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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto - SP – 17 a 19/06/2016 1 Estudos Comparativos de Cultura da Mídia Aplicados aos Filmes Top Gun e Fahrenheit 9/11 1 Renato Márcio Martins de Campos 2 Centro Universitário de Araraquara - UNIARA Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP Marcela Cristina de Campos Ambrús 3 Fundação Indaiatubana de Educação e Cultura FIEC Resumo Este artigo visa pontuar aspectos influenciadores na propagação de valores e posicionamentos nos Estados Unidos, sob o viés de estudos da Cultura da Mídia que estão disponíveis e acessíveis em momentos significativos de lazer e cultura, através da abordagem de Douglas Kellner. A proposta é de um estudo comparativo de duas produções audiovisuais ressaltando imagens, mensagens e o significado de cenas selecionadas. Para melhor entendimento dos fatos relatados, tabelas foram anexadas, delimitando o tempo da cena em questão, uma breve descrição e o apelo que ela sugere. O filme Top Gun (1986), que está presente na obra de Kellner, demonstra a ênfase ao processo hegemônico, ao americanismo. Posteriormente, o documentário Fahrenheit 9/11 (2004) aponta resistência e crítica ao protótipo da cultura norte-americana. Palavras-chave: Correntes Teóricas; Indústria Cultural; Cultura da Mídia; Hegemonia; Resistência. O Conceito de Cultura da Mídia Neste artigo o foco proposto é o conceito de Cultura da Mídia presente na obra do norte-americano Douglas Kellner, como conceito a ser adotado para análise de produções midiáticas previamente selecionadas, neste caso, obras audiovisuais. A partir do conceito de indústria cultural (ADORNO; HORKHEIMER, 1985), evidencia-se que a produção artística e cultural é organizada sob a égide das relações capitalistas, fato que traduz os padrões sociais, ideológicos e econômicos da estrutura de poder e a reproduz. Dessa forma, a produção cultural se transforma em mercadoria e se adapta aos padrões de economia de mercado. Esse processo é intitulado Indústria Cultural e serve, segundo seus teóricos, como forma de dominação e perpetuação do regime capitalista 1 Trabalho apresentado no DT 8 Estudos Interdisciplinares da Comunicação do XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 17 a 19 de junho de 2016. 2 Renato Campos. Docente da UNIARA e UNAERP. Pesquisador e coordenador do projeto mantido pela Uniara e Funadesp: Teorias da Comunicação e Cultura da Mídia. Mestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Coordenador do CIC (Centro de Informação em Comunicação). E-mail: [email protected] 3 Marcela Cristina de Campos Ambrús. Docente da FIEC. Especialista em Língua Inglesa pela UNIBERO. Graduada em Letras (UMC), Pedagogia (UNINOVE) e Gestão Empresarial (FATEC). E-mail: [email protected]

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto - SP – 17 a 19/06/2016

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Estudos Comparativos de Cultura da Mídia Aplicados aos Filmes Top Gun e

Fahrenheit 9/111

Renato Márcio Martins de Campos2

Centro Universitário de Araraquara - UNIARA

Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP

Marcela Cristina de Campos Ambrús 3

Fundação Indaiatubana de Educação e Cultura – FIEC

Resumo

Este artigo visa pontuar aspectos influenciadores na propagação de valores e

posicionamentos nos Estados Unidos, sob o viés de estudos da Cultura da Mídia que estão

disponíveis e acessíveis em momentos significativos de lazer e cultura, através da

abordagem de Douglas Kellner. A proposta é de um estudo comparativo de duas produções

audiovisuais ressaltando imagens, mensagens e o significado de cenas selecionadas. Para

melhor entendimento dos fatos relatados, tabelas foram anexadas, delimitando o tempo da

cena em questão, uma breve descrição e o apelo que ela sugere. O filme Top Gun (1986),

que está presente na obra de Kellner, demonstra a ênfase ao processo hegemônico, ao

americanismo. Posteriormente, o documentário Fahrenheit 9/11 (2004) aponta resistência e

crítica ao protótipo da cultura norte-americana.

Palavras-chave: Correntes Teóricas; Indústria Cultural; Cultura da Mídia; Hegemonia;

Resistência.

