introdução à análise do discurso - helena brandão

Upload: dsjunior1987

Post on 02-Jun-2018

248 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    1/64

    f BC

    BC

    A iir

    N0 1

    neC / \utor : Hmndao.

    He

    km H.

    Nagamine

    l'il

    u

    '

    ti:

    liitrodutiio uanal ise

    do

    d is

    funda na s

    > ponto de

    enomenos

    o discurso

    jufst icono

    ele

    representa, no interior da

    lingua,

    os

    efeitos das contradicSes ideologicas , a analise do

    d i scu rso ap resen ta - se como

    um a disciplina nao

    acabada, em constante

    mudanca,

    em que o

    linguisticoe

    o iugar,

    o espaco que da

    materialidade, espessura

    a

    ideias, tematicas

    de que o

    homem

    se faz

    sujeito,

    um

    sujeito concreto, hist6rico,

    porta-voz de um amplo

    discurso social .

    I n t r o d u g a o

    a

    analise

    do

    d i s c u r s o

    mine

    B r a n d a o

    UFES

    286898

    T O R A|

    W i m ^ M

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    2/64

    iNTRODUgAO

    A A N A L I S E D O D I S C U R S O

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    3/64

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    4/64

    F l C H C A T A L O C R A F IC A E L A B O R A D A

    P E L A

    I L J O T E C CENTRAL

    D A UNICAMP

    Brandao,Helena

    Hathsue Nagamine.

    B733i Introducaoa

    analise

    do discurso / Helena H. Nagamine Brandao.

    -

    2*

    ed.rev. - Campinas,

    SP:

    EditoradaUNICAMP,2004.

    I. Andiisedo discurso. 2.Atosde fala (Lingiifst ica).I.Titulo.

    ISBN 85-268-0670-X

    CDD 415

    4 1 2 . 1

    Indices paracatilogo sistematico:

    1. Analise

    do

    discurso

    2. Atos de

    lala

    (Lingiifst ica)

    415

    412.1

    ,vA

    Copyright by Helena Hathsue Nagamine Brandao

    Copyright 2004

    b y

    Editorada U N I C A M F

    2

    a

    reimpressao, 2006

    N e n h u m aparte desta publica9ao pode

    ser

    gravada,

    armazenadaem

    s i s te ma

    eletr&nico, fotocopiada,reproduzida por meiosm ecanicos

    ou

    outros quaisquer sem autorizacaoprevia do editor.

    d t B i D h o t e c a / U F E S

    S U M A R I O

    I N T R O D U C E D 7

    Lmgua LingiMgem:

    uma abordagem in t emt io nal 7

    Entre alinguae a

    fala:

    o

    discurso

    10

    CAPiTuLO i ANALIS ED O D I S C U R S O 13

    Esbofo

    histdrico 13

    A

    perspectiva,

    tedricajrancesa 16

    O

    concetto

    de ideotogia 18

    Em Marx 19

    Em Althusser 23

    EmRicoeur 26

    O conceito de discurso em

    Foucautt

    32

    Lingua,

    discurso

    e ideologia 38

    Condifoes

    deprodufao

    do

    discurso 42

    Formagcio

    ideoldgica e formacao

    discursiva 46

    CAPfTULO

    2 SOBRE A NOCAO DE

    S UJEITO

    53

    A subjetividade emBenveniste

    5

    5

    O

    sujeito

    descentrado: o

    u o

    outro

    59

    A

    heterogeneidade discursiva

    60

    Monologismo

    versus

    dialogismo

    61

    O discurso e seuavesso 65

    Ateoria polifonicade Ducrot 69

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    5/64

    Sentido esujeito na andlise

    do discurso

    76

    Uma teorianao subjetivista daenuncia^ao 78

    A ilusao discursivadosujeito 82

    Conclusao 85

    CAPfTULO 3 SOBREANOCAO DE INTERDISCURSIVIDADE 87

    A relafao discursointerdiscurso

    89

    O outronomesmo 91

    A intertextualida.de 94

    A memoriadiscursiva 95

    Dominiosd o campo enunciat ivo 96

    O domfnio de memoria 98

    O

    domfnio

    de

    atualidade

    1 00

    O

    dommio

    de antecipa^ao 100

    Efeitos

    dememoria

    101

    CONCLUSAO

    103

    GLOSSARIO

    105

    B I B L I O G R A F I A B A S I C A

    C O M E N TA D A

    '.

    111

    B I B L I O G R A F I A

    117

    iNTRODUgAO

    Lingual

    Linguagem:

    uma abordagem interacional

    Qualquer estudodalinguageme hoje, de alguma forma,

    tributario de

    Saussure, quer

    tomando-o

    como ponto

    de

    par-

    tida,assumindosuaspostulatesteoricas,quer

    rejeitando-as.

    No

    nosso caso,

    a

    referenda

    a

    Saussure

    deve-se,

    sobretudo,

    a sua

    celebreconcepcao dicotomicaentre

    aIfnguae a fala.

    Embora

    reconhecendo o

    valor

    da

    revolu^ao

    l ingufstica

    provocada

    por

    Saussure, logo se

    descobriram

    os limites dessa dicotomia

    pelas

    conseqiiencias advindas

    da

    exclusao

    da

    fala

    do

    campo

    dos es-

    tudos lingiiisticos.

    Dentreos que

    sentiramessa camisa

    de

    for^a

    que co-

    locava como

    objeto da

    l ingiifstica

    apenas

    a

    lingua,

    tendo-a

    comoalgoabstratoeideala constituir umsistemasincronico

    e

    homogeneo,

    esta Bakhtln (Voloshinov,

    1929)

    que, com

    seusestudos,anteclpa de

    muito

    as

    orientacoes

    da

    lingiifstica

    moderna.

    Palmilhando

    a trilha

    aberta

    por

    Saussure, parte tarn-

    b^m do princi'pio de que a

    Ifngua

    e um fato social cujaexis-

    tencia se

    funda

    na s necessidades de comunica^ao. No en-

    tanto,afasta-sedo mestre genebrino ao ver a

    I fngua

    como algo

    concrete, f ruto da

    manifesta9ao individual

    de

    cada

    falante,

    valorizandodessa forma a fala.

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    6/64

    Visando

    afo r m u l a ca ode uma

    teoria

    do

    enunciado,

    ' Bakhtin atribui um lugar privilegiado a

    enuncia9&o

    enquanto

    realidade dalinguagem: "Amateria

    linguistica

    apenas um a

    i parte do enunciado; existe

    tambe'm

    um a outra parte,nao-

    f

    verbal,

    qu e

    corresponde

    ao

    contexto

    da

    enunciacjio".

    Dessafo rm a ,

    ele

    diverge

    dos

    seus antecessores

    (Saussure

    e

    a escola do subjetivismoindividualistarepresentado por

    Vosslere

    seus discipulos), para quem

    o

    enunciado

    era um ato

    individual e,portanto,uma

    nocao

    nao-pertinente

    Imgiiisti-

    camente. Bakhtin, alias,

    nao so

    coloca

    o

    enunciado como

    objeto

    dos estudos da linguagem como da asituacjiode enun-

    ciac,ao opapeldecomponentenecessario para a compreensao

    e

    expHcacaoda estrurura

    semantica

    de qualquer ato de comu-

    nicacao

    verbal.

    Como,

    atravesde

    cada

    ato de

    enunciate,

    se

    realiza

    a

    intersubjetividade humana, o processo de interacao verbal

    passa a

    constituir,

    no

    bojo

    de sua

    teoria,

    uma

    realidade fun-

    damental dalingua.O interlocutornao 6um elemento passive

    na constituicao do

    significado.

    Daconcepcaode signo lingiiis-i

    tico

    como um

    "sinal"

    inerte que advem da analise da Ifngua

    como sistema sincronico abstrato, passa-se

    a uma

    outra com-

    ;

    preensao do fen6meno: a de signodialetico,vivo, dinamico.

    Essa

    visao

    dalinguagem

    como

    intera^aosocial,em que

    o Outrodesempenha papel fundamental na

    constituicao

    do

    significado,

    integratodoato de enunciacao individualnum

    contexto

    m a isamplo,

    revelando

    as

    relacoes

    intrinsecas

    entre

    o

    linguistico e o social. O percurso que o individuo faz da ela-

    borac^aomental

    do

    conteudo,

    a ser

    expresso

    a

    objetivacao

    ex-

    terna a

    enunciacao

    desse conteudo, e orientado so-

    cialmente,

    buscando adaptar-se ao contexto imediato do ato

    da falae, sobretudo, a

    interlocutores

    concretes.

    Nessaperspectiva,

    ficaevidente

    que uma

    l ingi i fst ica

    imanente que se limite ao estudo interno da lingua nao po-

    dera dar conta do seu objeto. E necessario que

    ela

    traga para

    o interior mesmo do seu sistema um enfoqueque articule o

    linguisticoe osocial, buscandoas

    relacoes

    que

    vinculam

    alin-

    guagemaideologia. Sistemadesignificac,ao darealidade, a j

    linguagem 6u m distanciamentoentreacoisa representadae j

    osignoque a

    representa.

    E enessadistancia,no

    intersticio

    entrei

    a

    coisa

    e sua

    representacao sfgnica,

    qu e

    reside

    o

    ideologico.

    1

    Para Bakhtin, a palavra e o signo ideologico porexce-

    j lencia, pois, produto dainteracao social,ela secaracteriza pela

    \

    plurivalencia.Por

    sso6 olugar privilegiado para

    a

    mani festac,ao

    da

    ideologia; retrata

    as

    diferentesfo rm as

    de

    significar

    a

    rea-

    lidade, segundo vozes e pontos de vista daqueles que a

    empre-

    gam. Dialogica

    por

    natureza,

    a

    palavra

    setransform ae m

    arena

    1

    de luta de vozes que, situadas em diferentes posicoes, querem

    ser ouvidas

    por

    outras vozes.

    Consequentemente,

    a linguagem nao

    pode

    ser encarada

    como uma entidade

    abstrata,

    mas como o lugar em que a ideo-

    logia sem ani festaconcretamente, em que o ideologico, para

    seobjetivar, precisade umamaterialidade, conformenosmos-

    tra Bakhtin (Voloshinov, 1929, p. 19) quando a f i rm a :

    Cadasigno

    ideologico

    6

    nao apenas um

    refiexo,

    um a

    sobra

    da realidade, m as

    t am b e m

    um fragm ento m ater ial dessa

    realidade.Todof enomenoqu e

    funciona

    c o m osigno ideo-

    logico

    tern um a

    encarnacao

    m ater ial,

    seja c om o

    som,co -

    m o

    m assaffsica, c o m ocor,

    como m ovim ento do

    corpo

    ou

    como outracoisa qualquer.

    Nesse

    sentido, arealidade do

    signo etotalm ente

    objetiva

    e,portanto , passfvel de um es-

    tudo

    m etodologicamente uni tario eobjerivo. Um s igno e

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    7/64

    um

    fenomeno

    do mundo

    exterior.

