intencionalidade estrutura necessária a uma psicologia em bases fenomenológicas

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  • 7/24/2019 Intencionalidade Estrutura Necessria a Uma Psicologia Em Bases Fenomenolgicas

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    Intencionalidade: estrutura necessria a umapsicologia em bases fenomenolgicas.

    Intentionality: necessary structure for a psychology inphenomenological bases.

    Roberto S. Kahlmeyer-Mertens*

    Universidade do Estado do Rio deJaneiro UERJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,Brasil

    Endereo para correspondncia

    RESUMO

    O artigo toma por tema o conceito de intencionalidade. Questiona a posio deste

    conceito no mbito de uma psicologia fundada em bases fenomenolgicas. Pararespondermos a esta questo, objetivamos apresentar o conceito deintencionalidade segundo a fenomenologia, reconstruir brevemente sua gnesehistrica nas filosofias de Brentano, Husserl e Heidegger e indicar a importnciadeste conceito em autores da assim chamada Daseinanalyse(Binswangen e Boss).Abordada fenomenologicamente, tomamos a intencionalidade como traofundamental de uma conscincia; julgamos poder sustentar que esta estruturaviabiliza uma interpretao do psiquismo diversa daquela promovida pela leituratradicional que reduz a conscincia a sujeito. Considerando a intencionalidade aestrutura que permite a correlao imediata da conscincia com seus fenmenos,julgamos lcito afirmar que uma Daseinanalyse, entendida como psicologia epsicopatologia fenomenolgica, apenas se viabiliza no espao aberto pelaconscincia intencional.

    Palavras-chave: conscincia, intencionalidade, Daseinanalyse,Heidegger.

    ABSTRACT

    The article takes the concept of intentionality as theme. We inquired into theposition of this concept in the context of a phenomenological psychology. To answerthis question, we aim to introduce the concept of intentionality according toPhenomenology, briefly reconstruct its historical genesis in the philosophies of

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    Brentano, Husserl and Heidegger, and indicate the importance of this concept in theso-called Daseinanalyse (Binswangen and Boss). Treated phenomenologically, weunderstand intentionality as a fundamental feature of a consciousness; we judge itto be sustainable that this structure enables a different interpretation of the psychethat promoted by the traditional reading that reduces consciousness to the subject.Considering the intentionality the structure that allows immediate correlation ofconsciousness with its phenomena, we should judge Daseinanalyse, understood asphenomenological psychology and psychopathology, phenomenological psychologyand psychopathology, has viability only in the space opened by the intentionalconsciousness.

    Keywords: consciousness, intentionality, Daseinanalyse, Heidegger.

    1 Introduo

    O artigo assume por tema a intencionalidade no mbito da Daseinanalyse;questiona, assim, qual o estatuto que essa estrutura intencional possuiria nombito de umapsicologia fundada em bases fenomenolgicas. Para tratar oreferido tema, visando responder o problema que dele deriva, o trabalho cumprirtrs tarefas:. conceituar a estrutura da intencionalidade luz da fenomenologia;. reconstruir brevemente sua gnese conceitual junto a Brentano, Husserl eHeidegger;. e, principalmente, indicar a presena desta ideia na obra de autores comoBinswanger e Boss.

    Compreendendo a intencionalidade como trao fundamental da conscincia,julgamos poder entrever que a intencionalidade viabiliza uma interpretao dopsiquismo diversa daquela promovida pela leitura tradicional que reduz aconscincia a sujeito.

    Portanto, com a intencionalidade, a fenomenologia redefine o estatuto daconscincia tanto no plano da filosofia, quanto no plano da psicologia, uma vezque tal estrutura permite evidenciar que a conscincia no interioridade cerrada,a qual constituiria sede para estruturas e processos psquicos, tampouco, polosubjetivo de carter receptor e reflexivo dos fenmenos exteriores.

    Isto no apenas oportunizaria, para a filosofia, uma reviso do modelo metafsicoque referenda a dicotomia entre sujeito-objeto, mas, tambm, reforma a posioda psicologia segundo a qual o sujeito sediaria o psiquismo. O que se revelar comisso uma relao imediata da conscincia com seus fenmenos correlatos em umespao intencional no qual uma psicologia fenomenolgica se faz possvel.

