência. Tudo
isso, aliado aos baixos salários, à excessiva carga horária (chegava-se a trabalhar 16 horas por dia),
às más condições de higiene e segurança no local de trabalho, as péssimas condições de vida da
então classe trabalhadora (formada por pessoas humildes e miseráveis) e acidentes de trabalho
(inclusive com mão-de-obra infantil), fizeram eclodir diversas revoltas sociais contra os
empregadores.
Como resultado, iniciam-se movimentos de pressão popular no Século XIX, que clamaram por
justiça social, ou seja, por condições de trabalho dignas, melhor distribuição de riquezas, aumento
gradativo do nível de renda e diminuição das desigualdades. Através de manifestações dos
trabalhadores por meio de greves e do apoio de entidades importantes à época (tais como, a igreja
católica), de forma incipiente, teve início à regulamentação jurídica entre o trabalho e o capital.
Descobriu-se que o contrato civil em vigor não era suficiente para atender aos interesses de ambas as
partes. Na realidade, o contrato regulado pelo Direito Civil, presumia que empregados e
empregadores estariam em pé de igualdade negocial, quando, na prática, percebeu-se que o contrato
civilista escravizava uma das partes em detrimento da outra. O trabalhador, que necessitava do
emprego para sobreviver, acabava se sujeitando aos mandos e desmandos do patrão para poder
sustentar a sua família e preservar o seu emprego, mesmo se fosse necessário trabalhar em troca de
um prato de comida.
O instrumento mais importante foi sem dúvida a atuação coletiva por parte do proletariado
(movimentos grevistas), em face do Estado ou da empresa, e a consolidação das organizações
coletivas operárias (sindicatos, associações, etc.). A união em torno de interesses comuns e o
reconhecimento das organizações gremistas obreiras proporcionaram o surgimento da normatização
autônoma (negociação coletiva). Com isso, inicia-se no Século XIX, mesmo de forma incipiente, as
primeiras manifestações da regulação trabalhista, que viriam a formar, um século depois, um novo
ramo jurídico, o Direito do Trabalho como se conhece atualmente, que tem como objetivos evitar
que o trabalho seja equiparado à mercadoria, e também como instrumento de estabilização entre
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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patrões e operários.
No contexto mundial, pode-se afirmar que são quatro as etapas que vieram a consolidar o
Direito do Trabalho como ramo autônomo do Direito. A primeira delas perdurou de 1802 à 1848,
com algumas manifestações incipientes, ou seja, com uma regulação débil, dispersa e pouco
eficiente, e que visavam, apenas, reduzir a violência brutal da superexploração. Cite-se o Peel´s act
(Inglaterra, 1802) que restringiu a utilização do trabalho de crianças e adolescentes. A segunda foi a
fase da consolidação do movimento por melhores condições de vida e de trabalho, que durou de
1848 à 1919. Neste período, desenvolve-se a ideia do primado do homem sobre o processo de
produção, destacando-se as opiniões de Marx e Engels publicadas no Manifesto Comunista (1848),
os movimentos populares na França e na Inglaterra pelo reconhecimento do direito à associação e
greve e à jornada de 10 horas diárias, e a edição da Encíclica Rerum Novarum (1891), de S.S. Papa
Leão XIII. Nesse documento, a igreja católica conclamava o fim da violência nas fábricas e a
harmonização na relação capital – trabalho. Na Rerum Novarum, defendia-se que o primeiro
fundamento do valor do trabalho é o mesmo homem, o seu sujeito, e que, embora seja verdade que o
homem está destinado e é chamado ao trabalho, contudo, antes de mais nada, o trabalho é para o
homem e não homem para o trabalho.
A terceira fase foi o momento da institucionalização das regras trabalhistas nas legislações
nacionais, de 1920 em diante. Até então, o Estado atuava timidamente, com poucas leis aprovadas
sobre a matéria. Surge o “Estado Social”, tendo como marcos dessa fase a Constituição Mexicana
(1917), a Constituição de Weimar (1919) e criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT,
1919). Oficializa-se o Direito do Trabalho, pois as leis “sociais” são incorporadas à matriz das
ordens jurídicas de vários países. Pontue-se que vários artigos de lei tiveram inspiração em cláusulas
de acordos coletivos existentes, como, por exemplo, a limitação da jornada de trabalho e a idade
mínima para trabalhar.
No Brasil, pode-se dividir em três as etapas que vieram a consolidar o Direito do Trabalho
como ramo autônomo do Direito. A primeira delas, de 1822 à 1888, o país ainda estava muito
distante do amadurecimento ocorrido no processo de lutas dos movimentos sociais europeus e norte-
americanos. Como a existência do trabalho livre é pressuposto histórico-material do Direito do
Trabalho, não se pode falar em “regulamentação trabalhista”, pois a mesma não existia em virtude da
escravidão. A segunda fase, da abolição formal da escravatura até a era Vargas, de 1888 à 1930, é
marcado pelo surgimento de algumas normas trabalhistas esparsas, mas não aplicáveis a todos os
trabalhadores, tais como, a concessão de 15 dias de férias aos ferroviários (Decreto 565/1890); a
garantia da liberdade de trabalho (Decreto 1.162/1890); a proibição do trabalho noturno para
menores de 15 anos e vedação do trabalho para menores de 12 anos (Decreto 1.313/1891); a
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permissão para criação de sindicatos profissionais e sociedades cooperativas (Lei 1.637/1907); a
edição do Código Civil dedicando vinte e dois artigos à “locação de serviços” (Lei 3.071/1916), etc.
Porém, o Brasil desta época era um país agrário, e carente de movimentos operários fortes, como
organizados na Europa. A terceira fase opera-se da Era Vargas até a Constituição Federal, de 1930 à
1988. Neste período, tem-se a oficialização do Direito do Trabalho com a aprovação de leis
protetivas à classe trabalhadora, principalmente no governo do presidente Getúlio Vargas, em
especial, destacam-se: a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Decreto
19.443/1930); a limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias (Decretos 21.186/1932 e
21.364/1932); a adoção das Carteiras Profissionais (Decreto 21.175/32); a instituição do salário-
mínimo (Decreto-lei nº 185/1936 e 399/1938); as Férias para os bancários (Decreto 23.103/1933); e a
aprovação, em 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT - Decreto 5.452/1943). Restou-se
estabelecida uma estrutura sindical oficial, baseada na unicidade, ou seja, o critério de agregação de
trabalhadores resumiu-se por categoria (ramo econômico) e não por empresa. Importante destacar
que, no contexto da época, a possibilidade de rebeliões sociais comunistas fez com que o Estado
adotasse um modelo trabalhista corporativo no Brasil, com o objetivo de controlar as massas
operárias, que eram frequentemente infladas pelos ideais do socialismo utópico. Em outras palavras,
a aprovação de diversas leis sociais não foram fruto do debate no seio da sociedade civil, mais
propriamente, da classe operária brasileira. Aliás, nos idos dos anos de 1930, sequer havia ambiente
democrático para isso. Fato é que o novo modelo sócio-político de postura altamente intervencionista
influenciou decisivamente a forma como o Direito do Trabalho nacional está organizado até os dias
atuais.
TIPOS DE ORDENS JURÍDICAS TRABALHISTAS
Segundo Delgado1, os principais padrões de estruturação normativa do Direito do Trabalho são
os modelos Democrático e Corporativo-autoritário. No modelo Democrático, as edições de leis
trabalhistas são realizadas de forma autônoma privatística, ou seja, os próprios atores sociais
particulares (patrões e empregados) definem por meio de negociação grande parte dos direitos da
categoria, tais como, piso salarial, férias, participação nos lucros, etc. Com direitos negociados, a
chance de descumprimento das cláusulas é mínima, bem como, pelos mesmos motivos, é muito
1 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, passim.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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baixa a possibilidade do conflito acabar no Poder Judiciário.
Por outro lado, no modelo Corporativo-autoritário, é repudiada qualquer tentativa de
democratização das relações de trabalho. O Estado estabelece os direitos dos trabalhadores (muitas
vezes sem ouvir a classe operária ou os patrões) e, caso estes direitos sejam desrespeitados, o conflito
é absorvido para dentro do aparelho estatal (Poder Judiciário trabalhista), que, minuciosamente,
oferecerá práticas para a sua solução. São exemplos de países que adotam (ou adotaram) este
sistema, a Alemanha nazista e Itália fascista, que influenciou Portugal, Espanha e Brasil.
1. Modelo Democrático Normas autônomas privatísticas
Normas autônomas privatísticas, mas subordinadas
2. Modelo Corporativo-autoritário
Em outras palavras, no modelo democrático, existe a plena legitimação do conflito entre
particulares, porém, o Estado não absorve a disputa, pois impera a negociação coletiva autônoma no
âmbito da própria sociedade civil, ou seja, cria-se a norma entre os agentes independentemente da
atuação legislativa do Estado. São exemplos de países que seguem este modelo: Estados Unidos,
Grã-Bretanha e Suécia. Nesse compasso, no modelo democrático com normas autônomas
privatísticas, porém subordinadas, o procedimento ainda é realizado por particulares, no entanto,
segundo processo heteronomamente regulado pelo Estado, vale afirmar, a intervenção estatal
condiciona a criatividade dos agentes (não a impede ou substitui). Autoriza-se o negociado sobre o
legislado, no entanto, desde que garantidas algumas regras estipuladas pelo comando estatal. Por
exemplo: é quando se permite a negociação coletiva para reduzir salários dos empregados, contudo,
as partes devem subordinar a liberdade de negociação às regras pré-estabelecidas, tais como, que a
redução seja temporária (3 a 6 meses) e desde que sirva para evitar dispensas em massa. Um país que
adota referido modelo é a França.
Como relatado em tópico anterior, o Brasil aprovou grande parte da legislação trabalhista em
um contexto histórico permeado por ideias corporativistas. A construção do modelo de regulação
trabalhista no país não surgiu, portanto, do movimento de lutas e de melhores condições de vida e
salário da classe trabalhadora, porque, naquela época, sequer haviam operários ou indústrias no
Brasil. A nação iniciava um processo de industrialização e a concessão de direitos trabalhistas por
parte do Estado visava afastar os ideais socialistas, bem como, evitar o surgimento de manifestações
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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populares ou revoltas para a tomada do poder. Para tanto, foi criado um sistema no qual os
Sindicatos eram acompanhados de perto pelo Estado. Desde o nascimento da agremiação (com a
necessidade da chancela do Ministério do Trabalho), passando pelas eleições da diretoria,
recolhimento do imposto sindical até mesmo o critério de agregação dos trabalhadores, eram e até
hoje são procedimentos minuciosamente tecidos pelo comando estatal.
Apesar da aprovação, em 1988, da Constituição Federal, e dos avanços consistentes de muitas
categorias, e negociações coletivas autônomas, porém privatísticas, que garantiram melhores
condições de vida e salário aos trabalhadores, ainda persistem os traços autoritários no ordenamento
jurídico neste particular, com restrita ou baixa participação da sociedade civil e forte presença do
Estado.
VALORIZAÇÃO E PROTEÇÃO DO TRABALHO
NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A enunciação dos princípios fundamentais da nova sociedade civil, que o Estado Social
almejou impor, foi a clara opção das Constituições Sociais dos países do ocidente a partir do Século
XX. A supremacia desta nova ordem, passou a subordinar a este diploma fundamental, direitos
oriundos das próprias negociações coletivas, ou seja, de natureza privada. Tal fenômeno favoreceu o
declínio das leis ordinárias e o crescimento e fortalecimento do Estado com a Constituição, em
consequência, responsável pelo desaguadouro lógico deste avanço.2
Com efeito, segundo Costa3, a Constituição e seus princípios fundamentais – fonte por
excelência dos princípios positivos – é perspectivada, no início do Século XXI (à diferença ocorrida
no passado) como princípios objetivos e ativos, porquanto visualizados também no ponto de vista
positivo e não apenas do polo negativo, ao contrário do que ocorria anteriormente, quando sua
função consistia em garantir ao indivíduo uma esfera protegida contra o peso do Estado, na qual
pudessem os particulares decidir livremente o que dissesse respeito a sua vida, liberdade, opiniões,
relações sociais e, principalmente, atividades, relações econômicas.
Os princípios, possuem, assim, objetivo de orientar, contendo função pedagógica, e de,
igualmente, introduzir, no universo normativo, os fins perseguidos pelo sistema, sendo, dessa forma,
normas sobre fins. Com isso, segundo Moraes, fazem ingressar no mundo jurídico determinadas
2 COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Contrato de Trabalho e Autonomia Privada. Revista do TRT 9a. Região, Curitiba, a. 29, n.
53, p. 251-284, jul./dez. 2004. p. 259-260. 3 COSTA, Judith Martins. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 25-26.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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prioridades econômicas, sociais, etc., juridicizando-as. Servem os princípios, também, para dar
segurança aos sistemas, outorgando-lhes credibilidade, pois, quando adequadamente utilizados,
fazem surgir soluções congruentes, que indicarão a existência de unidade, de convergência,
ocorrências essas que demonstram que se configura o requisito da organização, base de qualquer
sistema que pretenda perdurar.4 Os princípios são a “... garantia da estabilidade, funcionalidade,
unidade e adequação valorativa, sendo fundamentais para que qualquer sistema possa existir, pois a
tentativa de organização estrutural sem princípios não é e jamais será um sistema”5.
Nesse contexto, não há como suprimir o caminho traçado pela Constituição Federal de 1988
quanto ao papel primordial que o trabalho exerce na sociedade. Nesse sentido, o art. 1º. da
Constituição/88 estabelece que o valor social do trabalho constitui-se como um dos pilares da
República: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa;”.
Por isso, segundo Süssekind, “... os instrumentos normativos que incidem sobre as relações de
trabalho devem visar, sempre que pertinente, à prevalência dos valores sociais do trabalho. E a
dignidade do trabalhador, como ser humano, deve ter profunda ressonância na interpretação e
aplicação das normas legais e das condições contratuais de trabalho”6.
