introdução à mecânica clássica - artur o. lopes

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livro de fisica basica

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  • Introducao a` Mecanica Classica

    Artur O. Lopes

  • para Slvia e Daniel Lopes e

    em memoria de Ricardo Mane

  • SUMARIO

    Prefacio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7Apresentacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    1. MECANICA NEWTONIANA

    1.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131.2 O Teorema de Conservacao de Energia Total . . . . . . . . . . . . . 181.3 Sistemas com Vnculos Unidimensionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291.4 Sistemas Unidimensionais com Varias Partculas . . . . . . . . . . . 371.5 Campos de Forcas Bidimensionais e Tridimensionais . . . . . . . 491.6 O Problema dos Dois Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

    Apendice.1.7*Orbitas Periodicas e Estabilidade de Pontos de Equilbrio 67

    2. MECANICA LAGRANGIANA

    2.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 952.2 Geodesicas e o Calculo das Variacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 982.3 Lagrangianos e o Princpio de Mnima Acao . . . . . . . . . . . . . . . 1182.4 Lagrangianos em Varias Variaveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1302.5 Sistemas Lagrangianos com Vnculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

    Apendice.2.6 *Lagrangianos em Geometria Riemanniana . . . . . . . . . . . . . . . . . 160

    3. MECANICA HAMILTONIANA

    3.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1813.2 A Equacao de Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1833.3 A Transformada de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2053.4 Mudanca de Variaveis na Mecanica Hamiltoniana . . . . . . . . 2123.5 Introducao a`s Formas Diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2213.6 Transformacoes Canonicas e Funcoes Geradoras . . . . . . . . . 2453.7 Variaveis Acao-angulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2553.8 Princpio de Mnima Acao e a Equacao de Hamilton-Jacobi 2703.9 A Acao e o Teorema de Hamilton-Jacobi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292

    Apendice.3.10 Integrais de Linha e de Superfcie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 318

    Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337Indice Remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343(Nota: As secoes denotadas com * devem ser evitadas numaprimeira leitura.)

  • PREFACIO

    Alguns dos topicos mais interessantes, ricos e sofisticados da pesquisa matema-tica atual envolvem a fsica matematica: teoria quantica de campos, teoria dascordas, mecanica estatstica, relatividade, teoria dos buracos negros, mecanicade Aubry-Mather, integrais de Feynman, etc. Os estudantes de matematica, emgeral, nao se sentem atrados por tais topicos por desconhecerem a formalizacaomatematica dos princpios basicos da mecanica.

    O objetivo do presente texto e apresentar o material basico de um curso demecanica classica para estudantes que ainda nao terminaram a graduacao, sendotambem apropriado para programas de iniciacao cientfica. O enfoque no textoe geometrico, que e a maneira moderna de se entender a mecanica classica. Nassecoes finais dos captulos 1 e 2, marcadas com asterisco, descrevemos de maneirageral alguns topicos mais avancados da teoria. O leitor devera evita-los em umaprimeira leitura e isto nao ira prejudicar o entendimento do livro.

    O pre-requisito necessario para ler estas notas (sendo com excecao das secoescom *) e apenas algum conhecimento basico de equacoes diferenciais (alem decalculo e algebra linear). A parte da teoria de integrais de linha e de superfcienecessaria para o entendimento da mecanica hamiltoniana e brevemente desen-volvida no apendice ao final do captulo 3. O objetivo deste apendice (secao 10do captulo 3) e apenas relembrar e fixar a notacao que sera utilizada na secao1.4 e tambem na secao 3.5 (esta sobre formas diferenciais em R2 e R3).

    O material e exposto levando-se em conta o seguinte ponto de vista: tentamosapresentar os conceitos e resultados da maneira mais elementar possvel (algumasvezes sob o custo de ser menos sintetico do que se gostaria). Sem sacrificar o rigormatematico, optamos sempre pela apresentacao menos formal possvel. Os casosmais gerais da teoria sao deixados para livros mais avancados e sinteticos, comoo excelente livro de V.I. Arnold, Metodos Matematicos da Mecanica Classica. Naverdade, a motivacao para escrever o presente texto e possibilitar um contato

  • 8dos estudantes de graduacao com os principais resultados basicos da mecanicaclassica, de tal modo que fique mais facil para os mesmos, posteriormente, leremoutros livros disponveis sobre o assunto, muitos dos quais mais sofisticados doponto de vista matematico. Varios exemplos interessantes sao apresentados paraesclarecer aspectos da teoria no nosso entender, os exemplos mais simples saomuito uteis para conferir e confirmar os resultados que estao sendo enunciados notexto. Sendo assim, o leitor percebera que o oscilador harmonico aparecera comoilustracao de uma grande quantidade de resultados. (Evidentemente, exemplosmais complexos tambem sao analisados). Exerccios sao propostos ao fim de cadasecao e tambem dentro de muitas delas, na posicao indicada ao leitor, para melhorentendimento do que se segue.

    Como este e um texto introdutorio, nos consideramos, principalmente (emboranao exclusivamente), os sistemas autonomos; quando nada for dito em contrario,este sera o sistema considerado. Ressaltamos no entanto que na mecanica hamil-toniana e mesmo para analise de sistemas autonomos, e util tambem se considerarsistemas nao-autonomos. A maioria dos resultados apresentados no texto sao parasistemas mecanicos em que a variavel posicao e unidimensional. Desta maneira,as provas em geral se tornam menos sofisticadas e a notacao fica bastante simplifi-cada. Acreditamos que uma vez que o leitor entenda bem o caso unidimensional,nao seja muito difcil estender os resultados obtidos para dimensoes maiores.

    Informamos ao leitor que o autor escreveu tambem um outro texto, inti-tulado Topicos em Mecanica Classica, em que sao abordados alguns topicosmais avancados de mecanica classica, o qual, esperamos, sera editado em breve(ver em http://mat.ufrgs.br/alopes/pub).

    Este novo livro possibilitara ao leitor uma breve introducao a topicos maissofisticados e nele tratamos, em maior generalidade, da mecanica hamiltoniana. Omencionado livro tera quatro blocos de assuntos independentes: o primeiro blocotrara um ponto de vista da teoria ergodica, o segundo da geometria simpletica emvariedades diferenciaveis, o terceiro das equacoes diferenciais parciais cobrindo aequacao da onda e sua relacao com a mecanica hamiltoniana. O ultimo blococobrira a mecanica de Aubry-Mather, J. Mather, 1991.

    Nao temos a pretensao nestes dois textos de esgotar os topicos interessantesda mecanica classica, mas apenas abordar, de uma maneira elementar, poremmatematicamente rigorosa, alguns dos topicos basicos da teoria. Entre apresentarum resultado geral (e matematicamente mais sofisticado) e um resultado menosgeral (e menos tecnico), optamos sempre pelo ultimo caso. Entendemos queassim as ideias centrais da teoria ficam expostas de maneira mais inteligvel parao leitor.

    Referencias para outros textos sobre mecanica classica sao: V. Arnold, 1978;I. Percival e D. Richards, 1982; R. Abraham e J. Mardsen, 1980; I. Barros eM. Garcia, 1995; E. Whittaker, 1944; S. Rasband, 1983; J. Mardsen e T. Ratiu,1944; L. Pars, 1979; G. Contreras e R. Iturriaga, 1999; H. Rund, 1972 e Ter Haar,1972, para um ponto de vista mais matematico, e J. Marion e S. Thorton, 1988;M. Tabor, 1989; H. Goldstein, 1972; J. Meiss, 1992 e L. Landau e E. Lifschitz,

  • 91960, para um ponto de vista mais fsico.Ressaltamos o texto de J. Jose e E. Saletan, 1998, que aborda topicos avancados

    de maneira muito didatica.Um topico importante que nao e abordado no texto por falta de espaco e o dos

    corpos rgidos. O leitor pode encontrar uma otima apresentacao deste assuntoem V. Arnold, 1978.

    A relacao da mecanica classica com o estudo de sistemas caoticos e descritacom muitos detalhes em G. Gallavotti, 1983; que aborda tambem questoes im-portantes sobre integrabilidade.

    Diferentemente do que alguns pensam, a mecanica classica e um topico depesquisa atual e muitos resultados importantes foram obtidos nos ultimos anosna analise global dos sistemas mecanicos. Referimos ao leitor R. Mane, 1996, A.Fathi, 1997, e G. Contreras e R. Iturriaga, 1999, onde, por exemplo, se mostra aexistencia de sub-solucoes da equacao de Hamilton-Jacobi e sua relacao com teoriaergodica. Outro topico que recentemente tem sido analisado e a relacao entresolucoes de viscosidade, a teoria de Aubry-Mather e o comportamento assintoticode densidades de equilbrio de certos processos estocasticos, conforme L. Evans eD. Gomes, 2001 e N. Anantharaman, 2004.

    Crticas, correcoes, sugestoes, novos exerccios, etc sao bem-vindos pelo autorem [email protected] para a elaboracao de futuras edicoes do presente livro.

    Este texto, em uma versao preliminar, fez parte da colecao Monografias deMatematica (IMPA). Varias correcoes foram feitas naquela versao a partir daminha experiencia de ensinar o assunto em consideracao ao longo dos anos.

    Gostaria de agradecer a alguns colegas que leram as presentes notas, forne-ceram figuras e fizeram varias sugestoes para o aperfeicoamento do texto. Emprimeiro lugar desejo agradecer especialmente ao colega Claus Ivo Doering, queleu o manuscrito com extremo cuidado e consertou uma serie de pequenas im-perfeicoes no mesmo. Gostaria tambem de agradecer a Eduardo Brietzke, JairoBochi, Luis Fernando Ziebell, Pierre Collet, Marcelo Viana, Manfredo do Carmo,Flamarion Taborda, Mario Carneiro, Rafael Rigao Souza, Julio Schoffen, Sonia P.de Carvalho, Silvie Kamphorst, Paulo Rodrigues, Carlos Tomei, Luis Fernando daRocha, Marilaine Fraga, Celene Buriol, Pedro Nowosad, Gustavo Moreira, PedroMendes, Jorge Sotomayor, Luciane Conte, Flavia Branco, Alexandre Baraviera,Mara L. M. Botin, Elismar Rosa, Allyson Ferrari e Marcos Sebastiani.

    Acreditamos que o ponto de vista utilizado no texto (ou seja, a busca doentendimento matematico da formulacao e tambem da resolucao dos problemasbasicos da mecanica classica) podera ser de grande utilidade ao leitor que tempretensao de entender os aspectos mais sofisticados da fsica moderna. Esta, poralguma razao metafsica, tem um gosto perverso por tudo aquilo que e consideradoabstrato na matematica atual.

    Porto Alegre, 2 de abril de 2006Artur Oscar Lopes

    Instituto de Matematica - UFRGS

  • APRESENTACAO

    O objetivo desta obra consiste em apresentar o material basico

    de um curso de mecanica classica para estudantes de matematica ou

    fsica-teorica, sendo tambem apropriado para programas de iniciacao

    cientfica. O livro e baseado num curso de graduacao que ministrei

    durante varios anos para o bacharelado em Matematica da Uni-

    versidade Federal do Rio Grande do Sul. O enfoque no texto e

    geometrico: a maneira moderna de se entender a mecanica classica.

    As demonstracoes dos resultados analisados sao detalhadamente

    apresentadas, contando, ainda, com uma grande quantidade de exem-

    plos que ilustram a teoria, e de numerosos exerccios propostos ao

    fim de cada secao. O leitor podera, assim, trabalhar com questoes

    objetivas e testar o seu entendimento acerca do material apresen-

    tado.

    Este texto aborda os conceitos e as propriedades basicas da

    mecanica newtoniana, lagrangiana e hamiltoniana, preparando o

    aluno para a leitura de livros mais sofisticados sobre o assunto.

    O material e apresentado de maneira matematicamente rigorosa.

  • 1MECANICA NEWTONIANA

    1.1 INTRODUCAO

    A lei de Newton e a base da mecanica classica, e com ela comecamos as nossasconsideracoes.

    A lei de Newton: Vamos supor que x(t), t R, descreve a posicao de umapartcula de massa m na reta R sob a acao de um campo de forcas f : R R. Alei de Newton afirma que a trajetoria x(t) do sistema mecanico satisfaz a equacaodiferencial de segunda ordem

    mx(t) = f(x(t)) .Um sistema como este denominamos genericamente de sistema mecanico, e

    nosso objetivo principal no presente texto e analisar equacoes diferenciais destetipo (e suas generalizacoes).