    2 Ideias diretrizes para uma "psicologia sem psique".

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    [...] o existir humano em seu fundamento essencial nunca apenas um objetosimplesmente presente num lugar qualquer, e certamente no um objetoencerrado em si. Ao contrrio, este exigir consiste de meras' possibilidades deapreenso que apontam ao que se fala e o encontra e no podem ser apreendidaspela viso ou pelo tato. Todas as representaes encapsuladas objetivantes de umapsique, um sujeito, uma pessoa, um eu, uma conscincia, usadas at hoje napsicologia e na psicopatologia, devem desaparecer na viso daseinanaltica emfavor de uma compreenso completamente diferente. (HEIDEGGER, 2001, p.33)

    Todos conhecemos essas linhas, tomadas de ditado de Martin Heidegger (1889-1976). Elas iniciam os Seminrios de Zollikon. Se bem lembrarmos, nos protocolosda primeira sesso dos seminrios (datada de 8 de setembro de 1959), Heideggerilustra com semicrculos e setas o que ele entenderia como o objeto da assimchamada Daseinanalyse. Em semicrculos e setas temos ali o Dasein, o ser-a. Nafilosofia clssica alem, o termo ser-a indicativo de uma experincia de simplespresena. com esse significado que o encontramos na filosofia de Jacobi, de Kante, mesmo, em Hegel. Heidegger, entretanto, diante das necessidades de nomear afigura de conscincia em pauta nas suas pesquisas programticas defenomenologia, acaba por se apropriar diferenciadamente da expresso ser-a(Dasein). Tal escolha ocorre mediante a ponderao de trs fatores:

    1. a constatao de que o conceito de facticidade, presente no seu projeto deuma hermenutica da vida ftica(e em vigor em seus escritos de 1922-25) nocompreende fenmeno mais amplo que ser, futuramente, alvo de sua analticaexistencial;

    2. a hesitao em adotar o conceito de homem,temendo atrair para si todos osinconvenientes de uma tradio que o compreenderia como vivente essencialmenteracional, denotando, assim, um ente dotado de substancialidade, de quididade;

    3. a impossibilidade de optar sem reservas pelo conceito diltheyano de vidaempocas nas quais tambm este se encontra eivado pelas concepes de escolas

    como o vitalismo de Hans Driesch e o biologismo de Ludwig Klages.

    Sendo assim, com o termo ser-a, Heidegger entende um ser situado no mundo,um ser que possui um mundo por correlato, correlato este sem o qual ele prprionada seria. Esta compreenso completamente diferente das demais referidas.

    Diante to somente do que foi dito at aqui, asseveramos que o esquemaapresentado por Heidegger no primeiro encontro em Zollikon ilustra bem essanegatividade possvel do ente em questo. O ser-a este que no possui essncia,substancialidade ou quididade e, quando pensado como um semicrculo, deixatransparecer que uma experincia em aberto, um ser inacabado e, portanto,muito diverso da condio de um objeto subsistentemente dado. Apresentando-ocomo "obra aberta", Heidegger pretende evidenciar que o ser-a no consiste na

    experincia ntica de um sujeito, de uma subjetividade, de um egosubstancialmente estabelecido; da o comentrio que refora a necessidade deabdicar das interpretaes objetivantes que redundariam num ego encapsulado,numa subjetividade inserida na dicotomia sujeito-objeto; da, a prescrio deabandonar essas ideias caras aos modelos da psicologia e da psicopatologia em prolde um olhar daseinanaltico, fenomenolgico, portanto.

    Sob um primeiro olhar, a diretiva de Heidegger em favor de umapsicologia embases fenomenolgicas1cobra um alto preo e no oferece qualquer garantia. Umaavaliao daquela situao hermenutica nos mostraria que abrir mo da ideia desujeito significa renegar tudo o que a psicologia auferira at ento e, se no

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    desejarmos retroagir s origens metafsicas da psicologia com Plato e Aristteles,conservando-nos no mbito de uma psicologia cientfica, possvel constatar quemesmo as bases psicofsicas lanadas por autores como Fechner, Wundt e Titchner(bases estas com presena vestigial na psicanlise freudiana e nos esboos depsiquiatria fenomenolgica de Jaspers) seriam sobremaneira abaladas. Em trocadisso, o que teramos de uma psicologia fenomenolgica aos moldesheideggerianos? Uma psicologia que no parte da considerao de um sujeitohipottico (hipostasiado), em outras palavras: uma psicologia sem psique. istoque o filsofo chamou na citao inicial de uma psicologia e psicopatologia em umacompreenso completamente diferente; esse o ponto de partida de uma clnicapsicolgica que nos situa "de uma maneira diferente tanto diante do logos como dapsique [...]" (POMPEIA; SAPIENZA, 2011, p.150).