Outros capítulos da Constituição/88 também outorgam tratamento especial ao trabalho
humano. Nesse sentido é o artigo 170, da Ordem Econômica e Financeira, no qual dispõe que “A
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano (...) tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social (...)”. Em outras palavras, a ordem
econômica está condicionada à valorização do trabalho humano, e seu objetivo final é assegurar
dignidade a todos os cidadãos. O princípio da valorização do trabalho enquadra-se como princípio
político constitucionalmente conformador, por expressar, em ambos os casos, opções políticas do
constituinte.
As diretrizes citadas são, portanto, os pilares no qual deve se basear o sistema protetivo
trabalhista, servindo de fundamento orientador para a interpretação e aplicação da lei. Por detrás de
tudo isso, o objetivo final do direito é a paz social, manifestado no controle. Vicenzo Ferrari destaca
“... coherente com la idea que hemos aceptado sobre la naturaleza del Derecho, como regla
persuasiva que puede orientarse em diversas direcciones em la perámide social, hemos de entender
4 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de Defesa do Consumidor: no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais.
Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 30. 5 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Ob. Cit. p. 26. 6 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 58-59.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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como aceptable la idea de que el Derecho ‘funcione’ como instrumento de control social, em esta
segunda acepción terminológica’”7. É certo que somente pelo intermédio do controle social é que se
pode afastar a tendência primitiva humana de anular as regras do justo, reconhecido que os freios
morais do indivíduo são pouco eficazes para se evitar disputas, quando inseridas em determinadas
circunstâncias8, especialmente quando inseridos em um contexto no qual o trabalho é encarado como
custo para o empregador.
Por isso, Javillier9 afirma que a finalidade primeira do Direito do Trabalho é a proteção ao
trabalhador; mas a proteção desmedida pode contribuir para a deterioração da situação econômica
geral e, com isso, revelar-se contrária aos interesses dos próprios assalariados, ao mesmo tempo em
que é um fator determinante do progresso econômico. Para Jorge Luiz Souto Maior10
, quando relata
que os fundamentos (e funções) do Direito do Trabalho são, especialmente: 1) impedir a exploração
do trabalho humano como fonte de riqueza dos detentores do capital; 2) manter a ética e a dignidade
nas relações de trabalho; 3) melhorar as condições de vida do trabalhador e distribuir a riqueza em
qualquer modo de produção (fordista/taylorista ou toyotista/flexível).
Mas a valorização do trabalho como componente da Justiça Social na Constituição/88
comporta alguns desdobramentos. Primeiro, é preciso descartar quaisquer interpretações de
disposições infraconstitucionais que depreciem as formas de ganho com o não-trabalho. Vale
afirmar, a CF/88 não se compadece com interpretações que favoreçam a vadiagem11
. Em segundo
lugar, é preciso descartar interpretações que considerem como caridade as verbas pecuniárias
decorrentes do esforço físico ou intelectual do trabalhador. Conforme destaca Eros Roberto Grau12
, a
valorização do trabalho não pode, uma vez posta como fundamento da ordem econômica e social, ser
caracterizada como mera expressão de filantropia. E, por último, é necessário descartar quaisquer
interpretações que fomentem o agravamento das desigualdades no seio da sociedade brasileira13
.
Nesse passo, não pode o legislador criar vantagem que não corresponda, efetivamente, a uma
valorização de trabalho prestado, porquanto o que se verifica seria apenas e tão-somente a criação de
7 FERRARI, Vicenzo. Funciones Del Derecho. Madrid: Colección Universitaria Editorial Debate, 1989. p. 131. In: MORAES, Paulo
Valério Dal Pai. Código de Defesa do Consumidor: no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre:
Síntese, 1999. p. 56. 8 MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de Defesa do Consumidor: no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais.
Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 57. 9 JAVILLIER, Jean-Claude. Droit du Travail. 4. ed. Paris: LGDJ, 1992. 10 SOUTO MAIOR. Jorge Luiz. A Fúria. Revista LTr, São Paulo-SP, vol. 66, nº 11, nov. 2002. p. 1306. 11 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Estudos de Direito Econômico, v. 2, t. 2, Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG,
1996. p. 359. 12 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1991. p. 219. 13 MOLL, Luíza Helena. Externalidades apropriação: projeções sobre a nova ordem econômica mundial. In: CAMARGO, Ricardo
Antônio Lucas (org.). Desenvolvimento Econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional – estudos jurídicos em
homenagem ao Professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1995. p. 146.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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injustificável privilégio, contribuindo para o agravamento das desigualdades14
. Assim, uma vez posta
a valorização do trabalho como fundamento da ordem econômica e social, devem ser descartadas
quaisquer interpretações que contribuam para sua desvalorização.
Por outro lado, sem a proteção social do Direito do Trabalho, consubstanciada nessa
valorização, não existe cidadania. Cidadania “é um estatuto que tem como origem o relacionamento
entre uma pessoa e o Estado, em que a pessoa deve obediência ao Estado, e o Estado, sociedade
política, deve proteção à pessoa, para que seja alcançado o bem comum dentro da vida em
sociedade”15
. Afirma Dalmo de Abreu Dallari16
que os Direitos de Cidadania são,
concomitantemente, deveres, mas que essa imprescindibilidade é justificável dada “a natureza
associativa da pessoa humana, a solidariedade natural característica da humanidade, a fraqueza dos
indivíduos isolados quando de vem enfrentar o Estado ou grupos sociais poderosos” que fazem
necessária “a participação de todos nas atividades sociais”.
Em uma dimensão econômico-social, o prestigiado autor francês Robert Castel17
relata que o
trabalho é o principal fundamento da cidadania. Para o autor, “a produção de cada um numa
produção para a sociedade” é o princípio da cidadania social. É o ponto médio concreto sobre o qual
se constroem direitos e deveres sociais, responsabilidades e reconhecimento, ao mesmo tempo que
sujeições e coerções”.
Por isso, o trabalho, como direito de cidadania, tem conotação diferente daqueles outros
direitos considerados fundamentais, tais como a educação, a moradia, a saúde, etc. Com a
remuneração do trabalho, muito além da pessoa estar incluída socialmente por usufruir direitos
individuais e sociais, e participar da condução dos destinos da sua pátria, é o elo que traz o indivíduo
ser reconhecido como cidadão. Muito mais que a simples remuneração, o trabalho faz com que o
indivíduo se valorize moralmente e socialmente, além de ganhar o respeito de todos os demais
membros da comunidade.
14 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Estudos de Direito Econômico, v. 2, t. 2, Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG,
1996. p. 376. 15 LANDULDO, Domenico Antonio. Dimensões do Direito do Trabalho. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo (USP), 2003.
p. 155. 16 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Editora Moderna, 1999. p. 16. 17
CASTEL, Robert. As Metamorfoses da Questão Social: uma crônica do salário. Trad. Iraci. D. Poleti. Petrópolis:
Vozes, 1998. p. 580-581.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
18
DIREITOS SOCIAIS
NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Segundo o artigo 193 da Constituição/88, “a ordem social tem como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. A opção política do país revela a
necessidade do primado do homem sobre o processo de produção, fundada na valorização do
trabalho humano. Ou seja, segundo a lei, o trabalho não é mercadoria, mas no aspecto ético e social,
como a vida da própria pessoa, indispensável para o homem atingir a dignificação e elevação, já que
não pode separar a força do trabalho do agente que a exerce. Em razão disso é que o Direito do
Trabalho possui um caráter essencialmente finalístico, de promover a igualdade real através da
justiça social e valorização do trabalho. A única maneira de diminuir a enorme distância econômica
que separa patrões e empregados é melhorar as condições de salário e de trabalho destes últimos.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, em especial, nos artigos 6º. e 7º., estabeleceu
diversos direitos sociais à classe trabalhadora brasileira, desde o salário mínimo até o direito de ação
judicial contra o mau empregador que sonega os direitos trabalhistas.
Mas o que são os direitos sociais ou direitos trabalhistas? Segundo José Afonso da Silva18
,
direitos sociais “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado, direta ou indiretamente,
enunciativas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais
fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. (...) Valem como
pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais
propícias ao auferimento da igualdade real (...)”. Abaixo seguem os principais direitos conquistados
pelos trabalhadores na Constituição Federal de 1988:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
18
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2014.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
19
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos
termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros
direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para
qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração
variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da
aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e,
excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos
termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante
acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)
XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de
revezamento, salvo negociação coletiva;
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
20
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por
cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º)
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o
salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de
cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos
termos da lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias,
nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas,
na forma da lei;
XXIV - aposentadoria;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco)
anos de idade em creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
53, de 2006)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a
indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo
prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
21
anos após a extinção do contrato de trabalho; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
a) (Revogada). (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
b) (Revogada). (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de
admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão
do trabalhador portador de deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os
profissionais respectivos;
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de
qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir
de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente
e o trabalhador avulso.
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos
previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII,
XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e
observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e
acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos
incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 72, de 2013)
Nos capítulos seguintes, os direitos dispostos no artigo 7º. da Constituição/88, serão abordados
com mais ênfase. Interessa saber, nesse momento, que a legislação trabalhista não se resume apenas
aos incisos acima transcritos.
Não obstante a importância dos preceitos expressos na lei maior do país, o fato é que são
inúmeras as regras, leis, normas regulamentadoras, acordos coletivos de trabalho, etc., que também
podem ser aplicados em determinada relação trabalhista. Por isso, a seguir, serão analisadas as
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
22
principais fontes legislativas do Direito do Trabalho e como elas se relacionam entre si de modo a
não causar antinomias, ou seja, conflitos na aplicação da legislação.
FONTES DO DIREITO DO TRABALHO
A ordem jurídica constitui o conjunto de normas estabelecidas pelo poder político competente,
que se impõe e regula a vida social de um dado povo em determinada época19
. O ordenamento
jurídico compõe-se de fontes normativas, que são os meios de revelação das normas jurídicas nele
imperantes20
. Fonte do Direito é concepção metafórica para designar a origem das normas jurídicas.
O Direito do Trabalho é diferenciado de outros ramos porque possui forte presença de normas
originárias de fontes privadas (acordos entre empregados e empregadores), uma verdadeira
anteposição ao universo de regras oriundas da clássica vontade estatal (elaboradas pelo Poder
Legislativo). As fontes se dividem em Materiais e Formais. As Fontes Formais, por sua vez, se
subdividem em Heterônomas e Autônomas.
Fontes Materiais
Autônoma
Fontes Formais
Heterônoma
Fontes materiais são os fatores que influenciaram (ou influenciam) na formação e
transformação das normas jurídicas. É o chamado “momento pré-jurídico” quando um projeto de lei
é debatido no Poder Legislativo e também pela própria sociedade civil. Cite-se, como exemplo, as
propostas de diminuição da jornada de trabalho ou de redução da maioridade penal. Para tanto,
diversas circunstâncias econômicas, sociológicas e políticas são colocadas em discussão e, caso a
maioria decida pela aprovação de uma nova regra, esta se revelará por intermédio de alguma forma.
Por isso, são Fontes Formais os meios de revelação e transparência da norma jurídica,
19
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Vol. 1 - Teoria Geral do Direito Civil - 31ª ed. 2014, passim. 20
DELGADO, Maurício Godinho. 13ª. ed. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014, passim.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
23
mecanismos pelos quais as normas ingressam e cristalizam-se na ordem jurídica. Exemplos:
Constituição/88, Leis, Decretos, Convenções Coletivas de Trabalho, etc. Nesse compasso, as Fontes
Formais Heterônomas são regras cuja produção não se caracteriza pela imediata participação dos
destinatários principais, ou seja, são de origem estatal como a Constituição, Leis, Decretos e outros
diplomas produzidos dentro do aparelho de Estado. Por outro lado, as Fontes formais Autônomas são
regras cuja produção é feita diretamente pelos agentes envolvidos, originárias de segmentos da
sociedade civil como os costumes ou os provenientes de negociação coletiva.
São exemplos de Fontes Autônomas:
a) Convenção Coletiva de Trabalho (CCT):
Resulta de negociações entabuladas por entidades sindicais, envolvendo o âmbito da categoria.
É um acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias
econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas
representações, às relações individuais de trabalho (CLT, art. 611, caput). Trata-se de um diploma
que faz contraposição à noção de ser individual (empregado), privilegiando o ente coletivo, pois a
união em torno de interesses em comum faz aumentar os poderes de negociação. As CCTs resultam
de negociações lideradas por entidades sindicais de empregados e empregadores. Por isso, incide em
um âmbito muito amplo, respeitadas as bases territoriais. As Convenções criam regras jurídicas, isto
é, preceitos gerais e impessoais dirigidos às relações para o futuro; correspondem à lei em sentido
material, traduzindo ato-regra ou comando abstrato, embora possam existir em seu interior cláusulas
contratuais.
As convenções coletivas de trabalho podem estabelecer direitos mais benéficos aos
trabalhadores, além daqueles normalmente expressos nas leis. Isso é perfeitamente possível e
permitido, pois está alinhado com os ideais da Constituição/88, no sentido de proteger e valorizar o
trabalho humano. Abaixo segue exemplo de CCT na qual estabelece adicional de horas extras
superior ao mínimo constitucional (50%):
“SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMERCIO DE CURITIBA, CNPJ n.
76.586.346/0001-85 e SINDICATO DO COMERCIO ATACADISTA DE MADEIRAS DO PARANA,
CNPJ n. 76.687.615/0001-08, celebram a presente CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO,
estipulando as condições de trabalho previstas nas cláusulas seguintes: (...) CLÁUSULA DÉCIMA
SEGUNDA - ADICIONAL DE HORAS EXTRAS – As horas extras serão pagas, de forma
escalonada, com adicional de 55% (cinquenta e cinco por cento) para as primeiras 20 (vinte)
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
24
mensais, 70% (setenta por cento) para as excedentes de 20 (vinte) e até 40 (quarenta) mensais, e de
85% (oitenta e cinco por cento) para as que ultrapassarem a 40 (quarenta) mensais.”
b) Acordo Coletivo de Trabalho (ACT):
Também resulta de negociações construídas por empresa ou empresas, com efeitos aplicáveis
somente a estas e os trabalhadores envolvidos. Segundo a CLT, é facultado aos Sindicatos
representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas
da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito
da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho (CLT, art. 611 § 1o.). No ACT não é
necessária a presença do sindicato no polo empresarial de contratação, sendo obrigatório apenas
participação do Sindicato obreiro. Vale afirmar, o empregador não precisa estar necessariamente
representado por sindicato.
