int roduÇÃo À ast ronomia aga-210 6. …§ão à astronomia – aga210 prof. enos picazzio 6- 2...

49
INT R ODU ÇÃO À AS T R ONOMIA AGA-210 6. Estrelas I. Espectro estelar (Harvard College Obs ervatory photograph) Os trabalhos em es pectros copia as trofís ica de Annie Jump Cannon (à es querda) e Henrietta S wan L eavitt, foram fundamentais para a clas s ificação es pectral das es trelas . I AG/U S P ENOS PICAZZIO

Upload: phamdieu

Post on 19-Aug-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

INT R ODU ÇÃO À AS T R ONOMIA AGA-210

6. E s t relas I . E s pect ro es telar

(H arvar d Col lege Obs er vator y photogr aph)

Os t r abalhos em es pectr os copia as t r ofí s ica de

Annie J ump Cannon (à es quer da) e H enr ietta S wan L eavi t t , for am fundamentai s par a a clas s i f icação es pect r al das es t r elas .

IAG/U S P E NOS P ICAZ Z IO

Cassiopeiae
Cassiopeiae
CRÉDITOS:
Cassiopeiae
Material de referência adotado na disciplina Astronomia (SLC0516 - 2010B)Prof.: Raimundo Lopes (IFSC/USP)
Cassiopeiae

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 2

6. Est relas I . Espect ro estelar

6.1 Introdução

Embora as estrelas apresentem, grosso modo, composição química parecida há diferenças sutis que nos permite distinguí-las. Neste capítulo vamos discutir algumas propriedades básicas da matéria e das estrelas e, com base nelas, classificá-las. 6.1.1 Brilho, Luminosidade e Magnitude Olhando o céu noturno podemos distinguir as estrelas de acordo com o brilho. Isto, no entanto, não é suficiente para distinguirmos suas distâncias. Uma estrela muito brilhante e muito distante poderá parecer mais débil que outra menos brilhante porém mais próxima.

A energia total emitida por segundo por uma estrela é uma característica intrínseca dela, e denominada luminosidade. Já o brilho é a aparência que ela tem em relação ao observador, portanto depende da distância: para uma mesma luminosidade, quanto maior a distância, menor o brilho. O brilho cai com o quadrado da distância, ou seja: se dobramos (!2) a distância da estrela, o brilho cai quatro vezes (÷22); se triplicamos (!3), cai nove vezes (÷32) ; e assim por diante. Isto se deve ao fato da área aumentar com o quadrado da distância (Figura 6.1): como a energia que passa pelo cone de luz é a mesma, o aumento da área diminui a quantidade de energia que passa por unidade de área, na mesma proporção. Como a estrela emite luz em todas as direções, o mais correto é representar a área através da uma esfera. Supondo um observador à distância d do centro da estrela, a energia emitida deverá passar pela área da esfera cujo raio seja a distância do observador, ou seja, 4!d2. Matematicamente, podemos representar o brilho por:

B = L / 4!d2 [6.1]

Essa escala vem sendo utilizada até hoje, mas com o desenvolvimento de

instrumentação mais sofisticada que o olho humano ela foi estendida para valores aquém de 1, inclusive negativos (<0), e além de 6, incluindo valores fracionários. Norman R. Pogson (1829-91), descobriu que estrelas com diferença de 1 magnitude apresentam uma razão de brilho de 2,5, ou seja: uma estrela de magnitude 1 é 2,5 mais

Figura 6.1 Como a área aumenta com o quadrado da distância, a energia que flui por unidade de área decai com o quadrado da distância (R.R.Robbins, p.321, fig.15.3).

Magnitude é uma escala através da qual medimos o brilho aparente de um astro. Essa escala foi criada por Hiparco de Nicéia, astrônomo grego que viveu no séc.2 a.C. Ele dividiu o brilho em seis grandezas ou magnitudes: 1 para a mais brilhante e 6 para a mais débil (no limite da visibilidade do olho humano). Estrelas de magnitude maior que 6 são visíveis apenas com auxílio de instrumentos.

Cassiopeiae

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 3

brilhante que outra de magnitude 2; esta, por sua vez, é 2,5 mais brilhante que uma estrela de magnitude 3; e assim por diante. Portanto a diferença de brilho não segue uma escala linear, mas logarítmica, porque nosso olho tem resposta logarítmica. Matematicamente, a magnitude aparente pode ser expressa por:

m = cte – 2 log B [6.2] onde cte é uma constante de escala. A diferença de magnitude aparente de duas estrelas de brilhos B1 e B2 é dada por:

m1 – m2 = 2,5 log (B2 / B1) 1 . [6.3] Exemplo: suponhamos que a razão de brilho entre duas estrelas seja 100. Como calcular a diferença de magnitude aparente entre elas? Simples: sabemos que (B2 / B1) = 100, então m1 – m2 = 2,5 ! log (100) = 2,5 ! 2 = 5; ou seja: m1 - m2 = 5, m1= m2 + 5. Se fosse o contrário, B1 / B2 = 100, então m2 = m1 + 5. A magnitude absoluta é a medida da luminosidade da estrela. Se pudéssemos colocar todas as estrelas a uma mesma distância da Terra, a diferença de brilho aparente refletiria a diferença real de brilho entre elas. Para os astrônomos, essa distância padronizada é 10 pc (ou 32,6 AL; veja ítem 4.1). A magnitude absoluta M se relaciona com a magnitude aparente m e a distância d (em pc) através da expressão:

M = m + 5 - 5 log d [6.4]

Se a magnitude absoluta ou a luminosidade da estrela for conhecida, a distância pode ser determinada através da expressão: d = 10 (m – M + 5) / 5 (em pc) [6.5] 6.1.2 Velocidades radial e transversal

Imaginemos uma estrela movendo-se no espaço com velocidade V na direção e sentido indicados na Figura 6.2. Não há como medir essa velocidade diretamente, mas é possível medir suas componentes radial (vr) e transversal ou tangencial (vt). A primeira pode ser medida através do efeito Doppler (descrito abaixo), e a segunda através da variação temporal das coordenadas ! e " da estrela. 6.1.3 Efeito Doppler Este efeito é observado sempre que houver movimento relativo entre fonte e observador. Um exemplo cotidiano é quando uma fonte sonora se desloca em relação ao observador, como a sirene de uma ambulância. À medida em que a distância da ambulância diminui o som vai se tornando gradativamente mais agudo, atinge freqüência máxima quando passa pelo observador e vai se tornando gradativamente mais grave à medida em que a 1 Admita que a primeira estrela tenha m1 e B1 e a segunda m2 e B2. Agora usando a equação 6.2, deduza a equação 6.3.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 4

Nome Designação m M Distância Tipo espectral Sirius ! CMa -1,46 1,42 2,65 A1 V Canopus ! Car -0,72 -5 70 F0 II Rigel Kentaurus

! Cen A -0,01 4,37 1,33 G2 V

Rigel " Ori 0,12 -7 265 B8 I Archernar # Eri 0,46 -1,7 27 B3 V " Cen 0,61 -0,3 95 B1 III Antares ! Sco 0,96 -5,4 190 M1,5 I Spica ! Vir 0,98 -3,2 67 B1 V ! Cru 1,58 -3,8 120 B0,5 IV Formalhaut ! PsA 1,16 2,02 6 A3 V " Cru 1,25 -4,6 150 B0,5 III Adhara # CMa 1,50 -4.9 190 B2 II $ Cru 1,63 -0.5 14 M3 III % Sco 1,63 -2,5 67 B2 IV Miaplacidus " Car 1,68 -1,73 48 A2 IV Alnilam # Ori 1,70 -6,6 460 B0 I Al Nair ! Gru 1,74 -1,1 37 B7 IV Wezen & CMa 1,84 -7,5 740 F8 I Kaus Australis

# Sgr 1,85 -0,13 43 B9 III

Girtab ' Sco 1,87 -1,0 37 F1 II Tabela 6.1 Nomes próprios, magnitudes aparente (m) e absoluta (M), distâncias (em parsecs) e tipos espectrais das estrelas mais brilhantes do hemisfério sul. O tipo espectral (letra maiúscula seguida de um número) é definido no ítem 6.3, e a classe (algarismo romano) no ítem 6.5.

Figura 6.2: Representação das velocidades radial e transversal (movimento próprio) de uma estrela, quando esta se move no espaço entre os pontos A e B. (Adaptado de D. L. Moché, p.58, fig.3.10).

ambulância se afasta. Ou seja, quando a fonte se aproxima do observador a freqüência aumenta (e o comprimento de onda diminui); quando se afasta, a freqüência diminui (e o comprimento de onda aumenta). Com a luz o fenômeno se repete: quando uma estrela apresenta movimento relativo em relação à Terra, sua luz sofre desvio em freqüência (e em comprimento de onda) proporcionalmente à velocidade relativa entre Terra e estrela. Matematicamente, o desvio Doppler é expresso por

(v / c) = (! - !o) / !o = "! / !o [6.6]

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 5

onde: v é a velocidade relativa entre fonte e observador, c é a velocidade da luz, !o é o comprimento de onda de repouso (quando não há movimento relativo), ! é o comprimento de onda observado, e "! o deslocamento em comprimento de onda. Se ! for maior que !o, "! é positivo e ocorre quando a fonte está se afastando do observador; neste caso diz-se que houve um deslocamento para o vermelho (porque o comprimento de onda aumentou). No caso contrário, "! é negativo e a fonte está se aproximando do observador; desta vez houve um deslocamento para o azul (porque o comprimento de onda diminuiu). 6.2 Espectro 6.2.1 Espectros atômico e molecular No item 4.2 (Cap. 4) vimos algumas propriedades da luz e discutimos superficialmente o espectro eletromagnético. Para entedermos melhor esse assunto precisamos discutir um pouco o espectro atômico.

Consideremos o átomo de H, o elemento químico mais simples da natureza (por isso mesmo o mais abundante): ele é constituído de um proton (núcleo) e de um elétron. O núcleo tem carga elétrica positiva e o elétron, carga elétrica negativa. Como cargas opostas se atraem, o elétron orbita o núcleo (de forma semelhante a um planeta que gira ao redor do Sol). A força de atração entre as cargas de sinais opostos é dada pela Lei de Coulomb, e decai com o quadrado da distância entre as cargas. Quanto mais energia tiver o elétron mais distante do núcleo ele orbitará (i.e. maior será o “raio” de sua órbita). Um elétron em movimento orbital está sob aceleração, logo deve perder energia. Perdendo energia o raio de sua órbita deve diminuir. Assim sendo, em algum momento esse elétron tende a chocar-se com o núcleo, a menos que existam órbitas específicas nas quais o elétron não perde energia. E elas existem. Esse modelo atômico do H é conhecido como Modelo de Bohr. Para cada uma dessas órbitas estáveis existe um valor de energia correspondente. A primeira órbita estável, mais próxima do núcleo, é a fundamental e o estado energético correspondente é chamado estado fundamental. Acima deste, tem-se vários estados excitados: um elétron no 1º estado excitado tem mais energia do que se estivesse no estado fundamental; se ele estiver no 2º estado excitado terá mais energia do que se estivesse no seu 1º estado excitado, e assim sucessivamente. Portanto, ao mudar de órbita o elétron altera seu estado energético: se ele passa de uma órbita baixa para outra mais alta, ele ganha energia (retirada do meio em que está); no caso contrário, ele perde energia (liberada para o meio em que está). Essa transferência de energia ocorre em “pacotes” denominados quantum: a cada quantum corresponde uma radiação (luz) de comprimento de onda específico2. A Figura 6.3 mostra um diagrama de nível de energia parcial do átomo de hidrogênio. Um elétron que se encontra na região de ionização não estão mais ligado ao núcleo; seu estado energético é elevado demais para permanecer em órbita.

O processo no qual o elétron retira energia do meio é chamado absorção; no caso contrário, isto é, quando há liberação de energia para o meio, o processo é chamado emissão. Essas transições atômicas se manifestam no espectro eletromagnético através de linhas de absorção (escuras) ou de emissão (claras).

2 Matematicamente escrito por: E = h / !, onde E (erg) é o quantum, h (6,625!10-34 Joule.seg) é a constante de Planck, e ! (cm) é o comprimento de onda.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 6

6.2.2 Espectro contínuo

Átomos e moléculas são os componentes básicos dos meios gasosos, portanto o espectro dos gases é tipicamente um espectro de linhas (absorção e/ou emissão). Já os meios sólidos ou extremamente densos apresentam um espectro contínuo, algo parecido com um conjunto de linhas de emissão de todos os comprimentos de onda.

