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INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA: um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973) Jacqueline Souza Silva

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INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:

um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)

Jacqueline Souza Silva

Page 2: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA - MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS

LINHA DE PESQUISA: NATUREZA, RELAÇÕES ECONÔMICO-SOCIAIS E

PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:

um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)

Jacqueline Souza Silva

Natal/RN

2014

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Jacqueline Souza Silva

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:

um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)

Dissertação apresentada como requisito parcial

para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-

graduação em História, Área de Concentração em

História e Espaços, Linha de Pesquisa: Natureza,

Relações Econômico-Sociais e Produção dos

Espaços, da Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, sob orientação do Prof. Dr. Douglas

Araújo.

Natal/RN

2014

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UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede.

Silva, Jacqueline Souza.

Instituto de antropologia: um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973) /

Jacqueline Souza Silva. – Natal, RN, 2014.

113 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Douglas Araújo.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas,

Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História.

1. Instituições científicas - Dissertação. 2. Espaços de Ciência - Dissertação. 3. Campo científico -

Dissertação. 4. Instituto de Antropologia – Dissertação. I. Araújo, Douglas. II. Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 94

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Jacqueline Souza Silva

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:

um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)

Dissertação aprovada como requisito parcial

para obtenção do grau de Mestre no Curso de

Pós-Graduação em História da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, pela

comissão formada pelos professores:

___________________________________________________________________________

Dr. Douglas Araújo

Orientador

___________________________________________________________________________

Dr. Heloisa Maria Bertol Domingues

Avaliador Externo ao Programa

___________________________________________________________________________

Dr. Raimundo Pereira Alencar Arrais

Avaliador Interno

___________________________________________________________________________

Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha

Suplente

Natal/RN, 15 de setembro de 2014.

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Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura.

Charles Bukowski

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, o professor doutor Douglas Araújo, que colaborou e me incentivou a

desenvolver este trabalho.

Aos professores doutores Raimundo Arrais (UFRN) e Raimundo Nonato (UFRN), pelas

críticas e sugestões na banca de Qualificação.

Aos professores e colegas do Programa de Pós-graduação em História (PPGH) da UFRN

pelas leituras, motivação e paixão pelo estudo da História.

Aos colegas do Museu Câmara Cascudo, em especial à diretora Sônia Othon e à professora

Maria de Fátima Santos, pelo apoio e compreensão durante o período o qual estive ausente.

À Jorge Tavares, pela colaboração e paciência em abrir o Arquivo do Museu Câmara Cascudo

para consulta.

À Jailma Medeiros, pelas eternas discussões e brigas que muito ajudaram nesta pesquisa.

Aos funcionários do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), por

facilitarem a pesquisa.

À Roberta Smania, pela orientação, dicas, experiência compartilhada e amizade.

À Moab Felipe, o maior peste ruim da paróquia, pelas birras, chiliques, cervejas, sucos de

maracujá, chocolates, acarajés, picanhas e, sobretudo, pela preocupação, incentivo, carinho e

amizade.

Aos meus pais, Dona Neide e Seu Assis, por me perturbarem e me obrigarem para buscar os

meus sonhos.

À minha gata Chiquinha da Silva, pelos ronrons, miados e arranhões que me trazem paz e

acalmam a alma.

Por fim, gostaria de agradecer a todos que direta ou indiretamente estiveram presentes ao

longo dessa etapa.

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RESUMO

O objetivo desta dissertação é analisar como o Instituto de Antropologia da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte se formou como um espaço da ciência, durante o período de

1960 a 1973, considerando o espaço social no qual ele estava inserido, as questões políticas e

econômicas que estavam em pauta ao longo do período, assim como a atuação dos intelectuais

ligados a sua criação: Luís da Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo

Pinheiro de Melo e Dom Nivaldo Monte. Levar em conta as trajetórias científicas dos seus

pesquisadores, assim como suas posições enquanto agentes sociais, no momento de criação do

Instituto de Antropologia, nos permite diferenciar suas práticas científicas e refletir sobre os

motivos que levaram esses agentes a definirem seus os objetos e constituírem um espaço

científico dedicado à suas práticas. Tentaremos compreender o Instituto de Antropologia

inserido em um universo no qual se encontravam indivíduos e outras instituições que

produziram, reproduziram e difundiram a ciência no Estado do Rio Grande do Norte,

contribuindo para construção de uma história local da ciência.

PALAVRAS-CHAVE: Instituições científicas. Espaços de ciência. Campo científico.

Instituto de Antropologia.

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ABSTRACT

The aim of this dissertation is to analyze how the Institute of Anthropology from the Federal

University of Rio Grande do Norte was formed as a space of science, during the period 1960-

1973, considering the social space in which it was inserted, the political and economic issues

that were on the agenda over the period, as well as the role of intellectuals linked to its

creation: Luís da Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo Pinheiro de

Melo and Dom Nivaldo Monte. Consider the trajectories of their scientific researchers, as well

as their positions as social agents at the time of creation of the Institute of Anthropology,

allows us to differentiate their scientific practices and think the reasons these agents define

their objects and constitute a scientific space dedicated to their practices. We try to understand

the Anthropology Institute (agent) as a universe on which were participating individuals and

institutions that produced, reproduced and spread the science in the state of Rio Grande do

Norte, contributing to the construction of a regional history of science.

KEYWORDS: Scientific institutions. Spaces of Science. Scientific Field. Institute of

Anthropology.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CE Ceará

CONSUNI Conselho Universitário

DGM Departamento de Geologia e Mineralogia

DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem

DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

DNPM Departamento Nacional da Produção Mineral

EUA Estados Unidos da América

Fiocruz Fundação Oswaldo Cruz

IA Instituto de Antropologia

IHGRN Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

IFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas

MCC Museu Câmara Cascudo

MAE-USP Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo

PA Pará

PR Paraná

SCBEU Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos

SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico e Cultural

SPLAN Sociedade de Pesquisas e Planejamento

RJ Rio de Janeiro

RN Rio Grande do Norte

SPLAN Sociedade de Pesquisas e Planejamento

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

URN Universidade do Rio Grande do Norte

USP Universidade de São Paulo

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Luís da Câmara Cascudo, s/d ................................................................ 54

Figura 2 Luís da Câmara Cascudo, no momento em que proferia o discurso de

instalação da Universidade do Rio Grande do Norte. Teatro Alberto Maranhão,

Natal, 21 de março de 1959 ......................................................................................... 58

Figura 3 Dom Nivaldo Monte, s/d ...................................................................... 60

Figura 4 Veríssimo de Melo, s/d ......................................................................... 63

Figura 5 José Nunes Cabral, s/d .......................................................................... 65

Figura 6 Antônio Campos e Silva, s/d ................................................................ 68

Figura 7 Protásio de Melo, s/d ............................................................................ 70

Figura 8 Fachada da primeira sede do IA, s/d ..................................................... 76

Figura 9 Coleta de peças osteológicas na Pedra dos Ossos, Serra do Ronco,

município de São Tomé (RN), s/d ................................................................................ 79

Figura 10 Planta baixa do piso inferior do prédio do Instituto de Antropologia

Câmara Cascudo, 1967 ................................................................................................. 93

Figura 11 Planta baixa do piso superior do prédio do Instituto de Antropologia

Câmara Cascudo, 1967 ................................................................................................. 94

Figura 12 Foto área do complexo do Instituto de Antropologia na década de 70

À frente, o prédio do Museu e ao fundo o Centro de Pesquisas, formado por

laboratórios e setor administrativo, década de 1970 .................................................... 94

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Principais correspondentes nacionais do IA em 1962 ........................ 77

Tabela 2: Principais correspondentes internacionais do IA em 1962 ................. 78

Tabela 3: Viagens de campo do IA em 1962 ..................................................... 80

Tabela 4: Atividades do Curso de Introdução à Antropologia em 1963 e 1964

............................................................................................................................. 84

Tabela 5: Viagens de campo do IA em 1963 ..................................................... 85

Tabela 6: Quadro de pesquisadores do IA em 1964 ........................................... 87

Tabela 7: Viagens de campo do IA entre os anos de 1964 e 1966 ..................... 88

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14

0.1 O estudo das instituições científicas no Brasil ........................................................... 15

0.2 Instituições Científicas – Espaços de Ciência, Campos e Capital Científico:

situando conceitos e debates ............................................................................................ 19

0.3 Procedimentos metodológicos e fontes ...................................................................... 26

CAPÍTULO 1

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA NA UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE

DO NORTE? E POR QUE NÃO? O contexto local e os condicionantes para a

criação do Instituto de Antropologia (IA) .................................................................... 30

1.1 Natal e o Rio Grande do Norte na Segunda Metade dos Anos Cinquenta - o futuro

que não chegava ............................................................................................................. 30

1.2 Pesquisa e Progresso - a solução para os problemas do Estado ................................. 33

1.3 Problemas do Nordeste – carência de inovação e estudos técnicos ........................... 39

1.4 O espaço do ensino superior, o progresso local e a produção científica .................... 41

1.5 A Universidade do Rio Grande do Norte – laboratório de projetos para o futuro do

Estado ............................................................................................................................... 45

CAPÍTULO 2

OS SÁBIOS DAS CIÊNCIAS: agentes de um campo científico em construção ...... 51

2.1 Luís da Câmara Cascudo – o mestre da casa .............................................................. 54

2.2 Nivaldo Monte – entre a ciência de Deus e a ciência dos homens ............................. 60

2.3 Veríssimo Pinheiro de Melo – o capitão-mor do folclore .......................................... 63

2.4 José Nunes Cabral – a anatomia de um cientista e um administrador ........................ 65

2.5 Antônio Campos e Silva – a milagre da cidade do Natal ........................................... 68

2.6 Protásio Pinheiro de Melo – o interprete potiguar ...................................................... 70

2.7 Espaço de relações – escolhas e posições dos agentes ............................................... 71

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CAPÍTULO 3

UM ESPAÇO PARA VÁRIAS CIÊNCIAS: estratégias e desafios de uma

instituição científica do Rio Grande do Norte .............................................................

74

3.1 Institui-se o espaço para a ciência .............................................................................. 74

3.2 As viagens de campo .................................................................................................. 79

3.3 Curso de Introdução à Antropologia – a necessidade de especialistas para a

pesquisa científica ............................................................................................................

81

3.4 O Instituto e seus pequenos “museus expositores” .................................................... 90

3.5 A Revista Científica Arquivos do Instituto de Antropologia ...................................... 95

3.6 Desafios e pressões externas – o esgotamento do Instituto de Antropologia ............. 97

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 103

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 106

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INTRODUÇÃO

No final da década de 1950, o Rio Grande do Norte organizou duas instituições que

marcaram o cenário científico e cultural do Estado: a Universidade do Rio Grande do Norte

(URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em

1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974), o Instituto de Antropologia da

Universidade do Rio Grande do Norte (denominado, em seguida, Instituto de Antropologia

Câmara Cascudo) sediou e promoveu um modelo de pesquisa científica universitária que

tinha como particularidade a articulação entre a pesquisa básica com o ensino. O instituto

supracitado constituiu-se um espaço polivalente e multidisciplinar, dedicando-se à formação

de pesquisadores nas áreas da Antropologia cultural, Antropologia física e Paleontologia,

exercendo papel de grande relevância para a ciência do Rio Grande do Norte.

Embora tenha contribuído para o desenvolvimento da prática científica no Estado e

seja constantemente lembrado – e, por vezes, exaltado – como o primeiro centro de pesquisa

da Universidade, o Instituto de Antropologia nunca fora objeto de estudo, tendo como linha

norteadora a história da ciência e das instituições científicas nacionais.

Ao longo dos seus 14 anos de atuação, a importância do Instituto como espaço de

ciência no estado do Rio Grande do Norte é pouco conhecida. Por que um Instituto de

Antropologia? O que levou esses estudiosos a se agruparem e instituírem um espaço dedicado

à ciência no Rio Grande do Norte? Por que direcionaram, incialmente, suas pesquisas na área

da Antropologia e, como a partir desta, desenvolveram os estudos das ciências naturais?

Existiu alguma demanda local atrelada às questões políticas, econômicas ou os interesses

particulares se sobressaíram?

Existem muitas perguntas e grandes lacunas referentes aos aspectos históricos que

levaram à formação bem como à descontinuação do Instituto de Antropologia, além do papel

dos seus idealizadores na constituição desse espaço científico na cidade do Natal.

Diante disso, a principal meta desta dissertação é analisar como o Instituto de

Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte se formou como um espaço da

ciência, durante o período de 1960 a 1973, considerando o espaço social no qual ele estava

inserido, as áreas científicas que sediou, assim como a atuação dos intelectuais ligados à sua

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15

criação: Luís da Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo Pinheiro de

Melo e Dom Nivaldo Monte.

0.1 O estudo das instituições científicas no Brasil

O estudo da formação das instituições de pesquisa e de sua relação com as práticas

científicas se encontra, até certo modo, consolidado dentro da historiografia das ciências.

Ainda que sólido, o interesse específico pela história das instituições no Brasil é considerado

recente e se mostra, por vezes, secundário, segundo a historiadora brasileira Maria Amélia

Dantes, uma das personagens principais na formação da disciplina História da Ciência no

Brasil e que, junto com Shozo Motoyama, criou, no início dos anos de 1980, uma pós-

graduação em História da Ciência na Universidade de São Paulo (USP), profundamente

influenciada pela abordagem dos estudos sociais da ciência1.

A história das instituições nacionais é considerada secundária porque, apesar da

historiografia registrar a existência de instituições, o reconhecimento do papel desses espaços

na implantação e desenvolvimento das ciências só se deu a partir de uma mudança de

perspectiva metodológica. Essa mudança teve início, principalmente, a partir da década de

1970, tendo com marco a obra Gênese e Evolução da Ciência Brasileira, de 1975, da

historiadora inglesa Nancy Stepan, que trata de um estudo acerca da função e da importância

das instituições científicas no desenvolvimento científico no país, utilizando como marco

comparativo o Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro. Um estudo semelhante foi realizado

pelo sociólogo e cientista político José Murilo de Carvalho, na obra A Escola de Minas de

Outro Preto: o peso da glória, de 1978, que descreve a formação e a importância desse

espaço no processo de implantação da ciência no Brasil. Outra obra que chama a atenção para

a necessidade de valorizar o papel das instituições é A Formação da Comunidade Científica

no Brasil, de 1979, do sociólogo brasileiro Simon Schwartzman, que traça a história do

desenvolvimento científico e tecnológico do nosso país, com uma ênfase especial nas

instituições científicas que a protagonizaram.

Contudo, outros fatores influenciaram o quadro dos estudos das instituições científicas

brasileiras. Um deles encontra-se na posição de alguns historiadores em atestar que, antes da

criação das primeiras universidades brasileiras, na década de 1930, os únicos institutos

brasileiros relevantes dedicados à pesquisa científica seriam os institutos de ciências

1 DANTES, Maria Amélia. (Org). Espaços da Ciência no Brasil: 1800-1930. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,

2001, p. 4.