Como percebido, no Acordo Coletivo de Trabalho o âmbito de abrangência é bem limitado,
restringindo-se apenas aos pactuantes (e não à categoria). Atinge-se apenas os empregados
vinculados à empresa ou empresas que tenham subscrito o diploma, não obrigando as que não
aderiram, nem os seus empregados, ainda que se trate da mesma categoria profissional e econômica.
Exemplo de Acordo Coletivo de Trabalho:
“SINDICATO DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTES RODOVIARIOS DO ESTADO
DO PARANA, CNPJ n. 76.602.366/0001-00, e COTRANS LOCACAO DE VEICULOS LTDA, CNPJ
n. 77.637.684/0001-61, celebram o presente ACORDO COLETIVO DE TRABALHO, estipulando as
condições de trabalho previstas nas cláusulas seguintes: (...) CLÁUSULA QUARTA – REAJUSTE
SALARIAL – A Embrapa reajustará o salário de seus empregados a partir de 01/05/2011, aplicando
sobre os salários vigentes em 30/04/2011 o índice de 6,51% (seis vírgula cinquenta e um por cento).
(...) CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA – FORNECIMENTO DE CAFÉ DA MANHÃ – A Embrapa
fornecerá café da manhã gratuito, no início do primeiro expediente de trabalho, aos empregados
assistentes em atividades de campo, manutenção, laboratório, gráficas e motoristas respeitando a
qualidade, cardápio nutricional e adequação a cada região.”
Tanto os Acordos, como as Convenções Coletivas de Trabalho, não poderão ser estipulados
vigência superior a 2 (dois) anos (CLT, art. 614 § 3o.) e entram em vigor 3 (três) dias após o
protocolo no órgão responsável (normalmente a Delegacia Regional do Trabalho, CLT, art. 614 §
1o.).
Pontue-se que o art. 8º., VI, CF/88, determina a obrigatoriedade a participação dos sindicatos
de empregados nas negociações coletivas. Não foi referido no artigo citado, sindicato de
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
25
empregadores, porque o empregador, por sua própria natureza, já é um ser coletivo.
Em sentido formal, tanto os Acordos como as Convenções Coletivas de Trabalho são pactos de
vontade entre sujeitos coletivos. Os instrumentos coletivos contêm, basicamente, regras jurídicas e
cláusulas contratuais, ou seja, engloba, ao mesmo tempo, dispositivos normativos e dispositivos
obrigacionais; um é de conteúdo normativo, mais relevante e amplo do ponto de vista substantivo; e
o outro de conteúdo meramente obrigacional.
São exemplos de regras jurídicas os preceitos que estipulam benefícios maiores do que a norma
heterônoma (horas extras de 200%, reajustes salariais, etc.). Já as cláusulas contratuais, são aquelas
que criam direitos e obrigações para as respectivas partes (por exemplo, a cláusula que determina à
empresa a entrega ao Sindicato da lista de nomes e endereços de seus empregados).
Assim como as Convenções, os Acordos Coletivos criam regras jurídicas, isto é, preceitos
gerais e impessoais dirigidos às relações ad futurum. Correspondem, com efeito, à lei em sentido
material, traduzindo ato-regra ou comando abstrato, embora possam existir em seu interior cláusulas
contratuais.
Somente tem legitimidade para firmar convenção ou acordo coletivo de trabalho os respectivos
sindicatos de empregados e de empregadores. Quando se tratar de acordo coletivo, a legitimação
pode ser própria e direta em relação aos empregadores. No caso de categoria inorganizadas em
sindicatos, a federação assume a legitimidade para celebrar CCT ou ACT. Se inexistir também a
federação, assume legitimidade a confederação (art. 611, § 2º., CLT).
Importante enfatizar que é inviável a negociação direta, pelos próprios empregados. A CF/88
reconhece apenas ao ente sindical a legitimidade para negociação coletiva. Nesse caminhar, a
Jurisprudência (STF e TST) não tem reconhecido também a legitimidade das centrais sindicais
(CUT, CGT, Força Sindical, etc.), por ausência de previsão legal, pois são entidades que se
sobrepõem à estrutura sindical da CLT como mero fator sociopolítico.
Em relação aos sindicatos de servidores públicos celetistas e respectivos entes públicos
empregadores, o STF também não reconhece a legalidade da negociação coletiva, pois o instituto não
foi estendido a esse campo pela CF/8821
.
c) Regulamento de Empresa:
Também chamado de regimento interno, trata-se de normas empresariais impostas por vontade
21
O direito de greve do servidor público foi reconhecido pela CF/88, no entanto, ainda depende de regularização por
meio de lei específica, o qual não se deu até o dia de hoje. No entanto, em 25/10/2007 o STF concordou que, em casos de
paralisação no funcionalismo público, deve ser aplicada a Lei 7.783/89, que regulamenta as greves dos trabalhadores da
iniciativa privada.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
26
unilateral do empregador. Possuem eficácia, desde que não violem preceitos legais. São normas
gerais de departamentos ou setores que visam melhorar as condições de trabalho, por exemplo, a
proibição do uso de roupas inadequadas, uso do e-mail corporativo para fins particulares, forma de
atendimento ao cliente, etc.
São exemplos de Fontes Heterônomas:
a) Constituição:
Também chamada de “carta maior”, a princípio prevalece sobre todas as demais leis, ou seja,
as normas provenientes de leis comuns somente serão válidas e eficazes desde que não violem o
princípio constitucional estabelecido;
b) Leis:
Lei é toda regra jurídica geral, abstrata, impessoal, obrigatória, oriunda de autoridade
competente (legislativo), podendo ser complementar ou ordinária. No sistema jurídico romano-
germânico (Brasil) a lei é a principal fonte normativa. No caso do Direito do Trabalho, o principal
diploma normativo é o chamado Decreto-lei22
5.452/1943 (Consolidação das Leis do Trabalho).
Porém, existem diversas leis esparsas que também regulam as relações entre o capital e o trabalho,
como exemplo, a Lei do FGTS (Lei 8.036/1990, originada da Lei 5.107/1966), a Lei do Trabalho
Portuário (Lei 8.630/1993), a Lei do) Trabalho Temporário (Lei 6.019/1974), a Lei do Descanso
Semanal Remunerado (Lei 605/1949), a Lei dos Empregados Vendedores Comissionistas (Lei
3.207/1957), entre outras.
c) Tratados e Convenções Internacionais:
Tratados são documentos obrigacionais, normativos e programáticos firmados entre dois ou
mais Estados ou entes internacionais e Convenções são espécies de tratados na qual aderem
voluntariamente seus membros. Ambos são fonte formal do Direito, e devem passar pelo processo de
internalização para que passem, então, a gerar efeitos jurídicos. Ou seja, é necessário que o tratado
passe pelo crivo do Congresso Nacional. Ao ser incorporado, possui status de lei ordinária, ou de
emenda constitucional (no caso dos tratados de Direitos Humanos, segundo art. 5o., § 3o. c/c art. 60,
22
Os Decretos publicados antes da Constituição/88, possuem hierarquia de lei ordinária federal, desde que não colidam
com os princípios e regras consagrados na carta maior.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
27
§ 2o. Constituição/88). Em matéria trabalhista, desde 1919 a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) publica convenções em matéria de regulação trabalhista na qual o Brasil é signatário. Diversos
desses tratados foram internalizados, tais como a Convenção nº. 29 da OIT sobre a abolição do
trabalho escravo ou forçado.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência multilateral ligada à
Organização das Nações Unidas (ONU), especializada nas questões do trabalho. Tem representação
paritária de governos dos 182 Estados-Membros e de organizações de empregadores e de
trabalhadores. A OIT foi criada pela Conferência de Paz após a Primeira Guerra Mundial. A sua
Constituição converteu-se na Parte XIII do Tratado de Versalhes, originada de um anexo do mesmo.
A ideia de uma legislação trabalhista internacional surgiu como resultado das reflexões éticas e
econômicas sobre o custo humano da Revolução Industrial. As raízes da OIT estão no início do
século XIX, quando os líderes industriais Robert Owen e Daniel le Grand apoiaram o
desenvolvimento e harmonização de legislação trabalhista e melhorias nas relações de trabalho.
d) Decretos:
O Decreto aproxima-se da lei em sentido material, mas distancia-se em sentido formal, pois é
expedido pelo Executivo, o regulamento serve à lei, especificando-a (art. 84, VI Constituição/88).
Exemplo: Decreto 57.155/65 regulamentando a lei instituidora do 13o. Salário (Lei 4.090/62).
e) Portarias e Instruções:
A rigor, não podem ser considerados como fontes formais, pois são limitados apenas aos
funcionários a que se dirigem, contudo, podem gozar dessa qualidade (fontes) desde que referidos
pela lei ou decreto. Exemplo: Normas de Saúde e Segurança do Trabalho. São as Portarias do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que indicam o grau de tolerância aos agentes físicos,
químicos e biológicos (art. 193 CLT).
f) Sentença Normativa:
A Sentença Normativa é um dos resquícios mais marcantes da Era Vargas. Proferida pela
Justiça do Trabalho em processos de dissídio coletivo23
, não traduz a aplicação de norma como a
23
O dissídio coletivo é uma espécie de ação coletiva conferida a determinados entes coletivos, geralmente os sindicatos,
para a defesa de interesses cujos titulares materiais não são pessoas individualmente consideradas, mas sim grupos ou
categorias econômicas, profissionais ou diferenciadas, visando à criação ou interpretação de normas que irão incidir no
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
28
sentença comum, mas expressa a própria criação da norma jurídica pelo Poder Judiciário que,
quando da disputa entre reajuste salarial, por exemplo, pode definir por meio de decisão o índice de
reajuste para a categoria. Segundo Saad24
, tal instrumento tem por finalidade fixar novas normas e
condições de trabalho. A característica fundamental dessa sentença é a normatividade. Atribui-lhe
caráter constitutivo, vez que nela se criam novas condições de trabalho e, como as demais sentenças,
tem natureza declaratória.
Segundo o TST (Regimento Interno, art. 216), os dissídios coletivos podem ser: (i) de natureza
econômica, para a instituição de normas e condições de trabalho; (ii) de natureza jurídica, para
interpretação de cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos
e convenções coletivas, de disposições legais particulares de categoria profissional ou econômica e
de atos normativos; (iii) originários, quando inexistentes ou em vigor normas e condições especiais
de trabalho decretadas em sentença normativa; (iv) de revisão, quando destinados a reavaliar normas
e condições coletivas de trabalho preexistentes que se hajam tornado injustas ou ineficazes pela
modificação das circunstâncias que as ditaram; e (v) de declaração sobre a paralisação do trabalho
decorrente de greve dos trabalhadores.
Cabe aduzir que o dissídio coletivo é uma forma de solução do conflito coletivo de trabalho,
ressaltando que a Constituição/88, em seu artigo 114, determina que “recusando-se qualquer das
partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo,
podendo a Justiça estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais
mínimas de proteção ao trabalho”. Entende Moraes Filho25
que a sentença normativa é classificada
no mesmo nível da convenção coletiva, como sua substituta natural, com a mesma finalidade e com
os mesmos princípios jurídicos. Assevera, ainda, que tal substituição ocorre quando aquela torna-se
impossível ou não é realizada. Trata-se, então, de pressuposto de admissibilidade do dissídio de
caráter econômico, o esgotamento de todas as medidas correspondentes à formalização da convenção
ou acordo respectivo.
É condição sine qua non a negociação coletiva prévia frustrada, conforme previsão
constitucional, para que o dissídio coletivo seja conhecido e resulte na sentença normativa
perseguida.
Depreende-se que a sentença normativa produz efeitos que se traduzem em declaração e constituição
de regras e direitos atinentes a uma determinada classe trabalhadora.
âmbito dessas mesmas categorias. In: Carlos Henrique Bezerra Leite. Curso de Direito Processual do Trabalho. São
Paulo: LTr, 2009. p.965. 24
SAAD, Eduardo Gabriel. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 667. 25
MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 727.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
29
g) Normas Regulamentadoras (NRs):
Normas regulamentadoras são atos administrativos expedidos periodicamente pelo Ministério
do Trabalho e Emprego os quais fornecem as diretrizes aos empregados e principalmente
empregadores sobre procedimentos obrigatórios relativos à segurança e medicina do trabalho. Foram
aprovadas pela Portaria n.° 3.214/1978, são de observância obrigatória por todas as empresas
brasileiras (Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, CLT).
Atualmente, o Brasil possui 36 (trinta e seis) NRs:
NR 1 Disposições Gerais
NR 2 Inspeção Prévia
NR 3 Embargo ou Interdição
NR 4 Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho
(SESMT)
NR 5 Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA)
NR 6 Equipamento de Proteção Individual
NR 7 Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
NR 8 Edificações
NR 9 Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
NR10 Instalações e Serviços em Eletricidade
NR 11 Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais
NR 12 Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos
NR 13 Caldeiras e Vasos de Pressão
NR 14 Fornos Industriais
NR 15 Atividades e Operações Insalubres
NR 16 Atividades e Operações Perigosas
NR 17 Ergonomia
NR 18 Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção
NR 19 Explosivos
NR 20 Líquidos Combustíveis e Inflamáveis
NR 21 Trabalhos a céu aberto
NR 22 Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração
NR 23 Proteção contra incêndios
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
30
NR 24 Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho
NR 25 Resíduos Industriais
NR 26 Sinalização de Segurança
NR 27 Registro Profissional do Técnico de Segurança do Trabalho no Ministério do
Trabalho
NR 28 Fiscalização e Penalidades
NR 29 Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário
NR 30 Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário
NR 31 Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária Silvicultura,
Exploração Florestal e Aquicultura
NR 32 Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde
NR 33 Segurança e Saúde no Trabalho em Espaços Confinados
NR 34 Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção e
Reparação Naval
NR 35 Trabalho em Altura
NR 36 Norma Regulamentadora sobre Abate e Processamento de Carnes e Derivados
h) Princípios:
“Princípio” significa a proposição lógica fundamental no qual se baseia o raciocínio. Atuam
como enunciados que refletem e informam as práticas individuais e sociais correspondentes. O
fundamento da regra jurídica (princípio) traz a correta percepção do porquê, do sentido de
determinada norma jurídica existir. Contudo, os princípios não são axiomas absolutos e imutáveis,
uma vez que são sínteses de orientações essenciais assimiladas por ordens jurídicas em determinada
época e contexto histórico.