O Conceito de Cultura da Mídia

Neste artigo o foco proposto é o conceito de Cultura da Mídia presente na obra

do norte-americano Douglas Kellner, como conceito a ser adotado para análise de

produções midiáticas previamente selecionadas, neste caso, obras audiovisuais.

A partir do conceito de indústria cultural (ADORNO; HORKHEIMER, 1985),

evidencia-se que a produção artística e cultural é organizada sob a égide das relações

capitalistas, fato que traduz os padrões sociais, ideológicos e econômicos da estrutura de

poder e a reproduz. Dessa forma, a produção cultural se transforma em mercadoria e se

adapta aos padrões de economia de mercado. Esse processo é intitulado Indústria Cultural e

serve, segundo seus teóricos, como forma de dominação e perpetuação do regime capitalista

1 Trabalho apresentado no DT 8 – Estudos Interdisciplinares da Comunicação do XXI Congresso de Ciências da

Comunicação na Região Sudeste, realizado de 17 a 19 de junho de 2016. 2 Renato Campos. Docente da UNIARA e UNAERP. Pesquisador e coordenador do projeto mantido pela Uniara e

Funadesp: Teorias da Comunicação e Cultura da Mídia. Mestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade de

Comunicação Social Cásper Líbero. Coordenador do CIC (Centro de Informação em Comunicação). E-mail:

[email protected] 3 Marcela Cristina de Campos Ambrús. Docente da FIEC. Especialista em Língua Inglesa pela UNIBERO. Graduada

em Letras (UMC), Pedagogia (UNINOVE) e Gestão Empresarial (FATEC). E-mail: [email protected]

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e das formas de dominação. Percebe-se que, tal posicionamento teórico, carece de

atualização, conforme propõe Lessa:

Um dos questionamentos básicos para a produção teórica em comunicação

seria como traçar um viés crítico às produções midiáticas na pós-

modernidade sem incorrer em um posicionamento polarizado como a dos

frankfurtianos em relação à indústria cultural. Faz-se necessário, então,

perceber como um conceito advindo de uma escola de tradição marxista,

faz-se tão presente em nossa realidade impregnada pelas regras de

mercado (...) A cultura da mídia produzida e direcionada às massas é,

portanto, fruto de uma indústria cultural estabelecida através de grandes

conglomerados de comunicação e formatada através de suportes

tecnológicos cada vez mais sofisticados. Entretanto, Kellner chama

atenção para este fator multifacetário, não se pode se restringir ao antigo

discurso entre direita e esquerda. Socialismo e capitalismo não mais

embatem entre si na disputa política e ideológica. Ao contrário, percebe-se

uma incorporação dos discursos progressistas e conservadores no cenário

midiático. Os meios de comunicação de massa passam a ser o palco de

discussões e tendências sociais, produz-se à socialização, rivaliza-se com

outras instituições sociais tradicionais deste cenário, mas também se

produzem questionamentos (LESSA, 2004, p.10).

A presença das produções midiáticas no cotidiano das pessoas acontece a partir

da ocupação do tempo livre dos indivíduos. À medida que as pessoas se predispõem a

consumir, durante parte de seu tempo livre, as atividades midiáticas aumentam seu valor,

em termos de importância e, também a representatividade da mídia de massa na sociedade

contemporânea. Tal influência e penetração determinam o modo de vida atual e demonstra

a transformação do mundo e da produção cultural em uma espécie de matriz midiática, ou

seja, envolvida e dependente da produção cultural mediada pelos veículos de comunicação

de massa.

À medida que a importância do trabalho declina, o lazer e a cultura

ocupam cada vez mais o foco da vida cotidiana e assumem um lugar

significativo. Evidentemente, devemos trabalhar para auferir os benefícios

da sociedade de consumo (ou para herdar riquezas suficientes), mas

supõe-se que o trabalho esteja declinando em importância numa era em

que, segundo se alega, os indivíduos obtêm mais satisfação do consumo

de bens e das atividades de lazer do que das atividades laboriosas.

(KELLNER, 2001, p.29).

Kellner (2001, p.79) propõe o conceito de Cultura da Mídia não como uma

questão ingênua de negar os processos de dominação e exercício da ideologia dominante.

