interpretação racional e causalidade histórica_max weber

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                                  www.lusosoa.net INTERPRETAÇÃO RACIONAL E CAUSALIDADE HISTÓRICA Max Weber Tradutor: Artur Morão

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Tradutor: Artur Morão

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    INTERPRETAORACIONAL E

    CAUSALIDADE HISTRICA

    Max Weber

    Tradutor: Artur Moro

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    Covilh, 2010

    FICHA TCNICA

    Ttulo: Interpretao Racional e Causalidade HistricaAutor: Max WeberTradutor: Artur MoroColeco: Textos Clssicos de FilosofiaDireco da Coleco: Jos Rosa & Artur MoroDesign da Capa: Antnio Rodrigues TomComposio & Paginao: Jos M.S. RosaUniversidade da Beira InteriorCovilh, 2010

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    [Nota do tradutor]

    Agradeo ao editor, Joaquim Soares da Costa, da Texto e Grafia,a amvel autorizao para, desde j, se proporcionar aos cultores eapreciadores da filosofia, portugueses e outros, a ocasio de mergul-har na leitura destas pginas de Max Weber, que reproduzem trspequenas seces da terceira parte do seu grande estudo Roscher eKnies e os problemas lgicos da economia poltica histrica , pu-blicado entre 1903-06.

    Trata-se, de facto, de um dos escritos weberianos mais importan-tes sobre a epistemologia das cincias sociais, e nele sobressai, emespecial, a crtica ao psicologismo e noo romntica de inter-pretao. Aqui se delineia tambm a peculiaridade da interpretaoracional da Histria, o papel da compreenso, o elemento comums cincias da natureza e cincia histrica, mas igualmente o fac-tor que as distingue, ou seja, a aco humana, com todas as suasimplicaes.

    Este excerto do estudo de Max Weber sobre o economista e histo-riador Karl Knies, faz parte do pequeno volume que sair, ao longodo ano de 2010, na Texto e Grafia, com o ttulo de Lgica e irracio-nalidade nas cincias sociais.

    A verso aqui proposta baseou-se no texto alemo de Gesam-melte Aufstze zur Wissenschaftslehre [Ensaios reunidos de teoria dacincia], Tubinga, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 19856.

    Uma seleco dos escritos de Max Weber (na lngua original)encontra-se disponvel neste electro-stio: Zeno.org Meine Biblio-thek

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    Interpretao Racional eCausalidade Histrica

    Max Weber

    Sentimento heursticoe apresentao sugestiva dos historiadores

    Apesar de tudo o que se disse, poderia ainda haver algum decididoa afirmar que, em todo o caso, existe um mbito onde o significado,em si apenas psicolgico-cognoscitivo, da interpretao por revi-vncia adquire, de facto, a acepo de validade: justamente ondesimples sentimentos no articulados se tornam objecto do conheci-mento histrico e, por isso, a sugesto de tais sentimentos em nsseria o nico ideal cognitivo possvel. A convivncia [Einleben] deum historiador, arquelogo ou fillogo com personalidades, po-cas artsticas ou lnguas efectuar-se- na forma de determinadossentimentos comuns, sentimentos lingusticos, etc., e estes sen-timentos propuseram-se1 justamente como o cnone mais seguropara determinar historicamente, por exemplo, a procedncia de um

    1 Assim Elsenhans, na p. 23 do ensaio anteriormente citado. Os sentimentosde totalidade com que acompanhamos a concepo de uma determinada pocahistrica poderiam segundo o autor proporcionar, apesar da sua aparenteindefinio, um cnone seguro do conhecimento; e, em particular, decidir-se-iacom certeza instintiva se um complexo de ideias se ajusta a esta totalidade desentimento em analogia com o sentimento lingustico.

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    documento, de uma obra de arte, ou para interpretar os motivos e osentido de uma aco histrica. Ora, visto que o historiador procu-ra, e deve procurar, induzir-nos a reviver os fenmenos culturais(entre os quais se contam, claro est, por exemplo disposies an-micas [Stimmungen] significativas no plano histrico, especfico etambm poltico), a sugerir-no-los, ento, ao menos nestes casostal interpretao insinuadora seria um processo autnomo, inclusiveno plano terico, em face da articulao conceptual. Tentemos ago-ra, nestas afirmaes, fazer uma destrina entre o correcto e o falso.Antes de mais, quanto ao significado, j frisado, do sentimento co-munitrio ou sentimento de totalidade como cnone da classi-ficao histrico-cultural ou da interpretao de personalidades, de grande relevncia, e at indispensvel, para a gnese psicolgicade uma hiptese no esprito do historiador, o significado do senti-mento obtido atravs da constante ocupao intelectual com o ma-terial, isto , com a prtica, portanto com a experincia2: medi-ante o simples manejo de percepes e conceitos, ainda se nocriou nenhum conhecimento histrico vlido, e tambm nenhumconhecimento de qualquer espcie. Pelo contrrio, quanto preten-sa segurana no sentido da validade cientfica, todo o investiga-dor consciente e empenhado h-de rejeitar, com a mxima firmeza, anoo de que possa ter algum valor o apelo ao sentimento de tota-lidade, por exemplo ao carcter geral de uma poca, de um arti-sta, etc., enquanto ele se no deixar controlar e converter em juzosarticulados e demonstrveis de modo preciso, ou seja, numa expe-rincia conceptualmente modelada, no sentido corrente deste ter-mo. Afirmou-se tambm j assim, no fundo, como que as coisasesto relativamente reproduo histrica de contedos anmicos

    2 Por conseguinte, de uma forma totalmente anloga, quanto essncia, aosentimento nada articulado ou consciente, com que o capito de um barco reageperante o perigo de coliso, quando tudo depende da deciso a tomar numa fracode segundo. Aqui como alm, a experincia acumulada o elemento determi-nante; aqui como alm, a possibilidade de articulao , em princpio, igualmentepossvel.

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    emocionais, quando estes tm uma relevncia histrica (causal). Queos sentimentos se no deixam definir conceptualmente na mesmaacepo em que se define um tringulo rectngulo ou os produtosabstractos das cincias quantitativas, algo que eles partilham comtudo o que qualitativo. Todos os qualia, quer ns os projectemosno mundo externo como qualidades das coisas, quer em ns osinternalizemos como vivncias psquicas, possuem, enquanto tais,o carcter do indefinido necessariamente relativo. O que vale pa-ra os matizes da luz, para os timbres, para as gradaes olfactivas,vale tambm, e justamente no mesmo sentido, para os sentimentosvalorativos religiosos, ticos, estticos, pelo que, na sua asserodescritiva, cada qual v o que leva no corao. Portanto, a inter-pretao dos processos psquicos enquanto se tratar apenas destacircunstncia opera com conceitos que, em nenhum outro senti-do e, em princpio, no so determinveis de forma absolutamenteunvoca, como deve acontecer, em geral, em toda a cincia que noabstrai do qualitativo3.