Os princípios servem como verdadeira inspiração ao legislador, servindo de fundamento para o
ordenamento jurídico e atuando, também, como proposições de direção coerente na interpretação da
regra de Direito. Importante destacar ainda, que os princípios possuem função normativa própria,
segundo teoria desenvolvida por consagrados juristas (Paulo Bonavides, JJ. Canotilho, Dworkin e
Norberto Bobbio, etc.). Isso quer dizer que também possuem natureza de norma jurídica efetiva, e
não simples enunciado programático. Vale afirmar, o caráter normativo nas regras jurídicas
integrantes dos clássicos diplomas jurídicos (Constituição, Leis, etc.) está presente, também, nos
princípios gerais do Direito e, em especial, nos Princípios específicos do Direito do Trabalho, pois,
em face do poder econômico do empregador, a razão principiológica é amplamente protetiva.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
31
Como todo contrato entre partes, a relação jurídica trabalhista entre empregado e empregador
também está sujeita aos princípios gerais do Direito, cumprindo o relevante papel de assegurar a
organização e coerência no sistema. São exemplos de princípios gerais aplicáveis: a) Princípio da
Inalterabilidade dos Contratos; Principio que norma posterior revoga norma anterior; Princípio da
Lealdade e Boa-fé Objetiva; Princípio da Dignidade da Pessoa; Princípio da Não-discriminação; etc.
Evidente que estes princípios gerais sofrem uma adequada compatibilização com os princípios
e regras próprias do Direito do Trabalho, uma vez que sua estrutura normativa deste ramo protetivo
se constrói a partir da constatação da grande diferenciação social, econômica e política entre
trabalhadores e empregadores. A considerar que o empregado aliena sua capacidade física e
intelectual ao empregador em troca de um salário (leia-se sobrevivência), tornou-se necessário a
eleição de princípios especiais que atuassem nessa relação extremamente desigual, conforme a
seguir:
h.1) Princípio da Proteção, que se desdobra em outros dois subprincípios, o princípio da
norma mais favorável e o princípio da condição (cláusula) mais benéfica. No primeiro, deve-se optar
pela regra mais favorável ao trabalhador, sempre quando existir (i) o confronto entre regras
concorrentes (duas ou mais regras aplicáveis ao caso) e (ii) na interpretação das regras jurídicas (uma
regra e vários sentidos possíveis); o segundo, se revela na garantia de preservação, ao longo do
contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste de caráter de direito
adquirido (art. 5º., XXXVI, CF/88). Em outras palavras, as cláusulas contratuais benéficas, somente
poderão ser suprimidas caso suplantadas por cláusula posterior ainda mais favorável.
h.2) Princípio da Inalterabilidade Contratual Lesiva, os quais revelam que alterações
contratuais favoráveis ao empregado são naturalmente permitidas (art. 468, CLT), porém, os acordos
(individuais) firmados pelas partes não podem ser unilateralmente (e lesivamente) modificadas pelo
empregador, principalmente cláusulas básicas do contrato de trabalho, tais como, jornada, salário,
função e remuneração. A razão lógica deste princípio é que, na relação capital – trabalho, o risco do
empreendimento coloca-se sob o ônus do empregador, jamais sobre o empregado. Modificações
econômicas e monetárias advindas de planos econômicos ou mudanças drásticas na política cambial,
não são acolhidos como excludentes ou atenuantes da responsabilidade trabalhista do empregador
(CLT, art. 2o., caput). São raras as exceções, como, por exemplo, a reversão ao cargo efetivo (CLT,
art. 468 parágrafo único) ou redução salarial por norma coletiva negociada (art. 7., inc. VI, CF/88).
h.3) Princípio da Imperatividade das Normas Trabalhistas: as regras justrabalhistas são
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
32
essencialmente imperativas, não podendo, de maneira geral, serem afastadas pela simples
manifestação de vontade das partes. Não há a possibilidade, por exemplo, do trabalhador assinar um
contrato com a empresa na qual se reconheça que o estatuto a ser aplicado será o Código Civil e não
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
h.4) Princípio da Irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, possui íntima relação com o
princípio da imperatividade, revelando-se na impossibilidade do empregado despojar-se dos direitos
provenientes da CLT por simples manifestação de vontade. As vantagens oriundas da lei não podem
ser renunciadas em troca de outros benefícios oferecidos pelo empregador, mesmo que
aparentemente mais vantajosos. Por exemplo, não é facultado ao trabalhador optar por um salário
maior tendo como contrapartida a não assinatura da sua Carteira de Trabalho, ou ainda, vender a
totalidade do Direito às Férias ao empresário.
h.5) Princípio da Continuidade da Relação de Emprego: trabalhador empregado, com registro
em carteira e salário digno é o melhor notícia para a economia de um país. Com renda, o empregado
atende suas necessidades e de sua família, recolhe impostos (INSS, I.R., etc.), e fica longe dos
benefícios assistenciais do governo. Portanto, é de interesse do Direito do Trabalho a permanência do
vínculo de emprego, por isso, se não estipulado, o contrato de trabalho será sempre por tempo
indeterminado. Apesar de previsto, os vínculos de curta duração (também chamados contratos a
termo), são exceção à regra e somente podem ser utilizados nas hipóteses restritas previstas em lei
(trabalho temporário: acréscimo extraordinário de serviços ou substituição de pessoal regular e
permanente).
h.6) Princípio da Intangibilidade Contratual Objetiva: revele-se na sucessão de empregadores,
pois a mudança no polo passivo do contrato de emprego não pode lesar ou prejudicar os contratos de
trabalho ora existentes. Vale dizer, o conteúdo do contrato de trabalho não pode ser modificado,
mesmo na ocorrência de efetiva mudança no plano do sujeito empresarial, como, por exemplo, em
fusões, aquisições, cisões, etc., (CLT, artigos 10 e 448).
h.7) Princípio da primazia da Realidade sobre a Forma: um dos princípios mais importantes
do Direito do Trabalho. Nele, deve-se observar mais a intenção dos agentes do que o envoltório
formal através de que transpareceu a vontade. Ou seja, é necessário pesquisar, preferencialmente, a
prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade
manifestada pelas partes. A prática habitual, na qualidade de uso, altera o contrato pactuado, gerando
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
33
direitos e obrigações novos aos contratantes. Por exemplo: se a empresa contrata o trabalhador como
“autônomo”, este contrato será nulo se, durante a prestação, os serviços se revelarem, na prática, com
traços de habitualidade, pessoalidade, onerosidade e principalmente, subordinação. Na hipótese,
haverá a descaracterização da relação civil de prestação de serviços, para a configuração de uma
típica relação de emprego (CLT, art. 442). Tudo isso, independente do que foi assinado ou estipulado
em contrato escrito. Costuma-se dizer que o contrato de trabalho é um “contrato realidade” (Mário de
La Cueva) e que estipulações formais não podem afastar os direitos consagrados na CLT e na
Constituição/88.
h.8) Princípio da Intangibilidade Salarial. O salário é alvo de garantias diversificadas da
ordem jurídica, de modo a assegurar o seu valor, montante e disponibilidade ao empregado. Isso
decorre do seu caráter alimentar, que atende às necessidades essenciais do ser humano. Este preceito
se diversifica em outros subprincípios que também visam proteger o trabalhador de abusos. Para
tanto, a ordem jurídica estabelece as seguintes salvaguardas quanto ao salário: Garantia de valor (art.
7., inc. VI, CF/88); Irredutibilidade salarial (art. 7., inc. VI, CF/88 ); Garantias contra práticas que
prejudiquem seu efetivo montante (art. 462 da CLT); Garantias contra interesses contrapostos de
credores ou constrições externas, exceto pensão alimentícia (art. 649, CPC), entre outros.
Mas diante desta enorme pluralidade de fontes jurídicas (leis, decretos, convenções coletivas,
tratados, etc.), como saber quais delas aplicar na relação trabalhista? Para isso, o Direito do Trabalho
possui uma forma muito peculiar de resolução de conflitos entre normas. É o que será abordado a
seguir.
CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DAS FONTES NO DIREITO DO TRABALHO
Quando duas ou mais normas jurídicas podem ser aplicadas ao mesmo caso, ou quando
regulamentam de modo diferente a mesma situação, pode-se resolver este conflito mediante a
aplicação do critério hierárquico. A fixação de uma ordem como a hierarquia confere
sistematicidade e coerência ao Direito.
No Direito Comum, os diplomas normativos classificam-se hierarquicamente segundo sua
maior ou menor extensão de eficácia ou segundo sua maior ou menor intensidade criadora do
Direito, da seguinte forma:
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
34
Essas qualidades são concentradas na Constituição Federal (CF) e, em grau menor, nos
diplomas normativos de caráter inferior. Esses dois critérios informam os princípios da
constitucionalidade e da legalidade (critérios de hierarquia rígidos e inflexíveis do Direito Comum).
Em outras palavras, no critério hierárquico, prevalece o diploma normativo mais importante, ou seja,
entre a Lei ordinária (Código Civil, Código Penal, por exemplo) e a Portaria, a Lei ordinária sempre
irá se sobrepor.
Porém, no Direito do Trabalho, o critério informador da pirâmide hierárquica é distinto do
rígido e inflexível padrão do Direito Comum. No ramo justrabalhista não se deve, a princípio, falar
em hierarquia de diplomas normativos, mas em hierarquias de regras jurídicas. Como relatado, o
Direito do Trabalho é composto por um amplo universo de normas oriundas de fontes autônomas
(privadas) e heterônomas (estatais). Isso porque, o caráter hegemônico direcionador do Direito do
Trabalho manifestado no princípio da norma mais favorável não é compatível com a rígida estrutura
piramidal do Direito Comum, pelo caráter essencialmente finalístico (teleológico) desse ramo do
Direito, que é a proteção da parte mais frágil do contrato, no caso, o trabalhador.
Por isso, no Direito do Trabalho a pirâmide normativa é dinâmica, e se constrói de modo
plástico e variável. Elege-se em seu vértice dominante a norma que mais se aproxime do seu caráter
teleológico (melhoria das condições de vida do trabalhador), dessa forma:
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
35
Pirâmide justrabalhista
Norma mais favorável
Significa afirmar que, no vértice da pirâmide, pode ou não estar a Constituição Federal ou a
Consolidação das Leis Trabalhistas, necessariamente. Aplica-se a norma mais favorável para o
trabalhador, que prevalecerá sobre as demais, sem derrogação permanente, mas mero preterimento.
RELAÇÃO DE EMPREGO
Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), considera-se empregado toda pessoa
física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e
mediante salário. Por sua vez, considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de
serviço (artigos 2º. e 3º.). Segundo a Constituição, não pode haver distinções relativas à espécie de
emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
No entanto, os preceitos constantes na CLT, salvo quando expressamente determinado em
contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os
que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas;
b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à
agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos
respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou
comerciais; c) aos funcionários públicos da União, dos Estados e dos Municípios e aos respectivos
extranumerários em serviço nas próprias repartições; d) aos servidores de autarquias paraestatais,
desde que sujeitos a regime próprio de proteção ao trabalho que lhes assegure situação análoga à dos
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
36
funcionários públicos; e) para os prestadores de serviços (profissionais autônomos) em geral, cujo o
contrato é disciplinado pelas normas gerais do Código Civil.
Pontue-se que os trabalhadores contratados mediante vínculo precário com a administração
pública, não possuem direito ao vínculo de emprego em virtude da barreira intransponível do artigo
37 da Constituição Federal que exige a aprovação em concurso público, com exceção do servidor
celetista que é empregado como qualquer outro, tendo como empregador a pessoa jurídica de direito
público.
Desse modo, apesar do Direito do Trabalho estipular diversos direitos sociais, tais como,
Férias, 13º. Salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), Repouso Semanal
Remunerado, etc., estes somente são reconhecidos a quem é enquadrado pela lei como “empregado”,
ou seja, àquele que trabalha mediante o preenchimento dos requisitos da pessoa física, pessoalidade,
não-eventualidade, onerosidade e dependência (subordinação). Mesmo sem o registro em Carteira de
Trabalho, se somados todas estas condições, pelo princípio da primazia da realidade, o trabalhador
terá direito ao vínculo de emprego. Se não for reconhecido espontaneamente perante o empregador, o
trabalhador poderá ingressar com ação na Justiça do Trabalho. Mas o que significa cada um dos
requisitos do vínculo?
O trabalho prestado por pessoa física (e jamais pessoa jurídica), no Direito do Trabalho,
significa que a pactuação é aquela assumida por uma pessoa, ou seja, o empregado. A pessoalidade,
apesar de ser uma figura próxima com o pressuposto “trabalho prestado por pessoa física”, com esta
não se confunde. Revela-se na impossibilidade do indivíduo se fazer substituir no decorrer do pacto
laborativo, trazendo o caráter de infungibilidade do trabalhador. Por isso se afirma que a relação
jurídica de emprego deve ser cumprida intiutu personae com respeito ao prestador de serviços.
