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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
- INTERDISCIPLINARIDADE
E
PENSAMENTO COMPLEXO -
ELEMENTOS NORTEADORES DE UM NOVO PARADIGMA PARA O
ENSINO DE LÍNGUAS TÉCNICAS / INSTRUMENTAIS EM CURSOS
(POLI)TÉCNICOS DE NÍVEL SUPERIOR
FERNANDA DE FÁTIMA FERNANDES PEREIRA
ORIENTADOR
PROFESSOR MESTRE ROBSON MATERKO
RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO / 2001
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
- INTERDISCIPLINARIDADE
E
PENSAMENTO COMPLEXO -
ELEMENTOS NORTEADORES DE UM NOVO PARADIGMA PARA O
ENSINO DE LÍNGUAS TÉCNICAS / INSTRUMENTAIS EM CURSOS
(POLI)TÉCNICOS DE NÍVEL SUPERIOR
FERNANDA DE FÁTIMA FERNANDES PEREIRA
Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial
para a obtenção do Grau de Especialista
em Docência de Ensino Superior
Rio de Janeiro
Novembro / 2001
“Todo começo é involuntário.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
‘Que farei eu com esta espada?’
Ergueste-a, e fez-se.”
Fernando Pessoa
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter me dado uma vida repleta de pessoas e
coisas que fazem da minha vida algo simplesmente maravilhoso.
São muitas as pessoas a quem devo agradecer, mas dentre elas há um lugar especial para
todos os meus coordenadores e orientadores, colegas professores, com destaque para
meu grande amigo João Marcos Brito Martins, além de todos os meus (ex)-alunos do
Instituto Politécnico da Universidade Estácio de Sá.
O carinho constante de todas essas pessoas, a atenção e a confiança em mim depositadas
foram essenciais para que eu resolvesse escrever algo sobre a nossa sempre fascinante
prática pedagógica.
Ofereço este trabalho de pesquisa a meus pais, Teofilo e Claudina,
e a meu grande amigo e irmão Eduardo Manoel, pessoas que estão sempre por perto
nas horas difíceis.
“Na construção da realidade, o “todo” é muito mais do que a soma das partes; para
interpretar uma esfera da realidade, se legitimam algumas formas de saber, alguns
conhecimentos, alguns indivíduos, enquanto se excluem outros; e que, se pretendemos
compreender um fenômeno, não podemos fazer isto a partir de uma só disciplina ou de
um único ponto de vista. A realidade “é” e se constitui em relação ao sistema desde o
qual se define, e a visão que oferecem os diferentes sistemas ou saberes organizados,
denominados desde o século XVII no Ocidente como disciplinas, não é homogênea e
única ao longo do tempo, e sim, está repleta de contradições, rupturas e múltiplas (e
constantes) revisões.”
(Fernando Hernández – escritor e educador espanhol)
“Numa obra, num objeto, num indivíduo, num fragmento, numa insignificância,
devemos encontrar o todo. É preciso compreender a totalidade que se manifesta na
singularidade, que se revela no miúdo, no estilhaço, no mosaico. O objeto deve ser
capaz de assegurar que o todo seja visto, compreendido e capturado na ínfima parte.”
(Walter Benjamin – crítico literário, estudioso da estética e filósofo)
“Cada verdade tem quatro cantos. Como professor, forneço um. Você deve descobrir os
outros três.”
(Confúcio – 551 – 479 a.C. – filósofo chinês)
“Estamos ajudando nossos alunos a globalizar, a estabelecer relações entre as
diferentes matérias, a partir do que fazemos em sala de aula?”
(Hernández, 1998 : 18)
SUMÁRIO
RESUMO 10
INTRODUÇÃO 12
1.Primeiras considerações e indagações 16
1.1. Por que um novo paradigma educacional? 23
1.2. Nosso espaço pesquisado 28
1.3. Como é o aluno de cursos técnicos? Para que ele precisa estudar
línguas técnicas / instrumentais? 29
1.4. Como é (ou deve ser) o professor de língua técnica / instrumental que
utiliza a prática inter / transdisciplinar? 31
2. O que vem a ser a visão holística? 33
3. O que é interdisciplinaridade? 35
3.1. Um breve histórico sobre interdisciplinaridade 38
3.2. Por que se ouve falar tanto em interdisciplinaridade na atualidade? 44
3.3. Quais os tipos existentes de interdisciplinaridade? 47
4. O que vem a ser pensamento complexo e qual a sua relação com a
prática interdisciplinar? Por que relacionar complexidade e abordagem
interdisciplinar? 50
5. Especialização – vantagens e desvantagens 55
6. O que é transdisciplinaridade? 56
7. Por que utilizar transdisciplinaridade e interdisciplinaridade em cursos
técnicos? 58
8. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a interdisciplinaridade 59
9. Contextualização e serendipidade 61
10. A importância da observação do cotidiano do aluno e do professor para
uma adequação de material e currículo escolar 62
11. A ética a ser mantida quando da utilização de práticas interdisciplinares
e transdisciplinares 64
12. O ensino de língua inglesa técnica / instrumental como facilitador da
prática interdisciplinar em cursos técnicos 66
13. O ensino humanizado de língua técnica / instrumental 68
14. A interdisciplinaridade como elemento propulsor de uma escola
reflexiva 69
15. Exemplos de constatação prática da utilização da abordagem
interdisciplinar em cursos técnicos e politécnicos 72
16. Posicionamento atual em relação à interdisciplinaridade 74
CONCLUSÃO 75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 80
RESUMO
Assim como uma música é formada por uma seqüência de diferentes notas
musicais que são dispostas conjuntamente, adquirindo desta forma um ritmo harmonioso e
melódico, a formação integral do aluno, defendida pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), deve levar em consideração o diálogo harmonioso,
cooperativo, solidário e ético que deve existir entre os diversos saberes que integram as
diferentes disciplinas de uma determinada grade ou currículo escolar.
Seguindo essa linha de raciocínio, podemos afirmar que a atual prática
pedagógica de cursos técnicos de nível seqüencial e superior deve ser, em sua essência,
interdisciplinar, uma vez que visa a formação integral do aluno, aqui considerado
holisticamente, como um ser integrante da sociedade em que vive, e que por essa razão,
não pode ser dissociado de suas experiências anteriores, sua cultura, seus sentimentos, suas
necessidades, seu trabalho, sua família e nem tampouco sua realidade e seu cotidiano.
Além disso, é preciso assumir a complexidade da realidade quando
queremos pensar em projetos educacionais. Neste sentido, Edgar Morin propõe a
elaboração de uma ‘lógica da complexidade”, capaz de captar o papel da desordem, dos
‘ruídos” estranhos, do antagonismo, etc.
“A complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados e, apresenta o paradoxo do uno e do múltiplo. Ao observar mais atentamente, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos que constituem o nosso mundo dos fenômenos.”(Morin, 1994 : 32)
O disposto nos primeiros artigos da LDB mostra esse compromisso em
estabelecer relações entre trabalho, cultura, escola e vida de forma bem clara quando
enuncia a vinculação da educação ao mundo do trabalho e à prática social, visando a
preparação do aluno para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Nesta breve pesquisa mostramos um estudo bastante sucinto a respeito do
surgimento da visão holística e do pensamento complexo aplicados à Educação.
Mostramos também um breve histórico a respeito do conceito interdisciplinar, além das
vantagens auferidas quando da utilização dessa abordagem pedagógica no ensino de
línguas técnicas em cursos seqüenciais de nível superior, além de também mostrar as
dificuldades que são enfrentadas, uma vez que tal abordagem, apesar de muito comentada
atualmente, ainda é pouco conhecida e compreendida por grande parte dos professores e
educadores.
O método adotado neste trabalho baseia-se na investigação, observação
participativa e leitura atentas de literatura especializada já existente sobre o assunto, além
da constatação de fatos e resultados reais que ocorrem em sala de aula, seguindo alguns
princípios de abordagem etnográfica de pesquisa, dados esses verificados em um curso
seqüencial / politécnico de nível superior em uma universidade do Rio de Janeiro, onde
temos a oportunidade de fazer uso da prática da transdisciplinaridade e da
interdisciplinaridade para lecionar as disciplinas de Inglês Técnico / Instrumental e Língua
Portuguesa.
INTRODUÇÃO
A Lei no 9394 de 20 de novembro de 1996, mais conhecida simplesmente
como LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dispõe em seu artigo segundo
a preocupação que a educação tem em promover o “pleno desenvolvimento do aluno,
assim como também prepará-lo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.” Também em seu artigo primeiro, no parágrafo segundo, dispõe ainda que “a
educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.”
Foi com a leitura atenta desses artigos que resolvemos refletir
cuidadosamente sobre a forma que o professor deve adotar, em especial o professor de
línguas técnicas / instrumentais de um curso técnico, para agir em sala de aula.
Há na referida Lei uma preocupação nítida com a formação do aluno
considerado em sua totalidade, sob todos os aspectos sócio-culturais que o envolvem em
seu dia-a-dia, e foi exatamente por essa razão que pudemos observar que a prática
pedagógica tem um compromisso muito grande com o aluno e a sociedade onde ele se acha
inserido, pois não pode se restringir à mera transmissora de conteúdos que possamos
considerar importantes para seu aprendizado. A realidade, o cotidiano, as necessidades, a
cultura que o aluno, e também o professor, trazem em seu repertório, e, principalmente, as
relações que têm de ser tecidas unindo e articulando todos esses aspectos constituem-se em
elementos de suma importância que têm de ser considerados de maneira contínua e
constante pelo professor quando da elaboração de sua prática pedagógica. Deve ele
considerar todo um conjunto de diferentes fatos que integram a complexidade existente em
todos os tipos de relações, o que vem a caracterizar o pensamento complexo estudado por
Edgar Morin, que assim o define:
“É a viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar
a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real; e de saber que
as determinações – cerebral, cultural, social, histórica, - que se
impõem a todo o pensamento co-determinam sempre o objecto de
conhecimento. É isto que eu designo por pensamento
complexo.”(Morin in apud Petraglia, 2001 : 46)
Ë justamente essa visão holística do ser humano, de complexidade,
totalidade e interdisciplinaridade que adotamos neste breve estudo, para mostrar que essa
abordagem ampla e interdisciplinar deve estar presente no ensino, principalmente no que
se refere ao ensino de línguas técnicas / instrumentais em cursos de formação técnica, já
que estas desempenham a função de verdadeiros instrumentos integradores entre diversas
outras disciplinas que estão presentes nas grades curriculares desses cursos.
O ensino de línguas técnicas oferecido em tais cursos não pode mais ser
visto como mera transmissão de estratégias gramaticais e lingüísticas para que o aluno
entenda textos técnicos. Deve haver algo mais, que integre os textos estudados às
realidades, necessidades do aluno e também às outras disciplinas que integram sua grade
curricular para que um melhor desempenho em seu (futuro) trabalho possa ser verificado.
O professor de línguas técnicas tem de estar muito atento a esses fatos, os quais fazem com
que o aprendizado dessas línguas se torne mais motivador e interessante para o aluno.
Mostraremos neste breve estudo sobre o ensino de línguas técnicas, algumas
de nossas experiências com a aplicação de práticas de abordagem interdisciplinar e seus
resultados, os quais consideramos de grande valia para todos os professores de línguas
instrumentais nesses cursos que visam a formação do aluno para sua qualificação
profissional.
Ë de extrema importância que seja feita uma análise bastante cuidadosa a
respeito do preparo, postura e ação do professor, principalmente daquele que leciona Inglês
Técnico / Instrumental e Português Técnico / Instrumental em cursos técnicos de nível
médio e superior, no que tange às práticas de abordagens inter e transdisciplinares em seu
contexto acadêmico-profissional.
Na atualidade, podemos observar que, sem elas, seu trabalho não alcançará
os objetivos propostos nas grades curriculares dos cursos onde atuam, uma vez que estes
visam preparar o aluno para a sua realidade e necessidade profissionais. No entanto, tais
práticas (em especial aquela que se refere ao uso de um processo interdisciplinar) ainda são
vistas por alguns educadores como sendo algo difícil e utópico, uma vez que tal abordagem
demanda trabalho contínuo e precisa ser tecido e refletido em conjunto, a fim de que o
ensino desses idiomas esteja totalmente integrado com os diversos assuntos estudados em
outras disciplinas que fazem parte do currículo escolar dos cursos onde atuam. É preciso
que haja integração, articulação entre as diversas disciplinas que integrem uma grade
curricular, e tal conclusão nos é mostrada por Santomé, quando diz que,
“a crescente complexidade dos problemas enfrentados pelas sociedades modernas, nas quais as mudanças ocorrem a grande velocidade, exigem políticas cientificas que fomentem o trabalho e a pesquisa interdisciplinar.” (Santomé, 1998 : 52)
No entanto, uma certa resistência à integração existe, muitas vezes, não só
por parte do corpo docente, o qual ainda detém muitas vezes um grande número de
profissionais que, apesar de viverem em época de globalização, ainda fazem uso de
práticas educacionais de ensino hermético, hiper-especializado e compartimentado, mas
também podemos observar tal resistência em nível de administração e organização escolar.
Este breve estudo pretende mostrar as vantagens conseguidas quando da
aplicação de uma nova postura integradora, flexível e reflexiva por parte do educador da
atualidade.
“ Na sociedade emergente, que se quer de qualidade e excelência, tudo aponta para organizações nas quais as escolas deverão ter um relevo especial, ser mais desenvolvidas, reflexivas e flexíveis, mais resilientes, capazes de dar respostas rápidas e eficazes, ainda que os custos sejam mais elevados. Essa rapidez e eficácia, porém, não se compadecem com sistemas burocráticos demasiadamente complexos, pesados, lentos, rígidos, concentrados, autoritários. Diante dessa situação, não se aconselha o caos, a confusão, a anarquia, mais ou menos organizada, mas também sabemos que as organizações mais democráticas, reflexivas, rápidas, eficazes, flexíveis, persistentes, resilientes são as que respondem melhor aos desafios dos novos tempos.”(Alarcão, 2001 : 49)
Tal postura reflexiva e integradora do educador faz-se necessária nos dias
atuais para que com ela, o ensino de Inglês Técnico / Instrumental e Português Técnico /
Instrumental, assim como também o ensino de todas as outras disciplinas que integram a
grade curricular do curso, venha a cumprir, de forma eficiente, o seu papel na formação
profissional e social do aluno, que é parte dos objetivos pretendidos pela LDB.
1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES E INDAGAÇÕES
Ensinar língua técnica / instrumental é tarefa repleta de desafios para o
professor que a isso se dedica e que deseja desempenhar seu trabalho de maneira eficiente.
Este breve estudo tem como objetivo mostrar ao educador em geral como esse trabalho é
ao mesmo tempo fascinante e enriquecedor, não só para o aluno, mas também, e
principalmente, para o professor que atua nessa área de conhecimento. É necessário um
engajamento total desse profissional, no sentido de que seu trabalho não pode ser restrito à
mera transmissão de regras gramaticais que são utilizadas como estratégias para
entendimento de textos técnicos. Ensinar língua instrumental é tarefa que abarca um
sentido muito mais amplo do que esse. O professor de língua técnica / instrumental deve
estar, a todo momento, “sintonizado” com a realidade e necessidades reais de seu aluno, o
qual necessitará do conhecimento de língua técnica / instrumental para melhor
desempenhar suas funções no campo de trabalho onde atua ou atuará.
Pelo exposto acima podemos verificar que a prática pedagógica
interdisciplinar, juntamente com a visão holística do pensamento complexo e a observação
do cotidiano do aluno e do professor são fatores de suma importância a serem considerados
pelo professor de línguas instrumentais. De acordo com o que nos fala Roberto A. Follari,
famoso psicólogo e pesquisador argentino, vemos que,
“a interdisciplina pode dar lugar a uma superação da excessiva especialização, concluindo-se assim que, ela pode fornecer meios para vincular o conhecimento à prática, permitindo, portanto, situar seu lugar dentro da estrutura social em seu conjunto.” (Follari in apud Santomé,1998 : 33)
A abordagem interdisciplinar tem sido alvo de muitas críticas e mal-
entendidos por parte dos profissionais de Educação que não possuem um conhecimento
real do que possa vir a ser tal prática, a qual, devido a seu caráter integracional e complexo,
considera o aluno e o repertório de idéias e conhecimentos que ele traz consigo, em seus
mais reais interesses e necessidades, corroborando as idéias defendidas pelos educadores
que estudam o pensamento complexo, o qual vê o aluno sob uma perspectiva holística.
O meio em que esse aluno vive, seu repertório de experiências anteriores,
suas necessidades, seu dia-a-dia, seus gostos, sua cultura e sua comunidade são aspectos
que têm de ser considerados pelo professor, a fim de que este possa realmente
desempenhar seu papel de educador, formador e orientador, não só para o (futuro) trabalho
de seu aluno, mas também, e principalmente, para a vida deste.
