inteligência

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P ARTE I VISÃO GERAL G ardner e Armstrong preparam o caminho para a investigação das várias maneiras de se aplicar a teoria das inteligências múltiplas (IM) em ambientes educacionais ao redor do mundo. Apresentam os fundamentos da teoria das IM e iniciam processos que serão encontrados ao longo do livro: descrição, análise, ava- liação e síntese. Sua chamada por aprofundamento do pensamento sobre as IM antecede a jornada do livro da Ásia à Europa, atra- vés da América do Sul e de volta aos Estados Unidos. As culturas e os contextos educacionais diversos descritos no livro oferecem uma oportunidade única para se obter novas visões sobre como os contextos culturais podem moldar a prática educacional. Mui- tas pessoas ao redor do mundo estão trabalhando diligentemente para aplicar a teoria das IM e melhorar a educação para todos os estudantes. Sua vitalidade, seu entusiasmo e sua perseverança são notáveis.

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  • P A RT E I

    VISO GERAL

    G ardner e Armstrong preparam o caminho para a investigao das vrias maneiras de se aplicar a teoria das inteligncias mltiplas (IM) em ambientes educacionais ao redor do mundo. Apresentam os fundamentos da teoria das IM e iniciam processos que sero encontrados ao longo do livro: descrio, anlise, ava-liao e sntese. Sua chamada por aprofundamento do pensamento sobre as IM antecede a jornada do livro da sia Europa, atra-vs da Amrica do Sul e de volta aos Estados Unidos. As culturas e os contextos educacionais diversos descritos no livro oferecem uma oportunidade nica para se obter novas vises sobre como os contextos culturais podem moldar a prtica educacional. Mui-tas pessoas ao redor do mundo esto trabalhando diligentemente para aplicar a teoria das IM e melhorar a educao para todos os estudantes. Sua vitalidade, seu entusiasmo e sua perseverana so notveis.

  • O NASCIMENTO E A DIFUSO DE UM MEME

    HOWARD GARDNER

    Em 1983, publiquei Frames of Mind: The Theory of Multiple In-telligences [Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligncias Ml-tiplas, Artmed, 1994]. Na poca, era pesquisador e psiclogo, trabalhando em tempo integral na regio de Cambridge/Boston. Dividia meu tempo entre dois centros de pesquisa: o Boston Vete-rans Administration Medical Center, onde trabalhava e desenvolvia estudos com indivduos que haviam sofrido alguma forma de dano cerebral, e no Projeto Zero, um grupo de pesquisa na Escola de Ps-Graduao em Educao de Harvard, que tratava de questes de desenvolvimento humano e cognio, principalmente nas artes. Meu trabalho dentro do Projeto Zero examinava o desenvolvimen-to, em crianas, de diferentes habilidades em vrias formas de arte. Eu possua formao como psiclogo do desenvolvimento, nas tra-dies de Jean Piaget, Lev Vygotsky e Jerome Bruner, e me consi-derava parte desse segmento da comunidade acadmica, e algum que se dirigia a ele.

    Se no tivesse trabalhado junto dessas populaes crianas normais e su-perdotadas e as que haviam sido normais e sofreram dano cerebral eu nun-ca teria concebido minha teoria das inteligncias mltiplas (IM, como veio a ser chamada depois). Como a maioria das pessoas leigas e a maior parte dos outros psiclogos, teria continuado a acreditar na ortodoxia do quociente de inteligncia (QI): na existncia de algo nico chamado inteligncia, que nos permite fazer uma srie de coisas mais ou menos bem, dependendo do quan-to somos inteligentes. Nascemos com um determinado potencial intelectual que , em grande parte, herdvel (ou seja, nossos pais biolgicos so os prin-cipais determinantes de nossa inteligncia), e os psicometristas so capazes de nos dizer nosso nvel de inteligncia administrando testes nesse campo.

    Entretanto, todos os dias em que trabalhava, eu entrava em contato com excees evidentes a essa ortodoxia. Encontrei indivduos com dano cerebral cuja linguagem havia sido muito prejudicada, mas que conseguiam bons re-

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    sultados em contextos desconhecidos; observei pacientes com dano cerebral com dificuldades em termos espaciais, mas que conseguiam realizar todos os tipos de tarefas lingusticas. Observavam-se dissociaes duplas desse tipo em todo o espectro cognitivo. Eu estava to intrigado com esses fenmenos que, em 1975, publiquei The Shattered Mind: The Person After Brain Damage.

    As mesmas anomalias surgiam em meus estudos com crianas. Algum com pouca idade pode ter um desempenho excelente em poesia, fico e expresso oral, mas ter dificuldades para desenhar uma pessoa, uma planta ou um avio. Um colega dessa pessoa pode ser excelente desenhista, mas ter dificuldade para falar, escrever ou ler. Essa ideias comearam a ser expressa-das em meu livro de 1973, The Arts and Human Development, e no de 1980, Artful Scribbles. Mais uma vez, esse padro de dissociaes no compatvel com a ortodoxia que eu havia absorvido crescendo nos Estados Unidos dos anos de 1950 e como estudante de psicologia do desenvolvimento e cognitiva na dcada de 1960.