    3 Que a psicologia experimental possa medir certas manifestaes dos pro-cessos psquicos no altera absolutamente nada. De facto, incorrecto afirmar queo psquico enquanto tal incomunicvel (Mnsterberg) isso antes uma pro-priedade das vivncias que, precisamente por este motivo, chamamos de msti-cas , mas, como tudo o que qualitativo, s comunicvel numa clareza relativa,e a medio, tal como em estatstica o cmputo, apreende aqui apenas o psquicoque chega a um determinado tipo de expresso externa, ou melhor, unicamente estetipo de expresso. A medio pscomtrica no significa a instaurao da comuni-cabilidade em geral (Mnsterberg), mas o incremento da sua definio respectivamediante a quantificao de uma forma de expresso do processo psquicamen-te condicionado. Mas seria um mal para a cincia se, por este motivo, no fossepossvel classificar e conceptualizar com suficiente preciso o material psquico,de harmonia com o fim concreto da investigao. A conceptualizao , de facto,empreendida e constantemente utilizada por todas as cincias no quantificadoras.Amide se assinalou, e se bem entendido com razo, como imenso significado dodinheiro, o facto de que ele permite expressar o resultado das valoraes subjecti-vas de uma forma material, que pode ser medida. No se esquecer, porm, queo preo no nenhum fenmeno paralelo ao experimento psicomtrico, sobretu-do no nenhuma medida de uma valorao psicossocial de um valor de uso

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    Quando, na sua exposio, o historiador se dirige ao nosso sen-timento com meios sugestivamente eficazes, por outras palavras,quando tenta provocar em ns uma vivncia no conceptualmentearticulvel, ou se trata de uma estenografia para a exibio de manife-staes parciais do seu objecto, cuja determinao conceptual podeser omitida, sem dano algum para a concreta meta cognoscitiva: eis uma consequncia da circunstncia de que a inesgotabilidade, emprincpio, do mltiplo empiricamente dado, permite que cada expo-sio obtenha validade to-s como uma concluso relativa doprocesso cognitivo histrico. Ou, ento, a provocao em ns de umasimples vivncia emotiva exige servir de meio especfico de conheci-mento: como ilustrao, por exemplo, do carcter de uma pocacultural ou de uma obra de arte. Ela pode, ento, ter um duplo carcterlgico. Pode apresentar-se com a pretenso de exibir uma revivn-cia do contedo espiritual ou psquico segundo o modo deexpresso da vida da poca, da personalidade ou da concreta obrade arte em questo. Neste caso, enquanto permanecer no estdio dosentimento, ela contm no historiador e suscita no leitor, que coma sua ajuda se dispe empatia, sentimentos valorativos prpri-os, sempre e inevitavelmente inarticulados, em relao aos quais noexiste a mnima garantia de que eles correspondam, de algum mo-do, aos sentimentos daqueles homens histricos, com que ele estem empatia4. Falta-lhe, pois, aqui tambm o critrio controlvel parauma distino entre o essencial e o inessencial, no plano da cau-

    social, mas, sim, um produto de compromisso entre interesses em luta, oriundoem condies histricas muito concretas e particulares. Todavia, ele partilha como experimento psicomtrico a circunstncia de que s as aspiraes que chegam aum tipo determinado de expresso se tornam mensurveis, de acordo com amedida da constituio social dada (como poder de compra, etc.).

    4 Quem pretenda, com um exemplo, fazer uma ideia da peculiaridade de taisprovocaes da interpretao do sentimento, em oposio anlise conceptual-mente articulada e, portanto, emprica, confronte, no Rembrandt de Carl Neumann,a interpretao de A ronda noturna com a de O sacrifcio de Mano trata-sede duas realizaes incrivelmente belas no mbito da interpretao das obras dearte, mas s a primeira, e no a segunda, de carcter inteiramente emprico.

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    salidade. Assim como o sentimento de totalidade, gerado em ns,por exemplo, por uma cidade estrangeira, costuma ser determinado,no estdio do puramente emocional, por coisas como o arranjo daschamins, a forma dos telhados e quejandos, absolutamente aciden-tais, ou seja, aqui, de nenhum modo essenciais, em sentido causal,para o estilo de vida prprio dos seus habitantes, assim o mesmoacontece tambm sem excepo, luz da experincia, com todas asintuies histricas inarticuladas: o seu valor cognitivo cientficodiminui, quase sempre, em relao directa com o seu estmulo e en-canto estticos; elas podem, em certas circunstncias, adquirir um va-lor heurstico significativo, mas, noutra situao, podem igualmen-te impedir o conhecimento objectivo, porque ofuscam a conscinciade que se trata de contedos emocionais do observador, e no dosda poca descrita ou do artista criador em questo. Neste caso, ocarcter subjectivo de semelhante conhecimento identifica-se com afalta de validade, justamente porque se descurou a articulao con-ceptual e a sensao participativa e comunional [Anempfindung] sesubtrai demonstrao e ao controlo. E, ademais, ele traz consigoo perigo eminente de fazer recuar a anlise causal das conexes emprol da busca de um carcter geral, afim ao sentimento total; eesse carcter comum j que a necessidade de uma frmula quereproduza a sntese emotiva veio para o lugar da exigncia de umaanlise emprica cola-se poca como uma etiqueta. A interpre-tao subjectiva e emocional no exibe, nesta forma, nem o conhe-cimento histrico emprico de conexes reais (interpretao causal),nem aqueloutro que, alm do mais, poderia ser: uma interpretaoreferida a valores. De facto, este o outro sentido da vivnciade um objecto histrico que, alm da imputao causal, pode re-sidir na categoria da interpretao, da qual aqui nos ocupamos.J noutro lugar5 dissertei sobre a sua relao lgica com o elemen-to histrico; aqui, basta estabelecer que, nesta funo, a interpre-

    5 Archiv fr Sozialwissenschsft und Sozialpolitik, Januarheft, 1906.Quanto aoresto, remete-se tambm aqui para os argumentos de Rickert.