    Oproprio

    signo

    e

    todos

    os

    seusefehos(todasa s

    acoes, reacoes

    enovos signosqu e ele

    gera

    no meiosocial

    circundante)

    aparecemna experiencia

    exterior.

    Este umpontodesuma importancia. No en-

    tanto,

    p or m a i s

    elementar

    e

    evidente

    que ele

    possa parecer,

    oestudodasideologias aindanao

    tirou

    todasasconseqiien-

    cias

    que

    dele

    decorrem.

    M a is

    tarde,

    ao

    de f in i r

    a

    tarefa

    da

    semiologia, Barthes

    sublinhatambema importancia do

    carater

    ideologicodosig-

    no.Para ele,aideologia deveserbuscadanaoapenasnos te-

    mas em que

    ternsido mais facilmente

    percebida ,

    mas,

    so-

    bretudo,n as

    formas,

    istoe, no funcion am ento s ignif icante da

    linguagem,

    que e o

    lugar onde

    se da a sua materialidade:

    Uma

    daspossibilidades da semiologia,

    enquanto

    disciplina

    ou

    discurso sobreosentido,e

    precisamente

    darinstrumentos

    deanaliseque permitam

    circunscrever

    aideologianasformas,

    isto

    6 ,onde

    ela em geralImenos procurada.Oalcanceideo-

    I6gico

    dos conteudos e

    algo

    percebido desdeha

    muito tempo,

    m as oconteiido

    ideologico

    das

    formas,

    se

    quiserem,constitui,

    de certomodo,uma das grandespossibilidadesde

    trabalho

    do

    seculo

    (apudRobin, 1973).

    Entre

    a

    lingua

    e a .

    fala:

    o

    discurso

    O

    reconhecimento

    da

    dualidade constitutiva

    da

    lin-

    guagem, istoe, do seu

    cardter

    a o

    mesmo

    tempo formaleatra-

    vessado po rentradas

    subjetivas

    e sociais,

    provoca

    um deslo-

    camento no sestudos l ingi i fst icos ate"entao balizadospela

    10

    problematica

    colocada pelaoposicao l ingua/fala

    que impos

    uma lingii/stica da lingua. Estudiosos passamabuscaruma

    compreensao dofenomenodalinguagemnao mais centrado

    apenasnalingua, sistema

    ideologicamente

    neutro,mas

    num

    nfvel

    situado

    fora

    desse polo

    da

    dicotomia

    saussuriana. E

    essa

    instancia dalinguagem e a dodiscurso.Ela possibilitaraoperar

    a ligacaonecessaria entre o nfvelpropriamente lingiiisticoe

    o

    extralingiifstico

    apartird omomentoem que sesentiu que

    "o

    H a m e

    qu e

    liga

    as

    'significances'

    de um

    texto ascondic.6es

    socio-historicas

    deste textonao e de

    fo rm a

    a lgum a

    secunda"-

    rio,m as

    constitutive

    da spr6prias

    significances"

    (Harochee t

    al.,

    1971,p.98).Opontode articulacao dos

    processes

    ideologicos

    e

    dosf enomenos

    lingiii'sticos

    e,portanto, odiscurso.

    A

    linguagem enquanto discurso

    nao

    constitui

    um uni-

    verso

    d e

    signos

    qu e

    serve apenas como

    instrumentod ecomu-

    nicacao ou

    suporte

    de

    pensamento;

    a

    linguagem enquanto dis-

    cursoe

    interacao,

    e um

    modo

    deproducaosocial;ela nao e

    neutra,inocentee nem natural, porissoolugar privilegiadode

    m anifesta^aoda

    ideologia.

    Ela e o "sistema-suporte das

    repre-

    sentacoes

    ideol6gicas

    [...]

    e o

    'medium'social

    em que se ar-

    ticulam

    e defrontam agentes coletivos e se consubstanciam

    relacoes interindividuais"(Braga, 1980).Comoelementode

    mediacao

    necessaria entre

    o

    homem

    e sua

    realidade

    e

    como

    fo r m a

    de engaja-lo na propriarealidade,alinguagemelugar

    de conflito, deconfronto

    ideologico,

    n ao

    podendo

    ser

    estudada

    fora da sociedade, um a vez que osprocessesque a

    constituem

    sao historico-sociais.

    Seu

    estudo

    na o

    podeestardesvinculado

    de suas

    conduces

    de

    producao.Esse

    serao

    enfoque

    a serassu-

    midopor uma

    nova

    tendencia lingiiistica que

    irrompe

    na

    decada de 60: a

    analise

    do

    discurso.

    11

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    8/64

    C A P l T U L O

    1

    A N A L I S E D O D I S C U R S O

    Esbogo historico

    Pode-se

    a f i rmar co m M aingueneau

    (1976)

    qu e

    foram

    os

    form alistas

    russos que abriram espaco para a entrada no

    campo

    dos

    estudos lingiiisticos daqullo

    que se

    cham aria

    m a is

    tardediscurso.

    Operando

    corn

    o

    texto

    enele

    buscando

    um a

    loglca

    de

    encadeam entos "transfrasticos", superam

    aabor-

    dagem filologica ouim pressionistaque ate

    entao dom inava

    os estudos

    da

    lingua. Essa abertura

    em

    direcao

    ao

    discurso

    na o

    chega,

    entretanto,

    as

    ultim as

    consequenclas,

    pois

    seus

    seguidores, os

    estruturalistas,propoem-se

    como objetivo

    es-

    tudar a estrutura do texto

    "nele mesm o

    e por

    ele

    m esm o" e

    restringem -se

    a um a

    abordagem

    im anente dotexto,

    excluindo

    qualquer reflexao sobresu a exterioridade.

    Os

    anos

    5 0serao

    decisivos para

    a consti tuicao de um a

    analised o

    discurso enqua nto

    discipl ina. Deum lado,

    surge

    o

    trabalho

    de

    H arri s

    (Discourse analysis., 1952),qu e

    m ostra

    a

    possibi l idade

    d e

    ultrapassar

    a s

    analises

    confmadas

    mera-

    men te

    afrase, ao

    estender procedim entos

    d a

    l ingufsticadis-

    tribuc ional am ericana aos enunciados (cham ados discursos)

    e,

    de outro

    lado,

    os trabalhos de R. Jakobson e E. Benveniste

    sobrea enunclac_ao.

    13

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    9/64

    Esses trabalhos

    ja apontam

    paraa

    diferenca

    de perspec-

    tiva

    que vai marcar uma

    postura teorica

    de uma

    analise

    do

    discurso delinhamaisamericana, de

    outra m a is

    europeia.

    EmboraaobradeHarris possaserconsideradaarnar-

    cp

    inicial da

    analise

    dp discurso,

    ela

    se

    coloca ainda como

    simples extensao

    da

    l inguist icaimanente

    na

    medida

    em que

    transfereeaplica procedimentos deanalisede

    unidades

    da

    lingua ao senunciados e situa-se fora de

    qualquer reflexao

    sobre

    a

    s ignif icacao

    e as

    consideracoes socio-historicas

    de

    producaoque vao distinguir emarcar posteriormenteaana-

    lise

    do discurso.

    Numa

    direcaodiferente,

    Benveniste,aoafl rm ar que "o

    locutorseapropriadoaparelho

    formal

    dalinguae

    enuncia

    sua

    posicao

    d e

    locutor

    por

    indices

    especfficos", da

    relevo

    ao

    papel

    do sujeitofalanten oprocessod aenunciacaoeprocura

    mostrar

    como acontecea inscricaodessesujeiton osenunciadosq ue ele

    emite.

    Ao

    falar

    em

    "posicao"

    do

    locutor,

    ele

    levanta

    a

    questao

    da

    relacao

    que seestabeiece entreolocutor,seuenunciadoe o

    mundo;

    relacao

    q ueestaranocentreda sreflexoesd aanalisedo

    discursoem que oenfoquedaposicao socio-historicadosenun-

    ciadores ocupaum

    lugar

    primordial.

    Segundo

    Orlandi (1986),

    essas duasdidoes

    vao

    mar-

    ca rduas maneiras diferentes

    de

    pensar

    a

    teoria

    do

    discurso:

    uma que aentende como uma extensaodal ingufst ica (que

    corresponderia

    a

    perspectiva americana)

    e

    outra

    que

    con-

    sideraoenveredar paraavertentedodiscursoo sintoma de

    uma

    crise interna

    da

    l inguist ica,

    principalmente

    na

    area

    da

    sem ant ica

    (que corresponderia aperspectiva europeia).

    Conforme essavisao,

    o conceito de

    teoria

    do

    discurso

    como extensao

    d al ingufst ica ,

    aplicado

    a

    perspectiva teorica

    americana, just i f ica-se pelo fato de

    nela

    se considerarem

    14

    frase

    etexto como elementos i som or f lcos , cujas analisesse

    diferenciam

    apenasem

    graus

    decomplexidade.Ve-se otex-

    to de uma

    forma redutora,nao

    se

    preocupando

    com asfor-

    m as de ins ti tu icao dosentido, m a s c om a s

    form as

    de

    orga-

    nizacao dos

    elementos

    que o

    constituem.

    Embora

    a

    gramatica

    se

    enriqueca

    e

    ganhe novaorien-

    tacao com

    questoes

    colocadas

    pela

    pragmatica e

    pela

    socio-

    lingiifstica,nao seprocessaumaruptura fundamental, pois

    a

    questao

    do

    sentido continua sendo tratada,

    essencialm ente,

    no

    interior

    do l ingufstico:

    A contribuicao daSociolingiiistica,nesse sentido,e a de que

    sedeveobservar o uso atual da linguagem; e a daPragmatica

    a de que a

    linguagem

    em uso

    deve

    se r

    estudada

    em

    termos

    do s

    atos

    d e fala.

    Emboraessasquestoes indiquem

    um a

    certa

    mudanca

    em relacao adominanciadosestudosdagramatica,

    naoproduzem umrompimento

    m a i or

    masapenaso de se

    acrescentar

    um outro

    componente

    a gramatica. O

    discurso

    caracteriza-secomo

    o que

    vem

    a

    mais,

    o que

    vemdepois,

    o

    que seacrescenta.Em suma, o

    secundario,

    o

    contingente

    (Orlandi, 1986, p. 108).

    Numa perspectiva oposta

    a

    dessa

    concepcao da

    analise

    dodiscurso como extensaodalingufstica, Orlandi apontauma

    tendenciaeuropeia que,

    partindo

    de uma

    relacao necessaria

    entre

    o

    dizer

    e as

    condicoes

    deprodu9ao

    desse

    dizer",

    coloca

    a

    exterioridade

    comomarcafundamental. Esse

    pressuposto

    exige

    um

    deslocamento

    teorico, de carater

    conflituoso,

    que vai re-

    "correr aconceitos exteriores aodominiode um a

    l ingufst ica

    imanente paradarcontadaanalisedeunidades mais complexas

    da

    linguagem.