    A vaga intuio de que h algo de podre no estado da teoria sobre a inteligncia provavelmente teria permanecido sem verificao se no fos-se por uma organizao filantrpica holandesa, a Fundao Bernard Van Leer. Em 1979, a fundao concedeu uma verba generosa Escola de Ps-Graduao em Educao de Harvard para responder seguinte pergunta: O que se sabe sobre a natureza e a realizao do potencial humano?. Essa era uma questo de peso eu costumava brincar dizendo que era uma pergunta mais tpica da Costa Oeste dos Estados Unidos do que da Costa Leste. No evento, pediram-me que preparasse uma sntese daquilo que j se havia determinado sobre cognio humana a partir das cincias biolgicas, psicolgicas e sociais.

    O NASCIMENTO DA TEORIA

    Alguns anos antes, eu havia feito um rascunho muito inicial de um livro cha-mado Kinds of Minds, mas a ideia nunca chegou a ser lanada. Ter recebido cinco anos de apoio generoso da Fundao Van Leer me deu uma oportuni-dade valiosa. Com a ajuda de vrios assistentes de pesquisa talentosos, fiz o levantamento de uma ampla literatura sobre cognio, incluindo estudos em gentica, neurocincia, psicologia, educao, antropologia e outras disciplinas e subdisciplinas. Esse levantamento no apenas fortaleceu minha crescente intuio de que a cognio no era monoltica, como tambm proporcionou as evidncias empricas duras com as quais embasar essa afirmao.

    Restavam dois passos. O primeiro era como chamar essas faculdades hu-manas dissociveis. Cogitei uma srie de nomes e, por fim, decidi cham-las inteligncias humanas. Essa virada lxica ofendeu alguns ouvidos e ainda gera destaque quando a digito em meu computador, mas tinha a vantagem

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    de chamar a ateno para a teoria, em parte porque invadia um territrio at ento pertencente a um determinado tipo de psiclogo. (Nunca subestime a reao quando pisar nos calcanhares de um grupo que acha que sabe tudo.) Tenho certeza de que no estaria escrevendo esta introduo, 25 anos depois, se houvesse produzido o mesmo livro, mas o chamando de Seven Human Faculties ou Seven Cognitive Talents.

    O segundo passo implicava a definio de uma inteligncia e de um con-junto de critrios para aquilo que deveria significar inteligncia. Passei a con-siderar inteligncia um potencial biopsicolgico de processar informaes de determinadas maneiras para resolver problemas ou criar produtos que sejam valorizados por, pelos menos, uma cultura ou comunidade. Mais coloquial-mente, considerava a inteligncia como um computador mental configurado de forma especial. Enquanto a teoria padro sobre a inteligncia postulava um computador multiuso, que determinava as melhores habilidades da pes-soa dentro de um espectro de tarefas, a teoria das IM postulava um conjunto de dispositivos de informtica. Ter um ponto forte em um deles no signifi-caria fora ou fraqueza em outro. O que observei de forma intensa em indiv-duos com danos cerebrais, o que Oliver Sacks e Alexander Luria escreveram sobre perspiccia, , na verdade, a condio humana. O que costumamos chamar de inteligncia uma combinao de determinadas habilidades lgico-lingusticas, particularmente as que so valorizadas na escola secular moderna.

    Os critrios foram consequncia das vrias disciplinas que eu vinha pes-quisando. Como eu disse no captulo 4 de Frames of Mind, uma inteligncia se enquadra razoavelmente bem em oito critrios:

    1. Isolamento potencial por dano cerebral. 2. Existncia de idiots savants, prodgios e outros indivduos excepcio-

    nais. 3. Operao central ou conjunto de operaes identificveis. 4. Trajetria de desenvolvimento caracterstica, culminando em desempe-

    nho especializado. 5. Histria e plausibilidade evolutivas. 6. Apoio de tarefas psicolgicas experimentais. 7. Apoio de dados psicomtricos. 8. Suscetibilidade codificao em um sistema simblico.

    Considero o conjunto de critrios como a mais original e mais importan-te caracterstica da teoria das IM. Qualquer um pode criar outras intelign-cias, mas, a menos que elas se ajustem a alguns critrios, postular uma inteli-gncia se torna um exerccio de imaginao, e no um trabalho com base no conhecimento acadmico. Curiosamente, nem os apoiadores nem os crticos da teoria prestaram muita ateno aos critrios. Desde o comeo, deixei claro

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    que sua aplicao era, em alguma medida, uma questo de avaliao. No h regra inamovvel para determinar se uma candidata a inteligncia cumpre ou no os critrios. Dito isso, tenho adotado uma postura muito conservadora para aumentar a lista de inteligncias. Como listado no pargrafo seguinte, em 25 anos acrescentei apenas uma inteligncia e ainda tenho minhas dvi-das a seu respeito.