Ao contrário, o autor admite e considera o fator de manipulação midiática.

Kellner (2001, p.79) também vislumbra a presença da mídia de massa na

sociedade como um palco midiático onde acontecem as discussões sociais em termos de

exercício da hegemonia e da resistência. Os diversos grupos sociais que compõem a

complexa sociedade contemporânea conseguem pontuar, através da produção midiática,

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seus respectivos posicionamentos que, ora podem ser críticas ao sistema estabelecido, ora

estão integradas ao processo de dominação. Tais possibilidades acontecem por conta dos

veículos de comunicação de massa necessitarem de audiência e, a partir daí, abrirem

espaços para vários posicionamentos, críticos e hegemônicos.

Este trabalho, em termos de aproximação com o foco teórico da Cultura da

Mídia, procura, ao apontar produções audiovisuais específicas, desenvolver um exercício de

análise de tais obras; visa evidenciar os fatores ideológicos que constituem a construção do

discurso e da narrativa de tais filmes e por fim, tenta demonstrar como tais produções se

consolidam enquanto instrumentos de discussão de questões sociais e são representativas de

posicionamentos de hegemonia e resistência. Os filmes selecionados para discussão são: 1.

Top Gun (1986); 2. Fahrenheit 9/11 (2004).

A justificativa para a escolha de tais obras apresenta-se na necessidade de se

verificar posicionamentos representativos de hegemonia e resistência, com o intuito de

explicitar e ilustrar tais diferenciações em termos culturais e sociais, perante essas

produções midiáticas. O filme de longa metragem Top Gun, está presente na obra de

Kellner, portanto já se posiciona enquanto representativo do fator hegemonia. Já para

evidenciar o fator resistência optou-se pelo documentário Fahrenheit 9/11, justamente pela

representatividade de tal obra na conjuntura política e social dos Estados Unidos.

Top Gun (1986)

O filme Top Gun que no Brasil recebeu o subtítulo: Ases Indomáveis

desenvolve-se em uma escola de pilotos nos Estados Unidos. Trata-se de um filme de

simulação de guerra e atrito com outro país, mais precisamente a União Soviética. No filme

o aspecto simulação acontece porque a guerra nunca existiu, apresenta-se aos espectadores

a questão do período que ficou conhecido como guerra fria. Porém, demonstra em termos

ideológicos como a tecnologia militar norte-americana é superior ao do inimigo. Trata-se de

uma narrativa típica das produções dos Estados Unidos nos anos de guerra fria, e por este

motivo foi selecionado. Foi uma das maiores bilheterias do cinema de 1986. Top Gun, Ases

Indomáveis, dirigido por Tony Scott, mostra o perigo e a excitação que pode afligir os

pilotos que ingressam num dos cursos de treinamento mais prestigiados dentro da marinha

norte-americana e, além disso, pontua como tais alunos devem se destacar como os

melhores do mundo.

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Neste filme o ator Tom Cruise cumpre o papel de Maverick Mitchell, um jovem

piloto que pretende se tornar o melhor dentre os melhores na referida academia da marinha

dos Estados Unidos. A atora Kelly McGillis que desenvolve o papel de uma instrutora civil,

ensina a Maverick algumas coisas que não se pode aprender em uma sala de aula e pontua o

papel feminino nesta produção. Cabe ressaltar que no ano de lançamento, o filme Top Gun

levou o Oscar de Melhor Canção Original com Take My Breath Away.

O longa metragem mostra uma grande apologia à cultura norte-americana no

sentido de que a escola de elite para pilotos é liderada por Maverick, que se sente como o

melhor de todos os aviadores navais presentes, que não aceita derrotas ou concorrentes.

Uma marca do idealismo norte-americano é mostrada no filme pelas tecnologias de ponta,

superior às outras nações. Em suma, enquanto telespectadores desta aventura, fica-nos

nítido o objetivo, a mensagem do filme, que é a de engrandecer a potência norte-americana.