    Sob um segundo olhar, o que parece ser uma carncia da fenomenologia (e, porextenso, da Daseinanalyse) , em verdade, o que lhe assegura, desde o incio, over e o agir fenomenolgicos antes mesmo que qualquer procedimento normativoou metodologia possam pretender legitimidade. Assim, enquanto muitos entendemperder com a fenomenologia, seus estudiosos entendem que o maior ganho que sepode ter na lida com os fenmenos (e neste caso os fenmenos do "psiquismo")provm do ato de no apreende-los de maneira objetivada, hipostasiada por umver que se faz desatento ao movimento da conscincia em autoinspeo. Da, seat agora falamos dos semicrculos presentes no esquema heideggeriano queilustra o ser-a naqueles seminrios, descrevamos desde aqui o que est em jogonas setas que, de maneira igualmente decisiva, compem o diagrama. Este novopasso, alm de oportunizar a retomada de pontos ainda obscuros na descrioanterior, introduzir em nosso texto o conceito de intencionalidade, tal qualanunciado em nosso ttulo.

    3 Intencionalidade, estrutura fenomenolgica fundamental

    De incio, podemos entender a Daseinanalysecomo a tentativa dos psiquiatrasLudwig Binswanger (1881-1966) e Medard Boss (1903-1990) em apropriar afilosofia de Martin Heidegger para pensar a psicanlise (RICHARDSON, 2003). Oprprio Boss, no prefcio primeira edio dos Seminrios de Zollikon, admite queo contato com a obra Ser e tempo(1927), durante a Segunda Guerra, foi o queinstigou suas primeiras pesquisas nesse sentido. O autor reconhecia na analticaexistencial de Ser e tempo"insightsfundamentalmente novos e inauditos no existirhumano e seu mundo" (BOSS, 2001, p.10). Embora contendo inegavelmentecontribuies originais, preciso reconhecer que a filosofia de Heidegger, nesteperodo, se encontra indissociavelmente ligada fenomenologia de Edmund Husserl(1859-1938), sendo debitria de algumas de suas intuies primordiais. ComHusserl, Heidegger aprendeu o mtodo fenomenolgico (depois depurado na formade atitude fenomenolgica) e a estrutura que permite este agir orientado pelosfenmenos. A referida estrutura: a intencionalidade.

    Uma advertncia deve ser dada aqui antes mesmo que o termo intencionalidadeseja introduzido conceitualmente: o que Husserl e Heidegger compreendem com otermo em nada tem a ver com intento, fito ou propsito voluntrio. Essa nota, quesoaria elementar aos familiarizados com a terminologia fenomenolgica, no parecedispensvel aos que buscam compreender a intencionalidade no mbito dapsicologia. De sorte que, mesmo Ludwig Binswanger, preocupado com ambiguidadeque o termo poderia acarretar, ressalva:

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    H que se esclarecer que nem a intentio, nem nenhuma de suas derivaes temque ver com ateno, atividade, nem com nada parecido. O intento significa aquiapenas a direo ou a relao da conscincia com algo'[...]; a intencionalidadesignifica aquilo para o que nos dirigimos animicamente. (BINSWANGER, 1973,p.26).

    A noo de intencionalidade, sobre a qual a fenomenologia se apoia, se edificatendo em vista a correspondncia que uma figura de conscincia sempre possuicom o fenmeno que objetivamente se lhe encontra correlato, mas que, por suavez, tambm s se constitui em meio ao acontecimento da intencionalidade(HEIDEGGER, 1992). Para o autor, a experincia humana conscincia e, por suavez, conscincia sempre conscincia de algo, como nos diz Husserl (1962, p.168): "na percepo de um percebido, na imaginao de um imaginado, naenunciao de um enunciado, no amor de algo amado, [...] no desejo de umdesejado etc". Com este trecho das Investigaes lgicas, se ilustra o que,anteriormente, j falando em ser-a, tratamos por "correlao"; tanto Binswanger(1953) quanto Boss (1963) enfatizam incessantemente esta correlao em suasobras. Como dissemos adiante, a correlao desses dois polos em questo descrevefundamentalmente a impossibilidade de atos de conscincia que se faam naausncia de objetos; do mesmo modo, ela tambm implica a impossibilidade decampos objetuais sem a correlao com fenmenos da conscincia (HUSSERL,1963).

    Como nos lembra Binswanger (1973), a fenomenologia de Husserl se move na sutilfronteira entre a lgica e a psicologia, descrevendo que o conhecimento possveldos entes se encontra intimamente ligado a atos da conscincia fenomenolgica eno consistindo, portanto, em um produto de representaes de um sujeito quetrava relao com objetos exteriores. Afirmando que objetos so imanentesconscincia, Husserl busca reatar, fenomenologicamente, o lao da conscincia como mundo objetivo possvel, grifando a relao intencional de base indicativa de quetodo conhecimento constitudo (conhecido) em atos de conhecer, ou ainda, quetodo "ato de conhecer uma objetivao do ente na medida em que ele

    naconscincia" (LAUER, 1955, p. 80). Esta imanncia garante fenomenologia oconhecimento metdico, absolutamente fundado em evidncias fenomenolgicasdos objetos; nestes termos se traduz a apoditicidade tpica, importante elargamente explorada no interior do projeto husserliano de uma filosofia rigorosa(MOHANTY, 1995). Para que a fenomenologia obtivesse tal certeza apodtica, foipreciso que Husserl investisse na estrutura da intencionalidade. Tal conceitocorresponde paradigmaticamente ao que Heidegger compreende como as setas noseu esquema ilustrativo do ser-a.