    15

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    10/64

    A perspect iva tetfrica francesa

    ParaMaingueneau(1987),a

    chamada "escola

    francesa

    de analise do

    discurso"

    (que

    abreviaremos

    AD) filia-se:

    auma certa tradi9ao intelectualeuropeia (esobretudoda

    Franca)

    acostumada a unir

    reflexao

    sobre texto e sobre his-

    t6ria.

    Nos anos

    60,

    sob a egide do

    estruturalismo,

    a

    con-

    junturaintelectual francesa propiciou, em torno de uma

    reflexao

    sobrea"escritura",uma

    articulacao

    entrealinguis-

    tica,

    o marxismo e apsicanalise.A AD nasceu tendo

    como

    basea

    interdisciplinaridade,

    poiselaerapreocupacao

    nao

    so

    delingiiistas como de historiadores e dealgunspsicologos;

    e a umacerta pratica escolarque e a da"explicac,aodetex-

    to", muito

    em

    voga

    na Franca, do colegio a universidade, nos

    idos

    anteriores a 1960.

    Para

    A.

    Culioli

    (apud Maingueneau,

    1987,

    p. 6), "a

    Francaum

    pafsem que a

    literaturaexerceu

    um

    grande

    papel epode-se

    perguntar

    se aanalisedodiscurso

    nao e uma maneira de substituir a

    explicac.ao

    de texto en-

    quanto

    exercicioescolar".

    Inscrevendo-se

    em um quadro que articula o

    lingiifstico

    com osocial,a AD

    ve

    seucampoestender-separa outras areas

    do

    conhecimento

    eassiste-sea uma verdadeiraproliferacaodos

    usosdaexpressao"analise do discurso". A polissemia de que se

    investeotermo"discurso" nos mais diferentesesforcos

    ana-

    Ift icos

    entao empreendidos

    faz com que a AD se

    mova

    num

    terreno maisoumenos

    fluido.

    Elabusca, dessa forma,definir

    o seucampode atuacjio,procurandoanalisar inicialmente

    cor-

    poratipologicamente mais marcadossobretudonosdiscur-

    sospolfticosde esquerda e textos impresses. Sente-se a ne-

    16

    cessidade de criterios

    mais

    precisos para delimitar o campo da

    AD afimde sechegara suaespecificidade.Definida inicial-

    mente como

    "o

    estudo lingiiistico

    das condicoes de

    producao

    de um enunciado", a AD se ap6ia sobre conceitos e metodos

    dalingiiistica("A AD pressupoea

    Lingufstica

    e

    6

    pressupondo

    a Lingufsticaque ganha especificidade emrelafao asmeto-

    dologiasde tratamento da linguagem nas ciencias humanas",

    Orlandi,1986,

    p.110).Se por um

    lado esse pressuposto te6-

    rico

    e metodologico da lingiiistica distingue a AD das outras

    areas das

    ciencias humanas

    com as

    quais confina (historia,

    so-

    ciologia,psicologia etc.),poroutro,

    entretanto,

    naoserasufi-

    ciente para, por si so, marcar a sua especificidade no interior

    dos estudos da linguagem, sob o risco de permanecer numa

    lingiiisticaimanente.

    Sera"

    necessario considerar outras

    dimen-

    soes,

    como as que aponta Maingueneau (1987):

    o

    quadro

    das instituicoes em que o

    discurso

    e

    produzido,

    as

    quais delimitam fortemente a enuncia9ao;

    os embateshistoricos,sociais etc. que se cristalizam no dis-

    curso;

    o

    espa9Opr6prio

    que cada

    discursoconfigurapara

    si

    mesmo

    no interior de um interdiscurso.

    Dessaforma,alinguagem passaa ser um fenomeno que

    deve ser

    estudado

    nao so em

    relacao

    ao seu

    sistema

    interno,en-

    quanto

    forma9ao lingiifsticaa exigir de seus

    usuarios

    uma com-

    petenciaespecffica,mas

    tambem

    enquanto

    formacaoideologica,

    que se manifesta

    atraves

    de uma

    competencia socioideologica:

    Um a

    praticadiscursiva

    na o

    pode

    se

    explicar senao

    em

    funcao

    de um aduplacom petencia :

    1.

    u m a

    competencia

    especffica,

    17

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    11/64

    sistem a

    interiorizado de

    regrasespecificamente lingiifsticas

    e

    qu e

    asseguram a

    produc.ao

    e a compreensao de frases

    sempre

    novas

    o

    ind ivfduo

    eu

    utilizando

    essas regras de m aneira

    espedfica (performance);

    2.

    uma competencia

    ideologica

    ou

    geral

    que

    torna

    implicitamente

    possivel

    a

    totalidade

    dasasoes

    e

    dassignificacoes novas (Slakta,

    1971,

    p .

    110).

    Preconizando,

    assim ,

    um quadro teorico que alieolin-

    giiistico

    a os6cio-historico, na AD , dois conceitos tornam -se

    nucleares: o de

    ideologia

    e o de discurso. As

    duas grandes ver-

    tentes

    que vao influenciar a corrente

    francesa

    de AD sao, do

    lado da ideologia, os conceitos de Althussere,do lado do dis-

    curso, as

    ideias

    de

    Foucault.

    E sob a

    influencia

    dos

    trabalhos

    desses dois teoricos que Pecheux, urn dos estudiosos

    mais

    pro-

    fifcuos da AD,

    elabora

    os

    seus conceitos.

    De

    Althusser,

    a

    influencia

    mais diretase faz apartirde seutrabalho sobreos

    aparelhos

    ideologicos de Estado na conceituacao do

    termo "for-

    macaoideologica".E sera daArqueologiado

    saber

    quePecheux

    extraira

    a

    expressao "fbrm ac,ao discursiva",

    da

    qual

    a AD se

    apropriara , subm etendo-a a um trabalho especifico.

    O conceito de ideologia

    M atizado por nuancassignificativas,o term o ideologia

    6

    a inda

    hoje

    um anocao

    confusa

    econtroversa. Antesdeabor-

    dar o conceito de ideologia em Althusser, serao expostas algu-

    m as

    colocasoes sob re

    o

    f e n o me n o

    ideologico feitasp or

    M a rx ,

    do qual o primeiro e tributario, e, emseguida,

    algumas

    con-

    sideracoes

    de Ricoeur

    (1977),

    que r eto m auma visao

    inte-

    ressante de Jaques Ellul sobre o fenom eno ideologico.

    \

    \

    Segundo Chaui (1981),o t er m o "ideologia", criado

    pelo

    filosofo Destuttde Tracy em 1810 na obra Elementsd e

    ideologie^

    nasceu com o s inonim o

    da

    atividade cientifica

    qu e

    procurava analisar afaculdadede pensar, tratando asideias

    "como

    f enom enos

    naturals que exprim em a

    relacao

    do

    corpo

    humano,

    enquanto organism o vivo,com o m e i oam b iente 'U

    (p. 23). Entend ida como

    "ciencia

    positiva

    d o

    espirito",e la

    se

    opunha

    k m etafisica,

    ateologiae apsicologia pela exatidaoe

    rigor cientfficos que se

    propunham

    co mo

    metodo.

    Contrariando

    esse

    significado

    original,

    o

    termo

    passa

    a ter um sentidopejorativepela prim eira vez com Napoleao,

    qu e

    qualifica

    os

    ide6logos

    franceses de"abstratos,

    nebulosos ,

    idealistas e perigosos (para o poder) por causa do seudesco-

    jihecimentodos

    problem as

    concretes"

    (Reboul, 1980,

    p.

    17).

    A ideologia passa a ser vista entao com o um a doutri na i rrea-

    lista esectiria, sem fundam ento objetivo, e perigosa para a

    ordemestabelecida.;

    Em

    Marx

    Em

    M a rx

    e

    Engels, vam os encontrar

    o

    t erm o "ideo-

    logia"

    tambem

    im pre g na d o

    de uma

    ca rga sem ant ica

    ne-

    gativa.'jA

    sem elhan9a de Napoleao, que crit icara os

    filosofos

    franceses, M arx e Engels^condenam a "m aneira de verabs-

    trata e ideologica" dos filosofos alem aes que, perdi dos na

    s ua

    fraseologia,

    nao

    J^ uscam a "ligac.aoentr e a

    filosofia

    a lem a e

    a realidade

    a lem a , io

    laco entresu a

    crftica

    e seu

    proprio

    m e io

    material"(1965,p. 14).

    \-

    M a rx e

    Engelsjdentificam

    "ideologia" com a

    separacao

    que se faz entre a

    producao

    das ideias e as

    condicoes

    socials

    .i9;

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    12/64

    ehistoricasem que saoproduzidas. For issoequeelestomam

    como base para suasform ulac_6es

    apenas

    dadospossfveis de

    umaverificacaopuramente empiricalosdadosdarealidade

    que sao "osindivfduos reais,suaacjio esuas condic,6es ma-

    terials de existencia,aquelasque

    ja

    encontrama suaesperae

    aquelas

    que

    surgem

    com a sua

    propriaacao"

    (p.

    14).

    Dessa

    f o rm a ,

    citando novamente MarxeEngels,a

    "pro-

    ducjiodeideias,de concep^oes e daconsciencia

    liga-se,

    a

    pf

    in-

    cipio,diretamente

    e

    intimamente

    a atividade

    material

    e ao

    comerciomaterial dos homens, como uma linguagem da vida

    real"^

    Conseqiientemente,

    "a observacaoempirica temdemos-

    trar

    empiricamente

    e sem qualquerespeculac_aoou

    mistificac,ao

    aligacao entreaestrutura socialepolftica e a

    producao".'

    No entanto, o que as ideologias

    fazem,

    segundo Marx e

    Engels, e colocar os homens e suasrelacoesdecabec,aparabai-

    xo,como ocorre com arefrac,aoda imagem numa camara es-

    cura. Metaforicamente,essa inversaodaimagem, istoe, o"des-

    cer do ceuparaaterraem vez deirdaterra paraoceu"que ele

    denuncia nos filosofosalemaes,representa o desvio de percurso

    que consiste em partir das ideias para sechegara realidade.

    Segundo Chaui (1980), e

    nesse

    momento que,

    para

    Marx,nasce

    S ^

    a

    ideologiapropriamentedita,isto

    e, o

    sistemaordenado

    de ideias ou representagoes e das

    n o rm a s

    e

    regras

    como

    algo separadoeindependentedas condi9oesmaterials,

    visto qu e

    seus

    produtores oste6ricos, osIdeologos,o s

    intelectuais

    naoestao

    diretamente vinculados a

    produ-

    9ao

    m ateria ldas condi9oes deexistencia.E, semperceber,

    e xpr ime m

    essa

    desvincula^ao

    ou separa9&o atraves de suas

    ide"ias\(p.65).