O título original Top Gun é utilizado pelos pilotos para se referirem à Escola de

Caças criada pela marinha dos EUA, demonstrando uma ideia de topo, superioridade e

avanços em suas armas, tecnologias e aviões. Por se tratar de um filme onde as aeronaves,

caças supersônicos e porta-aviões aparecem constantemente, o apelo à supremacia

tecnológica é evidente, principalmente no que se refere ao âmbito militar.

A base ideológica, além do vínculo com a tecnologia, se faz com as cores,

símbolos, marcas e a própria bandeira dos Estados Unidos, a qual, durante o longa

metragem, aparece mais de trinta vezes. Em termos de marcas comerciais pode-se verificar

a presença de merchandising dos produtos Budweiser e Pepsi. Constata-se que além do

fator cultural, ideológico e de comportamento, os filmes advindos dos Estados Unidos

procuram vender seus produtos, serviços e marcas comerciais.

Seguem três sequências de cenas selecionadas do filme Top Gun que reforçam

os aspectos tratados nesta análise:

Tempo Descrição da Cena Apelo

Início do

Filme

Manobras no porta aviões

(Oceano Índico). Música:

Danger Zone. Seguem-se

vários closes das aeronaves.

EUA: F-14 Tomcat.

URSS: Mig 28.

Tecnologia superior.

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Nesta sequência, depois de aproximadamente quatro minutos de cenas que

mostram a tecnologia norte-americana (porta-aviões e caças), há a interceptação do inimigo

representado pela extinta União Soviética. Neste início do filme, os caças norte-americanos

apenas afugentam o inimigo através de manobras radicais que apontam para uma

superioridade não somente em termos de tecnologia, como também no quesito treinamento,

preparo e destreza dos pilotos.

Tempo Descrição da Cena Apelo

00h16m13s Sala de aula em Miramar,

Califórnia. Aviadores navais

em treinamento sentados

ouvem o instrutor e as

estatísticas sobre

desempenho dos pilotos dos

Estados Unidos em guerras

anteriores.

Habilidade superior.

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Neste trecho do filme é interessante nos atentar ao diálogo do professor com a

classe de pilotos, as estatísticas são as seguintes:

Na Coréia, abatemos dozes jatos deles por cada um dos nossos. No

Vietnã, a razão desceu para três por um. Os nossos pilotos dependiam dos

mísseis. A escola foi feita para ensinar MCA (Manobras de Combate

Aéreo). No final, no Vietnã, era doze por um. O nosso comandante foi o

primeiro a ganhar o troféu Ases Indomáveis. Não encontraram melhor

piloto de caça. O comandante Mike Metcalf, nome de guerra Viper.

Meus senhores estão entre os primeiros um por cento de todos os

aviadores navais. A elite. Os melhores de todos. Vamos torná-los ainda

melhores. Farão duas missões de combate por dia, vão às aulas e serão

avaliados. Em cada sequência de combate enfrentarão um desafio

diferente. Vamos ensinar-lhes a pilotar o F-14 até aos limites. Aqui não

fazemos política, isso fica para as autoridades civis eleitas. Nós somos os

instrumentos deles e temos de agir como em guerra. (...) Se houver quem

queira saber quem são os melhores, os nomes estão nesta placa. A melhor

equipe de cada curso tem aqui o nome inscrito. Tem a possibilidade de

voltar para serem instrutores (...) Lembre-se onde termina, somos todos da

mesma equipe. Aqui aprende-se a combater. Não há pontos para o

segundo. Podem retirar-se (SCOTT, 1986).

A partir desta sequência e principalmente do teor da aula ministrada, verifica-se

o posicionamento do discurso ideológico onde se tratam os norte-americanos com uma

superioridade em termos de habilidade invejável, e um desprezo pelos outros povos

inimigos, as frias estatísticas apresentadas, com superioridade numérica, não mencionam as

derrotas sofridas nas guerras citadas por parte dos norte-americanos.

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Tempo Descrição da Cena Apelo

1h42m40s Ao final do filme há o

reencontro do casal

protagonista, após um breve

diálogo os dois se

aproximam e há o

encerramento. O que se deve

atentar para este desfecho é

o símbolo da Pepsi Cola

entre o casal.