Ilustrativamente, não pode o empregado chamar seu irmão gêmeo para realizar o trabalho durante
uma semana. A norma, contudo, admite pequenas exceções, como é o caso de uma substituição
eventual consentida (tal fato está dentro do princípio da colaboração inerente ao contrato de
trabalho), ou as hipóteses previstas em lei, tais como férias, licença-gestante, afastamento para
cumprimento de mandato de dirigente sindical, etc.26
Ressalte-se que a pessoalidade é a marca do
empregado. O empregador, por sua vez, não possui tal característica no Direito do Trabalho em face
do princípio da despersonalização (art. 10 e 448 CLT). Tal situação visa proteger a parte mais fraca
da relação contratual nos casos de alteração da estrutura jurídica da empresa, como, por exemplo,
fusões ou aquisições ou até mesmo quando contratado por entidades beneficentes.27
26
Ibidem, p. 249. 27
CLT. Art. 3º. § 1º. “Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais
liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
37
Outro elemento importante na relação de emprego, é a não-eventualidade, ou seja, que a
atividade prestada pelo tomador tenha o caráter de permanência, não se qualificando como trabalho
esporádico. Isto significa que a legislação trabalhista, a rigor, não irá incidir sobre o trabalho
eventual, mesmo que tal trabalho seja mediante subordinação. A eventualidade, no entender celetista,
não traduz intermitência, por isso, se o trabalho é descontínuo (como o de um garçom que trabalha
apenas nos finais de semana, por exemplo), mas permanente (isto é, com o intuito de permanecer e
continuar no emprego) caracteriza-se a não-eventualidade e, por sua vez, a relação de emprego.
O contrato de trabalho é compreendido como um contrato de duração, ou seja, de trato
sucessivo, diferentemente dos contratos que terminam em um único ato, como os de compra e venda,
ou seja, entregue a coisa e pago o preço, finaliza-se a relação obrigacional. No contrato de trabalho
caracteriza-se por ser uma relação de débito e crédito permanente, ou seja, se prolonga no tempo.
Araújo, por sua vez, sustenta que a continuidade ou não-eventualidade pode ser vista sob vários
aspectos, eis que o contrato de trabalho pressupõe a própria continuidade do trabalho, devendo
corresponder a uma necessidade objetiva permanente e, no plano subjetivo, a expectativa das partes
no cumprimento das obrigações assumidas.28
O caráter sinalagmático da relação de emprego traz, de um lado, a possibilidade de o tomador
exigir a prestação de trabalho de acordo com suas ordens e comandos; de outro lado, ao empregado,
a contraprestação do salário. Em outras palavras, a relação de emprego tem um profundo caráter
econômico-social. Esta contrapartida econômica em benefício do empregado é consubstanciada no
salário ou no conjunto de parcelas que compõem sua remuneração (onerosidade). A ausência de tal
elemento, desse modo, faz emergir o trabalho voluntário que não se consubstancia em relação de
emprego. Para Dallegrave Neto29
, por ter uma natureza alimentícia, o salário apresenta todo um
aparato principiológico que o protege: irredutibilidade (art. 7º., VI, CF/88)30
; intangibilidade (art.
462, CLT)31
; impenhorabilidade (art. 649, inciso IV, CPC)32
; crédito preferencial (art. 449, CLT)33
.
Por fim, e considerado o elemento principal que distingue o contrato de emprego – e
consequentemente o empregado –, dentre todos os requisitos ora apresentados é a “dependência”
admitirem trabalhadores como empregados”. Art. 448. “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa
não afetará os contratos de trabalhos dos respectivos empregados”. 28
ARAÚJO, Francisco Rossal de. A continuidade da relação de emprego. Revista Síntese Trabalhista, Porto Alegre, nº.
95, maio/1997. p. 25. 29 DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Contrato Individual de Trabalho: uma visão estrutural. São Paulo: LTr, 1998. p. 62. 30 CF/88. Art. 7º. “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) VI
- irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. 31 CLT. Art. 462. “Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de
adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo”. 32 CPC. Art. 649. “São absolutamente impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos
de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor
e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo”. 33 CLT. Art. 449. “Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução
da empresa”.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
38
(subordinação) que possui maior destaque dentre os elementos formadores da relação de emprego. A
realização dos serviços com ou sem subordinação é que determinará o enquadramento legal, se
empregado ou trabalhador “autônomo” (não-empregado), pois o trabalho pode ser pessoal, não-
eventual e oneroso e, ainda assim, não se tratar de uma relação de emprego.
Subordinação deriva de sub (baixo) e ordinare (ordenar) e traduz a noção etimológica de
estado de dependência ou obediência em relação a uma hierarquia de posição ou valores. No Direito
do Trabalho, a dependência consolidou-se na interpretação dominante sob um prisma objetivo: ela
atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador.34
Na interpretação
predominante, vigora a noção de subordinação-controle (ou subordinação subjetiva), ou seja, a
dependência é a situação jurídica derivada do contrato de trabalho, na qual o empregado,
compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de
serviços. Vale afirmar, limita-se a autonomia da vontade para transferir ao empregador o poder de
direção sobre a atividade de trabalho do empregado.
Para Nascimento, subordinação “é a situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da
limitação contratual da autonomia de sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de
direção sobre a atividade que desempenhará”35
, entendimento próximo ao de Fernandes.36
A
subordinação jurídica não incidiria sobre toda a pessoa do empregado, como um tutelado ou
curatelado, mas, sobre a matéria do serviço, devendo o indivíduo se subordinar somente às ordens
pertinentes a esta prestação, decorrentes licitamente do poder de direção do empregador ou da
organização interna da empresa. Delgado37
afirma que a “subordinação jurídica” é o elemento de
maior diferenciação entre a relação de emprego e o segundo grupo mais relevante de fórmulas de
contratação de prestação de trabalho no mundo contemporâneo (as diversas modalidades de trabalho
autônomo). Decompondo seus elementos constitutivos, trata Antônio Menezes Cordeiro que o
trabalho subordinado:
34 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 303. Este entendimento, porém, não está
imune a criticas, pois no Direito do Trabalho são inseparáveis o sujeito (empregado) do objeto da prestação (trabalho); ambos se confundem.
Não há como adquirir o trabalho como se fosse uma coisa material qualquer; o trabalho é algo intangível e imaterial e, por isso, só tem
utilidade e valor com as capacidades pessoais do indivíduo (criatividade, dedicação, interesse, pró-atividade, compromisso, responsabilidade,
etc.). 35 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 1989. p. 103. 36 Para Fernandes, “... a subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na
execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das
normas que o regem. In: FERNANDES Antônio Monteiro. Direito do Trabalho. 11. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 131. 37 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 301-302.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
39
... implica uma prestação; não se trata pois de uma coisa corpórea, nem de um bem intelectual
(...); em causa está um comportamento humano, numa situação que se adivinha rica em
consequências jurídicas; - redunda numa prestação de facere; opõe-se, deste modo, às
prestações de dare, de non facere ou de pati, o que é dizer: implica uma atividade positiva, por
oposição à entrega de uma coisa, à simples abstenção ou à necessidade de suportar uma
atuação que, em princípio, não seria permitida; - requer um atividade heterodeterminada, isto é,
um desempenho cujo conteúdo preciso, ainda que com naturais limites, ser unilateralmente fixado
por outra pessoa. 38
Nesse sentido, considerando que o contrato de trabalho é um acordo de vontades, na qual o
empregado se obriga a executar de modo contínuo uma prestação de trabalho, e o empregador a
determinar qual será sua obrigação a cumprir, Romita também observa que esta obrigação pode ter por
objeto qualquer tipo de prestação que represente um facere, ou seja, o elemento da atividade do
empregado é indiferente, não sendo o gênero de atividade que serve para afirmar se se trata, ou não, de
um contrato de trabalho.39
Somente o modo pelo qual determinada atividade humana é desenvolvida em
proveito de outrem, é que apresenta relevo para se concluir pela existência de um contrato de trabalho. Este
modo como se desenvolve a atividade é o trabalho dependente – sendo o objeto da principal obrigação do
empregado. Como esclarece Passarelli:
A relação jurídica de trabalho forma um complexo no qual os poderes e deveres de natureza
diferente gravitam em torno das duas obrigações recíprocas, que imprimem a esta relação,
natureza essencialmente obrigacional: a obrigação que tem por objeto a prestação de
trabalho, consistente tipicamente em um facere; e a obrigação que tem por objeto principal a
prestação da remuneração, concretizada num dare. Ônus e obrigações acessórias e
correspondentes pretensões; poder de supremacia e correspondentes sujeições constituem
semelhantes deveres e poderes, que, permanecendo distintos do débito e do crédito de trabalho
ou de remuneração, compõem, entretanto, necessariamente, as respectivas posições do
empregado e do empregador. Todo contrato de trabalho, pois, gera o estado de subordinação
(status subiectionis) do empregado, isto é, do trabalhador que, assim, se deve curvar aos
critérios diretivos do empregador, suas disposições quanto ao tempo, modo e lugar da
38 CORDEIRO, Antônio Menezes. Manual de direito do trabalho. Coimbra: Almedina, 1997. p. 15-16. 39 ROMITA, Arion Sayão. A subordinação no contrato de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 22.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
40
prestação, suas determinações quanto aos métodos de execução, usos e modalidades próprios
da empresa, da indústria ou do comércio. 40
Acrescenta-se, ainda, segundo Errázuriz41
, que a subordinação jurídica se materializa através de
diversas manifestações concretas, tais como: a) continuidade de serviços prestados em determinado
estabelecimento; b) cumprimento de um horário de trabalho, ou seja, a supervigilância no desempenho
das funções; c) obrigação de cumprir as instruções emanadas do empregador, etc. Já para Mazzoni42
, os
aspectos consolidados da dependência no contrato de trabalho podem ser delimitados, segundo as
seguintes bases teóricas: a) a inseparabilidade da prestação do trabalhador devido ao caráter
essencialmente pessoal da subordinação; b) o direito do empregador de exigir a execução do trabalho
de maneira geral ou por unidade, definindo o conteúdo de cada prestação; c) a sujeição do
trabalhador ao controle do empregador para que a execução resulte segundo as diretivas fixadas; d) a
possibilidade da empresa sancionar possíveis falhas (violações do contrato). Por conseguinte, o
trabalho dependente assume a forma de uma “relação hierárquica” entre empregador e trabalhador,
em que existe uma assimetria de poderes entre as partes, reconhecida pelo sistema jurídico, mas
equilibrada, simultaneamente, por um sistema complexo de proteção dos trabalhadores.43
Assim, consolidou-se na doutrina e na jurisprudência que a caracterização da relação de
emprego se revelaria necessariamente no modo, na forma, no desenrolar da prestação de serviços, ou
seja, no submetimento do trabalhador, de forma clara, límpida e “quase-intuitiva”44
, a uma disciplina
e organização hierárquica rígidas, na qual o empregado alienaria sua capacidade física, psíquica e
intelectual ao empregador que detém o poder diretivo, ou seja, dirige a prestação pessoal dos
serviços. Em outras palavras, a dependência seria o estado de subordinação jurídica-hierárquica do
empregado em relação ao tomador de serviços, in casu, o empregador, autorizado, tão somente, por
um contrato de trabalho. Em virtude desse vínculo de subordinação, “nasce o dever de obediência do
empregado às ordens emanadas do empregador, decorrente não de uma posição de superioridade
deste, mas, sim, por ser o empregador credor do trabalho prestado pelo empregado”45
.
A atividade do empregado de se deixar comandar pelo poder diretivo reside também no
aspecto fático de que o objeto da prestação é totalmente indeterminado, por isso, justificando o dever
jurídico de obedecer ao comando. Nesse caminhar, Robert Castel ressalta que o pressuposto
40 PASSARELLI, Giuseppe Santoro. Nozioni di diritto del Lavoro. 6. ed. 1952, p. 139 in GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson.
Curso de direito do trabalho. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 130-131. 41 ERRÁZURIZ, Francisco Walker. Derecho de las relaciones laborales. Santiago de Chile: Editoral Universitária, 2003. p. 264. 42 MAZZONI, Giuliano. Manuale dei diritto del lavoro. Milano: Giuffrè, 1977. p. 234. 43 PERULLI, Adalberto. Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais. Parlamento Europeu, sala PHS 3C50, Bruxelas, 19 de jun.
