ascensÃo e discurso em plotino bernardo guadalupe s. l. brandão

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KRITERION, Belo Horizonte, nº 130, Dez./2014, p. 515-530 ASCENSÃO E DISCURSO EM PLOTINO Bernardo Guadalupe S. L. Brandão* [email protected] RESUMO A concepção plotiniana de discurso é complexa e multi- facetada. Na “Enéada” I, 2, Plotino pensa o lógos prophorikós como uma imagem do lógos na alma. Na “Enéada” VI, 9, como um modo imperfeito de falar sobre o Um e um instrumento para exortar e instruir o filósofo no seu caminho de ascensão. Neste artigo, investigo quais são as relações entre discurso e ascensão da alma nas “Enéadas”, tentando determinar quais são, de acordo com Plotino, as possibilidades e limites do discurso no seu uso filosófico. Palavras-chave Plotino, neoplatonismo, ascensão, discurso filosófico. ABSTRACT The plotinian conception of discourse is a complex and manifold one. In “Ennead” I, 2, Plotinus thinks the lógos prophorikós as an image of the the lógos in the soul. In “Ennead” VI, 9, he thinks it as a fallible way to talk about the One and an instrument to exort and instruct the philosopher in his way of ascension. In this paper, I investigate what the relations of discourse and ascension of the soul are in the “Enneads”, in an attempt to determinate what are, according to Plotinus, the possibilities and limits of language in its philosophical use. Keywords Plotinus, neoplatonism, ascension, philosophical discourse. * Doutor em Filosofia e Professor de Língua e Literatura Grega na Universidade Federal do Paraná. Artigo recebido em 06/09/2013 e aprovado em 22/11/2013.

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A concepção plotiniana de discurso é complexa e multi- facetada. Na “Enéada” I, 2, Plotino pensa o lógos prophorikós como uma imagem do lógos na alma. Na “Enéada” VI, 9, como um modo imperfeito de falar sobre o Um e um instrumento para exortar e instruir o filósofo no seu caminho de ascensão. Neste artigo, investigo quais são as relações entre discurso e ascensão da alma nas “Enéadas”, tentando determinar quais são, de acordo com Plotino, as possibilidades e limites do discurso no seu uso filosófico.

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KRITERION, Belo Horizonte, n 130, Dez./2014, p. 515-530ASCENSO E DISCURSO EM PLOTINOBernardo Guadalupe S. L. Brando* bgslbrandao@gmail.comRESUMOAconcepoplotinianadediscursocomplexaemulti-facetada.NaEnadaI,2,Plotinopensaolgosprophorikscomouma imagemdolgosnaalma.NaEnadaVI,9,comoummodoimperfeito defalarsobreoUmeuminstrumentoparaexortareinstruiroflsofono seu caminho de ascenso. Neste artigo, investigo quais so as relaes entre discurso e ascenso da alma nas Enadas, tentando determinar quais so, deacordocomPlotino,aspossibilidadeselimitesdodiscursonoseuuso flosfco.Palavras-chavePlotino, neoplatonismo, ascenso, discurso flosfco.ABSTRACTTheplotinianconceptionofdiscourseisacomplexand manifoldone.InEnneadI,2,Plotinusthinksthelgosprophoriksas animageofthethelgosinthesoul.InEnneadVI,9,hethinksitasa falliblewaytotalkabouttheOneandaninstrumenttoexortandinstruct the philosopher in his way of ascension. In this paper, I investigate what the relations of discourse and ascension of the soul are in the Enneads, in an attempt to determinate what are, according to Plotinus, the possibilities and limits of language in its philosophical use.KeywordsPlotinus, neoplatonism, ascension, philosophical discourse.*Doutor em Filosofia e Professor de Lngua e Literatura Grega na Universidade Federal do Paran. Artigo recebido em 06/09/2013 e aprovado em 22/11/2013.Bernardo Guadalupe S. L. Brando516A concepo plotiniana da linguagemDeacordocomOMeara,asugestoplatnicadopensamentocomo dilogo interior, bem como a distino estoica entre o discurso exterior (lgos prophoriks)einterior(lgosendithetos)inspiraramPlotinoaconceber alinguagemcomoumaimagemdopensamento,umaexteriorizaoe materializaodestenoar,sobaformadesons(OMeara,1990,p.154). Nodiscutireiaquiaspossveisinfunciasdasrefexeslingusticasdas Enadas, mas acredito que a sntese da posio de Plotino feita por OMeara refete seu pensamento em passagens como I, 2, 3:1Como o discurso vocal uma imitao do que est na alma, assim tambm o que est na alma imitao do que est em outro. Como o discurso pronunciado est dividido, se comparado com o da alma, assim tambm o que est na alma, se comparado com o anterior a ele, do qual