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    tao de um objecto avalivel em termos estticos, ticos, intelec-tuais ou sob os mais diversos pontos de vista valorativo-culturais, no uma componente (em sentido lgico) de uma exposio puramentehistrico-emprica ou seja, de uma apresentao que impute indi-viduos histricos concretos a causas concretas , mas antes, sob aperspectiva da histria, uma moldagem do individuo histrico. Ainterpretao do Fausto, do puritanismo ou de determinadoscontedos da cultura grega , nesta acepo, uma indagao dosvalores, que ns podemos encontrar realizados nesses objec-tos, e daquela forma, sempre e sem excepo, individual em quens nela os vemos realizados, e graas qual esses indivduosse tornam objectos da explicao histrica: trata-se, pois, de umatarefa filosfico-histrica. Ela , com efeito, subjectivante, se portal se entender que a validade desses valores nunca, decerto, podeser entendida por ns no sentido da validade dos factos empricos.Entendida, pois, na acepo em que dela aqui falamos, no interpretao que os participantes na criao do objecto valorado sentiramhistoricamente de forma subjectiva isso para ela, enquanto fimem si mesma, apenas um eventual elemento auxiliar em vista da nos-sa compreenso prpria e melhor do valor6 , mas interpreta o quens podemos ou porventura tambm devemos encontrar devalor no objecto. Neste ltimo caso, ela prpria estabelece os objec-tivos de uma disciplina normativa como a esttica e avalia; noprimeiro caso, porm, sob um ponto de vista lgico, ela baseia-senuma anlise dialctica dos valores e esquadrinha exclusivamentepossveis relaes axiolgicas do objecto. Ora esta relao a va-lores e tal a sua funo momentosa e decisiva no nosso contexto que constitui, ao mesmo tempo, a nica via que, da total indeter-minao do que alvo de empatia, conduz quele gnero de deter-minao de que capaz o conhecimento dos contedos individuaise espirituais da conscincia. De facto, em contraste com o simplescontedo emocional, designamos como valor justamente aquilo,

    6 Nesta perspectiva Croce tem toda a razo.

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    e s aquilo, que se pode converter em contedo de uma tomada deposio, ou seja, de um juzo positivo ou negativo conscientemen-te articulado algo que se acerca de ns reclamando validade, ecuja validade se torna para ns um valor e, por conseguinte, por ns aceite, rejeitada ou axiologicamente apreciada nas maisdiversas designaes. A exigncia de um valor tico ou estticocontm, sem excepes, a emisso de um juzo de valor. Se no po-demos, aqui e agora, investigar mais a fundo a natureza dos juzosde valor7, ento, para as nossas consideraes actuais, estabelea-se, em todo o caso, o seguinte: a determinao do contedo do juzo o que extrai o objecto, a que elas se referem, da esfera do simples-mente sentido. de todo impossvel estabelecer de forma unvocase algum v o vermelho de um determinado papel pintado talcomo eu o vejo, se essa cor tem o mesmo matiz emocional para elee para mim; a percepo [Anschauung] em questo permanece ne-cessariamente indefinida na sua comunicabilidade. Em contrapartida,a pretenso de partilhar um juzo tico ou esttico sobre um estadode coisas no teria sentido algum, se na aco conjunta das com-ponentes emocionais incomunicveis o contedo prescrito dojuzo no fosse compreendido de forma idntica nos seus pontosrelevantes. A referncia do individual aos valores possveis si-gnifica sempre uma medida to-s relativa de supresso do que sentido de forma puramente intuitiva. Por isso mesmo e regres-samos assim, em concluso, de novo a algumas insinuaes j antesfeitas , a interpretao filosfico-histrica, nas suas duas formaspossveis directamente valorativa (portanto metafsica) e exclusiva-mente analtica do valor pe-se aberta e continuamente ao servioda compreenso emptica do historiador. Podemos, a este respei-to, remeter-nos s observaes de Simmel8, s que aqui e alm no

    7 O impacto psicolgico, presente nas observaes antipsicologistas de Cro-ce, que ele nega a existncia dos juzos de valor nesse sentido, embora a suaconstruo se mantenha e caia com eles.

    8 As formulaes de Simmel (pp. 52, 54 e 56) so tambm, aqui, de tipopsicolgico-descritivo e, por isso, apesar da sua liberdade pouco comum, no dei-

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    ultimadas na formulao e, de vez em quando, no de todo andinastambm na sua substncia; e, como suplemento, h-de acrescentar-se-lhes apenas o seguinte: visto que o indivduo histrico, tambmno significado especial da personalidade, pode ser, em sentido l-gico, to-s uma unidade suscitada de modo artificial por uma re-lao axiolgica, a valorao o estdio psicolgico normal detransio para a compreenso intelectual. A elucidao plena dascomponentes historicamente relevantes do desenvolvimento interi-or de uma personalidade histrica (por exemplo Goethe ou Bis-marck) ou, inclusive, s da sua aco concreta num contexto concretohistoricamente relevante, costuma alcanar-se, de facto, s medianteo confronto das possveis valoraes do seu comportamento; por

    xam, a meu ver, de levantar objeces. verdade 1.que uma forte subjectividadedo historiador, enquanto personalidade, pode ter uma utilidade invulgar para ainterpretao causal da aco histrica e de individualidades histricas, ami-de nada conformes com ele; 2. que a nossa compreenso histrica de personali-dades fortemente perfiladas, intensamente subjectivas, , no raro, particular-mente evidente ambos os fenmenos dependem do papel desempenhado pelareferncia a valores na modelao cognitiva do individual. Alm disso, as valo-raes intensivas da personalidade rica e peculiar do historiador so um meioheurstico de primeira ordem para descobrir relaes axiolgicas no superficiaisnos processos histricos e nas personalidades mas esta capacidade do historia-dor para a valorao conceptualmente clara no plano espiritual que justamentepermite chegar ao conhecimento das relaes de valor, e no qualquer elemento ir-racional da sua individualidade. Sob o ponto de vista psicolgico, o compreendercomea como unidade indistinta de valorao e interpretao causal, mas a elabo-rao lgica pe no lugar da valorao a simples referncia terica aos valores,na configurao dos indivduos histricos. grave tambm que Simmel pense (p.55, ao fundo, e p. 56) que o historiador, embora ligado ao material, livre paraconfigurar a totalidade do decurso histrico. Na minha opinio, as coisas passam-se ao contrrio: o historiador livre na escolha dos valores orientadores que, porseu lado, determinam a seleco e a modelao do indivduo histrico a eluci-dar (tambm aqui naturalmente, como sempre, no sentido impessoal e puramentelgico da palavra). Mas, no seu percurso ulterior, est estritamente vinculado aosprincpios da imputao causal e livre, em certo sentido, s no aperfeioamen-to do logicamente acidental, ou seja, na configurao do material ilustrativopuramente esttico.