    A derivada x(t) e denominada velocidade da partcula, e a derivada segundax(t) e denominada aceleracao da partcula. Sendo assim, a lei de Newton afirmaque a forca exercida pelo campo e igual a` massa vezes a aceleracao. Esta lei,enunciada por Sir Isaac Newton em seu famoso livro Os Princpios Matematicosda Filosofia Natural, publicado em 1687, e uma das mais importantes observacoesja feitas sobre a natureza.

    A partir da lei de Newton deduziremos matematicamente uma serie de re-sultados interessantes. Nosso objetivo e tentar identificar, quando possvel, astrajetorias x(t), ou entao descobrir quais propriedades possuem essas trajetorias.Na verdade, o objetivo do presente texto pode ser resumido na seguinte afirmacao:desejamos investigar as propriedades das solucoes de equacoes da forma mx =f(x) e suas generalizacoes.

    Uma partcula, neste texto, e considerada como um ponto (portanto semdiametro) dotado de uma massa m. Nosso ponto de vista a respeito de forca,massa, partcula, etc e ingenuo, ou seja, nao entramos em consideracoes sobresistemas de coordenadas absolutas ou outras questoes deste tipo. Os conceitosmatematicos e os resultados que serao obtidos a seguir sao claros em si mesmos eacreditamos que elaboracoes mais sofisticadas, no incio de um curso de Mecanica,so servem para confundir o leitor (referimos o livro de P. Appel, 1952 para algunscomentarios sobre este assunto).

    Muitos problemas em mecanica envolvem a descricao da evolucao temporalde um corpo de massa m sujeito a um campo de forcas f . Podemos alternativa-mente descrever a evolucao do sistema como se o corpo fosse substitudo por uma

  • 14 Mecanica Newtoniana

    -2 -1 0 1 2

    Figura 1.1.1

    partcula de massa m, colocada exatamente no centro de massa do mencionadocorpo, e sobre a qual o campo de forcas f vai agir.

    Nosso primeiro exemplo de sistema mecanico sera o oscilador harmonico.

    Exemplo 1.1.1: Considere uma mola de massa desprezvel a` qual e presa,em uma ponta, uma partcula de massa m. Vamos supor que a outra pontada mola esta presa a uma parede e que a mola so pode se deslocar, sem geraratrito, ao longo de uma reta, a` qual e dado um sistema de coordenadas em que aposicao de equilbrio da mola esta no ponto 0. Observa-se experimentalmente quedado um afastamento de tamanho x da partcula da sua posicao de equilbrio,ela sofre atraves da reacao da mola uma forca de intensidade kx, onde k euma constante positiva (denominada constante de elasticidade), isto e, a forca derepulsao depende linearmente do deslocamento (ver figs. 1.1.1 e 1.1.2). Como sesabe, a repulsao e no sentido oposto ao deslocamento; este fato e naturalmenteobservado apenas para pequenos deslocamentos, e a mola pode ate romper-se,em caso de grande deslocamento da partcula de sua posicao de equilbrio. Sendoassim, considerando que vamos permitir apenas pequenos deslocamentos, e na-tural supor que o campo de forcas e f(x) = kx. Supondo que x(t) descreve aposicao da partcula no instante t, sujeita ao campo de forcas kx, segue da leide Newton que a solucao x(t) deste sistema mecanico satisfaz

    mx(t) = f(x(t)) = kx(t).

    Ou seja, devemos resolver uma equacao diferencial linear de segunda ordemcom coeficientes constantes para encontrar a solucao x(t). Como e conhecido (verteorema 1.1.1 a seguir), dados os valores iniciais x(t0) = x0 R e x(t0) = y0 R,a solucao de tal equacao e determinada de maneira unica. Este fato e bastanteintuitivo, pois para saber como sera a evolucao temporal do extremo da mola,nao basta saber de onde ela vai ser largada no tempo t = 0, mas tambem comque velocidade inicial vamos lanca-la. E facil ver que se t0 = 0, x0 = 0 e x1 = 1,

    entao x(t) =

    mk

    sen (

    kmt) e a solucao da equacao.

    Vamos agora enunciar o teorema de existencia e unicidade para equacoesdiferenciais ordinarias (ver referencias gerais sobre o assunto em C. Doering eA. Lopes, 2005; D. Figueiredo e A. Neves, 1997; J. Sotomayor, 1979; M. Hirsche S. Smale, 1974; R. Bassanegi e W. Ferreira, 1988). Vamos supor sempre no

  • Introducao a` Mecanica Classica 15

    -2 -1 0 x(t)1 2

    Figura 1.1.2

    texto que estao satisfeitas hipoteses suficientes que assegurem a existencia dassolucoes; na verdade vamos assumir, a menos que ocorra referencia explcita aocontrario, que para as equacoes diferenciais neste texto, as solucoes existem paratodo valor de t real. (Como e sabido, o problema de existencia de solucoes paraequacoes diferenciais parciais e muito mais complexo e nem sempre apresentasolucao, mesmo para equacoes diferenciais parciais cujos coeficientes envolvamapenas funcoes infinitamente derivaveis.)

    Uma funcao F e dita de classe C0 se ela e contnua. Dizemos que F e declasse Cr, r > 1, se todas as derivadas parciais mistas de F ate ordem r existeme sao contnuas. Uma funcao F e dita de classe C se existem todas as derivadasparciais mistas de F de todas as ordens. A menos que se especifique o contrario,todas as funcoes neste texto sao tomadas por hipotese de classe C.

    O leitor familiarizado com o teorema de existencia e unicidade para equacoesdiferenciais ordinarias pode omitir a leitura do que se segue nesta secao e pros-seguir diretamente para a proxima.

    Teorema 1.1.1: Existencia e Unicidade para Equacoes Diferenciais Ordinarias:Dados F : Rn Rn de classe C1 e a equacao diferencial x(t) = F (x(t)), comcondicao inicial x(t0) = x0 Rn, existe > 0 tal que a solucao x(t) da equacaoexiste em (t0 , t0 + ) e e unica neste intervalo, isto e, existe apenas uma curvax : (t0, t0+) Rn tal que x(t0) = x0 e, para cada |tt0| < , x(t) = F (x(t)).Denomina-se F de campo de vetores.

    O problema de encontrar solucao para uma equacao diferencial com umacondicao inicial e denominado problema de Cauchy; o teorema acima afirma entaoque para equacoes diferenciais ordinarias sempre existe solucao para o problemade Cauchy. Muitas vezes uma equacao diferencial estara definida apenas numsubconjunto aberto B Rn e nao no espaco todo; por abuso de linguagemcontinuaremos dizendo que a equacao ou campo de vetores esta definido no Rn.Referimos ao leitor o livro Equacoes Diferenciais Ordinarias de C. Doering eA. Lopes, para maiores detalhes a respeito deste resultado, que e igualmentevalido para equacoes definidas apenas em subconjuntos abertos do Rn, bem comopara equacoes diferenciais nao-autonomas, isto e, equacoes diferenciais do tipox = F (x, t).

  • 16 Mecanica Newtoniana

    Dada uma equacao diferencial de segunda ordem em Rn, x = g(x, x), x Rn, com condicoes iniciais x(t0) = x0, x

    (t0) = y0, (assuminos que g e ao menosde classe C1) e sempre possvel transformar a analise das solucoes deste problemano estudo das solucoes de uma equacao de primeira ordem em R2n. Para issointroduzimos as variaveis (x1, x2) R2n com x1, x2 Rn. O campo de vetoresde primeira ordem {

    x1 = x2x2 = g(x1, x2)

    (ou seja, F (x1, x2) = (x2, g(x1, x2))) com a condicao inicial (x1(t0), x2(t0)) =(x0, y0) e equivalente a` equacao de segunda ordem dada pois, denotando por(x1(t), x2(t)) a solucao desta equacao, verificamos que x1(t) satisfaz

    x1(t) = (x1)(t) = x2(t) = g(x1(t), x2(t)) = g(x1(t), x

    1(t))

    e x1(t0) = x0, x1(t0) = x2(t0) = y0, de modo que x(t) = x1(t) e solucao de

    x(t) = g(x(t), x(t)), com as condicoes iniciais dadas. (Reciprocamente, se x(t)e solucao da equacao de segunda ordem, o par (x(t), x(t)) e solucao da equacaode primeira ordem associada.)

    Note que F e de classe C1 pois assumimos que g e desta classe.Por exemplo, no caso da mola mx = kx, podemos considerar o sistema

    x1 = x2, x2 = kmx1 (ou seja, F (x1, x2) = (x2, kmx1) ).

    Na maioria das vezes e mais interessante trabalhar com uma equacao di-ferencial de primeira ordem do que com uma de segunda ordem, mesmo quepara isso tenhamos que aumentar o numero de variaveis de n para 2n. A va-riavel x2(t) = x

    1(t) acima introduzida nos da informacao sobre a derivada de

    x(t) = x1(t). Pelo que vimos acima, segue do teorema 1.1.1 que a solucao x(t)de x = g(x, x) com condicoes iniciais x(t0) = x0, x(t0) = y0, existe.

    Exemplo 1.1.2: Seja F a transformacao linear dada por: F (x1, x2) = (a11x1 +a12x2, a21x1 + a22x2) onde a11, a12, a21, a22 sao numeros reais. Neste caso, o sis-tema de equacoes x = F (x) e:{

    x1 = a11x1 + a12x2x2 = a21x1 + a22x2 .

    Denote a matriz de F, com entradas aij , i, j {1, 2}, por A. De uma maneiramais compacta a equacao acima, junto com uma condicao inicial x(t0) = x0, podeser descrita como

    x = Ax, x(t0) = x0 = (x01, x02) .

    Neste caso a solucao (que sempre existe) pode ser expressa por

    x(t) = e(tt0)Ax0 = I(x0) + (t t0)A(x0)+

    +(t t0)2

    2!A2(x0) +

    (t t0)33!

    A3(x0) + + (t t0)n

    n!An(x0) +

  • Introducao a` Mecanica Classica 17

    Estamos usando a seguinte notacao: An e o produto matricial de A consigomesma n vezes, A(x) denota a matriz A aplicada ao vetor x em R2 e I denota amatriz identidade (isto e, I(x) = x, para todo x). E usual dizer que a expressaoacima e a expansao de etA em serie de potencias. Referimos ao leitor o livro deC. Doering e A. Lopes, 2005, para consideracoes gerais sobre esse topico.

    Pode-se mostrar (ver C. Doering e A. Lopes, 2005) que

    et

    a bb a

    = et a(

    cos(b t) sen (b t) sen (b t) cos(b t)

    ).

    No caso da equacao mx = kx da mola sem atrito, o sistema

    x1 = x2, x2 =

    k

    mx1,

    nos conduz a analisar a matriz

    A =

    (0 1

    km

    0

    ).

    Neste caso, tomando t0 = 0, temos que

    et

    0 1 km

    0

    (x01x02

    )=

    (x1(t)x2(t)

    ),

    determina a solucao (x1(t), x2(t)) de

    x1 = x2, x2 =

    k

    mx1,

    sujeito a condicao inicial

    (x1(0), x2(0)) = (x01, x

    02).

    Exemplo 1.1.3: Fixada a matriz(2.3 4.51.2 5

    )e a condicao inicial x(0) = (1, 0) = (x01, x

    02), temos que a solucao x(t) de

    x(t) = Ax(t)

    e dada por

    x(t) =

    (x1(t)x2(t)

    )= et A

    (10

    )=

  • 18 Mecanica Newtoniana

    [

    n=0

    1

    n!(

    (2.3 t 4.5 t1.2 t 5 t

    ))n ]

    (10

    )=

    [(1 00 1

    )+

    (2.3 t 4.5 t1.2 t 5 t

    )+

    1

    2

    (2.3 t 4.5 t1.2 t 5 t

    )2+

    1

    3!

    (2.3 t 4.5 t1.2 t 5 t

    )3+ ...

    ] (10

    )

    Exerccio:

    1. Calcule a solucao do sistema{x1 = 3x1 ,x2 = 2x2 ,

    com condicao inicial (x1(0), x2(0)) = x0 = (x01, x

    02). Descreva de maneira es-

    quematica as trajetorias das solucoes (x1(t), x2(t)).