2003. p. 07. 44 Expressão de GOLDIN, Adrián O. Las Fronteras de la Dependencia. Relaciones Laborales, Madrid, nº. 3/12, p. 30 et seq. 45 GONÇALVES, Simone Cruxên. Limites do jus variandi do empregador. São Paulo: LTr, 1997. p. 38.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
41
institucional escolhido pelo Direito, ou seja, a “chave” para abrir o rol de prerrogativas de proteção
social, é a existência de um contrato de trabalho. Segundo menciona, este instituto jurídico é o centro
de todo um vocabulário institucional que liga a ideia de tutela social à condição de empregado. A
relação de emprego, portanto, é a porta de entrada para todos os benefícios sociais, desde a criação
de direitos por via legislativa, passando pela Previdência Social, até a articulação entre a ação
sindical e os indivíduos trabalhadores.46
Por conseguinte, “ser empregado significa estar incluído no
âmbito das políticas públicas e das negociações entre empregados e empregadores; e estar
desempregado ou trabalhando sob outro regime jurídico, significa estar excluído”47
. Por certo que a
assertiva não é completamente verdadeira, pois algumas profissões regulamentadas (Representantes
Comerciais, por exemplo) gozam de garantias contratuais melhores do que o trabalhador “autônomo”
em geral. Porém, nota-se que o rol direitos a esses profissionais liberais são muito menores se
comparados com um trabalhador empregado que possui FGTS, Férias, 13º. Salários, Descanso
Semanal Remunerado, Estabilidade Provisória, dentre outros.48
Ademais, o profissional que atua no
mercado como “autônomo” assume a responsabilidade do exercício dos seus atos. Isso significa que
o indivíduo entra em um terreno no qual suas atitudes técnicas podem ser potencialmente
responsabilizadas. Nesse sentido, destaca Efing:
Atuando na “sociedade de consumo”, mediante remuneração, o prestador de serviços
responde de forma absoluta (com exceção da atuação do profissional liberal, cuja
responsabilidade é subjetiva) e solidária com os demais agentes econômicos envolvidos na
prestação de serviços, como no fornecimento de materiais e equipamentos que viabilizem o
exercício de sua atividade. Ademais, a responsabilidade do prestador de serviços segundo as
regras do Código de Defesa do Consumidor pode ser por vício do serviço (cuja solução é mais
simples e caracteriza-se por defeito intrínseco) ou por fato do serviço (que se caracteriza por
defeito cuja repercussão danosa é extrínseca e afeta a incolumidade física, psíquica ou
econômica do consumidor). Desta forma, deixando de ser empregado (com elevada proteção
constitucional) e passando a ser prestador de serviços, o indivíduo sujeita-se ao sistema
altamente responsabilizador (por previsão constitucional), assumindo diversas obrigações
46 CASTEL, Robert. As Metamorfoses da Questão Social. Petrópolis: Vozes, 1998, passim e CASTEL, Robert. La montée des
incertitudes: travail, protections, statut de l'individu. Paris: Seuil, 2009, passim. 47 RODRIGUEZ, José Rodrigo. As gramáticas da proteção social e suas implicações para o desenho de políticas públicas. Artigos
Direito GV no. 47, p. 02-15, São Paulo, mar./2010. p. 05. 48 Em contraposição, poderia se afirmar que o Representante Comercial e alguns outros “autônomos” não gozam dos mesmos direitos
porque “potencializam” seus ganhos. No entanto, sob certo ponto de vista, não se concorda com a assertiva porque a garantia
proporcionada pelo vínculo empregatício outorga ao trabalhador não apenas direitos que se consubstanciam em uma renda melhor, tais
como horas extras, mas uma possibilidade de segurança maior em matéria social, decorrente de um conjunto de políticas públicas,
proporcionadas apenas via registro em carteira, como, por exemplo, o saque do FGTS em situações especiais previstas no art. 20 da
Lei nº. 8.036/1990.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
42
legais. Ressalte-se que se encontra o prestador, inclusive, passível de responder com seus bens
pessoais pelos danos causados.49
Observa-se que a inserção no sistema de proteção característico da sociedade brasileira é
garantida pela manutenção do status de empregado, que se encontra, por sua vez, indissociável do
critério da dependência. Da mesma forma, o financiamento das despesas com o sistema de proteção
advém, em grande parte, desta mesma estrutura institucional, pois faz depender a arrecadação das
contribuições previdenciárias de empregados e empregadores diante da existência de relações de
emprego.50
Entretanto, as bases do Direito do Trabalho, edificadas em seu aspecto central na subordinação,
não se encontram hermeticamente isoladas da pressão dos fatos51
, pois as mudanças estruturais
ocorridas nos padrões produtivos dos últimos sessenta anos traz dificuldades de enquadramento de
determinados trabalhadores. Isso porque muitos profissionais não gozam das características do típico
empregado (trabalhador operário industrial), fato que lhes negariam a tutela pertinente. Não é
forçoso concluir: ausente a dependência (via subordinação jurídica), não há contrato de emprego, e
por sua vez, não há proteção social.
Em tese, a problemática surge a partir do aparecimento de novas formas de labor no mundo
contemporâneo baseadas em modelos absolutamente diversos do formato original de “emprego”.
Hipoteticamente esses novos modos de vinculação ao objeto trabalho valorizam a polivalência
funcional, a autonomia técnica, o trabalho intermitente e a especialização de serviços, com o
desprestígio do padrão fordista/taylorista tradicional. As formas de trabalho integradas na empresa
tendem a perder espaço e passam a ocupar cada vez mais o local situado na zona “cinzenta” entre o
emprego e o não-emprego. Para Romita, inúmeros modos de trabalho não são compreendidos na
tradicional dicotomia, e vários trabalhadores acabam enquadrados como tertium genus (terceiro
elemento), qual seja, o trabalho “coordenado”, sendo este fenômeno, em tese, reflexo de uma
realidade social cada vez mais complexa, as quais apresentam situações contratuais ambíguas.52
49 EFING, Antônio Carlos. Prestação de serviços: uma análise jurídica, econômica e social a partir da realidade brasileira. São
Paulo: RT, 2005. p. 68. 50 CASTEL, Robert. As Metamorfoses da Questão Social. Petrópolis: Vozes, 1998, passim e CASTEL, Robert. La montée des
incertitudes: travail, protections, statut de l'individu. Paris: Seuil, 2009, passim. 51 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. O Alargamento das Fronteiras do Direito Individual do Trabalho. Revista LTr, vol. 72, nº. 07, p.
775-781, São Paulo, jul./2008. p. 776. 52 ROMITA, Arion Sayão. A Crise da Subordinação Jurídica — Necessidade de Proteção a Trabalhadores autônomos e
Parassubordinados. Revista LTr, São Paulo, vol. 68, nº. 11. p. 1287-1298, nov./2004. p. 1298.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
43
RELAÇÃO DE EMPREGO E RELAÇÃO DE TRABALHO
Como forma de se compreender e delimitar os conceitos apresentados, não menos importante é
a ideia daquilo que se compreende como relação de trabalho e relação de emprego. Apesar das
figuras parecerem sinônimas, ambas não se confundem. A despeito do Direito do Trabalho
apresentar a ideia de proteção trabalhista a toda a população economicamente ativa, observou-se que
este ainda não é um Direito que se projeta para todos os trabalhadores. Isso, porque foi construído
para tratar e regular apenas a relação empregatícia, considerada como uma espécie do gênero relação
de trabalho. Esta última, afirma Delgado, tem caráter exclusivamente genérico por referir-se a “todas
as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de
fazer consubstanciada no trabalho humano”53
.
Dallegrave Neto relata que relação de trabalho “é qualquer vínculo jurídico que tiver como
objeto a prestação de serviço de um determinado sujeito a outrem”54
. Segundo o autor, a relação de
trabalho é considerada como categoria ampla, e pode abranger inúmeras espécies, como, por
exemplo, a empreitada, a locação de serviços, o trabalho prestado por profissional liberal, o trabalho
avulso, o serviço eventual e autônomo, dentre outros. Conclui afirmando que “a relação de emprego
é espécie da relação de trabalho e corresponde à prestação de serviço subordinado por uma
determinada pessoa física. O elemento subordinação é, pois, indissociável da relação de emprego”55
.
Partindo da assertiva de que o serviço prestado por pessoa física a ente produtivo, de forma onerosa,
configura sempre relação de trabalho (ainda que eventual).
Caracteriza relação de trabalho a prestação onerosa de serviço por pessoa física em proveito de
pessoa jurídica, profissional liberal, instituição sem fins lucrativos ou outro ente que produza bens ou
serviços para o mercado. (...) Não descaracteriza a relação de trabalho a constituição de pessoa
jurídica para a prestação de serviços intelectuais, científicos ou artísticos, desde que seu titular preste
pessoalmente os serviços eventuais ou autônomos, ainda que contando com auxiliares.56
Pereira diferencia relação de emprego e relação de trabalho: enquanto a primeira guarda
ligação com o contrato individual de trabalho, a segunda é mais ampla e, portanto, alcançará todas as
53
DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 227-228. 54
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Contrato Individual de Trabalho: uma visão estrutural. São Paulo: LTr, 1998.
p. 59 55
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Contrato Individual de Trabalho: uma visão estrutural. São Paulo: LTr, 1998.
p. 59. 56
MERÇON, Paulo Gustavo de Amarante. Além dos Portões da Fábrica – O Direito do Trabalho em Reconstrução.
Revista LTr, vol. 71, nº. 10, p. 1172-1186, out./2007. p. 1184.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
44
situações jurídicas em que o relacionamento travado tenha o trabalho por substrato, e por isso, os
trabalhadores “autônomos” estão, a priori, incluídos nesta última.57
Entretanto, cabe ressalvar que se firmou na práxis justrabalhista, em muitas oportunidades,
designar a espécie (relação de emprego) pela denominação cabível ao gênero (relação de trabalho). O
resultado da denominação “Direito do Trabalho”, inclusive, passou por diversas modificações ao
longo da história: Direito Industrial, Direito Operário, Direito Sindical, Direito Corporativo, etc., mas
nenhum destes epítetos prevaleceram sob o vocábulo “Direito do Trabalho”. É verdade que o termo
em si é incongruente, pois “trabalho” pode ter objeto mais amplo (como o trabalho “autônomo”, por
exemplo), no entanto, a expressão “Direito do Trabalho” se consagrou, apesar de se remeter ao
trabalho empregaticiamente contratado. O termo “Direito do Empregado” seria mais apropriado para
designar o campo de atuação deste ramo jurídico.
É muito comum encontrar em textos jurídicos as expressões “relação de trabalho”, “contrato de
trabalho” para referir-se aos institutos peculiares à relação de emprego. Porém, tecnicamente, e para
efeitos desta tese, tal distinção não poderá ser confundida, uma vez que inúmeras espécies ou tipos
de trabalhadores e, em especial, aqueles que são objeto deste estudo (autônomos hipossuficientes)
formalmente e a rigor, não são abrangidos pelo manto tutelar do Direito do Trabalho.
Por isso, as normas, os princípios e os institutos deste ramo especial e todo o esforço
doutrinário e jurisprudencial foram direcionados à figura do empregado, ou seja, a partir da categoria
nuclear que dá sentido ao Direito do Trabalho: a relação de emprego. Para Delgado, esta relação
jurídica específica se constituiu, “... do ponto de vista econômico e social, na modalidade mais
relevante de pactuação de prestação de trabalho existente nos últimos duzentos anos, desde a
instauração do sistema industrial e de mercado contemporâneo”58
. O trabalho empregatício é, de fato,
o ponto de partida da área justrabalhista, compreendida esta como “área de estruturação e dinâmica
de ramos jurídicos especializados construídos a partir da indução básica propiciada pela relação de
emprego”59
. Todos os institutos jurídicos do Direito do Trabalho foram criados a partir da dinâmica
da relação de emprego e, obviamente, são dirigidos à regulação das relações empregatícias dentro de
um pacto específico: o contrato individual de trabalho.
Desse modo, ao definir uma peculiaridade, um traço distintivo em comum, uma característica
dentro do enorme rol das atividades humanas, o ramo especializado do Direito do Trabalho foi
construído tomando por base uma categoria nuclear (emprego) e, por sua vez, deixando de fora de
57
PEREIRA, Alberto Luiz Bresciani de. Prescrição – a aplicação aos servidores públicos do disposto no art. 7º., XXIX,
alínea “a”, in fine, Constituição Federal/88. Revista Síntese Trabalhista, Porto Alegre, nº. 67, p. 113-119, jan./2005, p.
113. 58
DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 228. 59
Ibidem, p. 77.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
45
seus domínios, todas as demais relações. Por isso sugere-se que o sistema criou um binômio, e
tecnicamente os que estão “de fora” deveriam ser batizados de “não-empregados”, porém, são
popularmente conhecidos como “trabalhadores autônomos” já que a CLT não os define
expressamente, muito menos o Direito Civil.
Construiu-se a ideia dominante que, enquanto no contrato de emprego os ganhos da atividade,
a mais-valia ou acúmulo das riquezas produzidas são direcionados em benefício do empregador (e
coordenado/dirigido por este), no trabalho “autônomo”, a priori, a prestação de serviços não reuniria
as características fundamentais que justificariam a hipossuficiência contratual do trabalhador, pois
este não estaria sujeito às ordens e comandos ou inserido nas atividades produtivas do contratante,
dentre outros requisitos, fatos que submeteria a relação às regras gerais do Direito Civil (art. 593 CC,
contrato de prestação de serviços) 60
.
A respeito da complexa classificação das atividades de trabalho, não obstante a lei estabelecer
as características do “empregado”, Landulfo traz um recorte baseado em alguns outros aspectos não
sopesados pelo Direito. Segundo o autor, é dentro da relação de trabalho profissional que se
encontram a maioria das relações de trabalho, tais como a relação de emprego, o trabalho avulso61
e
o trabalho “autônomo”. Já a relação de trabalho não profissional enquadram-se o trabalho voluntário,
o trabalho religioso e o trabalho familiar. Isto significa que o ramo especializado do Direito do
Trabalho trata especificamente da relação de trabalho profissional e, mais especificamente, da
relação de emprego.62
Essa distinção é fundamental para compreender que o Direito do Trabalho foi investido pelo
Estado apenas para regular o trabalho empregatício. Landulfo observa ainda que nem todos os
trabalhadores que possuem os traços da dependência são protegidos pelo Direito do Trabalho,
servindo como exemplo, o eventual, tais como diaristas e chapas63
. Assim, estão fora do âmbito de
aplicação da disciplina as “relações laborais que não sejam reguladas por dispositivos protetivos em
relação aos trabalhadores, bem como aquelas que contenham características de autonomia, de não
profissionalidade e de não contratualidade”64
.
60 CC. Capítulo VII - Da Prestação de Serviço. Art. 593. “A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei
especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”. 61 Trabalhador avulso é uma modalidade de trabalhador eventual, que oferta sua força de trabalho por curtos períodos de tempo a
distintos tomadores. Circunstância especial: intermediação da mão de obra através de um órgão específico como o OGMO (Órgão
Gestor de Mão de Obra) ou Sindicato (Lei nº. 8.630/1993, art. 18). In: DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito
do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 328 et seq. 62
LANDULFO, Domenico Antonio. Dimensões do Direito do Trabalho. São Paulo, 2003. Tese (Doutorado em Direito),
Universidade de São Paulo. p. 26-27. 63
Ibidem, p. 26-27. Trabalho eventual urbano, os Chapas são trabalhadores que aguardam caminhoneiros nas principais
vias de acesso das cidades da para guiá-los e auxiliá-los nas cargas e/ou descargas de mercadorias. O obreiro recebe pela
tarefa, a ser negociada no momento que o caminhoneiro requisita o serviço. 64
LANDULFO, Domenico Antonio. Dimensões do Direito do Trabalho. São Paulo, 2003. Tese (Doutorado em Direito),
Universidade de São Paulo. p. 22.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
46
Nesse passo, oportuno destacar que as seguintes atividades humanas fazem parte do campo de
abrangência do Direito do Trabalho: relação de emprego (artigos 2º. e 3º., Decreto-lei nº.
5.452/1943)65
; Trabalho Temporário (Lei nº. 6.019/1974); Trabalho Eventual Avulso (art. 7º.,
XXXIV, CF/88)66
. O Trabalho a Domicílio também é objeto de tutela da legislação (art. 6º., CLT)67
.
