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INTERFACE PESQUISA E EXTENSÃO RURAL PARA DIFUSÃO DE PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE MANEJO DO SOLO Eng o Agr o Edemar Valdir Streck Assistente Técnico Estadual de Manejo de Recursos Naturais EMATER/RS Introdução Desde que iniciou-se a derrubada das matas e as viradas dos campos nativos para os cultivos, preocupações começaram a ocorrer quanto às perdas de solo por erosão. Nos últimos 60 anos a Emater/RS – ASCAR, desde a sua fundação sempre desenvolveu projetos e ações e participou dos programas de uso e manejo e conservação dos solos, de forma integrada com as entidades de pesquisa, ensino, empresas públicas e privadas, tendo como objetivo em transferir e difundir a tecnologia aos agricultores para manter nossos solos produtivos. No primeiro planejamento do Programa Cooperativo da Extensão Rural (ASCAR, 1956) consta que não seria concebível a existência de um plano de soerguimento da agricultura nacional, orientado na elevação do índice da produtividade agrícola, em que não constasse uma ação especial que colocasse em destaque a recuperação da fertilidade do solo, bastante empobrecida, já naquela época, por uma exploração predatória, completamente divorciada do interesse e do bem estar coletivo, permitindo que a erosão completasse a obra destruidora do homem e transformasse áreas férteis em desertos irrecuperáveis. Naquele período o potencial produtivo dos campos (Latossolos), recobertos pela barba de bode, era totalmente desconhecido. Por isso, ocorria a exploração das áreas férteis cobertas por matas e havia a preocupação quanto à exploração irracional das riquezas naturais, permitindo que o machado campeasse livremente, destruindo o pouco que ainda restava das matas e não satisfazia às exigências mínimas da civilização, quando deveriam ao contrário, serem conservadas. Já naquela época existia uma preocupação sobre a má condução das práticas de uso, manejo e conservação do solo, como exemplo as arações, as aberturas de sulcos, os plantios e as capinas eram realizadas acompanhando o declive. E a monocultura era executada com a queima dos restos culturais que favoreciam a erosão do terreno. Diante desta realidade no ano de 1956, pergunta-se, porque o produtor realizava o cultivo no sentido do declive? Para facilitar as operações e seu trabalho? Facilitar o escoamento das águas? Mas enfim, o que mudou atualmente de lá para cá? Pelo que vemos, mudou o sistema de semeadura, que saiu do plantio convencional para o plantio direto, graças ao desenvolvimento de máquinas que permitem realizar a semeadura na palha. Mas no restante continuamos semeando, plantando e abrindo sulcos, porém de menor tamanho, da mesma forma como em 1956. Pergunta-se ainda, será que obtivemos um retrocesso na adoção das práticas conservacionistas, principalmente em relação à semeadura no sentido transversal ao declive? De modo geral, todos os programas de conservação de solos desenvolvidos até o presente momento trouxeram resultados positivos, principalmente, em relação ao aumento da produtividade e a redução das perdas de solo por erosão. A elevação da produtividade, também, deve-se a outros fatores como no aumento dos níveis de adubação e do melhoramento genético das culturas. É sem dúvida que a semeadura direta, permite manter o solo coberto pelos resíduos culturais e é o principal fator na dissipação da energia da chuva para reduzir as perdas por erosão. Mas atualmente, desenvolve-se uma agricultura contraditória aos princípios conservacionistas, em que predomina a monocultura, ausência de rotação de culturas e práticas mecânicas de

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INTERFACE PESQUISA E EXTENSÃO RURAL PARA DIFUSÃO DE PRÁTICASSUSTENTÁVEIS DE MANEJO DO SOLO

Engo Agro Edemar Valdir StreckAssistente Técnico Estadual de Manejo de Recursos Naturais

