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Mesa 26. La Compañía de Jesús en la América colonial. A experiência dos jesuítas das Missões de Maynas e a consolidação da presença territorial missionária nas fronteiras no Marañón (1638-1767) Profa. Dra. Roberta Fernandes dos Santos SEE-SP “PARA PUBLICAR EN ACTAS” Resumo Este artigo privilegia o estudo da experiência dos jesuítas nas Missões de Maynas no Marañón, entre os anos 1638 e 1767. Pautando-nos na vasta documentação produzida pelos inacianos, daremos destaque às propostas feitas pelos missionários com o intuito de promover a ocupação dos territórios, a defesa das fronteiras e a catequização dos índios do Marañón. Introdução Considerada uma região periférica dentro da conjuntura colonial, a Província de Maynas, no Marañón, nunca se integrou às demais áreas do império espanhol, pois seu posicionamento geográfico dificultava o acesso a uma região densamente povoada por grupos indígenas considerados “selvagens”. Apesar do pouco interesse das autoridades coloniais, era necessário ocupar aquele território de fronteira com o 1

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Mesa 26. La Compaa de Jess en la Amrica colonial.

A experincia dos jesutas das Misses de Maynas e a consolidao da presena territorial missionria nas fronteiras no Maran (1638-1767)

Profa. Dra. Roberta Fernandes dos Santos

SEE-SP

PARA PUBLICAR EN ACTAS

Resumo

Este artigo privilegia o estudo da experincia dos jesutas nas Misses de Maynas no Maran, entre os anos 1638 e 1767. Pautando-nos na vasta documentao produzida pelos inacianos, daremos destaque s propostas feitas pelos missionrios com o intuito de promover a ocupao dos territrios, a defesa das fronteiras e a catequizao dos ndios do Maran.

Introduo

Considerada uma regio perifrica dentro da conjuntura colonial, a Provncia de Maynas, no Maran, nunca se integrou s demais reas do imprio espanhol, pois seu posicionamento geogrfico dificultava o acesso a uma regio densamente povoada por grupos indgenas considerados selvagens.

Apesar do pouco interesse das autoridades coloniais, era necessrio ocupar aquele territrio de fronteira com o imprio portugus. Sendo assim, foi desenhado um projeto de ocupao missionria para o Maran, com a tripla finalidade de ocupao das terras, defesa da fronteira e catequizao dos ndios; e foram os jesutas os responsveis pela implantao desse projeto.

Ao conjunto das redues fundadas pelos jesutas a partir de 1638, deu-se o nome de Misses de Maynas. Durante os 130 anos de permanncia dos jesutas em Maynas, foram os missionrios os principais representantes da autoridade colonial e os responsveis pela parca ocupao espanhola dos territrios do Maran.

Certamente no podemos dizer que os jesutas empreenderam a defesa militar das fronteiras, uma vez que no eram soldados e nem possuam tropas sua disposio. Entretanto, suas estratgias de ocupao do espao superaram a falta do apoio militar. O projeto jesutico desenhado para as Misses de Maynas definia um conjunto de aes articuladas que permitiam ao missionrio a construo dos pueblos, sua manuteno e o reconhecimento deles como sendo de propriedade dos jesutas espanhis.

A aplicao desse modelo seria impossvel sem a participao dos grupos indgenas da regio, desse modo, o estabelecimento de uma relao de amizade com determinado grupo indgena constitua fator essencial para o xito do projeto. Uma vez estabelecida a aliana com os ndios, o missionrio podia iniciar a construo do pueblo, utilizando-se da lngua espanhola para atribuir-lhe um nome cristo e indgena. Em seguida, ao grupo assentado lhe era imposta uma disciplina crist, um conjunto de regras sociais, polticas e religiosas que passariam a caracterizar o novo modo de viver do ndio no pueblo como cristo e vassalo do rei. Por fim, este e outros pueblos formados atravs da aplicao desse modelo, estariam subordinados a uma nomeao mais ampla, que os abarcava a todos: Misses de Maynas, que, principalmente frente ao estrangeiro portugus que ameaava suas fronteiras, seria um espao marcadamente espanhol e missionrio.

Neste artigo analisaremos a experincia jesutica nas Misses de Maynas entre os anos de 1638 e 1767, destacando as propostas elaboradas pelos padres Cristbal de Acua, Pablo Maroni, Samuel Fritz e Andrs de Zrate e evidenciando o projeto inaciano de ocupao do Maran.

Cristbal de Acua: as primeiras propostas para a ocupao e defesa do Maran

Em 1636[footnoteRef:1], os franciscanos Domingo de Brieva e Andrs de Toledo, liderados pelo capito Juan de Palcios, saram de Quito com o objetivo de explorar as reas no conhecidas e catequizar ndios. Durante a viagem, o capito foi morto pelos indgenas, os dois frades escaparam, deixando-se levar rio abaixo. Aps trs meses de infortnios, os sobreviventes chegaram ao Forte de Gurup, onde foram recebidos pelos portugueses e enviados a Belm. [1: No perodo compreendido entre os anos de 1580 e 1640 havia a unio poltica das coroas ibricas, sob o controle da monarquia espanhola durante a dinastia Habsburgo. Apesar das aproximaes nos setores poltico e religioso, no campo econmico, portugueses e espanhis agiram como concorrentes, disputando mercados e a posse de territrios no ultramar. Para mais informaes sobre o perodo da Unio Ibrica ver: CAMPOS, Flvio de. Histria Ibrica. Srie Repensando a Histria. So Paulo: Contexto, 2. edio, 1997; RUIZ, Rafael. La politica legislativa con relacin a los indgenas en la regin sur del Brasil durante la Unin de las coronas. Revista de Indias, Madrid, v. 62, n. 224, p. 17-40, 2002 e DOMINGUEZ ORTIZ, Antonio. El Antiguo Regimen: Los Reyes Catlicos y los Austrias. Madrid: Alianza Editorial, 1977.]