Comercial

Como já mencionado, os filmes norte-americanos, além de projetar o modo de

vida, os comportamentos e a cultura do país, também nos impõe valores comerciais tais

como: moda, estilos de vida e consumo. No caso do filme Top Gun, o merchandising do

refrigerante Pepsi Cola é evidente ao final do filme, talvez uma das cenas mais esperadas

pelos espectadores, o reencontro do casal protagonista, é invadido pelo símbolo do

refrigerante, o qual é posicionado bem ao centro da cena, em um luminoso que fica presente

durante a cena final do beijo.

O que se constata a partir do filme Top Gun em termos do conceito de cultura

da mídia, apresentado no primeiro capítulo, é realmente o exercício de um discurso

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hegemônico. Um discurso que busca posicionar os Estados Unidos, seu governo e sua

política externa, como adequadas ao mundo da época, no qual se disputava acirradamente o

papel de potência hegemônica mundial. Fato que se consumou posteriormente, com a queda

do muro de Berlim e o consequente esfacelamento do bloco socialista.

Fahrenheit 9/11 (2004)

Fahrenheit 11 de setembro, como ficou conhecido no Brasil, é uma análise da

administração do governo de George W. Bush após o trágico ataque ao World Trade Center

de 11 de setembro de 2001. Este documentário polêmico e provocativo foi desenvolvido

pelo cineasta ganhador do Oscar Michael Moore. Com seu humor característico e obstinado

compromisso de revelar os fatos, Moore contempla as atitudes tomadas durante a

presidência de George W. Bush, principalmente no que tange à sua política externa. Ele

demonstra como e porque Bush e seus aliados evitaram associar os ataques de 11 de

setembro de 2001 aos sauditas. Fato que levou o governo a ignorar que 15 dos 19

sequestradores eram sauditas e de que foi capital oriundo da Arábia Saudita que fundou a

organização terrorista Al Qaeda.

Fahrenheit 11 de setembro mostrou a nação norte-americana mantida em medo

constante por alertas do FBI, dentre os quais muitos não passavam de boatos, e passiva,

diante de uma nova legislação restritiva e dominadora, o Patriot Act (Ato Patriótico), que

infringia direitos civis básicos garantidos pela constituição dos Estados Unidos. Foi nesta

atmosfera de confusão, suspeita e terror que a administração Bush fez sua abrupta entrada

na guerra contra o Iraque, fato, até hoje, questionado por vários países e que se demonstrou

alicerçado em notícias falsas.

Primeiramente, cabe uma justificativa pela escolha deste documentário, a

análise que se procede sob o conceito de cultura da mídia. O presente filme trata de uma

crítica às ações políticas e ao governo de George W. Bush, no que tange à sua política

ligada ao combate ao terrorismo e às guerras do Afeganistão e do Iraque. Neste sentido, a

narrativa crítica desenvolvida atende aos objetivos do presente artigo.

Vale destacar a origem do título do filme em questão, que faz uma referência ao

filme Fahrenheit 451 da década de 70, o qual trata da questão de uma forma de governo

autoritária, manipuladora e detentora do poder; em que as pessoas têm as mesmas moradias,

não possuem sequer o direito de ler e apenas têm acesso ao que é divulgado pelo Estado. Já

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em Fahrenheit 9/11 a Casa Branca assume um papel de divulgar notícias e criar cenários

muitas vezes falsos e duvidosos, é nesse ponto, de ainda manipular milhares de pessoas,

com discursos e crenças de liberdade, pátria e superioridade, que ambos os filmes se

conectam. Os números que aparecem no título do filme e referem-se aos ataques de 11 de

setembro de 2001 às torres do World Trade Center, também se aproximam do número para

ligações telefônicas de emergência nos Estados Unidos (911), o que aproxima o relato

produzido por Michael Moore neste documentário a um caso de polícia.

A ênfase na atividade bélica é uma marca do governo de George W. Bush; ele

também apontou, durante sua liderança, vários outros países como inimigos dos EUA e que

apresentavam algum tipo de ameaça, geralmente, não fundamentada a ponto de convencer o

povo da forte possibilidade de ataques ao território norte-americano. Como um exemplo,

tem-se a designação da Coréia do Norte, Irã e Iraque como integrantes do “eixo do mal”. A

doutrina Bush em suma, apoia o ataque eminente a qualquer nação que os Estados Unidos

considerem uma afronta à sua segurança. Durante o documentário, vários vídeos e cenas

que não haviam sido mostrados anteriormente, aparecem na tela para a surpresa da maioria

dos telespectadores.