    Essaseparacao entre trabalbointelectuale trabalho ma-

    terial3d umaaparente autonomiaaoprimeiro, isto6,asideias

    que,autonomizadase prevalecendo sobre o segundo,.passam

    a ser expressao dasideiasdaclasse dominante;

    As ideiasda

    classe

    dominante sao,em cada

    epoca,

    a sideUas

    dominantes,istoe , aclasseque e a

    for^am a te ria l dom ina nte

    da sociedade

    e,

    a o m e sm otempo,s ua for9a espiritual. A

    classe

    que tem a suadisposi9ao osm e i os de produ9ao m a-

    terial dispoe, ao

    mesmo

    tempo,dosmeiosde produ9ao es-

    piritual. [...]Na medida em que dominam como classee

    de te rmina m todooambito de uma

    e"pocahist6rica,

    eevi-

    dente que o fa9am em todaa sua extensao e,consequen-

    tem ente , entreoutras coisas,

    dominem

    ta m b ^ m

    como

    pen-

    sadores,comop rodutoresde ideias; que regulem aprodu-

    9ao e dlstribui9ao de ideiasde seutempoe que suas

    id&as

    sejam,

    por isso m esm o, asideias

    dominantes

    da epoca

    (Marx

    eEngels,1965,p.14).

    fi na sequencla dessas coloca9&esque Chaui (1980)

    chega entao a[caracterizacao da ideologia segundo a concep-

    c,aomarxista.Elaeum instrumentode dornina9ao declasse

    porqueaclasse dominantefaz com quesuasiddias passem a

    serideias detodos.Para isso eliminam-se as contradicoes en-

    tre forc,a deprodu^ao,relacoessocialse

    consciencia, resul-

    tantes

    da divisao

    social

    do

    trabalho material

    e

    intelectual.

    Necessaria a domina^ao de classe, a ideologia e ilusao, isto e,

    abstra9ao

    e

    inversao

    da

    realidade,]

    e por

    isso

    pe rm a ne ce

    semp re

    no

    piano im ed ia to

    do

    aparecer

    social...

    oaparecersocial6omodode ser do sociald eponta-cabec.a.

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    13/64

    A aparencia social

    na"o

    a

    algo

    falso e

    errado,

    mas e omodo

    como o processo social aparece para a consciencia direta dos

    homens. Isto

    significa que um a

    ideologia sempre

    possui

    um a base real ,s6 que essa base estadeponta-cabeca,ia

    aparenciasocial

    (p.105).

    \ Para criar

    na

    consciencia dos homens

    essa

    visao ilusoria

    da realiHade como sefosse

    realidade,

    a ideologia organiza-se

    "comoum

    sistema

    logico ecoerentede

    representa^oes (ideias

    e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e

    prescrevemaos membros dasociedadeo que devem pensar

    e como devem pensar/o quedevem valorizar,o quedevem

    sentir,o que devem

    fazer

    e como devem fazer"(Chaui, 1980,

    p. 113).

    Ela

    se

    apresenta,

    ao

    mesmo tempo, como explicacao

    teoricae

    pratica?

    Enquanto

    explicacao,elanaoexplicitae,

    alias, nao pode explicitar

    tudo

    sob o risco de se perder, de se

    destruir ao expor, por exemplo, asdiferencas,ascontradicoes

    sociais. Essa manobra

    camufladora

    vai fazer com que o dis-

    curso, e demodo especialo marcadamenteideologico,se ca-

    racterize pela

    presenc.ade "lacunas",

    "silencios",

    "brancos"

    que

    preservem

    a

    coerencia

    do seu

    sistemaX

    Dessa forma,

    se em

    Marx

    o

    termo "ideologia" parece

    estar reduzido a uma simples categoria filosoficade ilusao ou

    mascaramentodarealidadesocial, isso decorre do fato de se

    tomar, como ponto

    de partida

    para

    a

    elaboraclo

    de

    suateorla,

    acriticaao sistema capitalista e o respectivo desnudamento

    da ideologia burguesa. A ideologia a que elesereferee, por-

    tanto,

    especificamente

    aideologiadaclassedominante.

    Em

    Althusser

    \ Em Ideologia e

    aparelhos

    ideologicosdoE s tado (1970),

    Althusser

    afirmaque,

    para manter sua

    dommacao,

    a classe do-

    minante gera mecanismosdeperpetuacaoou de reproducao

    das

    condisoes

    materials, ideol6gicas

    e politicas de explorasao.

    E afentaoque entra opapel do Estado que,

    atravds

    deseus

    Aparelhos

    Repressores

    ARE (compreendendo o gover-

    no, a administracao, o Exercito, apolicia,os tribunals, as pri-

    soes

    etc.)^ eAparelhos Ideologicos

    ;

    AIE (compreendendo

    institui^oes tais

    como:

    a rellgiao, a

    escola,

    a

    familia,

    odireito,

    apolitico, osindicato, acultura,ainforma^aoJ/Tnterv^m ou

    pela repressao ou pela ideologia, tentando forcara classe do-

    minada

    a

    submeter-se

    as

    redoes

    e

    condi^oes

    de

    explorac^q.

    Dentre

    as

    diferencas

    que

    Althusser estabelece

    entreos ARE e

    os AIE estaria sua forma defuncionamento:enquanto que os

    primeiros "funcionam

    de uma

    maneira massivamente pre-

    valentepela repressao (inclusive fisica),embora funcione se-

    cundariamente pela ideologia"; inversamente

    os

    segundos "fun-

    cionam de um modo massivamente prevalentepela ideologia,

    embora

    funcionando secundariamente pela repressao, mesmo

    que no

    limite,

    mas

    apenas

    no

    limite, esta sejabastante ate-

    nuada, dissimuladaou atesimb6lica"(p.47).

    Althusser assinala

    que

    } como todofuncionamento da

    ideologia dominante estd

    concentrado

    nos AIE, ahegemo-

    ma

    ideologica exercida atraves deles e

    importante

    para se cria-

    rem asconduces

    necessarias

    para reproduijao das relacoes de

    Na segunda parte de seuensaio,Althusser retoma asin-

    daga^oes

    sobre o conceito de ideologia, mas nao

    mais

    sob o en-

    foqueda

    problematica

    dos AIE e da

    reproducao

    que gira em

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    14/64

    tornodeum uso

    especffico

    doconceito,o de ideologia do-

    minance".

    Nessa

    pane

    do seuestudo,

    ele vai

    seaplicar

    a

    con-

    ceituacao do que enrendeporideologia emgeral,que

    Ih e

    e

    distinta dasideologias

    particulars,

    queexprimem sempre,

    seja

    qualfor a sua

    f o rm a

    (religiosa,

    moral,

    jurfd ica,

    politica),

    posicoes declasse"(p. 12).

    Sua

    ideologia

    em

    geral seria,

    no

    fundo,

    a

    "abstracao

    dos

    elementos comuns

    de

    qualquer ideologia concreta,

    a fi-

    xacao

    teorica

    domecanismogeraldequalquer ideologia e,

    para

    explica'-la,

    formulatres

    hip6teses:

    a)

    "a

    ideologia representa

    a

    relafaoimaginaria

    de

    individuos

    comsuas

    reais

    conducesde existencia .

    Comesta tese,Althusserseopoea

    concepcao

    simplista

    deideologia como representacao

    mecanica

    (ou "mime'tica")

    da

    realidade;

    para ele,oproblemadaideologia secolocade

    outra forma:a ideologia e amaneirapelaqual oshomens

    vivem a sua

    relacao

    com as

    condicoes

    reaisdeexistencia,eessa

    relacao6necessariamente imaginaria. Acentuaocarater ima-

    ginario,oaspecto,por

    assim

    dizer,"produtivo" da

    ideologia,

    poisohomemproduz, cria formass imb ol icasderepresen-

    tagao

    da sua

    relaclo

    com a

    realidade concreta.

    O

    imaginario

    eomodocomoohomem atua,relaciona-secom as

    condicoes

    reais

    devida. Sendo essasrelacoesimaginarias,istoi,repre-

    sentadas

    simbolicamente, abstratamente,

    supoem

    um

    distan-

    ciamento da realidade. Eessedistanciamento pode ser "a

    causaparaa

    transposic.ao

    eparaa

    deformac^ao

    imaginariad as

    condicoes deexistencia reaisdo homem,numapalavra,para

    a alienac,aono

    imaginario

    da

    representacao

    dascondic,6esde

    existenciadoshomens (p. 80).

    b)

    "aideologiatern um aexistencia porque

    existe

    sempre nu m

    aparelho e na sua pratica ou suaspraticas".

    Para explicarsuatese, Althusser

    pane

    da colocacao

    fe i t a

    por uma

    corrente idealista

    que

    reduz

    a

    ideologia

    a

    ideias dotadas

    por

    def inicao

    de

    existencia espiritual;

    em ou-

    traspalavras, ocomportamento (material)de "umsujeito

    dotado

    de uma consciencia em queformalivremente,ou

    reconhece

    livrem ente ,

    asideiasem que ere",decorrenatu-

    ralmente dessas ideias

    que

    constituem

    a suacrenca.Re-

    conhece-se,dessa forma,

    que as

    ideias

    de um

    sujeitoexistem

    ou devem

    existir

    no s

    seus atos,

    e se

    isso

    nao

    acontece,em-

    prestam-se-lhesoutras ideias correspondentesaosatosque

    ele

    realiza.

    ParaAlthusser,entretanto,essasidelasdeixam

    de ter

    um a

    existencia ideal, espiritual,

    e

    ganhammaterialidade

    na

    medida em que suaexistencias 6

    6possfvel

    noseio de "um

    aparelho ideologico material que prescreve prdticas ma-

    teriais governadas

    por um

    ritual material,

    praticasque

    exis-

    tem nas

    acoes

    m ater ia lsde um sujeito (McLennan et al.,

    1977, p. 125).

    Aexistencia

    da

    ideologia

    e,

    portanto, material, porque

    as rela9oes

    vividas,

    nela

    representadas, envolvem

    a

    parti-

    cipacao

    individualemdeterminadas praticaserituaisno in-

    terior deaparelhos ideologicos

    concretes.

    Em outros

    ter-

    mos,

    a

    ideologia

    se

    materializa

    nos

    atos

    concretes,

    assu-

    mindo

    c om

    essaobjetivaclo

    um

    carater moldador

    d as

    39068.

    Issoleva Althusser aconcluir que apratica soexiste

    numa

    ideologiae

    atraves

    de uma ideologia.

    c)

    "a

    ideologia interpela individuos como sujeitos".

    24

    25

    J

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    15/64

    Toda ideologia

    tern

    por

    funcao

    constituir

    individuos

    concretesem

    sujeitos. Nesse processo

    deconstituisao,a

    inter-

    pelacao

    e o (re)conhecimentoexercempapel importanteno

    runcionamento

    de

    toda

    ideologia. ftatraves dessesmecanis-

    mos

    que a

    ideologia,

    funcionando nos

    rituais materiais

    da

    vida

    cotidiana,

    opera

    a

    transform acao

    do s

    indivfduos

    e m s u-

    jeitos.