O governador interino do Maranho e Gro Par, Jcome Raimundo de Noronha, percebeu a necessidade de organizar uma expedio portuguesa para acompanhar o retorno dos padres franciscanos a Quito e promover o reconhecimento daquela regio.

Pedro Teixeira foi o capito escolhido para comandar a expedio portuguesa, que deixou Belm em 28 de outubro de 1637. Aps um ano de viagem, os expedicionrios chegaram em Quito, onde foram recepcionados pelo presidente da Real Audincia, Alonso Perez de Salazar que, depois de consultar o Vice-rei do Peru, Luis Gernimo Fernndez de Cabrera y Bobadilla, o Conde de Chinchn, organizou uma expedio espanhola para acompanhar o retorno de Pedro Teixeira a Belm.

Os padres jesutas Cristbal de Acua e Andrs de Artieda foram nomeados cronistas da expedio, ento lhes cabia a funo de relatar ao Conselho de ndias todos os detalhes observados ao longo do trajeto. Portanto, a descrio da viagem deveria ser criteriosa e bem fundamentada, caso viesse a influenciar, ou mesmo determinar, a formulao de estratgias militares de defesa da regio; disso, o Padre Cristbal de Acua tinha inteira conscincia e assim descreveu como ele e o Padre Artieda desempenharam essa funo:

Ali aportaram no dia doze de dezembro do mesmo ano, depois de terem palmilhado as altas montanhas que, com a seiva de seus veios, alimentam e do o primeiro sustento a esse grande rio, e navegado por suas guas at onde, alargando-se em oitenta e quatro lguas de embocadura, ele paga caudaloso tributo ao mar oceano; depois de terem anotado, com especial cuidado, tudo o que nele h digno de advertncia; depois de terem marcado seu nvel, assinalado pelos seus nomes os rios que nele desguam, identificado as naes que vivem em suas margens, comprovado sua fertilidade, experimentado os alimentos ali existentes, sentido o seu clima, entrado em contato com os nativos e, finalmente, depois de no terem deixado sem averiguao nada que nele se contivesse e de que no pudessem ser testemunhas de vista.[footnoteRef:2] [2: ACUA, Cristbal de S.J. Novo Descobrimento do Grande Rio das Amazonas. Madri: Imprensa do Reino, 1641. Traduo de Helena Ferreira; reviso tcnica de Moacyr Werneck de Castro; reviso de Jos Tedin Pinto. Rio de Janeiro: Agir, 1994, p. 67.]

Em 16 de fevereiro de 1639, partiram de Quito o capito Pedro Teixeira, seus homens e os dois jesutas espanhis. A viagem se estendeu por 10 meses, sendo que a chegada ao Par se deu em 12 de dezembro de 1639.

Aps o fim da expedio, Acua permaneceu em Belm at maro de 1640, quando ento retornou a Madri, levando consigo as informaes sobre o Maran. Alm do relato produzido durante a viagem e pubicado em 1641, Acua tambm entregou ao Conselho de ndias um Memorial contendo informaes acerca das possveis pretenses de Portugal sobre os territrios espanhis no Maran.

Como vimos na citao acima, em seu Nuevo Descubrimiento, Acua fez uma descrio detalhada das caractersticas do rio Amazonas, de sua natureza, dos grupos indgenas que habitavam a regio e sua cultura.

No devemos esquecer que, de um modo geral, Acua queria chamar a ateno das autoridades coloniais para a necessidade de promover a ocupao das reas de fronteira que estavam em perigo diante do avano portugus. Atravs dos relatos de riquezas incontveis em ouro e prata, habitantes mansos e pacficos, rentabilidade dos recursos naturais, entre outras maravilhas, Acua pretendia estimular a implantao de um projeto de ocupao do territrio e defesa das fronteiras do Maran.

No podemos afirmar que o relato de Acua se configurava como um projeto colonial para o Maran. Porm, era certo que o jesuta reconhecia que a regio se localizava num ponto estratgico do imprio colonial espanhol na Amrica, e que a apropriao daqueles territrios dependeria da consolidao da soberania espanhola na regio e, nesse ponto, os espanhis estavam em desvantagem em relao aos portugueses. Desvantagem que poderia ser superada caso a coroa espanhola desse ouvidos aos alertas proferidos por Acua e verificasse a possibilidade de executar algumas de suas propostas, como a construo de uma fortaleza no rio Negro.

Existem em sua foz bons lugares para fortalezas e muita pedra para ergu-las, com que se poder impedir a entrada do inimigo, se este quiser por suas guas chegar ao rio principal. No obstante, parece-me que no nesse lugar, mas sim muitas lguas adentro, no brao que desemboca no grande rio, como j disse, que se deve concentrar toda a defesa, com o que ficaria de todo fechada a passagem ao inimigo para todo este novo mundo, coisa que ele, cobioso, certamente h de tentar em qualquer ocasio.[footnoteRef:3] [3: ACUA. Op. cit., 1994, p. 139]

Tal proposta tinha total fundamento j que o rio Negro se situava em uma regio cuja posse era reivindicada por ambas as monarquias, entretanto; a proposta de Acua jamais foi efetuada pelos espanhis.

No foi apenas no Rio Negro que Acua detectou um bom lugar para a construo de fortalezas. Tambm indicou uma localidade vinte e quatro lguas abaixo da desembocadura do rio Amazonas:

O lugar apropriado para a construo, em uma e outra margem, de duas fortalezas, que no apenas impeam a passagem do inimigo, se tentar faz-lo pelo lado do mar, como tambm sirvam de aduana, onde se registre tudo que, vindo do Peru, ter forosamente que passar pelo rio das Amazonas quando estiver povoado.[footnoteRef:4] [4: ACUA. Idem, 1994, p. 156.]