    Originada na Escolstica medieval, esta noo, anos antes, havia sido reapropriadapor Franz Brentano em sua Psicologia de um ponto de vista emprico (1864). Ali, aintencionalidade permitiria a referncia a contedos de conscincia, objetosimanentes classificados luz dessa psicologia descritiva como fenmenos

    psquicos(PRECHTL, 1989). Seguido de perto por seu discpulo Karl Stumpf (1848-1936), Brentano concentra-se em atos psquicos como representaes, juzos eemoes; no entanto, ao fazer isso, deixa inexplorada aquela estrutura de base:Brentano negligencia o que seria seu achado mais precioso do ponto de vistafenomenolgico (por este motivo no se pode vincular Brentano, tampouco Stumpf,conforme erroneamente se tem feito, fenomenologia; a associao mais plausvela ambos psicologia descritiva)(SCHRER, 1969).

    Ao ater-se intencionalidade, Husserl valoriza nela o que ficou impensado em seuspredecessores; ele mostra que a intencionalidade propicia clareza quanto constituio de campos de apario dos objetos, estes que no se manifestammediante representao, mas na intuio de suas idealidades, isto , aparecendo

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    tal qual dado, o objeto evidencia o que em si mesmo h de mais essencial. Assim,para Husserl (1992), o modo com que intencionalmente a conscincia atua permite,verdadeiramente, a percepo dos objetos (LAUER, 1955). Ao desenvolver oconceito de intencionalidade, Husserl pode agora (trilhando as vias do mtodofenomenolgico) evidenciar que as vivncias da conscincia em atitude natural tmesta estrutura fenomenal obstruda, tomando, por conseguinte, os camposobjetuais abertos pela intencionalidade de maneira confusa e simplificada (quadroque se estende, at mesmo, para as investigaes com pretenses psicolgicas). Afenomenologia indica que essa ambiguidade adquirira proximidade tamanha aponto de ser tomada como "natural". De igual modo, esta atitude tambmdesconsidera reiteradamente o elemento intencional que a fenomenologia tem emvista, assumindo, assim, uma postura ingnua com relao ao objeto, qual seja:aquela que nos leva slida convico de que o conhecimento constitudo a partirda relao emprica de um sujeito autnomo (dado a priorie dotado de aparatopsquico) com entes de presena constante, independente e reificvel.

    Na contramo dessa tendncia, a anlise rigorosa da intencionalidade de um pontode vista fenomenolgico permite-nos compreender o carter transcendente dosatos de conscincia e, a partir desses, os campos nos quais os entes j se mostramdesde sempre como correlatos noemticos conscincia. Da, suspender(por meiode um procedimento chamado "epoch") os efeitos hipostasiantes e obstrutivos daatitude natural, decomporconglomerados de atos de conscincia em caracteresintencionais primitivos, descrevera essncia pura e transcendental das vivnciaseanalisaros laos necessrios que a conscincia possui com seus objetos sotarefas precpuas da fenomenologia husserliana (HUSSERL, 1962). Heidegger,entretanto, entende que h algo de urgente ainda em pauta: aprofundar o achadofenomenolgico que a intencionalidade, levando-o a uma instncia mais radical doque teria pensado Husserl.2

    Com a licena de no aderir aos novos rumos da fenomenologia de seu mestreestabelecidos em seu Ideias diretrizes para uma fenomenologia pura (1910-13),Heidegger entende que mais importante do que tratar a gnese e as operaes

    transcendentes de uma subjetividade sintetizadora de vivncias seria compreenderas ligaes de sentido que denotam a implicao entre o polo equivalente conscincia e seus correlatos. assim que entra em cena a noo de ser-a.