    O

    reconhecimento

    seddno

    momento

    em que o

    sujeito

    seinsere,a si

    mesmo

    e asuasacoes, em praticasreguladas

    pelos aparelhos ideologicos. Comocategoria constitutivada

    ideologia,

    sera"somente atravesdo sujeitoe nosujeito que a

    existencia daideologia sera"possivel.

    Em Ricoeur

    O

    f enom eno

    ideologicotern sido fortemente marcado

    pelom arx ism o. Sem querer combater Marxou i r a seu

    favor,

    Paul Ricoeur alerta para um atendenciaque se fazsentir sob

    ainfluenciade se

    fazer

    um a

    interpretacao

    redutora dofeno-

    meno ideol6gico partindo

    de uma

    analise

    em

    termos

    de

    clas-

    ses socials.

    Interpretacao

    redutora porqueeladefine ideologia

    apenas por sua

    fun9ao

    de

    justificacao

    do sinteressesde u m a

    classe,

    a

    dominante.

    Um a defini9ao de

    ideolog'ia

    que a

    reduz

    a sfuncoes de

    dominacaoe de

    justiflca9ao

    e que noslevaaaceitar,sem crf-

    tica,

    a

    identificacao

    de

    ideologia

    com as

    no9oes

    de erro,men-

    tira,

    ilusao.

    E le

    nao

    nega

    a

    existencia

    d e

    taisfuncoes, mas,

    antesd echegaraela,diz ser

    precise

    entender um a

    funcao

    an -

    terior

    e

    basica

    q ue

    concerne

    a

    ideologia

    em

    geral.

    E le

    analisa

    oconceitodeideologiaem tres instandas:

    a) F u nc aogeral

    da

    ideologia

    26

    Ricoeur

    (1977)

    atribui

    a

    ideologia

    a funcao

    geral

    de

    mediadora

    na integracao

    social,

    na

    coesao

    do

    grupo. Esse

    papelse

    caracteriza

    pela presenca decincotraces:

    1)

    A

    ideologia perpetua

    um ato

    fundador

    inicial.

    Nesse sen-

    tido,

    a

    ideologia 6funcao

    da

    distancia

    qu e

    separa

    a

    memoria

    so-

    cial

    de umacontecimento que,no

    entanto,

    trata-sederepetir.

    Seu

    papelnao esomenteo ded i f i ind ira convic9aoparaal^m

    do

    cfrculo

    do s

    paisfundadores,para

    convert^-la num

    credo

    de todoogrupo,mas

    tambem

    o de perpetuar aenergia ini-

    cial

    para

    alem

    do

    periodo

    de

    efervescencia

    (p. 68).

    Essa perpetuacaode um atofundador

    esta

    ligadaa

    "ne-

    cessidade, paraumgrupo social,de

    conferir-se

    uma ima-

    gem de simesmo,derepresentar-se,nosentidoteatraldo

    termo, de

    representar

    e encenar".

    2) A

    ideologia

    e dinamica e motivadora. Ela impulsiona apra-

    xi s

    social,

    motivando-a,

    e "um

    motivo

    e ao

    mesmo

    tempo

    aquilo

    q ue

    justifica

    e que

    compromete".

    P or

    isso,

    "a

    ideo-

    logia

    argumenta",

    estimulaumapraxis socialque acon-

    cretiza.Nesse sentido,

    ela

    &

    m ais do que um

    simples reflexo

    de um a formacaosocial,ela etambemjustificafao (porque

    sua

    praxis"e

    movida

    pelo

    desejo

    de

    demonstrar

    que ogrupo

    que aprofessatem razao de ser o que e")zprojeto (porque

    modela,dita

    as

    regras

    de um

    modo

    de vida).

    3)Todaideologiaes im plif icadorae

    esquem atica.

    Inerentea

    su a

    funcaojust i f icadora , aideologia apresentau m carater

    codif icado parase dar uma

    visao

    deconjunto,nao so-

    mente

    do

    grupo,

    mas dahistoriae, em

    ultimainstancia,

    do

    27

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    16/64

    mundo".Porisso,visando aeficdciasocial de suas ideias, ela

    iracionalizadorae suaf o rm adeexpressaopreferencialsao

    asmaxirnas, sloganse form as

    lapidares onde

    aretxSrica

    esta

    sempre presente.

    4) Umaideologia6

    operatoria

    e

    nao-tematica.

    Isto6,"ela opera

    atras

    de n6s, mais do que apossufm oscomoumtemadian-

    te de

    nossos

    olhos.fi a

    partir

    delaque pensamos,

    mais

    do

    que podemos pensar sobre ela" (p.

    70).

    E

    devido

    a esse esta-

    tuto

    nao-reflexivo

    e nao-transparente da ideologia que se

    vinculou

    a ela a

    nocao

    de

    dissimulacao,

    de

    distorcao.

    5) A

    ideologia

    e,poderfamosdizer,intolerante

    devido a inercia

    que

    parece

    caracteriza-la. Inercia em relacao ao aspecto tem-

    poral, umavezque

    "o

    novoso pode ser recebido a partir do

    tipico,

    tambem oriundo

    da

    sedimentacao

    da

    experiencia

    social". Nesse sentido, a ideologia e conservac.ao e resis-

    tencia

    asmodifica^oes.O

    novo poe

    em

    perigo

    as

    bases

    es-

    tabelecidas pela ideologia. Ele representa um perigo ao

    grupocujosmembros devemsereconhecere sereencontrar

    na

    comunhao

    das mesmas ideias e

    praticas

    sociais. A

    ideo-

    logia opera, assim, um

    estreitamento

    das possibilidades de

    interpretac,aodosacontecimentos.Afetadapeloseu ca-

    rater

    esquematizador,

    ela se

    sedimenta

    enquantoosfatos

    e assituac.6essetransformam.Sedimentacao que pode

    levar

    ao "enclausuramento ideologico e atemesmoa cegueira

    ideologica".

    b) Func.ao de

    dominac.ao

    Nessa instancia, o conceito de ideologia esta ligado aos

    aspectoshierirquicosda organizacjio social cujosistema de

    autoridadeinterpretsejustifica.

    28

    Toda autoridade procura, segundo seus sistemaspoli-

    ticos,

    legitimar-se,

    e para

    tal

    e necessario que

    haja

    correlati-

    vamente

    uma cren^a por parte dos indivi'duos nessa legitimi-

    dade.Comoa legitimacao daautoridadedemandamais crenca

    do que osindivfduos

    podem dar,

    surge a ideologia como sis-

    tema justif icadorda

    dominacao.

    Enomomentoem que a ideologia-integracao secru-

    za

    com a

    ideologia-dominac_ao

    que emerge o carater de dis-

    torcaoe de

    dissimulacao

    da

    ideologia.

    Mas

    nem todos

    os

    tra-

    cosque foram a t r ibufdo sa seu papelmediadorpassam a fun-

    93.0

    da

    dissimulacao, como

    se

    costuma

    fazer.

    c)

    Fun^ao

    de deformacao

    Aqui o

    termo

    "ideologia" adquire a no^ao rnarxista pro-

    priamentedita. Tomando a religiao (que opera a inversao entre

    o ceu e a terra) como a ideologia por

    excelencia,

    Marx, como

    ja

    vimos,

    concehuao

    fenomeno ideologico como aquilo

    que

    nos faz, segundopalavrasde Ricoeur,"tomaraimagempelo

    real,

    o

    refiexo

    pelo original".

    Para Ricoeur,essa funca ode deformacao e uma

    instancia

    especfficado conceito de ideologia e supoe as duas outrasana-

    lisadasanteriormente. Pois para elee

    ba^ ico ,

    no fenomeno

    ideologico,

    o

    papel mediador incorporado

    ao

    mais elementar

    vmculo

    social:

    "a

    ideologia

    um

    fenomeno

    insuperaveldaexis-

    tencia social,

    na

    medida

    em que a

    realidade social sempre

    possuiu uma constituicao simbolica e comporta uma

    inter-

    pretacao,

    em imagens e representacoes, do pr6prio

    vfnculo

    social"

    (p. 75).

    Seguindoo percurso

    analft ico

    de Ricoeur, podemos

    sentir que,

    na

    instancia inicial, quando

    o

    fenomenoideolo-

    29

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    17/64

    gico tern

    sua

    funcao

    originariamente

    ligada

    ao

    papel

    de me-

    diador

    na

    integracao social,

    a nocao de

    ideologia

    nao

    carrega

    propriamente

    sentido negativo. Esse sentido negative

    apa-

    recera

    (e

    se fixaradefinitivamentecom omarxismo) quando

    o fen6meno se

    cristalizar

    em

    face

    do problema da autoridade

    que,acionando o sistema

    just i f icat ivo

    da dominacao,detona

    ocaraterde distorcao e de

    dissimulate

    da ideologia.

    Um

    balance

    das

    colocacoesvai-nos mostrar

    que

    essas

    diferentes fo rmas

    de ver e

    conceituar

    a ideologia

    oscilam

    entre

    dois polos; e issocertamente vai determinar maneiras d i fe-

    rentes__de

    abordararelacao linguagem ideologia.

    / De umlado,temos

    uma

    concepcaodeideologia

    geral-

    mente

    ligada a

    tradicaomarxista,

    que apresenta o f e n o m e n o

    ideologia de

    maneira

    m a is

    restrita

    e

    particular, entendendo-o

    como o mecanismo que leva ao escamoteamento da realidade

    social, apagando as contradicoes que Ih e

    sao

    inerentes.

    Con-

    sequentemente, preconiza a

    existencia

    deumdiscurso ideo-

    logico

    que,utilizando-se de varias manobras, serve parale-

    git imarLo

    poder de uma classeou gruposocial?)

    / D eoutro lado, temos

    uma

    nocaomais ampla

    de

    ideo-

    logia

    que e

    definida

    como uma visao, uma

    concepcao

    de

    mundo

    de uma

    determinadacomunidadesocial

    numa

    deter-

    minada circunstancia hist6rica. Isso vai acarretar uma

    com-

    preensao dos fenomenos linguagem e ideologiacomono9oes

    estreitamente

    vinculadas e mutuamente

    necessarias,

    uma vez

    que a primeira e uma das

    instancias

    maissignificativasem que

    a segunda se

    m ater ializa.