Acua alertava sobre a possibilidade do avano inimigo, alm de demonstrar uma preocupao com o comrcio ilegal. Assim, a construo de fortalezas garantiria, alm da posse do territrio, maiores prejuzos aos cofres castelhanos.

Ressaltando as possibilidades de aproveitamento daquele territrio, escreveu Acua:

Este , em suma, o novo descobrimento deste grande rio que, encerrando em si grandes tesouros, a ningum exclui; pelo contrrio, a todos liberalmente convida a que deles se aproveitem. Ao pobre d sustento; ao trabalhador, satisfao por seu trabalho; ao mercador, negcios; ao soldado, ocasies para mostrar seu valor; ao rico, maiores riquezas; ao nobre, honrarias; ao poderoso, estados; e ao prprio Rei, um novo imprio. Entretanto, quem mais interessado se h de mostrar nesta conquista so os zelosos da honra de Deus e do bem das almas, pois uma multido delas est clamando por fiis ministros do Santo Evangelho, para que, com a claridade deste, sejam afugentadas as sombras da morte, em que h muito tempo jaz esta pobre gente.[footnoteRef:5] [5: ACUA. Idem, 1994, p. 169.]

Como demonstramos, no seu relato Acua procurou demonstrar a necessidade de promover a ocupao e a defesa dos territrios da fronteira, reconhecendo a importncia deles dentro da estrutura colonial do imprio espanhol e a ameaa que, j naquele momento, representava o vizinho portugus para a soberania espanhola na regio.

Buscando enriquecer o contedo apresentado em seu relato, Acua tambm elaborou um Memorial[footnoteRef:6] que foi entregue secretamente ao Conselho de ndias em 1641. De um modo geral, o Memorial trazia um alerta sobre a fragilidade daquelas fronteiras e novas propostas de ocupao e defesa do Maran. [6: Utilizaremos aqui uma verso do Memorial do Padre Acua contida no Expediente del Gran Para (AGI, Quito, 158) produzido pelo Conselho de ndias em 1754.]

importante destacar que Acua reconhecia que o principal ponto negativo da regio era o fato de porta de entrada para o Maran estava situada no Par, portanto, a Espanha no tinha acesso quela regio pelo Oceano Atlntico. Mas advertiu que, apesar dessa desvantagem, o rei no deveria desistir de promover a ocupao daquelas terras, nem to pouco retard-la, tendo em vista que uma penetrao estrangeira por aquelas partes permitiria a passagem dos invasores para outras regies mais ricas e produtivas da Amrica espanhola.

Como posto anteriormente, no Memorial, Acua fez novas propostas de como promover a ocupao da regio, destacando que o objetivo primeiro dessa empresa deveria ser o religioso: Cometiendo, juntamente la conversion y enseanza de los naturales a los Religiosos de la Compaia de Jesus, que es la principal razon a que se deve atender para no dejar de hazer esta conquista, embiando obreros y ministros aptos del Evangelio, por la extrema necesidad que de ellos ay en aquellas partes (...)[footnoteRef:7]. [7: ACUA, Cristbal de, S.J. Memorial, 1641. AGI, Quito, 158.]

Destacamos que em 1641, os jesutas, j haviam dado incio ao empreendimento das Misses de Maynas, cujas primeiras redues haviam sido fundadas em 1638. Assim, para Acua, o trabalho missionrio a fundao dos pueblos, a catequizao dos ndios, entre outras atividades seria a base para a consolidao da presena espanhola no Maran.

Outra proposta de ocupao evidenciada no Memorial dizia respeito iniciativa de particulares:

(...) y se aorrarn muchos gastos que se havian de hazer si se executase (como se intentado) por la voca del Rio, en conduzir soldados, prevenir embarcaciones, y pertrechos, y disponer todo lo necesario para formar nuebas poblaciones, lo qual no sera necesario embiando orden a la Audiencia de Quito, para que capitule las entradas que mas convenga, por los Rios que en su Jurisdizion desaguan en el referido, con alguna de las muchas personas que a su costa se ofrecian a hazer estas Conquistas, solo por los intereses que de ella se sacan, como son las encomiendas de indios, repartir tierras, proveer oficios y otros semejantes.[footnoteRef:8] [8: ACUA. Idem, 1641. AGI, Quito, 158.]

Observamos que Acua propunha que os colonos de Quito promovessem a ocupao com seus prprios recursos, visando os benefcios que poderiam ser obtidos como a obteno de encomiendas de ndios e posse de terras. Essa proposta se mostrou invivel ao longo dos anos, tendo em vista que os colonos de Quito consideravam tal empresa muito arriscada e pouco lucrativa.

Sobre os benefcios de se estabelecerem alianas com os grupos indgenas do Maran, escreveu Acua:

Que reduziendo a la obedienzia de su Mag. las principales naciones de este Ro, y en especial las que abitan en sus Islas y orillas, que son muy belicosas y que con valor ayudaran al que una vez reconocieren por dueo. Y sugeta una nacion, lo estaran con facilidad las demas y se podra hechar de la voca del Ro, qualesquiera otros que con siniestro titulo la tienen, ebitando gravisimos daos, si succediere el que los Portugueses que son los que la poseen, ayudados de algunas naciones belicosas que tienen sugetas quisiesen penetrar por el Ro arriva hasta llegar a lo poblado del Per o Nuebo Reyno de Granada, (...).[footnoteRef:9] [9: ACUA. Idem, 1641. AGI, Quito, 158.]

Este trecho muito rico para a compreenso do significado da amizade dos grupos indgenas. Os grupos indgenas da regio poderiam prestar apoio militar e, muito mais do que aliados para guerra, esses ndios seriam incorporados aos domnios espanhis como vassalos do rei. A transformao do ndio em vassalo s seria possvel atravs da misso religiosa, onde o ndio receberia a cultura europeia, transformando-se em cidado espanhol.