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    isso, a superao desta fase psicolgica transitiva h-de ser exigidaincondicionalmente pelo historiador, na gnese do seu conhecimen-to. Assim como no exemplo, antes utilizado, do oficial de patrulha, ainterpretao causal posta ao servio da tomada de posio prti-ca, para tornar possvel a compreenso notica de uma ordem emsi pouco clara, assim tambm, ao invs, nestes casos, a valoraoprpria h-de, como meio, assistir a compreenso, ou seja, aqui: ainterpretao causal da aco alheia9. Neste sentido e nesta base, correcto afirmar que uma individualidade bem vincada do historia-dor, e tambm as valoraes muito precisas, que lhe so peculiares,podem ser um obstetra deveras eficiente do conhecimento causal, talcomo, por outro lado, devido fora da sua influncia, so igual-mente capazes de ameaar a validade dos resultados singulares,enquanto verdade emprica10.

    Para arrematar esta contenda, inevitavelmente algo montona,com as mltiplas teorias, to variadas nas cores e nas formas, sob-re a pretensa peculiaridade das disciplinas subjectivantes e sobre osignificado de tal peculiaridade para a histria, pode dizer-se que oresultado consiste to-s na ideia deveras trivial, mas, todavia, sem-pre de novo impugnada, de que nem as qualidades objectivas domaterial, nem as diferenas ontolgicas do seu ser, nem se-

    9 Tambm nos casos em que se empreende uma valorao teleolgica, com aajuda das categorias de fim e meio o exemplo clssico dos historiadores ahistria militar , a situao lgica a mesma. O conhecimento, adquirido medi-ante doutrinas estratgicas, de que uma determinada manobra de Moltke foi umerro, ou seja, ele enganou-se na escolha dos meios adequados para o fim quese queria propor, possui para a exposio histrica apenas o sentido de nos ajudara conhecer o significado causal que aquela deciso (teleologicamente errnea)teve para o decurso dos acontecimentos historicamente relevantes. Das doutrinasestratgicas tiramos to-s o conhecimento das possibilidades objectivas, que seho-de pensar como realizveis, de acordo com as diversas decises concebveis.(Tambm neste ponto a concepo de Bernheim , logicamente, muito pouco cla-ra.)

    10 Jacob Burckhardt um exemplo excelente para ambos os aspectos deste pro-cesso.

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    quer, por ltimo, o tipo do desenrolar psicolgico da obteno deum determinado conhecimento, decidem do seu sentido lgico e dospressupostos da sua validade. O conhecimento emprico, no cam-po da realidade espiritual e no da natureza externa, dos processosem ns e dos processos fora de ns, est sempre unido ao meioda construo conceptual, e a essncia de um conceito , logi-camente, a mesma nas duas reas objectivas. A peculiaridade lgi-ca do conhecimento histrico, contrariamente do conhecimentocientfico-natural em sentido lgico, nada tem a ver com a distinoentre o psquico e o fsico, entre personalidade e aco, porum lado, e objecto natural inanimado e processo mecnico natu-ral, por outro11. E menos ainda pode a evidncia da empatia emvivncias interiores conscientes, reais ou potenciais uma qua-lidade puramente fenomenolgica da interpretao , identificar-se com uma especfica certeza emprica dos processos interpret-veis. Porque pode e enquanto pode significar algo para ns, umarealidade, psquica ou fsica ou as duas coisas simultaneamente, plasmada por ns como indivduo histrico; porque deter-minvel mediante valoraes e significados, o comportamentohumano interpretvel com sentido (aco) apreendido, de mo-do especfico, pelo nosso interesse causal na explicao histricade semelhante individuo ; por fim: enquanto se orienta e se po-de confrontar com valoraes dotadas de sentido, o fazer humanopode, de forma especfica, compreender-se com evidncia. Porisso, no papel particular que na histria desempenha o que in-terpretativamente se pode compreender, trata-se de diferenas 1. donosso interesse causal e 2. da qualidade da evidncia almejada dasconexes causais individuais, mas no de diferenas da causalidadeou do significado e do tipo de construo conceptual.

    11 Veja-se, a propsito, Rickert, op. cit. Todavia, a sua designao do trabalhoque busca leis como elaborao conceptual cientfico-natural teve por conse-quncia, na polmica dos adversrios, a confuso permanente do conceito depar-tamental das cincias naturais com o lgico.

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    A interpretao racional

    Resta-nos apenas, agora, dedicar ainda algumas consideraes aum determinado tipo de conhecimento interpretativo: a interpre-tao racional mediante as categorias de fim e de meio.

    Sempre que compreendemos a aco humana como condicio-nada por fins abertamente conscientes e desejados e no claro con-hecimento dos meios, tal compreenso obtm, sem dvida, umgrau especificamente elevado de evidncia. Mas, se nos interrogar-mos sobre a sua base, revela-se nos, de imediato, como fundamentoa circunstncia de que a relao entre meios e fim uma relaoracional, acessvel num grau especfico considerao causal ge-neralizante, no sentido da legalidade. No existe nenhuma acoracional sem racionalizao causal do recorte da realidade, tomadoem considerao como objecto e meio da influenciao, isto , semo seu enquadramento num conjunto de regras empricas, as quaisindicam que resultado de um determinado comportamento se h-deesperar. , decerto, de todo errneo afirmar que, por este motivo,a concepo teleolgica12 de um processo se h-de entender co-

    12 Sobre a relao entre telos e causa nas cincias sociais prevalece, ami-de, uma confuso assombrosa, desde os trabalhos de Stammler, decerto inteligen-tes, mas que contm algumas concluses errneas. Esta confuso, pode dizer-se,alcanou o clmax nos ensaios do Dr. Biermann: W. Wundt und die Logik der So-zialwissenschaften, Conrads Jahrbuch, Janeiro, 1903; Natur und Gesellschaft,ibid., Julho, 1903; e finalmente Sozialwissenschaft, Geschichte und Naturwissen-schaft, 1904, XXVIII, p. 552 ss. Contra a objeco de que ele advoga uma for-mulao antagnica de teoria e histria, responde expressamente que ela se lheafigura obscura e, em princpio, injustificada. Existe, de facto, a obscuridade,mas s porque, infelizmente, aquelas relaes permanecem de todo obscuras parao autor, pois de outro modo no poderia apelar a investigadores como Windel-band e Rickert, os quais no deixariam de se surpreender a propsito desta cauoque lhes exigida. De qualquer modo, se em tal obscuridade se houvesse depermanecer, importaria ainda o seguinte: tambm economistas muito respeitveisexpressam, por vezes, opinies manifestamente errneas acerca de problemas com-plicados, que se associam quela dicotomia. O pior que o telos demasiado ze-