intrprete.2Paracompreendermosadequadamenteapassagem,devemosterem mente a noo dos mltiplos nveis da realidade, na qual os nveis posteriores so imagens menos unifcadas dos anteriores: o Intelecto uma imagem mais sujeitamultiplicidadequeoUm,a AlmaumaimagemdoIntelectoetc. Usandoaambivalnciadotermolgos,quepodesignifcartantoapalavra eodiscursoproferido,quantoopensamento,Plotinopensaarelaoentre linguagem e pensamento a partir das noes de anterioridade e posterioridade: o lgos proferido uma imitao (mmema) do lgos que est na alma, que, por sua vez, uma imitao do lgos anterior, ou seja, das formas inteligveis do Intelecto. Assim, enquanto as formas inteligveis seriam o lgos do Intelecto, o pensamento discursivo seria o lgos da alma e a linguagem seria o lgos que se manifesta, como som, no sensvel.Aqui oportuno compararmos essa passagem de I, 2 ao que Aristteles escrevenocomeodoDeInterpretatione.Paraoestagirita,aspalavras proferidas so smbolos (symbola) das afeces da alma (pathmata), que, por sua vez, so imagens (omooma) das coisas (prgmata).3 A diferena essencial entre as concepes aristotlica e plotiniana est na pressuposio, por parte de Plotino, da noo dos nveis de realidade, que me parece estar ausente da concepo aristotlica da linguagem. Isso faz com que apaream dois outros pontos de divergncia. Em primeiro lugar, enquanto as afeces da alma em 1Outra passagem importante V, 1, 3, 7-10.2I,2,3,27-31.,. , .3De Interpretatione, 3-8.517ASCENSO E DISCURSO EM PLOTINOAristtelessereferemscoisas,ouseja,scoisasquepercebemospelos sentidosecompreendemospelointelecto,emPlotino,olgosdaalmase refere s formas inteligveis. Em segundo lugar, como na concepo plotiniana osnveisposterioressoimagensdosanteriores,napassagemdeI,2aqui emquestoolgosposteriorsempreimagemdoanterior.Em Aristteles, pelo contrrio, enquanto, por um lado, a afeco da alma um omooma, ou seja, uma semelhana ou uma imagem da coisa, a linguagem, por outro, no um omooma, mas um smbolo convencional. que, como nota o prprio Aristtelesnotextoemquesto,nemtodososhomensutilizamosmesmos sons, ainda que tenham as mesmas afeces mentais.Parece-nosassim,que,emcontraposiocomadoutrinaaristotlica, aposiodePlotinonoespecialmenteatentassutilezasdalinguagem. Poiscomopodemospensarolgosproferidocomoumaimitaodolgos daalma,talcomoosensvelumaimitaodointeligvel?Noseriamas palavras a disposio de sons escolhidos por conveno que fazem referncia ao pensamento? Do mesmo modo, para Aristteles, que no aceita a existncia dasformasinteligveis,asafecesdaalmaspodemsereferirscoisas domundo.Maspara Plotino, que asaceita, o pensamentodeveria se referir tantoaosensvel,quantoaointeligvel.certoqueosensvelnomais que o refexo do inteligvel na matria e que, portanto, a verdadeira realidade so as formas. No entanto, quando falamos, por exemplo, que Scrates viveu emAtenas,noestamosquerendodizerqueumhomem,noumaforma inteligvel, viveu em Atenas?AfavordePlotino,podemosnoslembrarque,naspassagensusadas por OMeara para pensar uma teoria plotiniana da linguagem, temos apenas comparaes empregadas justamente para ilustrar as relaes entre os diversos nveis da realidade. So ilustraes cuja inteno promover a compreenso de uma outra doutrina, no uma teoria desenvolvida da linguagem. Devemos, assim, pensar o termo mmema de um modo mais amplo e impreciso e entender otextoplotinianocomoumaafrmaodeumarelaodeanterioridadee posterioridade entre a linguagem e o pensamento: o lgos proferido , de algum modo, uma imitao do lgos na alma, ainda que no da mesma maneira que o sensvel imitao do inteligvel.Pensandodessemodo,oportunonoslembrarmosdasanlisesdo pensamento discursivo que encontramos em certas passagens das Enadas, que nos permitem entrever os pressupostos de uma teoria da linguagem mais desenvolvida. Para Plotino, a dinoia geralmente uma realidade complexa, na qual um typos, imagem do inteligvel, est ligado a uma phantasa, imagem do sensvel. No seria, assim, mais adequado pensar que a phantasa imitao Bernardo Guadalupe S. L. Brando518desse typos, enquanto a linguagem seria apenas um smbolo dessa afeco da alma (ou seja, dessa imagem ligada a uma opinio)? Aqui tambm oportuno lembrar das refexes de Dillon (1986) a respeito daimaginaoemPlotino.Segundoele,seaimagemfoirelegadacomo inferior pelo platonismo, nas Enadas, abre-se espao para pensar tanto em imagens derivadas das impresses dos sentidos, quanto em uma imaginao transcendentalcapazdesimbolizarointeligvel.Noqueessasimagens