De um modo geral, observamos que o padre Cristbal e Acua, tanto no seu relato de viagem, como em seu Memorial, conseguiu vislumbrar a importncia econmica, poltica e, principalmente, geoestratgia do Maran dentro da conjuntura imperial espanhola. Portanto, muito antes dos conflitos entre espanhis e portugueses se agravarem por aquelas partes, Acua j apontava para a execuo de medidas que permitiriam a ocupao dos territrios, o aproveitamento econmico da regio e a defesa das fronteiras, sendo a misso religiosa, a base para a consolidao da presena espanhola no Maran.

Pablo Maroni: o desenvolvimento das Misses de Maynas atravs da integrao entre ndios e colonos

Aps vrios anos de atividade missionria em Maynas, o jesuta Pablo Maroni produziu sua Noticias Autnticas del Famoso Rio Maron[footnoteRef:10], obra escrita provavelmente entre os anos de 1730 e 1738 em Quito e, apesar de inconclusa, nos oferece um panorama da atividade jesutica nas misses do Alto e Mdio Amazonas. [10: MARONI, Pablo, S.J. Noticias Autnticas del Famoso Rio Maran (1738). Coleo Monumenta Amaznica, srie B-4: 87-395. Iquitos: CETA / IIAP, 1988.]

Padre Maroni vivenciou todo o processo de expanso das Misses de Maynas e em suas Noticias denunciou o descaso das autoridades coloniais para com a regio e a situao arriscada em que se encontravam os jesutas em trabalho missionrio por aquelas partes marginalizadas do imprio espanhol.

Primeiramente, importante ressaltar que aos missionrios de Maynas era permitido que tivessem uma escolta, de pelo menos dois soldados, para a garantia de sua segurana. Essa permisso estava regulamentada, de acordo com Maroni, (...) por algunas ordenes del Superior Gobierno y cdulas de S.M., especialmente por una fecha en 15 de Julio de 1683, (...), en que manda al Presidente y Real Audiencia de Quito, que en caso que pareciera conveniente enviar cabo que sirva de escolta los religiosos misioneros que entraren estas conversiones (...)[footnoteRef:11]. [11: MARONI, Noticias... op. cit., 1988, p. 202.]

Para Maroni, na falta de soldados espanhis, a escolta para os missionrios tambm poderia ser composta por ndios cristos, desde que lhes fossem dadas armas e treinamento militar. Segundo Maroni, naquele momento, as escoltas nas Misses de Maynas estavam em plena decadncia.

En los primeros tiempos en que se fundaron estas misiones, como habia bastantes soldados en la ciudad de Borja y estas conquistas corrian regularmente por cuenta de los gobernadores y sus tenientes que residian en la provincia, (...), las armadas solian ser ms numerosas; hoy se reducen de ordinario 50 60 indios con dos tres espaoles de los pocos que asisten en Borja y otras reducciones, (...).[footnoteRef:12] [12: MARONI. Idem, 1988, p. 202.]

A formao de uma escolta armada que acompanhasse os padres em seu trabalho missionrio era de extrema importncia para o bom funcionamento das Misses de Maynas. Sem a presena dos soldados, os jesutas ficavam vulnerveis em suas novas incurses, principalmente pelo temor de ataque dos ndios ainda no reduzidos, mas tambm ficavam expostos, nas misses j fundadas, aos ataques dos colonos portugueses que promoviam entradas na regio.

Outro problema enfrentado pelos missionrios era a dificuldade em evangelizar os ndios, que se recusavam a abandonar suas prticas tradicionais. Para que o processo de catequizao dos ndios obtivesse o sucesso esperado, era necessria a integrao entre os ndios e os pueblos cristos, segundo Maroni,

Otro medio muy provechoso (...) es, que los que se van poblando tengan comunicacion con alguno pueblo xtiano, y si es factible, salgan veces alguna ciudad y lugar de los ms cercanos la montaa, pues con sola la vista del gobierno poltico que se estila entre cristianos, culto y ornato de las iglesias, respeto y veneracion que tiene el vulgo los sacerdotes y prelado, aprenden mucho ms que con repetidas plticas y consejos del misionero, y en volviendo sus tierras, procuran imitar su modo lo que vieron praticarse en otras partes.[footnoteRef:13] [13: MARONI. Idem, 1988, p. 206.]

Dessa forma, Maroni propunha a integrao poltica e religiosa entre os ndios e os colonos residentes nas cidades mais prximas das Misses de Maynas. Isso efetivamente nunca se concretizou, principalmente porque o acesso a estas cidades, em sua maioria situadas no p-de-monte andino, era muito difcil e sua populao, diminuta.

Padre Maroni no fugia da ideia proposta por Acua de que a aplicao do projeto missionrio seria ideal para promover a ocupao dos territrios de Maynas e de que os ndios comporiam a maioria da populao nos pueblos, porm, para o bom funcionamento das misses, seria essencial a presena de colonos espanhis em duas frentes: a militar, compondo as escoltas armadas diretamente subordinadas ao missionrio, e a civil, composta por homens dispostos a viver nos pueblos de ndios. Como demonstramos anteriormente, essa proposta era impraticvel, pois poucos eram os colonos que se dispunham a tal empreendimento.

Samuel Fritz: a defesa das Misses de Maynas frente ao avano portugus

Em 1685, juntamente com outros jesutas estrangeiros, Samuel Fritz foi encaminhado para o trabalho nas Misses de Maynas. No decorrer de muitos anos de atividade missionria em Maynas, Fritz atuou em longa extenso territorial, desde o rio Napo at o rio Negro, fundando aldeamentos de ndios, principalmente entre os Omgua.