EMATER/RS

Introdução

Desde que iniciou-se a derrubada das matas e as viradas dos campos nativospara os cultivos, preocupações começaram a ocorrer quanto às perdas de solo porerosão. Nos últimos 60 anos a Emater/RS – ASCAR, desde a sua fundação sempredesenvolveu projetos e ações e participou dos programas de uso e manejo e conservaçãodos solos, de forma integrada com as entidades de pesquisa, ensino, empresas públicase privadas, tendo como objetivo em transferir e difundir a tecnologia aos agricultores paramanter nossos solos produtivos. No primeiro planejamento do Programa Cooperativo daExtensão Rural (ASCAR, 1956) consta que não seria concebível a existência de um planode soerguimento da agricultura nacional, orientado na elevação do índice daprodutividade agrícola, em que não constasse uma ação especial que colocasse emdestaque a recuperação da fertilidade do solo, bastante empobrecida, já naquela época,por uma exploração predatória, completamente divorciada do interesse e do bem estarcoletivo, permitindo que a erosão completasse a obra destruidora do homem etransformasse áreas férteis em desertos irrecuperáveis. Naquele período o potencialprodutivo dos campos (Latossolos), recobertos pela barba de bode, era totalmentedesconhecido. Por isso, ocorria a exploração das áreas férteis cobertas por matas e haviaa preocupação quanto à exploração irracional das riquezas naturais, permitindo que omachado campeasse livremente, destruindo o pouco que ainda restava das matas e nãosatisfazia às exigências mínimas da civilização, quando deveriam ao contrário, seremconservadas. Já naquela época existia uma preocupação sobre a má condução daspráticas de uso, manejo e conservação do solo, como exemplo as arações, as aberturasde sulcos, os plantios e as capinas eram realizadas acompanhando o declive. E amonocultura era executada com a queima dos restos culturais que favoreciam a erosãodo terreno. Diante desta realidade no ano de 1956, pergunta-se, porque o produtorrealizava o cultivo no sentido do declive? Para facilitar as operações e seu trabalho?Facilitar o escoamento das águas? Mas enfim, o que mudou atualmente de lá para cá?Pelo que vemos, mudou o sistema de semeadura, que saiu do plantio convencional parao plantio direto, graças ao desenvolvimento de máquinas que permitem realizar asemeadura na palha. Mas no restante continuamos semeando, plantando e abrindosulcos, porém de menor tamanho, da mesma forma como em 1956. Pergunta-se ainda,será que obtivemos um retrocesso na adoção das práticas conservacionistas,principalmente em relação à semeadura no sentido transversal ao declive?

De modo geral, todos os programas de conservação de solos desenvolvidos até opresente momento trouxeram resultados positivos, principalmente, em relação aoaumento da produtividade e a redução das perdas de solo por erosão. A elevação daprodutividade, também, deve-se a outros fatores como no aumento dos níveis deadubação e do melhoramento genético das culturas. É sem dúvida que a semeaduradireta, permite manter o solo coberto pelos resíduos culturais e é o principal fator nadissipação da energia da chuva para reduzir as perdas por erosão. Mas atualmente,desenvolve-se uma agricultura contraditória aos princípios conservacionistas, em quepredomina a monocultura, ausência de rotação de culturas e práticas mecânicas de

controle de erosão e semeadura no sentido do declive, resultando em baixa cobertura,estrutura de solo de baixa qualidade e perdas de muita água e nutrientes por erosão.

Pode-se dizer que nos últimos anos obteve-se uma evolução na conservação dosolo, graças às pesquisas e aos programas e as ações desenvolvidas pelas entidadespublicas e privadas e pelos agricultores. Cada programa tinha seus objetivos e metas aserem alcançadas. Por isso, é importante trazer ao conhecimento, de forma resumida, osprogramas de uso, manejo e conservação realizados do Rio Grande do Sul, bem comodos seus objetivos e benefícios e fazer uma análise crítica da situação atual que seencontram nossos solos, sob ponto de vista de uso, manejo e conservação.