sejam derivadas do inteligvel: mesmo que a alma as adquira a partir da sua perceposensvel,comooprpriosensvelumaimitaodointeligvel, essas imagens passam a servir de suporte inteleco e a se ligar, enquanto imitao, s formas inteligveis. Teramos, assim, tanto imagens que se ligam aosensvel,quantoaquelasquesereferemaointeligvel.Nessecontexto,a linguagem,enquantosmbolodeimagenseopinies,podeserumsmbolo tanto do sensvel, quanto do inteligvel.Se, por um lado, a imaginao, enquanto direciona a alma para o sensvel, pode provocar o esquecimento do inteligvel, por outro, quando um smbolo, podeservirdecaminhoredescobertadasrealidadesesquecidas.Comoas palavrassosmbolosdasimagens,tambmsocapazesdenoslevarao esquecimentoouredescobertadointeligvel.Asimagenspresentesdas Enadas so utilizadas justamente para essa segunda fnalidade. Percebemos,assim,ocarterambivalentedalinguagemdodiscurso flosfco.Porumlado,elepodeseprestartantoaoesquecimentoquanto redescoberta.Poroutro,aindaquenosconduzaaointeligvel,,entretanto, apenas um smbolo de uma imagem do inteligvel, que lhe ontologicamente superior.Nocapazdealcanar,portanto,aquiloque,emltimaanlise, signifca.Falar o UmIssosetornaaindamaisclaronodiscursoarespeitodoUm.Seo conhecimentoseligaaobjetosquepossuemformasindeterminadas,como conhecer o Um e exprimi-lo por meio da linguagem (OMeara, 1990, p. 148)? Em outras palavras, se ele superior a toda forma inteligvel e pensamento, como a linguagem poderia falar a seu respeito? o que Plotino explica em VI, 9, 3. Ali, discutindo a transcendncia do Um, ele afrma que sendo a natureza do Um geradora de todas as coisas, no nenhuma delas.4 E continua:4VI, 9, 3, 39-40. .519ASCENSO E DISCURSO EM PLOTINOAssim, nem algo, nem possui qualidade, ou quantidade, ou intelecto, ou alma. Nem movido, nem tambm est em repouso, nem est em algum lugar, nem em algum tempo, mas ele, por si mesmo uniforme, ou melhor, informe, por ser anterior a toda forma, est antes do movimento e antes do repouso. Com efeito, essas coisas existem ao redor do ser, as quais o fazem muitas coisas.5Estamosaquidiantedeumdiscursoapoftico,quesetornartpico nateologianegativaqueseconsagrarnaTeologiaMsticadopseudo-DionsioAreopagita.Essaformadediscurso,quetemsuasrazesnos exerccios dialticos do Parmnides de Plato (cf. Brando, 2007),6 j era aplicadanasespeculaesarespeitodosprimeirosprincpiosporautores domedioplatonismo,comoAlcnooque,nocaptulo10doDidasclico, asseveraqueodeusnopossuignero,espcie,diferenaespecfcaou acidente, e que, alm disso, no mau, pois mpio dizer isso, nem bom, pois assim participaria da bondade, nem indiferente, pois isso no est conforme nossa concepo da divindade. Ou seja, superior a todas essas atribuies. Domesmomodo,nodotado,nemprivadodequalidades;nopartede algo,nemumtodoquepossuipartes;nemidntico,nemdiferente;nemse move, nem movido.Percebemosque,notextode Alcnoo,aintenododiscursoapoftico esuasaparentescontradiesvisammostraraoleitorqueodeusdeveser concebido a partir de um ponto de vista superior, no qual essas atribuies no maisfazemsentido.Emoutraspalavras,afnalidadedodiscursoapontar sua prpria superao. Encontramos em VI, 9, 3 essa mesma tendncia, mas existemalgumasdiferenasimportantesentreoempregodasnegaesem Plotino e Alcnoo. Em primeiro lugar, devemos ter em mente que o deus de Alcnoo um Intelecto e, portanto, no o Um de Plotino. Assim, se Plotino pode argumentar, como o faz extensivamente em V, 6, que o Um no pensa, omesmonopodeserditododeusapresentadonoDidasclico,cujo pensamento, alis, so as prprias formas inteligveis. Emsegundolugar,lemosnacontinuaodotextodeVI,9,3uma explicaodapossibilidadedodiscursoafrmativoarespeitodoUm.Para Alcnoo, seriam possveis as afrmaes a respeito do deus a partir da analogia (katanalogan),7oqueeleexemplifcaapartirdeumexemplotiradoda 5VI, 9, 3, 41-45. , , , , , , , .6Sobre a influncia do Parmnides na concepo da doutrina plotiniana dos trs princpios, cf. Dodds, 1928.7Didasclico, 10, 5.Bernardo Guadalupe S. L. Brando520Repblica: ensinar a respeito do deus mediante analogia como dizer que, assim como o sol est para os seres visveis e os objetos de viso, o primeiro intelecto est para o poder de inteleco da alma e seus objetos, j que ilumina a verdade deles.8 Plotino tambm afrma que o emprego da analogia possvel,9 mas vai alm na sua concepo das possibilidades e dos limites do discurso a respeito do primeiro princpio:Uma vez que, mesmo quando dizemos que causa, no