O trabalho missionrio de Fritz no era fcil. Assim como os demais jesutas de Maynas, Fritz vivenciou grandes problemas por estar em uma rea imensa, com um nmero enorme de ndios para catequizar e to poucos padres em atividade na regio. Ao longo de sua permanncia no Marann, Fritz escreveu vrias cartas solicitando o envio de mais padres para o trabalho nas misses, de escoltas armadas para proteo dos missionrios e de objetos que facilitassem o trabalho por aquelas terras. De um modo geral, as solicitaes do padre no foram atendidas, revelando o desinteresse das autoridades coloniais em contribuir com o desenvolvimento daquelas misses.

Em janeiro de 1689, Fritz iniciou uma viagem rumo ao Par, onde chegou em 10 de setembro de 1689. Os motivos que levaram o padre a empreender tal viagem no foram totalmente esclarecidos; ele alegou que saiu do Pueblo de San Joaquin de Omaguas descendo para o Pueblo dos Yurimaguas com a finalidade de fugir das inundaes sazonais, porm teria adoecido durante a viagem e se dirigiu ao Par para receber cuidados mdicos. A controvrsia era que, estando a servio da coroa espanhola, Fritz deveria ter subido o rio Maran e procurando auxlio entre seus pares.

Chegando ao Par, o padre foi praticamente aprisionado no Colgio dos jesutas por vinte e dois meses, acusado de ser um espio enviado pela coroa espanhola para verificar o avano portugus nas terras do Maran. Outra acusao feita pelos portugueses era a de que Fritz teria fundado misses em reas pertencentes coroa portuguesa - (...) porque tenian por muy probable, que las tierras de mi mision tocaban la Corona de Portugal, cuya conquista, decian, se extiende siquiera a la provincia de la Grande Omagua[footnoteRef:14] -; territrio no qual o Capito Pedro Teixeira, em sua viagem realizada em 1639, havia colocado um marco da posse portuguesa. Entretanto, Fritz alegava que a posse de tal territrio era espanhola, pois quando Teixeira retornou de sua viagem em 1640, as coroas ibricas no estavam mais unidas. Segundo Fritz, [14: FRITZ, apud MARONI. Op. cit., 1988, p. 318.]

Todas estas posesiones, (...), son nulas. Menos pueden pretender los portugueses las tierras hasta Napo. Y aunque la Audiencia de Quito di licencia Texeira tomase posesion de una aldea, (...), esa posesion tambien fu nula, por no haber sido confirmada por el rey Felipe IV, porque antes que eso llegase su noticia, Portugal se habia apartado de la Corona de Castilla; en donde se sigue, que las tierras que ocuparon desde dicho meridiano que pasa por la boca de Vicente Pinzon debieron los portugueses restituirlas. [footnoteRef:15] [15: FRITZ, apud MARONI. Idem, 1988, p. 334.]

Como as acusaes feitas ao padre eram de extrema gravidade, os portugueses no permitiram Fritz retornasse para suas Misses sem uma ordem direta do rei de Portugal. Em abril de 1691 o rei portugus liberou o retorno do padre para Maynas. O ento govenador do Par, Antonio de Albuquerque, recebeu ordens reais de apressar o envio de Fritz; ainda assim o jesuta permaneceu por mais trs meses no Par, aguardando a preparao da expedio que o escoltaria at suas misses.

Chegando ao territrio das primeiras misses espanholas, Fritz, que fora informado que os portugueses o deixariam assim que adentrassem territrio espanhol, precisou insistir para que os membros da expedio lusa retornassem aos seus domnios. Os soldados portugueses haviam recebido ordens do se governador de tomar posse daquelas terras e alertaram que o padre deveria se retirar daquela regio o mais rpido possvel.

O padre ficou consternado com a atitude dos portugueses e insistiu na defesa de que aquele territrio pertencia aos espanhis. Fritz compreendeu que os portugueses estavam colocando em ao um projeto de alargamento de suas fronteiras e que, apesar de seus protestos, os lusitanos no estavam dispostos a abandonar seu propsito.

Dessa forma, Fritz prosseguiu sua viagem com a inteno de dirigir-se a Quito, para junto ao presidente da Real Audincia, denunciar a invaso portuguesa em suas misses e solicitar providncias para conter os portugueses. Porm, o governador da Provncia de Maynas, Don Jeronimo Vaca de la Vega, que havia se encontrado com o padre em Santiago de La Laguna (capital das Misses de Maynas), o instruiu a ir a Lima para tratar diretamente com o Vice-rei do Peru, Don Melchor Portocarrero y Lasso de la Vega, o Conde de Monclova.

Acatando a ordem do governador, Fritz encaminhou-se a Lima, onde chegou em 2 de julho de 1692; ao discorrer sobre tudo o que havia passado com os portugueses, percebeu que o Vice-rei no lhe deu a ateno que ele esperava receber. De acordo com Maroni:

(...) cuando el P. Samuel le hablaba acerca los adelantamientos de los portugueses del Par en las tierras de dominio espaol y estragos que amenazaban la nueva mision, se suspendia y mostraba como que no se le ofreciese oportuno remedio, por ser tambien los portugueses cristianos catlicos y gente bellicosa; y porque aquellos bosques, en lo temporal, no fructifican al rey de Espaa como otras muchas provncias que con ms razon y ttulo se debian con todo empeo defender (...). En fin, concluia diciendo, que en estas dilatadas Indias habia tierras bastantes para ambas Coronas (...).[footnoteRef:16] [16: MARONI. Idem, 1988, p. 328.]