Após os ataques de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos entram em

guerra contra o Iraque. Tal combate transparece o aspecto econômico que envolve o acesso

às grandes reservas de petróleo, matéria prima que move a economia norte-americana. Com

o combate ao terrorismo, inimigo este sem exército fixo e único, os norte-americanos

espalharam-se pelos países trazendo à tona mais contradições e agravando problemas

antigos.

Tempo Descrição da Cena Apelo

Início Eleições de 2000, vitória de

Al Gore

Política e mídia

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Neste trecho inicial do documentário de Michael Moore, tem-se um relato sobre

a questão política dos Estados Unidos na época da primeira eleição de George W. Bush.

Chega-se a mencionar a divulgação de pesquisa que dava como certa a vitória de Al Gore

para a presidência dos Estados Unidos naquele ano. Fato que foi alterado quando, segundo

o documentário, a Fox News começou a divulgar notícias ao contrário, por coincidência ou

não, um dos responsáveis por este canal na época era primo de George W. Bush, que se

elegeria então presidente dos Estados Unidos. A impressão que se passa é que o país, com

um sistema eleitoral complicado, e até mesmo a partir de fraude (caso dos votos dos

afrodescendentes não contabilizados no estado da Flórida) tenha sido tomado por assalto

em termos de poder político.

Tempo Descrição da Cena Apelo

00h07m52s Várias cenas de Bush em

férias.

Política de governo

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O documentário questiona a política governamental de George W. Bush em

seus primeiros oito meses de mandato. O então presidente parecia apenas ficar em férias

para justamente evitar as críticas que vinham de seus opositores. Segundo o conteúdo do

documentário Bush ficou 42% deste tempo inicial em férias. O principal argumento desta

fase do filme é que Bush recebera, em vários momentos, inclusive um relatório de seis de

agosto de 2001, alertas e estudos que apontavam para os ataques terroristas, porém nada

fora feito para se averiguar ou se evitar tais ataques.

Tempo Descrição da Cena Apelo

00h23m00s Retirada de membros da

família Bin Laden às pressas

dos Estados Unidos. Grupos

empresariais que teriam

obtido lucro com os ataques

(caso: Carlyle)

Política externa e relações

comerciais

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No caso de ambos os questionamentos, sempre se argumentam as relações

comerciais mantidas entre as famílias Bush e Bin Laden; a presença de pessoas ligadas aos

mesmos, em vários momentos não divulgados, em relações comerciais e políticas. Inclusive

se questiona a forte presença de investimentos sauditas na economia norte-americana. Valor

que, se retirado apressadamente da economia dos Estados Unidos, traria sérios prejuízos ao

país.

Tempo Descrição da Cena Apelo

00h43m25s Guerra ao terror, várias

cenas de notícias

direcionadas à mídia a partir

de fontes da Casa Branca

Mídia e política

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Tais posicionamentos citados por fontes fidedignas do poder norte-americano

produziam, segundo o documentário, dois aspectos principais: 1. Criavam certo medo ou

pânico junto a opinião pública. 2. Direcionavam ou justificavam a necessidade de ataque ao

Iraque, sempre sob o pretexto da presença de armas químicas ou atômicas no país. Uma das

declarações de George W. Bush é identificadora deste procedimento: “Precisamos deter o

terror. Faço um apelo a todas as nações do mundo para deter estes assassinos”.

O fato de fontes do governo e a própria mídia estimularem este pensamento, a

recepção da população como um todo, foi bastante direcionada e influenciada: “Não dá para

confiar em desconhecidos”, esta é uma das frases mencionadas por moradores de uma

pequena cidade norte-americana ao ceder entrevista a Michael Moore.

A partir deste posicionamento constata-se o incentivo à xenofobia e à

delimitação da liberdade que viriam com o decreto patriota aprovado na época.

Tempo Descrição da Cena Apelo

01h18m325s Guerra contra o Iraque e

posicionamento da imprensa

norte-americana.