Os conteúdos a serem ensinados (em sala de aula) devem ser “realidades
socialmente re-construídas nos intercâmbios de culturas e biografias que têm lugar na
sala de aula” (Hernández, 1998: 12)
Podemos observar que essa noção de relação sócio-interativa é exatamente
aquela proposta por Vygotsky, o qual
“destacou a importância das relações sociais no desenvolvimento das atividades mentais complexas e o papel que os marcos de internalizacão, de transferência e da zona de desenvolvimento proximal ocupam no processo de construção do conhecimento. ... O objetivo de toda aprendizagem é estabelecer um processo de inferências e transferências entre os conhecimentos que se possui e os novos problemas-situações que são propostos.”(Hernández, 1998 : 74)
Dentro desse âmbito relacional, o professor assume compromisso reflexivo,
e tem que, ao mesmo tempo, saber promover e saber tirar proveito de um “diálogo”
enriquecedor que deve existir entre ele, seu aluno e também entre as diferentes disciplinas
que são ensinadas dentro de todo o contexto escolar, para que esse aluno perceba que sua
vida e seus conhecimentos, tanto aqueles que ele já possui como também aqueles diversos
que ele irá adquirir, farão parte de um todo significativo para o desenvolvimento dele como
ser humano que vive e colabora para o progresso do meio em que vive. Esse professor
deve demonstrar
“paixão e risco por explorar novos caminhos que permitam que as escolas deixem de ser formadas por compartimentos fechados, faixas horárias fragmentadas, arquipélagos de docentes. .... deve haver uma conversão para uma comunidade de aprendizagem, onde a paixão pelo conhecimento seja a divisa e a educação de melhores cidadãos seja o seu horizonte.”(Hernández, 1998 : 13)
Além de observar o mundo em que seu aluno vive e trabalha, o professor
deve procurar se integrar ao máximo à realidade desse aluno para que o possa compreender
melhor, em todos os seus diversos aspectos de vida.
Certa vez ouvimos uma professora que foi lecionar em uma escola no
interior de Goiás que, além de saber ensinar sua disciplina, ela teve que também aprender a
laçar bois, já que essa era uma prática comum entre os alunos daquele lugar, e seu
aprendizado para tal era demasiado importante para que ela se sentisse integrada à
realidade do aluno, e este, por sua vez, via que sua professora não era uma pessoa
totalmente desvinculada de seu mundo. Isso é importante, pois cria no aluno a idéia de
proximidade e cumplicidade com seu professor, que, quando na escola, assume o papel
privilegiado de orientador e educador, em seu sentido mais amplo de significação. O
mesmo acontece com o professor de língua técnica / instrumental. Ele deve se informar a
respeito de assuntos que interessem ao conhecimento de seus alunos a fim de poder exercer
seu papel de verdadeiro orientador, sem demonstrar ter medo de “aprender a aprender” a
todo o momento.
Surge também uma pergunta comum a todos os professores que lecionam
Inglês Técnico / Instrumental: como ensinar uma língua instrumental para alunos de cursos
técnicos que, apesar de ser reconhecida como instrumento deveras importante para o
aperfeiçoamento profissional dos mesmos, encontra, ainda hoje, por parte da grande
maioria deles uma grande resistência, já que, por incrível que pareça, apesar de toda a
globalização, uma parcela bastante significativa desses alunos não tem sequer
conhecimento básico do referido idioma? Não devemos esquecer de que grande parte dos
alunos que estudam nesses cursos técnicos não tiveram a chance de estudar em cursos
livres de língua inglesa, logo, nosso alunato não apresenta uma homogeneidade no que se
refere a esse aspecto.
Assim sendo, parece-nos ser uma tarefa bastante delicada a que o professor
de língua estrangeira tem dentro desse contexto, pois seu objetivo é fazer com que seus
alunos compreendam textos técnicos de áreas específicas de conhecimento, textos esses
que além de serem escritos em língua inglesa, são também, em sua grande maioria,
didáticos, e que assim sendo, possuem um nível de linguagem bastante técnico e, por
vezes, complexo, não sendo possível a sua real compreensão por alguém que seja
totalmente leigo em relação aos assuntos abordados.
O que fazer para motivar esses alunos é a preocupação constante desse
professor de língua estrangeira de cursos de nível técnico. Nossa experiência nesse campo
de trabalho nos permite observar atentamente em nosso cotidiano, como são esses alunos,
quais os tipos de assuntos que mais interessam a eles e, principalmente, como alcançar
resultados satisfatórios, no que concerne ao aprendizado de estratégias lingüísticas para
posterior entendimento de textos que precisem ser utilizados em seus locais de trabalho e
também em possíveis pesquisas e viagens ao exterior para aprimoramento profissional que
esses alunos possam vir a fazer em momento futuro.
A prática da abordagem inter e transdisciplinar é algo que muito facilita o
trabalho do professor de línguas técnicas / instrumentais, em especial o professor de Inglês
Técnico / Instrumental, o qual tem que estar em constante estado de alerta para que sua
disciplina seja sempre uma motivadora e facilitadora de aprendizado para outras
disciplinas integrantes dos currículos escolares dos cursos técnicos onde são ensinadas,
além de proporcionarem um real aprendizado da disciplina de Inglês Técnico /
Instrumental para os alunos, fazendo-os, dessa forma, reconhecer a suma importância do
entendimento desse idioma para um melhor desempenho futuro profissional dos mesmos.
Nossa experiência também mostra que grande parte da bibliografia indicada pelos
professores de outras disciplinas desses cursos é em grande parte composta de livros
escritos em língua inglesa.
Aliado ao que fora exposto acima, temos que lembrar o fato de que o
professor, independente do local ou série escolar em que leciona, sempre tem o
compromisso de conhecer seus alunos, levando em consideração fatores essenciais para
ministrar boas aulas os quais se referem a aspectos sócio-bio-psico-culturais acerca dos
mesmos, com a finalidade de saber mais a respeito de seus anseios, necessidades,
realidades e culturas, e assim, ficar mais próximo da realidade e necessidade deles para
melhor comunicar-se, além de poder, de forma mais consciente, selecionar material e
conteúdos que vão ao encontro daquilo que seu aluno precisa realmente aprender,
adequando assim o que é ensinado na escola ou universidade à realidade do aluno. É aí que
a abordagem interdisciplinar mostra-se bastante adequada com essa proposta de educação
mais atuante e real para a vivência do aluno.
A visão holística do indivíduo como um todo, que engloba não só esse
próprio indivíduo, mas também o meio que o cerca, sua história, seu trabalho, sua vida
social, afetiva, religiosa e tantos outros aspectos que fazem parte da totalidade e
complexidade do ser humano, e que fazem com que o trabalho desse professor seja algo
que possui um âmbito maior do que o que geralmente costumamos atribuir-lhe.
Só podemos ajudar uma pessoa quando a conhecemos, e quando estamos
dispostos e receptivos para aprender coisas novas com essa pessoa. Esse é o desafio do
professor de hoje, principalmente do professor de línguas instrumentais, pois, não poderá
se restringir ao mero transmitir de regras gramaticais, mas, tem de estar em sintonia
constante com a linguagem, a realidade, a utilidade daquilo que é ensinado, a necessidade
de seu aluno, assim como também deve procurar conhecer o meio e o trabalho que o cerca.
Não se pode esquecer que o aluno de cursos técnicos tem, geralmente, um
conhecimento relativo a respeito dos assuntos específicos que vai estudar. Ele tem
informações advindas dos mais variados meios, e o professor de línguas não tem,
necessariamente, esse mesmo grau de conhecimento. O professor da nossa atualidade tem
que estar consciente de que “a globalização do aluno pode bater de frente com a posição
de alguns profissionais detentores do poder e da autoridade máxima em classe, que se
recusam a admitir que o mundo mudou.” (Tiba, 1998 : 24)
Ensinar uma língua estrangeira, mesmo quando esta está sendo focalizada
sob uma ótica instrumental, é muito mais do que o simples transmitir de regras a serem
decoradas pelo aluno. Esse trabalho envolve o transmitir de cultura, de usos, de utilidades e
de informações atualizadas dentro do contexto em que tal língua é utilizada, e essas
informações não podem simplesmente ser memorizadas pelo aluno. Devem elas ser
internalizadas para que as estruturas aprendidas possam vir a ser utilizadas posteriormente
em outras situações.
O que geralmente se ouve por parte de pessoas não informadas sobre o
assunto é que ensinar língua instrumental é mero “adestramento” do aluno, o que
discordamos por completo, pois, se assim o fosse, bastaria dar ao aluno um dicionário e
algumas explicações gerais sobre os principais pontos gramaticais que ele saberia
compreender qualquer texto que lhe fosse colocado à frente. Isto não é, de forma alguma,
algo verdadeiro, e todo o professor de língua instrumental sabe (ou pelo menos deveria
saber) disso. Além de entendimento gramatical, o aluno precisa ter informações a respeito
de cultura e costumes dos povos que falam a língua que ele está aprendendo.
Quando, por exemplo, um professor de Inglês Técnico de um curso de
Telefonia Celular apresenta ao aluno algum material a respeito de ERBs (estações rádio-
base), que em língua inglesa é electronic base station, ele deve chamar a atenção de seu
alunato para o fato de que, diferentemente do que ocorre em nosso país, nos Estados
Unidos e na Europa essas torres são sempre instaladas em locais públicos, tais como
shopping centers ou estacionamentos públicos, haja vista que nesses lugares a população
não costuma dilapidar bens ou objetos que servem para prestar serviço público às
populações, o que é realidade totalmente diferente em nosso país.
Outro exemplo pode ser dado na situação em que um professor de Inglês
Técnico de um curso de Direito. Quando ele fala de textos a respeito da instituição de
família e seus membros componentes, deve também lembrar de que nos Estados Unidos e
na Europa a figura daquilo que em nosso país chamamos de companheiro(a) é algo
bastante discutível e até mesmo não reconhecido em muitos dos estados norte-americanos,
por exemplo.
Em um curso técnico para Instituições de Seguros, por exemplo, quando
falamos de descontos que podem ser agregados a prêmios de seguros de automóveis,
vemos que a prática de transporte solidário (car pool) é fator que pode determinar um
desconto de até 10% sobre o prêmio, já que há um grande interesse em se utilizar essa
estratégia, não só por motivos econômicos, mas também porque a grande maioria das
pessoas de classe média americana, tem de fazer um longo percurso em auto-estradas todos
os dias para se dirigirem e voltarem de seus locais de trabalho, já que suas residências
estão localizadas nas periferias dos grandes centros urbanos, e assim sendo, quanto menos
expuserem seus veículos a riscos, menos dinheiro terão que pagar por seus prêmios. Ainda
com relação à palavra prêmio, vemos que esta, quando utilizada em linguagem de seguros,
assume um significado bem diferente do primeiro que se costuma atribuir a tal vocábulo,
logo, até mesmo em língua portuguesa, esse professor tem que ter pelo menos um mínimo
de conhecimento a respeito do vocabulário e seu contexto, o qual esteja sendo apresentado
a seu aluno.
Esses são apenas alguns dos muitos exemplos que poderíamos citar para
mostrar que o mero “adestramento” gramatical não será eficaz e suficiente para que o
aluno, assim como também o professor, tenham compreensão para alguns textos técnicos
que lhes sejam apresentados. Há de haver uma preparação especial do professor,
preparação esta que alcança um âmbito bem maior do que o meramente gramatical, e é aí
que apoiamos nossas considerações a respeito do uso da interdisciplinaridade vista como
diálogo de saberes, uma vez que, não necessariamente, o professor de línguas inglesa e
portuguesa tenha, principalmente se o texto for muito técnico e utilize jargões específicos
ou particularidades daquele tema que está sendo apresentado ao aluno.
Tal professor precisa se socorrer com o conhecimento e informação dos
outros professores do curso, num diálogo amistoso entre as diferentes disciplinas, como às
vezes também pelo conhecimento e experiências trazidas pela vivência do próprio aluno.
Ele tem a oportunidade de exercitar a todo instante a tarefa de “aprender a aprender”, pois
tem que estar sempre atualizado a respeito daquilo que fala ou mostra em sala de aula.
Como podemos observar, a tarefa desse professor é algo bastante
desafiador, mas ao mesmo tempo enriquecedor, pois ele tem que adotar uma postura mais
aberta, capaz de motivar seu aluno, uma vez que os textos ou outras atividades que possa
vir a usar em sala de aula têm conteúdos que, muitas vezes, ele desconhece. Daí
acreditarmos que tal tarefa pedagógica necessita do diálogo enriquecedor com os alunos e
professores de outras disciplinas, no sentido de que aquilo que precisa ser ensinado esteja
em sintonia perfeita com a linguagem, realidade e necessidade desses alunos. Por isso
acreditarmos que a abordagem inter e transdisciplinar, aliada à observação do pensamento
complexo em relação ao aluno seja realmente uma postura bastante apropriada para o
professor de línguas técnicas / instrumentais adotar em sala de aula, e é exatamente isso
que iremos mostrar no desenvolvimento deste pequeno estudo.
1.1. POR QUE UM NOVO PARADIGMA EDUCACIONAL?
Podemos afirmar que a tão falada mudança de paradigma concernente a
práticas pedagógicas, a qual consiste na elaboração de um novo modelo de construção do
saber, mais complexo e adotando uma visão holística, começa a surgir com bastante vigor
a partir da segunda metade do século XX, e é decorrente de uma considerável perplexidade
que o ser humano passa a experimentar em relação à sua própria realidade e suas práticas
que integram o seu cotidiano. Já nessa época observamos que o ser humano passa começa
a questionar, a todo o momento, todos os fatos referentes a suas relações sociais,
econômicas, assim como também aqueles referentes à tecnologia, à ética, e a valores de
uma maneira geral.
No entanto, tal inquietação não é fato que tenha começado a acontecer
somente nessa época. Pensadores pré-socráticos (século VI a C.) já tinham a concepção
sobre o homem como parte integrante e em completa harmonia com a natureza que o cerca.
Tais pensadores acreditavam “em uma visão unitária do saber, e, teriam explicações
orgânicas e integradas para o mundo em geral, e não faziam qualquer separação entre as
ciências da filosofia, da arte, da poesia e da mística.” (Amorim, 1999 : 14).
Muito tempo depois, o raciocínio analítico-dedutivo de Descartes (1596-
1650), juntamente com o método de investigação empírico-dedutivo de Bacon ((1561-
1626), e as idéias de Newton (1642-1727) deram origem ao chamado movimento iluminista
(século XVIII), o qual caracterizou-se pela “defesa da ciência e da racionalidade crítica,
contra a fé, a superstição, e o dogma religioso.” (Japiassu, 1991 : 128). Nessa época, a
razão, a tendência à quantificação, previsibilidade e controle eram fatores predominantes.
Descartes acreditava que “a essência da natureza humana passou a residir no pensamento,
originando assim a separação entre mente e corpo, razão e fé.” (Amorim, 1999 :. 15).
Adotando essa mesma linha de raciocínio, a natureza passou a ser entendida
em dois domínios distintos e independentes: o nível referente à mente e o nível da
matéria.Tal metodologia cartesiana fez surgir uma divisão, e conseqüente fragmentação e
compartimentalização das ciências e do conhecimento em geral. Surgiu a divisão do estudo
das ciências em disciplinas altamente especializadas, que eram vistas de forma isolada e
abstraída de uma realidade totalizadora. Acreditava-se que a compreensão de todos os
fenômenos complexos dava-se por meio da redução às suas partes constituintes, ou seja,
cada parte ou aspecto de um fenômeno era estudado de forma isolada, fragmentada, e,
juntando-se tais fragmentos, acreditava-se conhecer o todo.
No entanto, esse pensamento cartesiano originou uma percepção
fragmentada do homem e do mundo onde ele se acha inserido. Crema diz:
“Como nunca antes o homem encontra-se esfacelado no seu conhecimento, dividido no seu pensar e sentir, compartimentalizado no seu viver. Refletindo uma cultura racional e tecnológica encontramo-nos fragmentados e encerrados em compartimentos estanques. Interiormente divididos, em permanente estado de conflito, vivemos num mundo também fracionado em territórios e nacionalidades em estado de guerra infindável.”(Crema, 1989 : 22)
A valorização do racional, dos avanços científicos e tecnológicos fizeram
com que o ser humano se afastasse de um respeito e observância necessárias de seus
valores e de sua qualidade de vida, não exercendo desta forma uma reflexão a respeito
desse distanciamento da dimensão qualitativo-valorativa de sua própria existência.