Teoricamente, o meio ideal que apresenta um espectro contínuo é o corpo negro3. Na prática, o que mais se aproxima de um corpo negro é uma cavidade ôca aquecida, com um pequeno furo na superfície. A radiação que escapa pelo furo tem espectro contínuo, e a distribuição de energia em comprimentos de onda depende da temperatura.

O comportamento do corpo negro é descrito pela Lei de Planck, ilustrada na Figura 6.4. Com o aumento da temperatura a curva de luz desloca-se em direção aos comprimentos de onda mais curtos (cores mais azuladas), e vice-versa (cores mais avermelhadas). O ponto máximo da curva ocorre em comprimento de onda específico, dado Lei de Wien:

!max [angstrom] = 3"107 / T. 4 [6.7]

3 O termo negro nada tem a ver com a cor do corpo, mas é uma referência ao fato de o corpo não apresentar tendência de cor (comprimento de onda) na luz emitida. O corpo negro emite e absorve luz de todos os comprimentos de onda. 4 O angstrom (Å ) vale 10-10 m ou “um décimo de milés imo de micron”.

Processo semelhante ocorre com átomos mais densos que o do hidrogênio; quanto maior a massa atômica, mais elétrons terá o átomo e mais complexo será seu espectro. O espectro molecular é bem mais complexo pois as moléculas são formadas a partir de dois átomos: quanto mais átomos tiver a molécula, mais complexo será seu espectro.

O estudo do espectro eletromagnético é chamado espectroscopia, e é feito com auxílio de espectrômetros (veja item 4.4.5, Cap. 4). Através da espectroscopia, podemos não só identificar os elementos químicos (átomos ou moléculas) responsáveis pelas linhas espectrais, como também analisar as condições físicas do meio onde estão sendo formadas as linhas.

Figura 6.3 Diagrama dos níveis de energia do átomo de hidrogênio. Os números indicam os comprimentos de onda (em angstrom) das transições de cada série (Adaptado de R.R.Robbins, p.285, fig13.19).

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 7

6.3 Espectro estelar e classificação espectral

No início do século 19 Joseph von Fraunhofer estudou e catalogou pioneiramente as

linhas de absorção do espectro do Sol. Em sua homenagem, essas linhas ficaram conhecidas como linhas de Fraunhofer. As estrelas são esferas gasosas extremamente quentes. De sua superfície (fotosfera) emana a radiação que compõe o seu espectro contínuo. A fotosfera delimita a região observável da estrela. Embora a matéria abaixo dela seja mais quente, a temperatura da estrela é dada pela temperatura de sua fotosfera. A luz fotosférica passa pela atmosfera da estrela antes de escapar para o espaço. Os átomos e as moléculas (em menor escala) atmosféricos absorvem luz de comprimentos de onda específicos, produzindo as linhas de absorção. A comparação dos espectros de absorção das estrelas revela igualdades e diferenças entre elas. Este trabalho começou em 1872 no Observatório de Harvard, através de Henry Draper. A classificação espectral de Harvard é baseada essencialmente nas linhas do hidrogênio, hélio, ferro, cálcio e algumas linhas moleculares. Pelo estudo comparativo dos espectros as estrelas foram divididas em grupos (O, B, A, F, G, K, M) e sub-grupos (0 a 9), em ordem decrescente de temperatura: O0, O1, O2,..., O9, B0, B1, B2,..., B9, A0, A1,... A temperatura mais elevada é a da estrela O0, e a mais baixa é a da estrela M9. O espectro de uma estrela O9 é mais parecido com o espectro de uma estrela B0 do que com o espectro de uma estrela O0. A Tabela 6.2 resume as principais características de cada tipo e a Figura 6.5 mostra os espectros parciais das classes espectrais.

Há dois tipos espectrais que não foram incluídos na Tabela 6.2: C e S. O tipo C refere-se às estrelas ricas em carbono, também conhecidas como estrelas de carbono. Elas são muito vermelhas, de baixa temperatura (! 3.000 K) e apresentam fortes linhas moleculares de

A energia total emitida por unidade de área do corpo negro é dada pela Lei de Stefan-Boltzmann:

E = 5,67! 10-8 T4 [6.8] E dado em watt/m2K4, T expresso em K. Na figura ao lado é representada pela reta pontilhada que passa pelos pontos de máximo das curvas.

Grosso modo a radiação emitida por uma estrela segue a lei de Planck para temperatura equivalente a da sua fotosfera (definida no próximo tópico). Sobrepostas ao espectro aparecem as linhas de absorção e/ou emissão.

Figura 6.4 Distribuição de energia de um corpo negro para diferentes temperaturas. A intensidade máxima para cada caso é indicada pela seta (Adaptado de R.R.Robbins, p.278, fig 13-8).

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 8

absorção. As estrelas S, muito vermelhas e temperatura baixa (! 3.000 K), também apresentam moleculares, as mais evidentes são as de monóxido de zircônio. Esses dois tipos espectrais formam uma espécie classes paralelas à classe M.

Como conhecer a cor da estrela indicada na Tabela 6.2? Tomemos dois exemplos: 1) A estrela B0 tem T = 30.000 K. Substituindo este valor na Lei de Wien ( eq. 6.7) obtemos o valor !max = 3.000 Å. Pela Figura 6.4 vê-se que este valor corresponde à cor azul; 2) a estrela M5 tem T = 3.000 K e !max = 10.000 Å, por isso ela é vermelha; 3) o Sol é amarelo porque T = 6.000 K e !max = 5.000 Å .

Classe

espectral

Temperatura

aproximada (k)

Características principais

O >30.000 Estrelas quentes, com linhas de hélio ionizado B 10.000-30.000 Linhas de hélio neutro A 7,500-10,000 Linhas muito fortes de hidrogênio F 6.000-7.500 Linhas de cálcio ionizado; abundância de linhas de metais G 4.500-6.000 Linhas fortes de cálcio ionizado; muitas linhas fortes de ferro neutro e

ionizado e linhas de metais K 3.500-4.500 Linhas fortes de metais neutros M 2.000-3.500 Bandas de moléculas de óxido de titânio

Tabela 6.2 Características das classes espectrais.

6.4 Informações que as linhas espectrais nos oferecem. A distribuição (em comprimento de onda) de energia na linha espectral é estudada através do perfil da linha. A Figura 6.6 mostra três tipos básicos de perfís. Analisando o perfil da linha podemos obter algumas das propriedades da estrela, como rotação, densidade atmosférica, turbulência atmosférica e campo magnético. Através da Figura 6.7, e fácil entender por que os bordos de uma estrela em rotação têm velocidades relativas diferentes: o bordo esquerdo (3) move-se em direção ao observador, enquanto o bordo direito (1) move-se na direção oposta. Como esses movimentos relativos são afetados pelo efeito Doppler, a luz proveniente do bordo esquerdo desvia-se para o azul, enquanto a do bordo direito desvia-se para o vermelho. Isto implica em alargamento da linha; quanto mais rápido a estrela girar, maior será o alargamento da linha. A presença do campo magnético altera o comportamento dos átomos, fazendo com que seus níveis de energia se desdobrem em valores muito próximos, porém diferentes. O resultado é a duplicação da linha produzida por esse átomo, conhecida por efeito Zeeman. Quanto maior o campo magnético, maior a separação entre as duas componentes. A Figura 6.8 ilustra esse fenômeno. A densidade e a turbulência atmosféricas são fenômenos mais difíceis de serem visualizados. Quando a densidade é grande os átomos são comprimidos uns contra os outros, provocando a interação (colisão e efeitos eletromagnéticos) entre eles. O comportamento de um átomo nessas condições não é o mesmo que de um átomo isolado. Os níveis de energia de excitação (que dão origem às linhas) são fortemente afetados pela interação, e o resultado é o alargamento das linhas de absorção.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 9

Se a atmosfera de uma estrela é turbulenta, os gases lá presentes se movimentam em células ascendentes e descendentes. Nas células ascendentes a matéria estelar a move-se na direção do observador e a luz sofre um desvio para o azul; nas células descendentes ocorre o oposto, então há desvio para o vermelho. O resultado final é, novamente, o alargamento da linha. Como distinguir cada um dos efeitos? Pelo perfil da linha: cada um desses fenômenos distorce a linha de forma diferente. Há técnicas para distingui-los.

Figura 6.5 Tipo espectral, espectro parcial, temperatura e cor de algumas estrelas. O comprimento de onda (em angstrom) da linha é dado entre parênteses. (Adaptado de R. Jastrow, p.103, fig.4.27).

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 10

Figura 6.6 Ilustração de três perfis básicos de linhas de absorção.

Figura 6.7 Alteração do perfil da linha, devida ao efeito Doppler provocado pela rotação da estrela. No bordo 3 o deslocamento é para o azul (à esquerda), e no bordo 1 é para o vermelho (à direita). No centro não ocorre o efeito Doppler . (Adaptado de R.R.Robbins, p.310, fig.14-15)

Figura 6.8 Efeito Zeeman: o campo magnético desdobra a linha em outras componentes. Quanto maior o campo magnético, maior a separação entre as duas componentes (R.Jastrow, p.332, fig. 15-18)

INT R ODU ÇÃO À AS T R ONOMIA AGA-210

6. E s t relas I I . E s t relas normais e

s uas propr iedades

E jnar H er tzpr ung (es quer da) e H enr y Nor r i s R us s el cr iar am uma das mai s poder os as fer r amentas da as t r onomia moder na:

o diagr ama temper atur a ver s us luminos idade.

IAG/U S P E NOS P ICAZ Z IO

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 12

6. Est relas I I . Est relas normais e suas propr iedades.

Introdução Quando se tem uma amostragem grande de elementos, como pessoas, animais, plantas, etc., é importante fazer-se um estudo estatístico afim de se obter propriedades básicas que nos permitirão analisar os elementos individualmente, pelo menos em suas características mais genéricas. Tomemos como exemplo uma amostra formada de alunos de uma escola. De imediato podemos considerar características mais genéricas como altura, peso e sexo. Com as duas primeiras, poderíamos construir um gráfico do tipo altura (no eixo vertical) ! peso (no eixo horizontal). O que nos mostraria esse gráfico? Certamente haveria uma relação bem nítida: quanto maior a altura, maior o peso. Isto seria representado por uma faixa reta que iria do canto inferior esquerdo (menor peso e menor altura) ao canto superior direito (maior peso e maior altura), que poderia ser denominada região principal.

Evidentemente, a região principal representaria uma regra geral. Disparidades como, por exemplo, um aluno magro e alto, assim como outro aluno gordo e baixo, existiriam, mas no gráfico estes estariam fora da região principal.

Este gráfico poderia ser feito por sexo, já que a relação peso ! altura deve ser diferente entre os sexos. Se considerássemos outras características como idade, cor da pele, do cabelo, dos olhos, etc., nossa estatística seria cada vez mais complexa, porém mais precisa.

Assim se faz com as estrelas. São estudos semelhantes a este que nos permitem conhecer cada vez melhor a física das estrelas. 6.5 Diagrama Temperatura versus Luminosidade ou HR No final da primeira década deste século, Ejnar Hertzsprung (Dinamarquês, 1873-1967) e Henry Norris Russel (Americano, 1877-1952), estudando a relação entre magnitude absoluta e tipo espectral das estrelas, propuseram, independentemente, um método poderoso de comparação de estrelas. É o Diagrama H-R (iniciais dos seus sobrenomes), que tem no eixo vertical a magnitude absoluta ou a luminosidade, e no eixo horizontal o tipo espectral ou a temperatura.

Quando se coloca nesse gráfico as estrelas observadas um acúmulo delas em regiões bem determinadas (Figura 6.9). A maioria das estrelas situam-se numa faixa, que vai do canto superior esquerdo ao canto inferior direito, chamada seqüência principal (SP). Temperatura, luminosidade, cor e tamanho variam ao longo da SP: na extremidade esquerda estão as estrelas mais quentes, mais luminosas, maiores e mais azuladas. Na extremidade direita, ao contrário, estão as estrelas mais frias, menos luminosas, menores e mais avermelhadas. O Sol fica pouco abaixo da parte intermediária. No canto superior direito desse diagrama ficam as supergigantes (SG), estrelas de maior tamanho, e pouco abaixo ficam as gigantes (G), de tamanho intermediário entre as estrelas da SP e as SG. SG e G são estrelas frias mas luminosas (devido ao seu tamanho). Próximo ao canto inferior esquerdo do diagrama HR ficam as anãs brancas (AB), estrelas pequenas, quentes e pouco luminosas.