    Agora, calcule diretamente (atraves da expressao em serie de potencias) ovetor etA(x01, x

    02) = (x1(t), x2(t)) quando A e a matriz correspondente ao pre-

    sente caso. Cheque que as duas expressoes encontradas para (x1(t), x2(t)) sao asmesmas.

    2. Faca as contas e mostre que(x1(t)x2(t)

    )= et a

    (cos(t b) sen (t b) sen (t b) cos(t b)

    ) (x01x02

    ),

    resolve o sistema (x

    1(t)

    x

    2(t)

    )=

    (a bb a

    ) (x1(t)x2(t)

    ),

    e satisfaz a condicao inicial(x1(0)x2(0)

    )=

    (x01x02

    ) R2.

    1.2 O TEOREMA DE CONSERVACAO DE ENERGIA TOTAL

    Passamos agora a analisar o caso geral do sistema de primeira ordem em R2

    associado a` equacao de segunda ordem em R dado pela lei de Newton. Suponhaque x(t) descreve a evolucao de uma partcula sob a acao de um campo de forcasf : R R. Pela lei de Newton, a trajetoria x(t) obedece a seguinte equacaodiferencial, com as apropriadas condicoes iniciais:{

    mx = f(x)x(t0) = x0, x

    (t0) = y0 .

  • Introducao a` Mecanica Classica 19

    Da mesma maneira como procedemos no caso geral acima, o sistema de primeiraordem em R2 associado a esta equacao de segunda ordem em R e:{

    x1 = x2, x1(0) = x0x2 =

    1mf(x1), x2(0) = y0

    que vemos como a equacao de primeira ordem (x1, x2) = F (x1, x2) do campo de

    vetores F dado por:

    F (x1, x2) =

    (x2,

    1

    mf(x1)

    ).

    Denote por (x1(t), x2(t)) a solucao em R2 deste sistema com a condicao inicial

    (x1(0), x2(0)) = (x0, y0). Como ja foi feito na secao anterior, aqui temos quex(t) = x1(t) e a solucao da equacao de segunda ordem mx

    = f(x), x(0) =x0, x

    (0) = y0 e portanto podemos analisar um sistema de primeira ordem em R2

    em vez do sistema de segunda ordem em R associado a` lei de Newton. Comoveremos a seguir, e mais conveniente e natural trabalhar com o espaco de posicoese de velocidades juntos do que somente com o espaco de posicoes isoladamente.

    Exemplo 1.2.1: No caso da equacao da mola sem atrito (ver exemplo 1.1.1),

    mx = kx, x(0) = x0, x(0) = y0 ,

    as consideracoes anteriores nos conduzem ao sistema linear{x1 = x2x2 = kmx1 ,

    ou seja, a` equacao matricial(x1x2

    )=

    (0 1

    km

    0

    )(x1x2

    ).

    Como sabemos da teoria das equacoes diferenciais, as solucoes desta equacaosao obtidas atraves do polinomio caracterstico de mx + kx = 0, que neste casoe m2 + k = 0. Entao = i, onde > 0 e dado por

    =

    k

    m

    e a solucao com x1(0) = x0, x2(0) = y0 e

    (x(t), x(t)) = (x1(t), x2(t)) =

    =

    (x0 cost + y0

    1

    sent, x0 sent + y0 cost

    ).

    A solucao geral desta equacao diferencial portanto descreve uma elipse, comomostra a fig. 1.2.1.

  • 20 Mecanica Newtoniana

    Figura 1.2.1

    Exemplo 1.2.2: Considere o movimento livre de uma partcula de massa mna reta R, ou seja, considere o caso em que o campo de forcas f e nulo. Pela leide Newton teremos:

    mx = 0, x(0) = x0, x(0) = y0 .

    Integrando duas vezes, obtemos a solucao geral:

    x(t) = at+ b .

    Neste caso a velocidade x(t) e constante e e igual a a. As constantes a, b Rpodem ser encontradas em funcao das condicoes iniciais resolvendo o sistema:x0 = x(0) = a 0 + b = b, y0 = x

    (0) = a. Logo a = y0, b = x0, e portantoa solucao geral deste sistema mecanico e x(t) = y0t + x0. Reciprocamente, sex(t) = 0, t R, entao f = 0.

    Nosso objetivo e analisar campos de forcas da forma geral f(x, x, t).

    A lei de Newton: Vamos supor que x(t) Rn para cada t R, descreve aposicao de uma partcula de massa m em Rn sob a acao de um campo de forcasf : R2n+1 Rn, f(x, x, t), x Rn, x Rn, t R. A lei de Newton afirma quea trajetoria x(t) do sistema mecanico satisfaz a equacao diferencial de segundaordem

    mx(t) = f(x(t), x(t), t) .

    Definicao 1.2.1: Um campo de forcas que depende do tempo t, ou seja umsistema do tipo x(t) = f(x, x, t), com f : R2n+1 Rn, e dito nao-autonomo.Os campos que nao dependem de t sao ditos autonomos.

  • Introducao a` Mecanica Classica 21

    Quando falamos de um campo de forcas e nao especificamos nada, deve serentendido que este campo de forcas e autonomo.

    A lei de Newton, em qualquer caso, afirma que mx = f(x, x, t).

    Observacao 1.2.1: Passamos a usar a seguinte notacao: se f(x, x, t) e umcampo de forcas, vamos seguir a tradicao, utilizando x para indicar a variavelindependente da equacao de primeira ordem associada a mx = f(x, x, t). Sendoassim, escreveremos

    F (x, x, t) =

    (x,

    1

    mf(x, x, t)

    ),

    inclusive quando, adiante, estivermos trabalhando com mais de uma variavel ex = (x1, . . . , xn), x = (x1, . . . , xn). Esta notacao e conveniente para lembrar-nosque x denota, afinal de contas, a variavel que e substituda pela velocidade: sex = x(t), entao x = x(t). Como veremos a seguir, e util fazer esta distincao. Oteorema 1.1.1 assegura a existencia da solucao x(t).

    Definicao 1.2.2: Se f(x, x) e um campo de forcas, o espaco da variavel x Rne chamado de espaco de configuracoes do sistema mecanico, enquanto o espacoda variavel (x, x) R2n e chamado espaco de fase do sistema.

    As variaveis x e x sao, na verdade, independentes quando consideramos o par(x, x) no espaco de fase. O serve apenas para nos lembrar qual termo daequacao diferencial de segunda ordem corresponde a` derivada temporal de x (avelocidade) na equacao de primeira ordem associada.

    Muitas vezes os livros de mecanica usam a notacao (q, q) = (x, x) para denotaras variaveis independentes posicao e velocidade. Assim o espaco de configuracoese o espaco da variavel q e o espaco de fase e o espaco da variavel (q, q). Algunslivros chamam de espaco de fase apenas o conjunto dos pontos da forma (q, p),onde p e o momento (que sera definido adiante, no captulo 3). Nos usamos otermo espaco de fase num sentido geral para qualquer um dos dois casos (q, q)ou (q, p).

    Tentamos sempre reservar a expressao x(t) para a derivada temporal da tra-jetoria x(t). A derivada em t de uma funcao tomando valores em R ou Rn, e quedepende do tempo t R, e denotada por ou d

    dt. Expressoes do tipo d

    dx(ou

    x)

    denotam derivada (ou derivada parcial) em relacao a` variavel independente x.

    Estamos, na verdade, interessados em indicar de maneira esquematica as tra-jetorias no espaco de fase, como aparece, por exemplo, na fig. 1.2.1, no caso damola sem atrito. Usamos a seguinte notacao: a seta sobre a trajetoria indica adirecao do tempo crescente. Duas trajetorias do espaco de fase nao podem secortar, por causa da propriedade da unicidade de solucoes de uma equacao dife-rencial ordinaria (ver teorema 1.1.1). Note tambem que desenhar trajetorias noespaco de fase (x, x), e algo que so faz sentido para sistemas autonomos.

    Vamos agora introduzir o conceito de energia total de um sistema mecanico:

    Definicao 1.2.3: Considere um sistema regido pela lei de Newton f(x) = mx.

  • 22 Mecanica Newtoniana

    Existindo U : Rn R tal que U(x) = ( Ux1

    , ..., Uxn

    ) = f(x), diremos que ocampo de forcas f e conservativo. Neste caso, a funcao E : R2n R, tal queE(x, x) = 12m|x|2 +U(x), onde, x, x Rn, e denominada energia total do sistemamecanico mx = f(x). O termo 12m|x|2 e denominado energia cinetica e o termoU(x) e denominado energia potencial.

    O potencial U e definido a menos de uma constante aditiva, pois U(x) ouU(x)+, sendo uma constante real, definem o mesmo campo de forcas f (con-forme definicao acima) e, portanto, produzem o mesmo efeito no nosso modelo.Note que U depende so de x.

    Nem sempre existe tal U . Para um dado f , condicoes em que se pode afirmarque exista tal U podem ser encontradas em 3.10.

    Vamos considerar primeiro o caso unidimensional (o caso n-dimensional seratratado mais tarde): fixe x0 e considere U(x) =

    xx0f(y)dy. Nesse caso, existe

    U tal que dUdx

    = f(x) e, portanto, f e sempre conservativo.Seja agora x(t) a trajetoria de uma partcula sob a acao de um campo de

    forcas f : R R. A energia cinetica da trajetoria x(t) no tempo t e

    EC(x(t)) =

    1

    2mx(t)2 ,

    a energia potencial da trajetoria x(t) no tempo t e

    U(x(t)) = x(t)

    x0

    f(y)dy ,

    e a energia total da trajetoria x(t) no tempo t e a soma energia cinetica + energiapotencial, ou seja,

    E(x(t), x(t)) =1

    2mx(t)2 + U(x(t)) .

    A energia cinetica depende somente da variavel x R, ou seja, da velocidade,atraves da expressao EC(x) =

    12mx

    2. Finalmente, a energia total e uma funcaode ambas as variaveis do espaco de fase: E(x, x) = 12mx

    2 + U(x). Para unificara escrita, muitas vezes consideramos tambem as energias cinetica e potencialdefinidas no espaco de fase (q, q) = (x, x), mesmo que cada uma delas na verdadedependa de apenas uma destas duas variaveis. EC , EP : R

    2 R entao sao dadaspor EC(x, x) =

    12mx

    2 e EP (x, x) = U(x), resultando ET (x, x) = EC(x, x) +EP (x, x).

    Exemplo 1.2.3:

    a) Para o campo de forcas associado a` mola, f(x) = kx, a energia potenciale EP (x) = U(x) =

    12kx

    2 = 12m2x2 e a energia total e

    ET (x, x) =1

    2mx2 +

    1

    2kx2 =

    1

    2m[x2 + 2x2

    ].

  • Introducao a` Mecanica Classica 23

    Vamos agora calcular os valores das energias ao longo de certos caminhos.Primeiramente, para um caminho x(t) que nao e solucao deste sistema mecanico,ilustrando uma propriedade importante descrita no proximo teorema.

    a1) Considere x(t) = et, onde R e constante; x(t) evidentemente nao esolucao da equacao mx = kx. Nesse caso

    EC(x(t)) = energia cinetica =

    m

    2(et)2 =

    1

    2m2e2t ,

    U(x(t)) = energia potencial = x

    0ky dy = kx

    2

    2=

    1

    2ke2t e

    E(x(t)) = energia total =1

    2(m2 + k)e2t .

    a2) Considere agora a trajetoria x(t) = cost, que de fato e solucao daequacao diferencial mx = kx dada pela lei de Newton; f(x) = kx e o campode vetores associado a` mola e x(t) = sent. Neste caso,

    EC(x(t)) =

    1

    2m ( sen t)2 = 1

    2k sen2t ,

    U(x(t)) = x(t)

    0(ky)dy = 1

    2kx(t)2 =

    1

    2k cos2 t e

    E(x(t)) =1

    2k(cos2 t+ sen2t

    )=

    1

    2k .

    b) Um caso importante que merece destaque e o da atracao de dois corpos.Considere duas partculas de massas respectivamente m1 e m2. Suponha quea primeira partcula, de massa m1 , nao possa se mover. Vamos supor, parasimplificar, que ela esta fixa na origem da reta real, ou seja no ponto 0, e quex = x(t) vai descrever a evolucao temporal da partcula m2. Foi observadopor Newton que a partcula de massa m2 , quando localizada no ponto x, sofreuma forca de atracao gravitacional de intensidade f = Gm1m2

    (x)2, onde G e uma

    constante universal. A direcao da forca de atracao f (criada pelas partcula demassa m1 e m2) e que age sobre a partcula de massa m2, aponta de x para 0 (verfig. 1.2.2). O potencial associado a este campo e entao U(x) = G x

    x0

    m1m2y2

    dy,

    ou seja, U(x) = Gm1m2x

    . De acordo com a lei de Newton, x(t) satisfaz mx(t) =Gm1m2

    (x(t))2.