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    mo uma inverso da concepo causal13. Mas certo que, sem a

    loso do autor engole igualmente a anttese mais elementar: a que existe entre sere dever-ser [Sollen]. Que, em seguida, a liberdade da vontade, a causalidadetotal e a legalidade do desenvolvimento se enredem em variegadas combinaesna nica anttese que se pretende decisiva, telos e causa, e se defenda, por fim,a opinio de que se deveria justificar um determinado princpio de investigaopara ser possvel ultrapassar o individualismo quando justamente a amlgamadas questes do mtodo e do programa , hoje, o que h de antiquado nasanteriores controvrsias , tudo isso faz surgir o desejo de que a moda hodiernade enfeitar qualquer trabalho inicial com consideraes terico-cognoscitivas bemdepressa definhe. As ideias bastante simples e nada originais que o autor apresen-ta nestes e noutros trabalhos sobre as relaes entre Estado e economia podem,sem mais, ignorar-se. de esperar que o autor, animado decerto pelo mais sinceroentusiasmo em face dos seus ideais, consiga no futuro propor-nos trabalhos, emcuja leitura se no tropece continuamente em erros lgicos de diletante e, por isso,se perca a pacincia. S ento ser, em geral, possvel num confronto fecundo comos seus ideais prticos. Uma discusso sobre princpios com o prprio Stamm-ler que de nenhum modo pode ser responsvel pelos equvocos de Biermann incharia o arco deste ensaio, e no o que aqui se prope.

    13 De forma surpreendente, tambm Wundt (Logik, vol. I por, p. 642) acolhe esteerro popular. Diz ele: Se (a) na apercepo fazemos que a ideia do nosso mo-vimento preceda a mudana externa, ento o movimento surge-nos como a causadesta mudana. Se, pelo contrrio, (b) fazemos que a ideia da mudana externa pre-ceda a do movimento, graas qual aquela ser suscitada, ento a mudana surgecomo fim, e o movimento como o meio, mediante o qual o fim alcanado. Nosprimrdios do desenvolvimento conceptual de psicologia, fim e causalidade brot-am, por conseguinte, de diferentes abordagens de um nico e mesmo processo [osublinhado de Wundt]. A este respeito dir-se- o seguinte: claro que as propo-sies acima indicadas (por mim) com (a) e (b) no descrevem o mesmo processo,mas cada uma delas descreve uma parte diferente de um processo que, seguindoWundt, se pode reproduzir assim num esquema aproximado: 1) a ideia de umamudana esperada (v) no mundo externo, unida 2) ideia de um movimento (m)capaz de levar a cabo tal mudana; depois 3) o movimento (m) e 4): uma mudana(v) no mundo externo, induzida por m. S as componentes 3) e 4): movimentoexterior e a sua consequncia externa esto compreendidas na proposio a) deWundt; 1) e 2): a ideia do resultado ou, para os materialistas consequentes, pelomenos o correspondente processo cerebral, esto ali ausentes, embora deva per-manecer suspenso o problema de saber se a proposio b) de Wundt compreendes os elementos 1) e 2) ou tambm, numa mescla confusa, os elementos 3) e 4).

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    f na segurana das regras empricas, no poderia haver nenhumaaco baseada numa reflexo sobre os meios necessrios ao resul-tado desejado e que, ademais, em ligao com isso, dado um fimmanifesto, a escolha dos meios nem sempre necessariamente ine-quvoca; mas tambm no sempre totalmente ambgua e imprecisa,antes determinada numa disjuno, segundo as circunstncias, demuitos membros diversos. A interpretao racional pode, pois, as-sumir a forma de um juzo condicional de necessidade (esquema:dada a inteno X, o agente, para a realizar, deveria escolher, deharmonia com as regras conhecidas do acontecer, o meio Y ou umdos meios Y, Y, Y) e, por isso, vir a coincidir ao mesmo tempocom a valorao teleolgica de uma aco empiricamente verific-vel (esquema: segundo as regras conhecidas do acontecer, a escolhado meio Y garantiria, em relao a Y ou Y, a maior possibilidadede realizar o fim X ou alcanaria este fim com o mnimo sacrifcio,etc.; portanto, um seria mais oportuno do que o outro ou tambm onico adequado). Visto que esta valorao de carcter puramentetcnico, ou seja, s constata, graas experincia, a adequao domeio ao fim efectivamente almejado pelo agente, ento ela, apesardo seu carcter de valorao, no abandona de modo algum o planoda anlise emprica dos dados. E, na esfera do conhecimento do querealmente acontece, esta valorao racional apresenta-se to-s co-mo hiptese ou construo conceptual tpico-ideal: confrontamos aaco fctica com aquela que, do ponto de vista teleolgico e se-

    Mas em nenhum dos dois casos a proposio b) contm outra concepo do mes-mo processo, como a proposio a), visto que se no pode pressupor como bvioque a mudana (v), induzida pelo movimento (m) como causa, tenha de ser neces-sariamente idntica mudana (v) intentada como meio pelo movimento (m).Logo que o resultado intentado e o empiricamente alcanado diferem, mesmoque s em parte, todo o esquema de Wundt deixa de funcionar. De qualquer modo,semelhante divergncia entre o que desejado e o que obtido a no consecuodo fim constitutiva da gnese psicolgica do conceito de fim, cuja discussoWundt mistura aqui com a do seu sentido lgico. No se consegue ver como po-deramos tornar-nos conscientes do fim, como categoria independente, se (v) e(v) sempre coincidissem.