Ficava evidente que as Misses de Maynas agregavam diferentes significados no universo colonial espanhol. Para os jesutas, aquelas terras representavam um sonho missionrio posto em prtica, uma possibilidade de edificar o que talvez fosse o maior empreendimento da Companhia em terras americanas, dada a enorme extenso territorial e a quantidade de almas a converter. J para as autoridades coloniais, essas terras no eram economicamente rentveis e estavam merc da vontade dos ndios, no merecendo o esforo que seria necessrio para defend-las.

Mesmo decepcionado com o descaso do Vice-rei do Peru e ciente de que no poderia esperar nenhum auxlio militar das autoridades coloniais, em 1693 o padre Fritz retornou ao trabalho missionrio em Maynas, dando continuidade ao projeto de catequizao dos ndios.

Em 1704 o Padre Samuel Fritz foi nomeado Superior das Misses, porm o jesuta continuou envolvido diretamente com as Misses de Maynas, auxiliando os missionrios em atividade. Em 1707, Fritz enfim terminou seu mapa intitulado El Gran Ro Maran o Amazonas, con la Misin de la Compaa de Jess geogrficamente delineado por el P. Samuel Fritz misionero continuo en este Ro.

El Gran Ro Maran o Amazonas, con la Misin de la Compaa de Jess geogrficamente delineado por el P. Samuel Fritz misionero continuo en este Ro. Fonte: DIAS, Camila Loureiro. LAmazonie avant Pombal. Politique, conomie, Territoire. These pour obtenir le grade de docteur en Histoire et Civilisations. Ecole de Hautes Etudes en Sciences Sociales, 2014, p. 225.

Entendemos que o mapa elaborado pelo Padre Samuel Fritz significava mais do que a simples representao das Misses de Maynas. O mapa de Fritz foi um instrumento diplomtico de tomada de posse dos territrios compreendidos entre o Rio Napo e o Rio Negro. Acreditamos que o objetivo central de Fritz ao construir seu mapa era garantir a posse de todo o territrio abarcado pelas Misses de Maynas para os espanhis e, consequentemente, para os jesutas que l trabalhavam em nome da coroa espanhola. Para atingir tal objetivo, Fritz articulou desenho e texto o mapa e sua legenda dois raios de ao, um partindo dimenso cartogrfica e o outro da escrita; operando conjuntamente, essas duas esferas compem uma mesma operao demarcatria que, no mapa de Fritz determinava as fronteiras do imprio espanhol no Maran.

Desse modo, o mapa de Fritz registrou uma memria da atuao missionria jesutica no Maran e ganhou tambm uma dimenso poltica, pois acabou sendo retomado pelos espanhis ao longo do sculo XVIII, no contexto da assinatura dos Tratados de limites em 1750 e 1777, como instrumento de apropriao dos territrios por ele demarcados.

Andrs de Zrate: novas propostas para a recuperao das Misses de Maynas

O padre Andrs de Zrate foi vice-provincial e visitador da Provncia de Quito entre os anos de 1735 e 1738. Em 1753, no Colgio de Quito, Zrate escreveu sua Relacion de la Mission Apostolica que tiene a su cargo la Provincia de Quito de la Compaia de Jesus en el Gran Rio Maraon en que se refiere lo sucedido desde el ao de 1725 hasta el ao de 1735[footnoteRef:17]. [17: A verso manuscrita da Relacion escrita pelo Padre Andrs de Zrate se encontra atualmente no Archivo General de Indias, no Expediente del Gran Para (AGI, Quito, 158) e a verso impressa encontra-se publicada na Coleo Monumenta Amaznica (MARONI. Op. cit., 1988, p. 397- 424).]

Assim como os demais padres jesutas citados anteriormente, o Padre Zrate tambm apresentou propostas para a ocupao e a defesa do territrio missionrio em Maynas, uma delas, (...) para la conservacion, y adelantamiento de las Misiones, es el procurar de aumentar con nuevos vezinos esta Ciudad, y entablar otra Poblacion semejante en la Provincia de Omaguas, que sirva de freno lo Portugues, (...)[footnoteRef:18]. [18: ZRATE. Relacion... Op. cit., 30 de outubro de 1735. AGI, Quito, 158.]

Zrate apontava para uma questo importante para o sucesso do projeto missionrio em Maynas. Como j dito anteriormente, a presena de colonos espanhis em territrio missionrio seria essencial para o desenvolvimento das misses e para a proteo daquelas terras das constantes invases portuguesas. Sabemos que Zrate no foi o primeiro a colocar essa premissa, mas a insistncia dos jesutas em repet-la refletia o projeto que aqueles padres haviam idealizado para as Misses de Maynas. De acordo com esse projeto, somente a integrao entre os colonos civis e militares os missionrios jesutas e as populaes indgenas seria capaz de garantir o sucesso da colonizao espanhola na regio.

Ainda em sua Relacion, o padre Zrate enumerou alguns dos fatores que impediam o crescimento e o sucesso daquelas redues. Alm do problema das invases portuguesas, Zrate destacou a falta de missionrios em atividade e a falta de escolta de gente espanhola armada para o acompanhamento e proteo dos missionrios em suas entradas; ambas as reclamaes eram comuns entre os jesutas de Maynas, como j demonstrado anteriormente.

Sobre a falta de uma escolta armada que protegesse o padre em sua atividade missionria, Zrate ressaltou a importncia dela, uma vez que, por aquelas terras, eram muito numerosos os grupos indgenas considerados selvagens. Nas palavras do jesuta:

Aadese esto la falta de Escolta de alguna gente espaola, que acompae con armas defensivas los Missioneros, quando entran Provincias Infieles, y assista al entable de las reducciones, industriando, y alentando con discression, y eficacia, los nuevos moradores al trabajo, de que tanto aborrecen, enseandoles con su exemplo acudir a la Iglesia, y Doctrina; obedecer, y respetar al Padre; enfin sirviendoles de freno para que ni se atrevan algun desacato, ni sean tan inconstantes, y faciles bolver como bestias sus querencias, y escondrijos, llevandose la herramienta, y Parvulos Bautizados, y dejando al Missionero en un total desamparo.[footnoteRef:19] [19: ZRATE. Idem, 30 de outubro de 1735. AGI, Quito, 158.]