É indubitável que o progresso científico-tecnológico trouxe inúmeros
benefícios para a humanidade, mas a corrida desenfreada pela manutenção e
aprimoramento de uma ciência objetiva tem gerado problemas muito sérios para o homem
e o planeta. Ao mesmo tempo em que temos desenvolvimento, temos também poluição,
stress, corrupção, falta de ética, violência, distribuição desigual de renda e tantos outros
problemas. Tais avanços tecnológicos e científicos estão pondo em risco a nossa
tranqüilidade e até mesmo a própria sobrevivência das várias espécies existentes em nosso
planeta. De acordo com o exposto por Morin e Kern temos que:
“O conhecimento especializado é em si uma forma particular de abstração. A especialização abs-trai, ou seja, extrai um objeto de um campo dado, rejeita suas ligações e intercomunicações com o seu meio, o insere num setor conceitual abstrato que é o da disciplina compartimentalizada, cujas fronteiras rompem arbitrariamente a sistemicidade (a relação de uma parte com o todo) e a multidimensionalidade dos fenômenos; ela conduz à abstração matemática que opera automaticamente uma cisão com o concreto,
por um lado privilegiar tudo o que é calculável e formalizável, por outro ao ignorar o contexto necessário à inteligibilidade de seus objetos.” (Morin e Kern, 1995: 159)
Morin e Kern alertam para o fato de que quando existe essa “abs-tração”, há
uma conseqüente descontextualização do objeto, levando à uma perda total dos referenciais
do contexto desse objeto, e um mínimo conhecimento do que vem a ser o próprio
conhecimento aponta sempre para uma contextualização, que é uma condição essencial da
eficácia do funcionamento cognitivo.
Podemos observar que na atualidade, a própria ciência, principalmente a
Física, tem reconhecido que o Universo não pode ser entendido como uma máquina
formada por peças distintas a serem exploradas separadamente por campos hiper-
especializados e estanques. Ao contrário, ele deve ser estudado e analisado como um todo
indivisível e harmonioso, tal como um tecido formado por várias fibras e tintas que lhe
conferem cores, ou ainda como uma música com suas diferentes notas que, unidas, lhe dão
ritmo e sonoridade. De acordo com Amorim, este todo constitui-se numa rede de relações
dinâmicas existentes entre os homens, o ambiente físico e social e os meios de produção
que marcam o existir de um processo permanente de transformações.
Essa é a própria essência do pensamento complexo, o qual só entende o
homem quando relacionado a tudo que o cerca, numa relação de interdependência com
tudo e todos que o cercam, e que fazem ou já fizeram parte de seu cotidiano. Desta forma,
verificamos que o modelo cartesiano-newtoniano, com sua neutralidade científica e
preocupação extrema em uma determinada hiper-especialização é prática abstrata e
superada atualmente, pois desumaniza a própria humanidade.
O que pode ser observado é que, com toda essa preocupação com o planeta
e todo o que nele existe, surge uma epistemologia crítica por parte dos cientistas em suas
reflexões sobre o caminho que a ciência tem trilhado para a humanidade e o planeta.
Passou-se a perceber a imensa complexidade e o dinamismo do mundo, e chegou-se à
conclusão de que o ser humano e os fatos que integram sua realidade, seu cotidiano, não
podem ser explicados de forma isolada. Todos esses fatos e considerações se acham
interligados e interdependentes, e assim sendo, condicionam uns aos outros, e uma real
compreensão do homem deve seguir uma postura de visão de conjunto, que não admite a
não-conexão entre todas as coisas que integram o planeta.
Essa é, no entanto, uma visão diferente e muito mais ampla do que, por
exemplo, a visão defendida pela teoria marxista, a qual se limitava a questões relacionadas
com a evolução social decorrente da luta de classes.
No presente, a elaboração de um novo paradigma holístico (holos, do grego,
e que significa todo, totalidade) considera de extrema importância para o desenvolvimento
cognitivo o Universo, e todas as relações nele existentes, tais como relações que envolvem
seres humanos, animais, vegetais e minerais. Esse novo paradigma sustenta que o todo não
é só a soma de partes diferentes, mas engloba toda uma unidade orgânica existente entre
homens, meio onde vivem e trabalham, animais, vegetais, minerais, e, em escala maior,
todo o planeta.
Pimentel faz referência a essa nova abordagem pedagógica dizendo,
“Esse paradigma emerge tanto da crítica teórica ao positivismo, quanto de questões sociais. Reveste-se de caráter não só científico, mas científico-social, opondo-se às clássicas dicotomias ciências naturais / sociais, teoria / prática, sujeito / objeto, conhecimento / realidade. Trata-se de um paradigma que busca a superação da fragmentação das ciências e de suas conseqüências para o homem e a sociedade.”(Pimentel,1993 : 34)
A visão holística sugere e exige que o conhecimento não pode ficar
reduzido ao aspecto meramente racional, mas precisa integrar os aspectos relacionados à
Ciência, à Filosofia, às Artes e à Religião, como acreditavam os pensadores pré-socráticos
a respeito de uma visão unitária e integrada do saber.
De acordo com Amorim, o atual momento vivido por toda a humanidade
reflete uma nova síntese inerente ao movimento cíclico da humanidade, semelhante ao
ocorrido durante o Renascimento, já que há o florescer de um interesse amplo pela busca
intelectual que perpassa muitas áreas de conhecimento. Com a atual globalização, tal
amplitude e abertura se fazem necessárias para que o homem possa estar a par de todas as
coisas que acontecem no planeta.
Essa visão holística, ampla e integradora, tem seus reflexos inevitáveis na
Educação, a qual, por meio de práticas interdisciplinares, se solidariza e procura alcançar
todo esse espírito de unidade e integração para a transmissão de conhecimentos, e daí a
importância da utilização da abordagem interdisciplinar para a concretização de um novo
paradigma pedagógico a ser seguido no mundo globalizado em que vivemos.
1.2. NOSSO ESPAÇO PESQUISADO
Antes de começarmos a apresentação deste breve estudo achamos
importante mencionar o espaço que serviu, e que continua servindo, como base de
investigação e observação participativas para o estudo da aplicabilidade da abordagem
transdisciplinar e interdisciplinar, especialmente no ensino de línguas técnicas /
instrumentais em cursos técnicos.
Nossos trabalhos desenvolvem-se em alguns cursos superiores seqüenciais,
divididos por campo de saber, do Instituto Politécnico de uma grande e importante
universidade privada do estado do Rio de Janeiro. É importante ressaltar que essa
modalidade de curso é prevista na LDB, em seu artigo 44 – I.
Os cursos onde tivemos a oportunidade de fazer tal pesquisa e investigação
destinam-se às áreas de Formação de Executivos para Instituições de Seguros, Tecnologia
Digital e Fibras Ópticas, Sistemas Móveis Celulares e Projetos de Redes Especiais em
Telecomunicações. Todos esses cursos têm a duração de um ano e onze meses, o que
corresponde a cinco períodos letivos, e têm como objetivo formar ou reciclar profissionais
que já atuem ou que pretendam atuar em tais áreas específicas do mercado de trabalho. Ao
término de tais cursos, todos os seus alunos precisam apresentar um projeto final no qual
mostrem a possibilidade e a viabilidade de aplicações práticas a respeito de algum produto
por eles elaborado, e que possa vir a ser utilizado no mercado de trabalho dessas áreas
específicas de saber.
Todos esses cursos têm dois períodos de Inglês Técnico / Instrumental e um
período de Língua Portuguesa, além das disciplinas técnicas de cada área de conhecimento.
As aulas desses cursos são ministradas à noite, e a média mínima para aprovação em cada
disciplina é sete.
1.3. COMO É O ALUNO DE CURSOS TÉCNICOS? PARA QUE ELE PRECISA
ESTUDAR LÍNGUAS TÉCNICAS / INSTRUMENTAIS?
Depois de situarmos o nosso espaço estudado, achamos importante também
mostrar como é o aluno de tais cursos. Em sua grande maioria, é um aluno que já trabalha,
ou pretende atuar no mercado de trabalho em uma determinada área específica, e que
procura o curso para reciclar, aprimorar ou atualizar conhecimentos específicos em seu
campo de trabalho. Seu interesse é bem definido e determinado. É, em sua grande maioria,
adulto maior de 25 anos, que trabalha durante o dia, e que é proveniente da classe média. É
ele que, na maioria dos casos, paga seus estudos, e que talvez por essa razão, enquadra-se
num perfil de aluno bastante interessado em aprender o máximo possível.
No curso de Formação de Executivos para Instituições de Seguros
observamos que existe um grande número de alunas mulheres, sendo que o número de
alunos do sexo masculino lhe é superior. Já nos cursos das áreas tecnológicas, o aluno é,
em sua grande maioria, do sexo masculino.
Esse aluno precisa aprender línguas técnicas / instrumentais porque precisa
fazer uso delas em sua profissão. O executivo de seguros, por exemplo, precisa saber
redigir e falar bem em sua língua materna, e também precisa saber Inglês Técnico devido
ao fato de que em sua área de trabalho, que está intimamente relacionada com o ramo de
negócios, o conhecimento desse idioma é muito importante para contatos com o exterior e
para o entendimento de muitos termos de negócios que ele utiliza em seu dia-a-dia e que
são empréstimos lingüísticos, em sua maioria, da língua inglesa. Como existe um grande
número de seguradoras estrangeiras no país, e como a língua inglesa é o idioma oficial
quando se trata de transações comerciais, é absolutamente indispensável um conhecimento
razoável de Inglês Técnico / Instrumental por parte desse aluno.
Já o aluno dos cursos da área tecnológica tem a necessidade de conhecer e
estudar Inglês Técnico para que possa entender a linguagem encontrada em manuais de
instrução de equipamentos, artigos de publicações técnicas, fazer consultas à Internet, e
também, muitas vezes, precisa saber se comunicar em língua inglesa, uma vez que
também, e principalmente nessa área, temos muitas firmas de tecnologia estrangeiras em
nosso país, firmas estas onde se precisa falar com estrangeiros que usam esse idioma em
seu dia-a-dia. Muitas vezes essas firmas chegam a colocar anúncios para emprego em
jornais, e que são totalmente redigidos em inglês, o que mostra claramente a necessidade
do profissional que atua nessa área em aprender Inglês / Técnico Instrumental.
1.4. COMO É (OU DEVE SER) O PROFESSOR DE LÍNGUA TÉCNICA /
INSTRUMENTAL QUE UTILIZA A PRÁTICA INTER/TRANSDISCIPLINAR?
Partindo do pressuposto de que o professor de cursos (poli)técnicos vá fazer
uso da abordagem trans/interdisciplinar, enfatizando aqui o professor de línguas técnicas /
instrumentais, começamos a desenhar o perfil desse profissional em nossa mente.
Ele é, com certeza, o tipo de professor que está sempre atento a tudo o que
está sendo ensinado em outras disciplinas do curso em que esteja lecionando, e que tem a
preocupação de interligar sua disciplina com as outras integrantes da grade curricular.
Além disso, ele não somente conecta-se com as outras disciplinas, num trabalho integrado,
mas também assume a postura de adotar uma escuta sensível para o que seu aluno e os
outros professores têm a dizer e a questionar. Está sempre “sintonizado” com o aluno, com
as suas necessidades, o seu cotidiano, e também mostra ligação com os demais professores
do curso com os quais deve procurar formar uma verdadeira equipe interdisciplinar.
Esse professor faz, através de sua sensibilidade e de um processo de escuta
sensível, a adequação de conteúdos a serem ensinados de acordo com as peculiaridades
sócio-psicológicas do aluno, especialmente no que se refere aos requisitos de globalização
e significatividade dos conteúdos curriculares, já que seu papel é prepará-lo para o
trabalho, para a sociedade e para a vida.
O professor que adota a abordagem interdisciplinar é aquele que está sempre
aberto a aprender com os outros. É aquele que tem a humildade de saber “aprender a
aprender”, e para isso, está em processo constante de informação e atualização. Nessa
parte, ele faz uso das modernas tecnologias de informação para que seu trabalho esteja
sempre em dia com os últimos acontecimentos na área específica em que leciona. Ele está
sempre adequando sua disciplina àquilo que é mais importante para o aluno naquele
determinado momento. Para isso, esse profissional precisa ser reflexivo, na concepção
ampla deste termo, pois deve refletir e saber selecionar de forma adequada, e em conjunto
com os outros membros da equipe interdisciplinar os conteúdos que mais se encaixem em
sua proposta de trabalho. Deve estar sempre próximo a seu aluno, atento às suas ansiedades
e reais necessidades, com a intenção de agir como verdadeiro facilitador de aprendizagem,
alguém presente, e não distante de seu aluno numa postura de detentor de todo o saber. Ele
sabe enxergar e entender a teia complexa que constitui o fascinante processo de aquisição
de conhecimentos.
Além disso, temos que lembrar que o professor, e aqui nos referimos não
somente ao que leciona línguas, mas a qualquer outro professor, tem que ter a preocupação
de ensinar comunicando, e não somente informando. A informação tem um caráter muito
mais restrito do que a comunicação, uma vez que ela só mostra dados, e a comunicação,
além de também mostrar dados, demanda um feedback por parte do aluno. É preciso que o
professor esteja a par daquele determinado assunto que esteja abordando em sua aula, e
saber no que esse assunto tem em consonância com a realidade de seu aluno, a fim de
estimulá-lo ao aprendizado. O professor deve ter, pelo menos, algum conhecimento sobre o
que está sendo mostrado, por exemplo em um texto técnico, a fim de despertar no seu
aluno o interesse pelo conteúdo que esteja sendo ensinado, para que possamos dizer que há
uma real comunicação, e não somente informação, e conseqüente aprendizado. É algo que,
a princípio, pode parecer complicado, mas a nossa pouca experiência nos mostra que essa
mudança de abordagem educacional, se exercitada com dedicação e carinho, só tem a
enriquecer a prática pedagógica.
De acordo com Morin, cabe aos professores o início de uma reforma de
pensamento, processo esse que deve acontecer de forma natural e progressiva, que sai e
evolui do simplista e linear para o complexo. É preciso que os educadores iniciem esse
processo reformista, apesar de muitas instituições ainda tentarem bloquear essa iniciativa.
Tais idéias são responsáveis por formar indivíduos mais reflexivos, solidários e
conscientes.
“Todas as coisas estão ligadas por fios indissolúveis, e o ser humano precisa estar consciente desse fato. Ele precisa compreender-se enquanto “ser terrestre” e habitante de um todo planetário, cuja complexidade lhe permita vislumbrar a necessidade e a urgência de solidarizar-se com todo o Universo.” (Petraglia, 2001 : 77).
2. O QUE VEM A SER VISÃO HOLÍSTICA?
Holos, é palavra de origem grega e significa todo, total, totalidade. A
educação dita holística é aquela que se preocupa com a formação integral do aluno, o qual
é visto e considerado em todos os seus aspectos, quais sejam suas características pessoais,
culturais, econômicas, políticas, cognitivas, espirituais, e todas as outras que são parte
integrante de seu ser. Esse tipo de educação tem como objetivo dar ao aluno subsídios os
mais diversos para que ele se torne um cidadão consciente, bem-informado, a respeito de
tudo que ocorre a seu redor, reflexivo, confiante, capaz de tomar decisões e questioná-las
quando achar necessário, e, acima de tudo, faz dele um ser humano solidário, feliz e que
tem a consciência de que a paz e o bem-estar de todos no planeta dependem única e
exclusivamente dele e de tudo o que ele faz.
Devido a toda complexidade, integralidade e interdependência entre todas as
facetas que integram o indivíduo, acreditamos que a prática pedagógica interdisciplinar e
reflexiva muito tem a ver com esse tipo de visão e abordagem educacionais. Tudo precisa
estar integrado - o homem, o meio, as disciplinas.
Por muito tempo tivemos um tipo de formação educacional bastante
fragmentada, compartimentada, e que, muitas vezes, não tinha uma utilidade mais imediata
para a vida e aspirações do aluno. Assuntos que faziam parte de seu cotidiano, de sua
cultura, de sua realidade, de seu trabalho, e de seus interesses e necessidades não eram
considerados quando se pensava em projetos educacionais. Não se fazia qualquer
articulação entre a macro e a micro-realidade do aluno. No entanto, integrar e articular
todos esses fatores é tão importante quanto integrar e articular diferentes disciplinas em um
determinado curso, pois só dessa forma estaremos estudando, ensinando e articulando os
conteúdos ensinados com a realidade do aluno, e assim sendo, analisando a totalidade de
fatos que fazem parte da vida do mesmo.
Com o atual momento de globalização mundial é simplesmente
inconcebível a idéia de uma formação que não leve em conta a relação e articulação que
precisa existir entre todos os aspectos que integram a essência humana, a dependência
desta em relação a todas as trocas sociais, políticas, filosóficas, e cognitivas, dependência
esta que se dá entre os indivíduos e também entre estes e o planeta. Esse tipo de formação
e informação ecléticas mostra-se bastante apropriado num momento em que se requer
especializações flexíveis por parte dos profissionais.