A contribuição dos programas de uso, manejo e conservação do solo

Na década de 50 até o início dos anos 70, grande parte dos solos da região doPlanalto era improdutiva, solos ácidos e de baixa fertilidade. Para dar um crescimentovertical na agricultura e na pecuária do Rio Grande do Sul foi desenvolvido, neste período,um Plano Estadual de Melhoramento do Solo. O projeto teve a integração do Ministério daAgricultura, Secretaria da agricultura, Faculdade de Agronomia e Veterinária da UFRGS,ASCAR, Banco do Brasil e prefeituras municipais que tinha como objetivo principalrealizar investimentos na correção e melhoramento da fertilidade (Mielniczuck et al.,2003). Neste período houve expansão da monocultura trigo/soja, com preparo no sistemaconvencional, com grande mobilização do solo, queima dos resíduos, resultando nadegradação da estrutura, compactação abaixo da camada arável e grandes perdas desolo por erosão.

Segundo Olinger (2006), as primeiras atividades em conservação do solobaseavam-se nos métodos clássicos disseminados pelas escolas de ciências agrárias emque a ênfase recaía sobre a construção de terraços, cordões em contorno, canaisescoadouros e métodos vegetativos. Talvez, foi por isso que a semeadura e os tratosculturais se tornavam obrigatórios a realizar no sentido transversal ao declive. Nesteperíodo, também não existiam semeadoras que permitissem realizar a semeadura compalha, resultando na queima dos resíduos culturais, num solo descoberto no momento doplantio e com um processo de erosão intenso quando ocorriam chuvas intensas,resultando na formação de sulcos e ravinas durante o preparo e/ou após semeadura,necessitando muitas vezes do replantio e vindo causar prejuízos aos agricultores.

Devido a gravidade da ocorrência de erosão na região do Planalto, no final dadécada de 70 e início da década de 80, houve uma mobilização das instituições à nívelestadual e nacional, no sentido de desenvolver ações para reduzir as perdas de solo porerosão, criando-se o Programa Integrado de Conservação do Solo (PIUCS) evolvendo asinstituições publicas, universidades, assistência técnica e extensão rural, cooperativas eos agentes financeiros no sentido de que as ações de manejo e conservação do solo nãoficassem somente restritas ao terraceamento (Mielniczuck et al., 2003). Subsoladoresforam fabricados para descompactação e redução do preparo do solo. Semeadoras forammelhoradas para permitir plantio com resíduos culturais semi ou totalmente incorporadosao solo. Adaptações em semeadoras, também, foram realizadas para permitir a realizaçãodo plantio direto. Grupos de produtores (clubes amigos da terra) importaram algumassemeadoras para realização do plantio direto, sendo que não prosperaram por seremmuito caras, não foram fabricadas para as nossas condições de solo e clima e exigiamtratores de grande potência para a tração. Também, a implantação do sistema de plantiodireto (SPD) não evoluiu naquele período porque era de custo muito elevado e asempresas fabricantes de semeadoras não tinham a tecnologia capaz de produzir

equipamento eficiente e de pequeno porte para a realização do plantio direto. Mesmoassim, o programa trouxe benefícios como a eliminação da queima da palha, redução nopreparo e redução parcial da erosão. Por outro lado, os solos estavam desestruturadospor cultivos anteriores e o processo de erosão continuava, porém com menor intensidadedo que em anos anteriores. Além disso, havia o problema da conservação das estradas,que eram utilizadas como canais para escoamento da água das lavouras, gerandoproblema na sua conservação para as prefeituras municipais. Em razão disso, a extensãorural no Rio Grande do Sul e em outros estados, juntamente com o setor público estadual,desenvolveu o Programa Integrado de Manejo e Conservação do Solo e da Água, emdefesa ao meio ambiente, com ênfase na conservação do solo e da água, utilizando amicrobacia hidrográfica como unidade de planejamento (EMATER/RS, 1994).