As reclamaes do padre Zrate no se encerravam nesses dois pontos; ele apontou mais um fator ainda no citado neste artigo. De acordo com o jesuta, a maioria dos homens que desempenharam a funo de Governador de Maynas firmaram residncia em Borja ou em cidades ainda mais distantes de Maynas e muitos deles sequer realizaram uma s visita Provncia de sua jurisdio; dessa forma, Zrate denunciava que a falta de um governador exemplar e zeloso era uma das causas da decadncia das Misses de Maynas.

Antes de deixar definitivamente as Misses de Maynas, Zrate deixou ordens expressas sobre o treinamento militar dos ndios reduzidos: Entre otras cosas que dej hordenadas con parezer, y consulta de los P.P. Misioneros, una fue, que los Indios hiziesen cada 15 dias ejerzicio militar con las Armas que husan cada ocazion, para que de este modo estn ejerzitados, y destros a resistir e defenderse en las entradas, y de las imbasiones de los Portugueses. (...). [footnoteRef:20] [20: ZRATE, Andrs de S.J. Informe que haze a S.M. el Padre Andres de Zarate de la Compaia de Jesus, 28 de agosto de 1739. AGI, Quito, 158.]

Como vimos na citao acima, Zrate propunha que os ndios fizessem, quinzenalmente, exerccios militares com as armas que possuam. Porm, o padre acreditava que essa medida seria suficiente apenas para conter novas invases, no permitindo a retomada de outros territrios j ocupados pelos portugueses em invases anteriores. Segundo Zrate:

Pues aun que por aora parezca sufiziente para defender las Misiones, el que V.M d lizenzia, u, horden, de que se armen a los Indios de ellas con 100 o 200 fusiles, mas para recobrar las tierras, y espazios que tienen usurpados los de el Par pareze nezesario tomar otra maior providenzia, y muchos Juzgan, que sera mui oportuna, la de fundar una Colonia en la misma boca del Rio de las Amazonas en la banda opuesta a la Ziudad de el Par (...). Pero de esta Colonia, se podra entablar comerzio con los Pueblos de la Mision, y segun pareze con bastante hutil, y con aumento de las rentas de V.M. (...).[footnoteRef:21] [21: ZRATE. Informe... Op. cit., 28 de agosto de 1739. AGI, Quito, 158.]

A fundao de uma colnia em Maynas promoveria a ocupao dos territrios ameaados pelo avano portugus, alm de permitir a integrao econmica dos produtos da floresta (o cacau, a baunilha, a copaba, a canela, a salsaparrilha, as castanhas, o algodo, entre outros) no sistema colonial. Esse modelo de ocupao proposto pelo padre Zrate estava totalmente distante daquilo que os espanhis estavam dispostos a fazer para defender a posse daqueles territrios considerados longnquos e improdutivos.

Apesar das propostas de Zrate e dos outros missionrios jesutas citados anteriormente no terem sido executadas, observamos que esses padres realmente se esforavam para manter o territrio ocupado pelas Misses de Maynas como parte de seu domnio espiritual e, consequentemente, como parte dos domnios espanhis. Entretanto, a importncia dada pelos jesutas aos territrios amaznicos no era a mesma atribuda pelas autoridades coloniais, essa divergncia de interesses impossibilitou a efetivao de qualquer outro projeto de ocupao, povoamento e defesa que no fosse o projeto jesutico para as Misses de Maynas.

A expulso dos jesutas: a manuteno do projeto missionrio como nica alternativa para o Maran

Em 1767, seguindo o movimento anti-jesutico que se espalhara na Europa com a expulso dos membros da Companhia de Jesus de Portugal (1759) e Frana (1762), tambm a Espanha decidiu trilhar esse caminho.

Em dois de abril de 1767, todas as casas de jesutas foram cercadas pelas tropas reais espanholas e, convocados os religiosos, leu-se a Real Ordem de expulso; o mesmo decreto tambm havia sido enviado s autoridades responsveis pelos territrios coloniais da Espanha com ordens de coloc-lo em prtica.

Nas Misses de Maynas, a notcia da expulso foi recebida em 20 de setembro de 1767, porm a retirada dos padres s se deu em 1768. Em fins de abril de 1768, chegaram em Maynas o executor do decreto de expulso, Jos Bazave, responsvel por intimar os padres e providenciar sua viagem e o visitador, Manuel Echeverra, responsvel por dividir os 27 padres seculares que substituiriam os jesutas expulsos em seus antigos pueblos. Bazave havia recebido ordens de levar os jesutas de Maynas at Quito, entretanto, em 31 de julho de 1768, recebeu novas instrues para providenciar a viagem dos padres pelo caminho do Par, pois este seria mais cmodo para os missionrios e menos custoso coroa.

Em San Joaqun de Omguas, Bazave reuniu os 19 padres jesutas em atividade nas Misses de Maynas naquele momento, eram eles: Francisco Aguiar (Superior), Leonardo Deubler, Adn Vidman, Xavier Veigel, Manuel Uriarte, Jos Palme, Carlos Albrizi, Dionisio Ibez, Pedro Esquini, Francisco Xavier Plindendorffer, Martn Schoveina, Andrs Camacho, Maurcio Caligari, Jos Vahamonde, Jos Montes, Juan Saltos, Segundo del Castillo e Pedro Shonemn. Aos 28 de novembro de 1768, Bazave entregou os 19 jesutas de Maynas nas mos do capito portugus que os levaria at o Par.