A fragmentação relega a segundo plano as conseqüências que determinados
fatos trazem para a paz e o bem-estar, ou não, de toda a humanidade. Esquece-se de que
tudo o que é feito pelo homem tem reflexos diretos sobre sua vida e seu meio. Muitos dos
problemas que o ser humano tem causado ao planeta decorrem desse tipo de formação, que
só enxerga aquilo que lhe está mais próximo, sem se preocupar com os possíveis efeitos
danosos que possam vir a ser causados por suas ações mais imediatas.
Se a abordagem holística fosse aplicada à Educação há mais tempo, talvez
muitos dos problemas e impasses que perturbam a paz no planeta pudessem ter sido
evitados. Essa visão, tal qual a abordagem interdisciplinar e reflexiva, objetiva a integração
e a adequação do indivíduo com todo o meio que o cerca, considerando de extrema
importância fatores como a responsabilidade e a ética, os quais devem estar presentes em
todos os atos humanos. Ë um tipo de visão aberta e solidária, que admite diálogos para
constante aprendizado e que se mostra totalmente contrária à fragmentação do individuo.
Em suma, poderíamos dizer que a visão holística transcende o corpo, a
matéria, uma vez que sua preocupação e objetivo consistem em tocar a própria essência da
alma humana.
3. O QUE É INTERDISCIPLINARIDADE ?
Esse termo tem recebido diferentes definições, que vão desde “a integração
interna e conceitual que rompe a estrutura de cada disciplina para construir uma
axiomática nova e comum a todas elas, e que tem como objetivo dar uma visão unitária de
um determinado saber.” (Gallo,1998:26), ou ainda, pode ser entendida como séries de
intercâmbios mútuos e integrações recíprocas entre as várias ciências e áreas de
conhecimento.
A compreensão sobre o conceito de interdisciplinaridade para Santomé
(1998:73) é que ela é “a junção de estudos complementares de diversos especialistas em
um contexto de estudo de âmbito mais coletivo.” Ela implica em uma vontade e um
compromisso de elaborar um contexto mais geral, no qual cada uma das disciplinas em
contato são por sua vez modificadas e passam a depender claramente umas das outras.
Estabelece-se uma interação entre duas ou mais disciplinas, o que resultará em uma
intercomunicação e enriquecimento recíprocos e, conseqüentemente, uma transformação
de suas metodologias de pesquisa, em uma modificação de conceitos, de terminologias
fundamentais, etc. Entre as diferentes matérias ocorrem intercâmbios mútuos e recíprocas
integrações, ou seja, existe um equilíbrio de forças nas relações estabelecidas.
De acordo com Morin, a interdisciplinaridade consiste “na colaboração e
comunicação entre as disciplinas, guardadas e respeitadas as suas especificidadese e
particularidades”.
Já para Petraglia,
“a interdisciplinaridade é a comunicação entre as disciplinas, guardadas as especificidades e particularidades de cada uma. É de extrema importância as relações que existem entre os conteúdos de uma disciplina e outra disciplina, entre as várias disciplinas de uma determinada grade curricular e o curso a que se referem, entre as disciplinas e a vida, e assim sucessivamente, a fim de não se estimular
a elaboração de conhecimentos parcelados, advindos do pensamento linear, mas promovendo-se a construção de um saber uno, com visão conjunta e de um todo composto por muitos aspectos..” (Petraglia, 2001 : 34)
Podemos perceber que, no campo cientifico da atualidade, “são cada vez
mais numerosas as especialidades que se agrupam a outras com o objetivo de constituir
novos campos de ciência, tais como a bioquímica, a geofísica, a agroquímica, a
psicopedagogia e outros.” (Santomé, 1998 : 46)
Santomé também ensina que
“esta tendência das especialidades mais tradicionais a reagrupar e redefinir novas áreas do conhecimento em torno de limites ou fronteiras em disputa é um fenômeno que tem aumentado desde os anos 70 do século passado, época em que a reinvidicação da interdisciplinaridade aparece como uma “panacéia epistemológica chamada a curar todos os males que afetam a consciência cientifica da nossa época”(Gusdorf, in apud Santomé, 1998 : 47)
Podemos observar que dentro de um âmbito interdisciplinar mais amplo, no
mundo em que vivemos atualmente, novas e antigas questões passam a ser incompletas se
olhadas apenas pela ótica das disciplinas, ou seja, levando em consideração apenas o filtro
da academia. É necessário que haja uma observação atenta a tudo o que acontece em nosso
cotidiano, e uma conseqüente contextualização deste dentro de nossa área de interesse
específico. São necessários novos olhares a respeito da problemática contemporânea, o que
significa dizer que a interdisciplinaridade não pode se restringir a seu significado
etimológico, ou seja, algo que só acontece “entre disciplinas”, mas deve sempre procurar
transcender para um reconhecimento de outras formas de conhecimento não apenas
científicos, mas também todas as outras possibilidades de produção de conhecimento.
O ensino baseado na interdisciplinaridade tem um grande poder
estruturador, pois os conceitos, contextos teóricos ou procedimentos, enfrentados pelos
alunos encontram-se organizados em torno de unidades mais globais, de estruturas
conceituais e metodológicas compartilhadas por várias disciplinas. Quando da adoção de
tal abordagem pedagógica, fica mais fácil realizar transferências das aprendizagens assim
adquiridas para outros contextos disciplinares mais tradicionais. Alunos que recebem
educação interdisciplinar estão mais capacitados para enfrentar problemas que
transcendem os limites de uma disciplina concreta, para detectar, analisar e solucionar
problemas novos. A motivação para aprender é muito grande nesses alunos, pois qualquer
situação ou problema que preocupar ou interessar a eles poderá transformar-se em objeto
de estudo.
A necessidade de termos um trabalho interdisciplinar é, de acordo com
Frigotto,
“caráter de extrema importância no que se refere à produção e socialização do conhecimento no campo das ciências sociais e no campo educativo, pois é algo decorrente da própria forma de o homem produzir-se enquanto ser social e sujeito e objeto do conhecimento social. Em sua busca incessante para satisfazer as mais diversas necessidades, que podem estar no campo biológico, intelectual, cultural, afetivo, entre outros, o homem estabelece as mais diversas relações sociais. A necessidade de se ter uma abordagem interdisciplinar na produção do conhecimento fundamenta-se no caráter dialético da realidade social, que é ao mesmo tempo una e diversificada. ... delimitar um objeto para a investigação não é fragmentá-lo, ou limitá-lo arbitrariamente, ou seja, não podemos abandonar as múltiplas determinações que o constituem, mas entendê-las em suas interações na composição do objeto. Há que se romper com o hermetismo do positivismo. A compreensão da categoria totalidade concreta é imprescindível para entendermos a interdisciplinaridade como real necessidade na construção do conhecimento social, e essa totalidade concreta, e acordo com Kosik (1978), não é tudo, e nem é a busca do princípio fundador de tudo, mas busca explicitar em um objeto de pesquisa delimitado, as múltiplas determinações e mediações históricas que o constituem. É caminho árduo, mas não impossível”(Frigotto, 200 : 26 / 27).
Segundo Sanches, em seu artigo Sobre Trovões e Interdisciplinaridade
(1998), esta abordagem pedagógica talvez seja uma proposta da ciência, sobretudo na
última década do século XX, para uma possível reconciliação com o real, e, portanto, um
passo em direção à tão procurada maturidade da humanidade. É de fato extremamente
necessário que haja uma reforma de pensamento, a qual, de acordo com Morin, irá utilizar
a associação e a cooperação para que uma (re)organização do pensamento humano, mais
amplo e complexo, capaz de auxiliar o diálogo com o mundo, as coisas e o próximo, possa
realmente vir a acontecer.
3.1. BREVE HISTÓRICIO SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE
Achar que o pensamento complexo e interdisciplinar é algo que só tenha
começado há pouco tempo é desconhecer por completo todo o seu processo ideário e
filosófico. Na realidade, podemos perceber que, já na época do filósofo grego Sócrates
(399 a C.),
“a idéia de conhecer a si mesmo implicava em conhecer a sua totalidade, de forma interdisciplinar, e essa totalidade só é possível pela busca da própria interioridade, a qual conduz a um profundo exercício de humildade, que é o fundamento principal da interdisciplinaridade.”(Fazenda, 1994 :15).
Na Idade Média, já podemos considerar o quadrivium, que era uma divisão
das artes liberais que compreendia as quatro artes matemáticas – aritmética, música,
geometria e astronomia, juntamente com o trivium, que era o agrupamento da gramática,
retórica e dialética, como programas pioneiros de um ensino integrado que unia os âmbitos
de conhecimento denominados respectivamente, ciências e letras.
Na Antiguidade, a Escola de Alexandria, que foi um centro de pesquisas e
ensino de caráter neoplatônico, pode ser considerada, de acordo com Santomé, “a
instituição mais antiga a assumir um compromisso com uma integração do conhecimento”
(Santomé, 1998 : 46), já que fazia uma integração entre aritmética, mecânica, gramática,
medicina, geografia, música, astronomia, e outras áreas de conhecimento, a partir de uma
ótica filosófico-religiosa.
Já na época clássica, os gregos também mostravam ter uma certa aspiração à
unidade do saber, com a denominada paidéia cíclica ou enciclopédia, que consistia de um
conjunto de todas as ciências, assim como também o fizeram os romanos com a
doctrinarum orbem. Ambos souberam diferenciar uma concepção global rigorosa das
tentativas superficiais.
O pensador renascentista Francis Bacon (1561 – 1626) também percebeu a
necessidade de unificar o saber em sua obra New Atlantis, onde descreve
“a Casa de Salomão, um centro de pesquisa científica interdisciplinar a serviço da humanidade, uma espécie de sociedade paradisíaca onde reina a sabedoria e cujos integrantes dedicam suas energias ao método baconiano.” (Santomé, 1998 : 47).
Blaise Pascal, matemático, físico, filósofo e escritor francês (1623 – 1662),
também declara em sua obra entitulada Pensamentos, algo que, da mesma forma, reflete o
pensamento complexo e interdisciplinar em sua época dizendo,
“Portanto, sendo todas as coisas causadas e causantes, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e mantendo todas um laço natural e insensível que liga as mais afastadas e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes.” (Blaise Pascal)
Podemos observar que, desde o século XVII, nomes importantes como
Auguste Comte, Emmanuel Kant, e os enciclopedistas franceses, preocupados com o grau
de fragmentação do conhecimento em campos de especialização sem comunicação
explicita entre si, procuraram apresentar uma proposta buscando estabelecer maiores
parcelas de unificação ou interdisciplinaridade.
Santomé também nos ensina que,
“o século XVIII e o Iluminismo transformaram a Enciclopédia em seu modelo, uma defesa da unidade e condensação da diversidade de saberes e práticas, convertendo-a ao mesmo tempo em um instrumento de luta ideológica e expressão de uma nova atitude intelectual caracterizada por uma rejeição frontal da autoridade dogmática e pela tradição.” (Santomé, 1998 : 47)
Para os enciclopedistas, tinham de ser feitas conexões entre os distintos
âmbitos do saber, tentando-se, dessa forma, ligar ciência, técnica, razão e prática social.
“A unidade das diferentes áreas de conhecimento facilitaria um desenvolvimento mais harmonioso de cada disciplina em relação com as demais, permitindo assim solucionar de um modo mais eficaz os
problemas inerentes ao desenvolvimento da sociedade.” (Santomé, 1998 : 47)
No entanto, com a chegada da industrialização e seus modelos capitalistas,
começa a haver a necessidade de uma existência de especialistas, os quais deveriam deter
parcelas significativas de intensa especialização e conseqüente disciplinaridade em seus
conhecimentos. O pensamento positivista e cientificista predomina, fazendo com que cada
disciplina ficasse encerrada em um isolamento absoluto, totalmente contrário ao ideal
interdisciplinar. Esse momento sócio-histórico, no entanto, evidencia um grande paradoxo,
no que concerne ao plano de idéias, pois, ao mesmo tempo em que se valorizavam as
especializações, persistia a existência de um modelo do que era considerado pessoa culta e
educada. Este modelo de indivíduo não poderia dominar uma só área de conhecimento,
mas, ao contrário, ter cultura significava ter conhecimentos sobre todas as especialidades
do saber, mesmo num mundo de trabalho que exigia domínios muito específicos, devido à
necessidade de especialização cientifica ou tecnológica.
“Em meados do século XX, o movimento histórico de especialização e compartimentação na produção dos saberes já não dava conta de responder a certas questões que a realidade apresentava. Começaram a surgir problemas que as ciências modernas, estanques em suas identidades absolutas, não são capazes de resolver – e, às vezes, nem mesmo de abordar. É o caso, por exemplo, dos problemas ecológicos, os quais não podem ser somente abordados pela biologia, ou apenas pela geografia, ou apenas pela política. A ecologia constitui-se num novo território do saber, marcado pela interseção de vários campos de saberes.” (Gallo 1998:27)
A Educação, da mesma forma que a Ecologia, precisa ser entendida como
uma área de conhecimento que representa um espaço de saberes múltiplos, e as propostas
interdisciplinares existem para possibilitar um trânsito livre por esses diversos saberes,
rompendo desta forma com suas fronteiras e buscando respostas para assuntos mais
complexos, como os ecológicos e os educacionais.
Podemos afirmar, de acordo com o que nos ensina Santomé, que os
momentos que marcaram as concepções teóricas do marxismo, do estruturalismo, a teoria
geral dos sistemas e o desconstrutivismo foram de extrema importância para o ressurgir do
pensamento interdisciplinar.
Mais especificamente a respeito do estruturalismo, vemos que, em 1970,
quando da realização do Seminário sobre Interdisciplinaridade nas Universidades, o qual
fora organizado pela OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico)
e pelo Ministério da Educação francês, o famoso educador Jean Piaget explica:
“como na busca das estruturas comuns a todas as disciplinas, no sentido de princípios de explicação ou sistemas subjacentes de transformação e auto-regulação, encontra-se um dos impulsos decisivos para a filosofia da interdisciplinaridade”.(Santomé, 1998 : 50).
Segundo Piaget vemos que,
”não temos mais que dividir a realidade em compartimentos impermeáveis ou plataformas superpostas correspondentes às fronteiras aparentes de nossas disciplinas cientificas, pelo contrário, vemo-nos compelidos a buscar interações e mecanismos comuns..” (Piaget in apud Santomé, 1998 : 52)
Já a teoria geral de sistemas, também conhecida como “ciência da
integridade”, estuda a maneira global pela qual se acham relacionados os elementos que
compõem um determinado sistema, os quais interagem de modos diferentes. Termos como
feedback, homeostasia, entropia, simetria e isomorfismo são conceitos importantes dessa
teoria, e ressaltam a preocupação pelos diversos níveis e formas de interação
multivariáveis., onde a prática interdisciplinar é, praticamente, obrigatória.
Sobre o movimento desconstrutivista de Jackes Derrida, temos que,
“também servirá de estímulo para o pensamento interdisciplinar, pois nesta tarefa de desestruturar ou decompor as estruturas nas quais se baseia uma determinada arquitetura conceitual, de repensar os pilares sobre os quais se ergue determinada teoria, conceito ou análise, é muito importante ter a suficiente flexibilidade e domínio de outras áreas do conhecimento para colocar-se fora dessa determinada tradição, que em geral incorpora muitas questões ou elementos não pensáveis, assumidos por herança como válidos e inquestionáveis.” (Santomé, 1998 : 51).
De acordo com o que nos ensina Vygotsky, psicólogo que segue a linha
educacional de pensamento sócio-interativista, podemos afirmar que, da mesma forma que
a interação entre indivíduos e o meio sócio-cultural que os cerca é importante para o
próprio desenvolvimento humano, a interação entre as diversas disciplinas que integram
uma mesma grade curricular de um determinado curso também precisam estar integradas
em perfeita sintonia por meio da utilização de uma abordagem interdisciplinar. Tal prática
mostra–se bastante apropriada para o desenvolvimento e ampliação de conhecimentos do
individuo visto em sua totalidade e complexidade quando inseridos em um determinado
contexto acadêmico. As disciplinas não podem ser vistas de forma compartimentalizada,
ou seja, totalmente sem dependência umas das outras, mas, ao contrário, devemos sempre
procurar elos que as possam interligar e relacionar em seus contextos.