    4 Ser-a e intencionalidade

    No simples a tarefa de uma caracterizao do ser-a. Uma primeira aproximaodeste fenmeno deixa logo claro que mais fcil do que predic-lo, seria dizer o queele no , caracterizao negativa que nos traria alguma clareza quanto ao ser-a.Da, comearmos indicando que o ser-a no corresponde ao modo de ser da

    mera coisa (HEIDEGGER, 1993), uma vez que, implcito nesta noo,aparentemente neutra, identificaramos as propriedades realidade e "coisidade"(categorias influentes nas ontologias tradicionais na medida em que interferem emsuas interpretaes metafsicas do ser). Tomando estritamente, o ser-a "no umente que ocorre entre outros" (HEIDEGGER, 1993, p.12), um ente que possuiriaentidade ou quididade (quidditas), de sorte que nem a designaode ente(entendido como elemento de um domnio objetivo) traduz precisamente omodo de ser do ser-a. A negativa dos argumentos anteriores cabe, por extenso, interpretao derivada de ente enquanto "criatura" (ens creatum). O ser do ser-atampouco se constitui comoanimal rationale,pois, para Heidegger, "estadeterminao no apenas a traduo latina dozon lgon ekhongrego, mas umainterpretao metafsica" (HEIDEGGER, 1967, p.153) que remonta, uma vez mais,

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    ideia de substancialidade expressa na chave do gnero supremo-diferenaespecfica(HEIDEGGER, 1988).Por fim, mesmo a denominao de objetoresultainadequada para uma caracterizao rigorosa do ser-a, isso porque a palavraobjeto pressupe algo posto ou lanado defronte a um sujeito para quem esse algoimpe resistncia.3O pensamento que naturalmente julga poder assumir essaspremissas move-se ainda no interior da dicotomia sujeito-objeto, expondo-se atodas as implicaes metafsicas que o modelo tradicional oferece.

    O descrito acima o que poderamos identificar como o resultado da apropriaoheideggeriana do gesto inaugural, decisivo e contnuo que a epochfenomenolgica (ato que suspende a validade de contedos das duasreferidas tendncias terico-hipostasiantes). No presente caso, Heidegger,considerando e radicalizando a epoch fenomenolgica, acaba por submeter aprpria conscincia intencional reduo. Isso porque, para um Heidegger tointransigente quanto atento ao modus operandida fenomenologia, conservar asubjetividade, ainda que refinadamente pensada como subjetividade sintetizadorade vivncias, expor-se ao risco da noo de sujeito realojar-se sub-repticiamentenessa, de modo que seria possvel indicar que, na fenomenologia de Husserl, estanoo, "enquanto no passar por uma elucidao prvia de sua determinaoontolgica fundamental," (HEIDEGGER, 1993, p.46) reteria ainda um resquciosubjetivo.

    Deste modo, o efeito da epochheideggeriana suspende mesmo a validade daconscincia (ego, cogito), esta, que ainda resguardava um atributo substancial, passvel de ser apontada como uma ltima determinao metafsica do ente queantes caracterizamos negativamente como ser-a.4

    Os leitores devem estar se perguntando: o que resta para chamarmos de ser-a,depois de um movimento como esse? O que permanece do ser-no-mundo paraempreendermos uma analtica existencial e, por extenso, uma Daseinanalyse? Aepoch estendida conscincia pe-nos diante da evidncia de um espaofenomenal constitudo no interior do qual o ser-a se relaciona com os fenmenos;

    antes disso, nos coloca diante do ser-a como um poder-ser (RICHARDSON, 2003).Isto significa que no sendo sujeito, conscincia ou ego, o ser-a este marcadopelo carter de poder-ser, de sorte que se algo pode ser propriamente dito sobreeste ente o fato de elepoder ser. Isso se torna ainda mais claro nas palavras deHeidegger: "Ser-a no um simplesmente dado que tem, adicionalmente, o poderde ser alguma coisa. Ele, primariamente, possibilidade de ser". (HEIDEGGER,1993, p.143). Neste momento, contudo, mais importante do que reafirmar aexistncia em aberto do ser-a por meio da ideia de poder-ser, indicar o espaode possibilidades deste ente aberto na intencionalidade.

    Na filosofia de Heidegger, como j vimos, o ser-a correspondente ftico de umafigura de conscincia, figura correlata a um campo objetual que a ele se abre. Nareferida correlao, a intencionalidade se revela como a estrutura necessria

    correlao entre o ser-a e os campos de objetos. Diferentemente de Husserl,Heidegger inscreve a intencionalidade na dinmica da existncia do ser-no-mundo,passa ela, assim, a ser compreendida no mbito existencial do ser-a e segundo asinterpretaes que tal ente faz de sua existncia e de seu mundo. Assim pensadanos domnios de uma analtica existencial, a intencionalidade compreendida comoconstituinte do horizonte de realizao do ser-no-mundo, isto , do espao no qualos entes se manifestam, da projeo de sentidos possveis e da determinao designificados dos fenmenos mundanos. Dito isso, podemos depreender que, de umponto de vista fenomenolgico, a intencionalidade que nos permite compreendero carter transcendente dos atos de conscincia e, a partir desses, os camposfenomenais nos quais os entes j se mostram como tal (HALL, 1993).