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    gundo as regras gerais causais da experincia, racional, para assimse estabelecer ou um motivo racional, que pode ter guiado o agen-te, e que tentamos deslindar, de forma a podermos mostrar as suasaces efectivas como o meio ajustado a um fim que ele poderiater perseguido; ou ento para se poder compreender porque que ummotivo do agente, e j de ns conhecido, teve, em virtude da escolhados meios, um resultado distinto do que ele subjectivamente espera-va. Mas, nestes dois casos, no efectuamos uma anlise psicolgicada personalidade, com a ajuda de quaisquer meios cognitivos pe-culiares; efectuamos, sim, uma anlise da situao objectivamentedada, mediante o nosso saber nomolgico. Por conseguinte, a inter-pretao descai aqui para o saber geral de que podemos actuar deacordo com fins, por outras palavras: que podemos agir com basenum exame das diferentes possibilidades de um desenrolar futurono caso da realizao de cada uma das aces (ou omisses) pensa-das como possveis. Em virtude do eminente significado fctico doagir, nesta acepo, cnscio do fim na realidade emprica, a racio-nalizao teleolgica pode utilizar-se como meio construtivo paraa produo de construes conceptuais, que tm um extraordinriovalor heurstico para a anlise causal das conexes histricas. E, de-certo, 1) estas formaes conceptuais construtivas, antes de mais, decarcter puramente individual, podem ser hipteses interpretativaspara contextos singulares concretos assim, num exemplo j men-cionado, a construo de uma poltica de Frederico Guilherme IV,condicionada, por um lado, por certos fins pressupostos e, por outro,pela constelao das grandes potncias. Ela presta-se, em seguida,como meio intelectual, ao intuito de medir a sua poltica real pelograu do seu contedo racional e de reconhecer assim, por um lado,as componentes racionais e, por outro (em relao com este fim), oselementos no racionais da sua aco poltica efectiva; torna-se, de-ste modo, possvel a interpretao historicamente vlida de tal aco,a avaliao do alcance causal de ambos os elementos e, portanto, oenquadramento vlido da personalidade de Frederico Guilherme IV,

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    como factor causal no contexto histrico. Ou ento e o que aquinos interessa 2) elas podem ser construes tpico-ideais de carctergeral, como as leis da cincia econmica abstracta que, sob o pres-suposto da aco estritamente racional, constroem conceptualmenteas consequncias de certas situaes econmicas. Mas, em todos oscasos, a ligao de semelhantes construes teleolgicas racionais realidade, elaborada pelas cincias empricas, no , claro est, amesma que existe entre leis naturais e constelao; antes apen-as a relao de um conceito tpico-ideal, que serve para facilitar ainterpretao empiricamente vlida: a saber, que os factos aduzidosse comparam com uma possibilidade interpretativa com um esque-ma de interpretao ; ela , pois, nessa medida, afim ao papel quea interpretao teleolgica desempenha na biologia. Mediante a in-terpretao racional, tambm no inferimos como pensa Gottl a aco concreta, mas conexes objectivamente possveis. Aevidncia teleolgica, nestas construes, tambm no significa umespecfico grau de validade emprica; porm, a construo racionalevidente, correctamente elaborada, que possibilita tornar re-conhecveis os elementos teleologicamente no racionais da acoeconmica real e, assim, tornar tambm esta ltima compreensvelno seu decurso efectivo. Esses esquemas interpretativos so, pois,no s como se afirmou hipteses anlogas s leis hipotticasdas cincias da natureza, mas podem ainda funcionar como hipte-ses, no uso heurstico da interpretao dos processos concretos. Emcontraste, porm, com as hipteses das cincias naturais, o facto deelas, no caso concreto, no conterem uma interpretao vlida noafecta o seu valor cognitivo, da mesma maneira que, por exemplo,a no validade emprica do espao pseudo-esfrico no causa dano correco da sua construo. A interpretao mediante o esque-ma racional no era, assim, possvel neste caso visto que os finsenglobados no esquema no existiam (no caso concreto) como moti-vos o que no exclui, porm, a possibilidade do seu emprego nou-tra ocorrncia. Uma lei natural hipottica que falha definitivamen-

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    te num caso desmorona-se, de uma vez por todas, como hiptese.Em contrapartida, as construes tpico-ideais da economia polti-ca correctamente entendidas no aspiram de modo algum a umavalidade geral, ao passo que uma lei da natureza deve renunciara tal pretenso, se no quiser perder o seu significado. Por fim, achamada lei emprica uma regra empiricamente vlida com in-terpretao causal problemtica; ao invs, um esquema teleolgicoda aco racional uma interpretao com validade emprica pro-blemtica: por conseguinte, as duas constituem opostos logicamen-te polares. Mas aqueles esquemas so construes conceptuaistpico-ideais14; a sua construo possvel, nica e exclusivamente,porque as categorias de fim e meio condicionam a sua racionali-zao na sua aplicao realidade emprica15.

    14 Sobre este conceito, veja-se o meu ensaio publicado no Archiv fr Sozial-wiss., vol. XIX. Espero continuar, dentro em breve e com maior pormenor, aselucubraes que ali foram apenas esboadas e so, portanto, talvez um poucoambguas.

    15 , pois, o cmulo do equvoco ver nas construes da teoria abstracta por ex-emplo, na lei da utilidade marginal produtos de interpretaes psicolgicasou, sem mais, psico-individuais, ou ento a tentativa de uma fundamentaopsicolgica do valor econmico. A especificidade destas construes, o seu va-lor heurstico e os limites da sua validade emprica baseiam-se justamente no factode no conterem sequer um nico de psicologia, seja qual for o sentido que se quiserdar a este termo. Alguns representantes da escola, que trabalham com estes esque-mas, partilharam, decerto, esse erro, enquanto noutras ocasies aduziram analogiascom o limiar de estmulo; com este, porm, semelhantes construes puramenteracionais, possveis apenas na base de um pensamento econmico monetrio, nadatm comum, afora certas formas extrnsecas.

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    A dupla feio da categoria de causalidade ea relao entre irracionalidade e

    indeterminismo

    Daqui, mais uma vez e por ltimo, dimana a luz para a asseroacerca da irracionalidade emprica especfica da personalidade e daaco livre.