Por outro lado, as principais relações que estão fora do âmbito de atuação do Direito do
Trabalho são as seguintes (trabalho profissional): trabalho “autônomo” propriamente dito; trabalho
“autônomo” de empreitada de mão de obra; trabalho de função pública estatutária; trabalho público
de ocupante de cargo em comissão; trabalho público de legislação especial; trabalho de mandato
eletivo federal, estadual, distrital ou municipal; trabalho de prestação de serviços que não estiver
sujeito às leis trabalhistas ou a leis especiais, tal como o trabalho eventual propriamente dito (chapas
e diaristas); trabalhos previstos nos artigos 35 a 118 do Código Comercial correspondentes à serviços
de corretores, leiloeiros, feitores, guarda-livros, caixeiros, trapicheiros, administradores de armazém
de depósito, comissários de transportes e cooperados de cooperativa de trabalho, etc. 68
Para o trabalho não profissional, estão fora do âmbito da disciplina do Direito do Trabalho:
trabalho voluntário; trabalho penal; trabalho familiar; trabalho religioso; entretenimento (voltado
para o divertimento e distração da comunidade), e outras figuras de trabalho não profissional, tal
como o síndico.
Por isso, no Brasil, a relação empregatícia disposta nos artigos 2º. e 3º. da CLT69
, resultou no
conjunto dos seguintes elementos fático-jurídicos: a) prestação de trabalho por pessoa física a um
tomador qualquer; b) realizada com intiutu personae; c) de forma não-eventual; d) onerosa; e)
efetuada mediante dependência ao tomador dos serviços. A conjugação de tais pressupostos são
fundamentais para a caracterização do contrato de trabalho. Para Delgado, estes elementos existem
no mundo dos fatos, não são uma criação jurídica em si, “mas simples reconhecimento pelo direito
de realidades fáticas relevantes”70
. Por isso a relação de emprego é denominada de “contrato
realidade”. E o contrato de trabalho para ser configurado como tal, é indispensável a soma de todos
65
CLT. Art. 2º. “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. Art. 3º. “Considera-se empregado toda pessoa
física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. 66
CF/88. Art. 7º. “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: (...) XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador
avulso”. 67
CLT. Art. 6º. “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no
domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego”. 68
LANDULFO, Domenico Antonio. Dimensões do Direito do Trabalho. São Paulo, 2003. Tese (Doutorado em Direito),
Universidade de São Paulo. p. 26. 69
CLT. Art. 2º. “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. Art. 3º. Considera-se empregado toda pessoa física
que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. 70
DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 247.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
47
os elementos fático-jurídicos da relação de emprego. Portanto, a depender da relação fática havida
entre as partes, o indivíduo poderá desenvolver suas atividades como empregado ou como
profissional “autônomo”.
EMPREGADOS - SITUAÇÕES ESPECIAIS
Segundo o art.5o., inc. XIII, da Constituição Federal/88, é livre o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Apesar de a Consolidação das Leis do Trabalho prever normas para os trabalhadores em geral,
determinadas profissões possuem regulamentação específica. É o caso, por exemplo, de Médicos
(Lei 3.999/61), Cirurgiões-dentistas (Lei 7.217/84), Músicos (Lei 3.857/60), Engenheiros e
Arquitetos (Lei 4.950-A/66), Advogados (Lei 8.906/94), Psicólogos (Lei 4.119/62 e Decreto
53.464/64), Aeronautas e Aeroviários (Lei 7.183/84 e Dec. 1.232/62), Artistas e Técnicos em
Espetáculos (Lei 6.533/78), Atletas Profissionais de Futebol (Leis 6.354/76 e 9.615/98), Corretores
de Imóveis (Lei 6.530/78), Corretores de Seguros (Lei 4.594/64), Desportistas (Lei 9.615/98), Mãe
Sociais (Lei 7.644/87), Jornalistas (art. 302 CLT, Leis 5.696/71, 6.612/78 e 6.727/79), Pescadores
(Decreto-lei 221/67), Trabalhadores Temporário (Lei 6.019/74 e Decreto 73.841/74), Representantes
Comerciais (Leis 4.886/65 e 8.420/92), Trabalhadores Rurais (Lei 5.889/73), Empregados
Domésticos (Lei 5.859/72), Vendedores Viajantes ou Pracistas (Lei 3.207/57), Petroquímicos (Lei
5.811/72), Radialistas (Lei 6.615/78), Técnicos em Radiologia (Lei 7.394/85), Peões de Rodeio (Lei
10.220/01), Vigilantes (Lei 7.102/83), etc.
Referidas regulamentações especiais prevalecem, incialmente, sobre as normas da CLT, uma
vez que as condições laborativas para cada uma dessas atividades são diferentes. Isso porque o
legislador tem ciência da completa falta de similitude entre um Médico e um Peão de Rodeio, ou
entre um Petroquímico e um Técnico de Radiologia. Estes últimos, por exemplo, estão em contato
permanente com radiação ionizante, e, para não haver prejuízos à saúde, possuem jornada
diferenciada (trabalham 6 horas por dia).
Não obstante a regulamentação especial, algumas profissões possuem previsão em seção ou
capítulo próprio da CLT, tais como, Professores (CLT, artigos 317 a 324), Químicos (CLT, art. 325 e
Lei 5.530/68), Bancários (art. 224 e seguintes CLT), Operadores Cinematográficos (artigos 234 e
235 CLT), Marítimos (art. 248 e seguintes CLT), etc.
Além destas, a CLT também prevê situações para diferenciadas para “altos empregados” de
empresas ou estabelecimentos bancários. Os “altos empregados” são aqueles, em geral, ocupantes de
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
48
posições internas de chefias ou outros cargos de elevada fidúcia (gerência ou financeiro, por
exemplo). Como estes trabalhadores possuem poderes diferenciados (comando e gestão), a princípio,
não poderiam receber o mesmo tratamento legislativo que um empregado comum. Tratam-se dos (a)
ocupantes de funções de confiança, (b) ocupantes de função de confiança bancária, e (c) diretores-
empregados.
a) Empregados em função de confiança são aqueles que possuem elevadas atribuições e
poderes de gestão (até o nível de chefe de departamento ou filial) e distinção remuneratória de, no
mínimo, 40% a mais do salário do cargo efetivo (art. 62, II e parágrafo único, CLT). Exemplo:
Gerentes.
A considerar que os gerentes possuem um padrão salarial elevado, não possuem o direito ao
recebimento de horas extras pois o regime de duração da jornada previsto na CLT é incompatível
com a característica da função e os poderes que possui frente à empresa.
Caso o gerente retorne ao cargo efetivo (função inicial), a lei não considera ilegal e muito
menos um “rebaixamento” de função (art. 468, parágrafo único, CLT).
Para o Tribunal Superior do Trabalho, o trabalhador revertido ao cargo inicial sem justo motivo
pelo empregador, não poderá deixar de receber a gratificação, tendo em vista o princípio da
estabilidade financeira, desde que exercida a função de confiança por dez ou mais (Súmula 372, I,
TST). Outra situação prevista em lei para o empregado em cargo de confiança, é a possibilidade de
transferência de localidade de serviço, independentemente de sua anuência (art. 469, § 1o., CLT).
Porém, para o TST, é considerada abusiva a transferência se esta não se fundar em real necessidade
de serviço (Súmula 43 TST).
b) Empregados em função de confiança bancária revela-se um pouco diferentemente da
função de confiança geral prevista na CLT, pois os poderes de comando são mais tênues. Não se
exige ser necessariamente chefe de filial, por exemplo, e o valor da gratificação pode ser inferior a
1/3 (um terço) do salário do cargo efetivo. Exemplos: gerentes bancários, tesoureiros, etc. Entretanto,
oportuno destacar que, dentro de um banco, normalmente o organograma funcional é dividido entre
gerente geral e outros gerentes inferiores, tais como, gerente de relacionamentos, gerente de crédito,
gerente de pessoa jurídica, etc. Para o Tribunal Superior do Trabalho, a jornada de trabalho do
empregado de banco gerente de agência é regida pelo art. 224, § 2º, da CLT71
, ou seja, 8 horas
diárias. Quanto ao gerente-geral de agência bancária, presume-se o exercício de encargo de gestão,
71
Art. 224 - A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal
será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de
trabalho por semana. § 2º - As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência,
fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhem outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação
não seja inferior a 1/3 (um terço) do salário do cargo efetivo.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
49
aplicando-se lhe o art. 62 da CLT (Súmula 287 TST). Para o TST, não se observa jornada especial de
seis, mas de oito horas diárias (Súmula 102, IV, TST). Quanto à reversibilidade e à transferência o
bancário em cargo de confiança sujeita-se às mesmas consequências mencionadas acima.
c) Diretores-empregados são aqueles com inquestionáveis soma de poderes de mando, gestão,
representação. Sobremaneira, há de estar conjugado com a realidade fática do contrato, no
desempenho das atividades inerentes a sua função, uma alçada de decisões muito superior àquela
exigida de qualquer outro empregado, a ponto de colocar em risco os interesses e o futuro da própria
empresa. Concentra em sua pessoa o núcleo central do processo decisório da empresa. Exemplo:
CEO (Chief Executive Officer), corresponde no Brasil ao PCA, Presidente do Conselho de
Administração. Para o TST, o empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo
contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço deste período, salvo se
permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego (Súmula 269 TST).
EMPREGADO DOMÉSTICO
Doméstico é aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à
pessoa ou à família no âmbito residencial destas (Lei 5.859/72). Significa afirmar que o trabalho
exercido não pode ter objetivos comerciais ou industriais, longe de se constituir como um fator de
produção. No exemplo de um pensionato para não familiares, a faxineira não poderá ser considerada
doméstica, mas uma empregada comum.
O trabalhador doméstico produz valor de uso, não de troca, ou seja, trata-se de uma atividade
de mero consumo, não produtiva. Por isso, mesmo em âmbito residencial, se ficar caracterizado que
a família utiliza o fornecimento de alimentação para terceiros, a cozinheira também não poderá ser
considerada uma trabalhadora doméstica. Importante destacar que o tipo de serviço prestado é
irrelevante para a configuração da figura jurídica do doméstico, ou seja, podem ser assim
enquadrados, enfermeiros particulares, porteiros, professores, secretárias, caseiros, etc., desde que
prestem serviços à pessoa ou família. O âmbito residencial pode abranger, também, a casa da praia,
chácara da família, não apenas a moradia do empregador, mas as unidades estritamente familiares.
Os principais direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos são: Férias anuais de 30 (trinta)
+ 1/3 (um terço) após 12 (doze) meses de trabalho (Lei 5.859/72, art. 3o.), Anotação em CTPS,
Previdência Social (INSS, alíquota diferenciada), Vale-transporte (art. 1o., II, Decreto 95.247/87),
Estabilidade provisória (gestante, art. 4-A Lei 5.859/72), Garantia quanto à descontos no salário (art.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
50
2-A Lei 5.859/72), aviso prévio, e FGTS facultativo (Lei 10.208/01). Se optar pelo FGTS, terá
direito ao seguro-desemprego (Lei 11.324/06 alteraram a Lei 5.859/72, e a EC 72/2013).
EMPREGADOS RURAIS
A Lei 5.889/73 traz alguns aspectos gerais do trabalho rural. O empregado rural possui
circunstâncias um pouco distintas dos empregados urbanos como, por exemplo, trabalho noturno ou
certa flexibilidade no intervalo intrajornada, observados os costumes da região.
Trabalhador rural é a pessoa física que trabalha com onerosidade, não eventualidade, mediante
dependência a tomador rural, realizando seus serviços em imóvel rural ou prédio rústico. Se for rural
seu empregador, rurícola será considerado o obreiro, independente da atividade desenvolvida.
Exemplo: administrador da fazenda, datilógrafo ou almoxarife serão considerados rurícolas, pois
vinculados a empregador rural. A exceção são as empresas de florestamento e reflorestamento, pois,
embora sua atividade seja enquadrada como urbana, serão tidos como rurícolas seus empregados (OJ
38, SDI-1/TST).
Em outras palavras, o empregado rural guarda semelhança com o empregado doméstico porque
ambos são definidos pela característica do empregador. O enquadramento rurícola do empregador
acontece por aquele que explora atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário,
mesmo que realize processo de industrialização em seu estabelecimento (art. 3o. Lei 5.889/73).
Portanto, ainda que exerça atividade rural, o empregado de empresa industrial ou comercial é
classificado de acordo com a categoria do empregador (Súmula 196 STF).
O “imóvel rural” a que se refere a lei trata-se da zona geográfica situada no campo, exterior à
áreas de urbanização, e o “prédio rústico” é o local onde o trabalhador exerce a atividade
agropastoril, porém, em lugares incrustados no espaço urbano. Assim, poderá ser rurícola o lavrador
que cultiva feijão ou soja dentro dos limites da cidade de Curitiba, por exemplo.
Segundo art. 7º. CF/88, caput e incisos, estão garantidos aos trabalhadores rurais os mesmos
direitos e benefícios dos trabalhadores urbanos, observadas certas condições peculiares em cada setor
(pecuária, agricultura, etc.).
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
51
CONTRATO DE ESTÁGIO
Segundo a Lei 11.788/2008, o Estagiário, desde que o contrato esteja regularmente formado,
não cria vínculo empregatício com o contratante sob qualquer hipótese, pois o ato educativo escolar
supervisionado visa a preparação para o trabalho produtivo do educando. Em outras palavras, o
objetivo da lei é gerar o aprendizado de competências específicas para o aperfeiçoamento ao trabalho
e à cidadania. No entanto, para o atendimento desse mister, é necessário o preenchimento de alguns
requisitos formais e materiais exigidos pela lei, caso contrário, o contratado pode ser considerado
como um típico empregado disfarçado, hipótese que configura fraude à CLT (art. 9o.). O que a
legislação procura evitar é que o estágio não seja compreendido como simples instrumento de
arregimentação de mão-de-obra barata. Por isso, o estagiário não pode ser equiparado a um
empregado comum, sendo desnecessário seu cadastro no PIS/PASEP. Ao estagiário não lhe cabe
receber verbas rescisórias, FGTS, 13º. Salário, entre outros direitos trabalhistas normalmente
assegurados.