Na classificação do Observatório de Yerkes, esses tipos de estrela são representados pelos algarismos romanos Ia (SG mais luminosas), Ib (SG menos luminosas), II (gigantes luminosas), III (gigantes normais), IV (subgigantes) e V (seqüência principal). A Figura 6.10 mostra o digrama HR com estrelas bem conhecidas.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 13

Figura 6.9 Ilustração do digrama HR. (Adaptado de M.Zeilik, p.315, fig. 14.17) 6.6 Como interpretar o diagrama HR? Como dissemos, este diagrama é uma ferramenta poderosa e não temos a intenção de explorar seu potencial neste momento, até porque voltaremos a utilizá-lo adiante. No entanto, podemos discutir alguns aspectos. 6.6.1 A distribuição das estrelas As estrelas nascem, evoluem e morrem. O diagrama HR é uma espécie de relatório com as características individuais típicas dos tipos estelares, considerando estrelas de diferentes idades. Trata-se, portanto, de um dispositivo que permite acompanhar o desenvolvimento de uma estrela desde o seu nascimento até sua morte.

A SP contém mais estrelas porque é nesta fase que a estrela passa a maior parte de sua vida. As fases seguintes (G, SG e AB) são bem mais curtas, por isso há menos representantes.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 14

6.6.2 Raio, massa e densidade

Na SP, as estrelas maiores estão na região das gigantes azuis e as menores na região das anãs vermelhas. Essa relação também vale para a massa: as massas maiores estão na extremidade esquerda e as massas menores estão na extremidade direita.

6.6..3 Relação Massa !! Luminosidade As observações indicam que as estrelas da SP apresentam uma relação entre massa e luminosidade. Essencialmente, a luminosidade é proporcional à massa elevada a 4ª potência, ou seja: L ! M4. Portanto, a luminosidade aumenta rapidamente com a massa. Estrelas da SP que estão acima do Sol são mais luminosas, e as que estão abaixo são menos luminosas. A luminosidade, que é a energia total emitida por uma estrela, é calculada a partir da Lei de Stefan-Boltzmann (veja eq. 6.8), ou seja: L [watt/m2K4]= 5,67"10-8 AT4 [6.9]

A densidade média é dada pela razão entre massa e volume. Dois corpos de mesma massa mas com volumes diferentes terão densidades diferentes. A densidade média do Sol é 1,4 g/cc (a da água é 1g/cc), mas a densidade de uma anã branca de mesma massa porém com raio 100 vezes menor é cerca de 1 milhão de vezes maior. Já uma gigante com raio 100 vezes maior que o do Sol terá densidade média 1 milhão de vezes menor que a do Sol.

As menores densidades médias estão no ramo das SG (canto superior direito) e as maiores no ramo da anãs brancas. Na SP, as maiores densidades médias estão na extremidade esquerda, e vice-versa. Figura 6.10 Diagrama HR com algumas das estrelas bem conhecidas. (Adaptado de Kaler, p.350, fig. 19.24)

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 15

onde A representa a área (lembre-se que a eq. 6.8 foi dada por unidade de área). Como as estrelas são praticamente esferas, a área é proporcional a R2, logo L ! R2 " T4 . 6.7 Paralaxe espectroscópica O diagrama HR é também um determinador de distância. O espectro de uma estrela revela seu tipo espectral. Com ele e o diagrama HR pode-se inferir a magnitude absoluta (M) da estrela. Pela observação determina-se a magnitude aparente (m) da estrela. Substituindo M e m na eq. [6.4], determina-se a distância d. Este método é denominado paralaxe espectroscópica. 6.8 Agrupamento estelar

Pela maneira como são formadas, as estrelas têm a tendência de se agruparem. Estrelas solitárias são minoria. Elas formam sistemas duplos, triplos, quádruplos, quíntuplos, e outros bem mais numerosos como os aglomerados. Todas as estrelas de uma aglomerado giram ao redor do centro de massa do sistema. Os agrupamentos fornecem aos astrônomos o meio necessário para se determinar massas e idades das estrelas, testar teorias de evolução estelar, além de estabelecer uma escala de distância do Universo. 6.8.1 Estrelas binárias

Um sistema com apenas duas estrelas é chamado sistema duplo, estrela binária ou simplesmente binária. William Herschel foi o primeiro astrônomo a relatar a existência de estrelas que se orbitavam sob atração gravitacional mútua. Atavés de métodos específicos é possível determinar as massas e os diâmetros das componentes. Binárias visuais São sistemas cujas componentes podem ser vistas individualmente5. Um exemplo é a binária Krüger 60, mostrada na Figura 6.11.

Como estão à mesma distância, a razão de brilho aparente representa a razão de luminosidade entre as componentes. A soma das massas pode ser obtida pela expressão abaixo, conhecida por 3ª lei de Kepler modificada por Newton :

(M1 + M2) P2 = A3 , [6.10]

onde: M1 e M2 são as massas das estrelas, em unidades de massa solar (M

⁄), P é o período

orbital em anos (determinado através de observação contínua), e A é a metade do eixo maior da órbita elíptica em UA (determinado através da separação angular das componentes e da distância do sistema). A observação do movimento orbital das componentes em relação ao

5 Duas estrelas visualmente próximas dão a impressão de serem binárias, mas na realidade elas podem estar a distâncias muito diferentes. Embora casos como este não representem sistemas binários verdadeiros, eles podem ser denominados binárias ópticas ou aparentes

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 16

centro de massa do sistema fornece a razão entre as massas. Portanto, tendo a soma das massas e a razão entre elas pode-se determinar as massas individualmente. Binárias astrométricas

Nestes sistemas, apenas a órbita ao redor do centro de massa da componente mais brilhante do sistema pode ser observada. Se a massa da componente visível puder ser estimada, por exemplo, através da luminosidade, então a massa da componente invisível poderá ser determinada.

Por ser muito brilhante, Sirius foi a primeira binária astrométrica a ser resolvida (em 1830). A componente mais brilhante foi denominada Sirius A, e sua companheira invisível Sirius B. A Figura 6.12 mostra uma imagem do sistema, e a Figura 6.13, o trajeto aparente de Sirius A.

Binárias espectroscópicas Neste caso nenhuma das componentes pode ser vista diretamente. A natureza binária só pode ser inferida através do deslocamento Doppler das linhas espectrais das componentes, daí o nome espectroscópica. O primeiro caso foi a estrela zeta da Ursa Maior (!UMa), descoberto em 1880. A Figura 6.14 ilustra o processo: quando uma das componentes apresenta velocidade

Figura 6.11 Imagens da binária visual Krüger 60 (canto superior esquerdo) tiradas em diferentes épocas. Karttunnen p.251, fig 10.1)

Figura 6.12 O sistema binário Sirius A (a maior) e B (a menor). (Observatório Lick)

Figura 6.13 Caminhos aparentes de Sirius A e sua companheira Sirius B. (H.Karttunen et al., p.253, fig 10.4)

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 17

Figura 6.14 (a) Esquema de um sistema binário com órbitas circulares, com as posições das estrelas em instantes diferentes. (b) Esquema dos desvios das linhas espectrais das estrelas, nos instantes considerados. (c) Curvas de velocidade radial resultantes dos espectros. (Adaptado de R.R.Robbins, p.330, fig.15-16)

radial de aproximação, a outra apresenta velocidade radial de recessão (casos 2 e 4), e vice-versa. Isto se manifesta através do deslocamento Doppler das linhas espectrais das componentes em sentidos opostos. O tempo decorrido entre os deslocamentos máximos (para o azul e para o vermelho) das linhas determina o período orbital do sistema. Como sabemos que a estrela de menor massa move-se mais rapidamente que a de maior massa, a razão entre as velocidades das componentes representa a razão inversa de suas massas. Binárias eclipsantes Dependendo da posição do plano orbital de uma binária, ocorre o eclipse das componentes (Figura 6.15). Fora do eclipse a luminosidade do sistema é máxima (casos 2 e 4). Quando a estrela mais luminosa é eclipsada, a luminosidade do sistema atinge o valor mais baixo. Quando a estrela menos luminosa é parcialmente encoberta pela sua companheira (caso 3), a luminosidade do sistema atinge um valor intermediário. O período orbital é o intervalo de tempo decorrido entre dois picos idênticos (casos 1 e 5, por exemplo). Estudando detalhadamente o perfil da curva de luz do sistema é possível inferir detalhes da órbita e os raios das componentes. 6.8.2 Aglomerados abertos Aglomerado é um termo que se usa para designar um sistema com uma dezena ou mais estrelas. As estrelas de um aglomerado seguem órbitas complexas ao redor do centro de massa do sistema, cada qual afetando a órbita das demais componentes.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 18

Os aglomerados abertos são sistemas dispersos contendo até algumas centanas de estrelas, encerradas em um volume de raio entre 1 e 10 pc. As características mais marcantes dos aglomerados abertos são a localização (eles estão confinados no plano galáctico 6) e a população de estrelas (População I 7). As Plêiades, também conhecidas como Sete Irmãs, na constelação do Touro, e a Caixa de Jóias8, na constelação da Cruz, são dois exemplos. 6.8.3 Associações OB São agrupamentos de estrelas de tipos espectrais O e B (grandes massas e temperaturas elevadas, canto superior esquerdo do diagrama HR), concentrados no plano galáctico. Por se tratarem de estrelas muito jovens, ainda próximas do local onde foram formadas, elas apresentam movimento expansivo, isto é, de fuga em relação ao centro do aglomerado. A desintegração dessas associações é apenas uma questão de tempo. A constelação de Órion é rica em estrelas O e B, praticamente uma imensa associação OB conhecida por Órion OB 1. 6.8.4 Aglomerados globulares Totalmente distintos dos aglomerados abertos, os aglomerados globulares possuem dezenas de milhares de estrelas, podendo chegar até um milhão delas, encerradas num volume de até 50 pc. A forma esférica típica desses aglomerados é um resultado natural da ação combinada da força gravitacional das estrelas. As estrelas são fortemente concentradas na região central do aglomerado. Os aglomerados globulares são compostos de estrelas de População II9 e estão fora do plano galáctico. Eles são muito brilhantes e podem ser observados a grandes distâncias, por isso são utilizados como indicadores de distância. Ômega Cen10 é um exemplo magnífico.

6 plano básico da Via Láctea (estudada adiante). 7 estrelas mais jovens e com composição química mais rica em elementos pesados (estudadas adiante). 8 bem ao lado da beta Cru, que é a estrela do braço esquerdo da Cruz. Em local de céu transparente é possível enxergar esse aglomerado a olho nu. 9 Estrelas velhas e com composição química empobrecida de elementos pesados (estudadas adiante). 10 Visível a olho desarmado, ele forma um triângulo com as estrelas beta Cru (a do braço esquerdo da Cruz) e beta Cen (à esquerda do braço da Cruz há duas estrelas brilhantes: beta Cen é a mais próxima da Cruz). A base desse triângulo é a distância aparente entre beta Cru e beta Cen. A altura (na direção norte) é ligeiramente maior que a base.

Figura 6.15 (Adaptado de R.R.Robbins, p.332, fig.15-18)

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 19

Referências M. Zeilik, Astronomy: The Evolving Universy, John Wiley & Sons, Inc. (1997)

INT R ODU ÇÃO À AS T R ONOMIA AGA-210

6. E s t relas I I I . Nas cimento e E volução

até a S eqüência P r incipal

Ao s ul da T r ês Mar ias , a Nebulos a de Ór ion é um magní f ico ex empl ar de ber çár io es telar .

(NAS A)

IAG/U S P E NOS P ICAZ Z IO

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 21

6. Est relas

I I I . Nascimento e Evolução até a Seqüência Pr incipal

Como e onde nascem as estrelas? De que são formadas? Por que brilham? Vivem

eternamente? Embora este assunto seja amplo estas perguntas encerram um conteúdo suficiente para atingirmos o nosso objetivo. 6.9 De que são formadas as estrelas? Como sabemos, o elemento básico da matéria é o átomo. São conhecidos 103 elementos químicos (átomos): o de menor massa atômica e também de estrutura mais simples é o hidrogênio (H); o de maior massa atômica e de estrutura mais complexa é o Laurêncio (Lr). Os demais elementos químicos, dispostos em ordem crescente de massa, estão classificados na Tabela Periódica.

Por ser o elemento químico mais simples, o H é o mais abundante no Universo. Em número, o hidrogênio representa cerca de 90% da amostragem de elementos químicos do Universo. Mais representativa é a amostragem por massa: cerca de 75% é de hidrogênio. Depois deste, o elemento químico mais abundante é o Hélio (He); cerca de 23%. Todos os demais elementos químicos contribuem com cerca de 2%. Evidentemente, quanto mais complexa for a estrutura do átomo, maior será a sua massa e menor a sua abundância. Essa predominância do H é que explica riqueza dos espectros estelares em linhas de hidrogênio.