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16

biomédicas. Instituições como o Museu Nacional (1818), o Instituto Agronômico de

Campinas (1887), o Instituto Bacteriológico e o Museu Paulista (1893), o Instituto Butantã e o

Instituto Oswaldo Cruz (1899), eram considerados os principais espaços responsáveis pela

ciência produzida no Brasil até a década de 30. Como aponta o historiador Juan José Saldaña,

autor de mais de 80 obras acerca do desenvolvimento da história das ciências no México e na

América Latina: “a historiografia tradicional ignorou de maneira marcante a atividade

científica que teve lugar na região, a ponto de chegar-se a afirmar que aí não houvera

ciência”2.

Outro fator preocupante está no fato de esses estudos se concentrarem, sobretudo, nas

instituições localizadas no sul do país. Embora haja o reconhecimento da atuação de cientistas

em várias localidades brasileiras, os estudos ainda permanecem centralizados na ciência

produzida nos estados do Rio de Janeiro, capital federal até 1960 e local onde a Corte Real se

instalou, e São Paulo, sede de importantes instituições de pesquisa e casa de um número

significativo de pesquisadores. Exceção encontrada na historiografia à concentração no

sudeste seria o Museu Paraense Emílio Goeldi e as escolas médico-cirúrgicas da Bahia.

Ainda que a ciência seja baseada em constantes universais, a mudança na metodologia

levou a historiografia a perceber como a sua prática, seus cientistas e institutos são

influenciados por dinâmicas específicas locais, delimitadas por um conjunto de características

culturais, políticas e econômicas, principalmente em um país de grande extensão como o

Brasil. Essas implicações são enfatizadas pelo historiador espanhol Antonio Lafuente ao

apontar que a análise da prática científica deve direcionar o historiador não só para as

características intrínsecas da ciência (método, racionalidade, lógica), mas, também, para os

cientistas, sujeitos de um determinado espaço-tempo social, e para espaços institucionais que

sediam as práticas. Para Lafuente, a palavra atividade científica expressa “[...] que as ideias

existem sempre ligadas a homens e instituições; seu estudo nos coloca frente ao problema do

tempo e do espaço histórico”3.

A busca por questões locais tem contribuído, principalmente, para que nos últimos

anos aparecessem estudos sobre instituições de outras regiões do Brasil, que não do sudeste

do país, impulsionados, em especial, pelo Programa de Ps-graduação em Ensino, Filosofia e

História da Ciênciada Universidade Federal da Bahia, como por exemplo, as pesquisas de

2 SALDAÑA, J.J. Marcos conceptuales de la historia de las ciencias em Latinoamérica: Positivismo y

Economicsmo. In: SALDAÑA, J.J. (Ed.). El perfil de la ciência em América. México: Soc. Latinoam. Hist.

Ciencia y la Tecnol., 1986. (Cueadernos de Quipu, 1), p. 61-62. 3 LAFUENTE, A. La ciência periférica y su especialidad historiográfica. In: SALDAÑA, J.J.; LAFUENTE, A.

(Eds.). El perfil de la ciencia em América. México: Ed. Cuadernos Quipu, 1986, p. 33-34.

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17

Araújo (2006) acerca da Escola Agrícola de São Bento das Lages, na Bahia, e Lima (2009),

que trata da Escola Politécnica da Paraíba.

No caso do Rio Grande do Norte, o estudo de suas instituições científicas ainda é

insuficiente, mesmo em relação aos outros estados da região Nordeste. Trabalhos já foram

publicados, notadamente, acerca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e de suas

Faculdades e Escolas4. Encontramos algumas obras que trazem a história dessas instituições,

de forma cronológica, focalizando as figuras de seus diretores e reitores, por exemplo. Porém,

nenhuma das publicações encontradas explora essas instituições como espaços de produção

científica.

O Instituto de Antropologia, objeto desta pesquisa, já foi foco de atenção de outros

trabalhos acadêmicos5, contudo, identificamos nesses trabalhos uma tendência de analisá-lo

como espaço de cultura e memória, utilizando conceitos da área da museologia e patrimônio.

Acreditamos que isso aconteça porque o Instituto teve em sua estrutura um museu e desse

museu surgiu o Museu Câmara Cascudo (MCC/UFRN), atuante até os dias de hoje. A

ausência de abordagem na história da ciência desses estudos, ao não enquadrarem o Instituto

de Antropologia como um espaço que sediou práticas científicas, motivou ainda mais este

trabalho de pesquisa.

4 Ver: JUNIOR, C.N. (Org.). Portal da Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos de

federalização (1960-2005). Brasília, DF: Senado Federal, 2005; AGUIAR, M.C.R.D. História do ensino

farmacêutico no Rio Grande do Norte (1920-1992). Natal: UFRN/Editora Universitária, 1992; GOUVEIA, E.C.

et. al. Memória da Escola do Serviço Social de Natal, 1945-1955. Natal: UFRN/Editora Universitária, 1993;

LIMA, D.G; MELO, J.C.M. 12 Anos de Universidade (1959-1971): implantação e desenvolvimento. Natal:

UFRN/Editora Universitária, 1971; MEDEIROS, T. Escola de Farmácia e Odontologia de Natal – A Pioneira de

1920. In: Tempo Universitário: Revista de Cultura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, v.6,

n.1, p-155-160, 1980; MELO, V. Síntese Cronológica da UFRN (1958-1988). Natal: UFRN/Editora

Universitária, 1991. 5 Encontramos cinco monografias de graduação, uma de pós-graduação e duas dissertações de mestrado que, ao

adotarem o Museu Câmara Cascudo como objeto de estudo, evidenciam a história do Instituto de Antropologia.

São elas: VALE, Nelson Aderaldo Olsen Maia do. Turismo Cultural e Museu: estudo de caso no Museu Câmara

Cascudo em Natal. Natal, 2006. Monografia (Curso de Turismo) – UERN; PINHEIRO, Marisa de Castro. Museu

Câmara Cascudo: consagração de um Intelectual Potiguar. Natal, 2007. Monografia (Curso de Ciências Sociais)

– UFRN; VALE, Nelson Aderaldo Olsen Maia do. A Construção do Patrimônio Potiguar e o Museu: estudo de

caso do Museu Câmara Cascudo. Natal, 2007. Monografia (Curso de História) – UFRN; SILVA, Abrahão

Sanderson Nunes F. Musealização da Arqueologia: diagnóstico do Patrimônio Arqueológico em Museus

Potiguares. São Paulo, 2008. Dissertação (Programa de Pós- graduação em Arqueologia) – USP; SILVA, Aline

Gurgel. Instituto de Antropologia: história e memória de um itinerário científico-cultural na URN. Trabalho de

Conclusão de Curso (Graduação em História - Licenciatura e Bacharelado) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, Natal, 2008. PESSOA, Nara da Cunha. Museu vivo: uma análise do Museu Câmara Cascudo.

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências

Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Natal, 2009. SANTOS, J.S.M. A

Construção do Museu Câmara Cascudo. Monografia (Pós-graduação em História do Rio Grande do Norte) –

Universidade Potiguar. Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação. Natal, 2010.

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18

Dos estudos sobre o Instituto, escolhemos por destacar dois: a monografia de Aline

Gurgel da Silva6 e a monografia de Jailma da Silva Medeiros

7. Em 2007, Aline Gurgel da

Silva desenvolveu sua monografia Instituto de Antropologia: história e memória de um

itinerário científico-cultural na URN, tendo como objetivo narrar a origem do Instituto e sua

atuação no campo da antropologia durante os seus primeiros cinco anos (1960-1965). Gurgel

explica que a escolha do recorte temporal se deve a uma maior concentração de documentos

do Instituto de Antropologia encontrados no Arquivo do Museu Câmara Cascudo: ofícios,

fotografias, relatórios, boletins universitários, a revista Arquivos do Instituto de Antropologia,

fichas catalográficas do acervo do Museu. Em seu texto, Gurgel utiliza um referencial teórico

da área da museologia para analisar a atuação do Instituto, adotando conceitos de autores

como Maria Margaret Lopes e Lilia Moritz Schwarcz.8 No entanto, o trabalho monográfico

traz muitas afirmações que consideramos arbitrárias, justamente por caracterizar as ações do

Instituto a partir de um modelo museológico, quando nem mesmo os museus daquele período

seguiam tais padrões. No entanto, o seu trabalho é o único que reflete, mesmo de forma pouco

profunda e enquadrando o Instituto como museu, a antropologia enquanto “ciência do

homem” e como ela esteve presente naquele espaço.

O segundo trabalho, a monografia de pós-graduação A construção do Museu Câmara

Cascudo, de Jailma da Silva Medeiros Santos, tem como meta principal estudar a história do

Museu Câmara Cascudo e a formação de suas coleções. Como o Museu possui a sua gênese

no Instituto de Antropologia, Medeiros narra a criação do IA de forma mais detalhada que

Gurgel, no entanto, o seu trabalho é basicamente descritivo. Na sua busca por documentos que

evidenciassem a formação das coleções do Museu9, maioria constituída pelas atividades de

pesquisa em campo, Medeiros conseguiu listar boa parte das pesquisas realizadas pelo

Instituto de Antropologia, que foram bastante úteis do desenvolvimento do nosso trabalho.

Na busca de outros trabalhos que representassem a pesquisa sobre a história da ciência

e de instituições no Rio Grande do Norte, encontramos a obra Cientistas e Pesquisadores

Norte-rio-grandenses, publicada no ano de 1983, de autoria do jornalista Luiz Gonzaga

6 VER: SILVA, Aline Gurgel. Instituto de Antropologia: história e memória de um itinerário científico-cultural

na URN. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História - Licenciatura e Bacharelado) - Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. O trabalho foi orientado por Wani Fernandes Pereira, professora

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 7 VER: SANTOS, J.S.M. A Construção do Museu Câmara Cascudo. Monografia (Pós-graduação em História do

Rio Grande do Norte) – Universidade Potiguar. Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação. Natal, 2010. 8 VER: LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no

século XIX. São Paulo, Hucitec, 1997; SCHWARCZ, Lilia Moritz. O nascimento dos museus brasileiros, 1870-

1910. In: MICELI, Sérgio. (Org.). Historia das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo, Vertice, Editora dos

Tribunais: IDESP, 1989, p. 20-71. 9 O Museu Câmara Cascudo/UFRN foi criado para manter as coleções formadas pelo Instituto de Antropologia.

Page 20: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

19

Cortez Gomes de Melo. O livro tem a intenção de registar a vida e a obra de, como diz o

próprio autor, “ilustres potiguares que atuaram em diversos ramos da ciência”. A coleta de

dados teve início no ano de 1966, mas a obra foi publicada apenas em 1983. Na apresentação

do livro, o autor se queixa de não ter encontrado apoio para publicação: “as primeiras

tentativas foram infrutíferas. Muita gente gozou com minha cara. Na verdade, pouca gente

acreditava que eu estivesse interessado em escrever um livro sobre os cientistas e

pesquisadores científicos nascidos no Rio Grande do Norte10

.

Além de se debruçar sobre as obras e práticas científicas de personagens da ciência

potiguar, Luiz Gonzaga Cortez Gomes de Melo, menciona em seu livro algumas instituições

científicas do Rio Grande do Norte, nas quais os pesquisadores exerciam suas atividades.

Entre as instituições, estão o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1902),

Associação Norte-rio-grandense de Astronomia (1956), Universidade do Rio Grande do Norte

(1958, federalizada em 1960, passando a Universidade Federal do Rio Grande do Norte –

UFRN), e o próprio Instituto de Antropologia (1960).

Conhecer a formação e a trajetória dos institutos de pesquisa é o ponto de partida,

como ressalta Dantes, não só para compreender o papel que estes desempenharam na

implantação de áreas científicas, mas também para uma reflexão mais geral sobre os fatores

presentes na implantação das ciências na sociedade brasileira11

.

0.2 Instituições Científicas – Espaços de Ciência, Campos e Capital Científico:

situando conceitos e debates

Desde a fundação das primeiras sociedades científicas, durante o século XVII, na

Europa, a ciência moderna esteve atrelada a diferentes formas organizacionais que, em um

processo continuo, foram se diversificando com o surgimento dos primeiros laboratórios e

institutos de pesquisa durante os séculos XIX e XX. Embora se possa encontrar no passado

inciativas precedentes, como por exemplo, a Academia dei Lincei, em Roma (1600), a

Académie Royale des Sciences, Paris (1666), ou Observatório de Paris (1625), esses espaços

não são considerados institutos de pesquisa no sentido moderno do termo.

Essas organizações, segundo o historiador da ciência italiano Paolo Rossi, se

caracterizavam como lugares onde informações eram trocadas, hipóteses discutidas e

10

MELO, Luiz Gonzaga Cortez Gomes de. Cientistas e Pesquisadores Norte-rio-grandenses. UFRN, Editora

Universitária, Diário de Natal, IEL, 1983. p. 19. 11

DANTES, Espaços da Ciência no Brasil. loc. cit.

Page 21: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

20

analisadas e experiências realizadas em conjunto, sobretudo onde avaliações e juízos sobre

experimentos eram emitidas e relatos apresentados por sócios e por indivíduos externos ao

grupo. Apesar de não objetivarem a difusão do saber, carregavam uma característica

importante presente na definição do instituto de pesquisa: a renúncia ao trabalho solitário

que caracteriza o fato de homens cultos se constituírem em grupo.

Para entendermos a concepção do projeto de um instituto de pesquisa, conforme

Rossi, devemos visualizar esse espaço como uma instituição que tenha como finalidade o seu

progresso mediante o trabalho de um grupo ou de uma equipe sob a orientação de um diretor

ou administrador científico12

.

Assim como, quando buscamos entender os institutos de pesquisa e sua história, o

termo institucionalização é correntemente empregado para se referir ao estudo do surgimento

e desenvolvimento da atividade científica considerando suas organizações institucionais. De

tal modo que as formas organizacionais são consideradas como a forma social da atividade

científica13

. Sendo assim, quando o historiador analisa o estudo da atividade científica por

meio da história das instituições, a ciência é observada em sua localização social

institucionalizada, representada por institutos de pesquisa, universidades, laboratórios,

observatórios, academias, sociedades, associações científicas, museus, órgãos financiadores,

entre outros.

Em um sentido mais amplo, as palavras institucionalização e instituição podem

possuir significados conexos que achamos necessários serem definidos. Segundo Ben-David,

institucionalização denota a aceitação por uma sociedade de determinada atividade como uma

importante função, assim como também a existência de normas que regulam a conduta em

determinado campo de atividade14

, enquanto que a palavra instituição, de acordo com a

historiadora Silvia Figueirôa, possui um sentido sociológico que se refere a formas

continuadas de comportamento.

Dessa forma, institucionalização se refere ao processo de implantação e

desenvolvimento de atividades científicas num determinado espaço-tempo histórico. A

atividade científica como instituição social apoia-se então, citando Figueirôa, “num conjunto

articulado de valores particulares que normatizam e regulam o comportamento específico de

seus praticantes”.

12

ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 371-372. 13

FIGUEIRÔA, S. F. de M. As Ciências Geológicas no Brasil: Uma História Social e Institucional, 1875-1934.

São Paulo, Editora Hucitec, 1997. p. 24. 14

BEN-DAVID, J. O Papel do Cientista na Sociedade. São Paulo: Pioneira, 1974. p. 109-110.