    Em relao s inteligncias em si, j mencionei as duas geralmente va-lorizadas nas escolas seculares modernas e invariavelmente avaliadas pelos testes de inteligncia: habilidade em lngua (inteligncia lingustica) e em operaes lgico-matemticas. As outras inteligncias so a inteligncia musi-cal, a espacial, a corporal-cinestsica (uso do prprio corpo ou de partes dele para resolver problemas ou fazer algo), a interpessoal (entendimento dos ou-tros), intrapessoal (entendimento de si mesmo), a naturalista e uma possvel nona inteligncia, a inteligncia existencial (a que gera e tenta responder s maiores perguntas sobre natureza e preocupaes humanas).

    Em nvel cientfico, a teoria faz duas afirmaes. Em primeiro lugar, to-dos os seres humanos possuem essas inteligncias; dito informalmente, elas so o que nos torna humanos, falando em termos cognitivos. Em segundo, no h dois seres humanos nem mesmo gmeos idnticos que possuam o mesmo perfil em suas qualidades e suas limitaes em termos de inteligncia, pois a maioria de ns diferente dos de nossa espcie, e mesmo os gmeos idnticos passam por diferentes experincias e so motivados a se diferenciar um do outro.

    REAES INICIAIS

    Quando apresentei a teoria das IM, minha expectativa era de que fosse lida, analisada e criticada principalmente por psiclogos, mas ela despertou um interesse maior nos educadores (alm de pais e do pblico em geral). Esse lcus de interesse me fascinou porque havia relativamente pouco sobre edu-cao no livro e, justamente porque eu nada escrevera sobre as implicaes educacionais da teoria das IM, os leitores ficavam livres para us-la como quisessem.

    De fato, minha teoria se tornou uma espcie de teste de Rorschach do educador-leitor. Alguns consideravam que a teoria estava relacionada ao cur-rculo; outros, pedagogia ou avaliao. Alguns achavam que a teoria era voltada particularmente a crianas superdotadas; outros, s que tinham pro-blemas de aprendizagem. Alguns usaram a teoria para defender o agrupa-mento homogneo e a utilidade da diviso dos alunos segundo habilidades: outros, pelo agrupamento heterogneo e a eliminao dessa diviso. Algumas dessas predilees contrastantes so expressadas nos captulos que seguem. O interessante que nenhuma dessas ideias foi defendida em Frames of Mind.

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    Os leitores que usaram o livro para sustentar ideias que j defendiam por outras razes. Mais uma vez, pode-se ver essa tendncia nos captulos subse-quentes deste livro.

    No sendo imune ao que o mercado me dizia, comecei a refletir sobre questes educacionais e a pensar em como minha teoria das IM poderia ser til aos educadores. Tambm prestei ateno s aplicaes especficas desen-volvidas por educadores e comecei a me comunicar diretamente com aqueles que se interessavam pela teoria. Em meados dos anos de 1980, eu estava em contato com os oito professores que em breve lanariam a Key School (agora, Key Learning Community) em Indianpolis segundo todas as informaes, a primeira escola do mundo baseada em IM (ver Captulo 24). No final da dcada, eu tinha bastante contato com Tom Hoerr, que era e continua sendo o diretor da St. Louis New City School e que usou minhas ideias sobre IM de forma bastante diferente da dos professores da Key Learning Community (ver Captulo 25).

    Como eu no havia estabelecido meus prprios objetivos quanto edu-cao e como estava intrigado pelas diversas formas de uso da minha teoria, levei uma dcada para tratar a questo de uma educao com base nas IM. Por fim, quando encontrei um uso particularmente lastimvel, protestei. Fui televiso na Austrlia para denunciar um programa educativo que, entre outras coisas, listava os vrios grupos tnicos de um estado e mencionava as inteligncias que eles tinham e aquelas das quais careciam. claro que isso era pseudocincia (alm de racismo velado) e como tal merecia ser rotulado. Felizmente, o programa foi cancelado pouco depois.

    MAL-ENTENDIDOS

    Tambm comecei a delimitar alguns dos mal-entendidos comuns da teoria, incluindo alguns que se destacavam entre educadores. Em um artigo de 1995, Reflections on Multiple Intelligences: Myths and Realities, e em publicaes subsequentes, alertei os educadores sobre vrios pontos:

    Uma inteligncia no o mesmo que um sistema sensorial. No existe inteligncia visual ou auditiva.Uma inteligncia no um estilo de aprendizagem. Os estilos so modos como os indivduos tacitamente abordam uma ampla gama de tarefas. Uma inteligncia uma capacidade computacional cuja fora varia entre indivduos.Uma inteligncia no o mesmo que um domnio ou uma disciplina. Um domnio ou uma disciplina um construto social. Refere-se a uma profisso, uma disciplina acadmica, um passatempo, um jogo ou uma atividade que valorizada em uma sociedade e apresenta nveis de es-pecializao. A habilidade em um domnio pode ser realizada usando

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    diferentes combinaes de inteligncias. Ser hbil em uma determinada inteligncia no informa em que domnios ela ser aplicada.As pessoas no nascem com uma determinada quantidade de inteli- gncia, que serviria como uma espcie de limite. Cada um de ns tem potenciais dentro do espectro de inteligncia. Os limites de realizao desses potenciais dependem da motivao, da qualidade do ensino, dos recursos disponveis e assim por diante.Um indivduo no deveria ser descrito, a no ser em linguagem infor- mal, por exemplo, como uma pessoa espacial ou musical, ou, ain-da, como uma pessoa que no tem inteligncia interpessoal. Todos possumos todo o espectro de inteligncias, e as qualidades intelectuais mudam com a experincia, com a prtica ou de outras formas.No existem escolas de IM nem Gardner oficiais. Muitos princpios, ob- jetivos e mtodos so coerentes com as principais afirmaes da teoria das IM.