atribumos algum predicado aele,masans,poistemosalgoquevemdaquelemesmoqueemsimesmo. Assim, quem fala com preciso, necessrio que no diga nem daquele, nem que verdadeiramente diga. Ns, no entanto, como que rodeamos as coisas que esto ao redordeleparainterpretarnossasafeces,quesvezesestoprximaseques vezes falham por causa das aporias a seu respeito.10NossasafrmaesarespeitodoUmnonecessitamserapenasanalgicas. Na verdade, boa parte de nosso discurso sobre o Um diz respeito, na verdade, a ns mesmos. O exemplo de Plotino interessante: quando chamamos o Um de causa, no o fazemos porque conhecemos o modo como ele causa, mas porque tomamos conscincia de nossa realidade enquanto seres causados. Nas palavras de OMeara, quando falamos sobre o Um, falamos sobre o estatuto ontolgico que nos caracteriza enquanto seres contingentes: essa dependncia causal da qual falamos a presena do Um em ns. assim que elaboramos um discurso sobre o inefvel, falando de uma presena em ns que, ela sim, dizvel (OMeara, 1990, p. 152).A conscincia das possibilidades e limites da linguagem se manifesta na partefnaldapassagemcitada.certoqueodiscursoflosfconopode tratar diretamente do Um, no entanto, pode se aproximar ou se distanciar dele. Para ser mais preciso, Plotino no afrma, nessa passagem, que a linguagem seaproximaouseafastadoUm,masqueelainterpretanossasafeces que,elassim,podemseaproximarouseafastardele.Otermoptheno deve ser entendido como se referindo a uma afeco do corprea, mas como umaafecodaalma.Otermomepareceserempregadoaquipelafaltade especifcidadeque,nessecontexto,elepossui.Umaafecodaalmatudo o que ela experimenta, no apenas seus prprios pensamentos, mas tambm 8Idem.9VI, 7, 36, 5.10VI,9,3,49-54.,, , , .521ASCENSO E DISCURSO EM PLOTINOas imagens que procedem dos sentidos. Por sua vez, a funo das palavras interpretar essas afeces.Asafeces,quandosedirigemaoUm,podemestarmaisoumenos prximas dele. O verbo apoppto, que traduzo por falhar, signifca primaria-mente cair. como se elas, de algum modo, estivessem em uma dinmica de ascenso e queda ou, para dizer de outra forma, em uma jornada de ascenso que pode falhar em alguns momentos. Plotino nos diz que a razo dessa queda soasaporiasarespeitodoUm.Ouseja,suanaturezasupraessencialque foraoslimitesdopensamentoeofazentraremcolapso.Acredito,assim, que a queda acontece quando, por uma espcie de hybris, o pensamento no reconhece seus limites.Maseaproximidade,quandoalcanada?Plotinonofalanadaa respeito,mas,apartirdoquelemosnotexto,podemossuporqueocorre quando tomamos conscincia do limite de nossas afeces a respeito do Um. Por um lado, a percepo desses limites faz com que nosso pensamento seja mais preciso e verdadeiro. Por outro, tambm pode ter um papel anaggico, pois a conscincia dos limites o primeiro passo para a ultrapassagem desses limites.Comoafunododiscursointerpretarnossasafeces,acredito que, quando se refere ao Um, ele tambm possui esses dois papis.Ensino e ascensoTratemos,emprimeirolugar,dafunoinstrutiva.EmVI,7,36,ao falar de nosso caminho em direo ao Um, Plotino afrma que as analogias, negaes,conhecimentosdascoisasquevmdele(doBem)easascenses por degraus ensinam, mas conduzem a ele as purifcaes, virtudes, adornos, acessos ao inteligvel, estabelecimentos nele e os banquetes com as coisas de l.11O texto se constri a partir da oposio entre o discurso que nos ensina sobreUmeocaminhoqueconduzatele.Dizrespeito,assim,aodiscurso emsuafunoinstrutiva.SegundoPlotino,essediscursoseconstituipelas analogias, as negaes, o mtodo de ascenso por degraus e o conhecimento dascoisasquevmdele.Esseltimotipodediscurso,provavelmente, aquelediscutidonapassagemdeVI,9,3acima,noqual,aofalardoUm, falamossobrensmesmos.Ostrsoutrosprocedimentossotradicionais 11VI, 7, 36, 5-10. , .Bernardo Guadalupe S. L. Brando522no medioplatonismo. Para entend-los melhor, til a apresentao feita por Alcnoo no Didasclico, ainda que no possamos equiparar o Um plotiniano ao deus de Alcnoo, que , como j dissemos, um intelecto.Existem, para Alcnoo, trs princpios da realidade: a matria, as formas inteligveis e o deus.12 Esse deus, ainda que seja o princpio supremo e inefvel, no a unidade suprema, superior ao intelecto, mas o intelecto que pensa as formas.13 De acordo com Alcnoo, existem trs maneiras de conceb-lo. Em primeirolugar,apartirdaabstraodosatributos,assimcomoconcebemos um ponto a partir da abstrao (apphasis) das realidades sensveis, primeiro imaginando uma