Page 22: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

21

Portanto, para fins deste trabalho, iremos chamar de instituição científica ou

instituição de pesquisa a atividade científica institucionalizada, entendida aqui como um

espaço conquistado por indivíduos e onde estes passam a sediar suas práticas por meio de um

trabalho coletivo. Com suas regras próprias, os institutos de pesquisa serão apreendidos como

micro sociedades que operam dentro de uma sociedade mais ampla e articulada15

.

O conceito de comunidade científica, em seu sentido lato, será entendido como um

“grupo de indivíduos que compartilham valores e atitudes científicas, e que se inter-

relacionam por meio das instituições científicas a que pertencem”. Para o historiador e

sociólogo brasileiro Simon Schwartzman, a comunidade científica também funciona como um

sistema autoridade fundamental para a caracterização da ciência como sistema social, porque

abriga os critérios de probidade, plausibilidade e aceitabilidade dos resultados científicos16

.

As palavras espaço, espaço de ciência e espaço científico serão utilizadas, conforme a

historiografia nacional, para definir o lugar onde é exercida a atividade científica17

.

Ressaltamos que o estudo desse espaço institucional vai além da análise do seu prédio, sua

arquitetura, a disposição de seus laboratórios e objetos, e se volta, sobretudo, para algumas

dimensões sociais da prática científica.

A análise extremamente descritiva do espaço físico da instituição, sem a observação

de suas especificidades para além do espaço de concreto, é marca de uma história institucional

que se mostrou predominante até os anos 70, quando transformações conceituais apontaram

para um redimensionamento desta história. As novas perspectivas, conduzidas por debates

liderados por sociólogos, historiadores e filósofos, objetivaram ultrapassar os limites internos

da história institucional da ciência e buscaram, sobretudo, a análise da influência de fatores

externos à atividade científica18

.

Entretanto, essa nova abordagem aplicada ao estudo das instituições não era tão nova

na historiografia da ciência. A análise de fatores externos remete à década de 1930, quando

intensos debates levaram o soviético Boris Hessen a apresentar o trabalho As Raízes Sócio-

Economicas da Mecânica de Newton, no qual apontava como um fator determinante ao

desenvolvimento científico fatores externos à ciência, como o contexto socioeconômico,

inaugurando, assim, uma linha de estudos denominada externalista19

.

15

ROSSI, op. cit., loc. cit. 16

SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para ciência: a formação da comunidade científica no Brasil. Brasília:

MCT, 2001. 276 p. 23 17

AZEVEDO, 1955; STEPAN, 1976; SCHWARTZMAN, 1979; FERRI, M.; MOTOYAMA, S. 1979/1981;

DANTES, 2001. 18

DANTES, Espaços da Ciência no Brasil. p. 14. 19

FIGUEIROA, op. cit., p.18-19.

Page 23: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

22

Se, em um primeiro momento, os estudos históricos sobre a ciência tinham como foco

principal as histórias das disciplinas e as biográficas científicas, repletas de narrativas heroicas

com o intuito de registrar e, principalmente, legitimar nomes e/ou áreas do conhecimento, e

onde as instituições figuravam apenas como pano de fundo da ciência, essa nova perspectiva

possibilitou à história institucional a exploração de questões mais complexas, abordando

temas como os esforços individuais, as relações pessoais entre cientistas, os interesses

políticos, as demandas econômicas e sociais.

A ruptura com a velha história institucional foi indicada principalmente pelo

historiador norte-americano Roger Hahn, em sua obra sobre a Academia de Ciências de Paris.

Na obra, considerada pioneira, Hahn chama a atenção para o estudo das instituições

científicas como espaços em que interesses sociais e científicos se encontram e no qual são

moldados os valores, por algumas vezes conflitantes, da ciência e da sociedade, mostrando a

influência de fatores externos nesses espaços20

.

Essa nova história institucional trouxe como foco, sobretudo, as dimensões sociais das

práticas científicas, procurando mostrar a estreita relação de dependência entre sociedade e

ciência, além de defender que a prática científica seja determinada pelas estruturas sociais e

econômicas existentes numa determinada sociedade21

. A ciência não mais caminhava por

pernas próprias, não mais era considerada um campo autônomo, sendo condicionada apenas

pelos métodos científicos, ela passava a ser vista como um campo dependente de arranjos

sociais, sendo concebida como

uma atividade exercida por seres humanos agindo e interagindo; portanto

uma atividade social. Seu conhecimento, suas afirmações, suas técnicas

foram criados por seres humanos e desenvolvidos, implementados e

compartilhados por grupos de seres humanos. Conhecimento científico é,

fundamentalmente, portanto, conhecimento social. Como atividade social, a

ciência é claramente um produto da História e dos processos que ocorreram

no tempo e no espaço, envolvendo seres humanos. Esses atores tiveram

vidas não somente na ciência, mas nas sociedades mais amplas das quais eles

eram membros22

.

A crítica à história interna se direcionou principalmente ao seu enfoque no método

científico para o entendimento de ciência como conhecimento autônomo, onde se fazia

20

DANTES, Espaços da Ciência no Brasil. loc. cit. 21

VIDEIRA, A. A. P. Historiografia e história da ciência. Escritos: revista da Casa de Rui Barbosa, v. 1. 2007,

p. 125. 22

MENDELSOHN, E. The Social Construction of Scientific Knowledge. In: MENDELSOHN, E; WEINGART,

P. & WHITLEY, R. (Eds.). The Social Production of Scientific Knowledge. Dordrecht: D. Reidel Publ. Co.,

1977, p. 3-4.

Page 24: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

23

desnecessário qualquer explicação sócio histórica. No entanto, convêm ressaltar que a

abordagem externalista, predominante ainda hoje nos estudos históricos desse tema, também é

passível de críticas quando defende a ideia de que a ciência deva ser explicada apenas pelas

forças sociais. Conforme Roberto de Andrade Martins, físico e historiador da ciência, a

abordagem social é excessivamente estreita quando nega os aspectos internos da prática

científica, visto que “nem todos os cientistas dedicam todo o seu tempo apenas a estratégias

de negociação e convencimento, e muitos possuem um desejo sincero de fazer ciência”. Para

Martins, o estudo das forças sociais é válido quando há, também, uma abordagem conceitual,

metodológica e filosófica da ciência, uma vez que esses estudos proporcionam uma

compreensão maior da dinâmica científica23

.

A ideia de complementaridade das duas visões, internalista e externalista, ao supor

que a ciência seja composta por dois aspectos: um fator interno (as teorias acabadas, os

métodos, a neutralidade) e um fator externo (a sociedade, as instituições, os valores), é

adequada quando ressalta a existência da dependência entre os dois fatores, evitando assim

bipolarização de abordagem, caracterizada pela dualidade indivíduo/sociedade, micro/macro,

sociedade/comunidade, sujeito/estrutura. Esse enfoque vai de encontro com a explicação de

Figueiroa, de que devemos evitar a divisão entre

a estrutura social da atividade científica, de um lado, e a estrutura conceitual

e logica do conhecimento científico, de outro. Em outras palavras, trata-se de

fazer uma ecologia da ciência, isto é, estudar e conceber a ciência em suas

relações com o meio ambiente no qual nasce, cresce, se desenvolve e morre,

pois as proposições científicas não são estáveis em significação, mas são

reinterpretadas à medida que se movem de um contexto social para outro24

.

A proposta de história da ciência como uma ecologia da ciência nos remete a

orientação da história tout court, presente na obra Le phénomène Nouvelle Histoire (1989), do

francês Hervé Coutau-Bégarie, considerada um excelente exemplo de como realizar uma

história das ciências. Coutau nos leva para uma história da atividade histórica por meio dos

seus agentes internos, suas conexões sociológicas em disputas, enfim, um modelo de como

historiar uma atividade cognitiva, tratando simultaneamente da ciência, como conhecimento,

dos agentes sociais e de suas emanações cognitivas, expondo jogos de poder no interior

daquele grupo ou espaço25

.

23

MARTINS, R. de A. Que tipo de história da ciência esperamos ter nas próximas décadas? Episteme, n. 10,

2000, p. 6-12. 24

FIGUEIROA, op. cit., p.20-21. 25

MAIA, Carlos Alvarez. História das ciências: uma história de historiadores ausentes: precondições para o

aparecimento dos sciences studies. Rio de Janeiro: Ed UERJ, 2013, p. 56.

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24

Sendo assim, as considerações sociais não mais ficam confinadas apenas às análises de

influências externas, visto que, como explica a antropóloga social Hebe Vessuri, “o fato de

que muitos processos sejam internos à ciência não os torna menos sociais”26

.

Nesse sentido, privilegiando a quebra da barreira internalismo/externalismo,

direcionamos a orientação teórica desta pesquisa a partir do trabalho de Pierre Bourdieu,

sociólogo francês que nos auxiliará a pensar para além das questões exclusivamente internas

ou externas da ciência, ao introduzir os conceitos de campo científico e de capital científico.

Segundo Bourdieu, para compreendermos a ciência não basta referir-se ao seu conteúdo

textual, muito menos ao seu contexto social, contentando-se em estabelecer uma conexão

direta entre ambos. Sua hipótese consiste em supor que, entre esses dois polos, existe um

universo intermediário o qual ele chama de campo científico. É nesse campo científico onde

estão inseridos os agentes, indivíduos e instituições, que produzem, reproduzem e difundem

ciência. O campo científico é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis

sociais mais ou menos específicas. A noção de campo científico de Bourdieu serve para

designar um espaço, percebido como um microcosmo, com características relativamente

autônomas e dotado de leis próprias27

.

Uma das questões que Bourdieu levanta acerca do campo científico é o seu grau de

autonomia em relação às leis sociais impostas pelo mundo externo. Devemos entender o

campo científico como um mundo social que sofre pressões e demandas externas, mas que

possui certo grau de autonomia para retraduzir essas pressões. O grau de autonomia de um

campo terá como indicador principal o seu poder de refração das pressões. Quanto mais um

campo científico é autônomo, mais ele escapa às leis sociais externas. O que nos leva a

questionar qual a força de um fenômeno externo, por exemplo, uma doença ou uma catástrofe,

em um campo da ciência?

No cenário brasileiro, a historiografia nos mostra que pressões e demandas externas

geradas a partir da expansão das atividades econômicas e a crescente urbanização,

impulsionadas pelo desenvolvimento da lavoura cafeeira, verificadas no final do século XIX e

início do século XX, levaram a criação de importantes institutos de pesquisa, sediados em São

Paulo e Rio de Janeiro. Com o objetivo de realizar estudos práticos e científicos sobre o café e

outras culturas que mostrassem viabilidade econômica, foi criado o Instituto Agronômico de

Campinas, em 1887. Para estudar e combater a broca do café que dizimava os cafezais

26

VESSURI, H.M.C. Qué investigar em América Latina? Acta Científica Venezolana, 35:1-5, 1984, p. 1. 27

BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo:

Editora UNESP, 2004. p. 18-25.

Page 26: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

25

paulistas foi criado o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal, em 1927. A área

biomédica passou por um forte desenvolvimento científico no final do ano de 1899, resultado

de um surto de doenças epidêmicas, como a peste bubônica e a malária, que culminou com a

criação de uma das principais instituições científicas do país, o Instituto Soroterápico de

Manguinhos, atual Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, em um momento em que a

saúde pública passou a ser uma das prioridades nas políticas públicas do governo28

.

Os exemplos citados acima mostram como o campo científico, influenciado por

demandas externas à atividade científica, não mais se sustentava unicamente por esforços

individuais, o que levou à criação de espaços próprios para a prática científica. Concebidos

para atender necessidades econômicas e sociais urgentes, muitos institutos de pesquisa

passaram a depender do esforço conjunto de muitos cientistas, o que significou uma mudança

na forma de se fazer ciência29

.

Além disso, conforme Bourdieu, todo campo científico se apresenta como um espaço

que comporta relações de força entre os seus agentes. Conforme o autor, o espaço ou campo

científico só existe devido às relações entre os agentes que aí se encontram, onde as relações

e as posições que eles ocupam dentro dessa estrutura de relações são responsáveis por

determinar ou orientar o que os mesmos podem e não podem fazer, como os temas e os

objetos escolhidos, os lugares e formas de publicação, as intervenções científicas etc.

Por fim, essa estrutura é determinada pela distribuição de capital científico dos

agentes em um dado momento, isto é, a capacidade dos agentes em submeter um campo às

suas forças. O capital científico é uma espécie particular de capital simbólico que consiste no

conhecimento e reconhecimento do agente (individuo ou instituição) pelos pares-concorrentes

no interior do campo científico30

.

Nesse sentido, qualquer que seja o campo, ele é objeto de luta dos agentes sociais

cujas posições dependem do seu capital. “[...] as oportunidades que um agente singular tem de

submeter as forças do campo aos seus desejos são proporcionais à sua força sobre o campo, isto é, ao

seu capital de crédito científico ou, mais precisamente, à sua posição na estrutura da distribuição do

capital”.

O historiador e sociólogo brasileiro Simon Schwartzman, também nos auxilia a

compreender que, por trás da lógica e da racionalidade da ciência, há um mundo humano onde

28

Para maiores informações, ver: STEPAN, N. Gênese e Evolução da Ciência Brasileira. Rio de Janeiro:

Artenova, 1976. 29

LUNARDI, M. E. Organização da Ciência no Paraná: a contribuição do IBPT. Curitiba: Tecpar; Banestado,

1993. p. 27. 30

BOURDIEU, Os usos sociais da ciência, loc. cit.

Page 27: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

26

as decisões são baseadas em interesses, ideias aproximadas, disputas de poder, decisões

oportunistas e o uso da retórica, ferramenta importante para conquistar aliados e afastar

inimigos. De acordo com Schwartzman, a existência de um mundo científico desligado do

mundo histórico e social, “um mundo de carne e osso das pessoas, dos animais e dos objetos

da natureza” tornou-se ultrapassado para a história da ciência. Não podemos mais tratar a

atividade científica sem entender, de modo profundo, como “ela se estrutura, se organiza,

busca seus recursos, estabelece suas verdades e reordena os atores e objetos que dela

participam, ou que são por elas influenciados”.

Na obra Um espaço para a ciência, esse autor destaca, sobretudo, a importância de

tomar a atividade científica como o resultado de uma manifestação da ação humana,

afirmando que a ciência consiste acima de tudo em

uma comunidade de indivíduos com boa educação que empregam com

entusiasmo o melhor da inteligência e criatividade. Os resultados desse

trabalho – artigos, dados científicos, aplicações tecnológicas – não passam

da ponta de um iceberg que não se pode sustentar sem sua base oculta: os

indivíduos que os produzem31

.

0.3 Procedimentos metodológicos e fontes

Nessa perspectiva, para investigarmos o Instituto de Antropologia da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (IA/UFRN), como um espaço de ciência, partiremos de sua

análise como um campo construído por meio dos arrolamentos de forças, relações sociais de

dominação, pela concentração de capital e poder de seus agentes. A opção metodológica, aqui

utilizada, pretendeu estudar esse espaço a partir das práticas e valores compartilhados pelos

seus agentes (indivíduos). Essa opção, segundo Lafuente, recai não no estudo da ciência, mas

sim no estudo de atividades científicas, que segundo esse autor,

nos defrontaria, com toda a crueza, com o problema do tempo e espaço

históricos, e obrigaria a um dialogo concreto, preciso, profundo, com as

fontes manuscritas e documentais. [...] a documentação manuscrita mostra a

existência de relações muito ricas e estreitas entre os cientistas, as

instituições acadêmicas, as organizações políticas e os governos de plantão32

.