Quando dois ou mais átomos se agrupam eles dão origem às moléculas. A complexidade das moléculas está diretamente relacionada com a quantidade de átomos que ela agrega. Os gases são formados de moléculas. O sólido é um estado da matéria onde os elementos constituintes estão agrupados numa rede espacial definida e característica. No espaço entre as estrelas (espaço interestelar), o sólido se apresenta em forma de grãos com algumas dezenas de microns, recobertos por gases congelados e imersos em ambiente gasoso de baixíssima densidade.

Átomos, gás e poeira são os constituintes básicos do material que preenche o espaço interestelar, que se apresenta na forma nuvens difusas, extremamente rarefeitas11 e com dimensões gigantescas (cerca de 50 AL). A massa típica das nuvens interestelares difusas é da ordem de 400 M⁄ (massas do solares). A temperatura local é menor que 100 K (-173o C).

As estrelas são formadas desse material, porém em locais onde a densidade de matéria é bem maior: nas nuvens moleculares gigantes. Ricas em grãos, a densidade nessas nuvens é cerca de 106 átomos/cc e a temperatura entre 10 K e 30 K. Os braços da Galáxia são os locais mais propícios para a formação estelar. A Nebulosa de Órion, ao sul das Três Marias, é um belíssimo exemplo de berçário estelar (figura da capa). 6.10 Do nascimento à Seqüência Principal

O equilíbrio de uma nuvem molecular densa depende da relação entre as pressões

interna (controlada pela temperatura local e campo magnético) e externa (controlada pela força gravitacional). A massa elevada e a densidade relativamente alta produzem uma força 11 Cerca de 10 átomos/cc. Ao nível do mar, o ar tem cerca de 1019 átomos / cc!

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 22

gravitacional que tende a contrair a nuvem. A pressão interna da nuvem é o agente que pode ou não impedir essa contração. Como a temperatura ambiente é baixa, a pressão interna é pequena e, em dado momento, a nuvem pode perder a auto-sustentação e entrar em colapso. De início, o movimento de contração é lento, mas aumenta gradativamente à medida em que a nuvem se contrai.

No início dos anos 1900, o astrofísico britânico Sir James Jeans, baseado nesse mecanismo de contração, derivou uma equação simples que mostra que uma nuvem com cerca de 1.000 M⁄ e temperatura de 50 K entra espontaneamente em colapso se ela estiver encerada em um volume com 2 pc (6,52 AL) de raio. Este limite ficou conhecido como massa de Jeans. Como esta massa é muito maior que a massa de uma estrela, conclui-se que dessa contração vão nascer muitas estrelas. As estrelas nascem de concentrações de matéria dentro da nuvem, uma espécie de “glóbulos” com densidade maior que a densidade média da nuvem (figura 6.16A). A contração pela gravidade é um processo progressivo: quanto maior a densidade do “glóbulo”, maior é autogravitação que, por sua vez, promove maior contração, que aumenta a densidade, que intensifica a auto-gravitação, que promove maior contração, etc. Uma vez iniciado, esse processo é irreversível e finaliza na formação de um embrião de estrela, denominado proto-estrela. A contração da nuvem só cede quando a pressão interna suporta a compressão. Uma das leis básicas da Física é a da conservação da energia: em um processo qualquer, a energia não se perde. Ela pode ser transformada em outras espécies, mas a energia total do sistema se conserva. Durante a contração do “glóbulo”, a energia potencial gravitacional se transforma basicamente em energia térmica e cinética. Quanto mais a nuvem se contrai, mais ela se aquece e mais rapidamente ela gira. A densidade de massa aumenta em direção ao centro, portanto a temperatura e a pressão nas regiões centrais são cada vez maiores. O calor flui do centro quente para a superfície fria e, posteriormente, para o espaço. A proto-estrela brilha como um corpo de cor vermelho profundo. A maior parte da energia, no entanto, é irradiada no infravermelho (fora do espectro visível).

Nessa fase, embora sua temperatura superficial seja baixa, sua luminosidade é elevada pois seu raio é muito grande. Durante a contração a luminosidade decresce (porque o raio diminui) muito e sua temperatura aumenta ligeiramente. No centro da proto-estrela, a temperatura e a densidade crescem mais rapidamente. A variação de tamanho, luminosidade e temperatura da proto-estrela pode ser melhor visualizada no Diagrama HR.

Na figura 6.16B vê-se o trajeto12 evolutivo de uma proto-estrela com uma massa solar. De início, a proto-estrela é imensa, brilhante, com baixa temperatura superficial e cor avermelhada. Gradativamente ela se contrai, sua luminosidade diminui, sua temperatura aumenta e sua cor se torna mais clara (do vermelho profundo ao amarelo). No Diagrama HR, esse comportamento se manifesta através de uma trajetória quase vertical.

No centro da proto-estrela, densidade, temperatura e pressão vão aumentando muito. Quando a temperatura central atingir cerca de 10.000 K, os átomos de H tornam-se ionizados (perdem o único elétron que possuem); posteriormente também os átomos de He tornam-se ionizados (perdem seus dois elétrons). Com a contração, os núcleos de H vão sendo comprimidos uns contra os outros, as colisões mútuas se intensificam e a temperatura aumenta ainda mais. No momento em que a temperatura central ultrapassar 10 milhões K, as colisões atômicas tornam-se tão violentas que os núcleos de H (prótons) fundem-se: é o início da fusão nuclear. Neste momento, a proto-estrela torna-se uma estrela verdadeira e entra na fase duradoura da Seqüência Principal (SP). Aqui a estrela passará a maior parte de sua vida.

12 Trajeto evolutivo de uma estrela no Diagrama HR nada tem a ver com o movimento da estrela no espaço.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 23

Para uma estrela com 1 M⁄ a evolução “pré -Seqüência Principal” dura cerca de 30 milhões de anos. Quanto maior a massa inicial da proto-estrela, mais rápido ela chega à SP (Tabela 6.3).

Tabela 6.3 Escala de tempo da evolução pré-Seqüência Principal. (Adaptado de R.R.Robbins, p.373) 6.11 Produção de energia de uma estrela da Seqüência Principal A origem da energia irradiada pelo Sol foi um mistério por longo tempo. Cálculos mostravam que a conversão de energia gravitacional em calor era insuficiente para manter o Sol brilhando durante 4,6 bilhões de anos, que é a sua idade.

Baseado no fato de que o Sol é composto basicamente de elementos leves, Sir Arthur Eddington propôs, no início da década de 20, que a fusão nuclear poderia ser a fonte da energia solar. Somente na década de 30 é que o problema da fusão nuclear foi esclarecido em

Massa (M⁄⁄ ) Tipo espectral Tempo (anos) para chegar à SP 30 O6 30.000 10 B3 300.000 4 B8 1.000.000 2 A4 8.000.000 1 G2 30.000.000

0.5 K8 100.000.000 0.2 M5 1.000.000.000

Figura 6.16 (A) Perdendo a sustentação a nuvem entra em colapso e vários glóbulos podem se formar. (B) Mudanças na luminosidade e na temperatura de uma proto-estrela em contração com massa igual à do Sol. Para comparação são mostrados os casos para estrelas de maior e menor massa. (Adaptado de Chaisson & McMillan, fig. 19.7, pág 431).

A

A

B

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 24

detalhes, de início com os trabalhos de George Gamov, posteriormente, com o refinamento teórico de Hans Bethe13 e Carl Friedrich von Weizsäker.

A produção do elemento hélio (He) a partir da fusão de prótons ficou conhecida por cadeia próton-próton (Figura 6.17). Simbolicamente, essa cadeia é escrita, passo a passo, da seguinte forma:

1H + 1H ! 2H + e+ + ";

onde: 2H é o núcleo do deutério (composto de um próton e um nêutron14), e+ é o pósitron (um elétron com carga positiva) e " é o neutrino15. O deutério, ao colidir com um próton produz um fóton de alta energia, raio gama, e um isótopo do hélio, que tem 2 prótons e 1 nêutron, ou seja:

2H + 1H ! 3H + #.

Finalmente, da colisão entre dois 3H, resultará um núcleo de hélio e dois prótons:

3H + 3H ! 4H + 21H.

Dos 6 prótons envolvidos na reação, apenas 4 se fundiram para formar 1 núcleo de hélio. Cerca de 9% das reações de fusão resultam na formação do 7Li , 7Be e 8Be.

Mas de onde vem a energia liberada nessa reação? Comparando as massas de 4 núcleos de hidrogênio com a massa de um núcleo de hélio vê-se uma discrepância:

6,69008 $ 10-24 g - 6,64258 $ 10-24 g = 0,0475 $ 10-24 g ;

o 1o. termo da esquerda representa a massa de 4 átomos de H e o 2o., a massa do He. Portanto a diferença em massa é de 0,7%16. O que aconteceu com essa massa perdida? A resposta está na Teoria Especial da Relatividade de Albert Einstein. Segundo essa teoria, matéria e energia são duas manifestações distintas de uma coisa única, ou seja, uma se converte na outra através da famosa expressão: E = mc2 ; [energia = massa ! (velocidade da luz)2]. [6.11] Como c2 é um número muito grande (9 ! 1020 cm2/s2), mesmo uma massa tão diminuta como a massa perdida acaba gerando uma quantidade enorme de energia, capaz de manter o Sol brilhando na mesma taxa que a atual por um período equivalente à sua idade.

Em estrelas de massa maior que a solar o processo dominante é o ciclo carbono-nitrogênio-oxigênio (ou CNO): 13 Ganhador do prêmio Nobel de Física de 1967. 14 Próton e nêutron têm massas iguais, mas só o próton tem carga elétrica. 15 Partícula elementar do grupo dos léptons, encontrada na natureza em três formas associadas respectivamente aos elétrons, múons e taus, que se caracterizam por ausência de carga e pelo spin 1/2 .As evidências experimentais indicam que sua massa de repouso é nula mas não está totalmente descartada a possibilidade de uma massa de repouso não nula. A discussão sobre a massa do neutrino é uma das mais empolgantes da astronomia moderna. Este assunto voltará a ser discutido adiante. 16 (0,0475 ! 10-24 / 6,69008 ! 10-24 ) = 0,007 = 0,7%

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 25

12C + 1H ! 13N + " 13N ! 13C + e++ #

13C + 1H ! 14N + " 14N + 1H ! 15O + "

15O ! 15N + e+ + # 15N + 1H ! 12C + 4He.

Por serem instáveis os isótopos 13N e 15O decaem, respectivamente, nos elementos 13C e 15N, também isótopos17. Note que o carbono-12 age como catalizador, isto é, participa da reação mas permanece imutável. 6.12 Tempo de vida de uma estrela Quem brilha mais forte, vive menos. Simplificadamente, poderíamos expressar assim a longevidade de uma estrela. Como vimos, quanto maior a massa da estrela maior é a quantidade de hidrogênio disponível para fusão; portanto, deve viver mais tempo. De outro lado, quanto maior a luminosidade (energia emitida por unidade de tempo), mais curto é o tempo de vida da estrela. Desta forma, o tempo de vida de uma estrela pode ser estimado através da razão entre esses dois parâmetros:

LMt ! . [6.12]

17 Os elementos químicos estáveis são: 12C, 14N e 16O.

Figura 6.17 Cadeia proton-proton: produção do hélio a partir da fusão do hidrogênio; pósitron é um elétron com carga elétrica positiva, neutrino é uma partícula elementar sem massa e sem carga elétrica, e raio gama é um fóton de altíssima energia.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6 - 26

Através de estudos estatísticos de estrelas da SP verifica-se a existência de uma relação entre massa e luminosidade, mais precisamente: 4ML ! . [6.13]

Relacionando as duas proporcionalidades acima temos:

34

1MM

MLM

t ==! ; [6.14]

ou seja, quanto maior a massa da estrela, maior é a luminosidade e menor o tempo de vida. A tabela abaixo dá as estimativas teóricas dos tempos de vida de estrelas de diferentes massas.

Massa (M⁄⁄

) Tempo de vida na SP (anos) 60 2 milhões 30 5 milhões 10 25 milhões 3 350 milhões

1,5 1,6 bilhão 1 (Sol) 9 bilhões

0,1 trilhões

Tabela 6.3 Tempos de vida para estrelas da Seqüência Principal Referência Chaisson, E. and McMillan, S., Astronomy Today, Prentice Hall, 1999.