    A solucao do presente problema mecanico sera apresentada na secao 1.6.

    c) Vamos analisar agora o movimento de uma partcula em queda livre: umcorpo de massa m e largado de uma altura x0 com velocidade inicial zero, caindoverticalmente, sem atrito, sob acao da forca gravitacional f = gm, onde g e aconstante de gravidade. Nesse caso, a energia potencial e EP (x) = U(x) = gmx ea energia total e ET (x, x) =

    12mx

    2 +gmx. Note que a energia potencial e a massavezes a altura vezes g; adiante voltaremos a usar este fato.

  • 24 Mecanica Newtoniana

    f1

    x2

    xx1

    f2

    X1

    f1 f

    2

    X2

    X

    Figura 1.2.2

    Figura 1.2.3

    A equacao diferencial obtida pela lei de Newton e mx = mg, ou seja, x =g. Integrando, obtemos x(t) = 12gt2 +bt+c; considerando as condicoes iniciaisx(0) = x0, x

    (0) = 0, eliminamos as constantes b e c, obtendo x(t) = 12gt2 +x0.A partir do x(t) geral acima obtido, deduzimos que x(t) = gt + b. Obtemosassim a solucao geral (x(t), x(t)) = ( 12gt2 + bt+ c,gt+ b) do sistema mecanico(c = x0, b = x

    (0)). As trajetorias deste sistema no espaco de fase (x, x) aparecemna fig. 1.2.3. Calculando os valores das energias ao longo destas trajetorias x(t)obtemos

    EC(x(t)) =

    1

    2m(gt+ b)2,

    U(x(t)) = x(t)

    0mgdy = mg(x(t) x(0)) = mg(1

    2gt2 + bt+ c)mgx0

    e, finalmente, a energia total e uma constante independente de t.

  • Introducao a` Mecanica Classica 25

    O leitor deve ser alertado para o seguinte: a lei de atracao entre dois corposafirma que a forca a ser considerada (no caso, aquela agindo da Terra sobre ocorpo que esta caindo) nao e constante pois, como vimos em b) acima, dependedo inverso do quadrado da distancia. Acontece que para pequenas distancias (emcomparacao com o diametro da terra) sobre a superfcie da terra essa forca naovaria muito. Sendo assim, em certas situacoes que envolvem pequenas distancias,podemos supor, para simplificar, que ela e constante, como fizemos neste exem-plo. Consequentemente, o potencial e a altura, ou seja, a distancia do corpoa algum ponto de referencia, que assim define um campo de forcas constante.Lembre tambem que o potencial pode ser sempre definido a menos de uma cons-tante aditiva.

    Nos itens a2) e c), as trajetorias x(t) (cada uma e solucao do problemamecanico correspondente) dos exemplos acima sao tais que a energia total econstante, mas nao no item a1), no qual x(t) nao e solucao da equacao dadapela lei de Newton. Este fato e objeto da analise a seguir, quando consideramoso teorema de conservacao de energia total.

    Vamos relembrar no caso unidimensional um conceito introduzido antes.

    Definicao 1.2.4: Um campo de forcas da forma f(x) definido em R e ditoconservativo se existe uma funcao U(x), denominada um potencial de f, tal que

    dUdx

    (x) = f(x) .

    Como vimos antes, se f depende apenas da posicao x R e nao da velocidadex, sempre se obtem U : basta tomar qualquer primitiva de f .

    Propriedade Importante: Todos os campos de forcas f(x), f : R R saoconservativos e a energia potencial esta bem definida.

    Adiante analisaremos este conceito no caso do Rn, onde nem todos os camposde forcas da forma f(x) sao conservativos.

    Campos de forcas da forma f(q, q) (ou f(q, t)), ainda que q, q R, saoclaramente nao conservativos, ou seja, nao e possvel encontrar U(x) tal quedU

    dx= f(x, x).

    Teorema 1.2.1: Conservacao de Energia Total: Considere um campo de forcasf(x) conservativo e com potencial U = EP . Se x(t) satisfaz a lei de Newton,mx(t) = f(x(t)), entao a energia total ao longo de x(t),

    E(x(t), x(t)) = EC(x(t)) + U(x(t)) ,

    e constante.

    Demonstracao: Denotemos h(t) = E(x(t), x(t)) e mostremos que h e cons-tante. Como E(x, x) = 12mx

    2 + U(x), temos h(t) = 12m(x(t))2 + U(x(t)); deri-

  • 26 Mecanica Newtoniana

    vando h obtemos

    h(t) = 12m2x(t)x(t) + dU

    dx(x(t))x(t) = mx(t)x(t) f(x(t))x(t) =

    = mx(t)x(t)mx(t)x(t) = 0 ,

    pois mx = f(x) e dUdx

    (x) = f(x). Isso prova que h e uma funcao constante e,portanto, que a energia total e constante ao longo da trajetoria x(t).

    Definicao 1.2.5: Uma integral primeira de uma equacao diferencial autonomade primeira ordem x = F (x) definida em um aberto A Rn e uma funcaoW : A R que e diferenciavel e nao constante em qualquer aberto contido emA, mas que e constante ao longo de cada trajetoria da equacao diferencial. Emoutras palavras, se x = F (x) e a equacao com F : Rn Rn, W nao deveser diferenciavel e inconstante em qualquer aberto, tal que d

    dtW (x(t)) = 0, para

    qualquer solucao x(t) Rn de x = F (x).

    Note que estamos exigindo que o domnio da integral primeiraW seja o mesmoda equacao diferencial x = F (x).

    Sendo assim, pelo teorema 1.2.1, a energia total e uma integral primeirada equacao diferencial de primeira ordem (x, x) = z = F (z) = F (x, x) =(x, 1

    mf(x)) associada ao sistema mecanico mx(t) = f(x(t)) e, portanto, cada

    solucao z(t) = (x(t), x(t)) permanece dentro de exatamente uma unica curva denvel E(x, x) = constante da funcao energia total. Note que, acima, x e x saovariaveis independentes e que (x(t), x(t)) significa derivacao de (x(t), x(t)), emrelacao a` variavel t.

    Exemplo 1.2.4: O resultado anterior permite identificar o conjunto dos pontosdo espaco de fase definidos pelas solucoes do problema mecanico em dois dosexemplos que analisamos acima. No caso da mola sem atrito, a energia total eE(x, x) = 12mx

    2 + k2x2, logo as trajetorias estao sobre elipses (ver fig. 1.2.1). No

    caso do corpo em queda livre, a energia total e E(x, x) = m2 x2 + gmx; tomando

    E = constante, obtemos que x e quadratico em x, como mostra a fig. 1.2.3. Estae uma importante informacao a respeito das trajetorias de um sistema mecanicoconservativo: o teorema acima permite calcular x em funcao de x. Adianteveremos como se pode usar esse teorema para tentar calcular x em funcao de t.

    Muitas vezes a forca f depende nao apenas de x, mas tambem de x, como,por exemplo, no caso da mola com atrito, em que o campo de forcas e dado por

    f(x, x) = kx cx ,onde k continua sendo a constante de elasticidade da mola, mas agora c e aconstante de atrito da mola. A lei de Newton, como afirmamos antes, e validada mesma maneira:

    f(x, x) = mx .

  • Introducao a` Mecanica Classica 27

    x

    x.

    Figura 1.2.4

    Esse nao e um sistema conservativo, pois a forca, nesse caso, depende da ve-locidade e nao podemos expressar f(x, x) como dU

    dx(x). Note que as trajetorias

    (x(t), x(t)) da mola com atrito (ver fig. 1.2.4) tem um comportamento bastantedistinto dos da mola sem atrito. (O caso da mola com atrito sera analisado noexemplo 1.7.9.)

    Definicao 1.2.6: Uma equacao diferencial (ou campo de vetores) de primeiraordem em A Rn, x = F (x), e dita integravel se existe um numero suficiente deintegrais primeiras, a ponto de permitir identificar as curvas (conjunto de pontosdo Rn) definidas pelas trajetorias do sistema.

    Dizemos que n1 integrais primeiras W1,W2, ...,Wn1 sao linearmente inde-pendentes, se para todo x A {x|F (x) = 0} vale que os vetores

    W1(x),W2(x), ...,Wn1(x)

    sao linearmente independentes. Segue o teorema da funcao implcita que n 1 integrais primeiras linearmente independentes permitem identificar as curvassolucoes da equacao diferencial x = F (x).

    Exemplo 1.2.5: A equacao diferencial (x1, x2, x

    3) = (x2, x1, 0) e integravel

    pois W1(x1, x2, x3) = x3 e W2(x1, x2, x3) = x21 + x

    22 sao integrais primeiras do

    sistema que permite identificar as curvas definidas pelas solucoes da equacaodiferencial: as trajetorias estao sempre simultaneamente dentro de planos x3 =constante e de cilindros x21 + x

    22 = constante (ver fig. 1.2.5), ou seja, sao crculos

    horizontais no R3. Note que W1 e W2 sao linearmente independentes.

  • 28 Mecanica Newtoniana

    x3

    x2

    x1

    Figura 1.2.5

    Neste exemplo em R3 precisamos de duas integrais primeiras para determinaras curvas. Em geral, em Rn, sao necessarias n 1 integrais primeiras Wi(x)linearmente independentes em cada ponto, para que Wi(x) = constante, 1 i n 1, determine implicitamente uma curva em Rn.

    Definicao 1.2.7: Um sistema mecanico autonomo definido por um campo deforcas f : Rn Rn e dito integravel se o associado sistema de primeira ordem(x, x) = F (x, x) = (x, 1

    mf(x)) em R2n e integravel. Algumas vezes diremos que

    o campo de forcas e integravel

    O leitor pode avaliar agora a importancia do teorema de conservacao de ener-gia total. Ele permite identificar o conjunto dos pontos das curvas solucoesno caso de sistemas conservativos unidimensionais com potencial U : as cur-vas solucoes estao contidas dentro das curvas de nvel da funcao energia total,E(x, x) = 12mx

    2 +U(x). Para sistemas mecanicos em dimensao maior (com cam-pos de forcas em R2 ou em Rn) a energia total por si mesma nao permite identi-ficar as curvas de nvel que contem cada solucao e sao necessarias mais integraisprimeiras, as quais nem sempre existem em numero suficiente. Isto e, na maioriadas vezes, em dimensao maior do que dois, o sistema nao e integravel. Pode-sedizer, no entanto, que no caso unidimensional, isto e, no caso em que o campode forcas e definido por f : R R, o sistema mecanico autonomo e sempreintegravel: uma integral primeira, a energia total, permite por si so, identificaras curvas que contem as orbitas (x(t), x(t)). Mais tarde, quando analisarmoscampos de vetores em R3, voltaremos a considerar estas questoes.

    Note que saber que a solucao (x(t), x(t)) esta dentro de uma curva de nvelnao permite, em princpio, determinar, para um certo valor de t, qual e o valor dasolucao x(t). E importante destacar, no entanto, que no caso de x unidimensionalo teorema de conservacao de energia total permite de fato determinar a evolucaotemporal de um sistema conservativo unidimensional se soubermos calcular umacerta integral. Isso sera descrito a seguir.

  • Introducao a` Mecanica Classica 29

    Do teorema 1.2.1, E = 12mx2 + U(x) = constante, obtemos

    dx

    dt= x =

    2

    m(E U(x)) .

    Esta equacao de primeira ordem e separavel pois so depende de x, e portantoe integravel. Suponha que saibamos calcular

    g(x) =

    1

    2m

    (E U(x))dx ;

    pela regra da cadeia,

    dg(x(t))

    dt=

    12m

    (E U(x))dx

    dt= 1 .