Segundo Figueirôa, esse enfoque metodológico ressalta o processo de

desenvolvimento de atividades científicas e as insere em um processo histórico geral, no qual

31

SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para ciência: a formação da comunidade científica no Brasil.

Brasília: MCT, 2001. p. 20. 32

LAFUENTE, op. cit., loc. cit.

Page 28: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

27

há uma mistura inseparável do contexto e conteúdo da ciência, das ações de negociação de

seus agentes e na afirmação e sustentação dessas atividades num determinado tempo e espaço

histórico33

.

O estudo da origem, funcionamento e evolução de instituições científicas, bem como

seus relacionamentos com outras instituições de ensino e pesquisa, agentes financiadores

internos e externos, órgãos públicos e privados, associações profissionais etc., podem

contribuir, de acordo com a historiadora Maria Elizabeth Lunardi, para a melhor compreensão

do valor que as atividades científicas auferiram junto a determinados sociedade e espaço

histórico. Para a autora, esses estudos demonstram também que a criação e manutenção das

instituições revelam relações que abrangem desde a comunidade científica, organismos

públicos e privados até relações estritamente pessoais de cientistas com outros segmentos da

sociedade34

.

O estudo de caso, além de contribuir para a análise da trajetória institucional,

é considerado como ponto de partida para a reflexão mais geral sobre “os

fatores, científicos e extra-científicos presentes na implantação das ciências

na sociedade brasileira35

.

Para análise e relato das circunstâncias que levaram à formação do Instituto de

Antropologia (IA) foi realizado o levantamento fontes e documentos oficiais da instituição

depositados no Arquivo Documental do Museu Câmara Cascudo/UFRN. Sendo assim,

utilizamos: ofícios expedidos e recebidos, relatórios anuais, livros de ata e livros de visitação,

correspondências expedidas e recebidas, fotografias de registros das atividades do Instituto,

boletins universitários, Leis, Decretos e Regulamentos. Além do veículo de divulgação do

Instituto, a revista Arquivos do Instituto de Antropologia, que traz a produção científica do IA

e de colaboradores de outros espaços científicos. Esse conjunto de fontes envolve desde o

período de sua fundação, no ano de 1960, até o ano em que se deu sua extinção, 1974.

Buscamos reportagens publicadas nos principais jornais que circularam na cidade do

Natal durante os anos de 1956 a 1975, como A República, Jornal de Natal e Diário de Natal,

que noticiavam as atividades do Instituto e de seus cientistas. A presença de temas científicos

em artigos publicados sobre e pelos os cientistas nos jornais que circulavam em Natal era

constante. A impressa noticiava as atividades dos cientistas locais, suas viagens, como

também a presença de cientistas estrangeiros, suas biografias, além de realizar entrevistas e

33

FIGUEIRÔA, op. cit., p. 23. 34

LUNARDI, op. cit., p.18. 35

DANTES, Os usos sociais da ciência, p. 9.

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28

reproduzir discursos proferidos nas principais instituições da época. Escolhemos por aumentar

o recorte temporal dos periódicos na tentativa de cruzar dados que possam ter levado à criação

e descontinuidade do Instituto de Antropologia.

Sendo assim, o recorte temporal escolhido tem início na segunda metade da década de

50, quando surgem as principais faculdades e escolas de ensino superior na cidade do Natal –

espaços que agruparam parte de grupos sociais interessados e que apoiavam as atividades

científicas, onde se encontravam os personagens que fundaram o Instituto de Antropologia. A

pesquisa encerra-se no ano de descontinuação do IA, 1974, quando o mesmo passa a

responsabilidade de toda sua estrutura física, suas coleções e seus funcionários para o Museu

Câmara Cascudo/UFRN, criado oficialmente, um ano antes, em 1973, para “preservar os

resultados das pesquisas e estruturar as atividades de proteção, utilização e exposição das

peças do acervo”36

.

Nos parágrafos anteriores, expusemos uma síntese da história das instituições

científicas no Brasil e no Rio Grande do Norte. Sem a intenção de realizar um extenso

levantamento sobre a bibliografia relativa ao tema, buscamos entender e situar o leitor sobre o

papel desses espaços no desenvolvimento da ciência. Apresentamos o Instituto de

Antropologia e as principais inquietações que nos levaram a escolha deste como objeto de

estudo. Procuramos também apresentar os referenciais teóricos e a definição dos termos

Instituição, Espaço Científico, Campo Científico, Capital Científico, para então, debater a

questão do Instituto de Antropologia como espaço de ciência.

Em vistas disso, o trabalho está divido em três capítulos, além da corrente introdução e

das considerações finais.

No Capítulo 1, direcionamos o nosso olhar para algumas questões políticas que

influenciaram o desenvolvimento científico e cultural do Rio Grande do Norte ao longo da

década de 1950. Nessa senda, apresentamos uma breve caracterização do Estado e de sua

capital, utilizando como tema principal a relação entre o desenvolvimento local e a sua

produção científica. Registramos a criação do IA em um cenário não apenas local, mas

nacional, onde as Universidades eram vistas como ambiente essencial para o desenvolvimento

da ciência brasileira e especialização dos cientistas.

No capítulo 2, buscamos apresentar os quatros membros fundadores do IA: Luís da

Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo Pinheiro de Melo e Dom

Nivaldo Monte. Não pretendemos apresentar uma análise minuciosa de suas biografias, mas

36

Resolução do CONSUNI 1973 - Cria o Museu Câmara Cascudo/UFRN.

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29

registrar como estes intelectuais, utilizando o seu capital científico e suas posições como

agentes sociais de um campo científico, pensaram este espaço de ciência.

O Capítulo 3 mostra como o Instituto de Antropologia configurou um espaço da

ciência, considerando suas estratégias institucionais e suas relações com outras instituições

científicas nacionais e internacionais, tendo como foco a atuação de seus pesquisadores.

Acreditamos que este trabalho possa representar uma contribuição importante para o

debate acerca dos indivíduos e instituições que produziram, reproduziram e difundiram a

ciência no Estado do Rio Grande do Norte, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da

história da ciência local.

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30

CAPÍTULO 1

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA EM NATAL? E POR QUE NÃO?

O contexto local e os condicionantes para criação do Instituto de Antropologia (IA)

Para entender como ocorreu a formação desse espaço para prática científica no Rio

Grande do Norte, escolhemos, primeiramente, direcionar nosso olhar para alguns

acontecimentos políticos que possuem influência direta na economia e no desenvolvimento

social do estado ao longo da década de 1950.

Nesse sentido, neste capítulo, trazemos uma breve caracterização do Rio Grande do

Norte e de sua capital Natal durante a segunda metade dos anos 1950, especificamente dos

anos de 1956 a 1960, tendo como fio condutor as relações entre o desenvolvimento local e a

produção técnica e científica potiguar. Para tanto, utilizamos como fontes artigos publicados

nos jornais impressos do período, em especial, uma série de seis textos publicados no Jornal A

República, no mês de julho do ano de 1956, que revelam de forma clara essa relação.

1.1 Natal e o Rio Grande do Norte na Segunda Metade dos Anos Cinquenta – o

futuro que não chegava

E, ao sopro de sua vontade enérgica, a cidade antiga sepultou-se na sombra

de uma recordação do passado, para ceder o lugar à Natal moderna, bela e

radiante, com suas avenidas, parques e praças, com suas árvores, muitas

árvores, sombreando o asfalto e oxigenando o ar. Todos os serviços

municipais foram reorganizados. Dinheiro não faltava porque o estrangeiro

disputava a colocação de seus capitais nas obras de melhoramentos duma

cidade que se destinava a ser uma das maiores metrópoles do Novo

Mundo37

.

Quando Manoel Dantas, jornalista e intelectual local, proferiu a conferência Natal

Daqui a Cinquenta Anos, no ano de 1909, ele expôs o modelo do que seria a cidade do Natal

do futuro, mais precisamente a do ano de 1959. Uma cidade moderna, a cidade que a elite

intelectual natalense almejava. Ao longo do discurso, Manoel Dantas torna visível, sobretudo,

a crença dos intelectuais locais nas inovações científicas e técnicas como o caminho correto

37

DANTAS, Manoel. Natal daqui a cinquenta anos. In: EMERENCIANO, João Gothardo Dantas. (Org.). Natal

Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal. Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e

Estatística, 2007. p. 87.

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para conduzir a sociedade norte-rio-grandense em direção ao progresso. Contudo, a Natal do

ano de 1959 ainda apresentava os mesmos problemas da de 1909.

Até a década de cinquenta do século XX, o estado do Rio Grande do Norte, sobretudo

sua capital Natal, já havia vivenciado algumas transformações que alteraram, sobretudo, a

dinâmica do seu espaço urbano e a vida social de sua população. Alterações justificadas pelo

forte desejo de modernização da elite intelectual, que se encontrava seduzida pelos ideais de

progresso e avanços científicos da época.

Nos primeiros vinte anos dos anos 1900, intensas ações visando melhorias urbanas –

como a chegada do bonde e da energia elétrica, a construção de estradas, obras no porto,

alargamento das ruas, construção de praças, jardins, teatro, cinemas, cafés, clubes –,

marcaram a edificação de uma cidade moderna38

. Já na década de 1940, durante a Segunda

Guerra Mundial, a presença norte-americana em Natal e na Base Aérea de Parnamirim,

provocou um expressivo crescimento demográfico, ocasionado pela invasão de contingentes

militares brasileiros e americanos. Com o boom populacional, veio a necessidade de

redimensionamento do espaço urbano e dos serviços de infraestrutura, principalmente para

atender a demanda dos norte-americanos que movimentavam as ruas da cidade e a atividade

comercial dos cafés, bares, hotéis, restaurantes e lojas da capital39

.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, aqui ficaram, além de novos hábitos de trajar e

no alimentar da sociedade natalense, novos modos de pensar e um bom acervo de

conhecimentos responsáveis por impulsionar a economia potiguar40

.

O envolvimento do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial é, para muitos

historiadores, um ponto determinante para o crescimento intelectual do Estado. Explicado,

sobretudo, segundo o historiador Itamar de Souza, pela “presença de oficiais brasileiros e

norte-americanos, especializados em diversos ramos da ciência e da tecnologia”, o que fez

com que “as elites de Natal percebessem o atraso intelectual que viviam”41

.

Num artigo intitulado Raio-x de uma cidade o jornal A República mostrava no ano de

1956 que esse pensamento não era apenas compartilhado pelos intelectuais locais, mas

38

ANDRADE, Alenuska Kelly Guimarães. A eletricidade chega à cidade: inovação e técnica e a vida urbana em

Natal (1911-1940). Dissertação (Mestrado em História) – UFRN, CCHLA, PPGH, Natal, 2009. p. 24. 39

A população de Natal praticamente duplicou. De uma população de 55 mil habitantes, em 1940-1941, passou

para 85 mil em 1943 (ARAÚJO, 2009, p.53). Segundo Flávia de Sá Pedreira, esse aumente teve como

consequência imediata “o desencadeamento de uma tremenda crise de abastecimento, acompanhada pelo

aumento absurdo nos preços, especialmente no setor imobiliário” (PEDREIRA, 2005, p. 100). O aumento

também foi influenciado pela população que fugia da seca que assolava o interior do Estado naquele período. 40

SANTOS, Paulo Pereira dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte: século XIX ao XX. Natal: Clima,

1994. p. 129. 41

SOUZA, Itamar de. Universidade: para que? Para quem? Natal: Clima, 1984. p. 33.

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também por quem visitava a cidade no período próximo ao pós-guerra. No artigo o jornalista

gaúcho, Heron Domingues, discursa brevemente sobre como a influência dos norte-

americanos na cidade fez com que Natal despertasse “de um sono profundo e abrisse os olhos

para o progresso”42

.

Apesar dos períodos acima descritos serem apontados pela historiografia como os

momentos de efetivo desenvolvimento e transformação pela qual a capital potiguar passou até

a década de 1950, eles não foram suficientes para colocar o Rio Grande do Norte, e nem

Natal, em uma posição de destaque no cenário nacional. Nem mesmo entre os outros estados

da Região Nordeste o Rio Grande do Norte possuía evidência.

Segundo o economista Denílson da Silva Araújo, que pesquisou o processo de

urbanização e a dinâmica econômica no Rio Grande do Norte a partir da década de 1940, a

inexpressiva posição do Estado nesse período é resultado, principalmente, do lento

crescimento e baixo dinamismo de sua economia. Explicado, nas palavras de Araújo, pela

“supremacia das relações capitalistas mercantis sobre as industriais (...) somadas às históricas

concentrações de terra e da renda”43

. Nas mãos de uma classe social politicamente poderosa, o

modelo econômico existente no Rio Grande do Norte, com fortes bases nos setores

tradicionais, possuía um baixo nível tecnológico, se comparado à economia regional e,

sobretudo, à nacional. Uma consequência direta das frágeis estratégias de crescimento

econômico local, que priorizavam o investimento em infraestrutura e indústria de base, sem

geração de progresso científico e tecnológico44

. “No centro desse bairro, sobre um pedestal de

granito em forma de algodoeiro, ergue-se a estátua de um grande homem tocando a máquina

do progresso [...]”45

Podemos citar a cultura do algodão como um exemplo claro de como a administração

pública potiguar daquele período delineou políticas econômicas ultrapassadas e ineficazes

para o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado.

Assim como Manoel Dantas considerava o algodão a atividade econômica que levaria

Natal ao progresso, o Governador do Rio Grande do Norte no ano de 1956, Dinarte Mariz,

representante fiel da região do Seridó, afirmava que o futuro do Estado estava na cultura do

42

DOMINGUES, Heron. Raio-x de uma cidade. Jornal A República, 11 de julho de 1956, p. 4. 43

ARAÚJO, Denílson da Silva. Dinâmica econômica, urbanização e metropolização no Rio Grande do Norte

(1940-2006). Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto

de Economia, 2009. p. 5-6. 44

Além disso, as atividades econômicas desenvolvidas, baseadas na agroindústria e no extrativismo, além de

possuírem intenso uso de mão-de-obra, eram pouco utilizadoras de máquinas e equipamentos industriais e não

exigiam grandes investimentos tecnológicos. 45

DANTAS, op. cit. p. 83.

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33

algodão46

. Motivado principalmente pelo fato de o Rio Grande do Norte produzir o melhor

algodão nacional – o tipo mocó de fibra longa e mais resistente. No entanto, pela incapacidade

de elevar sua produção e produtividade, resultado, entre outras coisas, do baixo nível

tecnológico, o Estado não conseguiu criar as bases para a implantação de um setor industrial

competitivo. Isso porque, conforme Araújo, as elites políticas estavam mais preocupadas em

“reproduzir suas riquezas, e notadamente, a produtiva não foi a mais ‘preferida’”47

.

A fragilidade econômica se traduzia em outros setores da sociedade potiguar e

preocupava as lideranças intelectuais que discursavam em prol do conhecimento técnico e

científico, o defendendo como o pilar para o desenvolvimento do estado e de sua capital.

Muitos desses discursos são encontrados nas páginas dos jornais que circulavam por Natal

naquele período.