Aplicando tal pensamento ao ensino de línguas, podemos aproveitar o que
Vygotsky nos ensinou no que diz respeito à linguagem. Segundo ele, a linguagem é “um
instrumento capaz de mediar toda a atividade humana”. A relação do homem com o
mundo não é direta, mas, precisa ser mediada por “ferramentas auxiliares” da atividade
humana, e a linguagem, entendida aqui como meio utilizado para a comunicação entre
indivíduos, mostra ser nossa mediação por excelência. O aluno que aprende línguas
estrangeiras técnicas / instrumentais em um curso poli(técnico) talvez sinta essa realidade
de uma forma mais clara porque a ele são apresentados textos em uma língua que não é a
que ele usa em seu dia-a-dia, mas que se faz muito necessária quando precisa utilizá-la
para entendimento de uma realidade com a qual possa vir a se deparar a qualquer momento
em sua vida profissional, e se ele não tem conhecimento dessa outra língua, a comunicação
de fatos e dados não será alcançada por ele, e isso certamente frustrará sua realização não
somente como profissional, mas também como ser humano, uma vez que não consegue
obter e nem fazer qualquer tipo de comunicação. A linguagem carrega em si os conceitos
generalizados e elaborados pela cultura humana de uma forma geral, ou, dentro de um
determinado grupo que faz e cria códigos específicos para sua comunicação, como é o caso
das línguas técnicas / instrumentais quando inseridas em seus contextos de trabalho. Esse
pressuposto da mediação é fundamental na perspectiva sócio-histórica estudada por
Vygotsky porque é através dos instrumentos e signos que os processos de funcionamento
psicológico são fornecidos pela cultura de um determinado grupo social ou profissional.
No que tange à relação aprendizagem-desenvolvimento, Vygotsky considera
que o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que realize num
determinado grupo cultural, que aqui é o grupo de trabalho a que pertence o aluno, e ele se
dá a partir da interação com outros indivíduos de seu grupo. Tal fato pode perfeitamente
ser transferido para o entendimento que sustentamos acerca da integração entre as diversas
disciplinas de uma mesma grade curricular em um determinado curso, a qual se dá através
do diálogo interdisciplinar entre as mesmas.
Dentro do contexto técnico-acadêmico, a língua inglesa técnica /
instrumental é ferramenta básica para que possa haver comunicação e entendimento da
linguagem específica para cada área técnica de conhecimento, daí poder ela ser
considerada como disciplina concentradora, já que está presente, de forma constante, em
muitas das outras disciplinas da grade curricular onde ela se acha inserida. Tal presença se
dá de forma bastante intensa no ensino técnico em geral, e pode ser facilmente detectada
em termos e expressões técnicas que, muitas vezes, não chegam nem a ser traduzidas para
a língua portuguesa. O aluno tem que saber o significado desses termos e expressões para
que sejam capazes de compreender, de forma mais ampla e contextualizada, os seus reais
significados.
3.1. POR QUE SE OUVE FALAR TANTO EM INTERDISCIPLINARIDADE NA
ATUALIDADE?
Vivemos em uma sociedade global. Todas as ações e conhecimentos devem
estar articulados e relacionados para que os anseios desse nosso novo modo de viver
possam vir a surtir os efeitos desejados para uma vida mais feliz. A abordagem
interdisciplinar é adotada em todas as situações em que seja preciso tomar decisões
importantes a nível de âmbito social. Não é ela algo a ser pensado somente em termos
educacionais. De acordo com Alarcão vemos que
“no momento atual, marcado pela globalização do capital e do trabalho e da revolução tecnológica, pela organização da sociedade do conhecimento, o mundo do trabalho vem exigindo dos trabalhadores um preparo muito mais aprimorado do que o exigido na época da revolução industrial. Reafirmo, então, ser função social e política da escola preparar um novo homem. Esse homem é aquele que reúne, em sua bagagem cognoscitiva altamente qualificada, a polivalência, a especificidade, a participação, a flexibilidade, a liderança, a cooperação, a comunicação, o domínio de diferentes linguagens, as competências para pensar de modo abstrato, de tomar decisões e de saber trabalhar em equipe. Tal formação e tais competências poderão favorecer a ocupação de diferentes postos conforme as exigências do mundo do trabalho globalizado.” (Alarcão,2001:73 / 74)
Mais especificamente, em termos educacionais, vemos que, de acordo com
Santomé ,
“para estimular a função das Universidades e demais instituições dedicadas à pesquisa, para torná-las mais inovadoras e criativas, requerem-se programas nos quais a interdisciplinaridade tenha mais peso.”(Santomé, 1998 : 52)
A crescente complexidade dos problemas enfrentados pelas sociedades
modernas, onde as mudanças ocorrem a todo instante e com muita velocidade, exigem
políticas científicas gerais que desenvolvam e fomentem o trabalho e a pesquisa
interdisciplinar. E podemos observar tal tendência não somente do ponto de vista
educacional. Santomé chama a atenção para o fato de que durante o século XX,
“apostar em propostas interdisciplinares não começa e acaba com justificativas de ordem estritamente científica: em quase todas as ocasiões observamos, paralelamente ou ligados a ela, mudanças nas estruturas institucionais, novas relações de ensino, novos pontos de vista sobre a relação entre a universidade e a sociedade, etc.”(Santomé, 1998 : 53).
Ainda de acordo com Santomé, vemos que,
“A preocupação com o conhecimento aplicado tem muito a ver com a defesa da interdisciplinaridade. ... Há a necessidade de um conhecimento prático dela. Atualmente já possuímos bons exemplos da fecundidade da interdisciplinaridade para resolver problemas práticos. Um exemplo disso encontra-se no progresso da pesquisa operacional durante todo o século XX. Desde o início da Primeira Guerra Mundial, e principalmente durante a Segunda, existia uma forte preocupação para se chegar a um tratamento científico das situações militares; pretendeu-se colocar à disposição dos interesses dos poderes militares todos os conhecimentos de todas as disciplinas para fazer e ganhar as batalhas cientificamente, atendendo de maneira especial às dimensões econômicas.”(Santomé, 1998 :53)
Mais adiante Santomé acrescenta:
“A natureza interdisciplinar já é visível nos programas promovidos por organizações internacionais militares como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), onde atualmente estão sendo desenvolvidos cinco programas especiais: Tecnologias avançadas de educação, Ciência em nível atômico-molecular, Química Supra-molecular, Mudanças climáticas globais e Física dos Fenômenos Caóticos (Rausell in apud Santomé, 1998 : 53 e 54)
As razões e finalidades para a adoção de propostas interdisciplinares
costumam ser muito diferentes, mas todas coincidem em que haja uma necessidade para
tal, se realmente quisermos chegar a compreender o mundo em que vivemos e enfrentar de
forma racional todos os problemas que assolam o nosso cotidiano, além dos problemas
futuros. O que se pode constatar é o fato de que a abordagem interdisciplinar vem
desempenhando um papel importantíssimo na solução de problemas sociais, tecnológicos e
científicos, contribuindo ao mesmo tempo para esclarecer novos e ocultos problemas que
não podem ser resolvidos por análises meramente disciplinares. No entanto, a adoção por
utilizar políticas a favor da interdisciplinaridade requer mudanças em estruturas
institucionais, além de demandar a necessidade de existirem novas relações entre
especialistas, mudanças essas que precisam estar embasadas em espírito de colaboração, e
que, ao mesmo tempo obriga a existência de uma ligação bastante íntima entre as
instituições universitárias de pesquisa e ensino, juntamente com o restante das esferas da
sociedade.
No que concerne ao campo de trabalho, vemos que há na atualidade uma
exigência de novas necessidades de economias de produção flexível, o que requer
conhecimento de base interdisciplinar por parte de todos os profissionais.
A interdisciplinaridade e as práticas educacionais integradas estão, de
acordo com Santomé,
“baseadas na internacionalização da vida social, econômica, política, cultural, religiosa e militar. Chegamos a uma etapa histórica na qual é impensável a não-cooperação em nível internacional. As decisões que qualquer governo é obrigado a tomar sempre precisam da consideração das perspectivas internacionais. Isto se manifesta em todos os âmbitos de qualquer sociedade. Assim vemos, por exemplo, como a própria política de desenvolvimento da ciência e tecnologia proposta pelos governos sempre está condicionada por interesses e exigências de ordem internacional. Portanto, entender o significado das propostas curriculares integradas obriga-nos também a levar em conta as dimensões globais da sociedade e do mundo em que vivemos, e estar atentos à revolução informativa e social na qual estamos imersos.”(Santomé, 1998 : 83)
3.3. QUAIS OS TIPOS DE EXISTENTES DE INTERDISCIPLINARIDADE?
Antes de falarmos sobre tipos de interdisciplinaridade, convém lembrar que
“ as razões da existência ou não de dinâmicas interdisciplinares não radicam apenas nos avanços científicos ou na formação de especialistas, mas também nas condições econômicas, políticas, militares, culturais e sociais de cada sociedade em cada momento histórico concreto.
As estruturas científicas e, portanto, as mentalidades dos e das especialistas, estão mediatizadas pelos interesses de grupos sociais, econômicos, militares, por tradições culturais, por pressões de outro países, etc. “ (Santomé, 1998 : 81).
Desde o Seminário Internacional sobre Interdisciplinaridade nas Universidades, realizado em 1970, na França, o qual fora organizado pelo Ministério de Educação francês, vemos que o tema sobre trabalho interdisciplinar vem sendo abordado com bastante freqüência em muitas publicações e instituições. Muitos autores concordam a respeito de uma nova construção e reconstrução de perspectivas mais holísticas, no que concerne a assuntos relacionados à pedagogia. Deve-se praticar atentamente uma integração e real articulação entre as diversas áreas de conhecimento, para que essa perspectiva holística possa ser alcançada quando lidamos com processos formativos e informativos.
Dependendo do grau de integração de diferentes disciplinas que sejam reagrupadas em um determinado momento, podem ser estabelecidos diferentes níveis de interdisciplinaridade, entendendo-se esta não simplesmente como uma mera justaposição de disciplinas, o que, de modo algum, vem a caracterizar a real interdisciplinaridade, pois não estabelece relações reais, mas apenas “coincidências esporádicas de maneira temporal e institucional” (Santomé, 1998 : 68).
Vários autores fazem classificações distintas para as possíveis modalidades de interdisciplinaridade. Mencionaremos a seguir as classificações feitas por três importantes autores: Césare Scuratti, Jean Piaget e Erick Jantsch, de acordo com o que nos ensina Santomé (1998: 68, 69, 70).
Para Scuratti existem seis níveis diferentes de interdisciplinaridade. São eles:
- A interdisciplinaridade heterogênea, a qual baseia-se na “soma” de informações vindas de outras disciplinas;
- A pseudo-interdisciplinaridade, onde estabelece-se um nexo de união em
torno de uma “metadisciplina”, e que é usada para trabalhar com disciplinas que sejam muito diferentes entre si;
- A interdisciplinaridade auxiliar, em que se empregam metodologias de
pesquisa advindas de outras áreas de conhecimento; - A interdisciplinaridade composta, a qual propõe uma intervenção de
equipes de especialistas de múltiplas disciplinas, as quais analisam de forma conjunta todos os aspectos sócio-históricos da situação em estudo;
- A interdisciplinaridade complementar, quando se produz uma
sobreposição do trabalho entre especialidades que coincidem em um mesmo objeto de estudo, e,
- A interdisciplinaridade unificadora, onde existe uma autêntica integração
de disciplinas, que é resultante de um marco teórico comum e que também cria uma metodologia própria de pesquisa.
Jean Piaget também faz uma importante hierarquização referente a níveis de
integração entre disciplinas. De acordo com sua teoria, a finalidade da pesquisa interdisciplinar é tentar uma recomposição ou reorganização dos âmbitos do saber, através de uma série de intercâmbios que na verdade consistem de recombinações construtivas que superam as limitações que impedem o avanço científico. Neste sentido, chama enfaticamente a atenção para a forca e potencial explicativo de interações já assumidas por todos, como a sociolingüística, a bioquímica, a biotecnologia, as ciências da educação, etc.
Para Piaget existem três níveis de integração entre disciplinas: o da
multidisciplinaridade, o da interdisciplinaridade e o da transdisciplinaridade. A multidisciplinaridade é o nível inferior de integração entre disciplinas. Ela
acontece quando busca-se informação e ajuda em outras disciplinas, sem que, no entanto, tal interação resulte em uma real modificação nessas disciplinas. Costuma caracterizar a primeira fase da formação de equipes de trabalho interdisciplinar.
A interdisciplinaridade é, para Piaget, o segundo nível de integração entre
disciplinas, onde uma cooperação entre elas resulta em intercâmbios reais, os quais irão permitir enriquecimentos mútuos entre as mesmas.
E por fim temos o nível da transdisciplinaridade que, para Piaget, é a etapa
superior de integração interdisciplinar, onde verifica-se a construção de um sistema total, sem barreiras sólidas que separem as várias disciplinas.
A classificação a respeito dos diferentes níveis de interdisciplinaridade
proposta por Erich Jantsch, no Seminário da OCDE, em 1979, costuma ser a mais
divulgada. Para ele, esses níveis integracionais se subdividem em: multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, disciplinaridade cruzada, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
De acordo com essa classificação temos que a multidisciplinaridade é o
nível mais baixo de coordenação interdisciplinar, que consiste da mera justaposição de matérias diferentes, as quais são apresentadas de maneira simultânea, com a simples intenção de esclarecer elementos comuns, mas sem estabelecer de forma clara os nexos de interligação entre as matérias.
Já a pluridisciplinaridade pode ser entendida como a justaposição de
disciplinas mais ou menos próximas dentro de um mesmo setor de conhecimentos, podendo ser interpretada como “uma forma de cooperação que visa melhorar as relações entre essas disciplinas, onde há a relação de mera troca de informações, uma mera acumulação de conhecimentos.” (Santomé, 1998 : 71)
A disciplinaridade cruzada assume uma abordagem baseada em posturas de
força e poder, uma vez que uma determinada matéria vai ser considerada mais importante que as outras, e, assim sendo, exercerá domínio sobre as outras, impondo sobre estas conceitos, métodos e marcos teóricos.
A interdisciplinaridade nesta classificação refere-se à junção de estudos
complementares de vários especialistas inseridos em um contexto de âmbito mais coletivo, e que implica em uma vontade e compromisso de elaborar um novo contexto mais amplo onde cada disciplina vai ser modificada, passando a existir uma interdependência entre as disciplinas que estão reunidas, o que resulta em intercomunicação e enriquecimento recíproco, tendo como conseqüência a transformação de metodologias de pesquisa, de conceitos e de terminologias fundamentais. Há nesse tipo de inter-relação um equilíbrio de forças nas relações que são estabelecidas.
Por último, podemos observar o que Erich Jantsch denomina de
transdisciplinaridade, que é, segundo ele, o nível superior de interdisciplinaridade e de coordenação, onde desaparecem os limites entre as diversas disciplinas e se constitui um sistema total que ultrapassa o plano das relações e interações entre tais disciplinas. A cooperação é tal que já podemos falar do aparecimento de uma nova macrodisciplina. Aqui a integração ocorre dentro de um sistema onicompreensivo, na perseguição de objetivos comuns e de um ideal de unificação epistemológica e cultural.
O que é importante reconhecer, independentemente da classificação que se
queira adotar, é o fato de que existe a necessidade, além da real possibilidade, de que haja uma unidade de ciências. No entanto, esse tipo de unidade só terá sentido se for capaz de apreender, de forma simultânea, a unidade e a diversidade, a continuidade e as rupturas.
4. O QUE É PENSAMENTO COMPLEXO E QUAL A SUA RELAÇÃO COM A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR? POR QUE RELACIONAR COMPLEXIDADE E ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR?
De acordo com Edgar Morin, famoso filósofo francês contemporâneo,
pensador e analista da teoria do pensamento complexo, uma reforma de pensamento no que
diz respeito a novas propostas de paradigmas educacionais, é algo extremamente
importante e necessário nos dias atuais. O termo “complexidade” surgiu na obra de Morin
no final dos anos 60. Para ele, urge a criação de um entendimento amplo, reflexivo,
analítico e geral a respeito de todo o contexto sobre o qual se processa e opera o
conhecimento, ou seja, todas as implicações contextuais são peças fundamentais no
processo de produção e construção do conhecimento, e assim sendo, deve-se compreender
todo o conhecimento como um movimento do todo em direção às partes, e das partes em
direção ao todo.
No pensamento complexo considera-se todas as influências recebidas pelo
indivíduo durante qualquer processo de aquisição de conhecimentos. São consideradas
tanto as influências internas como também as externas. Esse deve ser também o mesmo
tipo de pensamento que deve ser adotado quando falamos de processos e planejamento
educacionais, uma vez que estes também são sempre influenciados por tudo e todos que
participam do meio educacional considerado. O pensamento complexo é não-linear, pois
integra diversos modos simplificadores do pensar, negando dessa forma quaisquer tipos de
reduções ou fragmentações. Ele enfrenta a confusão, a incerteza, a dúvida e a contradição,
mas ao mesmo tempo, convive com a cooperação e a solidariedade de tudo e de todos os
envolvidos em um determinado processo interdisciplinar. O pensamento complexo é
idêntico ao ser humano, o qual também é um ser complexo, pois concentra em si
fenômenos distintos e diversos capazes de influir em todas as suas ações, e então
transformar-se de forma constante. E é exatamente essa capacidade integradora e
constantemente transformadora que tem que existir em todo o processo de aquisição de
conhecimento.