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    Mesmo pensado como uma malha relacional em que se estruturam camposobjetuais a partir dos quais se subministram os entes manifestos, o mundo do ser-a, tal como pensando por Heidegger, conserva a correlao intencional. Issosignifica que a estrutura da intencionalidade continua operante na analticaexistencial e, apesar de a intencionalidade estar pouco visvel (devido a Heidegger,no interior de seu exame do ser-no-mundo, t-la reestruturado na forma existencialde compreenso voltada complexidade do mundo), no significa, em nenhummomento, que o filsofo tenha perdido de vista esta estrutura fundamental. Noseria exagero chamar a intencionalidade de estrutura fundamental, afinal, ela pressuposto da psicologia descritiva de Brentano, orientando, tambm, o fazer dafenomenologia husserliana, da analtica existencial de Heidegger e daDaseinanalyse, na conexo entre Binswanger e Boss. Com esta afirmativa,chegamos ao ponto central de nosso trabalho, que a afirmao segundo a qualuma psicologia em bases fenomenolgicas depende, necessariamente, daintencionalidade.

    Ora, mas por que a Daseinanalyse dependeria da estrutura daintencionalidade?Precisamente pelo fato de os comportamentos, afetos e, mesmo,patologias do ser-a (e neste caso mesmo indcios psicopatolgicos possveis a esteente) j sempre se manifestarem em campos fenomenais intencionalmenteabertos, neste caso, no horizonte constitutivo de um mundo. Ao reestruturar aintencionalidade existencialmente, Heidegger permite que o ser-no-mundo sejaevidenciado na chave intencional, uma vez que essa noo traduz o ente que semanifesta num espao fenomenal. Assim, uma psicologia em basesfenomenolgicas ao descrever e analisar os fenmenos constitudos no interior dosespaos de jogo do ser-a, j pressupe a estrutura de base da intencionalidade,esta atuante na forma da compreenso do ser-a. Isso refora o fato de quequalquer psicologia ou psicoterapia fenomenolgica precisaria contemplar seusfenmenos na correlao intencional, ou seja: considerar um desejar em face doque se mostra desejado, um amar (ou odiar) ao que se lhe mostra amado (ouodiado), do sonhar ao que se lhe mostra sonhado... (BINSWANGER, 1973; BOSS,1979).

    5 Da apropriao daseinanaltica do conceito deintencionalidade em Binswanger e Boss

    Indcios da apropriao daseinanaltica da intencionalidade esto por toda parte naobra de Ludwig Binswanger e de Medard Boss. A presente comunicao, aps todaa exposio conceitual da referida estrutura, se limitar a indicar alguns modoscom os quais estes autores contemplam a intencionalidade em suas investigaes.

    Binswanger (que na dcada de 1920 manteve contato com Heidegger

    na Universidade de Marbourge foi correspondente de Freud) sabe a fenomenologiatal, como define Husserl (1961, p.21), como uma "psicologia descritiva dasvivncias puras". Contudo, o psicoterapeuta entende necessrio esclarecer que aDaseinanalyse, enquanto fenomenologia, ao mover-se no horizonte daintencionalidade, ocupando-se com sintomas concretos distintos e perceptveis napsiquiatria, psicopatologia e psicoterapia, difere quanto a seu escopo dainvestigao das essncias de Husserl, bem como em sua metodologia da psicologiadescritiva. Deste modo,

    trata-se aqui de uma fenomenologia que, ainda que no alcance as alturas daessncia pura, no deve se confundir com o que se chama, em relao psicologia

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    descritiva, de psicopatologia descritiva ou subjetiva, o que tornaria a fenomenologiapsicopatolgica quase por completo incompreendida (BINSWANGER, 1973, p. 32).

    Feitas essas ressalvas, o autor ainda refora que, se pensada a Daseinanalysecomo psicologia fenomenolgica, esta necessita das diferentes descries denumerosos fenmenos patolgicos apenas possveis desde o espaofenomenolgico aberto na dinmica intencional; garantindo, assim, psicopatologiauma compreenso sempre esclarecida e renovada, por exemplo, da ideia delirante,da alucinao, do autismo etc. Em sua abordagem, o autor tem tambm em vista ofato de que a psicopatologia se perfaz diante da considerao do outro. Isto querdizer que, para Binswanger (1973), "o fundamento da psicopatologia basicamentea percepo de um eu outro ou de outro eu [...]" (p.33). Deste modo, no se podecompreender o objeto da Daseinanalyse como sendo estruturas internas de umasuposta subjetividade explicada por uma teoria, mas como o que percebidoquando, em atitude fenomenolgica, nos voltamos vida anmica de umapessoa.5Assim, o essencial na observao fenomenolgica das psicopatologias soos fenmenos no horizonte da experincia humana ou, dizendo de outra maneira, oque importa Daseinanalyse o que se manifesta de tal ou qual modo nohorizonte fenomenal do ser-a. O ser-a afetado por uma patologia se manifesta,neste caso, desde um fenmeno especfico e a Daseinanalyse, por sua vez, tem ofenmeno patolgico no horizonte intencional do ser-a afetado. Esta relaoaparece sintetizada por Ernest Keen, que a tendo compreendido bem, remata nossaexposio de Binswanger ao afirmar que:

    [...] a abordagem de Binswanger no uma tcnica para revelar horizontesinternos de experincia; ao contrrio, uma teoria relativa a horizontes que estouniversalmente presentes na experincia humana. uma filosofia do homem, dosestados de humor e da terapia (KEEN, 1979, p. 55).