INT R ODU ÇÃO À AS T R ONOMIA

AGA-210

6. E s t relas IV. S ol

U ma es t rela da S eqüência P r incipal

(SOHO)

S e a r adiância de mi l s ói s

Des pontas s e no céu E s s e s er ia

O es plendor do T odo-Poder os o B hagavad-Gi ta

IAG/U S P

E NOS P ICAZ Z IO

6-28

6. Est relas

I V. Sol: uma est rela da Seqüência Pr incipal Por estarmos próximos a ele, o Sol se apresenta como um laboratório natural onde pesquisamos a vida das estrelas. Essa proximidade nos permite observar com grande definição suas partes externas. Através de métodos indiretos podemos estudar ainda o seu interior. Testando sistematicamente os modelos teóricos de estruturas interna e externa com os dados observacionais podemos refinar a teoria da estrutura estelar. Evidentemente o modelo solar não se aplica diretamente às estrelas diferentes do Sol, mas ele serve de base para o desenvolvimento de uma teoria mais ampla. 6.13 Propriedades físicas Na tabela abaixo tem-se os parâmetros físicos solares mais importantes. A massa é determinada a partir do movimento dos planetas, com a ajuda da teoria gravitacional de Newton. O diâmetro angular aparente pode ser estimado por observação17. Com ele e a distância média do Sol (1 UA = 149.603.500 km), podemos determinar seu diâmetro linear e, consequentemente, seu volume. A densidade média é obtida dividindo-se sua massa pelo seu volume. A luminosidade é calculada a partir da estimativa da energia solar incidente no topo da atmosfera terrestre e da sua distância18. A gravidade e a velocidade de escape na fotosfera (considerada sua “superfície”) são calculadas por teoria, e a rotação solar através da movimentação aparente das manchas solares. Sendo uma esfera gasosa, o Sol não gira como um corpo rígido: a velocidade de rotação diminui com o aumento da latitude. Este efeito, também observado nos planetas gasosos, é denominado rotação diferencial. A temperatura superficial é estimada ajustando-se a lei de Planck à distribuição de energia espectral solar.

Massa

1,99!1030 kg

332.943 (Terra=1)

Diâmetro equatorial Diâmetro aparente médio

1.391.980 km 30 min. de arco

109,3 (Terra=1)

Densidade média Gravidade na superfície Velocidade de escape

1.410 kg/m3

274 m/s2

618 km/s

0,255 (Terra=1) 28 (Terra=1) 56 (Terra=1)

Luminosidade 3,9!1026 W Temperatura superficial 5.780 K Período de rotação sideral 25,4 dias solares

25,1 no equador 34,4 nos pólos

Inclinação do eixo de rotação 7,25o (relativo à eclíptica)

Tabela 6.4 Propriedades do Sol 17 a determinação precisa do diâmetro solar é uma tarefa difícil que leva em conta aspectos teóricos, inclusive a oscilação solar. 18 ver detalhes adiante.

6-29

6.14 Estrutura geral Grosso modo, o Sol pode ser dividido em interior, superfície e atmosfera. As características principais do modelo solar padrão são apresentadas na Tabela 6.4. 6.14.1 Interior solar A região central, denominada núcleo, ocupa aproximadamente os primeiros 200.000 km de raio. Nela ocorrem as reações de fusão nuclear que produzem a energia solar. A maior parte da da massa do Sol está encerrada no núcleo, por isso a pressão e a temperatura locais são elevadíssimas. Essa elevada concentração de massa faz com que a energia gerada nas reações nucleares leve cerca de 1 milhão de anos para chegar até a superfície solar. Portanto, o calor que recebemos aqui na Terra foi gerado há muito tempo.

Acima do núcleo a densidade de matéria cai rapidamente, a temperatura também mas de forma menos acentuada. Na região delimitada pelos primeiros 300.000 km acima do núcleo a energia é transportada através de radiação eletromagnética que permeia a matéria, isto é, os fótons são absorvidos e reemitidos quase que instantaneamente, num processo contínuo. Embora a direção do fotons reemitidos seja aleatória, aos poucos esses fótons vão subindo para camadas mais elevadas que estão mais frias. Por essa razão, essa região é denominada radiativa.

Acima da região radiativa o transporte de energia é feito pela matéria, através da convecção. Células aquecidas pela absorção do calor dilatam-se fazendo a densidade diminuir; com isso elas se tornam “mais leves” e bóiam em direção à superfície. Numa certa parte do trajeto essas células perdem calor, resfriam-se, a densidade aumenta e elas afundam em direção às regiões mais quentes, quando então todo o processo recomeça. O tamanho das células convectivas depende da profundidade: as mais profundas têm cerca de algumas dezenas de milhares de quilômetros de diâmetro, já as mais superficiais têm apenas cerca de 1.000 km.

Entre a calma zona radiativa e a agitada zona convectiva há uma região de transição. Observações hélio-sismológicas sugerem que o campo magnético solar é gerado nessa região por um dínamo magnético. Mudanças de velocidade do fluído dessa camada podem provocar o estiramento das linhas de força do campo magnético tornando-o mais intenso. Há ainda indícios de que a composição química varia ao longo da camada.

Região

Raio interno

(km)

Temperatura

(K)

Densidade

(kg/m3)

Propriedades

Núcleo 0 15.000.000 150.000 Energia gerada por fusão nuclear Zona radiativa 200.000 7.000.000 15.000 Energia transportada por radiação

eletromagnética Zona convectiva 500.000 2.000.000 150 Energia transportada por convecção Fotosfera 696.000 5.800 2!10-4 Superfície: a parte que enxergamos Cromosfera 696.500 4.500 5!10-6 Baixa atmosfera, fria e avermelhada Zona de transição 698.000 8.000 2!10-10 Região de aumento rápido de temperatura Coroa 706.000 1.000.000 10-12 Alta atmosfera, quente, visível nos eclipses

Tabela 6.5 Modelo solar padrão (Adaptado de Chaisson & McMillan, 1999, p.355, Tabela 16.1)

6-30

6.14.2 Superfície

Fotosfera, palavra de origem grega que significa esfera de luz, é o disco visível do Sol19 abaixo do qual nada enxergamos. Considerada a superfície solar, ela tem cerca de 500 km de espessura, temperatura aproximada de 5.800 K, e é muito rarefeita. Uma maneira simples de se ver a fotosfera é através da imagem refletida por um pequeno espelho20.

Há três fenômenos característicos da fotosfera. O primeiro é o obscurecimento do limbo solar, visto na imagem da Figura 6.18. Na luz branca o brilho é máximo no centro do disco solar, caindo para cerca de 20% nos bordos. A explicação é a seguinte: o disco solar aparente que nos parece plano é, na realidade, a projeção de uma superfície esférica. Quando se olha para o centro do disco vê-se as camadas mais profundas e aquecidas da fotosfera. À medida em que se olha para os bordos vê-se as camadas mais superficiais que são mais frias, por isso brilham menos.

O segundo fenômeno são as manchas solares. Tratam-se de regiões mais frias, por isso mais escuras, que giram com o mesmo período da rotação solar. As manchas estão associadas a fortíssimos campos magnéticos (Figura 6.18). Adiante voltaremos a discutir este assunto com mais detalhes.

O terceiro fenômeno é a textura granulada, vista em imagens de alta resolução obtidas acima da atmosfera terrestre (Figura 6.19). Cada granulação representa uma célula convectiva, com diâmetro médio de 700 km e tempo de vida de cerca de 10 a 20 minutos. O centro é mais brilhante porque é o topo da coluna ascendente de gás aquecido; já os bordos das células são mais escuros porque é por aí que o gás frio desce novamente para as camadas mais profundas. A velocidade de convecção é da ordem de 7 km/s.

19 JAMAIS olhe para o Sol sem a proteção adequada de um filtro solar; os danos poderão ser irreversíveis. 20 Por exemplo: faça um furo de cerca de 1 cm de diâmetro em um papel e cubra um espelho com ele. Tudo se passa como se você tivesse um espelhinho com apenas 1 cm de diâmetro. Com esse espelho apontado para o Sol faça a imagem solar ser refletida sobre um anteparo de cor branca a uma distância aproximada de 5 a 10 m. Repare que próximo ao limbo o disco é menos brilhante. Se tiver sorte poderá ver algumas manchas.

Figura 6.18 Foto mostrando o obscurecimento do limbo solar e algumas manchas (Marshall Space Flight Center)

Figura 6.19 Imagem de alta resolução mostrando detalhes da mancha e a granulação da fotosfera (NASA)

6-31

O quarto fenômeno é o espectro. Quando a luz atravessa a camadas mais frias parte dela

é absorvida pelos elementos químicos ali presentes. Essa absorção ocorre em comprimentos de onda determinados, e se manifestam no espectro através de linhas escuras que entrecortam o contínuo. São as linhas de absorsão, regiões onde a intensidade de luz é menor que a das vizinhanças. Decompondo a luz solar com um prisma no início do século 19, o físico alemão Joseph Fraunhofer catalogou essas linhas escuras. Em reconhecimento ao trabalho pioneiro de Fraunhofer as linhas de absorção foram denominadas linhas de Fraunhofer.

Essas linhas indicam a presença de uma camada de gás mais frio que envolve a fotosfera. A relação direta entre espécies atômicas e linhas de absorção permite investigar a composição química do Sol, além de densidade, pressão, temperatura, movimentos radiais (através do efeito Doppler das linhas) e campos magnéticos (através do desdobramento Zeeman das linhas).

Elemento

Abundância em percentagem Sobre o número total de átomos Sobre a massa total Hydrogênio 91,2 71,0 Hélio 8,7 27,1 Oxigênio 0,078 0,97 Carbono 0,043 0,40 Nitrogênio 0,0088 0,096 Silício 0,0045 0,099 Magnésio 0,0038 0,076 Neônio 0,0035 0,058 Ferro 0,0030 0,14 Enxofre 0,0015 0.040

Tabela 6.6 Composição química solar (Chaisson & McMillan, 1999, p.361, Tabela 16.2)

6.14.3 Atmosfera solar A atmosfera solar é formada or duas partes: cromosfera, a baixa atmosfera, e coroa , a

alta atmosfera.

Cromosfera

Cromosfera é uma palavra de origem grega que significa esfera colorida. Essa fina camada atmosférica de cor avermelhada está situada bem acima da fotosfera. Ela é facilmente visível durante os eclipses solares totais, bem no início e bem no fim da totalidade21. Sua cor avermelhada é devida à emissão pelo átomo de hidrogênio na primeira linha da série de Balmer, H! (linha 6563 Å da Figura 6.3). Sua espessura aproximada é de 2.000 km, e a temperatura cresce com a altura até atingir cerca de 25.000 K. O processo responsável pelo

21 É o período de escuridão, quando o disco solar fica completamente coberto (eclipsado) pelo disco lunar. Antes da totalidade o brilho solar diminui gradativamente; após a totalidade ocorre o inverso. O eclipse acaba quando o disco solar volta a ser totalmente visível.

6-32

aquecimento é a dissipação de energia de ondas de natureza magnética. Como a densidade de matéria da cromosfera decai com a altura e varia entre cerca de um mil a um milhão de vezes menor que a da fotosfera (ver Tabela 6.5) ela se torna transparente na luz branca. No entanto, se observada através de algumas linhas espectrais como o H! (no vermelho) e as linhas H (3933 Å) e K (3968 Å) do CaII22 (ambas no ultravioleta) a cromosfera é bem brilhante, e apresenta estruturas altamente complexas e magnetizadas, lembrando a estrutura granulada da fotosfera (Figura 6.20). Esse mosaico de células cromosféricas é denominado supergranulação, porque elas têm tamanho médio de 30.000 km e tempo de vida da ordem de meio dia, valores bem maiores que os típicos das células fotosféricas. O gás aquecido ascende pelo centro da supergranulação, flui horizontalmente para os bordos da célula e imerge novamente. As supergranulações oscilam coerentemente como um todo com período de aproximadamente 5 minutos. Os bordos das supergranulações são contornados por estruturas finas, alongadas, escuras e quase verticais denominadas espículos; com dimensões médias de 700 km de diâmetro e 7.000 km de altura. Por eles matéria ascendente e descendente fluem com velocidade aproximada de até 100 km/s Zona de Transição

A transição entre cromosfera e coroa ocorre numa região com cerca de 10.000 km de espessura. Nela a temperatura salta de 25.000 K para mais de 1 milhão K. Como a temperatura é elevada essa região pode ser observada através de linhas de emissão no ultravioleta. 22 CaII é o cálcio uma vez ionizado, isto é, que perdeu um elétron. CaI é o átomo do cálcio com todos os seus elétrons. A quantidade de elétrons perdidos é “algarismo romano menos um”.