superfcie, em seguida uma linha e, depois, um ponto.14 Trata-se, portanto, do discurso apoftico. Em segundo lugar, ele pode ser concebido por meio da analogia (analoga). Por fm, Alcnoo afrma, o terceiro modo de conceber o deus este: deve-se contemplar a beleza dos corpos, em seguida a beleza da alma, a beleza das leis e costumes e, fnalmente, o grande oceano do belo, a partir do qual torna-se possvel a inteleco do deus. Ou seja, trata-se do mtodo de ascenso ao belo apresentado no Banquete.15 interessante notar como Plotino pensa aqui os trs mtodos tradicionais paraoconhecimentododeusdomedioplatonismoapenascomodiscursos que nos ensinam sobre o Um, como se estivesse querendo dizer que no so sufcientes e requerem algo mais. Causa particular estranhamento que o mtodo de ascenso ao belo, que foi visto, de Alcnoo aos gnsticos (cf. Turner, 1980), como um modo de se atingir uma inteleco e um conhecimento real sobre o deus, seja encarado aqui como meramente instrutivo. Especialmente porque, comotivemosaoportunidadedeperceberaotratardeoutrostextosdas Enadas,ocaminhodobelocomumenteapresentadonostextosdePlotino comoumcaminhoprivilegiadoparaaascensoaoIntelecto.Poderamos pensarqueissoocorrejustamenteporqueocaminhodoBanqueteum mtodo para alcanar o Intelecto, no o Um. Mas por que Plotino o colocaria ento entre as prticas que instruem sobre o Um? Minhahipteseadequeocaminhodeascensoaobelonofoilido demodounvocopelatradioplatnica,sendoapropriadoemcontextos diferentesparapropsitosdiversos.Assim,noserianecessariamenteestranho que, em um contexto, ele fosse apresentado como um caminho em direo ao Intelecto e, em outro, como uma prtica que instrui a respeito do Um. Para ser 12Didasclico, 9, 1.13Idem.14Ibidem, 10, 5.15Idem.523ASCENSO E DISCURSO EM PLOTINOmaispreciso,creioque,quandoencaraaascensodobelocomoinstruo, Plotino tem em mente certos autores medioplatnicos, como Alcnoo talvez, que, para ele, utilizaram-no nesse sentido, mas no indicaram como poderia ser usado para uma real contemplao do Intelecto e do Um.De qualquer modo, esses discursos esto aqui em contraste com prticas capazes de levar ao Um. Elas parecem estar dispostas em uma ordem gradual. Emprimeirolugar,fala-seempurifcao,queumaprticacentralparaa ascensoaoIntelecto.QuandoPlotinofalaemvirtudeseadornos,acredito quetenhaemmenteaaquisiodecapacidadescontemplativassuperiores que permitem a contemplao do Intelecto. Por fm, quando Plotino fala em acessos, estabelecimentos e banquetes no inteligvel, ele me parece indicar a gradualhabituaodaalmanacontemplaodoIntelecto,que,consistindo emrpidosacessos,noincio,passaasermaisduradouracomopassardo tempo e, fnalmente, torna-se como que um banquete, no qual a alma se regala comasnaturezassuperiorese,comooprprioPlotinoescreveemoutros contextos, embriaga-se de nctar.16Poderamossertentados,apartirdessetextode VI,7,apensaremum contraste entre discurso e virtude: enquanto o discurso teria meramente uma funoinstrutiva, a virtude teria uma natureza anaggica. Apartir da, seria possvelpensarumaoposioentreodiscursoflosfco,quefalasobrea realidade, e prticas anaggicas, que levam a experincias supradiscursivas. Essaconcepo,quetalvezsejacompartilhadaporalgunsestudiososde Plotino,interessanteporpossibilitaroestudododiscursoflosfcodas Enadas sem pens-lo em relao com a ascenso. Certamente, muitos dos textos das Enadas devem ser lidos desse modo. Penso aqui, por exemplo, nasdiscussesdoproblemadascategoriaspresentenasEnadasVI,1-3. Tambmacreditoque,comotodaleituraflosfcapressupeumamaior atenoaalgumasquestesqueaoutras,sejapossveleadequadorefetir sobreosargumentosflosfcosdePlotinosemteremmenteadoutrinada ascenso.Noentanto,sequeremoscompreendermelhoravisoflosfca plotiniana,devemosconsiderarpassagenscomoaqueencontramosemVI, 9, 4:Porisso,dizqueelenempodeserdito,nemescrito,masdizemose escrevemosparaenviaratelee,apartirdaspalavras,despertarparaacontemplao, comoquemostrandoocaminhoparaalgumquequeiracontemplaralgo.Poiso 16Por exemplo, V, 8, 10, 34.Bernardo Guadalupe S. L. Brando524ensinamento vai at a estrada e o caminho, mas a contemplao dele j trabalho de quem quer ver.17Nessa passagem, Plotino diferencia o discurso da contemplao do Um. O princpiosupremonopodeserditoouescrito,ouseja,nopodeserconhecido apartirdaspalavras,maspodesercontemplado. Aspalavras,porsuavez, podem despertar a contemplao, mostrando o caminho para aquele que quer percorr-lo. Afrasefnaldessapassagemespecialmenteinteressanteaqui. Plotino