    Nesse sentido, nao ha

    um

    discurso

    ideol6gico, mas

    todos

    os discursos osao.Essa postura deixa

    de lado uma concepcao de ideologia como "falsaconsciencia"

    ou dissimulacao, mascaramento, voltando-se para outradi-

    recao

    ao entender a ideologia como

    algoinerente

    ao signo em

    geral. Dessa forma,

    pelo

    carater arbitrario do signo, se por um

    lado a linguagem levaa criacao, a produtividade de sentido,

    por outro representa um risco na medida em que

    permite

    manipular a construcao da referenda. Essa liberdade de re-

    lacao entre signo e sentido permite produzir, por exemplo,

    sentidosnovos,atenuar outros e eliminar os indeseiaveisl

    Parece que essasduas

    concepcoes

    nao se excluem se

    partirmos do

    pressuposto

    de que a

    ideologia, enquanto

    con-

    cepcao

    de mundo, apresenta-se como uma forma

    legitima,

    verdadeira de pensar esse mundo. Talmodode pensar, de

    recortar

    o mundo atravessado pela subjetividade em-

    bora se apresente como legf tim o , pode ser,no

    entanto,

    in-

    compativel

    com a realidade, isto e, os

    modos

    de

    organizacao

    dos dados fornecidos pela ideologia podem ser

    autonomos,

    imaginarios,fictfcios emrela9aoaos modos de organizacao da

    realidade.Essaincompatibilidade pode ser vivida de maneira

    inconsciente. E nesse sentido que Ricoeur diz ser a ideologia

    operat6ria

    e nao-tematica,

    porque,

    "operando atras de

    nos"

    e

    a partir dela que pensamos e agimos sem, muitas vezes,

    tematiza-la, traze-la ao

    nivel

    da consciencia. Elajentretanto,

    A ^ ~ ~

    pode ser produzida intencionalmente. E nessepontoque as

    duas concep9oes de ideologia se cruzam. Issopodeocorrer

    especificamente

    com

    determinados discursos como

    o po-

    litico,

    o religiose, o da propaganda,e n fi m ,os marcadamente

    institucionaiizados.Neles, faz-se um recorte da realidade,

    embora,por um mecanismodemanipulate,orealnao se

    mostre na medida em

    que,

    intencionalmente, seomitem,

    atenuam

    ou

    falseiam dados, como

    as

    contradicoes

    que

    sub-

    jazem

    as

    rela^oes

    sociais. Selecionando, dessa maneira,

    os

    elementos da realidade e mudando asf o rm a sde articulacao

    do

    espaco

    darealidade,a ideologia escamoteiaomodode

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    18/64

    ser

    do

    mundo.

    Eessemodode ser do

    mundo, veiculado

    por

    essesdiscursos,e orecorteque uma determinada

    insti tuicao

    ou

    classe social

    (dominante)

    numdado sistema (por

    exemplo,

    o ca pitalista) faz da

    realidade,

    retratando assim ,aindaque de

    fo r m a

    enviesada,

    uma

    visao

    de

    mundo.

    O conceitode

    discurso

    em

    Foucault

    Alguns

    dos

    conceitos colocados

    por

    Foucault

    foram

    fecundospara aqueles

    que se

    lancaram numapesquisalin-

    giii'sticavisando

    ao

    discurso.

    Foucault

    (1969)

    concebe

    os

    discursos

    comouma

    dis-

    persao, isto

    e,

    como

    sendo formados

    por

    elementos

    que

    nao

    estao

    ligadospor nenhum principio deunidade. Cabea ana-

    lise

    d odiscurso descrever essa dispersao, buscandooestabe-

    lecimentoderegras capazesderegeraformacaodosdiscursos.

    Tais regras,chamadas porFoucaultde regrasde formacao",

    possibilitariam

    a determinacao dos

    elementos

    que compoem

    o

    discurso,

    a

    saber:

    os

    objetos

    que

    aparecemcoexistem

    e se

    t rans form am num

    "espaco

    comum"

    discursive;

    os

    diferentes

    tipos de

    enunciado que

    podem

    permear odiscurso; os

    con-

    ceitos

    em suas formas de

    aparecimento

    e

    transformacao

    em

    um

    campo discursive,

    relacionadosem umsistema comum;

    os temase

    teorias-,isto

    e, osistemade

    relac.6es

    entre diversas

    estrate"giascapazes

    de dar

    conta

    de um a

    formacao discursiva,

    permitindo

    ou

    excluindo certos temas

    ou

    teorias.

    Essas

    regras

    que

    determinam,portanto,

    uma

    "formacao

    discursiva se apresentam sempre como um

    sistema

    de re-

    lacoes entre objetos, tipos enunciativos, conceitos eestra-

    tegias. Sao elas que caracterizam a "formacao discursiva em

    suasingularidade

    e

    possibilitam

    a

    passagem

    da di spersao

    para

    a

    regularidade. Regularidade

    que eatingidapelaanalisedos

    enunciados

    que

    constituem

    a

    formacaodiscursiva.

    Z^Qefinindo odiscurso como umconjuntode

    eiiuncia-

    dos que se

    remetem

    a um a

    mesma

    form acao

    discursivaj("um

    discurso

    e um

    conjunto

    de

    enunciados

    que

    tern

    seus

    prin-

    ci'pios

    deregularidadeem umamesmaformacaodiscursiva ,

    Foucault,1969,p-l46jGparaFoucault,aanalisede umafor-

    *s>--

    mac.aodiscursiva

    consist ird,

    entao,na descric,aodos

    enun-

    ciadosque ac o m p o em X Eanocaod eenunciado em Foucault

    e

    contraposta

    a

    nocaode

    proposicao

    e d e frase(unidades, res-

    pectivamente, constitutivas

    da logica e da

    l ingiifstica

    da

    frase),

    concebendo-o

    como

    a

    unidade elementar,basica,

    que fo r m a

    um

    discurso.|O

    discurso seria concebido, dessa

    fo r m a ,

    como

    um a

    f amf l ia

    deenunciados pertencentes a um amesma for-

    macaodiscursiva^

    Foucault enumera quatro caracteristicas constitutivas

    do

    enunciado.

    A

    primeira

    diz

    respeito

    arek^aodo

    enunciado

    com

    seu

    correlate

    que elechama de

    "referenda ".

    O refe-

    renda ",aquiloque oenunciado enuncia, "e a condicao de

    possibilidadedoaparecimento,

    diferencia9ao

    edesapareci-

    mento

    d osobjetose relacoes que saodesignados pela frase".

    Ass im ,

    o

    enunciado,

    por sua

    fun9ao

    de existencia,

    "relaciona

    as

    unidadesdesignosq uepodemser proposicoes ou

    frases

    com

    um d o m fn io

    ou

    campo

    de

    objetos (Machado,1981,

    p.

    168),

    possibilitando-as

    de

    aparecerem

    com

    conteudosconcretes

    no

    tempo e no

    espaco.

    Asegunda caracterfstica (em cuja

    exposicao

    n osalon-

    garemos devido aimportanciada questaoparaaanalisedo

    discurso)d izrespeitoa relacao doenunciadocom seu

    sujeito.

    Foucaul tsitua-se

    na

    vertente oposta

    a uma concep9ao

    idea-

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    19/64

    lista

    do

    sujeito

    que, interpretadocomo ofundador dopen-

    samento e do

    objeto

    pensado,

    ve

    a historia

    como

    um

    processo

    sem rupturaem que oselementos sao introduzidos conti-

    nuamente no tempo concebido como totaliza5&o.Critica,

    dessa

    form a ,

    uma

    concepcao

    do

    sujeito enquanto

    instancia

    fundadora dalinguagem:

    Poder-se-iadizer

    que otemado

    sujeito fundador permite

    eli-

    dir a realidade dodiscurso.Osujeito fundador

    [...]esta

    en-

    carregadodeanimar

    diretam ente

    com seumodode ver" as

    formas

    vazias

    da

    lingua:

    e

    ele

    que,

    atravessando

    a

    espessura

    ou

    ainertiadascoisas

    vazias,

    retoma, intuitivamente, osen-

    tidoqueaiseencontradepositado;e ele igualmenteque, para

    alem dotempo,

    funda

    horizontesde

    significances

    que a

    his-

    toria

    nao

    tera,

    em seguida,senaoqueexpHcitareondeaspro-

    posi^oes,

    as

    ciencias,

    os

    conjuntos dedutivos encontrarao

    enfim

    seu

    fundamento.

    Em sua relacao com o

    sentido,

    o su-

    jeito fundadordispoe designos,de

    m arcas,

    de

    traces,

    de

    le-

    tras.

    M as nao

    tern

    necessidade,

    para

    o s

    manifestar,

    de

    passar

    pela

    instancia

    singular

    do

    discurso(1974,

    p.49).

    Rompendo comessaordem classicaque via a historia

    como

    um

    discurso

    do

    continue,

    do

    desenrolar

    previsivel

    do

    Mesmo,Foucault instaura

    uma

    novavisao

    da

    historia

    como

    rupturaedescontinuidade, construindo-se umaseriede mu-

    tacoes inauguralsonde

    nao ha lugar

    para

    um

    projeto divino

    ouhumano. Atribuindoa

    instancia

    singulardodiscursoum

    estatuto

    privilegiado,

    paraele,

    a m ateria de um a anal ise

    his-

    torica descontinuaioeventona sua

    m anifestac,ao

    discursiva

    sem

    referenda

    a uma teleologiabu a umasubjetividade fun-

    dadora: Descrever

    uma

    form ulae,aoenquanto enunciado

    nao

    34

    consiste em analisaras relacoesentre oautor e o que ele diz

    (ouquis dizer,oudissesemquerer);mas emdeterminarqual

    ea posicao que

    pode

    e

    deve

    ocupar

    todo individuopara

    ser

    seusujeito (1969, pp . 119-20).Dessa

    forma ,

    se osujeitoe

    um a

    func.ao

    vazia,

    um

    espaO

    a ser

    preenchido

    p or

    diferentes

    indivfduosque o

    ocuparao

    aoform ula rem oenunciado,deve-

    serejeitarqualquer concepcao

    unif icante do

    sujeito.

    O

    dis-

    curso

    nao

    iatravessado pela unidade

    do

    sujeito

    e

    simpela

    sua

    dispersao;

    dispersaodecorrente

    da s

    variasposicoes possiveis

    deserem assumidaspor ele nodiscurso: "asdiversasmoda-

    lidadesdeenunciacaoemlugarderemeterasi'nteseou a fun-

    cjiounificantede um sujeito,m anifestam suadispersao

    (1969,

    p.69).Dispersaoquerefleteadescontinuidadedospianosde

    onde fala

    o

    sujeito

    que

    pode,

    no

    interior

    do

    discurso, assumir

    diferentesestatutos. Esses pianos "estaoligados

    por um

    sis-

    tema

    de

    relates,

    o

    qual

    nao e

    estabelecido pela atividade

    sinte'ticade uma consciencia

    identica

    a

    si ,

    mudaou

    preVia

    a

    qualquerpalavra,

    mas

    pelaespeciflcidade

    de uma pratica

    dis-

    cursiva (1969,p.70).

    yAconcepcao

    de

    discurso como

    um

    campo

    de

    regula-

    ridades,e m qu ediversasposi9oes desubjetividade podemm a-

    nifestar-se,

    redimensionao papel dosujeitono processode

    organizacao da

    linguagem, eliminando-o como

    fonte

    geradora

    de

    significa^oes.