O Programa Integrado de Manejo e Conservação do Solo e da Água, tinha clarasdefinições de objetivos, estratégias de ação, metodologias, tecnologias e metas. Oobjetivo principal era desenvolver um conjunto de práticas conservacionistas, abrangendoa correção do solo, terraceamento em nível, uso de plantas recuperadoras, plantio direto,contenção das enxurradas das lavouras e estradas, reflorestamento e manejo dosdejetos, visando à redução da erosão hídrica e a melhoria da qualidade da água dosmananciais hídricos. Devido à importância do trabalho, na década de 80, criou-se oPrograma Nacional de Bacias Hidrográficas. O Programa previa a instalação de umamicrobacia-piloto em cada estado da federação (Wildner & Freitas, 1999). O programaproporcionava pequenos incentivos financeiros para implantação de algumas práticas deconservação do solo e compra de equipamentos comunitários, mas que fracassou porfalta de recursos. Devido às dificuldades na obtenção de recursos, foram criadosProgramas Estaduais de Bacias Hidrográficas em vários estados, especificamente no RioGrande do Sul pode ser citado o Pró-Guaíba (1994 - 2005), que obteve recursos do bancomundial (EMATER/RS, 1994). As principais linhas de ação eram para aumentar acobertura do solo, controlar o escoamento superficial, usar o solo de acordo com suaaptidão agrícola, recuperar fontes de água, incentivar agricultura ecológica, proteger omeio ambiente e aumentar a produtividade agrícola. O programa teve incentivos comfinanciamentos para fechamento de voçorocas, construção de cordões de pedra ecordões vegetados, melhorias das estradas, construção de terraços e murunduns emnível para captação de água das estradas, aquisição de máquinas e equipamentos. Asações para o controle das enxurradas resultavam numa intensa mobilização do solo e decusto elevado. E o espaçamento entre os terraços foram dimensionados para o sistemade preparo convencional, pois na época, era o sistema predominante.

Neste mesmo período teve início de uma mobilização dos Clubes Amigos daTerra, formado por agricultores e empresas comerciais, que tinham como objetivoexpandir o plantio direto, como sendo uma alternativa para o controle da erosão. OsCubes Amigo da Terra foram fundados a partir de 1982, tendo crescimento a partir de1992, espalhando-se por todo estado com apoio da Fundacep e ICI, patrocinando todasas ações iniciais, com objetivo de realizar trocas de experiência entre produtores e“conscientizar sobre a importância ambiental” (Clubes Amigos da Terra, 1994). Aparticipação das empresas privadas, já naquela época, resumia-se em vendas deinsumos agrícolas e, até o presente momento, não desenvolveram métodos alternativospara substituição dos herbicidas para o controle de invasoras. Além das questões docontrole das invasoras, as semeadoras eram ineficientes para realização da semeaduradireta. Adaptações eram realizadas e a técnica de semeadura era muito desconhecida.Para tanto, encontros foram realizados no Estado do Rio Grande do Sul, iniciando-se peloEstado do Paraná e posteriormente espalhando-se pelo território nacional, envolvendotécnicos da pesquisa, cooperativas e extensão. Segundo os idealizadores dos clubes

amigos da terra entendiam que os resultados das adaptações e “de pesquisa” poderiamser demonstrados diretamente nas propriedades e difundidos nos encontros regionais,estaduais e nacionais (Trecenti, 2003). E foi num desses encontros que Martin (1985), porobservações empíricas, disseminou a percepção de que o SPD constituía práticaconservacionista suficiente para controlar integralmente as enxurradas e a erosão hídrica.Além disso, as manobras das máquinas entre os terraços causariam compactação do solopelo tráfego das máquinas e maior gasto com insumos de agrícolas. Em decorrênciadisto, o terraceamento passou a ser considerado desnecessário e indiscriminadamentedesfeito pelos agricultores e inclusive obtendo-se auxílio das máquinas das prefeiturasmunicipais para desmanche dos terraços e nivelamento do terreno (Figura 1). Estes fatoslevaram ao abandono total da semeadura em contorno e à adoção da semeadura paralelaao maior comprimento da gleba, independente do sentido do declive (Denardin, et. al.,2008). Estes princípios, conflitaram com os objetivos propostos pelo Programa de Micro-bacias da década de 90, principalmente com relação ao controle das enxurradas.