Ao contrário do que se imaginava na época de Descartes, durante o período
positivista, vemos que as ciências não têm um fundamento único, último e seguro de
conhecimento. Todas as coisas são muito relativas, imprevisíveis e influenciáveis pelo
meio e pessoas, e assim sendo, não podem ser simplesmente abstraídas, separadas, para
serem estudadas e entendidas. Na época cartesiana, seguia-se o princípio da separação, da
fragmentação, onde as dificuldades eram separadas umas das outras, para serem
posteriormente resolvidas e assim, resolveriam-se os problemas. Esse princípio de
separação era confirmado pela separação das disciplinas umas em relação às outras. No
entanto, o que ocorria era a abstração, a separação de um corpo de seu meio natural, que,
colocado em um meio artificial, era controlado, não permitindo a integração do observador
com o objeto estudado. A solução encontrada não integrava o objeto à sua realidade.
O positivismo separa, abstrai, fragmenta, e ao contrário, o complexo
distingue e integra, não mutila. Esse processo de fazer distinções no pensamento complexo
é a chamada “desordem ordenada”, pois ele faz o reconhecimento das diferenças e
especificidades de cada coisa, mas depois as integra. É preciso passar pela “desordem”
para clarificar, entender e então, em momento posterior, ordenar o todo.
No entanto, toda a sistemática ordenadora do positivismo teve sua
importância inegável em termos de organização, e tem recebido reconhecimento dos
estudiosos da complexidade que reconhecem o valor de tal ordenamento, no entanto, os
tempos mudaram. As coisas todas foram passando por processos bastante complexos de
evolução. A linha de pensamento positivista foi utilizada até o início do século passado,
mas esta foi sendo substituída por uma verdadeira revolução no campo da ordem e da
certeza – surge o reconhecimento da desordem e da incerteza, tão características de nossa
realidade.
Segundo Morin, no artigo O Pensar Complexo, publicado em 1994, “a
desordem traz o incerto porque não temos mais um algoritmo, não temos mais um
princípio determinista que permita conhecer as consequências de tal ou tal fenômeno.”
Toda essa teorização a respeito da desordem teve sua origem com Boltzman, no século
XIX, que atestou que o fenômeno calorífico é fenômeno de agitação ao acaso de
moléculas. A desordem aparente dessa agitação de moléculas está também instaurada em
nossas atividades, que “comportam sempre fenômenos caloríficos, porque produzimos
calor a partir do momento em que fazemos qualquer ação. Viver é um fenômeno calorífico,
logo, nosso universo é inseparável da desordem.”(Morin, 1994)
Vimos que na segunda metade do século passado houve o aparecimento das
chamadas ciências sistêmicas, com destaque para a Ecologia, que, a partir de 1935
começou a fazer uso da noção de ecossistema, ou seja, começou a observar as interações
entre os diversos seres vivos, vegetais, animais, unicelulares. Esse fenômeno tem um certo
número de propriedades que não se encontram nos seus elementos concebidos
isoladamente. Nos anos 80, a Ecologia desenvolveu-se como ciência da biosfera em geral,
onde mais interfere a ação das sociedades e das civilizações humanas.
É claro que existem ainda muitas resistências por parte de outras ciências a
respeito dessa intercomunicação e complexidade, mas o fato é que reflexos desse
pensamento podem ser detectados em muitos outros campos de conhecimento
científico.Podemos citar o exemplo de Maurice Allais, Prêmio Nobel de Economia, quando
declarou: “Em economia, tudo depende de tudo e tudo age sobre tudo”. Von Hayec,
teórico do liberalismo econômico reconhece dizendo que “ninguém pode ser um grande
economista sendo somente um economista. Aquele que é somente economista torna-se
nocivo e pode constituir um perigo verdadeiro.”
Ainda de acordo com Morin, “qualquer pessoa que tenha estudado um
pouco de sociologia sabe que somos obrigados a nos situar, reconhecer-nos anos mesmos
para falar da sociedade da qual fazemos parte.”(Morin, 1994) É claro que tais
pensamentos têm reflexos diretos na área da Educação, e é por isso que a abordagem
interdisciplinar mostra-se condizente com eles.
Para Morin, o pensamento complexo consiste em uma viagem em busca de
um modo de pensamento capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério
do real, e de saber que as determinações – cerebral, cultural, social, histórica – que se
impõe a todo o pensamento co-determinam sempre o objeto de conhecimento. É ele um
tipo de pensamento que é capaz de considerar todas as influências, internas e externas,
recebidas pelo ser humano. É o tipo de pensamento totalmente oposto ao linear, pois
integra os modos simplificadores do pensar e, conseqüentemente, nega resultados
mutiladores, unidimensionais e reducionistas. Esse tipo de pensamento, devido à sua vasta
amplitude de análise, lida, ao mesmo tempo, com confusão, incertezas, contradições e
também solidariedade entre todos os fenômenos que existem no ser humano. Da mesma
forma que o ser humano, que é um ser extremamente complexo que concentra em si
fenômenos diversos capazes de influir em suas ações e conseqüentes transformações, assim
também é o conhecimento.
Todas as coisas que acontecem e existem em determinado contexto são
participantes desse processo de aquisição de conhecimento, e aí incluímos não somente as
relações existentes entre as pessoas inseridas em um determinado contexto, mas também
todas as implicações econômicas, históricas, políticas, culturais, étnicas, geográficas,
lingüísticas, psicológicas e até mesmo as relacionadas com aspectos de religiosidade desse
grupo de pessoas, e todas determinam de forma importante e decisiva a maneira como elas
adquirem e têm interesses para aumentar seu cabedal de conhecimentos. Toda essa gama
de contribuições de acontecimentos formam uma teia complexa de diferentes aspectos que
são parte da própria essência humana, e a isso, denominamos pensamento complexo, tão
estudado e analisado por Edgar Morin.
Quando pensamos no ser humano, não podemos fazê-lo de forma
compartimentalizada, pois ele é formado por órgãos que trabalham juntos a todo o instante,
e nem tampouco podemos esquecer que ele tem sentimentos que norteiam suas reações e
comportamentos, e até mesmo o funcionamento de seus órgãos constitutivos. Um ser
humano não “desliga” um órgão para utilizar outro, ou seja, ele não anula uma parte de si
para fazer as coisas que precisa. Seu lado psicológico aliado a todas as outras facetas
contextuais que o cercam determinam seu modo de agir e pensar. Todas essas facetas (a
psicológica, a social, a econômica, a cultural, a relacionada a suas atividades de trabalho)
acham-se interligadas e conectadas à sua própria essência, e conseqüente ação em qualquer
atividade que deseje fazer.
Essa posição abrangente e articuladora é claramente interdisciplinar, pois
congrega todos esses aspectos que fazem parte do cotidiano do aluno, do professor, assim
como também de todas as outras pessoas que envolvem o espaço da escola. Há a
necessidade de conhecer cada uma dessas partes que formam esse contexto, para
chegarmos a um conhecimento acerca de cada indivíduo e suas necessidades de ampliação
e aquisição de conhecimento. Segundo Fazenda, temos que:
“Conhecer a si mesmo é conhecer em totalidade, interdisciplinarmente. Em Sócrates, a totalidade só é possível pela busca da interioridade. Quanto mais se interiorizar, mais certezas vai se adquirindo da ignorância, da limitação, da provisoriedade. A
interioridade nos conduz a um profundo exercício de humildade (fundamento maior e primeiro da interdisciplinaridade). Da dúvida interior à dúvida exterior, do conhecimento de mim mesmo à procura do outro, do mundo. Da dúvida geradora de dúvidas, a primeira grande contradição e nela a possibilidade do conhecimento, do conhecimento de mim mesmo ao conhecimento da totalidade.”(Fazenda, 1994, : 15)
Dentro do contexto interdisciplinar devemos sempre observar, refletir e ampliar as discussões acerca da importância das relações entre os conteúdos de uma e outra disciplina; entre as disciplinas e o curso; entre as disciplinas e a vida, e assim sucessivamente, a fim de não se estimular a elaboração de conhecimentos parcelados advindos do pensamento linear, mas promovendo-se a construção de um saber uno, com visão conjunta e de um todo composto por muitos aspectos (Petraglia.2001:75).
Quando pensamos na organização de um curso de graduação como um
“todo”, consideramos as disciplinas que o compõe como partes integrantes e significativas,
as quais, de forma específica e particular, apresentam suas características e qualidades
individuais. A visão de seus recortes são importantes, enquanto estudo de aspectos
próprios, ao mesmo tempo que contribuem para a visão e compreensão de todo o conjunto,
na dimensão do ser e do saber.
Para entendermos a complexidade é preciso que realizemos um esforço para
tentarmos articular os vários aspectos acerca de um determinado objeto que queiramos
estudar. Segundo Morin, precisamos aprender a desarticular antes de articular. Não
devemos “fatiar o terreno”, ou seja, não devemos cortá-lo rodela por rodela, ou separar
disciplina por disciplina. A verdadeira análise de um objeto em estudo consiste em
diferenciar os elementos a ele inerentes e depois religá-los em níveis específicos de
complexidade.
5. ESPECIALIZAÇÃO – VANTAGENS E DESVANTAGENS
Seria de extrema imprudência e total desconhecimento sobre o assunto
afirmar que a teoria do pensamento complexo não admite especializações em disciplinas.
Ao contrário, esse tipo de teoria reconhece e aceita a importância, e até mesmo a
necessidade de termos profissionais especializados em suas respectivas áreas de
conhecimento. É preciso entender que aquilo que a teoria do pensamento complexo não
admite é o fato de que os detentores de tais especialidades se fechem hermeticamente à
outras disciplinas, e, conseqüentemente, não estejam prontos a fazer intercâmbios, os quais
só têm a acrescentar e aprimorar para que haja uma integração necessária ao entendimento
global e integral de todas as disciplinas. O que é amplamente inaceitável para os
seguidores do pensamento complexo é a hiper-especialização. Esta sim é algo mutilante,
pois não é algo real, ou seja, é uma prática totalmente abstrata que desconhece e
desconsidera todos os fatores que integram o meio onde o objeto em estudo se acha
inserido. Por outro lado, a especialização, algo positivo, é bem diferente da
compartimentação, da hiper-especialização, uma vez que a primeira admite a possibilidade
de diálogos com tudo o que a cerca, enquanto que a segunda não tem qualquer interesse em
fazer trocas com qualquer fato que não lhe diga respeito de forma direta.
Quando, por exemplo, se fala em equipe interdisciplinar, devemos lembrar
que cada membro que a integra tem um determinado papel, uma determinada
especialidade, mas é o diálogo e os acréscimos advindos dele que fazem com que o
trabalho interdisciplinar seja algo tão rico e completo. Dentro de princípios éticos, cada
membro de uma equipe interdisciplinar se solidariza e aprende com todos os outros. O
trabalho interdisciplinar é uma atividade feita de acordo com a própria visão holística que
se deve adotar quando tratamos de indivíduos e sua formação educacional totalizadora.
6. O QUE É TRANSDISCIPLINARIDADE?
Edgar Morin nos ensina que a transdisciplinaridade consiste no intercâmbio
e articulações feitas entre as diferentes disciplinas que integram uma grade curricular de
determinado curso. Quando do uso da transdisciplinaridade, o que ocorre é a superação e o
desmoronamento de toda e qualquer fronteira que possa vir a inibir, reprimir, reduzir e
fragmentar o saber, por meio de isolamento do conhecimento em territórios delimitados.
Na prática interdisciplinar não há espaço para conceitos fechados ou pensamentos
estanques, enclausurados hermeticamente em gavetas disciplinares, mas há
obrigatoriamente a busca de todas as possíveis relações que possam existir entre todo o
conhecimento. “Ela é fruto do paradigma da complexidade, fundamentada por uma
epistemologia da complexidade, estando nela presentes as interligações Sujeito-Objeto-
Ambiente.” (Petraglia, 2001 : .75).
O conceito a respeito de transdisciplinaridade aceita a prioridade de uma
transcedência, de uma modalidade de relação entre as possíveis disciplinas que a supere.
Segundo o que dispõe Santomé (1998:74), a transdisciplinaridade é o nível superior da
interdisciplinaridade e de coordenação onde desaparecem os limites entre as diversas
disciplinas e se constitui um sistema total que ultrapassa o plano das relações e interações
entre tais disciplinas. Há uma cooperação tal que já podemos até falar no aparecimento de
uma nova macrodisciplina. Na transdisciplinaridade, a integração entre as disciplinas
ocorre em um sistema onicompreensivo, em uma perseguição de objetivos comuns e de um
ideal de unificação epistemológico e cultural.
Quando se fala em transdisciplinaridade, há o reconhecimento de que uma
disciplina necessita do apoio, do diálogo e da integração com outras disciplinas que
integram determinada grade curricular. É o que geralmente ocorre, ou deveria ocorrer, no
caso do ensino de línguas estrangeiras técnicas / instrumentais. Essa disciplina é
interessante para o aluno, não só porque traz informações lingüísticas, mas também, e
principalmente, pelo fato de que, através de textos escritos em línguas estrangeiras, o aluno
é capaz de aprender algo mais a respeito de um assunto que tem caráter técnico de seu
interesse, e que esteja sendo ensinado em uma outra disciplina. Desse modo, o aluno tem
uma compreensão global desse determinado assunto, e uma disciplina pode até vir a
complementar e/ou reforçar algo que seja objeto de estudo em outra ou outras disciplinas
de seu curso. O aluno vê que não há fragmentação de informações, já que estas estão
sempre em consonância entre as diversas disciplinas. Por exemplo, um aluno de um curso
de Fibras Ópticas que esteja aprendendo na disciplina Fibras Ópticas métodos de
fabricação das mesmas, pode conhecer termos referentes a esse assunto quando estuda a
disciplina de Inglês Técnico, uma vez que os nomes dos três processos de fabricação
dessas fibras vêm de terminologias em língua inglesa. São eles os processos OVD (Outside
Vapor Deposition – Deposição de Vapor Externo), IVD (Inside Vapor Deposition -
Deposição de Vapor Interno) e MCVD (Modified Chemical Vapor Deposition –
Deposição de Vapor Químico Modificado). Essas terminologias não são traduzidas para a
língua portuguesa, mas quando um texto em língua inglesa fala sobre esse assunto, o aluno,
além de fixar os nomes desses processos, é lembrado de fatos gramaticais que ocorrem
nesses termos, que é, neste caso específico, o fato de que adjetivos ou quaisquer outros
modificadores de substantivos sempre antecedem estes últimos.
7. POR QUE UTILIZAR TRANSDISCIPLINARIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE
EM CURSOS TÉCNICOS?
Por tudo o que já pudemos expor até agora, nos parece bastante claro e
evidente o fato de que quando da utilização das abordagens pedagógicas inter e
transdisciplinar, principalmente no ensino de línguas técnicas /instrumentais, o ensino
assume uma postura de informação e formação do aluno em uma real contextualização de
sua própria realidade e necessidade. Tudo o que ele aprende está relacionado e integrado
com aquilo que ele pretende e precisa aprender para poder utilizar tais ferramentas como
reais instrumentos de trabalho em seu dia-a-dia. Não existem assuntos desconectados,
fragmentados. As disciplinas são selecionadas de acordo com as necessidades de
conhecimento do aluno, e dialogam entre si, fazendo do currículo que integram algo
perfeitamente interligado, articulado e condizente com seu papel de meio facilitador e
formador para o campo de trabalho, o que serve para motivar o aluno a querer aprender
cada vez mais.
8. A LEI DE DIRETRIZES E BASES E A INTERDISCIPLINARIDADE
A linha de pensamento que norteia a complexidade abrange o entendimento
acerca da visão da formação do aluno em sua totalidade, de acordo com o disposto no
artigo segundo da LDB, que diz que,
“a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o PLENO DESENVOLVIMENTO DO EDUCANDO, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Podemos verificar nesse artigo que os princípios de norteamento do ensino
privilegiam a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
Desta forma, podemos perfeitamente relacionar tal idéia de totalidade e
integralidade à formação de um novo paradigma educacional, totalmente contrário à
fragmentação e compartimentalização de disciplinas observadas no modelo cartesiano. O
aluno deve ter formação integral e isso só é possível com a adoção do modelo proposto e
executado por uma abordagem interdisciplinar.
Itens como a fomentação de um novo espírito científico; a execução de
projetos político-pedagógicos, que deve ser feita, em conjunto, por toda a equipe docente
de uma escola; a polivalência; a flexibilidade que o professor da atualidade deve assumir (o
professor que “aprende a aprender”), assim como também o encorajamento e a previsão da
existência de um pluralismo de idéias são fatores que estão presentes na LDB, e que
evidenciam claramente a real necessidade da adoção de práticas interdisciplinares em
nosso atual sistema educacional.