    Como Binswanger, Boss guardava profundo apreo por Sigmund Freud (1856-1939), isto, entretanto, no impediu que esse contestasse, luz da fenomenologia,muitas das ideias das teorias explicativas freudianas. A nosso ver, a ideia de uma

    subjetividade dotada de aparelho psquico e regida por leis naturais, ainda presentena psicanlise de Freud, era o principal alvo de objees de uma psicologiafenomenolgica. Isso porque, a metapsicologia de Freud ainda recorria a um sujeitohipostasiado para estabelecer suas explicaes e classificaes, esforo queconsiste na interpretao de elementos psquicos diante de um rol de hiptesesempiricamente verificveis (GUIGNON, 1993).

    Partindo do paradigma fenomenolgico, para o qual a intencionalidade estruturaenvolvida na evidenciao dos fenmenos (tambm de uma figura de conscinciacorrelata, aqui assumida como o ser-a), e reconsiderando todo o movimento deexposio do ser-a, por ns elaborado, como um ser desprovido de subjetividade,no mais seria possvel acatar a ideia de uma subjetividade simplesmente presente,recipiente, reflexiva e que se desempenha encapsulada em si. Consoante a

    Heidegger, Boss nos garante isso ao afirmar que:

    no h prova, nos fenmenos reais da existncia humana, da existncia de entesendopsquicos tais como representaes, ou afetos a eles ligados. Ainda assim, nemsequer a mais importante condio prvia para estas premissas foi at agoraexplicada: ningum sabe onde est ou o que este recipiente "psquico" ao qual apalavra dentro se refere. Se a resposta "dentro" de uma psique, faz-se necessriodemonstrar primeiro que ns seres humanos possumos psiques, entes que existemem alguma parte acessvel em algum espao vazio. Em segundo lugar,precisaramos saber a natureza desta psique dentro de qual "afetos" e

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    representaes do mundo exterior poderiam penetrar, como se ele fosse umacpsula (BOSS, 1979, p. 45).

    Diante da fora deste argumento, se nos deixarmos orientar to somente pelaatitude fenomenolgica ou daseinanaltica atendo-nos exclusivamente aosfenmenos da existncia do ser-a, depreenderamos que as teorias de faculdades emuitas de suas respectivas inferncias no poderiam ser endossadas pelaDaseinanalyse. Isso, porque (como ensina Husserl), toda teoria (e no presente casose insere a psicanlise freudiana), se move apoiando-se em hipostasias, de sorteque suas premissas reproduziriam a ingenuidade intrnseca a esta pressuposioinicial. A fenomenologia, que consiste em um procedimento apenas descritivo e,portanto, no teorizante, seria assim via privilegiada para compreender elementosdo psiquismo sem adulter-los com especulaes e interpretaes.

    Medard Boss nos d prova eloquente de como a fenomenologia pode apropriarvalidamente intuies da psicanlise sem transigir com um sujeito tradicionalmenteconcebido. Trata-se de uma hermenutica dos sonhos que toma o ser-a comoagente sonhador. Para Boss (1979, p.44), esses "exerccios prticosde compreensofenomenolgica dos elementos onricos" so capazes de evitar a

    distoro dos fenmenos sonhados mediante teorizaes e especulaes uma vezque no mais presume significados ocultos em uma faculdade inconsciente. Nossoautor sabe que nada h para ser perscrutado atrs dos significados que se revelama ns diretamente dos fenmenos onricos, deste modo, evidencia que, mesmodurante o sonho, a intencionalidade permanece atuante, o que nos faz crer que oespao onrico no outro seno um caso do horizonte fenomenal do ser-a emviglia (BOSS, 1963). Isto nos garante Boss (1979) quando prope que a"experincia de sonhar pertence existncia tanto quanto a sua vida desperta, [...]que a sua sujeio s coisas que encontra [...] no s existe no seu mundo comouma relao [...] ao externo, mas tambm como trao caracterstico de sua prpriaexistncia" (p. 42).