    IMPORTANTES IMPLICAES EDUCACIONAIS

    Depois de duas dcadas refletindo sobre as implicaes educacionais da teo-ria das IM, conclui que duas delas so fundamentais. Em primeiro lugar, os educadores que assumirem a teoria devem levar a srio as diferenas entre in-divduos e devem, ao mximo possvel, moldar a educao de forma a atingir cada criana de maneira ideal. O advento dos computadores pessoais torna essa individuao mais fcil do que antes. O que s era possvel para quem tinha dinheiro (professores particulares) em breve estar disponvel para mi-lhes de estudantes em todo o mundo. Em segundo lugar, qualquer ideia, dis-ciplina ou conceito importante deve ser ensinado de vrias formas, as quais devem, atravs de argumentos, ativar diferentes inteligncias ou combinaes de inteligncias. Essa abordagem rende dois enormes dividendos: uma plura-lidade de abordagens garante que o professor (ou o material didtico) atinja mais crianas; alm disso, sinaliza aos alunos qual o significado de ter uma compreenso profunda e equilibrada de um tpico. S os que conseguem pensar em um tpico de vrias formas tm uma compreenso minuciosa des-se tpico; aqueles cujo entendimento se limita a uma nica viso tm uma compreenso frgil.

    O MEME DAS IM

    Entretanto, obviamente no sou dono da teoria das IM. Para usar a expresso de Richard Dawkins, as IM so um meme uma unidade de sentido, criada em determinado lugar e tempo, que se propagou muito no ltimo quarto de sculo. Inicialmente, espalhou-se nos crculos educacionais dos Estados Uni-

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    dos, mas em pouco tempo se aventurou no exterior e passou a ser um item de discusso e aplicao no apenas em escolas, mas tambm em casas, em museus e em parques temticos, em lugares de culto, no local de trabalho e no playground.

    O objetivo deste livro examinar a forma como o meme das IM foi apreendido e aplicado em uma srie de pases do mundo. Em 2006, Branton Shearer organizou um simpsio sobre mltiplas inteligncias em perspectiva global no encontro da American Educational Research Association em So Francisco. Na esteira do simpsio, os editores decidiram convidar pessoas, na maioria, educadores, para escrever sobre como as ideias a respeito das IM ti-nham sido entendidas e aplicadas em sua escola, sua comunidade, sua regio ou seu pas. Para nossa satisfao, quase todos aceitaram o convite. Lesley Iura, da editora Jossey-Bass, deu seu apoio entusistico ao projeto. Assim, em maro de 2008, a maioria dos autores foi a Nova York para discutir as ideias que estavam desenvolvendo em seus artigos, que foram finalizados na meta-de daquele mesmo ano e dos quais resultou, pouco depois, este livro.

    A GERAO E A DIFUSO DE UM MEME

    Uma vez criado o meme das MI, e tendo comeado a se espalhar pelos Estados Unidos, perguntava-se se teria vida curta como tantas modas educa-cionais ou meia-vida mais longa e, caso assim fosse, com que amplitude e de que formas.

    Fiquei surpreso e gratificado de ver at onde o meme se espalhou. provvel que o meme das IM tenha sido difundido principalmente por li-vros tradues de meus livros e livros de orientao mais prtica, como os escritos em ingls por Thomas Armstrong, David Lazear, Linda e Bruce Campbell, e muitos outros, que acabaram sendo publicados em vrias ln-guas. Em meu livro de 1999, Inteligence Reframed, a lista de fontes prim-rias e secundrias ocupou 35 pginas, e hoje, mesmo com mecanismos de pesquisa muito eficientes, no seria possvel listar todas as obras geradas na indstria das IM.

    Em 1995, a publicao de Emotional Inteligence, de Daniel Goleman, catalisou uma virada inesperada. O livro, que citava generosamente o meu, teve uma influncia muito grande, sem igual em qualquer obra na memria recente e qualitativamente maior do que qualquer de meus trabalhos. Suas ideias eram mais acessveis do que as minhas e por vezes nossos trabalhos eram confundidos. Na verdade, ns mesmos nos confundamos s vezes. Na Amrica Latina, pediram-me que autografasse exemplares do livro de Dan. Toda uma indstria cresceu em torno da avaliao e da formao do que foi chamado de inteligncia emocional, ou QE. Na dcada seguinte, os escri-tos a respeito das IM foram complementados por livros sobre um conjunto

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    vertiginoso de candidatas a inteligncia: inteligncia sexual, inteligncia em-presarial, inteligncia espiritual e inteligncia financeira, para citar apenas algumas. Na verdade, quando os gnios das IM e do QE foram libertados da lmpada, no havia maneira de limitar os livros escritos, as sesses de treina-mento e as apresentaes feitas sob o guarda-chuva de uma viso pluralstica de inteligncia. (Se voc duvida dessa afirmao, teste-a em um mecanismo de pesquisa na Internet.)