1.2 Pesquisa e progresso – a solução para os problemas do estado

Com base em artigos publicados no jornal A República, em julho de 1956, em uma

sessão específica na terceira página e todos sem autoria mencionada, é possível observar a

fragilidade econômica que o Rio Grande do Norte se encontrava, como também observar os

anseios e o pensamento vigente da elite local que criticava a situação do estado potiguar.

É válido assinalar que o jornal A República, fundado em 1889, pela iniciativa de Pedro

Velho de Albuquerque Maranhão, representava os políticos que detinham o poder no período.

Contudo, por tratar-se de um periódico formado por diversos indivíduos, encontramos vários

artigos que criticam a gestão municipal e estadual vigente.

O artigo Produção e Pesquisas, por exemplo, recrimina de forma bastante direta a

administração política do Rio Grande do Norte. De acordo com o texto, a administração se

caracteriza como uma “administração apressada”, por realizar obras e ações sem possuir o

devido conhecimento básico das condições geológicas, agronômicas, meteorológicas, como

também das condições sociais do estado. “Ninguém poderá em nossos dias pensar em

produção, quantitativa e qualitativamente, sem primeiro pensar nos meios de pesquisa que

devem preceder a qualquer trabalho objetivando essa finalidade”48

.

46

O prefeito Djalma Maranhão (1956-1959) também defendia a importância da produção do algodão para o Rio

Grande do Norte. Um dos discursos mais lembrados de sua carreira política, já como Deputado Estadual, em

1959, é em defesa do algodão nordestino. Nele, Djalma Maranhão faz análise econômica do papel do algodão no

Brasil, especialmente no Nordeste, denunciando a existência dos trustes internacionais, e apresenta o Projeto de

Lei que defende o produtor nacional. 47

ARAÚJO, op. cit. p. 80. 48

PRODUÇÃO E PESQUISAS, A Republica, 13 jul 1956, p. 3.

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34

Conforme o texto, essa pressa tem sido um dos principais motivos do atraso na

solução de certos problemas recorrentes no estado, como a seca. Criticando o que ele chama

de “método de empirismo rotineiro”, o texto sugere ao governador Dinarte Mariz a

contratação de pesquisadores especializados para que seja feito, primeiramente, o

levantamento de dados exatos e seguros para que só então quaisquer obras pudessem ser

executadas.

Importante destacar que o problema das secas na região Nordeste do Brasil é

considerado pela historiografia da ciência como um dos quadros que mais mobilizou

cientistas, médicos e engenheiros. Isso porque a construção de açudes e de estradas de

rodagem de terra demandou a presença de diversos especialistas para conduzir “estudos de

hidrologia e climatologia, além de técnicas para a construção de barragens”49

. Para a

historiadora Marilda Nagamini, o problema das secas é responsável, em parte, pela criação do

Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, em 1907, vinculado ao Ministério da Indústria,

Viação e Obras Públicas, e que tinha entre os seus objetivos o estudo científico

da estrutura geológica, mineralógica, meios e recursos minerais do território

da República, tendo sobretudo em vista o aproveitamento dos recursos

minerais e das águas superficiais e subterrâneas e a coleta de informações

sobre a natureza geológica e fisiográfica do terreno que possam servir de

base à organização de projetos de vias de comunicação e outras obras

públicas, especialmente as de prevenção contra os efeitos das secas50

.

Visando solucionar o problema das secas, também foi criada, em 1909, a Inspetoria

Federal de Obras contra a Seca (IFOCS), formada por duas equipes, uma encarregada dos

estudos ecológicos, econômicos e sociais, e outra dos aspectos técnicos. Em Natal, funcionou

o 5º Distrito do órgão, que na década de 1950 já se chamava Departamento Nacional de Obras

Contra as Secas (DNOCS).

Apesar dos quase cinquenta anos de atuação no Rio Grande do Norte, o DNOCS, em

1956, ainda não possuía sede própria em Natal, funcionando em um “incômodo” casarão no

bairro da Ribeira. Seu diretor, o engenheiro Carlos Cabral de Andrade, em reportagem ao

jornal A República, relata a dificuldade em distribuir os setores técnicos e os equipamentos de

laboratório, assim como grave problema no armazenamento de materiais para análise: “os

49

NAGAMINI, Marilda. 1889-1930: Ciência e Tecnologia nos processos de urbanização e industrialização. In:

MOTOYAMA, Shozo. (Org.). Prelúdio para uma história - ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/

Fapesp, 2004, p. 205. 50

DECRETO n. 6323, de 10 de janeiro de 1907.

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equipamentos e veículos permanecem em depósitos emprestados ou alugados, dificultando a

boa marcha dos trabalhos”51

.

As dificuldades do órgão são, em parte, reflexos na mudança da política administrativa

do mesmo. Seu objetivo, quando criado, além da construção de açudes, estradas e pontes, era

também promover a pesquisa e estudos básicos da região. Sob a orientação do seu primeiro

diretor, o engenheiro Miguel Arrojado, o IFOCS, em seus primeiros anos de funcionamento,

promoveu, sobretudo, a pesquisa científica na região. Para tanto, foram contratados

topógrafos, geólogos, engenheiros, botânicos, hidrólogos, sociólogos, entre outros

especialistas para estudar e desvendar os “mistérios dos solos e clima da região”. Para

Arrojado, os trabalhos realizados pelo IFOCS, deveriam ser conduzidos para permitir

[...] abranger, em conjunto, as condições diferentes das regiões flageladas,

sob os seus vários aspectos, geográfico, climatérico, botânico, social e

econômico, e assim poderá a inspetoria traçar o programa dos seus serviços

apoiada em fatos de pura e real observação no terreno.

No entanto, o Governo Federal e os Governos Estaduais esperavam do órgão

resultados imediatos e não concordavam com o alto custo das atividades de natureza

científica. Com a mudança de orientação do IFOCS, Arrojado foi exonerado e os trabalhos de

pesquisa científica reduzidos de maneira drástica, permanecendo em um plano secundário,

visto que “a tônica era construir obras”52

.

Tem-se notícia da existência de alguns laboratórios funcionando em departamentos

públicos em Natal, como o Laboratório Distrital de Solo do 14º Distrito Rodoviário Federal

ligado ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Instalado no bairro do

Alecrim, sob a direção do engenheiro Malef Victório de Carvalho, o laboratório tinha como

finalidade realizar a análise do solo e a escolha de materiais que seriam utilizados na

pavimentação rodoviária, requisito preliminar nas obras da engenharia que aconteciam pelo

interior do Estado.

Natal possuía um terceiro laboratório que, também, enfrentava problemas de

funcionamento. O Laboratório de Produção Mineral, chamado também de Laboratório de

Análise de Minérios, filiado ao Departamento Nacional de Produção Mineral. Apesar de

concluído em 1956, um ano depois continuava parado sem realizar as suas finalidades por

falta de equipamentos e pessoal técnico necessário. A ausência desses elementos obrigava o

Rio Grande do Norte a subordinar ao estado da Paraíba a sua produção de minérios, que

51

AMPLIA OS SEUS RUMOS O 5º DISTRITO DO DNOCS, A Republica, 05 agosto 1956, p. 4. 52

DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS – DNOCS. Disponível em:

<http://www.dnocs.gov.br/>. Acesso em: 15 jul 2013.

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36

seguia para análise em Campina Grande e era exportada via porto de Cabedelo, situação que

colocava em detrimento a economia potiguar53

.

A produção de minérios representava um promissor futuro econômico para o Estado,

sobretudo pela forte procura de scheelita e o berilo pela indústria bélica mundial. Apesar de o

Estado ter um dos subsolos mais ricos do Brasil, a extração industrial era feita de forma

rudimentar54

.

Em janeiro de 1957, o Governador Dinarte Mariz apresentou ao Ministro da

Agricultura uma exposição de motivos em que reivindicava para o Laboratório de Produção

Mineral a autonomia de analisar o minério do Estado para que o mesmo fosse exportado via

porto de Natal: “Em precárias situações em que vive o Laboratório local não pode realizar

funções que lhe deveriam estar atentas, nem sequer fornecer certificado para que os

exportadores possam embarcar os produtos”55

.

Na exposição, o Governador solicitava a designação de um químico e de outros

técnicos que formariam o quadro de pessoal, assim como a aquisição do material e

equipamentos para a realização de análise dos minérios. Segundo Dinarte, essas seriam as

condições básicas para que a produção e a economia de minérios do Rio Grande do Norte não

sofressem mais com limitações e dificuldades provenientes do exame e exportação de seus

produtos.

No Rio Grande do Norte, os trabalhos de pesquisa empírica dos laboratórios citados

acima, com exceção do último, ocorreram, sobretudo, por meio dos estudos geológicos da

região de Mossoró. A história de grande parte dessas pesquisas pode ser encontrada nos seis

volumes da coleção Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense, organizada por Vingt-

un Rosado, intelectual potiguar da cidade supracitada, que se dedicou aos estudos dos fósseis

e da cultural local. Entre os especialistas que passaram pela região, nomes como Luciano

Jacques de Moraes, reconhecido engenheiro e geógrafo mineiro, e Llewellyn Ivor Price, um

dos primeiros paleontólogos brasileiros e considerado o pai da paleontologia de vertebrados

no Brasil, são lembrados constantemente na narrativa das pesquisas geológicas e

paleontológicas do Estado. Ambos são descritos por Vingt-un Rosado como “homens de

53

FUNCIONAMENTO, BREVE, DO LABORATÓRIO..., Jornal de Natal, 08 Janeiro 1957. p. 1. 54

SANTOS, Paulo Pereira dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte: século XIX ao XX. Natal: Clima,

1994. p. 130. 55

AUTONOMIA PARA O LABORATÓRIO..., Jornal A República, 10 jan 1957, p.v8.

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ciência” e “grandes Geólogos do Brasil”. São chamados também de “sábios estudando com as

luzes de sua cultura especializada, os nossos problemas de Geologia e Paleontologia”56

.

Porém, como apontado anteriormente, por mais que muitos especialistas estivessem

interessados na pesquisa empírica, o governo se interessava pela Geologia econômica e

estrutural, que possuía importância imediata para o desenvolvimento econômico. A utilidade

da pesquisa geológica era vista pelo Estado como um meio de mapear os depósitos minerais e

descobrir plantas e animais que pudessem ser consumidos ou exportados.

Apesar de esses espaços estarem associados a uma produção científica utilitária, que

servia às necessidades imediatas, que tanto o texto analisado recrimina, não podemos deixar

de apontar a sua importância no desenvolvimento da ciência local durante a década de 1950.

Isso porque, foi nesses espaços, que alguns dos cientistas locais iniciaram suas atividades.

Como exemplo, Antônio Campos e Silva, considerado um dos principais paleontólogos do

Rio Grande do Norte, contratado pelo DNOCS para realizar o trabalho técnico de

levantamento e análise de solo, também desenvolvia, por iniciativa própria, pesquisas no

campo da geologia e paleontologia. Antônio Campos permaneceu trabalhando no DNOCS até

o ano de 1962, quando foi convidado a integrar a equipe de pesquisadores de uma recém-

criada instituição científica, o Instituto de Antropologia da Universidade do Rio Grande do

Norte, objeto de nossa pesquisa.

Voltando ao artigo em análise, ele ainda ressalta a ausência de instituições voltadas à

pesquisa e, também, à formação técnica de especialistas no estado. Enquanto Recife é

elogiada pelo seu Instituto Joaquim Nabuco, criado no ano de 1949 e descrito como um

espaço “empenhado na solução dos mais graves problemas sociais, políticos e econômicos do

Nordeste brasileiro”, Natal e o Rio Grande do Norte continuavam, segundo o texto,

estagnados em uma fase de “empirismo colonial, administrando com os simples dados da

experiência, do esforço pessoal, da intuição, sem nenhuma base científica”57

.

No cenário nacional do início do século XX, a ciência já era considerada a mais

elevada manifestação da inteligência humana. É nesse momento que, no Brasil, os diferentes

territórios da ciência foram, aos poucos, sendo demarcados com o surgimento de associações

profissionais, instituições de pesquisa, revistas especializadas, conferências e congressos.

Duas das principais instituições científicas nacionais são criadas: o Instituto Soroterápico, em

1900, responsável pela fabricação de soros e vacinas contra a peste bubônica, e que se tornou

56

ROSADO, Vint-Un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense: 1935 a 1962. Mossoró: Fundação

Vignt-Um Rosado. Coleção Mossoroense. Série C, 2. v., 1999. p. 27-30. 57

PRODUÇÃO E PESQUISAS, A Republica, 13 julho 1956, p. 3.

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a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); e o Instituto Butantan, com mesma missão institucional

da Fiocruz, e hoje um dos maiores centros de pesquisa biomédica do mundo58

. Nesse período,

a ciência deixava de ser uma atividade praticada somente por indivíduos, de forma isolada, e

passava a ser praticada por grupos de cientistas reunidos em institutos, laboratórios,

departamentos e repartições do governo.

Apesar do Rio Grande do Norte não possuir instituições específicas voltadas à ciência

e à formação de cientistas, o Estado contava com alguns espaços de atuação científica e

cultural que serviam de vitrine para as pesquisas de alguns intelectuais. Podemos citar, como

exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), fundado em

Natal em março de 1902, a partir da iniciativa da elite intelectual e política, como Manuel

Dantas, Henrique Castriciano, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Eloy de Souza, dentre

outros. Com a finalidade de reunir e divulgar, por meio da sua Revista, documentos e estudos

relacionados à história, geografia, arqueologia e etnografia, principalmente do Rio Grande do

Norte, o IHGRN era o principal espaço de sociabilidade e consagração dos intelectuais locais.

Um segundo artigo, intitulado Pesquisas Sociais, foi publicado pelo A República,

reforçando o discurso do anterior, ou seja, da necessidade de introduzir métodos de pesquisa

“em vários campos de atividade do homem nordestino”. O texto enfatiza a importância do

trabalho em conjunto dos técnicos das áreas como Geologia, Agronomia e de especialistas em

Antropologia, Sociologia e Folclore nas ações no interior do estado. Uma descrição de como

deveria funcionar uma instituição científica naquele momento: um espaço com cientistas de

diferentes áreas, trabalhando em conjunto na resolução de problemas específicos.

O texto finaliza mencionando a Escola de Serviço Social de Natal, criada em 1945,

como um espaço local de atuação de alguns intelectuais que realizam estudos científicos,

como o professor Otto Guerra59

. No entanto, pela forte ligação com a igreja e pelo cunho

extremamente assistencialista da referida instituição, o texto incube à Escola e aos seus

professores o papel de apenas fornecer apoio para os almejados técnicos, e não como um

espaço capaz de formar os especialistas tão necessários60

.

As escolas e faculdades de nível superior existentes em Natal destacavam-se nesse

período como espaços de atuação de muitos potiguares dedicados à ciência. Além disso, as

58

CARVALHO, Zulmara Virgínia de; PANTALEON, Efrain; RODRIGUES, Ramon César; ORRICO, Pablo

Pekos Costa; NOBRE, Augusto Cesar Bezerra. História econômica brasileira do empreendedorismo e inovação

potencialidades e impactos no Estado do Rio Grande do Norte. 2012. Disponível em <

http://www.aahe.fahce.unlp.edu.ar/Jornadas/iii-cladhe-xxiii-jhe/>. 59

Desde a década de 1930, Otto Guerra vinha publicando no jornal local A Ordem, onde atuava como jornalista

e editor, artigos, fruto de seus estudos sobre questões regionais – particularmente dos problemas ligados à

economia e à questão da seca. 60

PESQUISAS SOCIAIS, A Republica, 19 julho 1956, p. 3.