    Logo, g(x(t)) = t + c, com c constante, e encontramos x(t) implicitamente, emfuncao de t. Este metodo e algumas vezes chamado de integracao de uma equacaodiferencial por quadraturas.

    Referimos ao leitor D. Figueiredo e A. Neves, 1997 para algumas consideracoessobre integrais elpticas, topico que esta relacionado com as integrais acima con-sideradas.

    Exerccios:

    1. Calcule a trajetoria da partcula com massa m, sujeita ao campo de forcasf(x) = kx, k > 0. Calcule as energias cinetica, potencial e total. Descreva astrajetorias no espaco de fase de maneira esquematica.

    2. Considere o potencial U(x) = x4. Calcule a energia total E(x, x), E :R2 R do sistema mecanico obtido e a seguir esboce as curvas de nvel de ET .

    3. Usando o teorema de conservacao de energia e o metodo de integracao porquadraturas, encontre x(t) para o sistema mecanico x = x, considerando amola com massa 1 e constante de elasticidade 1.

    1.3 SISTEMAS COM VINCULOS UNIDIMENSIONAIS

    Vamos agora analisar a lei de Newton para o caso de campos de forcas bidi-mensionais.

    A lei de Newton: Vamos supor que x(t) = (x1(t), x2(t)), t R, descreve aposicao de uma partcula de massa m no plano R2 sob a acao de um campo deforcas f : R2 R2. A lei de Newton afirma que a trajetoria x(t) = (x1(t), x2(t))do sistema mecanico satisfaz a equacao diferencial de segunda ordem

    m(x1(t), x2(t)) = mx

    (t) = f(x(t)) = f(x1(t), x2(t)).

  • 30 Mecanica Newtoniana

    Sendo assim, a lei de Newton em R2 e exatamente a mesma que na reta ou emRn. A equacao diferencial e de segunda ordem em R2 e, portanto, dadas a posicaoinicial (x1(0), x2(0)) = x0 R2 e a velocidade inicial (x1(0), x2(0)) = y0 R2,fica determinada, de maneira unica, a trajetoria (x1(t), x2(t)) da partcula.

    Exemplo 1.3.1: Um corpo em queda livre em um plano sob a acao da gravidadedetermina o campo de forcas f(x1, x2) = (0,mg); o campo aponta para baixoe e constante. A solucao de m(x1(t), x

    2(t)) = f(x1(t), x2(t)) = (0,mg), com

    as condicoes iniciais x0 = (0, 0) e y0 = (0, 0), e obtida de maneira simples poistemos um par de equacoes (cada uma delas ja vista na secao 2): temos x1(t) = 0,que produz x1(t) = at + b e mx

    2(t) = mg, que produz x2(t) = 12gt2 + ct + d

    por integracao; a partir das condicoes iniciais obtemos entao (x1(t), x2(t)) =(0,12gt2).

    Muitas vezes o movimento de uma partcula num sistema mecanico nao e detodo livre e existem restricoes, ou vnculos, que o restringem. A partcula podese mover sobre um plano mas estar sujeita a permanecer sobre uma curva, como,por exemplo, acontece com o pendulo simples, cuja extremidade esta sempresobre um crculo. Um vnculo pode ser dado implicitamente: a curva R2que vincula pode ser o conjunto dos pontos (x1, x2) que satisfazem G(x1, x2) =c = constante. Esse vnculo determinado pela curva R2 tambem pode serexplcito: uma parametrizacao z(s) = (x1(s), x2(s)) da curva. Neste caso, s naotem nada a ver com tempo. Por exemplo, no caso do crculo unitario, g(x1, x2) =x21 + x

    22 = 1 e uma caracterizacao implcita e z(s) = (cos s, sen s), s [0, 2pi) e

    uma parametrizacao. E importante que o leitor nao confunda os conceitos decurva (que e um conjunto de pontos) com parametrizacao de uma curva (que euma funcao, definida em um intervalo real, cuja imagem e uma curva). Curvaspermitem muitas parametrizacoes. Algumas vezes, por isso, falamos no traco dacurva para enfatizar que estamos considerando o conjunto de pontos do R2 que adetermina. Se o vnculo e dado implicitamente, quase sempre se pode encontrar,pelo menos localmente, uma maneira de escrever esse vnculo explicitamente,usando o teorema da funcao implcita (ver E. Lima, 1989).

    Nesta secao vamos considerar apenas vnculos dados por curvas. Outros tiposde vnculo tambem sao importantes em mecanica, por exemplo, uma partculalivre no R3 pode estar sujeita a colidir com a fronteira de uma caixa fechada quea contem. Problemas com vnculos deste tipo serao analisados na secao 4 destecaptulo.

    Suponha que e uma curva no plano e que existe um campo de forcas f agindoem todo R2; considere uma partcula sujeita ao vnculo e que esta exatamenteno ponto b de . Entao e bastante natural acreditar que a forca que age sobrea partcula e apenas a projecao fb da forca f(b) sobre a direcao tb tangente a`curva em b, pois a componente de f(b) na direcao normal a` curva e anuladapelo vnculo (ver fig. 1.3.1). Fica entao definido sobre a curva um campo deforcas fb.

  • Introducao a` Mecanica Classica 31

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    f

    n

    b

    tfb

    f

    Figura 1.3.1

    A lei de Newton para sistemas mecanicos com vnculos: Considere um campode forcas f em R2. Uma curva parametrizada (x1(t), x2(t)) sobre (o vnculo)e solucao do problema mecanico com vnculo se para todo t a projecao vb dem(x1(t), x

    2(t)) sobre a reta tb tangente a` curva em b = (x1(t), x2(t))

    coincide com fb, a projecao do vetor f(b) sobre a reta tb (isto e, vb = fb).

    Equivalentemente pode-se afirmar que neste caso m(x1(t), x2(t)) f(b) e um

    vetor normal em relacao a` curva em b = (x1(t), x2(t)) para todo t R .Note que o vnculo acima esta definido no espaco de configuracoes e nao no

    espaco de fase. Tais vnculos sao chamados holonomos.

    Para descrever a evolucao da partcula ao longo de sua trajetoria sobre ,(contido num espaco (x1, x2) bidimensional) a questao, na verdade, se torna umproblema unidimensional (em x R), dependendo da escolha do sistema decoordenadas g(x) = (x1, x2). De fato, fixando uma parametrizacao g(x) de ; comx variando em R obtemos os pontos g(x) da curva e podemos passar da variavel(x1, x2) ao sistema de coordenadas x R. O vetor u(x) dado por Dg1(x)(fb) =u(x), no qual g(x) = b , (onde fb e o projetado de f(b) na tangente a em b)determina um campo de forcas u(x) no espaco x R, correspondendo, atraves damudanca de coordenadas g, ao campo de forcas tangente fb no problema mecanicono R2 com vnculo (ver fig. 1.3.1). Devemos entao encontrar a solucao x(t)do problema mx = u(x) e a seguir, via (x1(t), x2(t)) = g(x(t)) obter a solucao(x1(t), x2(t)) do problema mecanico, sob forcas f , sujeito ao vnculo .

  • 32 Mecanica Newtoniana

    Figura 1.3.2

    Podemos portanto tranferir o problema mecanico no espaco de configuracoesR2 com vnculo unidimensional para um problema mecanico unidimensional comcampo de forcas em R; como ja vimos, os problemas unidimensionais sao faceisde tratar pois sao integraveis.

    Veremos agora, atraves de alguns exemplos, como se transfere o problemamecanico de para a reta real, obtendo-se assim problemas mecanicos seme-lhantes aos que consideramos na secao anterior. Comecamos com um exemplobem simples:

    Exemplo 1.3.2: Considere uma partcula que se encontra sobre um plano incli-nado, fazendo um angulo com a superfcie horizontal do chao: para simplificaro problema, podemos fazer um corte transversal, como mostra a fig. 1.3.2, re-duzindo o problema para duas dimensoes (x, y). Vamos supor que a partcula elargada do ponto P = (x0, h0) com velocidade zero e que a unica forca atuantee a da gravidade: o que desejamos saber e a posicao (x(t), y(t)) da partculano plano (x, y). O vnculo, neste problema, e a reta (determinada pelo planoinclinado) sobre a qual a partcula permanece. O problema na verdade e unidi-mensional e nao bidimensional, visto que, se soubermos onde esta x(t), saberemosque y(t) = x(t) tan . Como encontrar a equacao diferencial que controla o deslo-camento da partcula?

    A partcula esta sob a acao da forca da gravidade f = mg, porem a forca dagravidade age apenas na direcao do plano inclinado (ou melhor, da reta inclinada).Portanto, a forca que realmente esta agindo sobre a partcula situada em q(t) = batua na direcao da reta inclinada e com intensidade mg sen , isto e, fb =mg sen (cos , sen ).

    Escolhemos o sistema de coordenadas na variavel real q (sobre o plano incli-

  • Introducao a` Mecanica Classica 33

    nado) que da a distancia (positiva) de (x(t), y(t)) ao ponto (0, 0), como mostra afig. 1.3.2. Nesse caso,

    (x(t), y(t)) = q(t)(cos , sen) e

    (x(t), y(t)) = q(t)(cos , sen) .

    A lei de Newton afirma portanto que mq = mg sen e as condicoes iniciaissao q(0) = distancia de P a (0, 0) =

    x20 + h

    20 = h0 cos , q

    (0) = 0, portanto, asolucao

    q(t) = 12gt2 sen +

    x20 + h

    20

    e simples de se obter, procedendo de maneira similar ao que ja foi feito an-teriormente. Se desejarmos voltar a`s coordenadas (x, y), basta lembrar quex(t) = q(t) cos e y(t) = q(t) sen .

    Em resumo, quando temos vnculos devemos decompor o vetor forca do pro-blema sem vnculos em componentes tangencial e normal e determinar a direcaotangencial na qual a forca do problema com vnculo efetivamente age. Em outraspalavras, na mecanica newtoniana, que e basicamente vetorial, procedemos demaneira geometrica, projetando o vetor forca na direcao tangencial ao vnculoe analisamos o problema em novas coordenadas, considerando apenas a forcatangente ao vnculo. Esse metodo tem suas limitacoes computacionais quandoexistem muitas forcas envolvidas ou quando os vnculos sao mais complexos. Namecanica lagrangiana, em geral, como veremos posteriormente, teremos metodosmais simples e poderosos para deduzir as equacoes que vao reger o sistema comvnculo.

    No exemplo acima o vnculo e uma reta; vejamos agora um exemplo muitoimportante, no qual o vnculo e uma curva.

    Exemplo 1.3.3: Consideramos um pendulo simples num plano (vertical) soba acao da forca da gravidade. Supomos o pendulo com uma haste de tamanho le massa desprezvel, com um extremo fixo no ponto (0, 0) do plano e com umapequena bola de raio desprezvel e massa m no outro extremo (ver fig. 1.3.3). Aspossveis posicoes do extremo livre do pendulo estao sobre um crculo de centro(0,0) e raio l. Para saber o que acontece com este pendulo sujeito a` acao dagravidade, basta saber onde esta o extremo (x1(t), x2(t)) da haste, pois o outroextremo esta fixo.

    Em funcao da simetria circular deste problema e mais conveniente trabalharcom coordenadas polares, ou seja, em vez de descrever a posicao do extremo dopendulo por (x1(t), x2(t)), vamos descreve-la por ((t), r(t)), onde{

    x1 = r(t) cos (t) ,x2 = r(t) sen (t) .

    A conveniencia de tal escolha de coordenadas fica clara agora porque r(t) = l, paratodo t R e assim, na verdade, temos um problema unidimensional na variavel .

  • 34 Mecanica Newtoniana

    }lb

    -mg

    fb

    tx1

    x2

    f =Figura 1.3.3

    Nessa coordenada, a velocidade tangencial e l e a aceleracao tangencial e l. Aposicao do pendulo em repouso, no extremo inferior do crculo e, por convencao, = 0.

    Olhando a fig. 1.3.3 e facil de se ver que o vetor f dado pela forca da gravidadenao atua na direcao perpendicular ao crculo, pois a haste e rgida, mas apenas nadirecao tangente a ele, onde temos fb = mg sen . A constante g e a constanteda gravidade, que relaciona a massa de um corpo com a intensidade da forca deatracao exercida pela Terra sobre ele. Alem disso, temos a forca de atrito kl ,que e proporcional a` velocidade e atua no sentido oposto ao do movimento; aconstante k de atrito depende do meio no qual o pendulo se move. Pela lei deNewton conclumos que a equacao do pendulo e dada por:

    mld2

    dt2= mg sen kl d

    dt.