    Indo alm dos Estados Unidos, surgiu um grupo nativo de autores. Na China, por exemplo, h dzias de livros sobre IM escritos por pessoas que no conheo. Outros trabalhos, como artigos conhecidos em revistas acad-micas e, consequentemente, teses de doutorado (em 1999, segundo o estudio-so e arquivista canadense Clifford Morris, havia mais de 200 teses), tambm difundiram esse conhecimento. Observemos que no houve discusso na psi-cologia e em outras disciplinas acadmicas, mas, de longe, o grosso da disse-minao ocorreu em escritos de orientao educativa, mesmo com a grande crtica aos acadmicos, como a de John White, no Reino Unido, que parece ter dedicado uma parte importante de sua carreira a atacar as IM. Podemos reconhecer os mritos de White e de outros autores, por propor um meme que se contraponha ao das IM, seja ele um retorno a uma nica inteligncia, seja outra forma de pensar sobre uma pluralidade de inteligncias.

    Os indivduos podem ser muito importantes na difuso das ideias, e Zhilong Shen foi uma grande fora para popularizar as IM na China. Minhas prprias viagens quele pas ao longo dos anos e as apresentaes de outros colegas, como Jie-Qi Chen e Happy Cheung, tambm tiveram seu peso. Em 2003, uma importante conferncia sobre IM em Pequim atraiu milhares de participantes e centenas de artigos. Alm da influente escola de IM que fun-dou, Mary Joy Canon-Abaquin coordenou uma enorme conferncia nas Fili-pinas em 2005, na qual foram homenageadas pessoas que empregaram suas inteligncias beneficiando a sociedade como um todo.

    s vezes, as ideias das IM foram introduzidas junto de outras ideias e prticas complementares. Na Irlanda, ine Hyland e seus colegas combina-ram as perspectivas de IM e uma iniciativa do Projeto Zero chamada ensino para a compreenso. Esses esforos exerceram influncia em vrios nveis educacionais. Na Esccia, Brian Boyd, Katrina Bowes e o grupo Tapestry tm cumprido um papel cataltico ao vincular as artes e a criatividade usando a estrutura das IM. Por meio do contato com professores atuais e futuros, o desenvolvimento de currculos e avaliaes, e a realizao de pesquisa em-prica, Myung-Hee Kim e seus colegas na Coreia do Sul mostraram a grande parte do mundo educacional (e a muitos fora dele) as ideias das mltiplas inteligncias.

    Os que assumiram a teoria das IM nem sempre tiveram tanto xito em seu territrio de origem. Tim Brighouse levou as ideias de IM ao rgo edu-

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    cacional de Birmingham, Inglaterra, mas estas raramente passaram a outras jurisdies. A Sociedade de IM do Japo tem atuado por uma dcada e aco-lheu a minha famlia e a mim em diversas ocasies. Contudo, em comparao com Coreia e China, o Japo se revelou bastante incompatvel com o meme das IM. No sei por que, mas suspeito de que, como um todo, a populao ja-ponesa relute em pensar psicologicamente (em vez de sociologicamente) e a reconhecer e respeitar diferenas individuais. Alm disso, o sistema educacio-nal do Japo tem sido considerado excelente h muitos anos, e esse consenso pode ter reduzido a tentao de modific-lo. Meus livros esto traduzidos para o francs, mas, que eu saiba, nunca houve um forte defensor de minhas ideias na Frana, muito menos uma sociedade de IM ou uma escola baseada na teoria. relevante mencionar que o teste de QI foi desenvolvido na Frana e que esse pas, mais do que qualquer outro pas desenvolvido, h muito se organiza em torno de um conjunto de escolas de elite que seleciona quem as frequenta com base em medidas de inteligncia lingusticas ou lgicas. A possibilidade de que as ideias das IM auxiliam a lidar com indivduos que no so considerados inteligentes no sentido tradicional no foi aceita amplamen-te pelo menos no ainda.

    Embora eu costumasse pensar que a ideia no havia repercutido na Unio Sovitica por razes econmicas, at agora h poucas evidncias de interesse na Rssia ps-comunista. Acho que, assim como parte da velha Europa, os russos consideram que sua educao est muito bem organizada e talvez vejam poucas razes para consultar um psiclogo norte-americano que virou estudioso da educao (e talvez tenham razo). Se no fosse pela heroica atividade de Mihaela Singer, seria improvvel que meus livros esti-vessem disponveis na Romnia, e at onde sei, eles tm pouca disponibi-lidade em outros pases do antigo bloco sovitico. Minhas obras podem ser facilmente encontradas na Escandinvia e na Holanda, nas lnguas sueca e dinamarquesa, assim como em ingls. As pessoas desses pases do nor-te da Europa parecem aceitar as IM, mas no h um movimento to claro de ampliao e descoberta, talvez porque a promoo dessas ideias em um terreno educacional progressista seja como empurrar uma porta que j est entreaberta.