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39

aulas e conferências que abriam o ano letivo desses espaços atraiam autoridades e intelectuais

por serem ministradas por professores renomados, principalmente de instituições de ensino de

outros estados. Vários diretores e professores das faculdades locais, quando participavam de

eventos, congressos e reuniões profissionais pelo Brasil e exterior, ganhavam destaque nas

páginas dos jornais impressos da capital.

Porém, com exceção das pesquisas conduzidas isoladamente por alguns intelectuais

ligados às faculdades do estado, esses espaços e seus professores eram vistos, nesse período,

apenas como pontos de apoio para pesquisas e pesquisadores de instituições de outros estados

que constantemente excursionavam pelo interior potiguar.

Encontramos alguns exemplos que foram noticiados pela impressa escrita local.

Quando, em janeiro de 1957, o Instituto Joaquim Nabuco de Recife enviou ao Rio Grande do

Norte geógrafos para estudar o Rio Ceará Mirim, no município de mesmo nome, com o

objetivo de estudar os rios da região canavieira do Nordeste brasileiro, a equipe, chefiada pelo

Prof. Gilberto Osorio, recebeu apoio de Edgar Barbosa, Luiz da Câmara Cascudo e Boanerges

Soares, diretor e professores da Faculdade de Filosofia de Natal, e que acompanharam in-loco

os cientistas pernambucanos61

. Em setembro do mesmo, um grupo da Faculdade de Filosofia

da Paraíba também visitou o Estado para realizar estudos acerca da cultura local, contando

novamente com o apoio do professor Edgar Barbosa, diretor da Faculdade de Filosofia de

Natal62

.

1.3 Problemas do Nordeste – carência de inovação e estudos técnicos

Outros dois artigos, Problemas do Nordeste e Problemas do Nordeste e o Orçamento

Federal, igualmente apontam a carência de inovação técnica na econômica do Rio Grande do

Norte, descrita como “uma monocultura asfixiante e mirrada, pobre de técnica e desfalcada de

maquinários”, e sua relação com a ausência de estudos técnicos especializados, visto que,

segundo o texto, o Nordeste, como um todo, teria problemas que “por sua natureza e

complexidade, merecem um estudo mais acurado dos técnicos e de todos aqueles que se

dedicam às ciências especializadas no campo da agronomia, geologia, finanças e economia”63

.

Abordando a relação entre os avanços da ciência e a urgência na especialização das

diversas áreas do conhecimento, o artigo Industrialização e Progresso, critica o atraso do

61

GEÓGRAFOS PERNAMBUCANOS ESTUDAM..., Jornal de Natal, 18 jan 1957, p. 5. 62

VISITARÁ O ESTADO UMA DELEGAÇÃO..., Jornal de Natal, 28 ago 1957, p. 1. 63

PROBLEMAS DO NORDESTE E O ORÇAMENTO FEDERAL, A Republica, 15 jul 1956, p. 3.

Page 41: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

40

campo industrial do estado e anuncia que já é tempo de o Rio Grande do Norte despertar para

“as alvoradas da civilização e do progresso” por meio de uma “mentalidade baseada na

ciência”64

.

O tema “industrialização e progresso”, segundo o historiador Shozo Motoyama, já

figurava como destaque na pauta da economia nacional desde a década de 1930, período no

qual o Brasil viveu um processo de modernização, ainda que retardatário. Porém, a

industrialização iniciada na era Vargas não trouxe a modernidade pretendida na economia,

isso porque a ciência não era valorizada como cultura e sim como um meio utilitário capaz de

produzir riqueza65

.

A necessidade de a ciência ser amparada pelo poder público já era reiterada, na década

de 1930, pelo diretor do Instituto Geológico Brasileiro, Euzébio de Oliveira, que julgava ser

fundamental para o crescimento do progresso econômico o cultivo de todos os ramos da

ciência. De acordo com Oliveira,

[...] o nosso progresso econômico está em estreita dependência com o valor

dos seus homens de ciência. Precisamos trabalhar no sentido de ampliarmos

os meios da cultura científica no país, procurando criar nesse sentido uma

opinião científica. Devemos evitar que a solução de nossos problemas

econômicos e sociais continue a ser procurada, como tem sido até agora,

usando processos predominantemente empíricos66

.

No entanto, como já apontado anteriormente, a modernização desejada pelos círculos

governamentais caracterizava-se por ser apressada e dependente, a mesma que, segundo os

textos publicados no jornal A República, ainda predominava no Rio Grande do Norte da

segunda metade da década de 1950. Motoyama destaca esse fato ao assinalar que a

industrialização não havia levado a modernidade pretendida à economia, já que “o

pragmatismo dos senhores do poder discriminava a pesquisa básica, favorecendo a aplicada,

argumentando sobre a sua utilidade imediata”67

. E, complementa, “[...] a industrialização não teve

influência direta em promover a investigação científica ou tecnológica. [...] movida por propósitos

imediatistas, prestou escassa atenção à realização de pesquisas ou formação de recursos humanos”68

.

Contudo, à medida que a política governamental encontrava-se centralizada em uma

perspectiva imediatista, a elite intelectual dava o primeiro passo para quebrar, em parte, esse

64

INDUSTRIALIZAÇÃO E PROGRESSO, A Republica, 26 jul 1956, p. 3. 65

MOTOYAMA, Shozo. 1930-1964: Período Desenvolvimentista. In: MOTOYAMA, Shozo. (Org.). Prelúdio

para uma história - ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/ Fapesp, 2004, p. 255. 66

E.P. de Oliveira. Ata de 16 de maio de 1933. Livro de Atas da ABC de 1933-1934 apud MOTOYAMA,

Shozo. 1930-1964: Período Desenvolvimentista. In: MOTOYAMA, Shozo. (Org.). Prelúdio para uma história -

ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/ Fapesp, 2004, p. 255. 67

MOTOYAMA, Shozo. op. cit. loc. cit. 68

Ibidem, p. 253.

Page 42: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

41

círculo vicioso. Enquanto os homens que faziam ciência no Brasil discutiam sobre o papel

exercido pela ciência no país e buscavam consolidar os seus espaços de atuação profissional,

constante eram também os seus esforços pela criação de instituições de ensino superior,

sobretudo, universidades. A defesa da fundação das universidades pelos cientistas explica-se,

segundo Sá, pela forte associação que eles faziam entre educação superior e a promoção do

progresso do Brasil. E, para que isso fosse possível, na visão deles, uma mudança profunda

deveria ser efetivada no modo de ensinar no Brasil. Em outras palavras,

[...] à intelectualidade brasileira, toda ela reunida em instituições com

esforços congregados, caberia a avaliação e a direção da vida social, politica,

econômica e cultural do país, e esse seu papel só seriam bem exercido com a

criação das “casas de ciência”, que fariam as elites repontar “da massa

anônima como os cristais no seio das águas-mães”69

.

1.4 O espaço do ensino superior, o progresso local e a produção científica

As primeiras mudanças relacionadas à associação entre ciência, progresso e ensino

superior no Brasil, teve início, principalmente, quando, em 1931, o Governo Federal, por

meio da primeira reforma educacional de caráter nacional, realizada pelo então Ministro da

Educação e Saúde Francisco Campos, reconheceu a necessidade de criar e manter

universidades brasileiras modernas, com objetivos de formação das elites tanto na área

profissional e científica como na realização de pesquisas. Pesquisas essas, viabilizadas pela

autonomia universitária e pela criação de órgãos de investigação científica70

. Na opinião de

Francisco Campos, a universidade deveria ser:

[...] uma instituição administrativa e educacional que une toda a educação

superior sob uma única liderança intelectual e técnica, seja o seu ensino de

natureza pragmática e profissional ou puramente científica, sem aplicação

imediata, com o duplo objetivo de proporcionar à elite da nação um

treinamento técnico, e criando ao mesmo tempo um clima propicio para que

os talentos puristas e especulativos persigam a sua meta, indispensável par

ao crescimento cultural da nação – a investigação e a ciência pura71

.

69

SÁ, D.M. de. Notas sobre “Ciência e Cientistas do Brasil” In: LIMA, N.T & SÁ, D.M. de (Orgs).

Antropologia brasiliana: ciência e educação na obra de Edgard Roquette-Pinto. Belo Horizonte: Editora

UFMG, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p.168. 70

MOTOYAMA, op. cit, p. 252-253. 71

SCHWARTZMAN, op. cit p.10

Page 43: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

42

Essas medidas levaram a ampliação das universidades no país e, como consequência,

a absorção dos cientistas e da produção científica. Consolidando-se a partir dos anos 30, a

universidade brasileira é considerada tardia, sobretudo, se considerarmos que a América

hispânica já contava com universidades desde o século XVI72

. Fato que levou Anísio

Teixeira a criticar a deficiência do projeto nacional de educação brasileiro: “como aceitar que

se tenha perdido todo o século XIX e cerca de um terço do Século XX para somente serem

possíveis em 1934 e em 35 as primeiras universidades brasileiras com a Universidade do

Distrito Federal e a Universidade de São Paulo?”73

.

A expansão do sistema universitário chegou ao Nordeste mais precisamente no ano de

1946, com a fundação da Universidade do Recife, no Estado do Pernambuco. Logo vieram a

Universidade do Ceará, 1954, a Universidade da Paraíba, criada em 1955 e Universidade do

Rio Grande do Norte, em 1958. Todas estas criadas e organizadas por meio da incorporação

de faculdades e escolas de nível superior, previamente existentes74

.

De acordo com Motoyama, as diversas universidades que foram criadas na época eram

“celeiros em potencial de pesquisadores e difusores da ciência”. Em particular, a

Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934, e que, por meio de sua Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras, se tornou o principal centro de investigações científicas de alto

nível no país, contrariando a visão corrente do imediatismo ao investir pesadamente na

formação de pessoal “acreditando na potencialidade dos seus diplomados para a resolução de

problemas de importância da nação”. Segundo Motoyama, a elite paulista já sabia que “para

resolver questões difíceis, mais do que receitas e fórmulas mágicas, ter-se-ia de recorrer a

homens e a mulheres qualificados e preparados para enfrentá-las com sucesso”75

.

Importante observar que a série de artigos publicados no jornal A República segue

criticando justamente a linha de acontecimentos narrada pela historiografia da ciência

brasileira. De modo que, o último texto da série, intitulado Visão do Futuro, traz como

solução definitiva para os problemas enfrentados pelo Rio Grande do Norte a “formação de

homens com visão não só do futuro, mas, sobretudo, visão de conjunto”. Para isso, ressalta a

importância da criação das Faculdades de Odontologia, Direito e Medicina, consideradas o

primeiro passo para a organização da futura Universidade do Rio Grande do Norte: “com essa

72

JUNIOR, Carlos Newton. Breve Histórico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. In: JUNIOR,

Carlos Newton (Org.) Portal da Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos da

federalização (1960-2005). Brasília, DF: Senado Federal, 2005, p.22 73

TEIXEIRA, Anísio. Ensino superior no Brasil: análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de

Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989, p. 89. 74

MOTOYAMA, op. cit., p. 253-257. 75

MOTOYAMA, op. cit., p. 258.

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43

iniciativa mostrariam os pioneiros do movimento universitário do nosso Estado que têm vistas

largas para o futuro e visão clara dos problemas fundamentais da nossa região”76

.

No Rio Grande do Norte, as escolas e faculdades de ensino de superior eram tidas,

sobretudo a partir da década de 1940, com o término da Segunda Guerra Mundial, como

espaços primordiais para desenvolvimento científico e cultural do estado77

. Os registros dos

jornais da época evidenciam a importância dada a esses espaços na promoção da ciência local.

Em julho de 1956, o jornal A República publicava uma reportagem intitulada

Impressões sobre o progresso científico-cultural da cidade na qual, o Presidente da

Associação Médica do Distrito Federal, Álvaro Dória, em visita à Natal, se referia

principalmente à qualidade das Faculdades, além de ressaltar o papel da Sociedade de

Medicina e Cirurgia:

As instalações da Faculdade de Farmácia e Odontologia e as de Medicina,

impressionaram-me sobremaneira, tanto em sua parte técnica, como pela

eficiência pedagógica. As Escolas de Serviço Social, Doméstica e de

Enfermagem, são outras instituições tidas como padrões dentro de suas

finalidades. A Associação Hospitalar e a Sociedade de Medicina e Cirurgia,

no plano científico têm contribuído com eficiência para o progresso cultural

da cidade. Estimo que a terra potiguar continue nesse impulso progressista,

muito embora lutando contra as adversidades da natureza78

.

A reportagem do Jornal Tribuna do Norte, de janeiro do mesmo ano, intitulada Bem

impressionado o professor Oliviere com as instalações da Faculdade de Medicina, apresenta

os elogios que o professor italiano Luigie Oliviere, convidado a assumir a cadeira de

Anatomia da Faculdade de Medicina, faz a citada instituição79

. Outro texto do mesmo jornal,

denominado Faculdade de Medicina de Natal, de março de 1956, escrito pelo médico

pernambucano Edilton Sampaio, exaltava a importância desta instituição como a “expressão

da cultura médico-científica” potiguar. Dizia também que a faculdade era para Natal “um

novo passo em nova gigantesca estrada do seu progresso” e chamava o vestibular de “festa

intelectual de marcada repercussão na ufanosa cidade”. No entanto, Sampaio chamava a

atenção para a falta de amadurecimento da cidade se comparada aos outros centros do ensino

médico brasileiro, como Recife, Rio de Janeiro e Bahia, mas acreditava que estudiosos

76

VISÃO DO FUTURO. A República, 28 jul 1956, p. 3. 77

O envolvimento do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial, por meio das cidades de Natal e

Parnamirim, é para muitos historiadores um ponto determinante para o crescimento intelectual do estado. Esse

crescimento ocorreu, segundo com o historiador Itamar de Souza, principalmente, porque “a presença de oficiais

brasileiros e norte-americanos, especializados em diversos ramos da ciência e da tecnologia, possibilitou que as

elites de Natal percebessem o atraso intelectual em que viviam”. 78

A República, Natal, 14 jul 1956. p. 3. 79

Tribuna do Norte, Natal, 4 jan 1956. p. 11.

Page 45: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

44

potiguares estavam se esforçando para “engrandecimento cultural” da capital. E

complementa: “O meio científico de proporções adequadas às condições da cidade, o campo

hospitalar e o material humano, permitem uma esperança” 80

.

À Faculdade de Filosofia era atribuída a responsabilidade de vencer a batalha da

“renascença intelectual, cívica, moral, literária, científica” e formar professores e técnicos,

sobretudo, de História e de Geografia para o Rio Grande do Norte81

.

A Faculdade de Medicina era a instituição que mais recebia a atenção no que tange ao

seu papel no desenvolvimento científico e cultural do Estado, principalmente por promover

cursos, conferências e aulas com especialistas de outros estados:

[...] essa jovem Faculdade de Medicina, apesar de sua dificuldade de se

organizar, apesar de encontrar dificuldade na arregimentação de recursos

humanos e, sobretudo, de recursos materiais, apesar disso tudo, ela teve uma

presença notável aqui no Nordeste, podendo se comparar às melhores

faculdades que estavam funcionando no seu tempo82

.