Segundo a Lei 11.788/2008, o estágio poderá ser Obrigatório ou Não Obrigatório. O primeiro
é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e
obtenção de diploma. O segundo é aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga
horária regular e obrigatória. A jornada de atividade em estágio poderá ser definida de comum
acordo entre a instituição de ensino, a parte concedente e o aluno estagiário ou seu representante
legal, devendo constar do termo de compromisso, ser compatível com as atividades escolares e não
ultrapassar 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais (para estudantes de educação especial
e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e
adultos) e 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais (para estudantes do ensino superior, da
educação profissional de nível médio e do ensino médio regular). O estágio relativo a cursos que
alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter
jornada de até 40 (quarenta) horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico do
curso e da instituição de ensino.
A Lei 11.788/2008 garante, também, férias remuneradas de 30 dias (quando do recesso
escolar) ou proporcional, se o contrato de estágio for menor que 1 ano, vale-transporte, jornada de
trabalho reduzida, reserva de percentual para estagiários portadores de deficiência, entre outros. A lei
também estabelece o número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das entidades,
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
52
que deverá atender às seguintes proporções: a) de 1 a 5 empregados: 1 estagiário; b)
de 6 a 10 empregados: até 2 estagiários; c) de 11 a 25 empregados: até 5 estagiários; d) acima de 25
empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários. A fração deve ser arredondada para o número
inteiro imediatamente superior. A lei considera quadro de pessoal o conjunto de trabalhadores
empregados existentes no estabelecimento do estágio. Para as empresas que possui várias filiais ou
estabelecimentos, as quantidades previstas acima deverão ser aplicadas para cada filial ou
estabelecimento em separado.
Por fim, apenas os alunos matriculados regularmente em instituições de ensino público e
particular, de educação superior, de educação profissional, do ensino médio e de educação especial,
poderão ser considerados estagiários, os quais deverão desenvolver atividades nas empresas desde
que relacionadas à sua área de formação, segundo a Lei 11.788/2008.
COOPERATIVAS DE TRABALHO
O Cooperado, desde que o contrato esteja regularmente formado, também não cria vínculo
empregatício com a cooperativa (art. 442 da CLT). São exemplos de trabalhadores cooperados,
taxistas, serviços médicos, serviços odontológicos, cooperativas de produtores rurais, etc. (art. 90 da
Lei 5.764/1971 e art. 442, parágrafo único da CLT). O cooperativismo, possui duas qualidades
primordiais que o diferenciam da típica relação de emprego que, segundo Delgado72
, são: a) dupla
qualidade e b) retribuição pessoal diferenciada. Segundo o autor, o princípio da dupla qualidade
significa que a pessoa filiada tem que ser, ao mesmo tempo, cooperado e cliente, auferindo as
vantagens dessa duplicidade de situações. O cooperado é um dos beneficiários centrais. Por isso é
necessário haver efetiva prestação de serviços pela cooperativa diretamente ao cooperado (art. 6o., I,
Lei 5.764/70). De outro lado, o princípio da retribuição pessoal diferenciada significa que o serviço
prestado pela cooperativa potencializa a atividade/ganhos dos cooperados. O ganho é potencialmente
superior àquilo que obteria caso estivesse atuando isoladamente (como empregado, por exemplo). Há
uma potencialização de vantagens: ampliação do mercado, possibilidade de convênios,
financiamentos a juros mais baixos, auxílio no custo, formação de clientela específica, cursos, etc.
A teor do que expressamente dispõe o artigo 90 da Lei nº 5.764/1971, reafirmado pelo artigo
442, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a redação que lhe deu a Lei
nº 8.949/1994, a prestação de serviço na condição de sócio cooperado exclui o reconhecimento do
72
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, passim.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
53
vínculo de emprego. Por isso, a prestação de serviços por meio de cooperativas não pode deixar
dúvidas quanto à autonomia do associado em relação ao tomador de serviços, pois em havendo
trabalho subordinado verifica-se a fraude à lei, tendo em vista a evidente incompatibilidade entre os
conceitos de cooperativa e trabalho subordinado. Verificando-se, todavia, que a formação da
cooperativa não observa esses princípios e atende a interesses que visam frustrar os direitos
trabalhistas do prestador do serviço, laborando mediante subordinação e com os demais elementos
definidos no artigo 3º da CLT, deverá, com fulcro no contido no artigo 9º, ser reconhecida a
existência do vínculo de emprego, uma vez que o contrato de trabalho é informado pelo princípio da
primazia da realidade, sendo absolutamente irrelevante o rótulo atribuído.
TRABALHADOR AVULSO
Os trabalhadores avulsos são equiparados aos empregados, pois possuem os mesmo direitos
conforme expressa previsão constitucional (art. 7o., XXXIV, CF/88). Abrangem além dos
trabalhadores na orla marítima e portuária, também as atividades de movimentação de mercadorias
em geral desenvolvidas em áreas urbanas ou rurais, porém, mediante intermediação obrigatória do
sindicato da categoria (Lei 12.023/2009 para o avulso não-portuário).
É considerada uma a modalidade de trabalhador eventual, que oferta sua força de trabalho por
curtos períodos de tempo a distintos tomadores de serviço. No caso dos trabalhadores portuários,
existe a circunstância especial da intermediação da mão-de-obra através de um órgão específico
como o OGMO (órgão Gestor de Mão de Obra) ou Sindicato (Lei 8.630/93, art. 18). Não apenas os
trabalhadores portuários de carga e descarga estão enquadrados como avulsos, mas conferentes e
conservadores, arrumadores, ensacadores de mercadorias, amarradores de portos secos, por exemplo.
EMPREGADOR
Segundo a CLT, empregador é a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (art. 2º., CLT). Sem a
pretensão de aprofundar o debate, a conceituação não escapa às críticas da doutrina, isto porque
empregador pode não ser uma empresa e sim uma “pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
54
(...)”73
., tais como, o condomínio, o espólio, a massa falida, etc. Também são considerados
empregadores, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as
instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que
admitirem trabalhadores como empregados. Importante salientar que o fato do empregador possuir
ou não fins lucrativos é irrelevante para enquadrá-lo como tal. Observe que o empregado doméstico
presta serviços para uma entidade não personificada (família) e isso não retira o direito do
empregado ter registro em carteira de trabalho e demais direitos trabalhistas como férias, 13º.
Salário, aviso prévio, etc. Por isso, a figura jurídica do empregador é dominada pela ideia da
despersonalização, ou seja, predomina a impessoalidade, diferentemente do empregado.
Outra característica vital para a compreensão da figura do empregador é a circunstância da
ordem jurídica impor exclusivamente ao proprietário do empreendimento os riscos da atividade, não
sendo autorizado a distribuição de perdas ou prejuízos ao empregado. O caráter forfetário do salário
preconiza que o empregado não deve correr os riscos do empreendimento, haja vista que também não
participa dos respectivos proveitos.
GRUPO ECONÔMICO TRABALHISTA
Nesse compasso, segundo a CLT, sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma
delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra,
constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os
efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das
subordinadas (art. 2º. § 2º. CLT). Trata-se de uma vinculação trabalhista que se forma entre dois ou
mais entes favorecidos direta ou indiretamente pelo mesmo contrato de trabalho. Para sua
caracterização, imperioso existir entre esses entes laços de direção ou coordenação em face de
atividades industriais, comerciais, financeiras, agroindustriais, etc. (art. 2o., § 2o., CLT).
A partir de alguns indícios a Justiça do Trabalho tem identificado os grupos econômicos,
principalmente quando presentes as seguintes características: a) administração das empresas
efetuadas pelos mesmos sócios e gerentes; b) o capital e o patrimônio são comuns; e c) existe a
utilização da mão de obra comum ou o aproveitamento direto da mão de obra contratada pelas
empresas que compõem o grupo. Presentes estes requisitos (no todo ou em parte), todos os membros
do grupo seriam, ao mesmo tempo, empregadores e não apenas garantidores do crédito, respondendo
de forma solidária às dívidas trabalhistas.
73
O vocábulo “empresa” remonta às influências institucionalistas do contexto histórico de elaboração do diploma
celetista em 1943. In: DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 324.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
55
A lei protege o empregado nesse aspecto para evitar que os créditos trabalhistas (leia-se
alimentares) sejam sonegados por dificuldades financeiras de uma das empresas do grupo, com o
objetivo de ampliar a garantia de crédito do funcionário lesado, evitando, assim, que sua família
fique desemparada por problemas societários ou de dissolução patrimonial. Por isso, a garantia
ocorre ainda que o empregado tenha laborado (e sido contratado) por apenas uma das pessoas
jurídicas integrantes do grupo. Como o conceito de grupo econômico é estritamente trabalhista, não
há a necessidade de formalização em cartório da holding, consórcio, pools empresariais, etc. Vale
dizer, basta a simples relação de ingerência entre empresas (direção em comum) para se caracterizar
o grupo e a responsabilidade solidária de todas as empresas pelos pagamentos dos direitos
trabalhistas. No entanto, importante enfatizar que para ser assim considerado, a entidade não pode
ser qualquer pessoa física, jurídica ou ente despersonificado, mas deverá estar estruturada como uma
empresa. Por isso, não há como estabelecer a existência de grupo econômico trabalhista entre o
Estado e demais entes estatais, ou com o empregador doméstico, ou com os entes sem fins lucrativos,
(fundações ou associações) etc. Porém, importante salientar que a prestação de serviços a mais de
uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a
coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário, segundo o Tribunal
Superior do Trabalho (Súmula 129 TST). Outro ponto fundamental é que a jurisprudência
compreende as empresas como o “empregador único”, ou “empregador real”, em contraposição ao
“empregador aparente”, geralmente encoberto pelo véu da personalidade jurídica atribuída a cada
uma das empresas do grupo. Por isso, nessa concepção (empregador único), o mesmo não
responderia apenas passivamente pelos créditos trabalhistas, mas ativamente, ou seja, perante os
direitos e garantias laborativas que lhes favorecem em função destes contratos. Com efeito,
empregados registrados por “CNPJs diferentes” mas com os mesmo cargo, não poderiam sofrer
diferenças salariais ou se beneficiar de convenção coletiva de trabalho mais favorável que a da
categoria na qual aparentemente seu empregador encontra-se registrado.
SUCESSÃO DE EMPREGADORES
A sucessão de empregadores é o instituto trabalhista em virtude do qual se opera, no contexto
da transferência da titularidade de empresa ou estabelecimento, uma completa transmissão de
créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos74
. Segundo o
artigo 448 da CLT, "a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os
74
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, passim.
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
56
contratos de trabalho dos respectivos empregados", ou seja, existirá a sucessão quando ocorrer
mudança na propriedade da empresa ou alguma alteração significativa na sua estrutura jurídica,
sendo que a companhia permanece utilizando-se dos empregados da sucedida. Em outras palavras, se
ocorrer alteração na estrutura jurídica (ex.: transformação de Ltda. para S/A; ou firma individual para
Ltda.) isso não afetará os contratos de trabalho existentes. O efeito da mudança é a imediata assunção
dos contratos de trabalho, com o novo titular passando a responder pelas repercussões presentes,
passadas e futuras dos contratos de trabalho que lhe foram transferidos. É o caso em operações de
reestruturação do sistema financeiro, privatizações, fusões, incorporações, cisões, etc. O instituto
aplica-se a todo tipo de empregado, urbano ou rural, com exceção dos empregados domésticos,
porque obviamente a da “família” é incompatível com figura da “empresa”. Para que exista a
sucessão de empregadores, é indispensável que um fundo de comércio (clientela, local, maquinário,
etc.) passe de um para outro titular e que a prestação de serviço pelos empregados não seja
interrompida por certo período. Importante destacar que a sucessão ocorre em situação de
transferência de unidades econômico-jurídicas, isto é, a transferência de universalidades. Vale dizer,
a simples transferência de coisas singulares, uma vez que não compõem universalidade de fato (ex.:
alguns equipamentos).
No entanto, a lei traz algumas exceções à regra, como, por exemplo, a inexistência de sucessão
trabalhista, quando o acervo da empresa falida é adquirido em hasta pública e repassado, sem
qualquer ônus sobre ele incidente, para um terceiro adquirente; ou quando a entidade de direito
público recém-instituída, embora absorva parte dos servidores celetistas do ente público
desmembrado, não sofre os efeitos do art. 10 e 448 CLT em face do princípio da autonomia político-
administrativa de tais entes; ou ainda, no caso de sucessão de empregadores em alienação da empresa
falida ou de alguns de seus estabelecimentos (art. 141, II e parágrafo 2o. Lei 11.101/05). Com
consequência, serão considerados como novos os contratos de trabalho iniciados com a empresa
adquirente, ainda que se tratando de antigos empregados da empresa.
Porém, na recuperação extrajudicial ou judicial não há qualquer ressalva; aplica-se o instituto
da sucessão normalmente (art. 161, parágrafo 1o., art. 163, parágrafo 1o., Lei 11.101/05); da mesma
forma em relação às cláusulas de não responsabilização dos contratos de compra e venda de
empresas (fusão e/ou aquisição). Não há como afastar, por acordo entre partes, que não haverá
responsabilidade, pois o art. 448 da CLT é norma de ordem pública e natureza cogente. Assim,
irrenunciáveis a transação por terceiros, significando que o acordo de vontades firmado entre
sucessor e sucedido não prevalece na seara juslaborista.
Por fim, a sucessão de empregadores se caracteriza pela transferência de universalidades ente
alienante e adquirente, sem a solução de continuidade na prestação laborativa. Fundamenta-se nos
Introdução ao Direito do Trabalho - Rodrigo Fortunato Goulart
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princípios da intangibilidade objetiva do contrato de trabalho, da despersonalização da figura do
empregador e da continuidade da relação de trabalho (artigos 10 e 448 da CLT). Se restar
comprovado que, em idêntico local, a empresa desenvolve as mesmas atividades da empresa
sucedida e que houve transferência do acervo patrimonial do fundo de comércio, impõe-se o
reconhecimento da sucessão, pela transferência da titularidade da unidade econômica-jurídica.
Continua ...