    Para Foucault,osujeitodoenunciadonao e

    causa, origemoupontodepartidadofenomenode

    articulacao

    escrita ouoralde um enunciado e

    nem

    afonte ordenadora,

    movel

    e constante, das

    operates

    designificacaoque osenun-

    =w

    ciadosviriam manifestarna superffcie do discursoA

    Outra caracteristica

    e a que diz

    respeito

    a

    existencia

    de

    umdominio,ou seja,de um campo adjacente" ou

    "espaco

    colateral",

    associado

    ao

    enunciado integrando-o

    a um

    conjunto

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    20/64

    de

    enunciados,jaque,

    aocontrariode um afraseou proposicao,

    [nao

    existe um enunciado isoladamente:

    Todo enunciado se encontra

    assim especificado:

    nao existe

    enunciado em

    geral,

    enunciado

    livre,

    neutro

    e independen-

    te; mas, sempre urnenunciadofazendopartede umaserieou

    de

    urn conjunto,

    desem penhando

    um

    papel

    no meio dos ou-

    ttos,

    apoiando-senelese se

    distinguindo deles:e le

    se

    integra

    sempre em um jogoenunciativo\1969,p. 124).

    A

    quarta caracterfstica constitutiva do enunciado e

    aquela

    que o faz

    emergir como objeto: refere-se

    a sua

    con-

    dicao

    material. Para caracterizaressamaterialidade, Foucault

    faz

    um a

    distincaoentre enunciado

    e

    enunciacao. Esta

    se da

    toda vez que alguem emite um conjunto de signos; enquanto

    aenunciacao

    se

    marca

    pelasingularidade,

    pois j a m a i s

    se re-

    pete,

    o

    enunciado pode

    ser repetido. Hipoteticamente, enun-

    cia^oesdiferentes podem encerrar o mesmo enunciado. No

    entanto,

    como a

    repeti9ao

    de um enunciado depende de sua

    materialidade,

    que e de ordem

    institucional, isto

    e,

    depende

    de sua

    localiza^ao

    e m u m

    campo institucional,

    um a

    frasedita

    no

    cotidiano,

    inserida

    num

    romance ou inscritan um .outro

    tipo

    qualquerdetexto, jamais seraomesmoenunciado,pois

    em

    cada

    um

    desses espacos, possui

    uma

    funcao

    enunciativa

    diferente.

    As

    ideias

    de

    Foucault

    sao

    fecundas

    na

    medida

    em que

    colocam diretrizes para uma

    analise

    do discurso, mas ve-

    r i f i car como

    se

    concretizam essas diretrizes,

    no n ivel lin-

    gu(stico

    propriamente

    dito,

    e uma

    tarefa

    que deixa aos

    lin-

    giiistas,

    e ele nao a

    realiza

    uma vez que nao

    tinhacomo preo-

    cupa9ao central o enfoque do discursoenquantoproblema

    36

    lingiiistico(1979,p.

    247).

    Com

    essa

    ressalva,

    destacaremos

    dentre

    as

    suas ideias, enquanto contribuicao para

    o

    estudo

    da linguagem, os seguintes itens:

    a)

    a concepcao do discurso considerado como pratica que

    prove'm

    da form acaodos

    saberes,

    e a

    necessidade, sobre

    a

    qua

    insiste obsessivamente, de sua

    articulacao

    com as ou-

    tras

    praticas

    nao-discursivas;

    b) o

    conceito

    de "form acao discursiva",

    cujoselementos cons-

    titutivos

    sao

    regidos

    por

    determinadas "regras

    de form acao";

    c)dentre

    esses

    elementos constitutivos

    de um a

    formacaodis-

    cursiva,ressalta-se adisti^aoentre enunciacao (que em

    diferentes

    form asde jogos enunciativos singulariza o dis-

    curso)

    e o enunciado (que passa a

    funcionar

    como

    a uni-

    dade lingiiistica

    basica,

    abandonando-se, dessa fo r m a , a

    nocao

    desentencaou

    frase gramatical

    co m

    essa

    funcao);

    d) a concepcao de discurso como jogo estrategico e

    polemico:

    o

    discurso

    nao

    pode

    m a isser

    analisado simplesmente

    sob

    seu aspectolingiifstico,

    m as

    comojogo estrategico

    de 3930

    e

    de

    rea9ao,

    de pergunta e resposta, de domina9ao e de

    esquivae

    tambem como

    luta(1974,p. 6);

    e) o

    discurso

    6o espa9O em que

    saber

    e

    poder

    se

    articulam,

    pois quernfala, fala

    de

    algum lugar,

    a

    partir

    de um

    direito

    reconhecido institucionalmente. Esse discurso,

    que

    passa

    po r

    verdadeiro,

    que

    veicula saber

    ( o

    saber institucional),

    6

    gerador

    de poder;

    f) a

    produ9ao

    desse discurso gerador

    d e

    poder

    e

    controlada,

    selecionada,

    organizadae

    redistr ibufda

    po r

    certosprocedi-

    mentos

    que

    tern

    por

    funcaoeliminar toda

    e

    qualquer

    a

    permanencia

    desse poder.

    37

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    21/64

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    22/64

    Essas

    tres

    rendencias estao ligadasporrelates contra-

    dito~riasquerseopondo,quersecombinando, quersesubor-

    dinando uma a outra. Por exemplo, a tendencia historica liga-

    seestranhamente

    a formalista-logicista pordiferentesformas

    intermediarias (o funcionalismo, o distribucionalismo etc.);

    a lingufstica da enunciacaomantem tambem uma relacao

    contraditoriacom o formalismo-logicista, principalmente

    com a

    fllosofia

    analfticadaescoladeOxford(Austin,Searle,

    Strawson etc.), ao abordar os problemas da

    pressuposicao.

    Uma

    contradiclo

    comum que

    opoe

    a primeira ten-

    dencia as duas outras e aquela que liga a"langue"ao mes-

    mo tempo a"historia"(2

    a

    tendencia) e aos"sujeitos falantes"

    (3

    a

    tendencia) ou, em outros termos, "uma

    contradicao

    entre

    sistemalingufstico (a

    langue}

    edetermlnacoes nao-sistemicas

    que,

    a margem do sistema se opoem a

    ele

    e mtervem sobre

    ele"

    (p.

    19).Essa contradi^ao que constitui justamente o

    obje-

    to da "semantica" estaria no

    centre

    das pesquisas lingiiisticas

    atuais. Pecheuxnao seprop5e,em seutrabalho,aresolver essa

    contradifao, mas a contribuir para o

    aprofundamento

    da ana-

    lise

    dessa contradicao

    atraves

    de uma posicao firmada noma-

    terialismo hist6rico.

    Essaintervencao da fllosofia

    materialista

    no domfnio

    da

    lingufstica,

    em vez detrazersolucoes,consistiraantes de

    tudo em colocar uma

    se"rie

    de questoes sobre seus pr6prios

    "objetos"e sobre a relacao da propria lingufstica comum

    outrodomfnio cientjfflco, o dacienciadasfbrma96essociais.

    Mecanismos lingiifsticoscomo,

    por

    exemplo,

    a

    opo-

    sicao, mencionada por Pecheux (1975, p.

    35),

    entre expli-

    cacao/determina^ao (propriedades

    morfologicas e sintaxicas

    ligadas ao funcionamento das relativas), que constituem ao

    mesmo tempo fenomenos lingufsticose lugares de questoes

    40

    filos6ficas,fazemparte de uma zona de articula9aoda lin-

    gufstica

    com a

    teoria historica

    dos processes

    ideologicos

    e

    cientfficos:

    os istem ad a lingua 6om e smo pa rao materialista eparao

    idealista, para orevolucionar ioeparaoreacionar io ,para

    o que dispoe de um conhecimentodadoeparao que nao

    dispoe. Isso na o resultaq ue eleste ra o o me sm o discurso: a

    l ingua

    aparece como

    a

    base

    comumde

    processesdiscursivos

    diferenciados

    {p.

    81).

    Pecheux coloca, dessa forma, duas nocoes fundamen-

    tals

    e

    opositivas:

    ano^aode base

    lingutstica

    que constitui precisamente o

    objeto dalingufsticae compreende

    todo

    o sistema lingiiis-

    ticoenquanto conjunto de estruturasfonologicas, morfo-

    logicas

    e

    sintaxicas. Dotado

    de uma

    relativa

    autonomia, o

    sistema

    lingufstico

    e

    regido

    por leis

    internas;

    a

    nocao

    de

    processo

    discursivo- ideologico que se desenvolve

    sobre a

    base dessas leis internas; rejeita-se, assim,qualquer

    hipotese de uma discursrvidade enquanto utiliza9ao"aci-

    dental"

    dos sistemas

    lingufsticos

    ou enquanto "parole", isto

    e,umamaneira

    "concreta"

    de habitar a"abstra^ao"da "lan-

    gue".

    O

    conceito

    de

    processo discursive6elaborado

    a

    partir

    da nocao foucaultiana de sistema de

    formacao

    compreen-

    dida como conjunto de regras discursivas que determinam

    a existenciados objetos, conceitos, modalidades

    enuncia-

    tivas,

    estrategiasyVpreocupa^aodePecheuxinscrevero

    processo

    discursive

    em uma relacao

    ideologica

    de

    classes,

    pois reconhece,citando Balibar, que, se a

    I fngua

    iindi-

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    23/64

    ferente

    adivisao de classes socials e a sualuta(daf a relativa

    autonomia

    do

    sistema lingiiistico), estas

    (as

    classes

    socials)

    nao

    o sao emrelacaoa

    lingua

    aqua

    utilizam

    de

    acordo

    com

    o

    campo

    de

    seus

    antagonismos>

    Essa

    distincao

    fundamental leva a

    reconhecer

    que:

    < Q a

    lingua constitui

    a

    condicao

    de

    possibilidade

    do

    "discurso",

    poise uma especie de invariante pressuposta por todas as

    condicoes de

    producaopossfveis

    em um

    momento historico

    determinado;

    (}os processes

    discursivos

    constituem

    a fonte da producao

    dos

    efeitos

    de sentido no discurso e a lingua e o lugar

    ma-

    terial em que se realizam os efeitos de sentido.

    ^Segundo

    essa perspectiva, se processo

    discursive

    e

    pro-

    ducao

    de sentido, discurso passa a ser o

    espaco

    em que emer-

    gem as

    significacoes.