afrma que o ensinamento (ddaxis) vai at a estrada e o caminho. Isso signifcaria que o ensinamento, ou seja, o discurso, no faria parte do caminho emdireoaoUm,masapenaslevariaatele,ou,parausaraspalavrasde Plotino,mostrariaocaminhoparaquemdesejapercorr-lo?Nocreioque sejabemesseocaso.Aoposioconstrudanafraseentreensinamento econtemplao. Acredito,portanto,queaofalarqueoensinamentovaiat ocaminho,Plotinoconsideraoensinamentocomopartedocaminho.Ser instrudo a respeito da jornada , de algum modo, j comear a percorr-la. precisamente isso que Plotino afrma em I, 3, 1:Paraondedevemosir,queparaoBemeoprimeiroprincpio,quetomemos comoestabelecidoedemonstradopormuitasconsideraes.E,certamente,essas consideraes por meio das quais isso foi demonstrado, j eram uma certa ascenso.18SegundoPlotino,atesedoBemcomofnalidadefoiestabelecida edemonstradapormuitasconsideraes.19Otermoquetraduzopor estabelecidodiomologemnon,quesignifcaalgoqueobjetodeum acordo, que tido como verdadeiro e justo por mais de uma pessoa. Ou seja, Plotinoconsideraquesuaafrmaocompartilhadapelocrculodeseus discpulos.Contudo,asconsideraesquepromoveramesseacordoforam transmitidas oralmente ou por textos, como, por exemplo, os tratados I, 6 e VI, 9. Isso signifca que, ainda que sejam, antes de tudo, pensamento discursivo, semanifestamempalavras.So,portanto,oensinamentoquelevaata contemplao do Um. Mas o que Plotino afrma claramente que tambm so uma certa ascenso.17VI,9,4,11-16.,, . , .18I, 3, 1, 2-5. , , , .19Tomando o texto grego no seu sentido mais literal, Plotino escreve que essa ideia est estabelecida e por muitas coisas demonstrada.525ASCENSO E DISCURSO EM PLOTINOIsso signifca que o contraste que lemos em VI, 7, 36, entre instruo e prtica na ascenso, no pode ser pensado como uma oposio entre modo de vida e discurso, nem deve ser generalizado como uma doutrina, mas deve ser lido na especifcidade de seu contexto, que busca diferenciar a experincia de contemplao do Um do discurso que pode ser feito sobre ele. O discurso no ainda contemplao, mas uma parte essencial do caminho.Discurso e ascensoNa Enada VI, 9, ao escrever a ascenso em direo ao Um, Plotino faz uma sntese dos elementos necessrios para que isso acontea:Portanto, j que um o que buscamos e que consideramos o princpio de todas as coisas o Bem e o primeiro , no deve algum fcar longe das coisas que esto ao redor das primeiras, caindo nas ltimas de todas, mas, dirigindo-se para as primeiras, deve afastar a si mesmo dos sensveis, os ltimos dos seres, e fcar libertado de todo o mal, j que se esfora para vir a estar voltado para o bem, ascender ao princpio que est em si mesmo e se tornar um a partir de muitos, vindo a ser contemplador do princpio e do Um.20Nessa passagem, Plotino fala do afastar-se do sensvel, do libertar-se do maledoascenderaoprincpio.Emoutraspalavras,faladepurifcaodo apego matria (que em alguns tratados, como I, 8, aparece como o mal e o princpio do mal) e de converso s hipteses superiores (o Intelecto e o Um). Em alguns outros tratados (por exemplo, I, 2), as afrmaes so semelhantes: acondionecessriaparaaascensoapurifcao.Qualseria,ento,opapel do discurso nesse contexto? Acredito que poderia ser possvel, talvez, alcanar auniosemodiscursoflosfco.Noentanto,issoseriaalgoextremamente difcil, por uma srie de motivos. Gostaria de me deter um pouco sobre alguns deles.Antesdetudo,odiscursoflosfconosensinasobreosprimeiros princpios e nos demonstra a necessidade de nos dirigirmos at eles. Se o lgos no conduz o flsofo a aceitar a existncia das hipstases e a possibilidade da jornada, como poderia ele se decidir a passar pelo processo de purifcao? Ser instrudo sobre o caminho o primeiro passo, a certa ascenso (anagog tis),comolemosemI,3,1.Alis,semodiscursoracional,aascenso 20VI, 9, 3, 14-22. , , , , , , .Bernardo Guadalupe S. L. Brando526plotiniana no teria seu carter flosfco. Aqui apropriado termos em mente as observaes que Martha Nussbaum fez proposta de Hadot de se entender aflosofaantigacomoummododevida:seomaisimportanteomodo devida,oquediferenciariaaflosofadeoutrasformasdevida(religiosas, militares etc.) adotadas na Antiguidade (Nussbaum, 1994)?O discurso capaz no apenas de instruir sobre o caminho, mas tambm detorn-lodesejveledeimpeliraele.Devemoslercomprecauoas anedotas escritas por Porfrio na Vida de Plotino que o mostram como um escritordescuidado,aescreverseustratadosdeumasvez,semcorrees