Figura 6.20 Imagem em H! mostrando a supergranulação cromosférica. Os espículos, distribuem-se nos contornos das células quase que verticalmente. (HAO)

6-33

Coroa Embora a espessura observada da coroa possa chegar a vários raios solares pode-se dizer que ela extende-se pelo meio interplanetário. Na luz branca ela brilha tanto quanto a Lua Cheia. No entanto, como esse brilho é cerca de 1 milhão de vezes mais fraco que o brilho fotosférico, a coroa só pode ser vista durante a totalidade de um eclipse solar total ou através de instrumentos específicos. Devido à sua natureza dinâmica a aparência da coroa muda com o tempo, variando entre circular e alongada (discutiremos isto adiante). Sua característica mais marcante é sem dúvida a temperatura elevada e quase constante. Nessa temperatura os átomos alí presentes perdem elétrons e tornam-se ionizados, isto é, ficam com excesso de carga elétrica positiva. O próton é o constituinte majoritário da coroa, já que o átomo de hidrogênio perdeu seu único elétron. O ferro, por exemplo, pode perder até 13 dos seus 26 elétrons. Segundo a Termodinâmica, o calor flui da região quente para a região fria. Assim é aquecida a fotosfera: o interior solar é mais quente que a superfície. Então, se a coroa é bem quente que a fotosfera é porque deve haver um mecanismo de aquecimento de outra natureza. Dentre os vários possíveis, o mais eficiente é a conversão de corrente elétrica em calor(como num aquecedor). Quanto mais energético for o processo, mais calor será dissipado no meio. Dados do satelite SOHO revelam milhares de pequenos arcos apoiados em dipólos magnéticos23 da fotosfera que se estendem até a coroa. O conjunto deles forma uma espécie de “carpete magnético”. Quando esses arcos interagem por decorrência da movimentação do plasma ocorre a dissipação de calor.

A estrutura coronal dependente do grau de atividade solar: (a) na fase de mínimo o número de manchas é mínimo e a coroa é alongada na direção do equador solar; (b) na fase de máxima atividade, quando o número de manchas é máximo, a coroa adquire um forma mais circular (Fig. 6.21). A observação da coroa não é feita apenas durante um eclipse solar, mas também através de um instrumento chamado coronógrafo: trata-se de um telescópio com um anteparo posicionado no plano focal que bloqueia a imagem do disco solar, simulando um eclipse. Em solo as imagens obtidas não são tão boas quanto aquela obtidas durante um eclipse, mas em plataformas espaciais as imagens produzidas por esses instrumentos são excelentes, melhores que as obtidas em solo.

Podemos distinguir três componentes da luz coronal, ou três coroas: K, E e F. A coroa K é vista na luz branca. É a coroa que vemos a olho nu durante um eclipse solar total. Essa luz provém da fotosfera e é refletida pelos elétrons livres da coroa. Portanto, o brilho da coroa K está diretamente relacionado com a quantidade de elétrons ali presentes. Como a distribuição espacial dos elétrons segue a distribuição espacial do campo magnético, a distribuição de brilho da coroa K revela a estrutura do campo magnético coronal.

A luz da coroa E é emitida em linhas espectrais (regiões estreitas do espectro eletromagnético) por átomos altamente ionizados como o FeX (Fig. 6.23), CaXV e FeXIV. Ela também pode ser observada em ondas de rádio, com comprimentos maiores que 1 m, e em raios X, entre 3 Å e 60 Å (Fig. 6.22). As partes brilhantes representam regiões onde a densidade de íons e a temperatura são maiores. O plasma aquecido fica confinado dentro de estruturas magnéticas tridimensionais fechadas. As partes escuras representam regiões com

23 uma barra imantada com seus dois pólos, norte e sul, é um exemplo de dipólo magnético.

6-34

com densidade e temperatura menores. Nelas as estruturas magnéticas são abertas. Por consequência, o plasma coronal escoa para o espaço interplanetário na forma de vento solar. Essas regiões escuras são denominadas buracos coronais.

A distribuição de brilho da coroa E revela a distribuição espacial dos íons responsáveis pela luz emitida. Como existem infinitas linhas de emissão, a coroa E muda de aparência conforme o comprimento de onda.

Observações do plano da eclíptica revelam a existência de partículas de poeira (grãos com dimensões micrométricas ou maiores) provenientes da fragmentação de asteróides ou da atividade dos cometas. Uma parcela desses grãos acumulam-se nas proximidades do Sol, refletem a luz fotosférica e formam uma espécie de coroa ao redor do Sol. Esta é a coroa F.

O brilho da coroa F é proporcional à quantidade de grãos, mas diminui rapidamente para distâncias menores que cerca de 4 raios solares do Sol. A razão é o aquecimento: quanto mais o grão se aproximar do Sol, maior será a sua temperatura. Abaixo de 4 raios solares os grãos são vaporizados. A presença das linhas de Fraunhofer no espectro da coroa F revela que se trata de luz fotosférica refletida.

6.15 Vento Solar

Radiação eletromagnética e partículas de altas velocidades escapam do Sol continuamente. Esse fluxo de partículas é constituído majoritariamente de elétrons e prótons (em quantidades iguais) e núcleos de hélio (ou partículas !; 3 a 4% dos elétrons).

A luz solar atinge a Terra cerca de 8 minutos após abandonar a fotosfera. As partículas do vento solar movem-se mais lentamente e atingem a Terra horas ou dias depois, com velocidades entre 500 e 700 km/s. O tempo de chegada assim como a velocidade depende da massa: partícula de massa pequena move-se com maior velocidade e demora menos tempo para chegar à Terra.

Figura 6.21 A coroa solar quando o número de manchas é próximo à fase de mínimo (esquerda) e de máximo

(direita). (HAO)

6-35

O vento solar deve se propagar por todo o Sistema Solar até o espaço interestelar.

Embora o vento solar carregue cerca de 1 milhão de toneladas de matéria solar a cada segundo, menos que 0,1% da massa solar foi perdida desde o nascimento do Sol, há 4,6 bilhões de anos. Uma propriedade do vento solar é sua capacidade de congelar o campo magnético e arrastá-lo consigo enquanto se expande. Como o Sol gira enquanto o vento escapa, a configuração espacial do vento acaba sendo a de uma espiral de Arquimedes. O vento solar interage fortemente com os planetas que possuem campos magnéticos como a Terra. Outro exemplo de forte interação do vento solar com matéria ionizada são as caudas ionizadas, ou Tipo I, de cometas (Figura 5.56). 6.16 Atividade Solar A maior parte da luminosidade solar provém da emissão contínua da fotosfera do Sol calmo. No entanto, a radiação e o fluxo de partículas solares variam ao longo do tempo de acordo com a atividade solar. Esse aspecto contribui pouco para a luminosidade total do Sol, assim como afeta pouco a sua evolução com uma estrela. Mas afeta significativamente a região interplanetária. 6.16.1 As manchas solares e o ciclo de 11 anos Há uma correlação direta entre a quantidade de manchas e a atividade solar. Galileu foi pioneiro no estudo detalhado das manchas. As manchas solares são regiões escuras, com cerca de 10.000 km24, ancoradas na fotosfera (Figura 6.24). A parte central, umbra, é mais escura e a temperatura é da ordem de 4.500 K. A penumbra, que circunda a umbra, é mais clara e tem temperatura média de 5.500 K; nas imagens de alta resolução notam-se detalhes

24 Diâmetro da Terra = 12.756 km. As manchas podem atingir 30.000 km.

Figura 6.22 Imagem em raios X da coroa solar. Quanto maior o brilho, maior a temperatura. As zonas escuras são os buracos coronais (YOHKOH)

Figura 6.23 Coroa na linha de emissão do FeX. (SOHO)

6-36

da fotosfera revelando que a penumbra é mais rarefeita. As manchas quentes nos parecem escuras porque são vistas contra a fotosfera que é ainda mais quente.

Assim que surge, a mancha solar é pequena. Com o tempo ela cresce, fragmenta-se e desaparece em questão de dias; em alguns casos pode atingir até 100 dias. Elas podem aparecer também em grupos. Uma das características mais marcantes das manchas é a presença de campos magnéticos fortíssimos, cerca de 50 mil vezes mais intensos que o dos pólos magnéticos terrestres. Como o campo magnético é bipolar, as manchas têm polaridades opostas: umas têm polaridade norte enquanto suas vizinhas têm polaridade sul. Esse campo magnético inibe os movimentos convectivos. E como se a mancha agisse como um plugue bloqueando o fluxo de calor interno. Perto da superfície da mancha as ondas sonoras movem-se mais lentamente que na superfície de Sol, um indicativo de que a temperatura é mais baixa na superfície da mancha. Nas partes mais profundas as manchas são mais quentes que seus arredores.

A variabilidade cíclica do número de manchas já é conhecida desde meados do século 19. Em média a periodicidade do ciclo é 11,2 anos, começando com um número mínimo de manchas (Figura 6.25) nas latitudes entre 30 e 35o. Aos poucos, a quantidade de manchas aumenta porém cada vez mais próximas do equador solar. Após atingir o máximo, o ciclo delas se repete. Postas em um gráfico, a distribuição das manchas no ciclo lemnbra a forma de uma borboleta, por isso esse diagrama ficou sendo conhecido como diagrama da borboleta. Entre 1645 e 1715 o número de manchas ficou bem abaixo do normal. Essa anomalia ficou conhecida como mínimo de Maunder, e é uma das três anomalias que ocorreram nos últimos mil anos.

Figura 6.24 Mancha solar: a parte central mais escura é a umbra; a penumbra é mais clara e semitransparente. (NASA)

Figura 6.25 Ciclo de 11 anos das manchas. A linha pontilhada é a previsão. O máximo deve ocorrer em 2000, e o mínimo em 2007. Abaixo vêm-se imagens com as polaridades magnéticas e as coroas em raios X. (SOHO)

6-37

6.16.2 Campo magnético geral e o ciclo magnético

O campo magnético solar não está presente apenas nas manchas, mas em todo o Sol. Com configuração bipolar, esse campo magnético geral apresenta polaridade norte e sul. Um fato marcante é que a cada 11,2 anos as polaridades se invertem, isto é, o que era norte passa a ser sul, e vice-versa. Assim, a variabilidade do campo magnético global é de 22,4 anos.

Durante o ciclo os hemisférios têm polaridade magnética oposta. As polaridades das manchas seguem ordem inversa nos dois hemisférios: se num hemisfério os pólos norte estão à leste, no hemisfério oposto esses pólos estão à oeste. A cada 11,2 anos essa situação se inverte. O diagrama da Figura 6.27 ilustra como a rotação diferencial do Sol influencia a polaridade magnética geral e porque as manchas de hemisférios opostos apresentam polaridades invertidas.

Observações recentes feitas com o satélite solar SOHO (the SOlar and Heliospheric Observatory) mostram que o campo magnético geral do Sol está associado à velocidade diferencial entre as camadas convectiva e radiativa e os complexos movimentos do gás no envelope convectivo. Este mecanismo é denominado efeito dínamo. 6.16.3 Centros de atividade Longe de serem fenômenos isolados as manchas estão associadas a outros fenômenos de superfície que ocasionalmente emergem com violência e expelem em direção à coroa grandes quantidades de partículas energéticas. Os locais onde ocorrem esses eventos são conhecidos por centros de atividade. Embora possam sobreviver por várias rotações solares, o tempo de vida média deles é de apenas algumas semanas. As camadas fotosféricas que circundam as manchas são aquecidas por essas atividades e tornam-se mais brilhantes: são denominadas fáculas. As camadas cromosféricas que estão acima das fáculas também respondem a essas atividades com regiões brilhantes (vistas nas linhas do H!, e H e K do CaII, linhas no ultravioleta ou em microondas) denominadas praias. Outro fenômeno caracterizado pela atividade solar é a protuberância: filamentos enormes de gás excitado em forma de arcos, propagam-se por centenas de milhares de km dentro da coroa. Freqüentemente estão acima das zonas ativas, ancorados em regiões de polaridades em outras palavras formam estruturas magnéticas fechadas dentro das quais circula gás altamente excitado (Figuras da capa e 6.28).

Figura 6.26 Diagrama da borboleta, mostrando a localização das manchas ao longo de um ciclo de 11 anos.

6-38

Quando vista na linha do H! e sobre o disco solar (portanto vista do topo da arcada) elas aparecem como filamentos escuros. Os tempos de vida das proeminências pode variar de dias a semanas. Os clarões (do inglês flares) são fulgurações decorrentes da liberação súbita de grandes quantidades de energia magnética no centro das regiões ativas. Observações espaciais no ultravioleta e em raios X indicam que a temperatura da matéria num clarão pode atingir 100 milhões K. A energia liberada por uma erupção típica poderia abastecer as necessidades energéticas da humanidade por milhões de anos.

Os clarões podem liberar tanta energia quanto as maiores protuberâncias, porém em questão de minutos ou, no máximo, horas. Descobertas recentes mostram que um clarão pode produzir tremores sísmicos gigantescos que se propagam pelo interior solar. Um fenômeno destes foi observado em 06/07/96: após um clarão ondas sísmicas se propagaram pela superfície solar por mais de 100.000 km (Figura 6.29). Os tremores solares assemelham-se aos terrestres, mas as intensidades são muitíssimo maiores.