Com especial ênfase à feitura do projeto político pedagógico pela equipe
interdisciplinar, vemos que tal tarefa assume um compromisso bastante comprometido com
todo o meio que cerca o espaço físico da escola. De acordo com Alarcão vemos que:
“O projeto político-pedagógico-curricular, como expressão concreta do trabalho coletivo na escola, por um lado, é um elemento mediador entre a cultura interna à escola e a cultura externa do sistema de ensino e da sociedade, na conquista da autonomia da organização escolar e, por outro lado, poderá tornar-se instrumento viabilizador da construção da escola reflexiva e emancipadora.”(Alarcão, 2001:76)
Podemos concluir dizendo que, assim como existe o projeto político-
pedagógico nas escolas, o qual demanda o trabalho conjunto de todo o corpo docente, tal
prática também poderia se estender às universidades, dentro das possibilidades e
viabilidade do meio acadêmico. Se assim fosse, veríamos que a prática de articulação entre
diferentes disciplinas integrantes da grade curricular de um determinado curso só vem
colaborar para a formação integral do aluno, o que vem a ser um dos objetivos propostos
pela LDB, como já tivemos a oportunidade de mencionar neste estudo.
9. CONTEXTUALIZAÇÃO E SERENDIPIDADE
Quando falamos de contextualização temos que entendê-la como sendo a
integração de qualquer informação a que somos expostos em todo um conjunto sistêmico
que lhe dá sentido, e podemos também afirmar que a noção de contextualização está
intimamente relacionada à idéia de globalização. Tais noções não têm ligação com idéias
de hiper-especialização, fechamento ou compartimentalização, já que estas são práticas
contrárias à idéia de contextualização e conseqüente globalização. Segundo Morin
(1994:25) “Nenhum ser vivo pode viver sem seu ecossistema, sem seu meio ambiente. Isso
quer dizer que não podemos compreender alguma coisa de autônomo, senão
compreendendo aquilo de que ele é dependente. O que determina também uma revolução
no pensamento...”
No que se refere à contextualização de temas estudados em textos técnicos
em cursos de nível (poli)técnico, o professor de línguas técnicas/instrumentais deve ter a
constante preocupação em fazer uso da prática da serendipidade, que vem a ser a utilização
de estratégias de compreensão gramatical contextualizada. Seu compromisso primeiro é,
através de textos específicos na área de conhecimento onde leciona, ensinar o idioma a que
se propõe. É importante que esse profissional tenha sempre em mente que seu objetivo é
ensinar o idioma, e, dentro dos princípios éticos, não confundir sua função com a de outro
profissional que lecione uma outra disciplina nesse mesmo curso.
10. A IMPORTÂNCIA DA OBSERVAÇÃO DO COTIDIANO DO ALUNO E DO
PROFESSOR PARA UMA ADEQUAÇÃO DE MATERIAL E CURRÍCULO
ESCOLAR
Se o professor não conhece quem é o seu aluno, o que ele faz, onde ele
mora, quais os seus interesses de aprendizado e trabalho, qual a sua faixa etária, e outras
coisas mais, então fica praticamente impossível para ele saber o que, e como vai ensinar
esse aluno.
Todo o corpo docente de qualquer tipo de curso deve estar engajado no
sentido de obter um mínimo de informações a respeito de seu alunato, para que então possa
vir a planejar currículos e selecionar conteúdos, de forma integrada e interdisciplinar.
O cotidiano do aluno é que determina os elementos norteadores para o
trabalho a ser desenvolvido em sala de aula. Se o aluno, por exemplo, trabalha durante todo
o dia, e vai para a escola / universidade à noite, o professor deve trazer para sala de aula
atividades que estimulem a participação ativa e o interesse desse aluno, para que este possa
realmente se interessar e ir à escola / universidade todas as noites. As atividades
desenvolvidas com alunos adultos que trabalhem de dia e estudam ã noite são diferentes
daquelas desenvolvidas com grupos de alunos que estudem de manhã, por exemplo. Se o
aluno tem que trabalhar durante todo o dia, o professor não pode pedir que ele faça
trabalhos muito extensos e cheios de detalhes em casa, pois ele simplesmente não dispõe
desse tempo para fazê-los.
Da mesma forma, se o aluno, por exemplo, trabalha com redação de cartas
comerciais, então os professores de línguas, principalmente o de língua portuguesa (ou até
mesmo o de língua inglesa, se for o caso do aluno ter que escrever cartas em inglês em
suas funções diárias) devem trabalhar com esse tipo de conteúdo em sala de aula, a fim de
que possam dar subsídios que venham realmente facilitar essa tarefa, que para muitos
alunos é algo bastante complexo.
Da mesma forma, se o aluno pertence a uma camada social menos
favorecida, seria impraticável, por exemplo, pedir que ele comprasse livros muito caros,
pois com certeza, isso seria um fator altamente desestimulante para esse aluno. Se o
professor sabe que seu aluno não sabe falar inglês de forma fluente, seria absurdo que ele
entrasse em sala de aula falando somente inglês. Além de não ser entendido, poderia, mais
uma vez, desestimular o aluno.
Esses são apenas alguns dos inúmeros exemplos que poderíamos citar para
mostrar a importância e relevância para que o professor venha a observar atentamente o
cotidiano e realidade de seu aluno para poder oferecer a ele um ensino adequado às suas
reais necessidades.
11. A ÉTICA A SER MANTIDA QUANDO DA UTILIZAÇÃO DE PRÁTICAS
INTERDISCIPLINARES E TRANSDISCIPLINARES
É de extrema importância lembrarmos que na abordagem interdisciplinar, os
professores das diversas disciplinas e campos do saber que se acham inter-relacionados
dentro de uma determinada grade curricular de curso não podem confundir o diálogo que
suas disciplinas têm com todas as outras, com invasão indevida e antiética. Cada professor
tem sua especialidade em determinado campo de conhecimento, e essa especialidade deve
ser exercida por quem de direito. Tal diálogo não implica em supressão do valor do
conhecimento e habilidade de nenhum profissional que tenha sua especialidade. Trata-se
de um diálogo solidário e enriquecedor entre os diferentes campos do saber que integrem
determinada grade curricular, e que deve ser elo entre as diversas disciplinas, não
supressão de algumas. Uma disciplina complementa a outra, mas todas as disciplinas têm
sua autoridade e importância próprias em proporções de igual importância. Seria
inadmissível, por exemplo, encontrar um professor de Inglês Técnico que supõe estar
ensinando uma outra disciplina que não esse idioma, pelo simples fato de estar utilizando
um texto ou uma fita de vídeo que utilize informações e assuntos tratados nessa outra
disciplina. Ele simplesmente não tem a capacidade, o conhecimento necessário, a
habilitação e muito menos o direito de agir como tal. Seria o mesmo que pedir que um
médico dissesse como se constrói um edifício. Ele pode ter até uma noção de como são os
procedimentos para tal, mas de forma alguma, acha-se capacitado para dar tais tipos de
instruções, as quais devem ser proferidas por um especialista nessa área de conhecimento,
ou seja, um engenheiro civil.
A busca de uma teoria de estudos globalizante, característica da prática
interdisciplinar, advém de um trabalho cooperativo de diferentes profissionais, os quais
“ultrapassam barreiras disciplinares”, mas não destroem a “autonomia de seus parceiros” e
dos respectivos campos que participam de qualquer empreendimento de pesquisa. Os
limites individuais são, e devem ser sempre respeitados em todos os momentos.
A ética é fato que jamais deve ser esquecido, pois engloba respeito,
humildade, responsabilidade e atitude para com o próximo. O trabalho interdisciplinar é
tecido em conjunto por todos os integrantes da equipe interdisciplinar de docentes, e, como
equipe, cada um tem a sua função própria, a qual deve ser respeitada, preservada,
valorizada e exercida com solidariedade e muita responsabilidade.
12. O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA TÉCNICA / INSTRUMENTAL COMO
FACILITADOR DA PRÁTICA INTERDISCIPLINAR
EM CURSOS TÉCNICOS / POLITÉCNICOS
É de conhecimento geral e também inegável o fato de que grande parte dos
textos técnicos utilizados em universidades e cursos (poli)técnicos são redigidos em língua
inglesa, considerada por muitos a língua franca quando falamos em âmbito de termos
tecnológicos e comerciais. Basta, por exemplo, acessar a Internet para fazer qualquer tipo
de pesquisa sobre qualquer assunto técnico (e não técnico também) e veremos como essa é
a pura realidade, principalmente nos tempos atuais de globalização. Dessa forma, quando
falamos em âmbito de realidade acadêmica, vemos que esse idioma está presente na grande
maioria das disciplinas que venham a ser estudadas em salas de aula de cursos
(poli)técnicos.
A disciplina Inglês Técnico / Instrumental é, por excelência, a disciplina que
mais faz uso da abordagem transdisciplinar e interdisciplinar nesse tipo de curso, e que, por
essa razão, demanda a necessidade urgente da adoção de práticas interdisciplinares, uma
vez que aluno e professores de todas as disciplinas de determinado curso têm de estar
dialogando, de forma constante, com esse idioma. Não é raro o aluno pedir ao professor de
Inglês Técnico / Instrumental para ajudá-lo na compreensão de textos indicados em outras
disciplinas, e é por isso que afirmamos que essa disciplina tem o poder privilegiado de
requerer e reconhecer a necessidade da prática interdisciplinar. Isso sem falar na enorme
quantidade de termos técnicos em língua inglesa que são utilizados no dia-a-dia do aluno e
que, na grande maioria das vezes sequer são traduzidos para o idioma nacional. O
professor de língua inglesa técnica/instrumental utiliza textos técnicos, vídeos e outros
tipos de material que ele obtém com outros professores de outras disciplinas, e também de
livros didáticos ingleses ou norte-americanos para ministrar suas aulas, congregando dessa
forma sua disciplina com todas as outras que precisam de seu apoio e suporte para o
sucesso no processo de aprendizagem por parte do aluno a respeito dos assuntos mais
diversos que estejam sendo estudados em todas as outras disciplinas.
Dessa forma, podemos concluir dizendo que a disciplina Inglês Técnico /
Instrumental é, em sua essência, uma disciplina que, de forma direta ou indireta, integra-se
perfeitamente às outras que coexistem em uma grade curricular de um curso (poli)técnico.
13. O ENSINO HUMANIZADO DE LÍNGUA TÉCNICA / INSTRUMENTAL
Não se pode mais conceber o ensino de línguas técnicas/instrumentais como
sendo uma prática meramente tecnicista com a finalidade de alcançar um simples tipo de
“adestramento lingüístico” como se imaginava no passado. A abordagem humanizadora e
o conhecimento pessoal e particular do grupo em sua totalidade e dos membros que o
integram devem ser cuidadosamente considerados quando o professor de línguas
técnicas/instrumentais desenvolve seu trabalho em sala de aula. Como já mencionamos
anteriormente, sua preocupação não pode se restringir ao simples transmitir de regras
gramaticais e vocabulário feito através de estratégias lingüísticas para a simples
interpretação de textos. Seu verdadeiro papel é estimular os alunos ao aprendizado de
línguas (estrangeiras) através de material que seja condizente com a área de trabalho, e,
conseqüentemente, com o interesse de seu aluno. O professor tem a obrigação de ser um
facilitador na aprendizagem de seu aluno. Este, por sua vez, deve ver no aprendizado de
um idioma diferente do seu, ou mesmo em seu próprio idioma, uma forma a mais para
aprender ou fixar algo já aprendido em outra disciplina de seu curso, e não uma disciplina
a mais, que não tenha qualquer tipo de vinculação com as demais, como geralmente
costumava acontecer.
Para que o aluno precisa aprender um outro idioma em sua área de trabalho
que é extremamente técnica? Em que situações esse aluno vai precisar utilizar tal idioma?
Essas são algumas das perguntas que todo professor de línguas técnicas/instrumentais deve
fazer a si, aos outros professores de outras disciplinas e a seus alunos, a fim de que possa
realmente fazer uma boa seleção e adequação de materiais a serem usados em sala de aula.
Fatores como a escuta sensível, a solidariedade, a abertura a novos conhecimentos e a
observação do cotidiano dos alunos são de extrema importância para que o ensino de
línguas técnicas/instrumentais em cursos técnicos seja algo de real utilização, valor, prazer
e estímulo para o aluno.
14. A INTERDISCIPLINARIDADE COMO ELEMENTO PROPULSOR DE UMA
ESCOLA REFLEXIVA
No início do ano em curso tivemos a oportunidade de participar de uma
palestra sobre Escola Reflexiva proferida pelos professores Isabel Alarcão e José Tavares
da Universidade de Aveiro, e achamo-la bastante interessante, pois pudemos verificar que
os fundamentos norteadores desse tipo de escola são bastante pertinentes com os princípios
da abordagem educacional que congrega complexidade, interdisciplinaridade e holística.
De acordo com o que nos mostra Alarcão (2001, p. 89 / 90), podemos
verificar que a escola reflexiva:
“procura promover desafios à reflexão pessoal e coletiva, enquanto processo e instrumento de conscientiza;cão progressiva, de desenvolvimento continuado e partilhado, de persistência na investigação constante, enquanto fonte de novos informes, na hipótese de o homem poder vir a descobrir-se e a encontrar-se com a sua própria humanidade. ... Os desafios apontam para a reconsideração paradigmática nos vários sentidos que Morin (1995) vem atribuindo-lhe. Em primeiro lugar, aceitar e partilhar uma visão cultural integrada e sistêmica que, apesar da complexificação que opera em todos os níveis de análise, constitui a única forma de ultrapassar o fosso trágico que a separação das culturas científica e humanista tem desencadeado. .... Conforme o mesmo autor, devemos procurar impedir a perda de reflexividade que tem sido verificada, processo que tem igualmente impedido que a ciência se pense quanto ao seu próprio futuro e quanto à natureza particular das ciências humanas. ... trata-se de aprender a religar os fragmentos que sucessivos movimentos de hiper-especialização foram tornando cada vez mais distanciados do componente sistêmico e globalizante próprio da coerência, que dá sentido a todos os fenômenos com os quais se confronta o ser humano.
A reconsideração paradigmática que se reconhece como equilibradora dos destinos da humanidade aponta em um sentido educacional e formativo que estimule, facilite e promova nos cidadãos as suas competências de pensamento e reflexão crítica e meta crítica que, de forma coerente e conjunta, permitam a continuidade dos processos de aprofundamento cientifico, econômico e tecnológico,
porém,, em um quadro de inteligibilidade do mundo, percebido como menos desagregador e menos bárbaro.”(Alarcão, 2001 : 89 / 90)
Ainda segundo Kemmis, em sua obra La investigación-acción y la política
de la reflexão (1999), citado por Alarcão, podemos dizer que,
“a reflexão orientada para a ação é social, política, e dialética, pois “parte do pensamento do indivíduo que se forma em um contexto social e cul;tural e, esse contexto, por sua vez, é configurado pelo pensamento e dos indivíduos (p98). Para esclarecer essa dialética, Kemmis referencia seus estudos em Habermas, para quem “o estudo da reflexão requer uma crítica da sociedade capaz de abraçar e entender esta relação dialética entre o indivíduo e a sociedade”(Alarcão, 1999 : 98)
De forma bastante simplificada podemos afirmar que a escola reflexiva
baseia-se em uma seqüência lógica, de caráter que apresenta um processo cíclico constante,
e que envolve as seguintes fases:
- AÇÃO ⇒ REFLEXÃO E AVALIAÇÃO SOBRE A AÇÃO ⇒ NOVA AÇÃO -
Como o esquema simplificado acima é cíclico, ou seja, quando uma nova
ação é executada, depois de um tempo determinado, ela também sofrerá avaliação advinda
de um processo reflexivo por parte dos docentes que a utilizaram, vemos que esse tipo de
escola encontra-se em consonância com os princípios interdisciplinares, uma vez que tem a
necessidade de uma reflexão e avaliação que são feitas em conjunto, por todos os
professores que integram o corpo docente da escola / universidade, e que também admitem
a intervenção colaboradora do aluno. Visa-se com esse tipo de escola analisar o resultado
obtido pelo aluno no que concerne àquilo que já tenha sido ensinado a ele, e, por meio do
exercício reflexivo, adequar novos conteúdos e novas formas de ensinar aquilo que esse
aluno precisa para obter uma formação integral adequada. É aí que vemos a influência da
visão holística, pois o professor, quer realmente desempenhar seu papel de facilitador de
aprendizagens para preparar seu aluno para o trabalho e para a vida em toda a sua plenitude
de situações e contextos, combinados em uma teia complexa de atitudes, ações e reações
que formam a própria vida do ser humano.