A viagem dos jesutas de Maynas foi extremamente penosa. Em 19 de janeiro de 1769 chegaram ao Par, onde permaneceram at 10 de maro de 1769, quando seguiram viagem para Lisboa. Os dezenove padres de Maynas chegaram a Lisboa em 7 de maio de 1769 e, de l, deveriam seguir para Cdiz, entretanto, somente 17 dos 19 jesutas seguiram rumo ao Porto de Santa Maria; os padres Leonardo Deubler e Adn Vidman morreram em Portugal. Ao chegarem em Cdiz, os jesutas foram submetidos a um interrogatrio e depois enviados para seus destinos no exlio.

No interrogatrio feito aos missionrios expulsos no Porto de Santa Maria, perguntava-se qual era a situao das Misses de Maynas e quais seriam as medidas adequadas para desenvolv-las, pois Nadie mejor que los jesuitas para informar sobre ellas. (...), los jesuitas eran los nicos que conocan el estado de la respectiva misin y podan ofrecer observaciones oportunas para su adelantamiento y esto lo saban los gobernantes del momento[footnoteRef:22]. [22: BORJA MEDINA, Francisco de S.J. Los Maynas despus de la expulsin de los Jesuitas. In NEGRO, Sandra e MARZAL, Manuel M. S.J. (coord.). Un Reino en la Frontera: Las misiones jesuitas en la Amrica colonial. Peru: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Catlica del Per e Ediciones Abya-Yala, 1999, p. 450.]

Dessa forma, aps a expulso dos jesutas e a partir de suas prprias informaes e propostas, ficou estabelecido que, para o governo eclesistico das Misses de Maynas, o Bispo de Quito deveria nomear um Vigrio geral secular, substituindo o antigo cargo de Superior das Misses; este vigrio fixaria residncia no pueblo de Santiago La Laguna e a ele estariam submetidos os missionrios de Maynas. A atividade do missionrio ficava restrita a funo espiritual. Para o governo poltico, manteve-se o Governador de Borja como responsvel pelo governo temporal das Misses de Maynas. Estabelecia-se tambm que, alguns colonos espanhis deveriam formar pueblos avizinhando-se do territrio missionrio; estes colonos cuidariam do desenvolvimento cultural dos ndios, ensinando-lhes a lngua castelhana e a doutrina crist, porm essa medida no foi colocada em prtica.

A proposta para a atividade missionria era de que se alternariam bienalmente os padres seculares e os regulares Franciscanos. Contudo, j em 1773, havia um nmero elevado de queixas da m conduta dos franciscanos, ento se decidiu confiar as Misses de Maynas apenas aos padres seculares, que acabaram por seguir o mesmo sistema idealizado e adotado pelos padres jesutas expulsos.

Com o passar dos anos, os missionrios seculares de Maynas foram acusados de no terem o devido cuidado com as misses, provocando seu declnio temporal e espiritual. O principal nome que se colocara contra os seculares era o ento Governador de Maynas, Francisco Requena que, em 1785, redigiu um informe ao Ministro Jos de Galvz[footnoteRef:23], responsabilizando os padres seculares pela decadncia das Misses de Maynas. [23: MARTIN RUBIO, Maria del Carmen. Historia de Maynas, un paraiso perdido en el Amazonas (Descripciones de Francisco Requena). Madrid: Ediciones Atlas, 1991. p. 30-31.]

Em 1787 se permitiu novamente a entrada de franciscanos, desde que fossem europeus, pois estes eram considerados mais srios e aptos para o trabalho missionrio do que os nascidos na Amrica. Em 1790, o rei Carlos IV determinava que as Misses de Maynas ficassem inteiramente subordinadas ao Colgio Franciscano de Quito, entretanto esse Colgio nunca conseguiu atender as misses com a quantidade suficiente de missionrios, ficando novamente as Misses de Maynas em estado de abandono.

Em 1799, o ex-governador de Maynas e Ministro do Conselho de ndias, Francisco Requena, propunha que as Misses de Maynas estivessem temporalmente submetidas ao Vice-reino do Peru e espiritualmente sob o comando dos franciscanos do Colgio de Santa Rosa de Ocopa, tambm situado no Peru. Sua proposta foi aceita pelo Conselho de ndias e regulamentada pela Real Cdula de 1802.

Consideraes finais

A partir do que foi exposto, podemos observar que, aps a expulso dos jesutas, as Misses de Maynas ficaram, em princpio, a cargo do clero secular de Quito, depois, passou para as mos dos regulares franciscanos do Colgio de Quito e, por fim, para os franciscanos do Colgio de Ocopa no Peru. Apesar de uma aparente descontinuidade, afirmamos que no houve ruptura em relao poltica de ocupao proposta pela coroa espanhola para o Maran, desde a fundao das Misses de Maynas pelos jesutas em 1638, at a publicao da Real Cdula em 1802. Isso porque a poltica de ocupao e defesa das fronteiras colocado em prtica no Maran foi sempre o projeto de ocupao missionria que havia sido desenhado pelos jesutas e colocado em prtica nas Misses de Maynas entre os anos de 1638 e 1767.

Referncias

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__________________. Copia de la parte que corresponde al Expediente sobre arreglo temporal, y adelantamiento de las Misiones de Mainas sacada del Ynforme original que hizo Don Francisco Requena en 29 de Marzo de 1799. AGI, Lima, 1580.

ZRATE, Andrs de S.J. Relacion de la Mission Apostolica que tiene a su cargo la Provincia de Quito de la Compaia de Jesus en el Gran Rio Maraon en que se refiere lo sucedido desde el ao de 1725 hasta el ao de 1735, 30 de outubro de 1735. AGI, Quito, 158.

_____________________. Informe que haze a S.M. el Padre Andres de Zarate de la Compaia de Jesus, 28 de agosto de 1739. AGI, Quito, 158.

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