    E aqui, o lugarespecrficoda

    constituicao

    dos

    sentidos

    e aformacao

    discursiva, nocao

    que, juntamente

    com a de

    condicao

    de

    producao

    e

    formacao ideologica,

    vai

    constituir uma

    trfadebisica

    nas

    formulacoes

    teoricas da ana-

    lise

    dodiscurso^,

    Condigoes de

    produgao

    dodiscurso

    Para Courtine (1981), as origens danocaode

    condicoes

    deproducao(que abreviaremos CP) sao de

    tres

    ordens:

    a)

    origina-se em primeiro lugar da analise do conteudo tal

    como

    e praticada sobretudo na psicologia social;

    b) origina-se

    indiretamente dasociolingiii'sticana

    medida

    em

    que esta admite

    variaveis

    sociol6gicas

    ("o

    estado social

    do

    emissor, o estado social do destinatario, as

    condicoes

    socials

    da situacao

    de

    comunicacao...")como responsaveis pelas

    CPs do

    discurso;

    c)

    tern

    uma origem implicita no texto de Harris,

    Discourse

    analysis

    (1952):

    nele

    nao figura o

    termo

    CP, mas o

    termo

    "situacao", colocado

    em

    correlacao

    com o de

    "discurso"

    ao

    referir-se

    aofatode se dever considerar como

    fazendo

    parte

    do discurso apenas asfrases "queforampronunciadasou

    escritas

    umas em seguida das outras por uma ou

    variaspes-

    soas

    em uma so

    situacao"

    ou de estabelecer uma

    correlacao

    entre as caracterfsticas

    individuals

    de um enunciado e "as

    particularidades

    de

    personalidade

    que provem da expe-

    riencia doindividuo

    emsituates interpessoais

    condicionadas

    socialmente (apud Courtine, 1981, p.20).

    Essa

    noc,ao de situacao se mostra

    insuficiente

    e ainda

    bastante proxima daformulacaode CPelaborada pelaanalise

    de

    conteudo

    da

    psicologia social

    ou da sociolingiiistica.

    Na seqiiencia

    dessas

    concepcoes de origem,

    dois con-

    juntos

    de

    definicao

    da nocao de CP se

    sucederam:

    umnomeadoporCourtine (1981,p. 21)como "definicoes

    empfricas"em que "as CPs do discurso tendem a se con-

    fund ircom adefmicao em pf ricade uma

    situacao

    de

    enun-

    ciacao";

    outro

    que

    forma

    um

    conjunto

    de

    "definicoes teoricas"

    que

    aparecem

    na AD

    desde 1971

    ao lado da

    nocao

    de"forma-

    cao discursiva"

    (Haroche et

    al., 1971,

    p.

    102).

    43

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    24/64

    F oi Pecheux

    (1969) querntentou

    fazer

    aprimeirade-

    f in icao

    em pi'rica

    gerald a

    nocao

    de CP . Ele o fezinscrevendo

    anocao noesquema

    "informacional"

    da comunicacaoela-

    boradoporJakobson(1963,p.214); esquema que,apresen-

    tando

    a

    vantagem

    de

    colocar

    em

    cena

    os

    protagonistas

    do

    discurso e o seu "referente" perm ite

    compreender

    ascondi-

    coes

    (M st6ricas)da

    producao

    de umdiscurso|A

    contribuicao

    de

    Pecheux

    esta

    no

    fato

    de ver nos

    protagonistas

    do

    discurso

    nao a

    presenc,a

    fisica de"organismos humanos individuals ,

    m asa

    representacao

    de

    "lugares

    determinados naestruturade

    um a formacao social, lugares cujo feixe detracesobjetivos

    caracteristicos pode

    se t

    descritopela sociologia".Assim, no

    interior de uma

    instituicao

    escolar ha "o

    lugar"

    dodiretor, do

    professor,

    do aluno,

    cada

    um marcado por

    propriedades

    di-

    ferenciais. N o discurso, as relacoesentre esses lugares, obje-

    tivamente

    definfveis, acham-se representadas

    por uma se"rie

    de " form a^oes imaginarias"quedesignamolugarque

    des-

    tinadoredestinatirioatribuema simesmoe aooutro,a ima-

    gemqueelesfazem de seu pr6prio lugar e do lugar dooutro.

    Dessa forma,emtodo processodiscursive, oemissorpode

    anteciparas representacoes doreceptore, deacordo co m essa

    antevisao

    do

    "imagindrio"

    do outro,

    fundar estrategias

    de

    discurso7

    ~~--J3

    Segundo Courtine (1981),

    essa

    tentativa de de fmicao

    da no9ao de

    CP,

    esbocada por Pecheux, nao

    rompe,

    entre-

    tanto,c om a sorigens

    psicossociologicas

    j a

    assinaladas

    na fase

    anterior. Para ele,

    "os

    termos 'imagem'

    ou

    'formasao

    ima-

    ginaria'

    poderiam perfeitamente

    ser substitm 'dos

    pela

    no9ao

    de 'papel' ta l

    como

    eutilizada nas 'teorias do papel'herdadas

    dasociologia

    f uncional ista

    deParsons,ouaindado

    interacio-

    nismo

    psicossociologicode

    G o f fm a n"

    (p.

    22).

    E ,por exemplo,essa posturaque Courtine detecta no

    trabalho

    e m qu e

    Courdesses(1971)

    analisa as

    diferencasenun-

    ciativas

    que

    caracterizam

    os

    discursos

    de

    Blum

    e

    Thorez. Nele,

    asC P s saoformuladasdemodo que assegurema"passagem

    continua

    da

    historia

    (a conjuntura e o

    estado

    das

    relacoes so-

    ciais) aodiscurso (enquanto tipologias que nele sem an i fes-

    tarn)pela

    mediacao

    de uma caracterizacao psicossociologica

    (as relacoes do indivi 'duo ao

    grupo)

    de um a s itua^ao de

    enun-

    ciacao"

    (p.22). Sob esse

    enfoqueXa

    rela^aoentrelingua e

    discurso,

    mediatizadapelo

    psicossociologico, apagaas

    deter-

    m ina9oes

    propriamentehistoricas,fazendo

    com que a

    carac-

    ter izacaodoprocessodaenunciacaoemcada discurso nao

    sejarelacionadaaoefeitode uma conjuntura,mas ascaracte-

    rfsticas

    individuals de

    cada locutor

    ou

    ainda

    as

    relacoes

    in -

    terindividuais que sem ani festam noseiode umgrupo. Na

    nocao de CP

    assim

    definida,o

    piano

    psicossociologico

    do-

    mina

    opiano historico,naohavendouma

    hierarquiza9ao

    teo-

    ricadospianosde referenciaT^

    ^~Court}&& propoeuma

    definicao

    de CP que nao

    seja

    atrafda

    po r

    essa

    operacao

    psicologizante

    da sdetermina9oes

    historicasdodiscurso, fazendo-astransformar-seemsimples

    circunstancias.

    Circunstancias em queinteragemos"sujeitos

    do discurso", que

    passam

    a

    constituir

    a

    fonte

    de

    relacSes

    dis-

    cursivasdasquais,naverdade,nao saosenaooportador ou

    o

    efeito^Postula

    umaredefm i^aoda

    nocao

    de CP

    alinhada

    a

    analise

    historica

    das

    contradi^oes

    ideologicas

    presentes

    na

    materialidade

    dos

    discursos

    e

    articulada teoricamente

    com o

    conceito de

    formacao discursivaj

  • 8/11/2019 Introduo Anlise Do Discurso - Helena Brando

    25/64

    Formagtio ideoldgica eformagao

    discurs iva

    \

    ^L.discursQ, umadas

    instancias

    em que a

    materialidade

    W_ - ea - - -

    _

    ideologicase concretizajistoe, e um dosaspectos materialsda

    "existencia^

    irnaterial"

    H as

    ideologias.Aoanalisarmosa articu-

    la^aodaideologiacom odiscurso, dois conceitos ja tradicio-

    nais

    em AD devem sercolocados: o deforma^ao

    ideoldgica

    (que abreviaremos

    FI)

    e o de

    formacao

    discursiva(FD).

    \ParaPecheux

    (1975),

    a

    regiao

    do

    materialismo historico

    que

    interessa

    a uma

    teoria

    do

    discurso

    e a da

    superestrutura

    ideoldgica ligadaaomodode

    producao

    dominantena forma-

    caosocial considerada. Dessa forma, e uma materialidade es-

    pecifica

    articulada sobre

    a

    materialidade economica

    que

    deve

    caracterizara

    ideologm

    o

    funcionam ento

    da

    instancia

    ideoldgica

    deve

    ser

    concebido

    c o m o"determinadoe m ultima instancia"pelainstancia eco-

    nom l canamedidaem q ue ele

    aparece

    comoum a dascon-

    dicoes

    (nao-econom icas) da

    reproducao

    da base

    econ6mica,

    m ais especif icam entedasredoesde produ^aoinerentesa

    esta

    baseeconomica.

    Essaconcep^aodainstanciaideologica,que vaipermitir

    a Pecheux chegar a representa9ao do "exterior da lingua", 6

    caudataria dotrabalhode Althusser sobre as ideologias.

    j

    Nareproducaodas relacoes deproducao,uma dasformas

    pelaqua a instancia ideologicafuncionae a da

    "interpelacao

    ou

    assujeitamento dosujeitocomo

    sujelto

    ideologico". Essa interpe-

    lacao ideologica conslste em fazercom que cada

    indivfduo

    (sem

    que eletomeconsciencia

    disso,

    mas,ao

    contrario,

    tenha aim-

    pressao

    de quesenhorde sua

    propria

    vontade) sejalevadoa

    ocupar seu lugar em um dosgruposouclassesde urna deter-

    minadaforma9ao soclalTiAs

    classes

    socials,

    assim constitufdas,

    mantem

    relacSes

    que sao reproduzidascontinuamente e ga-

    rantidas materialmente peloqueAlthusser denominouAIE.

    Realidadescomplexas,os AIE"colocamemjogopraticasasso-

    ciadas a lugares ou a relacao de lugares que remetem arelacao

    declasse".Numdeterminado

    momento

    historicoe no interior

    mesmo desses

    aparelhos, as relacoes de

    classepodem carac-

    terizar-se

    pelo

    afrontamento

    de posicoes pohticas eideologicas

    que seorganizamde forma a entreter entre si relacoes de

    alian-

    93,de

    antagonismos

    ou de

    dominacao.

    Essa organizacaode

    po-

    sicoes

    poh'ticas e ideologicas e que constitui as

    forma^oesideo-

    I6gicas

    queHarocheetal. (1971, p.102)assim

    deflnem:

    Falar-se-d

    de formacao

    ideologicaparacaracterizar

    um

    ele-

    m e n t o(determinado aspecto dalutan os

    aparelhos)

    suscep-

    tfvel deintervircomou m a forca confrontada cornoutras

    forcas

    na conjuntura

    ideologica

    caracteristica de um afor-

    m acao socialem ummomentodado;?cada form acaoideo-

    k ~ ~

    logica constitui assim um conjunto complexode atitudes e

    de

    representacoes

    q ue

    na o

    sao nem

    "individuals"nem "uni-

    versais" m as se relacionam m aisou menos

    diretamente

    a posi-

    -sn

    coes

    de

    classe

    em

    conflito u m a s

    em

    relacao

    as

    outras.\

    -4

    Constituindo odiscursoum dosaspectos materialsde

    ideologia, pode-se afirmar

    que o discursive e uma

    especie

    pertencente

    ao

    generoideologico.

    Em

    outros

    termosfa for-

    *

    ^

    ,

    macao ideologica tem necessariamente como um deseus

    componentes uma ou varias formacoes discursivas inter-

    ligadas

    L

    Jssos ignif ica

    que os discursos sao governados por for-