É com o exercício da prática interdisciplinar que esse tipo de pensamento se
faz possível, pois está sempre a demandar a colaboração, a solidariedade e a completude
advindas do diálogo que deve existir entre as diferentes disciplinas que integrem
determinada grade curricular de curso. Esse diálogo enriquecedor acontece de forma
constante, e assim sendo, facilita os intercâmbios entre os diversos campos de saber que
têm de ser abordados em um determinado curso, mostrando assim a necessidade de
complementação e integração que um tem com todos os outros.
Para formar um aluno integralmente e conscientemente é preciso utilizar a
reflexão conjunta, que leve em conta todos os aspectos que integram a complexidade do
ser humano. O professor reflexivo é aquele que adota a postura de estar sempre
“aprendendo a aprender”, através de um processo de escuta e observação sensíveis, e que
observa o cotidiano de seus alunos, com todas as suas implicações sócio-econômico-
culturais, para que possa entendê-los melhor. Adotando essa postura, o professor mostra a
seu aluno a importância da reflexão, e faz com que ele também se torne reflexivo,
analítico, questionador, um verdadeiro ser que exercita sua capacidade de ser pensante, e,
que desta forma, fará tudo para que o mundo onde vive fique melhor para ele e toda a
humanidade. Não basta a esse aluno conhecer técnicas super avançadas, mas é preciso que
ele pense em como essas técnicas podem e devem ser utilizadas para a formação de um
mundo melhor para todos, e isso vem a ser muito facilitado pela adoção de uma postura
acadêmica que seja holística, interdisciplinar e complexa.
15. EXEMPLOS DE CONSTATAÇÃO PRÁTICA DA UTILIZAÇÃO DA
ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR EM CURSOS TÉCNICOS / POLITÉCNICOS
Não teríamos motivos para defender de forma tão apaixonada a utilização da
abordagem interdisciplinar se não fosse nossa própria prática pedagógica. Vemos que a
adoção dessa abordagem educacional em nossa área de conhecimento, que neste caso
refere-se ao ensino de língua inglesa e língua portuguesa técnico – instrumental, muito
enriquece nosso trabalho em sala de aula.
Compreendemos que quando “dialogamos” com professores de outras áreas
de conhecimento estamos não só aprendendo coisas novas, mas também, e, principalmente,
estamos nos familiarizando com assuntos e linguagens utilizadas em outras ciências, as
quais serão estudadas e analisadas em textos que levamos para a sala de aula, fazendo
dessa forma, um trabalho que recebe e transmite real comunicação de assuntos pertinentes
à área de trabalho e estudo de nosso aluno.
Pode, a principio, parecer algo meio utópico, mas podemos observar que
com a adoção de tal prática pedagógica temos conseguido “chegar e ficar mais próximos”
daquilo que nosso aluno precisa realmente aprender. É claro que com isso não estamos nos
“especializando” ou “invadindo” outras áreas de conhecimento. É bom lembrar que
estamos a todo o momento, conscientes de que, dentro de princípios ético-profissionais,
nosso objetivo é o de “falar” ao aluno com a linguagem e jargão próprios de sua área de
estudo.
Às vezes alguns de nossos alunos dos cursos de Fibras Ópticas e
Transmissões Digitais, Executivos de Instituições de Seguros, Sistemas Móveis Celulares e
Projetos de Redes em Telecomunicações se surpreendem com as informações obtidas
através do material que utilizamos em sala de aula, os quais trazem assuntos pertinentes
com as suas áreas de conhecimento. Estamos ensinando não somente a língua
propriamente dita, mas também estamos passando informações e curiosidades sobre
assuntos que interessam a esses alunos. Nada melhor e mais apropriado do que, por
exemplo, ensinar adjetivos compostos, plurais irregulares ou comparativos e superlativos
em textos que falem de assuntos que sejam de real interesse profissional para o aluno. Ele
fica mais motivado, além de fixar e assimilar de modo bem mais eficiente os conteúdos
gramaticais e lingüísticos que temos que ensinar através de material especifico de sua área
de formação profissional-acadêmica.
O material que costumamos utilizar inclui, além de textos retirados de livros
didáticos e consultas à Internet, vídeos, fitas cassette, propagandas e anúncios atuais
extraídos de jornais e revistas especializadas em cada área de conhecimento. A gramática e
o vocabulário são ensinados, à medida que suas estruturas e conteúdos vão aparecendo no
material levado para a sala de aula.
Essa prática interdisciplinar exige, além do constante e enriquecedor diálogo
com os outros professores que integram os grupos docentes desses cursos, uma leitura de
textos específicos dessas áreas, com o intuito de refletirmos, modificarmos e adaptarmos os
conteúdos que são programados nos currículos e grades curriculares de cada curso, ao
material a ser utilizado em sala de aula, com a finalidade de mostrar ao aluno que as
disciplinas de Inglês e Português Técnico / Instrumental são realmente instrumentos que
muito o ajudarão em aplicações práticas no cotidiano de suas (futuras) atividades
profissionais.
O “diálogo” a que nos referimos anteriormente é de suma importância, pois,
muitos dos termos e jargões específicos encontrados nos materiais dessas áreas de
conhecimento não costumam ser encontrados em dicionários. É preciso um “suporte”, o
qual nos é fornecido pelos professores de outras disciplinas, que são realmente
profissionais especializados em cada uma das áreas de conhecimento em que o professor
de línguas instrumentais “transita”, e esse intercâmbio de informações só se faz possível
quando adotamos a prática interdisciplinar em nosso trabalho pedagógico.
16. POSICIONAMENTO ATUAL EM RELAÇÃO À INTERDISCIPLINARIDADE
Por se tratar de uma abordagem ainda em fase incipiente de utilização em
nossas escolas e universidades, a prática interdisciplinar ainda “esbarra” em muitas
resistências por parte de alguns profissionais da Educação. Ela demanda uma verdadeira
reforma de pensamento, que implica em muitas mudanças, e todas as mudanças sempre
assustam a todos. No entanto, já existem algumas pessoas mais sensíveis que já se deram
conta da amplitude dessa abordagem metodológica que só tem a acrescentar, do ponto de
vista funcional e educativo. Sua proposta integracional, flexível, holística e complexa é
algo que, a cada dia, se mostra cada vez mais apropriada à demanda educacional do mundo
globalizado do século XXI. O tempo mostrará as vantagens advindas dessa postura
pedagógica, e, esperamos que ela possa vir a ser empregada por um número cada vez
maior de educadores que desejem, realmente, formar cidadãos para uma vida e um mundo
melhores.
Concordamos com Gallo quando ele diz que
“para as condições atuais de nossa educação, as posturas desejáveis seriam aquelas que procurassem minimizar as aparências da compartimentação, dado que não podemos vencê-la de imediato., uma vez que está entranhada em nossos currículos. Cada professor poderia, para começar, tentar mostrar que os conteúdos que ensina em suas aulas não estão isolados, mas se relacionam de algum modo com tudo o mais que o aluno aprende na escola. .... Seria de grande importância que os alunos percebessem que determinadas disciplinas são ferramentas instrumentais que auxiliam na compreensão dos conhecimentos, (como é o caso do ensino de línguas técnico / instrumentais), enquanto outras compõem a cosmologia contemporânea e outras ainda procuram explicitar a vivência e a apreensão histórica do espaço humano. O mínimo que podemos esperar é que o aluno consiga consiga compreender essas inter-relações básicas entre as disciplinas que estuda,e, num segundo estágio, possa perceber as relações da apreensão do espaço histórico com a cosmologia, e assim por diante.” (Gallo, 1998:38 / 39)
CONCLUSÃO
A adoção de uma postura reflexiva, interdisciplinar, totalizadora e holística
é bastante complexa e abrangente, e que demanda um trabalho constante por parte do
educador que a utiliza. No entanto, apesar de trabalhosa, tem se mostrado bastante
satisfatória e prazerosa pelos poucos professores e instituições que já fazem uso dessa
abordagem educacional que ainda se encontra em estado de utilização e conhecimento
bastante incipientes.
De acordo com o disposto por Santomé,
“As teorias e modelos de certas disciplinas podem sensibilizar outras comunidades de especialistas ante problemas e questões nunca antes levantados em suas próprias especialidades, podem ajudar a compreender e interpretar dados não oferecidos pelos contextos originais e próprios de suas disciplinas, podem ajudar a propor hipóteses não vislumbradas até o momento. O progresso do conhecimento tem muito a ver com a capacidade de “propor novas interrogações ou reformular velhos problemas sob uma nova luz, fornecer soluções provisórias dos mesmos, com o auxílio de teorias mais gerais e profundas, bem como de técnicas mais poderosas e precisas, e criar novas dúvidas. Na ciência, ao contrário do dogma, por cada dúvida que dissipamos, obtemos várias novas interrogações.”(Bunge in apud Santomé, 1998 : 79)
Como pudemos observar neste breve estudo, ainda não há um conhecimento
real e total acerca do que venha a ser tal abordagem, por parte dos professores em geral.
Ainda existem resistências e temores por parte daqueles que ainda não se deram conta das
vantagens que podem ser conseguidas através da cooperação, do respeito e da
solidariedade que envolvem essa abordagem. No entanto, ela já é motivo de inúmeros
comentários no meio educacional, e isso já é um bom começo. Algumas pessoas já
demonstram sensibilidade para entender que essa abordagem educacional existe com o
propósito de proporcionar uma educação integral do aluno, como é solicitado pela LDB.
Muito ainda tem que ser estudado e analisado a respeito, mas a semente já
está plantada. É só regar com muitas pesquisas, e esperar pelos frutos. O tempo mostrará
suas vantagens e necessidades, e o fenômeno da globalização é uma realidade que nos
forçará a esse aprofundamento na feitura e pesquisa de tal abordagem.
O que não se pode esquecer é o fato de que a adoção de uma abordagem
educacional interdisciplinar não segue apenas um processo, e não tampouco uma linha
rígida de ações. O fator que envolve flexibilidade está sempre presente em qualquer tipo de
intervenção interdisciplinar.
Uma equipe interdisciplinar deve ter sempre em mente o fato de que seu
trabalho envolve etapas de reflexão a respeito do que é constatado a todo momento. Não
basta haver a intercomunicação entre disciplinas. Deve existir uma real articulação entre os
diversos saberes advindos de diferentes disciplinas, o que deve ocorrer de forma constante,
através de encontros interdisciplinares, e em momento posterior, deve-se comparar todas as
contribuições, avaliar sua adequação, relevância e adaptabilidade, integrar os dados obtidos
de forma individual para que, a seguir, possa vir a ser determinado um novo modelo
coerente e relevante. Em seguida, deve haver um momento de profunda reflexão a respeito
do que pôde ser observado pela equipe, para então, decidir sobre o futuro da tarefa
interdisciplinar proposta pela mesma. Todas as pessoas da equipe têm de estar imbuídas de
um real espírito de colaboração mútua para com os outros integrantes da equipe a fim de
que o trabalho interdisciplinar possa vir a ser realmente eficiente.
O professor de línguas técnicas / instrumentais é, com certeza, o educador
que já sente de perto essa necessidade de real integração e articulação de disciplinas com
mais intensidade, pois lida com o instrumento de expressão e comunicação maior que é a
língua. Talvez ele, devido às suas necessidades acadêmicas para adequar a língua e a
linguagem aos diferentes contextos em que esteja trabalhando, consiga mostrar a seus
companheiros de trabalho que a integração entre as disciplinas, respeitando sempre os
princípios éticos, é algo que muito enriquece e acrescenta no trabalho de cada um, aliando-
se isso ao fato de que todos temos que assumir a postura do eterno “aprender a aprender”.
É algo bastante relacionado com a idéia defendida pelo nosso grande mestre Paulo Freire
de que todos aprendem em comunhão, e aqui não somente estamos falando da relação
professor-aluno, mas também da relação bastante enriquecedora que envolve todos os
professores integrantes de uma equipe docente interdisciplinar.
O que é importante salientar é o fato de que não podemos, na atual
conjuntura, ignorar as relações dialéticas e interdependentes nas quais razão e intuição,
ciência e consciência, objetividade e subjetividade, mente e espírito, ciência ocidental e
meditação oriental, são aspectos que se complementam e que espelham expressões de uma
mesma realidade.
Os temores são comuns e perfeitamente entendidos. Ainda somos como
crianças que já escutam o barulho do trovão, mas que ainda não sabem explicar o que ele é
na realidade. Tudo aquilo que não conhecemos assusta, e muito. Alguns podem até tentar
ignorar o barulho, mas ao mesmo tempo, outros vão querer saber o que ele é, de onde vem
e para onde vai. O certo é que, no fundo, esse barulho vai suscitar curiosidade em todos.
Precisamos sempre conhecer coisas novas, pois elas sempre têm muito a nos ensinar.
Reconhecemos ser este ainda um caminho muito árduo, pois nós,
professores e educadores, não tivemos em nossa formação esse tipo de abordagem mais
ampla e integral. Alguns educadores ainda continuam atrelados a modelos hermeticamente
fechados em “gavetas disciplinares”, mas o mundo globalizado de hoje nos alerta para o
fato de que devemos estar atentos e abertos a aprender sempre e cada vez mais com todos e
todas as coisas que nos cercam. Com o advento das novas tecnologias não existem mais
verdades absolutas e eternas. Tudo muda a cada instante. A incerteza pauta nossas vidas.
Todas as coisas se combinam de forma complexa a todo o momento, e todo esse caminho
de constante transformação tem reflexos inegáveis nos processos e planejamentos
educacionais da atualidade. O que é verdade hoje, pode não mais sê-lo amanhã. É preciso
atualização e interdisciplinaridade constantes.
Pretendemos continuar nessa pesquisa fascinante sobre a abordagem
interdisciplinar que se dá através do entendimento e cooperação entre diferentes saberes e
pessoas, vistas sob o ponto de vista holístico e que apresentam, em seu cotidiano,
elementos importantes e decisivos para a seleção e utilização de novas técnicas
educacionais. Como já dissemos, muito ainda tem de ser estudado, mas estamos em estado
de alerta. Queremos estar prontos para fazer sempre o que for possível para ajudar nosso
aluno em sua formação, para que ele seja, não somente um bom aluno e um profissional
eficiente, mas, de acordo com nossa visão, nosso compromisso é bem mais complexo –
queremos ajudar na formação de cidadãos que saibam o valor real da união e cooperação
para a feitura de um mundo melhor para todos. Achamos que se nos deixarmos influenciar
por todas essas vantagens que podemos obter com a adoção de práticas educacionais
interdisciplinares mais reflexivas e flexíveis, que têm o cuidado constante em procurar
melhores maneiras de ensinar, de acordo com a verdadeira realidade e necessidade do
aluno, estaremos desempenhando nosso real papel de educadores. Concordamos com o que
o mestre Içami Tiba nos ensina: “Nossos filhos terão professores mais eficientes, e o
Brasil receberá uma geração mais ética, competente e feliz.”(Tiba, 1998 : 17)
Terminamos este estudo com trechos de uma música que tem sido veiculada
nas estações de rádio, e cuja letra consideramos bastante interessante, pois mostra de forma
poética, o atual estado em que nos vemos como cidadãos e educadores, que têm o
compromisso de educar e formar outros cidadãos, que demonstram inquietação e constante
preocupação com a realidade que pode ser observada e que tem de ser aproveitada para a
adequação de qualquer tipo de material que possa vir a ser utilizado para ajudar nessa
formação.
“Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Khalo, cores.
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção ao que o meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca,
Uma cápsula protetora.
Eu quero chegar antes
Para sinalizar o estado de cada coisa
Filtrar seus graus...
Eu ando pelo mundo divertindo gente
...
E vendo doer a fome nos meninos que têm fome.
Pela janela do quarto,
pela janela do carro,
Pela tela,
pela janela (Quem é ela, quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle ...”
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm para quê?
As crianças correm para onde?
Transito entre dois lados de um lado
Exponho o meu modo, me mostro
Eu canto para quem? ....
(Trecho da música ESQUADROS de Adriana Calcanhoto / 2000)
Face ao exposto neste breve estudo, e de acordo com a nossa experiência
adquirida em sala de aula, concluímos que a adoção da prática interdisciplinar, e também a
observância dos princípios norteadores do pensamento complexo, quando aplicados, em
especial, ao ensino de línguas técnicas / instrumentais em cursos (poli)técnicos, são fatores
de extrema relevância, pois levam tais cursos a alcançar verdadeiro e efetivo sucesso, no
que diz respeito ao real preparo do aluno para a vida e para o seu (futuro) exercício
profissional e pessoal, tal qual a proposição feita e requerida pela LDB, uma vez que tais
abordagens educacionais levam em consideração o aluno, o seu cotidiano, o seu trabalho e
sua cultura vista como um todo bastante significativo.
Toda essa gama de fatos deve e precisa ser analisada, trabalhada e exercida
com muito carinho por todos aqueles que se dedicam ao desenvolvimento, planejamento e
à prática didático-pedagógica.
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