posteriores. Uma leitura cuidadosa dos textos revela que Plotino um mestre no gnero da diatribe (cf. Narbonne, 2008), capaz, como poucos flsofos de seutempo,deunirorigordaargumentaoflosfcaeloqunciaretrica que to importante nesse tipo de texto. As belas imagens que encontramos em algumas passagens das Enadas, o uso de citaes dos textos clssicos edosmitos(cf.Oliveira,2013)notinhamcomonicopropsitotornar mais concreta a argumentao flosfca, ilustrando-a e tornando-a leve, mas tambm visavam mobilizar o homem como um todo, no apenas sua dinoia, ao caminho de ascenso.Almdisso,odiscursoquenosinstruisobreotrpos(conduta)e mekhan(mecanismo)necessriosparaaascenso.NaII,9,15,Plotino censura os gnsticos justamente por no terem discursos sobre a virtude, nem ensinarem como se pode ascender ao divino:E testemunha contra eles tambm isto: que no tenham feito nenhum discurso sobre avirtude,tendoabandonadocompletamenteodiscursosobreessascoisas,eque notenhamditooqueela,nemquantasso,nemnenhumadasmuitasebelas coisascontempladasnosdiscursosantigos,nemapartirdequecoisaselaresulta e adquirida, nem como se cuida (therapeetai) da alma, nem como se a purifca. Pois, certamente, no se trabalha com efcincia ao dizer olha para deus, se no se ensinar como se olha.21O discurso flosfco, enquanto discurso dialtico, tambm um auxlio contemplao.AquitiltermosemmenteanoodeprxisdeIII,8, 4. Nesse texto, Plotino afrma que o homem, quando tem sua contemplao enfraquecida, faz da ao (prxis) uma sombra da contemplao (theora) e do lgos. Poderamos ser tentados a traduzir lgos aqui por discurso, mas, penso 21II, 9, 15, 26-34. , , , , . , .527ASCENSO E DISCURSO EM PLOTINOque, nesse contexto, o lgos o pensamento que preenche a alma durante a theora.Minhasuposiosebaseianasequnciadotexto,naqualPlotino afrma que quando a contemplao no sufciente, por causa da fraqueza da alma (hypastheneas psychs), desejando ver, o homem realiza uma ao para ver aquilo que no pode captar pela inteligncia (nos).22 A prxis , portanto, umasombradatheora,nododiscursoe,portanto,olgosemquesto aquele que est na alma, no o que, proferido, tenta interpret-lo. No entanto, acredito ser possvel, a partir desse texto, pensar o lgos flosfco como uma formadeprxis,ouseja,umacontemplaoenfraquecida. Assim,tambm uma possibilidade para que a alma enfraquecida veja aquilo que deseja. que, como interpreta as afeces da alma e est ligada a imagens e opinies, o discurso tem o poder de tornar ordenado o pensamento da alma enfraquecida e, dessa maneira, ajud-la a atingir a inteleco. Esse justamente o papel da dialtica, que uma prtica discursiva que tem a capacidade de direcionar a alma ao inteligvel e contemplao, j que no outra coisa que a dinoia ordenada em busca da nesis. Plotino afrma que a dialtica uma disposio capaz de dizer por meio do discurso a respeito de cada coisa,23 e, portanto, ,antesdetudo,umaformaespecfcadelgos.Maselanoconhece proposies (protseis), que so apenas letras, pois conhecendo a verdade que se conhecem as proposies.24Emcontrapartida,odiscursoflosfcotambmpode,emdeterminadas circunstncias, ser um produto da contemplao. Aqui devemos nos lembrar da distino presente em III, 8, 4 entre prxis e poesis. Os termos poderiam ser traduzidos, a partir de seu uso comum, por ao e produo, respectivamente, mas Plotino os distingue nesse texto de outra maneira, considerando a prxis comoumacontemplaoenfraquecidaeapiesiscomoumprodutoda contemplao,25 ou seja, o resultado da contemplao criadora. Discutindo sua noo de poesis, Plotino assevera que a contemplao produz o contemplado, tal como os gemetras desenham ao contemplar.26A afrmao deve ser entendida no contexto da investigao no qual est inserida, que trata da produo do sensvel pela physis da alma do mundo a partir de sua contemplao. No nos deteremos sobre essa doutrina, mas, para nossos presentes propsitos, gostaria de chamar a ateno para o fato de que, tal como a Alma do mundo produz o universo ao contemplar o Intelecto, nossa 22 Que, nessa passagem, parece-me ser o nos da alma, sua parte racional superior, no o Intelecto.23I, 3, 4, 2-3. .24I, 3, 5, 18. 