Onofre Lopes, médico e então diretor da Faculdade de Medicina, afirmava o papel

fundamental dessa instituição para criação da Universidade do Rio Grande do Norte, no ano

de 1958: “[...] e é preciso que se diga que foi a Faculdade de Medicina que deu o passo, que deu a

origem, que foi o elemento catalisador para que aparecesse a Universidade do Rio Grande do Norte”83

.

Diversas reportagens destacando a ação das escolas e faculdades eram publicadas

quase que diariamente nos jornais locais, salientando, sobretudo, a importância desses espaços

para a criação da futura Universidade:

Possuímos as unidades de Direito, Medicina, Odontologia e Farmácia,

Filosofia, e andamos em vésperas de instalar as Faculdades de Ciências

Econômicas e Engenharia.

Urge, no entanto, que esse esforço não sofra de continuidade, porque assim

teremos em breve a Universidade de natal. Essa ideia da Universidade deve

ser a oração mental de todas as horas, dos responsáveis pelo destino do

ensino universitário entre nós. 84

Dias antes da data de fundação da Universidade do Rio Grande do Norte, o jornal A

República publicou um texto, intitulado Criação da Universidade, exaltando a importância

daquela instituição para o desenvolvimento científico e cultural do Estado.

80

Tribuna do Norte, Natal, 27 mar 1956. p. 3. 81

FACULDADE DE FILOSOFIA E A REFORMA DO ENSINO, Jornal A República, 08 março 1957, p. 3. 82

GURGEL, Tarcísio. (Org.). A memória viva de Onofre Lopes. 2. ed. Natal, RN : EDUFRN, 2007, p. 55. 83

Ibidem. 84

UNIVERSIDADES, Jornal A República, 07 agosto 1957, p. 3.

Page 46: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

45

Vários Estados da federação possuem já suas universidades e o nosso não

poderia ficar em segundo plano, não só porque dispõe de todos os elementos

necessários à instalação desse conjunto de altos estudos que constituem a

Universidade no sentido técnico do termo, como porque é dever precípuo do

governo apoiar inciativas como essa [...].

A Universidade, centro mais desenvolvido de estudos técnicos e científicos

há de incentivar também um maior intercambio cultural entre este e os

demais Estados do país [...].85

1.5 A Universidade do Rio Grande do Norte – laboratório de projetos para o futuro

do estado

Criada em 25 de junho de 1958, através da Lei nº 2.307, a Universidade do Rio

Grande do Norte (URN) logo assumiu o cargo de maior instituição científica e cultural do

estado, abrigando grande parte dos intelectuais locais que faziam ciência. Sua estrutura

incorporou a Faculdade de Farmácia e Odontologia e a Faculdade de Direito (mantidos pelo

Estado) e agregou a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Filosofia e a Escola de Serviço

Social (mantidas por entidades privadas). Este modelo de universidade, resultado da união de

cursos isolados que têm como ligação entre si a Reitoria e o Conselho Universitário, foi base

de muitas das universidades brasileiras, que se constituíram de instituições agregadas e não

integradas.

É importante mencionar que o esforço para criação de uma Universidade no Estado

data do final dos anos 40, quando em 1948, Luís da Câmara Cascudo, liderou um movimento

que culminou na criação da Universidade Popular, “iniciativa pioneira cujo maior objetivo

era despertar nos natalenses a consciência do seu valor e fomentar a ideia de Universidade”.

Funcionando no prédio do IHGRN, a Universidade Popular funcionou naquele ano e contou

com 18 (dezoito) aulas, sob os mais variados assuntos, indo da “História da Literatura do Rio

Grande do Norte”, ministrada por Cascudo, até “A Batalha Anti-Malária”86

.

Já em 21 de março de 1959, Cascudo, responsável por proferir o discurso da instalação

solene da recém-criada Universidade do Rio Grande do Norte (URN), definia a Universidade

como uma instituição “plasmadora de cultura em defesa ascensional da civilização”. Com o

tema Universidade e Civilização, Cascudo falou em nome de todos os professores e, no inicio

do discurso, que hoje é reconhecido como a certidão de nascimento da Universidade, diz: “o

85

CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE, Jornal A República, 05 jun 1958, p. 3. 86

LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO. Cronologia. Disponível em:

<http://www.cascudo.org.br/biblioteca/vida/cronologia/> Acesso em: 18 de fevereiro de 2014.

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46

homem moderno deve estar sentado numa pilha de livros com um telescópio em um olho e

um microscópio no outro”87

.

O homem moderno, o qual Cascudo se refere, denotava uma renuncia ao tipo

universalista, aquele marcado pela produção enciclopédica e indefinida do ponto de vista

disciplinar. Buscava agora uma especialização, em meio às várias áreas do conhecimento. A

criação da Universidade era vista como fator fundamental para a efetivação dessa

especialização, sendo vista como o espaço definitivo de formação profissional da

intelectualidade local.

Para o então governador do Estado, Dinarte Mariz, lembrado até hoje como o “criador

da URN”, a Universidade seria como um “[...] farol que aponta novos rumos para os nautas

políticos que navegam nos oceanos das mudanças sociais. [...] cumprem a função histórica de

laboratório de projetos do futuro do País”88

.

Dinarte Mariz, em muitos de seus discursos, não deixava de incluir a URN como uma

das principais obras do seu governo com a finalidade de solucionar os problemas do estado:

A Universidade do Rio Grande do Norte será em futuro não muito remoto

uma das maiores obras do atual governo, que a par dos problemas mais

urgentes da comunidade potiguar, aos quais vem dando as soluções mais

adequadas dentro das possibilidades econômico-financeiras [...]89

Ao longo dos meses que decorreram desde a data de sua criação até a data de sua

instalação, diversas reportagens e artigos exaltando a Universidade do Rio Grande do Norte

eram publicados quase que diariamente nos principais jornais impressos de Natal. A temática

era sempre a mesma: a Universidade como a principal obra para a solução dos maiores

problemas do estado.

[...] uma Universidade real, com suas Faculdades, os seus centros de

pesquisa e de estudo, os seus mestres eminentes. [...] é uma promessa e uma

esperança que os ventos da politica aldeã não destruirão. Tenhamos fé na

força de eclosão da semente e o Rio Grande do Norte se libertará do

colonialismo intelectual e cultural [...]90

87

UNIVERSIDADE E CIVILIZAÇÃO, Discurso pronunciado por Luís da Câmara Cascudo, na noite de 21 de

março de 1959, por ocasião da instalação da Universidade do Rio Grande do Norte, e em nome das

Congregações de todas as Faculdades. 88

MELO, Paulo de Tarso Correia. Os Quatro Precursores. In: JUNIOR, Carlos Newton (Org.) Portal da

Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos da federalização (1960-2005). Brasília, DF:

Senado Federal, 2005, p.35-36 89

O GOVERNO ENCAMINHOU..., Jornal A República, 04 junho 1958, p. 3. 90

A UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE DO NORTE, Jornal A República, 26 junho 1958, p. 3.

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47

Como assinalado ao longo desse capítulo, a solução dos problemas econômicos,

segundo a elite intelectual, passava pelo desenvolvimento científico e cultural dos estados

que, por sua vez, só poderia ocorrer com a formação de técnicos e especialistas. Pensamento

compartilhado também pelo professor Onofre Lopes, que deixava a direção da Faculdade de

Medicina para assumir o cargo de primeiro Reitor da URN. Em carta endereçada ao

Presidente da República, Juscelino Kubitschek, solicitando a federalização da Universidade,

Onofre Lopes, dizia:

Universidade e desenvolvimento econômico são elementos do mesmo

problema global, da promoção humana, por isso que a Universidade deve

fazer parte integrante do meio onde atua, servindo-o e elevando-o.

Tem-se visto que, de fato, onde uma Universidade se instala, logo depois o

espírito de investigação, o gosto pela cultura se desenvolvem de maneira

surpreendente. [...] sobretudo em países como o Brasil, em fase de rápido

desenvolvimento, por isso mesmo com enorme e urgente demanda de

técnicos, em todo o seu vasto território91

.

Na carta, Onofre Lopes também cita uma análise do economista Celso Furtado, para

enfatizar o papel fundamental da Universidade na formação dos técnicos tão necessitados e,

também, de uma elite intelectual capaz de dirigir de forma responsável os negócios públicos

do Brasil.

Menos de dois anos após sua instalação oficial, a URN, primeiramente de âmbito

estadual, foi federalizada pela Lei nº 3.849, sancionada a 18 de dezembro de 1960, pelo

Presidente Juscelino Kubitschek, passando a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN).

Registra-se também, como fator essencial para a concretização da Universidade, o

esforço dos professores e intelectuais ligados às Faculdades já existentes no estado. A eles era

atribuída a formação de um ambiente propício para o nascimento de uma Universidade no

estado. Nomes como o de Onofre Lopes, já citado acima, Otto Guerra, diretor da Faculdade

de Direito, José Cavalcante de Melo, diretor da Faculdade de Odontologia, Edgar Barbosa e

Luís da Câmara Cascudo, diretor e professor da Faculdade de Filosofia, respectivamente,

eram mencionados constantemente nas reportagens e em documentos referentes à criação

dessa instituição de ensino. Em troca, os mesmos, em discursos, reproduziam todo o

91

Carta datilografada, redigida por Onofre Lopes e Otto de Brito Guerra, respectivamente Reitor e Vice-Reitor

da Universidade do Rio Grande do Norte, e dirigida ao Presidente da República, Juscelino Kubitschek,

solicitando a federalização da instituição. Maio de 1959. Acervo da UFRN, Reitoria.

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48

entusiasmo que envolvia a criação da Universidade do Rio Grande do Norte naquele

momento.

Em edição especial do jornal A República de julho de 1958, referente à criação da

Universidade, os diretores e professores das Faculdades declaravam o entusiasmo pelas

possibilidades de melhor aperfeiçoamento e estrutura que as Faculdades teriam com a

unificação do ensino superior no estado, trazendo como consequência o “nivelamento do

nosso ensino superior aos outros estados da Federação”. Os diretores traçavam planos para

criação de novos cursos, ampliação do quadro de funcionários e, sobretudo, de alunos, assim

como a criação de bibliotecas especializadas, museus e centros de pesquisa92

.

Pensada para ser uma instituição de ensino superior e de alta pesquisa, a URN contava

em sua estrutura com as Faculdades e Escolas de nível superior, incorporadas e agregadas,

para formar os profissionais especializados que, no discurso de Cascudo, eram necessários

para conduzir o Rio Grande do Norte à “valorização da civilização e ampliação da cultura do

homem potiguar”.

Precisamos de quem atenda aos enfermos, erga edifícios, estradas, pontes e

túneis, manipule [...] nos laboratórios e farmácias, dê assistência ao Social,

conheça Odontologia, as Línguas Neolatinas, Geografia, História, em cursos

especializados, e ainda a ciência da Economia e Finanças, Belas-Artes,

Música [...]93

.

Deste modo, entre as primeiras deliberações do Conselho Universitário da URN, no

início do ano de 1959, estava criação de sua Biblioteca Central, a pilha de livros da qual

discorria Cascudo, assim como a autorização para instalação do seu primeiro centro dedicado

à pesquisa, o espaço do telescópico e microscópio, o INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA

(IA).

No primeiro número do seu Boletim Universitário, publicado em 1963, que traz um

resumo das principais atividades da Universidade nos seus primeiros anos, encontramos um

trecho que define o papel do Instituto dentro da URN: “dentro de suas finalidades, a Universidade

transpôs as áreas do ensino profissional para se dedicar, também, à investigação e à pesquisa. Instalou,

por isso, o Instituto de Antropologia”94.

A ciência praticada no interior das universidades brasileiras é considerada um marco

imprescindível para o desenvolvimento do campo científico, pois, segundo Dantes, sinaliza a

92

EDIÇÃO ESPECIAL HOMENAGEIA A UNIVERSIDADE, 2º Caderno, 01 julho 1958. p. 12. 93

CASCUDO, Luís da Câmara. Universidade e civilização. 2. ed. Natal: EDUFRN, 1988. p. 1-5. 94

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, Bolem Universitário, ano 1, nº1, setembro de

1963.

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49

implantação no país de uma ciência profissionalizada, dedicada à atividade de produção de

conhecimento e ao reconhecimento social da atividade científica95

. Porém, Sá sinaliza que, a

institucionalização universitária deve ser entendida como o “remate do processo de

especialização dos saberes e individualização das disciplinas, e não como o seu

nascimento”96

.

Apesar de todo o discurso em pró da ciência dentro das universidades, a estrutura

universitária nem sempre foi favorável ao desenvolvimento da pesquisa científica. Isso por

que a educação universitária, quando extremamente acadêmica e focada em disciplinas

básicas, inicia tardiamente seus estudantes na pesquisa científica. Entre outras dificuldades

encontradas, podemos destacar: 1) A ênfase na pesquisa básica, em oposição à ciência

aplicada, o que leva a um desequilíbrio entre a oferta e a procura em diferentes áreas. 2)

Isolamento do cientista dentro do ambiente universitário, o distanciando da indústria, o que

reduz a possibilidade de troca de ideias e informações entre os diferentes tipos de ciência. 3)

A estrutura disciplinar e a autoridade do professor dentro de seu departamento, que pode

impedir a variedade de pesquisa. Os professores quase sempre têm obrigações de meio

expediente, como a presença em sala de aula, e o seu tempo disponível para a pesquisa é

reduzido.

Buscando amenizar os conflitos mencionados acima, muitos institutos de pesquisa

foram criados dentro das universidades, alguns vinculados a departamentos, outros

independentes. Esses espaços de pesquisa permitiram a formação de grupos de cientistas

trabalhando juntos, seja em um problema único ou em um conjunto de problemas

relacionados, como também proporcionaram uma maior chance aos estudantes de se lançarem

à pesquisa e, também, adquirir experiência técnica.

O Instituto de Antropologia (IA) da Universidade do Rio Grande do Norte funcionou

relativamente nesses termos. No entanto, como veremos mais a frente, o modelo de pesquisa o

qual o IA se propôs, ou seja, a pesquisa básica, não tinha como propósito solucionar os

problemas da produção e do desenvolvimento econômico do Estado. Os cientistas que

formou, focados na pesquisa acadêmica, não eram os técnicos que regeriam as ações do

governo estadual. Fato que, ao lado de questões diretamente relacionadas à estrutura do

ambiente universitário, contribuiu para o esgotamento do Instituto de Antropologia como

espaço científico.

95

DANTES, M. A. As instituições Imperiais na historiografia das ciências no Brasil. In: HEIZER, A.;

VIDEIRA, A. (Orgs.) Ciência civilização e Impérios nos Trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001. 96

SÁ, Dominichi Miranda. A ciência como profissão. p. 16.

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50

Da análise das fontes relativas à criação do Instituto de Antropologia (IA) em Natal

encontramos dois cenários intimamente conectados. Um, trabalhado nesse primeiro capítulo,

pertinente a questões políticas, econômicas e sociais que, ao longo da segunda metade da

década de 1950, nos revelam alguns dos elementos fundamentais para entendermos as

condições que levaram à criação do IA, como, por exemplo, interesses políticos, demandas

locais e ambiente intelectual favorável ou não.