Em 1992 foi criado o projeto METAS, pela EMBRAPA-CNPT, envolvendo técnicosda extensão, cooperativas e de empresas privadas, que teve como objetivo difundir oSPD no planalto do Rio Grande do Sul e remover todos os entraves relacionados àmecanização e ao controle de ervas daninhas (Denardin, 1997). A partir daí teve-se umaevolução do SPD no Rio Grande do Sul, porém disseminando-se um sistema demonocultura e sem contenção de enxurradas, desfazendo-se os princípiosconservacionistas propostos pelos Programas de Bacias Hidrográficas, com umcrescimento acelerado na retirada parcial ou integral dos terraços das lavouras, supondoempiricamente que o problema da erosão estaria solucionado pelo plantio direto(Caviglione et.al., 2010). Além disso, veio a resultar num crescimento desregrado no usode dessecantes, aplicados superficialmente ao solo e sem contenção das enxurradas,permitindo que eles sejam facilmente transportados pela água da chuva até osmananciais hídricos e poluindo o meio ambiente.

Figura 1. Operação desmanche dos terraços e semeadura no sentido do declive

A situação atual da conservação do solo no Rio Grande do Sul

Todos os programas de uso, manejo e conservação do solo desenvolvidos noEstado do Rio Grande do Sul, assim como em outros estados, trouxeram benefícios paraa conservação dos recursos naturais. Olinger ( 2006) tem comentado que os resultadosque se tem colhido não são aqueles esperados pelos programas de desenvolvimento epor toda a sociedade. A forte razão é que os agricultores tendem a adotar práticas quelhes diminua o esforço físico e trabalho e torne a vida menos dura, embora às vezes, tais

práticas concorram para a produção de grandes danos à natureza, naturalmenteindesejáveis pelos cientistas, pelos técnicos e por toda a sociedade. Exemplo disso é oabandono da manutenção e construção de terraços, construção de cordões de pedra evegetados, cultivo em contorno, uso de máquinas inapropriadas, uso desregrado deagrotóxicos e fertilizantes químicos, devastação florestal das nascentes e outrasatividades ecologicamente erradas.

Atualmente estima-se que apenas 3% da área cultivada no Rio Grande do Sulpossui terraços. A sua retirada, talvez tenha sido muito mais pela facilidade ao trabalho doque por outros motivos. Empiricamente, os agricultores observavam que a erosão noplantio direto era muito menor do que no sistema convencional, mesmo sem rotação deculturas e baixa cobertura do solo. Tal observação tem induzido, erroneamente, osprodutores a eliminarem os terraços das áreas de cultivo e outras práticasconservacionistas de suporte, como a semeadura em contorno (Cogo et al., 2007;Denardin et al., 2008). Além dos terraços, taipas de pedra foram desmanchadas e aspedras expostas sobre a superfície do solo foram e continuam sendo enterradas paratornar as áreas mecanizáveis, principalmente para expandir a cultura da soja no RioGrande do Sul, desrespeitando-se sua aptidão agrícola (Figura 2). Estes solos,normalmente, são rasos, com baixa capacidade de armazenamento de água, chegando adéficits hídricos em períodos curtos de estiagem, causando morte das plantas eresultando em produtividades muito inferiores em relação aos solos mais profundos esem pedras.

Figura 2. Neossolos Litólicos e Regilíticos, inaptos a culturas anuais, utilizados com soja emilho.