    Dito isso, a Daseinanalyse com Boss empreende um exerccio de compreenso dos

    sonhos, de modo que os fenmenos do mundo do sonho se conservem exatamentecomo so quando se revelam ao ser-a sonhador. Isto porque,

    livres dos acrscimos suprfluos e enganosos das modernas teorias psicologsticasdo sonho, estaremos prontos a comear o treinamento para uma viso nodistorcida do ser-no-mundo de seres humanos que sonham. Uma abordagem tosimples com frequncia criticada como "banal", mas [...] esta crtica recai sobreos prprios crticos, pessoas que se tornaram cegas riqueza de significadoexistente em cada fenmeno que encontramos, seja acordados ou sonhando.(BOSS, 1979, p. 43).

    Mais do que o empenho de levar ao cabo, com a Daseinanalyse, o "slogan"fenomenolgico: s coisas elas mesmas, presenciamos aqui o acuro de Boss em

    cultivar um ver capaz de perceber, avaliar e cuidar da riqueza da experinciahumana na indigncia do ser-a. Um olhar que, orientado pela intencionalidade,acompanha sua prpria transcendncia podendo descrever o que nela se manifesta;denunciando as limitaes e tendncias derivadas que nos leva a interpretaesdesviantes da experincia de nossa inerente simplicidade. Ao investigar o sonho, odesejo, a lembrana e outros fenmenos que nada tm de endopsquicos (comopressuporiam as teorias psicologsticas), tambm Boss evidenciou que todo sonhar,desejar, lembrar inerentemente um sonhar, desejar, lembrar de alguma coisa.Isto significa que qualquer um desses comportamentos nos remete a um modoespecfico de relacionar-se inteiramente com algum fenmeno numa base

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    intencional, o que, por si s, evidencia (como se v junto aos demais autores daDaseinanalyse) a importncia da intencionalidade.

    6 Consideraes finais

    Tendo conceituado a intencionalidade, luz da fenomenologia husserliana, comotrao fundamental da conscincia, grande parte do esforo de nosso artigo foi o deindicar que a conscincia intencional abre campos fenomenais nos quais os entes semanifestam; por sua vez, o manifesto nestes campos fenomenais descrito pelafenomenologia. Buscamos mostrar, tambm, que insatisfeito com os rumos dafenomenologia transcendental de Husserl, Heidegger elaborou uma sntese prpriada fenomenologia, colocando sob efeito da suspenso fenomenolgica a prpriaconscincia. O resultado disso um ente marcado pelo carter ontolgico dapossibilidade, um ser que possui seu prprio mundo como correlato determinante eque tem a intencionalidade enfeixada em suas muitas demandas existenciais. Aodissolver os ltimos delineamentos da conscincia intencional na forma de ser-a,Heidegger tornou possvel para Binswanger e Boss umapsicologia sem psiquismo,

    uma psicologia em bases fenomenolgicas, ou ainda em uma Daseinanalyse. Comesta, possvel descrever, analisar e cuidar do ser-a sem que este seja abordadocomo um sujeito estabelecido, do mesmo modo, possvel ter acesso a seusfenmenos "psquicos" sem precisar, para tanto, recorrer a teorias explicativas dosujeito, geralmente adulterantes dos objetos da psicologia, psicoterapia epsicopatologia. Tendo a estrutura da intencionalidade na pedra de toque dafenomenologia e, ainda, na pauta de uma Daseinanalyse, possvel acessar oscomportamentos, afetos e patologias do ser-a como fenmenos e como taisfenmenos aparecem significativamente para o outro. Assim, se com a psicologiaem bases fenomenolgicas de Binswanger e Boss, no auferimos a apoditicidade doconhecer to ansiada por Husserl, nos parece lcito afirmar que a Daseinanalyse nosevidencia os fenmenos no horizonte em que se constitui a experincia humana,em suas mltiplas possibilidades.

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    Recebido em: 09/11/2011Aceito para publicao em: 30/11/2012Acompanhamento do processo editorial: Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo

    Notas

    *Doutor em filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ.Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Fenomenologia SBF1O que, grosso modo, tomamos como sinnimo de Daseinanalyse.2Veja-se mais a este respeito em Dreyfus (1993); Moran (2000).3Para essas duas acepes, reservam-se os termos "gegenstand" e "gegenwurf",respectivamente.4Aps este argumento, no preciso dizer, que o ser-a no apenas uma palavrapara substituir conscincia, tampouco a representa: trata-se de um ente pensadonum contexto radicalmente diverso do antropolgico e mesmo do psicolgico.5Nesse ponto, Binswanger (1973) nos lembra que mais teria a contribuir com umafenomenologia psicopatolgica as investigaes minuciosas sobre o fenmeno dasimpatia elaboradas por fenomenlogos como Max Scheler, do que as teorias dasescolas associacionistas.

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