    De fato, o vetor l (-sen (), cos()) e tangente ao crculo em

    l (cos(), sen ())

    e a derivada segunda (x

    1 , x

    2) e igual a

    l (sen() + cos(),cos() + sen ()) .

    Fazendo o produto interno dos dois vetores obtemos a aceleracao projetada ml d2

    dt2

    e, finalmente, a expressao acima.Consideramos inicialmente o caso de atrito desprezvel, ou seja, nulo. Entao

    md2

    dt2= mg

    lsen (1.1)

  • Introducao a` Mecanica Classica 35

    e a equacao que descreve o problema unidimensional associado ao pendulo sematrito. Nesse caso o sistema e conservativo e a energia total e uma integralprimeira, a forca deriva do potencial U() = mg

    lcos e a energia cinetica e

    EC =12m

    2. A energia total, portanto, e dada por

    ET =1

    2m2 mg

    lcos (1.2)

    e o teorema de conservacao de energia total nos permite identificar as trajetoriasno espaco de fase, como segue. Nos pontos da forma x = 2npi o potencial U temmnimo local (veja o grafico periodico de U na fig. 1.7.6). Assim, adicionandoo termo positivo 12m

    2, temos que, em torno de (, ) = (2npi, 0), o potencialU tem um mnimo quadratico (que, pela formula de Taylor, e similar ao deg(x, y) = x2 + y2, ou g(, ) = 2 + 2 em torno da origem) e portanto as curvasde nvel da energia total numa pequena vizinhanca de (2npi, 0) sao curvas fechadasem torno de (2npi, 0). A analise em torno dos pontos da forma ((2n+ 1)pi, 0) nosda que o potencial U tem pontos de sela (pela formula de Taylor, U se parececom x2 y2 em torno de (0, 0)) e portanto as curvas de nvel da energia totaltambem se parecem com hiperboles, ou seja, parecem com as curvas de nvel dex2 y2. Isso mostra que as curvas de nvel da energia total determinam umadecomposicao do R2 (como a exibida na fig. 1.3.4A), e assim fica determinada,de uma maneira bastante simples, a partir do teorema da conservacao de energiatotal, a distribuicao global das trajetorias do pendulo sem atrito.

    Supondo que existe uma forca de atrito agindo sobre o pendulo, a equacao dosistema e

    md2

    dt2= mg

    lsen kd

    dt. (1.3)

    O termo k e responsavel pela dissipacao de energia e faz com que o pen-dulo seja amortecido pelo atrito, perdendo velocidade (energia cinetica) e altura(energia potencial). Nesse caso, portanto, a energia total nao se conserva. Noteque o campo de forcas tambem nao e a derivada de uma funcao na variavel x,isto e, o sistema mecanico nao e conservativo.

    Como sempre, a equacao diferencial de segunda ordem em R pode ser trans-formada em uma equacao diferencial de primeira ordem em R2 atraves de umprocedimento canonico: introduzimos em R2 as coordenadas (, ) = (, ),onde e a velocidade angular e a equacao de primeira ordem em R2 associadaao pendulo e {

    = , = g

    lsen k

    m ,

    dada pelo campo de vetores F (, ) =(, g

    lsen k

    m)

    em R2. Note que se

    ((t), (t)) satisfaz ((t), (t)) = F ((t), (t)), entao (t) satisfaz a equacao desegunda ordem dada pela lei de Newton,

    (t) = (t) = gl

    sen (t) km(t) = g

    lsen (t) k

    m(t) .

  • 36 Mecanica Newtoniana

    Figura 1.3.4 a) e Figura 1.3.4 b)

  • Introducao a` Mecanica Classica 37

    Sendo assim, entender o que acontece com as solucoes da equacao (, ) =F (, ) vai nos permitir entender o que acontece com as solucoes da equacao desegunda ordem descrita pela lei de Newton.

    Observacao 1.3.1: Lembre que estamos interessados em indicar, no espaco defase de uma equacao de primeira ordem, o desenho esquematico das trajetorias dosistema, que nos da uma ideia do comportamento global das solucoes da equacaodiferencial. No exemplo acima, F (, ) e um campo de vetores que define umaequacao diferencial de primeira ordem em R2 cujo espaco de fase e dado na fig.1.3.4: o caso A e o do pendulo sem atrito e o caso B e o do pendulo com atrito.Mais tarde voltaremos a analisar e explicar com detalhes esses exemplos; para istonecessitamos de alguns resultados adicionais que serao apresentados na secao 7,onde tambem justificaremos o comportamento descrito pela fig. 1.3.4A e 1.3.4Bpara as trajetorias desses dois tipos de pendulo.

    Exerccio:

    1. Calcule as trajetorias de um pendulo sujeito a uma forca de atrito, masnao a` forca da gravidade (por exemplo, em cima de uma mesa horizontal), istoe, suponha que nao exista forca da gravidade no problema com vnculo descritono exemplo acima. De maneira explcita, considere a equacao

    md2

    dt2= kd

    dt.

    Desenhe em linhas gerais o espaco de fase no espaco (, ), [0, 2pi), R.Tome cuidado com o fato de que uma parametrizacao do crculo define umafuncao periodica na carta coordenada .

    1.4 SISTEMAS UNIDIMENSIONAIS COM VARIAS PARTICULAS

    Vamos fazer agora um resumo dos principais fatos ja vistos, e que devemser bem entendidos pelo leitor, para que possamos prosseguir analisando casosmais complexos. A lei de Newton afirma que a trajetoria x(t) (no espaco deconfiguracoes) de um sistema mecanico deve satisfazer a equacao de segundaordem: mx = f(x), f : R R. E mais natural e conveniente considerar aequacao de primeira ordem no espaco de fase z = (x1, x2) = (x, x):{

    x1 = x2x2 =

    1mf(x1) .

    Isto e, podemos considerar o campo de vetores F : R2 R2, dado por (x, x) 7(x, 1

    mf(x)), que nos fornece a associada equacao diferencial dada pela lei de New-

    ton:(x(t), x(t)) = (x1(t), x

    2(t))= z

    (t) =

    = F (z(t)) = F (x(t), x(t)) = (x(t), 1mf(x(t))) .

  • 38 Mecanica Newtoniana

    Os varios tipos de energia que introduzimos sao a energia cinetica, a potenciale a total, dadas, respectivamente, por:

    EC(x) =1

    2mx2 ,

    U(x) = x

    0f(y)dy e

    E(x, x) =1

    2mx2 + U(x) .

    Nesse caso, f e conservativo pois depende apenas da posicao x no espaco unidi-mensional R.

    O principal teorema que vimos e o de conservacao de energia total: se x(t)satisfaz mx = f(x) entao E(x(t), x(t)) = constante. Em outras palavras, astrajetorias de mx = f(x) estao contidas nas curvas de nvel de E(x, x) e, por-tanto, um sistema mecanico com uma partcula, sujeito a um campo de forcas nareta R, e sempre integravel.

    No caso de varias partculas, cada uma se deslocando no espaco unidimensi-onal R, nem sempre o sistema e integravel, como veremos a seguir.

    A lei de Newton: A lei de Newton para um sistema de n partculas com massasm1,m2, . . . ,mn e sob a acao de forcas fi : R

    n R, 1 i n, respectivamente(isto e, a forca fi(x1, x2, . . . , xn) agindo sobre a i-esima partcula depende dasposicoes x1, x2, . . . , xn de todas as partculas), e dada pelo sistema de equacoes:

    mixi (t) = fi(x1(t), x2(t), . . . , xn(t)), i {1, 2, . . . , n} ,

    onde xi(t) R descreve a posicao da partcula xi no tempo t.O espaco de configuracoes nesse caso e o Rn e estamos interessados em ob-

    ter a curva (x1(t), x2(t), . . . , xn(t)) que satisfaz a equacao de segunda ordemdada pela lei de Newton; assim podemos prever a evolucao temporal de cadapartcula xi(t). Ja o espaco de fase e o R

    2n, cujas coordenadas denotamos por(x1, x2, x3, . . . , xn, x1, x2, x3, . . . , xn). Tambem nesse caso podemos transformar aequacao de segunda ordem em Rn dada pela lei de Newton,

    (x1, x2, . . . , x

    n) =

    =

    (1

    m1f1(x1, x2, . . . , xn),

    1m2f2(x1, x2, . . . , xn), . . . ,

    1mnfn(x1, x2, . . . , xn)

    ),

    numa equacao de primeira ordem, associada ao campo F : R2n R2n, dada por

    (x1, x2, . . . , x

    n, x

    1, x

    2, . . . , x

    n) = F (x1, x2, . . . , xn, x1, x2, . . . , xn) =

    =

    (x1, x2, . . . , xn,

    f1(x1,x2,...,xn)m1

    , f2(x1,x2,...,xn)m2

    , . . . , fn(x1,x2,...,xn)mn

    ).

  • Introducao a` Mecanica Classica 39

    Vamos agora analisar o caso particular em que temos apenas duas partculas,isto e, n = 2. Uma vez que as principais propriedades do caso com duas partculasestejam bem entendidas, o leitor sabera facilmente adaptar a esse o caso geral.

    Considere por exemplo duas partculas, com massas m1 e m2 , e localizadas,respectivamente, em x1 e x2, movendo-se sobre uma reta e sob acao do campo deforcas gerado pela atracao entre os dois corpos. Como vimos antes, essas forcasde atracao, chamadas forcas de interacao, sao dadas, respectivamente, por

    f1 = Gm1m2(x2 x1)x2 x13 e f2 = G

    m1m2(x1 x2)x1 x23

    e apontam, cada uma delas, no sentido da outra partcula; note que a somadestas duas forcas e zero. O que se deseja encontrar nesse caso e a trajetoria(x1(t)), x2(t)) das duas partculas no plano R

    2, ou seja estamos interessados emencontrar uma curva no espaco de configuracao (x1, x2).

    Note que a presente situacao e diferente do exemplo 1.2.3 b), onde supomosque a partcula com massa m1 estava fixa.

    Naquele caso tnhamos um problema mecanico de espaco de configuracaounidimensional e no presente caso um problema de espaco de configuracao bidi-mensional.

    A solucao do presente problema mecanico segue da secao 6 e do exerccio 2ao fim desta secao.

    No que segue, portanto, supomos que as partculas x1 e x2 se deslocam sobrea reta R e que x1 esta sob a acao de uma forca f1(x1, x2) e x2 esta sob a acaode uma forca f2(x1, x2). Neste caso, o que chamamos de espaco de configuracoese o espaco R2, onde estao as variaveis (x1(t), x2(t)), e o espaco de fase e o R

    4,onde estao as variaveis (x1(t), x2(t), x

    1(t), x

    2(t)). Como ja o fizemos antes, vamos

    considerar tambem as variaveis independentes (x1, x2, x1, x2) no espaco de fase.

    Definicao 1.4.1: Se f1(x1, x2)+f2(x1, x2) = 0 para quaisquer x1, x2 R e naoexiste um campo externo agindo sobre todo o sistema (ou seja, existem apenasas forcas internas de interacao), dizemos que o sistema constitudo destas duaspartculas e um sistema fechado.

    Exemplo 1.4.1: O sistema de atracao gravitacional entre dois corpos, menci-onado acima, e fechado.

    Exemplo 1.4.2: Quando nao existe nenhuma forca atuando, isto e, se f1 e f2sao constantes e iguais a zero, o sistema e fechado. Este caso aparece quandoconsideramos duas partculas se movendo sem atrito sobre uma reta no plano deuma mesa. A Terra nao exerce influencia gravitacional alguma sobre as partculasnesse caso porque o vnculo anula esta forca. (A Terra continua atraindo, mas aresultante e nula.) Se as massas forem muito pequenas podemos tambem suporque f1 e f2 sao ambas nulas. Nesse caso, a energia total e apenas a energiacinetica.