Atualmente pode-se afimar que os problemas de conservação de solo estãolocalizados em três regiões distintas no Estado, (Figura 3). A região 1, onde predominamos Latossolos com relevo suave ondulado a ondulado, possui um sistema razoável deconservação do solo e com boa cobertura de solo. Mesmo assim, pode-se encontraráreas com manejo inadequado e com baixa cobertura vegetal e com erosão. Nestaregião, os agricultores entendem que praticam um “sistema de plantio direto” e que nãotem problemas de erosão. Porém, o que predomina é um sistema sem práticasconservacionistas complementares e com cultivos no sentido do declive, em que a linhade semeadura serve de canal para escoamento superficial da água da chuva, podendocarrear o solo mobilizado, as sementes e os fertilizantes aos mananciais hídricos. Osistema de plantio direto, para ser um verdadeiro sistema, deve integrar todas as práticas

Figura 3. Regiões do Rio Grande do Sul mais problemáticas de conservação do solo.

preconizadas pela agricultura conservacionista. E este “sistema de plantio direto”,preconizado pelos agricultores, está sendo extrapolado para as demais regiões doEstado, independente do tipo de solo e condições de relevo, como na região 2 e 4, ondeocorrem os Latossolos e Argissolos associados aos Cambissolos e NeossolosRegolíticos, em que predomina relevo ondulado a forte ondulado e solos rasos, sujeitos aerosão mais severa do que nos solos mais profundos com relevo suave ondulado aondulado, (Figura 4) . É nestes locais que os probleas de conservação de solo são maispreocupantes e há necessidade de intervenção.

Figura 4 Ilustação de Neossolos Regolíticos relevo ondulado a forte ondulado utilizadoscom culturas anuais (a) e integração lavourapecuária sobre solos arenosos (b).

Da mesma forma, os problemas de conservação de solo ocorrem na região 3, nosistema integração lavoura/pecuária e com pastejos intensivos, resultando no final baixacobertura do solos por resíduos culturais (Figura 5). Nesta região, também está ocorrendoexpansão da cultura da soja sobre os solos arenosos, (Argissolos), que possuem menos

de 15% de argila desde a superfície até 1,50 m ou mais em profundidade e tem baixacapacidade de retenção de água. Por esta razão,estes tipos solos estão fora do zoneamentoagrícola para cultivo da soja (MAPA, 2014).Mesmo assim, os agricultores vem cultivandoestes solos e desrespeitando o zoneamentoagrícola. Talvez estes solos possam sercultivados sob um sistema conservacionista maisintensivo e diferenciado das demais regiões,dando ênfase maior a cobertura do solo sempastejo no inverno, objetivando a produção demassa residual para implantação das culturas deverão e evitar perdas de água por evaporação,matéria orgânica, degradação do solo e riscos deperdas da produção por déficits hídricos. O SPD,quando bem conduzido com rotação de culturase boa produção de palha reduz as perdas de solo