25III, 8, 4, 39-47. A esse respeito, cf. Wilberding, 2008, p. 378.26III, 8, 4, 7-8.Bernardo Guadalupe S. L. Brando528alma, que irm e similar a ela, tambm deve produzir algo ao contemplar. Mas o que ela seria capaz de produzir? A produo das realidades do mundo sensvelumafunodaAlmadomundo;resta,portanto,modelaresse sensvel a partir das diversas tkhnai, mas tambm pelo lgos, especialmente o lgos flosfco. O discurso, sob esse ponto de vista, manifesta seu aspecto ambivalente, sendo tanto um auxlio quanto um produto da contemplao. Auxlio enquanto prxis,produtoenquantopoesis,oquesignifcaqueadquireestatutos diferentesnasdiversasetapasdajornadadeascenso. Arelaoentreoestatuto do discurso e essas etapas no pode ser compreendida, no entanto, de forma esquemtica.Porumlado,paraaquelequeascende,odiscursomekhan, ummecanismoouartifciousadocomoauxlio.Mas,paraaquelequeviu, umaconsequncia.No,obviamente,umaconsequnciaimediata:nose deve pensar que o flsofo escreva tratados durante seu exerccio dialtico ou experinciascontemplativas,muitomenosduranteauniocomoIntelecto ou o Um, mas que talvez se sinta impelido a essa escrita aps a experincia contemplativa.Dequalquermodo,poroutrolado,comoaexperincia contemplativa nunca duradoura para a alma encarnada no mundo sensvel e como, justamente por isso, ela deve sempre ascender novamente s realidades superiores,odiscursotambmfuncionacomoumaespciederecordao, comoumconjuntodepalavrascapazesdesercomoqueumaimagemda contemplao.Em VI, 9, 11, Plotino escreve que aquele que contemplou o Um, quando selembradoqueaconteceuquandosemisturavaaele,teriaemsimesmo uma imagem.27 Ainda que no se afrme que a imagem seja o discurso, no podemos deixar de notar que o prprio texto de VI, 9 pode ser compreendido comoumdiscursoquefazrefernciaaessasimagensquesurgemapsa unio. Talleituratorna-semaisforteapartirdeumapassagemsubsequente doprpriocaptulo11,noqualPlotinoafrmaqueasimagensempregadas no texto sinalizam aos sbios dentre os profetas de que modo aquele deus visto: e o sacerdote sbio que compreende o enigma poderia, indo ao santurio, realizaravisoverdadeira.28 Acreditoqueosanturionoqualosacerdote entra,noqualcapazde contemplar o Um, oIntelecto. Mas,para que se tenhaaexperinciadoIntelecto,ouseja,paraquesesejacapazdeentrar no santurio, o sacerdote deve antes compreender o enigma. O texto parece 27VI, 9, 11, 6-7. , .28VI, 9, 11, 27-30. , .529ASCENSO E DISCURSO EM PLOTINOindicar, portanto, que as imagens de VI, 9 so como que enigmas que devem ser decifrados para que ocorra a contemplao. Porm, como essas imagens soconstrudaspelodiscurso,podemosafrmarque,pensadoemrelao ascenso, o discurso flosfco esse enigma a ser decifrado.Podemoscompreendermelhoremquemedidaodiscursoumenigma a partir de uma analogia entre as almas individuais e a Alma do mundo. Para Plotino,aindaqueaAlmadomundosejasuperior,noessencialmente diferentedasoutrasalmas,que,portanto,operamdeumamaneirasimilara ela.Assim,talcomooresultadodacontemplaodaAlmadomundoo universo sensvel, o produto da contemplao do flsofo o discurso. E tal como a Alma do mundo ordena o universo sensvel projetando na matria os lgoiderivadosdasformasinteligveisquecontemplouaosevoltarparao Intelecto, o flsofo projeta os lgoi que esto em sua mente como resultado de sua contemplao em palavras escritas ou faladas. Porisso,odiscursoflosfcoconsideradoporPlotino,talcomopara Grgias no Elogio de Helena, como uma espcie de encantamento. A esse respeito, existem algumas interessantes consideraes em V, 3, 17. Depois de argumentar pela necessidade de um princpio absolutamente simples, anterior aoIntelecto,enotandoque,apstodaadiscussoflosfca,aalmaainda estcomoqueemdoresdeparto(odnon),Plotinofaladanecessidadede um encantamento (epod) para elas. E afrma que, talvez, esse encantamento possa surgir das coisas que j foram ditas, se cantadas muitas vezes.29 O verbo que Plotino emprega aqui, epaedo, particularmente indicativo, pois signifca literalmente cantar um encantamento. Se as coisas j ditas so o prprio texto de V, 3 e se ele deve ser cantado vrias vezes para auxiliar a alma em trabalho departo,podemosconcluirque,paraPlotino,odiscursoflosfcopodese tornarumaespciedeencantamentoque,aosermeditadocomfrequncia, revela seu poder. Mas em quem esse encantamento pode funcionar? Naquele queseelevounocaminhodavirtude,quesepurifcoueconsegueaquietar as potncias inferiores de sua alma. Para esses, aos quais basta apenas olhar, como Plotino afrma em I, 6, 9, o discurso um guia adequado. Para aquele que no se purifcou, fora da virtude verdadeira, falar deus dizer um nome.3029V, 3, 17, 17-20.30II, 9, 15, 39-40. .Bernardo Guadalupe S. L. Brando530RefernciasBRANDO, B. A tradio do discurso apoftico na Filosofa Grega. 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