Embora o Sol seja a única estrela possível de ser observada com grande detalhe, sobretudo de superfície, a presença de manchas em outras estrelas tem sido inferida através de observações. Flares mais energéticos que o solar é um fenômeno característico das estrelas conhecidas por flare stars; essas estrelas estão localizadas na extremidade inferior direita da Seqüência Principal. Outra evidência observacional é a existência de estrelas que apresentam ventos estelares intensos, análogos ao vento solar. 6.17 Oscilações solares (Hélio-sismologia) Dentre as observações solares uma das mais interessantes, e promissoras, são as diminutas variações temporais de brilho ou de velocidade radial que ocorrem na superfície do Sol. Elas podem ser interpretadas como ressonâncias de oscilações acústicas que ocorrem em seu interior. Ao todo, são cerca de 10 milhões de modos oscilatórios25.

25 O piano tem 88 notas musicais. Se você quiser ouvir um trecho da “musica solar” consulte o site “http://soi.stanford.edu/results/sounds.html” .

Figura 6.27 Como o Sol gira mais rapidamente no equador com o tempo as linhas do campo magnético vão “enrolando” e acabam adquirindo direções opostas nos dois hemisférios. Nas manchas do hemisfério solar norte o norte magnético está à direita (a linha emergente) e o sul magnético à esquerda (linha imergente), ou seja as linhas saem pelas manchas da direita e retornam pelas manchas da esquerda. No hemisfério solar sul, a situação se inverte. (Adaptado de Chaisson & McMillan, fig. 16.19, pág. 366)

6-39

O Sol atua como um imenso instrumento musical, repicando como um sino e vibrando como um tubo de órgão. Essas vibrações sonoras fazem com que as partes mais externas do Sol movimentem-se para todos o lados. Observando essas oscilações superficiais é possível deduzir as características das ondas sonoras que se propagam pelo interior solar. Por sua vez, as ondas sonoras são produzidas em um meio com composição química, temperatura, pressão, rotação, movimentos e campo magnético típicos da região. Assim, de maneira análoga a que se analisa as particularidades de um compositor através da sua música, ou de um cantor através da sua voz, analisamos o interior solar através da sua “musicalidade”.

O termo hélio-sismologia vem do paralelo que se faz com a sismologia terrestre: enquanto esta utiliza os sismos terrestres como ferramenta para estudar o interior da Terra, aquela usa os sismos solares. Existem várias redes hélio-sismológicas espalhadas pelo planeta. No espaço temos atualmente o satélite SOHO, mas há outros instrumentos planejados para o futuro.

Figura 6.28 Protuberância eruptiva observada em 24 de julho de 1999, na linha 304Å. A Terra, em tamanho relativo, é a esfera à direita da proeminência. Quando uma protuberância destas é lançada em direção à Terra ocorrem sérios problemas com as comunicações, navegações, além de causar auroras intensas. (SOHO)

Figura 6.29 Tremor solar observado após um clarão ocorrido em 06/07/96. As ondas sísmicas se propagaram por mais de 100.000 km. (SOHO)

6-40

Referências E.Chaisson & S.McMillan, Astronomy Today: Prentice Hall (1999) HAO (High Altitude Observatory, Boulder, Colorado, EUA) SOHO (The SOlar and Heliospheric Observatory, http://sohowww.nascom.nasa.gov/) é um satélite científico lançado em 02/12/95, produto de um projeto de cooperação entre a ESA (Agência Espacial Européia) e a NASA. YOHKOH (http://ydac.mssl.ucl.ac.uk/ydac/index.html): satélite japonês para observações solares, lançado em 30/08/91.Projeto de cooperação entre o Instituto Japonês para Ciências Espaciais e Astronáutica, Instituto de Ciências Espaciais e Astronáutica (EUA) e NASA.

Figura 6.30 Imagem sintetizada a partir de cálculos teóricos baseados nas oscilações da superfície solar mostrando o movimento ascendente (azul) e descendente (vermelho) do gás. (National Solar Observatory)

INT R ODU ÇÃO À AS T R ONOMIA

AGA-210

6. E s t relas V. E volução após a S eqüência P r incipal

(NAS A – H ubble S pace T eles cope)

Nebulos a do E s quimó (em Gêmeos ):

cenár io da mor te de uma es t r ela do t ipo s olar .

IAG/U S P E NOS P ICAZ Z IO

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 42

6. Est relas V. Evolução após a Seqüência Pr incipal

As estrelas permanecerem na Seqüência Principal a maior parte de suas vidas. Elas abandonam a SP para morrerem. As estrelas de maior massa morrem mais rápido e de forma catastrófica. Nas seções seguintes discutiremos as razões e as conseqüências dessa saída da SP. 6.18 A razão da saída Como vimos, à medida que o hidrogênio vai sendo consumido na fusão, um caroço de hélio vai se formando no núcleo da estrela. A massa da estrela determina o tempo de vida e os caminhos de sua evolução. Se a massa for suficientemente grande para promover temperaturas cada vez mais elevadas na região central, a fusão nuclear (formação de elementos pesados a partir de elementos mais leves) continua até a formação do Fe. A partir daí, as reações são endotérmicas25, isto é, absorvem energia ao invés de liberar. Ele age como um “extintor de fusão”, levando o núcleo à destruição. Estrelas de grande massa, quando chegam nesta fase morrem de forma catastrófica. Simplificadamente podemos dizer que estrelas de pequena massa morrem brandamente, enquanto estrelas de grande massa morrem catastroficamente.

Nem todo o calor gerado na fusão do hidrogênio é liberado para o espaço, parte dele é absorvido pelo material interno fazendo a temperatura local aumentar. Esse aumento de temperatura provoca aumento de pressão, altera o equilíbrio entre as pressão interna (do gás contido abaixo da camada) e externa (do gás que está acima da camada) e faz com que a estrela se expanda. Como a expansão provoca queda de temperatura e pressão, a estrela se contrai. Esse processo tem fim quando as forças se equilibram, e a estrela se ajusta á nova circunstância. Durante a evolução a estrela passa várias vezes por essa situação.

O tempo aproximado de permanência na SP é ][/10 210 anosMtSP = , com M em massa solar (M = 1 para o Sol). Para estrelas parecidas com o Sol, o tempo na SP é de 10 bilhões de anos. Durante esse período o hidrogênio do núcleo vai sendo transformado em hélio, a temperatura média permanece aproximadamente a mesma, mas a luminosidade aumenta lentamente com o tempo.

Quando o hidrogênio disponível para a fusão se extingue (caso das estrelas de pequena massa), ou quando a temperatura central aumentar o suficiente para propiciar a fusão do hélio (caso de estrelas de maior massa), a estrela abandona a SP e sofre mudanças na estrutura e na luminosidade. 6.19 Evolução de estrelas de até aproximadamente 11 massas solares O Sol já se encontra na SP há 4,6 bilhões de anos. Sua temperatura superficial é praticamente a mesma que tinha quando entrou nessa fase, mas seu brilho é cerca de 30% maior que o daquela época. Com o passar do tempo, a composição química sofrerá mudanças: a quantidade de hidrogênio diminuirá e a de hélio aumentará. A estrutura interna será a de um núcleo de hélio (crescente) circundado por uma camada hidrogênio em fusão (Figura 6.31). 25 Há outros elementos cuja fusão é endotérmica, mas o núcleo do Fe é tão compacto que não se obtém energia energia fundindo-os em elementos mais pesados.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 43

A elevação gradativa de temperatura do núcleo de hélio aumenta a taxa de geração de

fusão nuclear do hidrogênio na camada circundante. Após cerca de 10 bilhões de anos, esse aumento de temperatura provocará uma elevação brutal da pressão e a estrela sofrerá uma expansão gigantesca. Com a expansão, a superfície aumenta e a temperatura superficial diminui. A estrela torna-se uma gigante vermelha, uma estrela de baixa temperatura mas de alta luminosidade. Betelgeuse ( ! de Órion) e Antares (! do Escorpião), ambas 400 vezes maiores do que o Sol, são dois exemplos. Quando isto acontecer com o Sol, sua superfície ultrapassará a órbita da Terra!

No diagrama HR esta fase da evolução estelar é ilustrada através de um movimento em direção ao canto superior direito, onde se localiza o ramo das gigantes e das supergigantes.

As diferenças de densidade numa gigante vermelha são brutais: enquanto o seu núcleo de hélio tem cerca de 100.000 g/cc (no Sol é 150 g/cc), suas camadas mais externas estão têm cerca de 10-6 g/cc (1 milionésimo da densidade da água), ou seja, uma diferença de 100 bilhões de vezes. Uma gigante vermelha tem duas fontes de energia atuando simultaneamente: o caroço está sendo aquecido pela conversão de energia gravitacional (contração) e o envelope está é aquecido pela fusão nuclear do hidrogênio na camada acima do caroço.

A contração do caroço cessa quando a pressão dos elétrons torna-se degenerada. Isto se deve ao fato de que em ambientes de densidade tão elevada como as encontradas no núcleo, o gás entra em um novo estado da matéria cujas propriedades são governadas por leis da mecânica quântica ao invés da mecânica clássica. Por um momento, a pressão do gás no núcleo não é controlada pela temperatura (como no caso de um gás perfeito), com isso a temperatura cresce rapidamente mas a pressão não.

Em uma estrela de baixa massa, a queima inicial do hélio é caracterizada por uma instabilidade de curta duração chamada clarão de hélio (helium flash), uma espécie de reação nuclear violenta e descontrolada como a de uma bomba. Nessas circunstâncias a fusão ocorre explosivamente. Quando o gás degenerado volta ao estado de gás perfeito, sob temperatura tão elevada a pressão sofre instantaneamente um crescimento brutal, e o interior da estrela expande-se de forma semelhante ao de uma explosão. Essa expansão súbita provoca a queda da pressão e da temperatura e a estrela volta a se contrair até estabelecer o equilíbrio. A partir daí, a queima do hélio se processa normalmente. Devido a elevada densidade da matéria a energia liberada por esse processo acaba sendo absorvida no interior da estrela. Por isso o helium flash é um fenômeno interno, isto é não se reflete nas partes externas da estrela.

Figura 6.31 Esquema (fora de escala) da estrutura interna de uma estrela da Seqüência Principal, convertendo hidrogênio em hélio.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 44

Após o helium flash a fusão nuclear estabiliza-se, e passa a transformar hélio em

carbono:

energiaCHeBe

energiaBeHeHe1248

844

+!+

+!+

ou seja, três núcleos de hélio (também chamados partículas alfa26) são fundidos para formar um núcleo de carbono, podendo ter como produto intermediário um núcleo instável de berílio.

Quando as reações de hélio se estabelecem a estrela sofre variação de luminosidade e temperatura. No diagrama HR essas alterações se refletem num movimento quase horizontal em direção à SP. Nesta fase a estrutura interna da estrela será aquela indicada na Figura 6.32.

Com a fusão do hélio, um núcleo de carbono vai sendo formado no centro, a estrela sofre expansão e contração, que implicam em variações de luminosidade e temperatura superficial. Com a compressão do núcleo de carbono ocorrerá a reação entre o carbono e o hélio, formando o oxigênio:

energiaOHeC +!+ 16412 . Assim o núcleo de carbono será enriquecido com oxigênio.

Para haver fusão do carbono é necessário uma temperatura mínima de 600 milhões K. O núcleo de uma estrela com uma massa solar jamais atinge essa temperatura, logo a geração de energia dessa estrela ficará a cargo da fusão do hélio e do hidrogênio nas camadas superiores.

Durante a fase final de vida essa estrela sofrerá pulsações radiais crescentes, contraindo-se e expandindo-se periodicamente, podendo perder as camadas mais externas por ejeção, criando assim uma nebulosa planetária. Essa nebulosa com rapidez, de 20 a 30 km/s, tornando-se gradativamente mais rarefeita e fria até dispersar-se pelo espaço interestelar. Este é um mecanismo de enriquecimento do espaço interestelar com elementos sintetizados nas estrelas. A Nebulosa do Esquimó (figura da capa) é um exemplo; no centro está a estrela.

26 O termo partícula alfa foi criado pelos físicos nucleares na época em que o núcleo de hélio era desconhecido.

Figura 6.32 Esquema (fora de escala) da estrutura de uma estrela de uma massa solar quando a fusão do hélio se estabelece.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 45

A estrela remanescente, agora com cerca de metade da massa original, contrai-se muito podendo atingir um raio equivalente a 1% do raio solar (cerca de 10.000 km!). Seu brilho provém da energia armazenada das reações nucleares (que já cessaram), agora ela é uma estrela muito pequena, de cor branca e temperatura superficial elevada, conhecida como anã branca. À medida que a energia vai se esvaindo, a temperatura vai caindo, a cor vai se tornando amarelada, depois avermelhada até definhar definitivamente e se tornar uma anã negra, um objeto com praticamente o tamanho da Terra (portanto muito denso porque a massa é bem maior que a terrestre) e frio no espaço. A massa de uma anã branca jamais ultrapassa 1,4 massas solares. No diagrama HR, o trajeto evolutivo de uma estrela com uma massa solar é ilustrado na Figura 6.33.