e água em 84 % e 58,7%, respectivamente (Bertol et al., 2007). E ainda é mais eficiente,na redução de perdas de água e solo, quando a semeadura for realizada em contorno.Pois, resultados de pesquisa mais recentes mostram que a semeadura em contorno noSPD reduz em 74% e 26% nas perdas de solo e água em relação à semeadura nosentido do declive (Cogo et al., 2007). Assim, Caviglione, et al. (2010) explicam de que háuma certa percepção equivocada dos produtores e da assistência técnica de que aremoção de terraços no SPD não compromete a erosão. Os pesquisadoresdemonstraram nos seus estudos de simulação de perdas de solo, numa bacia hidrográficado estado do Paraná, que a retirada de um para cada dois terraços ou na sua íntegra noSPD comprometeu o sistema, obtendo perdas de solo acima de 26 ton/ha.ano, emeventos de chuvas de alta intensidade. A partir deste estudo, recomendam que osterraços devem ser mantidos no SPD. É neste sentido que Denardin, et al. (2008) alertamque o transporte das partículas de solo, dos corretivos, dos fertilizantes, dos agrotóxicos,do material orgânico e da água ocorre para fora da lavoura quando não tiver uma barreirafísica capaz de conter as enxurradas, podendo ocasionar poluição dos mananciais desuperfície, redução do volume de água no solo, redução do tempo de concentração debacias hidrográficas e redução de recargas de aqüíferos subterrâneos. Além disso, abaixa produção de resíduos culturais, aliada a semeadura no sentido do declive, facilita otransporte do solo mobilizado pelas hastes sulcadoras das semeadoras, dos fertilizantesaplicados na linha de semeadura e dos resíduos culturais depositados entre as linhas,acentuando ainda mais estas perdas. Além de termos no Rio Grande do Sul, um sistemade plantio direto mal conduzido, grande parte dos solos cultivados está adensada,principalmente, devido a baixa produção de resíduos culturais, causando degradação daestrutura, redução na infiltração de água no solo. A degradação da estrutura dos nossossolos sob plantio direto é devido a predominância da monocultura, com sucessões decultivos de soja/trigo, soja/aveia, soja/pousio (aveia ou azevém nativo) resultando numabaixa produção de resíduos culturais. A semeadura das culturas é realizada no sentido dodeclive e com grande mobilização de solo, deixando-o exposto aos processos de erosão(Figura 5). Aliado a baixa cobertura superficial por resíduos culturais, a aplicação doscorretivos e fertilizantes é realizada em superfície. Sob ponto de vista ambiental, aaplicação dos insumos na superfície não é sustentável, pois os corretivos sempre ficamexpostos aos agentes de erosão e estão prontamente disponíveis para o transporte pelaágua da chuva até os mananciais hídricos de superfície, causando a contaminação e o

Figra 5. Os efeitos da semeadura no sentido do declive.

desenvolvimento do processo de eutrofização das águas. De uma maneira geral, o plantiodireto contribuiu muito para redução das perdas de solo por erosão, mas por outro lado acapacidade de infiltração de água foi reduzida, perdendo-se muita água por escorrimentosuperficial por problemas de compactação e não ser adotado um sistemaconservacionista de solo pela maioria dos agricultores. O sistema conservacionistacontempla o uso de práticas conservacionistas complementares e aptidão agrícola dasterras. A aptidão agrícola e as práticas conservacionistas complementares estão cada vezmais sendo rejeitadas pelos agricultores. Pois, há a ganância em expandir o cultivo dasoja, devido seu alto valor comercial no momento e a modernização das máquinas estásendo no seu tamanho, ficando incapazes e ineficientes de operar em terrenos onduladose em áreas terraceadas. Esta talvez seja uma maior razões dos agricultores nãoadotarem as práticas complementares. Além disso, há interferências na transferência detecnologia entre diversos setores ligados do agronegócio, como vamos mencionar no itema seguir.

Os desafios futuros

Na década de 70, a transferência de tecnologia era entendida como umasucessão articulada dos subprocessos de geração (pesquisa), difusão (extensão) eadoção da informação tecnológica (produtores), conforme representado na figura abixo,principalmente através de uma maior relação de aproximação do pesquisador com oagente de assistência técnica e o agente de assistência técnica com o produtor. Após1990, desestruturou e/ou extinguiu empresas públicas de Assistência Técnica e ExtensãoRural (ATER), diminuindo essa relação. Coincidentemente, neste período também teve oinício a difusão do plantio direto, surgindo no mercado empresas privadas de ATER eONGs e ação de empresas de venda de insumos, máquinas, implementos agrícolas cominteresse comercial, resultando num aumento dos grupos sociais envolvidos nos sistemasde produção agrícola, que estão presentes no momento em todos os setores. Asempresas de insumos, sementes e máquinas aumentaram seus investimentos empesquisa, desenvolveram máquinas de acordo com as recomendações da pesquisa e dointeresse dos agricultores e iniciaram seu processo de desenvolvimento comercial edeassisttência técnica direta aos agricultores. A partir deste momento começam haverdivergências nas recomendações e difusão de tecnologias, principalmente relacionadasàs práticas conservacionistas complementares, como exemplo o terraceamento e asemeadura transversal ao declive, referidas no item anterior. E inicia-se uma divisão deopiniões do trinômio produtor-extensionista-pesquisador, tendo-se a dificuldade em fazercom que os agricultores rurais ponham em prática os resultados das pesquisasagropecuárias, principalmente em relação ao uso, manejo e conservação do solo. Cadaempresa tende difundir seus insumos de produção, tendo indiretamente os interessescomerciais. E muitas vezes estimulam os agricultores a não adotarem um sistema