  • 40 Mecanica Newtoniana

    Definicao 1.4.2: Suponha que x1(t) e x2(t) descrevem a evolucao temporaldo sistema mecanico constitudo por duas partculas x1 e x2 com velocidades,respectivamente, x1(t) e x

    2(t) e massas, respectivamente, m1 e m2. O momento

    no tempo t deste sistema e dado por P (t) = m1x1(t) +m2x

    2(t).

    E mais natural pensar que P : R4 R (ou P : R2 R) esta definido porP (x1, x2, x1, x2) = P (x1, x2) = m1x1 +m2x2 .

    Teorema 1.4.1: Conservacao de momento para duas partculas: O momentode um sistema fechado de duas partculas e constante.

    Demonstracao: Usando a lei de Newton, basta observar que P (t) = m1x1(t)+m2x

    2(t) = f1(x1(t), x2(t)) + f2(x1(t), x2(t)) = 0, pois o sistema e fechado.

    O teorema acima permite afirmar que o momento e uma integral primeirapara F, pois P permanece constante ao longo da evolucao do sistema x = F (x),onde F : R4 R4 e o campo associado no espaco de fase.

    Estamos interessados agora em introduzir os varios conceitos de energia queja vimos para o caso de uma partcula. Comecamos com o conceito de potencialpara o sistema de duas partculas.

    Definicao 1.4.3: Dizemos que o sistema mecanico de duas partculas e conser-vativo se existe uma funcao U : R2 R definida no espaco de configuracoes talque o gradiente U de U satisfaz

    U(x1, x2) = (f1(x1, x2), f2(x1, x2)) ,para quaisquer x1, x2 R; U e entao um potencial do sistema mecanico.

    Observacao 1.4.1: Um sistema fechado, como definido acima, nem sempre econservativo. Lembre que o problema de existencia do potencial U para camposde forcas agindo sobre uma partcula, no espaco unidimensional, e trivial, poisbasta integrar a forca. Como e sabido, do calculo de varias variaveis, dado umcampo de vetores f : Rn Rn, com n > 1, a existencia de uma funcao escalarU : Rn R tal que U = f, ou seja, a existencia de um potencial U para f ,esta associada a` independencia do caminho das integrais de linha do campo f.Dado f , nem sempre existe tal potencial U em Rn, com n > 1. (Veremos isso nasecao 10 do captulo 3, que trata de integrais de linha.)

    Vamos agora considerar as energias cinetica e total.

    Definicao 1.4.4: Dizemos que a energia cinetica de um sistema mecanico deduas partculas e a soma das energias cineticas de cada uma das duas partculas,isto e,

    EC(x1(t), x2(t)) =1

    2m1x

    1(t)

    2 +1

    2m2x

    2(t)

    2 ;

  • Introducao a` Mecanica Classica 41

    equivalentemente, a expressao

    EC(x1, x2, x1, x2) =1

    2m1x

    21 +

    1

    2m2x

    22

    define a energia cinetica no espaco de fase. A energia total de um sistemamecanico de duas partculas e a soma das energias cinetica e potencial:

    ET (x1, x2, x1, x2) =1

    2m1x

    21 +

    1

    2m2x

    22 + U(x1, x2) .

    Teorema 1.4.2: Conservacao de energia total: A energia total de um sistemamecanico conservativo de duas partculas e constante ao longo das solucoes x(t) =(x1(t), x2(t)) do sistema de segunda ordem dado pela lei de Newton.

    Demonstracao: Denotemos h(t) = E(x1(t), x2(t), x1(t), x2(t)) e mostremosque h e constante. Pela regra da cadeia temos

    h(t) =dE(x1(t), x2(t), x1(t), x2(t))

    dt=

    =

    E(x1(t), x2(t), x1(t), x2(t)), (x1(t), x2(t), x1(t), x2(t))

    .

    Como

    E(x1(t), x2(t), x1(t), x2(t)) =

    =

    (U

    x1(x1(t), x2(t)),

    U

    x2(x1(t), x2(t)),m1x1(t),m2x2(t)

    )=

    =(f1(x1, x2),f2(x1, x2),m1x1(t),m2x2(t)) e

    (x1(t), x2(t), x

    1(t), x

    2(t)) = (x

    1(t), x

    2(t), x

    1(t), x

    2(t)) ,

    o produto acima e

    h(t) = f1x1 f2x2 +m1x1x1 +m2x2x2 == (f1 +m1x1)x1 + (f2 +m2x2)x2 = 0

    pela lei de Newton. Isto mostra que a energia total e constante ao longo dasolucao (x1(t), x2(t)).

    Conclundo esta secao, abordamos brevemente um caso mais geral, mas for-malmente identico ao considerado acima, de varias partculas no Rn sob acao deforcas interativas, com o objetivo de apresentar uma visao mais abrangente doassunto.

    Considere um sistema mecanico constitudo de r partculas x1, . . . , xr Rnsob a acao de forcas fi : R

    nr Rn, 1 i r. A forca que age sobre xi, fi, e

  • 42 Mecanica Newtoniana

    vetorial e depende, como no caso unidimensional considerado antes, da posicaode todas as demais partculas. A lei de Newton e

    mixi (t) = fi(x1(t), x2(t), . . . , xr(t)), i {1, 2, . . . , r} ,

    como sempre; aqui mi e a massa da partcula xi. O espaco de configuracoesde um tal sistema e o Rnr e o espaco de fase e o R2nr. Este sistema mecanicoe dito conservativo se existe um potencial U : Rnr R tal que, para cadax = (x1, x2, . . . , xr) Rnr, vale U(x) = (f1(x), f2(x), . . . , fr(x)).

    Considere um sistema constitudo por r partculas. No que segue, supomosque as forcas fi sao de interacao, ou seja, a partcula i sofre uma forca de atracaoexercida pela partcula j, tal que fi,j = fj,i , como no caso da atracao entre doiscorpos. Note que nesse caso fi e uma soma de forcas fi,j , j 6= i que dependemsomente das posicoes das demais partculas.

    Um caso muito importante e o seguinte: dados 1 i 6= j r, supomos queo modulo fi,j da forca fi,j : Rnr Rn com que a partcula na posicao xj agesobre a partcula na posicao xi depende apenas da distancia xi xj de xj a xiem Rn e que a componente vetorial de fi,j e xixj . Em outras palavras, supomosque existem funcoes reais i,j : R

    + R, com i,j = j,i, tais que

    fi,j(x1, x2, . . . , xr) = i,j(xi xj) xi xjxi xj Rn .

    Uma caso particular importante desse exemplo e o gravitacional newtoniano

    fi,j(x1, . . . , xr) = mimjG(xi xj)xi xj3 .

    Convencionando que fi,i = 0, resulta que fi =

    j fi,j e, como no caso deduas partculas, se as unicas forcas atuantes sao essas forcas de interacao fi, estesistema e fechado pois fi,j = fj,i e portanto

    ri=1

    fi =r

    i,j=1

    fi,j = 0 .

    Teorema 1.4.3: Um sistema mecanico de varias partculas definido em todoRn e sob a acao unicamente de forcas interativas e conservativo.

    Demonstracao: Para simplificar a escrita, adotamos a seguinte convencao:dada uma funcao U : Rnr R, para cada 1 k r, denotamos a n-upla dasderivadas parciais de U em relacao ao vetor xk = (x

    1k, x

    2k, . . . , x

    nk) Rn por

    U

    xk=

    (U

    x1k,U

    x2k, . . . ,

    U

    xnk

    ) Rn .

  • Introducao a` Mecanica Classica 43

    Fixamos c > 0 e definimos uma funcao Ui,j : Rnr R por

    Ui,j(x1, x2, . . . , xr) = xixj

    c

    i,j(s)ds ,

    para cada 1 i < j r. Observe que Ui,j(x1, x2, . . . , xr) = hi,j(xi xj), comhi,j : R

    n R dada por hi,j(v) = vc

    i,j(s)ds. Queremos calcular as derivadasparciais de Ui,j ; e facil ver que hi,j(v) = i,j(v) vv e que portanto em Rnrtemos

    Ui,jxi

    = fi,j e fj,i = Ui,jxj

    As demais parciais de Ui,j , em relacao a xl com l 6= i, j, sao todas nulas pois Ui,jnao depende de tais xl. Definindo U =

    i

  • 44 Mecanica Newtoniana

    Vamos agora analisar um exemplo interessante envolvendo duas partculasem um sistema fechado. Este exemplo exibe o sistema mecanico nao integravelconservativo mais simples possvel.

    Exemplo 1.4.3: Suponha que duas partculas, de massas m1 e m2, se deslocamsobre uma mesa horizontal mas dentro de um intervalo limitado, que denotamospor [0, 1]. Como vimos antes, este sistema e fechado e conservativo. Suponhatambem que as massas sao muito pequenas, de maneira que a forca de atracaoentre as duas partculas e desprezvel. As partculas se movem sem a acao deforcas externas e o movimento deve-se apenas a` velocidade inicial de cada umadas duas partculas. Como nao existe forca no sistema, a energia potencial e nula(ou constante) e a energia cinetica coincide com a energia total. Vamos suporque as partculas x1 e x2 podem se chocar entre si e com os extremos 0 e 1 dointervalo, mas que estes choques sao elasticos, ou seja, sem perda de energia;denotando por x1(t) e x2(t) as trajetorias dessas partculas no intervalo, temosque 0 x1(t) x2(t) < 1, ja que as partculas nao passam uma pela outra, mascolidem e refletem.

    Intuitivamente sabemos que havera uma serie de choques entre as partculase tambem das partculas com os extremos do intervalo. Note que durante cadaintervalo de tempo em que nao ocorre um choque, as velocidades das partculaspermanecem iguais pois nao ha atrito nem existem forcas externas; a perguntanatural e: como mudam as velocidades quando ha uma colisao? Denote por vi1 evi2 as velocidades respectivamente das partculas x1 e x2 antes de um choque, e

    denote por vf1 e vf2 as velocidades apos o choque (ver fig. 1.4.1). Pelos teoremas

    de conservacao de momento e de energia total (cinetica, no caso) temos duasequacoes:

    m1vi1 +m2v

    i2 = m1v

    f1 +m2v

    f2 e

    1

    2m1(v

    i1)

    2 +1

    2m2(v

    i2)

    2 =1

    2m1(v

    f1 )

    2 +1

    2m2(v

    f2 )

    2 .

    Resolvendo o sistema, podemos encontrar as velocidades das partculas, apos ochoque, em funcao das velocidades das partculas antes do choque:

    vf1 =m1 m2m1 +m2

    vi1 +2m2

    m1 +m2vi2

    vf2 =2m1

    m1 +m2vi1 +

    m2 m1m1 +m2

    vi2 .

    Esta equacao corresponde a choques elasticos pois existe a conservacao de energia.

    Para analisar o caso do choque de uma partcula com um extremo, podemossupor que no caso anterior uma das partculas apresenta massa infinita (maisexatamente, faca m2 acima) e velocidade vi2 = 0, colocada no bordo dointervalo. Pela ultima expressao se deduz neste caso que, quando ha um choquecom um extremo, a partcula mantem a mesma velocidade, porem com sentidocontrario (isto e vf1 = vi1).

  • Introducao a` Mecanica Classica 45

    v1i

    v1i

    v1f

    x1

    x2

    x

    x

    x

    v2i

    v2i

    v2f

    antes da coliso

    coliso

    aps a coliso

    x =x1 2

    x1

    x2

    Figura 1.4.1

    O espaco de configuracoes desse sistema e dado pelo triangulo que aparece nafig. 1.4.2, pois o sistema satisfaz 0 x1 x2 1. (O espaco de fase e o produtocartesiano do triangulo com o R2.) Como nao existem forcas, a aceleracao enula e os vetores velocidades de x1 e x2 nao se alteram ate haver uma colisao.Portanto, uma trajetoria e dada por uma linha reta (x1(t), x2(t)) ate que ocorrauma colisao bidimensional com um dos lados do triangulo, quando, entao, atrajetoria reflete e segue uma outra linha reta, sempre por dentro do triangulo.Colisoes bidimensionais com a hipotenusa significam colisoes entre partculas ecolisoes bidimensionais com um dos catetos significam colisoes de partculas comos extremos do segmento [0, 1].