    Nos ltimos anos, observei dois fenmenos. Vrios educadores na n-dia esto descobrindo as ideias da IM e tentando implement-las. Imagino que, assim como ocorre com a China, a afluncia cada vez maior do pas e a abertura de muitas escolas privadas catalisaram o interesse por ideias que j se tornaram correntes nos pases mais desenvolvidos. Tambm observo um fluxo contnuo de pessoas que escrevem do Oriente Mdio, incluindo o Iraque e o Ir, mas no muito interesse em nvel de governo ou de publicaes, com exceo de Israel. (Observemos, contudo, o relatrio de Thomas Armstrong sobre as madrassas islmicas que adotam ideias de IM. Ver Captulo 2.)

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    Alm da influncia de autores ou promotores individuais, os memes podem ser divulgados por instituies carismticas ou por prticas eficien-tes. Instituies que declaram fundamentar-se nas IM nos Estados Unidos e em outros pases podem se revelar um importante campo de provas para a difuso de ideias. Em seus 20 anos de existncia, a Key Learning Communi-ty, em Indianpolis, e a New City School, em St. Louis, tiveram milhares de visitantes, muitos do exterior. Essas visitas podem ter um efeito relevante. Ao participarem da abertura da Biblioteca de IM na New City School, visitan-tes procedentes da Noruega afirmaram que abririam uma biblioteca de IM em seu pas e realmente o fizeram. Os meios de comunicao que publicam matrias sobre IM podem exercer bastante influncia. Quando a ABC-TV News e a Newsweek informaram sobre a Key Learning Community, milhes de pessoas ficaram conhecendo os experimentos educacionais baseados nas IM. As publicaes e os programas de Happy Cheung tm eco semelhante na China.

    A existncia de instituies baseadas nas IM, como o Explorama, Dan-foss Universe, ps as famlias e os empresrios em contato com formas de pensar baseadas nas IM, mesmo que esses indivduos nunca encontrem o meme das IM em si. Instrumentos de avaliao os qualitativos, como o Spectrum na Escandinvia, e os quantitativos, como o MIDAS no sul da sia divulgam o meme das IM com tanta eficcia quanto livros ou defensores individuais. Da mesma forma, os instrumentos projetados para populaes especiais, como a abordagem DISCOVER, de June Maker e colegas, introdu-zem ideias das IM para alm dos crculos mais centrais.

    relativamente simples fazer uma narrativa de viagem e mencionar os lugares onde as IM ganharam fora e onde no o fizeram e especular sobre os portadores dessas ideias, mas esse panorama geral levanta duas questes re-lacionadas e que implicam mais pesquisas: Por que algumas regies so mais receptivas do que outras? Quais mensagens a teoria das IM est trazendo a esses solos distintos?

    A natureza do solo til pensar nas IM como uma planta nova (sempre com cuidado para no exagerar na metfora). Tendo se desenvolvido em seu solo de origem, suas sementes agora se propagam a terrenos distantes. O novo solo, contudo, pode ser to resistente, to estranho, a ponto de a semente no conseguir criar ra-zes e simplesmente morrer.

    Pode ser o caso de o solo j estar to sobrecarregado com outras semen-tes e plantas que no haja espao para mais flora. Algumas vezes, as insti-tuies e as escolas esto to ocupadas, to autoconfiantes ou to carregadas que no demonstram qualquer interesse por novas ideias ou prticas. Em ou-tras vezes, o solo pode estar to empobrecido, to carente de nutrientes, que

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    no consegue absorver qualquer matria viva. Suspeito de que haja algumas instituies, regies e mesmo sociedades inteiras s quais faltam recursos para tentar qualquer coisa nova, para prestar ateno a qualquer ideia ou prtica nova.

    No extremo oposto do contnuo, algumas sementes crescem natural-mente e com facilidade em um terreno rico, mas, at ento, pouco carregado de razes. Uma semente de IM tem poucas dificuldades de brotar em um ambiente com muitos recursos, que h muito receptivo a ideias como dife-renas individuais, ensino de mltiplas formas, foco nas artes e em atividades criativas, e assim por diante. Essas instituies podem adotar ideias das IM sem ser abaladas por elas. Seria como se declarassem, razoavelmente: Es-tamos fazendo isso, estamos levantando com prazer a bandeira das IM, mas [para cunhar uma expresso!] s o que se fez foi trazer tulipas Holanda.

    claro que tambm existem os falsos positivos. Como observaram Min-dy Kornhaber e colegas, muitos lugares afirmam estar desenvolvendo prticas de IM e inclusive levantam bandeiras, tm slogans e coisas do tipo. Contudo, desprovidas do que necessrio, essas instituies parecem indistinguveis daquelas que nunca ouviram falar em IM e que, na prtica, so escolas uni-formes (implementando uma maneira nica de ensinar e avaliar). Acreditam que o solo receptivo, mas, na verdade, esse solo no consegue, por alguma razo, realmente absorver a semente. Por assim dizer, a semente morre na parreira, mas continua pendurada ali, enganando aos que no conseguem ver as diferenas entre as pseudoprticas de IM e as prticas verdadeiras.