conservacionista que garanta a utilização do solo para as futuras gerações e desustentabilidade ambiental. Os modelos de agricultura devem imprimir caráter desustentabilidade econômica e ambiental. E para isso, é necessária a adoção na suaíntegra as práticas preconizadas pela agricultura conservacionista, como a utilização dosolo de acordo com a aptidão agrícola das terras, terraceamento, cultivo no sentidotransversal ao declive e rotação de culturas. Conforme ilustrado na figura acima, pode serverificado que há muitos setores envolvidos na transferência de tecnologia aosagricultores e com divergências nas recomendações, deixando os agricultores muitasvezes em dúvida sobre a importância das práticas conservacionistas complementares.Neste sentido, é necessário que sejam nivelados conceitos e princípios da conservaçãodo solo e construída uma organização com as entidades, técnicos do setor público eprivado dos municípios, regiões e Estado, para melhorar a conservação do solo para oRio Grande do Sul. A criação do código Estadual de Uso do Solo e ter-se políticaspúblicas de incentivo à adoção de práticas conservacionistas e desenvolver projetos eprogramas de conservação do solo são sugestões que emergem em encontros econgressos. Porém, quando toca em assumir o compromisso de auxiliar e mobilizar osdiversos segmentos do agronegócio, fica restrito a um número muito pequeno detécnicos, sendo incapazes de mobilizar todos os setores e tendo dificuldade naorganização das entidades e, na maioria das vezes, sem força de ação, gerando desgastefísico dos técnicos preocupados sobre a questão. Além disso, há um despreparo naformação dos técnicos e tendem a ter dificuldades de levar aos debates coletivos, osproblemas atuais da conservação do solo nas comunidades, envolvendo os variadossegmentos do universo social. Pois, se foi o tempo que vigorou a idéia de que os serviçosde Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) deveriam ser os promotores dodesenvolvimento social e pensar que seus profissionais estariam habilitados para levar assoluções aos produtores rurais. Há necessidade se valorizar mais a questão daconservação do solo no ensino, promovendo debates e novas linhas de pesquisa.

Todas as ações referidas são importantes, mas a questão é como e quem iráconstruir as propostas. E aqui vão algumas sugestões e entendo que todas as propostasdevem andar ao mesmo tempo, tanto da lei quanto às políticas públicas de incentivo, etc.Entendo, que Inicialmente temos que ter um Grupo de Trabalho estadual, envolvendorepresentantes de todos os segmentos do agronegócio, com a participação do setorpúblico, através das Secretarias de Estado, as entidades de pesquisa, ensino, extensão,

bancos, cooperativas, representantes dos agricultores (Sindicatos) e indústria demáquinas para estabelecer-se uma estratégia de ação, visando à melhoria daconservação do solo. A capacitação também é uma das ações que deve ser desenvolvida,tanto para agricultores e técnicos das entidades privadas e públicas e, principalmente ostécnicos autônomos credenciados aos bancos que elaboram projetos e prestamassistência técnica aos agricultores. O projeto de lei de uso do solo é de sumaimportância, mas para isso terá que ter uma entidade que lidere o processo de condução.Também deverá ser conduzido um processo constante e continuado de mobilização daslideranças municipais e agricultores nos municípios e regiões, visando sugerir ações epolíticas públicas que possam contribuir na conservação dos recursos naturais e desustentabilidade do meio ambiente.

LITERATURA CITADA

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