Relações Internacionais,

guerra e mídia.

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Este item é bastante ilustrativo para apontarmos o tipo de discurso que se

desenvolveu na mídia e na imprensa dos Estados Unidos, a partir de técnicas de controle e

divulgação das informações estabelecidas pelo governo norte-americano. Os jornalistas

eram impedidos de divulgar notícias sobre os soldados mortos, ou pelo menos eram

distanciados de tais fatos ao passo que eram envolvidos com fatos do front de batalha, e

acabavam por assumir posicionamentos verdadeiramente tendenciosos. “Sobre o aparato de

guerra do exército dos Estados Unidos: É uma máquina sincronizada e mortífera”. Sobre o

momento da invasão do Iraque: “a oposição iraquiana desapareceu diante do poder

americano”. A partir da presença de jornalistas no front como fruto da estratégia de

divulgação de informações pelo pentágono: “É preciso estar com as tropas para entender

aquela adrenalina”. Mensagens extremamente patrióticas divulgadas pela imprensa: “O

apoio ao presidente, à bandeira e às tropas, claramente já começou” e “Se o meu país está

em guerra, eu quero que meu país vença”. Por fim, uma manifestação bastante explícita do

posicionamento adotado pela imprensa na época: “Se sou tendencioso? Pode apostar que

sim!”.

A partir do que foi exposto e analisado sobre o documentário Fahrenheit 9/11 tem-

se como presenciar um fato evidenciado por Kellner ao fazer sua abordagem do conceito de

cultura da mídia. Trata-se da aproximação da mídia com o poder político e como a opinião

pública pode ser influenciada com notícias não totalmente verdadeiras, ou mesmo como

certo nível de pânico pode tomar conta de uma população, se as informações forem

trabalhadas do mesmo modo adotado pelo governo de George W. Bush.

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Considerações Finais

O mundo atual é o palco de uma vasta circulação de informações e

entretenimento, peculiaridade esta inserida fortemente no processo de globalização

(MARTIN; SCHUMANN, 1998). Com tal abertura dentro da sociedade, uma ampla

sequência de intervenções culturais ocorre entre os países e seus povos, com grande

facilidade e força, implantando-se em nosso cotidiano. É importante ressaltar ainda que,

apesar de nos trazer amplos benefícios e facilitadores, tal sistema também apresenta

desvantagens em termos da dificuldade de controle de todo esse conteúdo disponível

mundialmente.

A difusão maciça da cultura através da mídia (cultura da massa) foi uma

demanda acentuada e salientada com a globalização; a sociedade consumidora capitalista

vigente faz uso das atividades midiáticas e engrandece a importância destes veículos de

comunicação, tornando-os cada vez mais presentes e atuantes em nossas vidas.

É a partir desse contexto que este artigo foi desenvolvido. Focando-se a difusão

da cultura norte-americana por meio de filmes, a dupla face de seus aspectos foi trabalhada

e exemplificada, ou seja, tanto levantamentos de sustentação como em Top Gun (1986)

quanto de resistência em Fahrenheit 9/11 (2004), foram apresentados e analisados.

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. São Paulo: Zahar, 1985.

FAHRENHEIT 9/11. Direção de Michael Moore. Produção de Michael Moore; Jim Czarecki;

Kathleen. Los Angeles (EUA): Lions Gate Films, 2004; IFC Films. 1 DVD (122 min).

KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Bauru: Edusc, 2001.

LESSA, Maraisa B.; CAMPOS, Renato Márcio M. Indústria Cultural e Cultura da Mídia: Da

Modernidade à Lógica Cultural Pós-Moderna. In: XXVII Intercom, 2004, Porto Alegre. Anais do

XXVII Congresso de Ciências da Comunicação – Intercom. Disponível em:

http://reposcom.portcom.intercom.org.br/handle/1904/17275. Acesso em: 14 Jul. 2009.

MARTIN, Hans Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. São Paulo: Globo,

1998.

TOP GUN. Direção de Tony Scott. Produção de Don Simpsom; Jerry Bruckheimer. San Diego, CA

(EUA): Paramount Pictures, 1986. 1 DVD (109 min).