    De muito interesse so aqueles lugares, instituies e lideranas que inicialmente oferecem resistncia teoria das IM ou a entendem da maneira mais superficial. Usando nossa analogia, esses lugares inicialmente se mos-tram muito resistentes semente das IM. Mesmo assim, com o tempo, ou o solo se torna mais receptivo semente ou uma verso mutante dessa semente consegue criar raiz e acaba florescendo no ambiente que lhe havia sido hostil. Lembro-me de uma histria muito interessante com Pat Bolaos, a carismti-ca lder da Key Learning Community. No 15 aniversrio da escola, ela falou a um pblico grande e receptivo, reunido em uma sala de eventos no centro de Indianpolis. Depois de agradecer s muitas pessoas que haviam apoiado a escola ao longo dos anos, ela declarou: Por fim, eu gostaria de agradecer aos seis superintendentes que estiveram em Indianpolis desde que pensa-mos na escola pela primeira vez. Sem sua oposio ferrenha, nunca teramos realizado nada!.

    Por que as IM criam razes em determinados escolasComo progenitor das IM, gostaria de pensar que o poder, a beleza e a verda-de que lhes so intrnsecos explicam o sucesso que a teoria teve em vrios lugares. De fato, acho que muitos defensores da teoria so atrados pela ideia

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    com base em seus mritos. Mesmo assim, para que uma ideia como essa se difunda em vrias regies, para ir alm da defesa por parte de algumas pes-soas especiais, preciso que haja razes que atraiam a um grupo mais amplo. Ao revisar minhas prprias experincias e observaes durante os ltimos 25 anos, identifiquei quatro fatores que se destacam.

    Redescoberta das tradies Em algumas culturas, h a crena de que de-terminadas normas ou prticas, valorizadas no passado, foram ignoradas ou minimizadas nos ltimos anos. No Japo, por exemplo, as antigas escolas e os lugares de ensino de ofcios de uma poca anterior trabalhavam com muitas artes e atividades prticas (ver Captulo 7). Da mesma forma, a tra-dio confuciana da China reconhecia toda uma gama de competncias que diferenciavam a pessoa educada (ver Captulos 4 a 6). O grupo din no sudo-este dos Estados Unidos costumava honrar muitas tradies relacionadas aos ofcios, e abordagens como o mtodo DISCOVER, criado por Maker, permitem um reconhecimento dessas prticas e das faculdades cognitivas e sensoriais associadas a elas.

    Por vezes, essa nova busca de valores tradicionais pode ter efeitos ines-perados e at engraados. Na China, em 2004, tentei descobrir as razes pelas quais minha teoria das IM havia se estabelecido ali. O mistrio foi esclarecido por um jornalista em Xangai, que me disse: Dr. Gardner, no Ocidente, quan-do as pessoas ouvem falar nas IM, vo diretamente ao que especial em seu filho, a descobrir seu gnio especial. Na China, ao contrrio, as mltiplas inteligncias so simplesmente oito talentos que devemos desenvolver nos filhos de todas as pessoas.

    Desejo de ampliar currculos, pedagogia e avaliaes Em muitas regies do mundo, tem havido um estreitamento permanente do currculo, dando destaque s disciplinas do grupo STEM (science, technology, engineering e mathematics, ou cincia, tecnologia, engenharia e matemtica) e diminuindo o espao para artes, educao fsica e algumas das humanidades e cincias sociais. A teoria das IM pode ser um veculo til para ampliar o alcance da educao: incluir temas que tratem das vrias inteligncias e formas de pensar, bem como mtodos de ensino que falem s diferenas individuais e avaliaes que vo alm dos instrumentos de linguagem e lgica, padroni-zados e de respostas curtas (ver Captulos 8, 12, 14, 15, 24, 25 e 29). Mes-mo quando o foco se mantm na cincia e na matemtica, uma abordagem baseada nas IM pode abrir novas possibilidades de domnio dos temas (ver Captulos 14 e 19).

    Desejo de chegar a alunos que dispem de poucos servios Mesmo com a tendncia ao estreitamento curricular nos ltimos anos, em muitas regies o currculo voltado a estudantes tpicos, havendo relativamente pouco esforo para ajudar os estudantes que fogem da mdia. Assim, as ideias das IM tm

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    sido muito usadas na educao especial (Captulo 11), na educao de su-perdotados (Captulo 27) e na educao de estudantes que tradicionalmente dispem de menos servios (Captulos 13, 16, 18, 23 e 26). A propsito, essa finalidade to elogivel pode sofrer abusos. Com muita frequncia, escutei que um determinado grupo tnico ou racial teria determinadas intelign-cias e careceria de outras. Essa afirmao no possui base cientfica e pode causar muitos danos.