No entanto, se a anã branca pertencer a um sistema binário um novo fenômeno pode acontecer. Se a distância entre as duas estrelas for relativamente pequena, parte da matéria (hidrogênio e hélio) da superfície da companheira, uma estrela da SP, escoa para a superfície da anã branca. O choque desse gás escoado com a superfície da anã branca pode elevar a densidade e a temperatura a valores suficientemente elevados para detonar um processo violento de fusão do hidrogênio, provocando um clarão explosivo súbito. O brilho é tão intenso que, visto de longe, fenômeno simula o surgimento de uma estrela nova. Por isso, a estrela é chamada nova. Se o processo for recorrente, teremos uma nova recorrente.

Nesse processo uma parcela da massa da estrela é ejetada para o espaço a velocidades elevadas. Uma nova típica ejeta apenas cerca de 0,0001 massa solar, 1 milésimo da massa ejetada por uma nebulosa planetária.

6.20 Evolução de estrelas com mais de 11 massas solares Ao nascerem, essas estrelas caminham mais rapidamente para a Seqüência Principal, abandonam mais cedo esta fase, evoluem e morrem mais depressa. Quanto maior a massa, mais curta a vida da estrela. Mas a característica mais peculiar delas é a maneira como morrem.

Enquanto o Sol permanece cerca de 10 bilhões de anos na SP, uma estrela do tipo B com 5 massas solares abandona a SP em apenas 100 milhões de anos. Uma estrela O de 10 massas solares fica na SP só 20 milhões de anos. Essa tendência de evolução rápida também acontece após a SP. A razão é que quanto maior for a massa, mais intensa será a contração gravitacional,

Figura 6.33 Trajeto de vida de uma estrela com 1 massa solar, no diagram HR.

Figura 6.34 Modelo de nova (Adaptado de Robbins, 1995, fig. 19-6, pág. 411)

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 46

que, por sua vez, provocará maior pressão e maior temperatura da região interna. Em síntese, são as condições físicas que controlam os processos internos e a longevidade da estrela.

O trajeto das estrelas rumo à região das gigantes depende da massa. As estrelas de menor massa caminham para ramo das gigantes quase que verticalmente, com a luminosidade variando muito mais que a temperatura. Já as estrelas de maior massa movem-se quase que horizontalmente, com a temperatura variando muito mais que a luminosidade.

Após a fusão do hélio as estrelas de grande massa promovem a fusão dos elementos mais pesados, na ordem crescente de massa atômica, isto é, carbono (12C), oxigênio (16O), neônio (20Ne), magnésio (24Mg) e silício (28Si), tarminando no ferro (26Fe). A partir de então não há mais fusão atômica no núcleo. Estas reações ocorrem em camadas concêntricas (como numa cebola), quanto mais interna a camada, mais pesados são os elementos. As temperaturas e os tempos de exaustão para cada caso são mostrados na Tabela 6.7.

Fonte de energia

Temperatura (milhões K)

Tempo para exaustão

Fusão do hidrogênio 15 10 milhões anos Fusão do hélio 170 1 milhão anos Fusão do carbono 700 1.000 anos Fusão do neônio 1.400 3 anos Fusão do oxigênio 1.900 1 ano Fusão do silício 3.300 1 dia

Tabela 6.7 Temperaturas necessárias para ocorrência de fusão nuclear e tempo de exaustão do combustível nuclear para estrelas com 20 massas solares (Adaptado de Robbins, 1995, Tabela 18-1, pág. 391)

6.20.1 Estrelas de 11 a 50 massas solares À medida que os elementos mais leves vão sendo consumidos nas diversas camadas, o núcleo de ferro vai crescendo gradativamente até atingir um valor limite equivalente à cerca de 1,4 massas solares. Quando isso acontece a estrela implode. Simplificadamente falando, cessando as reações de fusão a produção de energia cessa e a pressão interna não é mais suficiente para contrabalançar o peso das camadas externas. Então subitamente a estrela perde o equilíbrio e implode, isto é, cai sobre si mesma. Isto faz com que a temperatura do núcleo de ferro atinja temperatura da ordem de 10 bilhões K, suficiente para fragmentar os átomos de ferro até restarem apenas prótons e nêutrons. Esse colapso acontece em cerca de 1/10 de segundo! Toda a energia gravitacional dissipada nesse processo funde elétrons com prótons, formando nêutrons e liberando grande quantidade de neutrinos (partícula subatômica que se move com a velocidade da luz). Neste estágio a densidade é altíssima e a estrela continua colapsando com rapidez que chega a cerca de 15% da velocidade da luz. Ao atingir o núcleo de nêutrons essas camadas retrocedem em direção à superfície (de onde vieram) formando uma onda de choque que, combinada com o fluxo de neutrinos, explodem as camadas superiores com brutal rapidez (20.000 km/s). Nessa fase explosiva ocorrem as reações de fusão que acabam produzindo os elementos químicos mais pesados que o ferro. Esse material reprocessado enriquece o espaço interestelar. O caroço interno colapsou até um tamanho aproximado de 200 km de diâmetro, e tem entre 1,4 e 3 massas solares.

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 47

Esse fenômeno explosivo, conhecido por supernova tipo II, libera tanta energia que pode ser visto a distâncias enormes, até mesmo quando ocorre em outras galáxias. Estas supernovas podem brilhar mais que toda a galáxia em que se encontra. Um dos exemplos mais famosos é a Nebulosa do Caranguejo, resultante da explosão de uma supernova observada pelos chineses em 1054 a.C. (Figura 6.35A). Em nossa galáxia, Via Láctea, a média de ocorrência de supernovas e de uma a cada 50 anos.

O objeto que resta dessa explosão é constitjído de nêutrons, tem tipicamente de 1,5 a 2 massas solares, tamanho entre 20 e 80 km e densidade elevadíssima. É uma estrela de nêutrons. Na realidade não é bem uma estrela porque parou de gerar energia. Essa estrela gira muito rápido e tem campo magnético enorme. A rotação rápida e o elevado campo magnético resultam da contração: quanto mais a estrela contraia, mais rápido ela girava (lei de conservação do momento angular27), e mais concentrado ficava seu campo magnético. A rotação desse campo magnético intenso produz um campo elétrico intenso na superfície da estrela, que gera um jato de radiação ao longo do eixo do campo magnético. Se os eixos do campo magnético e de rotação não coincidirem a estrela comporta-se como um farol giratório e parece pulsa (lembre-se da lanterna giratória de uma ambulância vista de longe). Por essa razão esse objeto foi batizado com o nome pulsar28(Figura 6.35B).

6.20.2 Estrelas com mais de 50 massas solares Estrelas com massa entre 50 e 100 massas solares brilham tanto quanto 100 mil a 1 milhão de sóis durante suas vidas breves. Essas estrelas perdem tanta massa durante a fase de Seqüência Principal que ao sairem dela restam-lhes apenas um núcleo de hélio. Estas estrelas as Wolf-Rayet, que têm evolução semelhante às estrelas com 11 a 50 massas solares. A diferença é que

27 L = I ! "; L é momento angular, I é momento de inércia e V é velocidade angular. Para uma esfera sólida, I = (2/5) ! M ! R2. Se R diminui (contração), I diminui e " aumenta porque L é constante (conservação). 28 Quando observado pela primeira vez em 1967 por Jocelyn Bell, o pulsar CP 1919, foi apelidado LGM (sigla para Little Green Man), uma referência jocosa a um sinal codificado e enviado por Pequeninos Homens Verdes pertencentes a uma civilização extraterrestre.

Figura 6.35 (A) A Nebulosa do Caranguejo é o que restou da explosão (supernova) observada pelos chineses no ano 1054 a.C. No centro da nebulosa está a estrela de nêutrons (Observatório de Monte Palomar / AAO). (B) Ilustração da estrutura de uma estrela de nêutrons. Quando o facho de radiação aponta para a nossa direção vemos um pulso (adaptado de Astronomy Today, Chaisson & McMillan).

A B

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 48

o núcleo de ferro formado posteriormente é tão maciço que, após a implosão que dá origem uma supernova tipo Ib, o colapso gravitacional não termina formando uma estrela de nêutrons, O colapso continua indefinidamente criando um objeto tão maciço, com campo gravitacional tão intenso, que nem a luz consegue escapar. Esse objeto escuro, denominado buraco negro, é uma espécie de ralo cósmico que suga a matéria circunvizinha bem próxima a ele.

Essa proximidade perigosa é delimitada por uma distância denominada raio de Schwarzschild: quanto maior a massa do buraco negro, maior é esse raio. Por exemplo, se o Sol se transformasse num buraco negro (coisa que jamais ocorrerá), o raio de Schwarzschild seria 3 km. De dentro dessa região nada escapa, nada se vê, por isso esse limite é denominado horizonte dos eventos. Caso isso acontecesse com o Sol, a Terra prosseguiria normalmente em seu movimento órbital porque ela estaria muito além do raio de Schwarzschild.

Embora o buraco negro não possa ser visto diretamente há evidências observacionais que o denunciam. A primeira é a radiação emitida pela matéria que está caindo nele, em altíssima velocidade. Antes de penetrar o raio de Schwarzschild a matéria sofre efeitos brutais de maré e colisões tão violentas que se aquece tanto a ponto de emitir raios-X. A segunda evidência é o desvio da luz que passa pelas proximidades do buraco negro provindas de fontes distantes. A Teoria da Relatividade prevê a distorção do espaço e do tempo pela massa. Isso pode ser exemplificado por uma hipotética mesa de bilhar que pudesse ser deformada (Figura 6.36). Apesar de mover-se em linha reta, a bola faz um trajeto curvo quando passa pela deformidade. A mesma coisa ocorre com o fóton: ele se propaga em linha reta mas num espaço curvado pela concentração de massa, por isso muda de direção. Nessa concepção relativística, os planetas caminham em linha reta no espaço curvado pelo Sol. Na visão newtoniana, os planetas orbitam o Sol em trajetórias curvas por causa da força gravitacional. A Figura 6.37 ilustra um modelo de buraco negro formado num sistema binário.

A Figura 6.38 resume o que foi discutido anteriormente. Estrelas com massa entre 0,8 e 11 massas solares, entram na SP como tipos B, A, F ou G, produzem nebulosas planetárias e terminam como uma anãs brancas. Estrelas com massa intermediária, entre 11 e 50 massas solares, iniciam como estrelas tipos O ou B, produzem supernovas tipo II e terminam como estrelas de nêutrons. Estrelas maciças entram na SP como tipo O, passam pela fase de Wolf-Rayet, produzem supernovas tipo Ib e terminam como buracos negros.

Figura 6.36 Alteração do trajeto de uma bola de bilhar em virtude da curvatura da plano da mesa. Na situação a) ela move-se em linha na direção da caçapa da esquerda. Na situação b) ela continua movendo-se em linha reta mas é desviada para a caçapa da direita porque a superfície é curvada (Adaptado de Robbins, 1995, fig. 19-28, pág 425).

Figura 6.37 Um buraco negro pode ser observado através da radiação X emitida pelo gás aquecido em queda. No caso a estrela que se tornou um buraco negro suga a matéria expelida por sua companheira, uma gigante azul. (Adaptado de Robbins, 1995, fig. 19-29, pág. 425).

Introdução à Astronomia – AGA210 Prof. Enos Picazzio

6- 49

6.21 O ciclo da evolução estelar Embora parte do material usado nas reações termonucleares seja transformado em energia, as estrelas reciclam continuamente a matéria. A cada nova geração nascem estrelas com composição química mais enriquecida por elementos mais pesados. Das estrelas antigas, deficientes de material pesado, às estrelas jovens, ricas em metais, observamos o processo de enriquecimento em ação. O Sol, uma estrela jovem rica em metais, é um produto de muitos ciclos. Nós também somos. Sem os elementos produzidos no interior de supernovas a vida não existiria. Somos, portanto, formados de poeira estelar. Referências R.R.Robbins, W.H.Jefferys, S.J.Shawl (1995), Discovering Astronomy, John Wiley & Sons, Inc.

Figura 6.31 Ilustração simplificada da evolução de estrelas de diferentes massas, após abandonarem a Seqüência Principal. (Adaptado de I. Iben Jr e A.V.Tutukov, Sky & Telescope, dezembro/97, pág.39)