    Quanto mais livre, isto , quanto mais assente em consideraesprprias, no perturbadas pela presso externa ou por afectosinsuperveis, irromper a deciso do agente, tanto mais inteiramen-te a motivao se moldar, ceteris paribus, s categorias de fime meio; por conseguinte, tanto mais perfeitamente se poder ob-ter a sua anlise racional e, se assim acontecer, a sua ordenao numesquema de aco racional; e tanto maior ser, pois, o papel a desem-penhar pelo saber nomolgico quer no agente, quer no investigadorque analisa e tanto mais determinado estar o primeiro relativa-mente aos meios. E no s. Quanto mais livre, no sentido aquireferido, for a aco, ou seja, quanto menos possuir em si o carc-ter do acontecer natural, tanto mais acabar por entrar em foraaquele conceito de personalidade, que encontra a sua essncia napersistncia da sua relao interior com determinados valores e si-gnificados vitais derradeiros que, no seu fazer, desaguam em fins, edeste modo se convertem em aco teleologicamente racional; e tan-to mais se esbater, portanto, aquela feio romntico-naturalista daideia de personalidade, a qual, ao invs, busca o autntico santuriodo elemento pessoal no obscuro e indistinto subsolo vegetativo davida pessoal, ou seja, naquela irracionalidade radicada no entrana-mento de uma infinidade de condies psicofsicas do desenvolvi-mento do temperamento e da afectividade, que a pessoa partilhatotalmente com o animal. este romantismo que, de facto, est pordetrs do enigma da personalidade na acepo em que, por vezes,Treitschke e, com maior frequncia, muitos outros dele falam, e que,

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    em seguida, onde possvel, tentam ainda vislumbrar a liberdadeda vontade nestas regies da natureza. A absurdidade deste ltimoempreendimento j palpvel na vivncia imediata: sentimo-nos,precisamente mediante tais elementos irracionais do nosso agir, ou(por vezes) coagidos ou, ento, co-determinados de modo noimanente ao nosso querer. Para a interpretao do historiador, apersonalidade no um enigma; , pelo contrrio, o nico inter-pretativamente compreensvel que em geral existe, e a aco e ocomportamento humanos no so de modo algum, nem sequer ondecessa a possibilidade de interpretao racional, irracionais em graumais elevado no sentido de imputao causal incalculvel ou aela avessa do que o qualquer processo individual enquanto tal; aoinvs, vo muito alm da irracionalidade do puramente natural emtoda a parte onde a interpretao racional possvel. A impressoda irracionalidade inteiramente especfica do pessoal surge em vir-tude de o historiador medir o agir dos seus heris e as constelaesdele derivadas pelo ideal da aco teleolgico-racional em vez de comparando o comparvel o confrontar, como deveria acontecer,com o decurso dos processos individuais na natureza morta. Masmuito menos ainda se deveria relacionar qualquer conceito de li-berdade da vontade com aquela irracionalidade. O agente empirica-mente livre, ou seja, que actua mediante deliberaes, est, inclusi-ve, teleologicamente vinculado pelos meios distintos e reconhecveis,conforme a situao objectiva, para a consecuo dos seus fins. Defacto, a f na liberdade da vontade de escassa ajuda para o fabri-cante na luta da concorrncia ou para o corretor na Bolsa. Ambos tmde escolher entre a eliminao econmica e o seguimento de mxi-mas muito precisas da conduta econmica. Se no as seguirem, paraseu detrimento bvio, teremos, em vista da explicao, de eventual-mente considerar alm de outras possveis hipteses tambm a deque lhes faltava a liberdade de vontade. De facto, as leis da eco-nomia poltica terica, como tambm, decerto, toda a interpretaopuramente racional de um processo histrico singular, pressupem

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    necessariamente a existncia da liberdade de vontade, seja qual foro sentido, em geral possvel, que se d palavra, no plano emprico.

    Em contrapartida, concebido em qualquer outro sentido, que noseja o da aco teleolgico-racional, o problema da liberdade davontade em todas as formas que ele pode assumir situa-se inteira-mente para l do exerccio da histria e perde assim, para ela, todo osignificado.

    A investigao interpretativa que o historiador faz dos motivos uma imputao causal no pleno e idntico sentido lgico em que o a interpretao causal de qualquer processo individual da natureza,j que o seu fim o estabelecimento de uma razo suficiente (pelomenos como hiptese), da mesma maneira que, nos intrincados pro-cessos da natureza, ao lidar-se com as suas componentes individuais,s este poder ser o objectivo da investigao. Ela no pode fazer doconhecimento de um assim-ter-de-actuar (no sentido de uma lei natu-ral) o seu fim cognitivo, sob pena de ser uma vtima ou do emanatis-mo hegeliano ou de qualquer variedade do ocultismo antropolgicomoderno, porque o concreto humano, e tambm o extra-humano (vi-vo ou inanimado), olhado como fragmento, sempre alis limitado,do universal acontecer csmico, em parte alguma no mbito total des-se acontecer cabe num conhecimento puramente nomolgico j que existe em toda a parte (e no apenas no recinto do pessoal)uma infinidade intensiva do mltiplo. Todas as componentes parti-culares concebveis desta ltima se podem encarar, sob um prismalgico, como etiologicamente significativas para uma conexo causalhistrica; para a cincia, porm, to-s o podero ser as componentesconstatveis como dadas.

    A forma de utilizao da categoria da causalidade pelas disci-plinas individuais sempre diferente; e em certo sentido h quereconhecer altera-se assim tambm o contedo da prpria catego-ria, de tal modo que, quando a aplicao do princpio causal se levaa srio at s ltimas consequncias, perde o seu sentido ora esta ora

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    aquela das suas componentes16. O seu sentido mais pleno e, comoquem diz, mais primitivo, contm dois elementos: por um lado, aideia de actuao como vnculo, por assim dizer, dinmico entrefenmenos entre si qualitativamente diversos; por outro, a ideia desubordinao a regras. A actuao, enquanto contedo objectivoda categoria causal, e juntamente com o conceito de causa, perde oseu sentido e esbate-se em toda a parte onde, no curso da abstracoquantificadora, se obtm a equao matemtica como expresso dasrelaes causais puramente espaciais. Se, aqui, se h-de ainda reterum significado da categoria de causalidade, s poder ser, ento, ode uma regra da sequncia temporal dos movimentos, e tal s naacepo de que ela persiste como expresso da metamorfose de algoque, quanto sua essncia, eternamente idntico. Ao invs, a ideiade regra ausenta-se da categoria causal, logo que se reflectir sobrea absoluta unicidade qualitativa do processo csmico, que se desen-rola no tempo, e sobre a singularidade qualitativa tambm de cadasegmento espaciotemporal. Em seguida, sob a perspectiva de um de-senvolvimento absolutamente nico do cosmos, no seu todo ou nassuas partes, o conceito de regra causal perde igualmente o seu senti-