    Afirmao de prticas e valores democrticos Hoje em dia, poucos pa-ses no mundo, se que h algum, declarariam que se opem a valores de-mocrticos. Mesmo os pases mais autoritrios se dizem democrticos, at mesmo incorporam a palavra democracia ao nome do pas. Mesmo assim, as prticas verdadeiramente democrticas so difceis de ver. As escolas por vezes so instituies autoritrias que suprimem o debate, a controvrsia e os pontos de vista individuais, h anos-luz de comunidades democrticas cujos membros participam das decises e de sua conduo. Em vrios dos captulos deste livro, vemos claras indicaes de que as pessoas envolvidas na educao em IM se dedicam a oferecer um modelo de instituio demo-crtica em um solo que tem sido hostil a essas ideias, por exemplo, na Ar-gentina (Captulo 21), na Colmbia (Captulo 22), nas Filipinas (Captulo 9) e na Romnia (Captulo 19).

    O NVEL DAS POLTICAS

    Muitas vezes, esses objetivos so propostos por pessoas ou instituies indi-viduais que simplesmente querem fazer mudanas em nvel local, mas, como documentam alguns dos captulos, tm sido lanados esforos mais ambicio-sos para alterar prticas em escala mais ampla. Na Inglaterra, na Esccia, na China e na Noruega, por exemplo, as abordagens de IM so promovidas como alternativa a prticas predominantes, mas que so vistas por alguns como de viso limitada, contraproducentes e mesmo destrutivas. s vezes, mesmo nesses pases, anunciam-se polticas que parecem mais sintonizadas com as abordagens das IM. Sem causar surpresa, os apoiadores das IM rapidamen-te assumem essas inclinaes reformistas (China, Coreia, Esccia, Turquia). Como os ministros da educao no mundo esto muito concentrados nos desempenhos comparados dos pases nos exames do Programa de Avaliao Internacional de Estudantes (PISA)1, pode-se esperar que os apoiadores das IM preparem contraofensivas. No caso de ocuparem cargos de formulao de polticas, esses apoiadores tentaro instituir polticas mais receptivas teoria das IM.

    Ainda me fascina um evento. H alguns anos, um colega visitou Pyon-gyang, capital da Coreia do Norte. Em uma grande biblioteca, s viu dois livros em ingls. Um era Stupid White Men, de Michael Moore; o outro, Fra-

  • INTELIGNCIAS MLTIPLAS AO REDOR DO MUNDO 29

    mes of Mind: The Theory of Multiple Intelligences. No posso deixar de me perguntar como esses dois memes conseguiram se plantar em um solo apa-rentemente to resistente.

    NOTA DE CONCLUSO: O PESSOAL E O POLTICO

    A teoria das IM foi desenvolvida por um psiclogo. Inicialmente, era uma proposta de como deveramos pensar sobre mentes individuais. Essa forma de pensar se mostrou, em princpio, mais afim a indivduos que tm, eles pr-prios, uma perspectiva psicolgica sobre o mundo e que se sentem entusias-mados, em vez de ameaados, pela ideia de uma pluralidade das diferenas individuais.

    Fiquei surpreso ao ver como esse meme da psicologia interior se di-fundiu rapidamente para a educao, primeiramente nos Estados Unidos e depois em outros pases. Fiquei surpreso com a capacidade de resistncia do meme. E estou surpreso que esse meme tenha comeado a interessar s pessoas da esfera poltica, fundindo o pessoal e o poltico. impressionante que uma ideia surgida como descrio de como o crebro/mente humano evoluiu e como se organiza hoje possa acabar juntando foras com movi-mentos que do mais voz a indivduos e promovem aulas, escolas e, talvez, at mesmo sociedades mais democrticas. Penso que essa conexo agradaria a John Dewey, filsofo e psiclogo norte-americano que esteve eternamente enraizado no pessoal e no poltico.

    Ainda assim, salutar lembrar que a ideia das mltiplas inteligncias continua sendo uma viso minoritria na psicologia e que a maioria das es-colas do mundo permanecem sendo instituies uniformes, nas quais se en-sina um grupo estreito de temas da mesma forma a todas as crianas e se ousa pouco nos modos de avaliao, para dizer o mnimo. Minha prpria viso ou, talvez, para ser mais preciso, minha esperana a de que os no-vos meios digitais permitam tanta educao individualizada no futuro que o meme das IM seja considerado como algo dado. Se esse for o caso, os autores deste livro merecero muito crdito por sustentar e enriquecer as ideias e as prticas da IM nesse meio-tempo.

    RefernciasGardner, H. (1973). The arts and human development. New York: Wiley.Gardner, H. (1975). The shattered mind: The person after brain damage. New York:

    Knopf.Gardner, H. (1980). Artful scribbles. New York: Basic Books.Gardner, H. (1983). Frames of mind: The theory of multiple intelligences. New York:

    Basic Books. [Estruturas da mente: a teoria das inteligncias mltiplas. Porto Ale-gre: Artmed, 1994]

  • 30 GARDNER, CHEN, MORAN E COLABORADORES

    Gardner, H. (1995). Reflections on multiple intelligences: Myths and realities. Phi Delta Kappan, 77, 200-209.

    Gardner, H. (1999). Intelligence reframed. New York: Basic Books.Goleman, D. (1995). Emotional intelligence. New York: Bantam Books.Moore, M. (2004). Stupid white men. New York: HarperCollins.

    Nota 1. Teste mundial trienal de escolares de 15 anos, sobre seu desempenho escolar, com

    o propsito de fazer comparaes de sua aprendizagem escolar intercultural.