    Vamos descrever a seguir de maneira breve e heurstica a razao porque talsistema com massas m1 e m2, em geral (a expressao em geral pode parecer,matematicamente falando, meio vaga, mas pode ser tornada precisa de formarigorosa, conforme C. Robinson, 1970) nao e integravel. O leitor podera, se odesejar, saltar o texto que segue e partir diretamente para a secao 5, sem queexista prejuzo para o entendimento do que sera desenvolvido no resto do texto.A expressao em geral significa para a maioria das escolhas de m1 e m2. Porsua vez, a palavra maioria poderia ter um sentido topologico (E. Lima, 1977),ou de teoria da medida (P. Fernandez, 1982).

    E importante destacar que mesmo exemplos tao simples como o que estamosdescrevendo aqui podem apresentar um comportamento dinamico extremamentecomplexo, sendo portanto nao integravel. Para demonstrar que o sistema de duaspartculas que estamos estudando apresenta em geral um comportamento naointegravel, mostraremos que as trajetorias desse sistema, no espaco de confi-guracoes, podem ser consideradas como as possveis trajetorias de uma bola de

  • 46 Mecanica Newtoniana

    x2

    x1

    1

    1(0,0)

    Figura 1.4.2

    bilhar que colide com os bordos de uma mesa de bilhar triangular. Na verdade,faremos uma mudanca de coordenadas tal que, quando ocorrer uma colisao como bordo do triangulo, os angulos de incidencia e de reflexao serao iguais (ver A.Lopes,Topicos de Mecanica Classica e N. Chernov and R. Markarian, 2003, paramaiores consideracoes sobre bilhares).

    Introduzimos as coordenadas u1 =m1 x1 e u2 =

    m2 x2; e facil de se ver

    entao que o espaco de configuracoes e um triangulo retangulo, cuja hipotenusa

    tem inclinacao

    m2m1

    (ver fig. 1.4.3). O modulo do vetor velocidade (u1, u2) e

    constante pelo teorema de conservacao de energia total e e igual au21 + u

    22 =

    2E ,

    onde E denota a energia total da trajetoria na posicao temporal inicial. Ainda,pelo teorema de conservacao de momento,

    m1u1 +

    m2u2 =

    (m1,

    m2), (u1, u2)

    e constante antes e depois de uma colisao entre as duas partculas (a inclinacaoda hipotenusa e (

    m1,

    m2)). Como o modulo do vetor velocidade (u1, u2)

    no espaco de configuracoes e constante e o produto interno acima tambem econstante, afirmamos que os angulos de incidencia e reflexao sao os mesmos.

    De fato, se i e f sao os angulos de incidencia e reflexao, entao

    i =

    (m1,

    m2), (u

    i1, u

    i2)

    2E||(m1,m2)||

    =m1v

    i1 +m2v

    i2

    2E||(m1,m2)||=

    =m1v

    f1 +m2v

    f2

    2E||(m1,m2)||=

    (m1,

    m2), (u

    f1 , u

    f2)

    2E||(m1,m2)||

    = f .

    O mesmo acontece, por obvias razoes, nas colisoes com os extremos ((u1, u2)vai em (u1, u2) quando a colisao e no lado horizontal, ou seja, quando u2 = 0).

  • Introducao a` Mecanica Classica 47

    2 2

    1

    1

    2

    1

    Figura 1.4.3

    Sendo assim, o sistema, nessas novas coordenadas, se comporta como um bilhar,ou como um sistema em que trajetorias sao raios de luz que refletem em espelhos(os bordos do triangulo), de tal modo que o angulo de incidencia e igual ao angulode reflexao (ver fig. 1.4.3). Atraves da descricao acima o leitor pode imaginar acomplexidade da evolucao temporal de cada orbita do sistema.

    Pode parecer surpreendente mas, dependendo apenas do angulo interno destes

    triangulos, que por sua vez depende do quociente

    m1m2

    das massas das partculas,

    o sistema sera integravel ou nao. Para precisar este comentario precisamos daseguinte definicao.

    Definicao 1.4.6: Sejam A B Rn dados. Dizemos que A e denso em B setodo ponto de B pode ser aproximado por pontos de A, isto e, se dados quaisquerx B e > 0, existe y A tal que x y < .

    Mais precisamente, no caso em consideracao, dizemos que um conjunto A R2+ = {(m1,m2) | m1 > 0,m2 > 0} e denso em R2+ se, para quaisquer(m1,m2) R2+ e > 0, existe y A tal que (m1,m2) y .

    Dizemos que uma trajetoria z(t) = (x1(t), x2(t)) e transitiva se para quaisquery no triangulo e > 0, existe um tempo t (talvez muito grande) tal que atrajetoria z(t) = (x1(t), x2(t)) satisfaz z(t)y .O comportamento transitivonesse caso significa, mais concretamente, que uma trajetoria se espalha ao longodo tempo de maneira densa, no espaco de configuracoes. A existencia de umaorbita transitiva, naturalmente, faz com que o sistema nao seja integravel (o valorconstante da integral primeira sobre a orbita z(t) se estende por continuidade a

  • 48 Mecanica Newtoniana

    todo ponto y do triangulo). Neste momento, a maioria dos (m1,m2) e dito nosentido de denso, e, assim, topologico.

    Com o objetivo de dar uma ideia da complexidade do problema em con-sideracao, informamos ao leitor que um teorema recentemente demonstrado (S.Kerckhoff, A. Mazur e J. Smillie, 1986) afirma que o comportamento das partculasno espaco de configuracoes e transitivo (muito mais do que isto e provado, na ver-dade) sempre que as massas m1 e m2 das partculas satisfazem (m1,m2) A paraum certo conjunto A denso em R2+ e as velocidades iniciais sao escolhidas forade um conjunto de medida nula (ver R. Devaney, 1986; A. Lopes, Topicos deMecanica Classica. R. Mane, 1982, para definicoes). Esta propriedade, que ilus-tra a existencia de uma certa complexidade nas orbitas do sistema, esta associadaao conceito de sistema caotico e ergodico (ver C. Doering e A. Lopes, 2005; M.Pollicott e M. Yuri, 1998; A. Lopes, Topicos de Mecanica Classica). Note comoe sutil a questao da integrabilidade: sistemas mecanicos integraveis podem seraproximados por sistemas nao integraveis (se (m1,m2) A).

    A demonstracao do teorema de S. Kerckhoff, A. Mazur e J. Smillie, 1986,citado acima requer o uso de sofisticada matematica e nao e apresentada aqui.

    Exerccios:

    1. Considere um conjunto de r partculas nas posicoes x1, x2, . . . , xr Rncomo um sistema de forcas em que, alem das forcas de interacao fi,j (a forca quea partcula xi exerce sobre a partcula xj) exista tambem um campo de forcasexterno f : Rn Rn agindo sobre todas as partculas. A lei de Newton, nestecaso, e mix

    i (t) = fi(x1(t), x2(t), . . . , xn(t)) + f(xi(t)), i {1, 2, . . . , r}.

    Ao variar o tempo, o centro de massa c(t) do sistema se desloca. Mostre que aevolucao de c(t) corresponde a` evolucao de um sistema com apenas uma partculade massa m =

    ri=1mi sob a acao unica da forca externa f em R

    n (as forcas deinteracao se anulam umas com as outras), ou seja, que c(t) satisfaz

    mc(t) =r

    i=1

    f(xi(t)) .

    Sendo assim, o centro de massa se move como se toda a massa estivesse concen-trada nele e todas as forcas fossem aplicadas nele. Conclua que, se o sistema efechado, entao o centro de massa se move em movimento retilneo uniforme.

    2. Considere um sistema de duas partculas de massas, respectivamente m1e m2 , que interagem atraves de um potencial U : R R, de tal jeito que asequacoes de movimento sao

    m1r1 =

    U

    r1, m2r

    2 =

    U

    r2, U = U(|r1 r2|) .

    Mostre que a diferenca de posicao dos dois corpos r = r1 r2 evolue comoum problema mecanico com apenas uma partcula (descrita por r) com massam = m1m2(m1+m2) e sujeito ao campo de forcas gerado pelo potencial U(|r|). Como

  • Introducao a` Mecanica Classica 49

    sabemos que o centro de massa evolue com velocidade constante, para resolvera situacao recaimos num problema de dois corpos em que um esta fixo; esteproblema sera resolvido na secao 6.

    1.5 CAMPOS DE FORCAS BIDIMENSIONAIS E TRIDIMENSIONAIS

    Nesta secao vamos considerar campos de forcas em R2 e em R3. Vamoscomecar com um exemplo importante e classico, o assim chamado problema dosdois corpos.

    Seja f : R3{0} R3 um campo de forcas, por exemplo,

    f(x1, x2, x3) = m1m2G(x1, x2, x3)3 (x1, x2, x3) .

    Essa forca e a que existe no campo de atracao gravitacional (forca de interacao)produzido pela massa m1 da Terra sobre um outro corpo de massa m2 (muitomenor que a massa da terra); como sempre, G e a constante de atracao entredois corpos. O sistema de referencia (x1, x2, x3) esta centrado sobre a Terrana posicao (0, 0, 0). Nesse caso, a trajetoria (x1(t), x2(t), x3(t)) que descreve aevolucao temporal desse corpo, que sofre a acao do campo gravitacional terrestre,satisfaz a equacao de segunda ordem dada pela lei de Newton, ou seja, como antes,massa vezes aceleracao e igual a` forca. Isto vale para qualquer campo de forcas.Desejamos determinar as solucoes (x1(t), x2(t), x3(t)).

    Um esclarecimento ao leitor e necessario neste momento: no problema acima,em que a massa da terra e m1 e o de um outro corpo e m2 , deveramos consideraro problema dos dois corpos exatamente como no comeco da secao 4 (antes dadefinicao 1.4.1). No entanto, como estamos supondo que m2 e muito menor quem1, o centro de massa do sistema (considerando as duas partculas) fica localizadomuito proximo ao centro de massa da terra, e assim, para simplificar, podemosconsiderar f como acima. O erro ao assumir tal simplificacao existe, mas e bempequeno.

    A lei de Newton: A trajetoria (x1(t), x2(t), x3(t)) de uma partcula sob a acaode um campo de forcas f qualquer em R3 satisfaz a lei de Newton

    m(x1(t), x2(t), x

    3(t)) = f(x1(t), x2(t), x3(t)) .

    Em outras palavras, se o campo de forcas f em R3 e dado por f = (f1, f2, f3), istoe, f(x1, x2, x3) = (f1(x1, x2, x3), f2(x1, x2, x3), f3(x1, x2, x3)), entao a trajetoria(x1(t), x2(t), x3(t)) satisfaz a equacao diferencial de segunda ordem em R

    3 dadapelo sistema

    x1 =1mf1(x1, x2, x3)

    x2 =1mf2(x1, x2, x3)

    x3 =1mf3(x1, x2, x3) .

  • 50 Mecanica Newtoniana

    Essa equacao pode ser equivalentemente analisada atraves da equacao dife-rencial de primeira ordem em R6 dada pelo sistema

    x1 = x1x2 = x2x3 = x3x1 =

    1mf1(x1, x2, x3)

    x2 =1mf2(x1, x2, x3)

    x3 =1mf3(x1, x2, x3) .

    Continuaremos, como antes, denotando por f (minusculo) o campo de forcasem R3 e por F (maiusculo) o campo de vetores associado em R6, dado por

    F (x1, x2, x3, x1, x2, x3) =

    =

    (x1, x2, x3,

    1mf1(x1, x2, x3),

    1mf2(x1, x2, x3),

    1mf3(x1, x2, x3)

    ).

    Neste caso estamos interessados em resolver a equacao de primeira ordem dadapor x = F (x), onde x = (x1, x2, x3, x1, x2, x3) R6.

    Pergunta: Dado um campo de forcas f : R3 R3, sempre existe um potencialU : R3 R tal que U = f ?

    A resposta e nao, nem sempre existe U , pois dado f = (f1, f2, f3), se existirtal U de classe C2, temos

    f1 = Ux1

    , f2 = Ux2

    , f3 = Ux3

    .

    Ora, como as derivadas parciais mistas de uma funcao de classe C2 comutam,teremos, por exemplo, que

    f1x2

    = Ux2x1

    = Ux1x2

    =f2x1

    e, naturalmente, que nem todos os pares de funcoes f1, f2 satisfazem esta propri-edade:

    f1x2

    =f2x1

    ;

    e facil obter exemplos nos quais isso nao acontece (ver secao 10 do captulo 3).Em todo caso obtemos, com esse