    16 Sobre estes problemas ver O. Ritschl, Die Kausalbetrachtung in den Gei-steswissenschaften [A reflexo causal nas cincias do esprito], Bonner Universi-ttsprogramm de 1901. No se pode, porm, concordar com Ritschl quando, naesteira de Mnsterberg em Grundzge der Psychologie [Rasgos fundamenais dapsicologia], depara com os limites da considerao cientfica e, sobretudo, da apli-cabilidade da noo de causalidade onde se visa a revivncia por compreensodeum processo. Correcto apenas que nenhum tipo de considerao causal equivalejamais vivncia. No possvel indagar aqui o significado que tal circunstn-cia poderia obter para as asseres metafsicas. De qualquer modo, a equivalnciainexistente verifica-se tambm em toda a compreenso articulada de concaten-aes motivacionais, e no h razo alguma para que os princpios da consideraocausal emprica se devam deter perante os limites da motivao compreensvel.A imputao dos processos compreensveis realiza-se segundo princpios fun-damentais logicamente idnticos aos da imputao dos acontecimentos naturais.No princpio de causalidade, no solo do emprico, h apenas uma barreira: estasurge quando a equao causal deixa de ser o fim, possvel ou ideal, do trabalhocientfico.

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    do, tal como acontece, na equao causal, ao conceito de actuaocausal; e, se quisermos reter um sentido da categoria de causalidadepara a infinidade do acontecer concreto, inabarcvel para qualquerconhecimento, ento s nos resta a ideia de algo provocado, naacepo de que aquilo que totalmente novo, em cada diferentemomento temporal, deveria brotar do passado assim, e no deoutro modo; mas, no fundo, isto significa apenas referir o facto deque ele surgiu assim, e no de outro modo, no seu agora, emabsoluta singularidade e, no entanto, num contnuo do acontecer.

    As disciplinas empricas, que trabalham com a categoria da cau-salidade e elaboram as qualidades da realidade, e nas quais se inte-gram a histria e ainda todas as cincias da cultura, utilizam, quasesempre, esta categoria em toda a sua extenso: encaram os estadose as mudanas da realidade como actuados e actuantes, e pro-curam, em parte, mediante a abstraco, a partir dos contextos con-cretos, descobrir regras de causao e, em parte, explicar co-nexes causais concretas pela referncia a regras. Mas que papelali desempenhar a formulao de regras e que forma lgica elasassumiro, se em geral ter lugar uma formulao de regras, umproblema da meta cognitiva especfica. A sua formulao em formade juzos de necessidade causais, porm, no a sua meta exclusiva;a impossibilidade da forma apodctica de nenhum modo se limita scincias do esprito. Sobretudo na histria, a forma da explicaocausal provm, ademais, do seu postulado da interpretao medi-ante a compreenso. Sem dvida, ela quer e deve trabalhar tambmcom conceitos de suficiente preciso, e aspira ao mximo possvelde claridade na imputao causal, de acordo com a situao do ma-terial das fontes. Mas a interpretao do historiador no se dirige nossa capacidade de ordenar os factos enquanto exemplares emconceitos genricos e em frmulas gerais, mas nossa familiaridadecom a tarefa, que todos os dias se nos apresenta, de compreender aaco humana individual nos seus motivos. Em seguida, as interpre-taes hipotticas, que a nossa compreenso emptica nos mini-

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    stra, so, decerto, por ns verificadas com a ajuda da experincia.Vimos, porm, no exemplo da queda do rochedo, que a obteno dosjuzos de necessidade, como meta exclusiva da imputao causal deuma multiplicidade individual de dados, s realizvel em elementosparciais, resultantes da abstraco. Assim tambm na histria: ela spode estabelecer que houve uma conexo causal de determinadotipo e torn-la compreensvel pela referncia a regras do aconte-cer. Por isso, a necessidade estrita do acontecer concreto continuaa ser, para a histria, no s um postulado ideal, mas um postuladoque reside na infinidade; ento, no se deve, por outro lado, derivarda irracionalidade, inclusive de cada acontecer individual, enquantoparte do cosmos, nenhum conceito de uma liberdade indetermini-sta, especfico e relevante para a investigao histrica. Em especiala liberdade da vontade , para ela, algo de transcendente, e at deabsurdo, quando concebido como fundamento do seu trabalho. Emtermos negativos, a situao esta: para a histria, ambas as ideiasse encontram para l de toda a experincia que ela possa verificar; es duas no permitido influenciar, de modo efectivo, o seu trabalhoprtico.

    Por isso, quando, nas discusses metodolgicas, se depara, e noraro, com a assero de que tambm o homem, no seu agir, est(objectivamente) sujeito a um nexo causal (logo, legal)17 semp-re idntico, trata-se de uma protestatio fidei [declarao de f], semligao com o mbito da prtica cientfica e no inocuamente for-mulada, em prol do determinismo metafsico, da qual o historiadorno pode tirar quaisquer consequncias para o seu exerccio prtico.Ao invs, pelo mesmo motivo, a rejeio da f metafsica no de-terminismo seja qual for o sentido em que ela se expresse porparte de um historiador, porventura por razes religiosas ou outrassituadas para l da experincia, em princpio ou empiricamente detodo irrelevante, porquanto o historiador, na sua prtica, se atm ao

    17 Assim, por exemplo, tambm em Schmoller na sua recenso a Knies, antescitada.

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    princpio da interpretao da aco humana, a partir de motivos in-teligveis, em princpio e, sem excepo, sujeitos verificao pelaexperincia. Mas a f em que os postulados deterministas possam,em qualquer rea do saber, conter o postulado metodolgico da ex-posio de conceitos genricos e de leis como fito exclusivo no um erro maior18 do que a correspondente suposio em sentido in-verso: que qualquer f metafsica na liberdade da vontade excluia aplicao de conceitos genricos e de regras ao comportamentohumano, ou que a liberdade da vontade do homem est associada auma especfica incalculabilidade ou, em geral, a qualquer espciede irracionalidade objectiva do agir humano. Como vimos, o queacontece justamente o contrrio.

    18 Com efeito, se o material de um contexto histrico concreto consistisseapenas em processos condicionados pela histeria, hipnose ou parania que enca-ramos como natureza, porque no interpretveis , ento, permaneceria idnticoo princpio da construo conceptual histrica: em seguida, tambm s o signifi-cado estabelecido pela relao axiolgica, e adscrito a uma constelao individu-al dos processos religados ao ambiente igualmente individual, seria o ponto departida da elaborao cientfica, ao passo que o conhecimento das conexes indivi-duais seria o fim, e a imputao causal individual o meio. Tambm Taine, que, porvezes, faz concesses a tais argumentos, persiste assim como historiador.

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