E, outro, que apresentaremos no segundo capítulo, no qual nos deparamos com os

intelectuais envolvidos diretamente da criação do IA que, como os agentes sociais pensaram

esse espaço de ciência e enfrentaram alguns desafios para sua organização inicial.

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51

CAPÍTULO 2

OS SÁBIOS DAS CIÊNCIAS:

agentes de um campo científico em construção

Um ano antes da criação do Instituto de Antropologia (IA), em setembro de 1959, Luís

da Câmara Cascudo apresentava para a população potiguar, por meio de um texto publicado

na sua coluna Acta Diurna, no jornal A República, a ideia da concepção desse espaço

dedicado à pesquisa científica em Natal.

No texto, intitulado Instituto de Antropologia em Natal, Cascudo informa que o reitor

da Universidade do Rio Grande do Norte, Onofre Lopes, havia encaminhado ao Governador

do Estado, Dinarte Mariz, um pequeno memorial sugerindo a criação do Instituto de

Antropologia na Universidade do Rio Grande do Norte97

. Ressalta, ainda, o futuro promissor

da instituição que seria motivo de orgulho, principalmente para aqueles a favor da sua criação:

O Governador do Estado encaminhou à Assembleia Legislativa a mensagem

solicitatória e, graças a Deus, não haverá um só Deputado que não sinta

orgulho de participar na criação de uma entidade que, de futuro, será um

título de alta benemerência para quantos possibilitaram seu aparecimento e

movimentação98

.

De acordo com Cascudo, o IA representaria para Universidade um ambiente capaz de

“iluminar ângulos ainda obscuros e desconhecidos de nossa existência material e espiritual”.

Seria um espaço apropriado para aumentar o patrimônio científico da Universidade e valorizar

as pesquisas do “homem norte-rio-grandense no tempo e no espaço” em três áreas científicas:

Antropologia Física, Antropologia Cultural e Paleontologia, “abrangendo o campo imenso e

virgem da Etnografia, do Folclore, da Geografia Humana e Econômica, da Pré-História

(Arqueológica e Paleontológica)”99

.

Para que o Instituto de Antropologia fosse concretizado, Cascudo enfatiza, em seu

texto, o clima de cooperação, apoio e estímulo presente entre os envolvidos no projeto:

97

O referido memorial não foi encontrado no Arquivo da Reitoria da UFRN e nem no Arquivo da Assembleia

Legislativa de Natal. 98

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA EM NATAL. A República, Natal. 25 set 1959. p. 1. 99

Idem.

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52

Tudo quanto se anuncia nesse futuro Instituto nasce sob a estrela da

cooperação, da boa vontade, do auxilio geral, de um clima de simpatia, de

apoio e de estimulo, indispensáveis para a vitória difícil nas fases difíceis de

inciativa e aparelhamento100

.

E, em tom provocativo, questiona quem seriam os responsáveis por tamanha

iniciativa:

Meu Deus! Um Instituto de Antropologia na Cidade do Natal? Que gente

afoita! Que atrevimento irresponsável! Que audácia imprudente! Onde estão

os recursos materiais para a sustentação desse empreendimento? Onde estão

os “sabedores” dessas disciplinas? Onde estão os “sábios” dessas ciências?

Estão aqui mesmo101

.

Entre os sábios das ciências que se atreveram a pensar um Instituto de Antropologia

em Natal estava o próprio Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), considerado a maior

autoridade intelectual norte-rio-grandense, pelo seu trabalho de pesquisa e escrita sobre o

folclore, etnografia, literatura e história. Os outros “atrevidos e irresponsáveis” foram: Dom

Nivaldo Monte (1918-2006), religioso e diretor da Escola de Serviço Social de Natal, e que

se dedicava à pesquisa do solo, botânica e genética; Veríssimo de Melo (1921-1996) que,

seguindo os passos de Cascudo, pesquisava e escrevia sobre etnografia e folclore, sendo

professor da Faculdade de Filosofia de Natal; e José Nunes Cabral de Carvalho (1913-

1979), cientista na área da antropologia física, formado em odontologia no Rio de Janeiro e

que, ao retornar a Natal, buscou criar na capital potiguar uma instituição científica inspirada

nos grandes espaços de ciência da época.

Esses indivíduos formaram a primeira equipe de cientistas do Instituto de

Antropologia da Universidade do Rio Grande do Norte, responsáveis por iniciar as atividades

desse espaço no ano de 1962.

Antes de tudo, é importante entendemos que a Antropologia foi um campo de

conhecimento estruturado numa época em que as ciências biológicas apareciam como

principal abordagem. A antropologia como ciência biológica teve, em um primeiro momento,

como objeto principal de seus estudos o “homem antigo”, ou seja, o homem de Lagoa Santa,

o homem do sambaqui e os indígenas. Assim, a antropologia se fundamentou, por muito

tempo, tanto na anatomia quanto na geologia. Em seguida, a antropologia voltou-se para o

problema da mestiçagem, em termos de cruzamentos entre raças distintas e das consequências

100

Idem. 101

Idem.

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desses cruzamentos, com a emergência da genética. Ou seja, ninguém poderia fazer essa

antropologia sem ter uma formação em Biologia102

.

No Brasil, temos um vasto período de hegemonia desta Antropologia Física ou

Biológica. Praticadas por antropólogos que não possuíam formação acadêmica em

Antropologia, mas na área médica, sobretudo especialistas em anatomia, a antropologia física

se desenvolveu fora dos espaços de ensino superior. O Museu Nacional foi a instituição que

mais se destacou nos estudos de mestiçagem e populações indígenas, seguido pelo Museu

Paraense Emílio Goeldi. Duas instituições que serviram de modelo para o Instituto de

Antropologia.

Além do mais, por muito tempo, o lugar de algumas ciências, não só no caso da

antropologia, mas de diversas ciências naturais, não era nas escolas de ensino superior, era

nos Museus e Institutos de Pesquisa. Portanto, zoólogos, botânicos e geólogos, no Brasil,

tinham outra formação escolar, porque só a partir de 1940 é que foram criados das Faculdades

de Filosofia no Brasil e os cursos de História Natural103

.

Em um segundo momento, houve uma “diminuição” das pesquisas de Antropologia

Física, e surge uma Antropologia que passa a ser tratada como ciência social, com

designações tais como etnografia e etnologia. A prática inicial dessa Antropologia é bem clara

quando nos voltamos aos naturalistas das expedições científicas e ao colecionismo de

artefatos indígenas. Os seus alvos são as sociedades tribais, os estudos sobre “sincretismo” e

“aculturação" dos negros, com Arthur Ramos, sobre a cultura brasileira e as representações

sobre herança, com Tavares Bastos e Sérgio Buarque de Holanda. Logo, surgem os estudos

sobre folclore que, no Museu Nacional, recebem o nome de etnografia regional a partir de

Roquete Pinto. No Nordeste, tem-se, sobretudo, a contribuição de Cascudo e Veríssimo de

Melo.

102

FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia no Brasil.

Orgs.: Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues. Brasília: CNPq; Rio de Janeiro:

MAST, 2006. p. 19. 103

FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia no Brasil.

Orgs.: Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues. Brasília: CNPq; Rio de Janeiro:

MAST, 2006. p. 30.

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2.1 Luís da Câmara Cascudo – o etnógrafo e pesquisador potiguar

Cascudo iniciou sua atividade intelectual no

ano de 1918, atuando como jornalista e publicando

pequenas biografias e crônicas sobre a cidade do

Natal e do estado do Rio Grande do Norte, no jornal

A Imprensa, de propriedade de seu pai104

. Nesse

mesmo ano, mudou-se para Salvador, onde

ingressou na Escola de Medicina da Bahia,

cursando até o quarto ano, quando desistiu da área

médica.

Sobre sua desistência do curso de medicina, explicou:

Meu pai empobrecendo, não poderia eu ser um pesquisador na terapêutica

tradicional, como sonhara. Não tinha vocação médica. Minha vocação era o

Laboratório. Eu queria um laboratório meu. Já não era possível105

.

Cascudo não era o único que, dentro da medicina, não mais se interessava pela clínica

médica. De acordo com Sá, grande parte das atividades reconhecidas como científicas no

Brasil daquele período ainda se confundiam com a prática da medicina, visto que, na falta de

outras instituições especializadas, muitos tinham nas faculdades de medicina o único caminho

para ciência. Por isso, muitos cientistas que ingressavam na área médica, como Oswaldo Cruz

e Miguel Ozório de Almeida106

, passaram a defender a sua profissionalização como uma

atividade cada vez mais distante do exercício exclusivo da clinica médica. Se afastando cada

vez mais do ato de clinicar, do “passar receitas, ver a língua, tomar o pulso”, eles se voltaram

aos estudos experimentais e passaram a ser reconhecidos como homens de laboratório,

criando a imagem da carreira científica como profissão107

.

104

O jornal A Impressa circulou até o ano de 1927, mas a função foi desempenhada até o ano de 1966,

ininterruptamente, em outros jornais locais. 105

CASCUDO, Luís da Câmara. O tempo e Eu. Natal, Imprensa Universitária, 1968. p. 47. 106

Oswaldo Cruz foi pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil. Fundou

em 1900 o Instituto Soroterápico Nacional, no Rio de Janeiro, hoje Instituto Oswaldo Cruz, respeitado

internacionalmente. Miguel Ozório de Almeida, médico neurologista e cientista brasileiro, chefiou o Instituto

Soroterápico Nacional, e pelos seus estudos sobre a fisiologia do sistema nervoso, recebeu o Prêmio Einstein

concedido pela Academia Brasileira de Ciências. 107

Sá, Dominichi Miranda de. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935).

Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. p. 110-114.

Figura 1: Luis da Câmara Cascudo, s/d

Fonte: http://www.memoriaviva.com.br/

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55

Sem vocação para a clínica médica e sem condições de ter o seu laboratório, por

ocasião do empobrecimento de seu pai, comerciante que sempre havia gozado de excelente

situação financeira, mas que no final daquela década passava por sérias dificuldades, Cascudo

desistiu da área e ingressou na Faculdade de Direito do Recife, formando-se a duras penas em

Ciências Jurídicas e Sociais no ano de 1928.

Como o Rio Grande do Rio somente ganhou suas escolas de nível superior na década

de 1940, principalmente após o término da Segunda Guerra Mundial, a Faculdade de Direito

de Recife teve papel importante na formação de muitos intelectuais potiguares nos temas da

sociologia e da antropologia, tendo como enfoque a valorização do homem brasileiro e a

investigação do caráter nacional, sempre em debate com correntes teóricas europeias, como o

positivismo e o evolucionismo. Outro destino que intelectuais seguiam nesse período era para

os dois espaços onde o Brasil viu nascer sua ciência médica, a Faculdade de Medicina do Rio

de Janeiro, onde os médicos das campanhas sanitaristas, como Oswaldo Cruz e Carlos

Chagas, se destacaram, e a Faculdade de Medicina da Bahia, casa de Nina de Rodrigues e sua

teoria antropológica-criminal.

Durante a passagem de Cascudo por essas escolas, cresceu o seu interesse pela cultura

brasileira – os costumes, as lendas e tradições -, considerada pelos estudiosos da década de

1920 e 1930, a exemplo de Mário de Andrade, como um caminho para a compreensão do

Brasil. Sua dedicação pelo tema fez com que em fins de 1928 e início de 1929, embarcasse

em uma viagem ao lado de Mário de Andrade percorrendo o interior do estado do Rio Grande

do Norte, com a finalidade de catalogar e coletar objetos sobre a cultura popular potiguar.

Já no ano de 1941, Cascudo fundou a Sociedade Brasileira de Folclore, primeira

instituição no gênero do país, e com sede na sua própria residência108

.

O grande objetivo da instituição foi a realização de atividades em defesa do

folclore de Natal e do Nordeste. Estabeleceu um importante intercâmbio

internacional com diversos pesquisadores tais como Stith Thompson e

Archer Taylor (Estados Unidos), Duilearga (Irlanda), von Sydow (Suécia),

Schmidt (Suíça), Castillo de Lucas (Espanha), entre outros que eram

correspondentes constantes da sociedade.

De 1921, data da publicação do seu primeiro livro Alma Patrícia, uma crítica literária

sobre poetas natalenses, até o ano de 1959, quando surge a ideia de criação do Instituto de

Antropologia, Cascudo já havia publicado mais de 90 obras. Sua produção o levou não só a

108

http://www.cascudo.org.br/biblioteca/vida/cronologia/.

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56

um reconhecimento local e nacional, mas também internacional, como mostra suas

participações como membro de instituições como a Academia Nacional de História e

Geografia do México, o Instituto Português d’Arqueologia, História e Etnografia, a Folk-

Lore Society, de Londres, a mais antiga sociedade de folclore do mundo, e Sociedade de

Folclore da Irlanda, um grupo fechado, da qual só participavam, até então, quatro folcloristas

de fama mundial: Archer Taylor e Stith Thompson (norte-americano), Reider Christiansen

(norueguês) e Wilhelm von Sydow (sueco). Com mais esta distinção internacional, ele

alcança um nível invejável de reconhecimento e respeito intelectual.

Se considerarmos o reconhecimento e respeito intelectual, corroborados pela

quantidade de produção intelectual resultado de anos de pesquisa praticamente solitária, por

vezes com o apoio pontual de alguns intelectuais, e a posição social de destaque que Cascudo

possuía, não só no estado, mas fora dele, como membro de importantes instituições, nos

indagamos sobre o motivo que o levou a participar na organização de um instituto de pesquisa

que, como vimos, se mostraria como um espaço que possui entre as suas principais

características a dedicação em conjunto à prática científica.

Em um primeiro momento, o extenso currículo de Cascudo nos leva a crer que não

havia necessidade, de sua parte, de ingressar em um instituto para desenvolver suas pesquisas

ou publicar suas obras. No entanto, notemos que os institutos de pesquisa são espaços

constituídos não apenas por interesses científicos individuais, mas onde esses interesses se

encontram com outros interesses sociais, que constituem um campo científico, explicado pela

noção bourdieusiana. Por exemplo, associar-se a outros cientistas em um instituto de pesquisa

significaria estabelecer e ter acesso a uma rede de contatos entre os agentes que fazem o

campo científico, indivíduos e instituições. Os contatos poderiam levar também a

oportunidades de negócios, que enxergamos como uma motivação financeira. Lembremos

que, com a falência de seu pai, Cascudo não gozava de grande fortuna naquele momento. A

atividade intelectual, apesar de fornecer prestígio social, não fornecia as condições de sua

sobrevivência109

. Ressaltamos, também, que a sua participação na organização de uma

instituição seria capaz de gerar poder e influência, garantindo certos privilégios e benefícios

que extrapolam o campo científico. O ensejo de status ou, nas palavras do próprio Cascudo, o

título de alta benemerência110

.

109

O pai de Cascudo, o coronel Francisco Cascudo, dizia sobre o filho: “Meu filho é um monstro para trabalhar,

mas só procura trabalho que não dá dinheiro...”. 110

ARDIGÓ, Fabiano. Histórias de uma ciência regional: cientistas e suas instituições no Paraná (1940-1960).

São Paulo. Contexto, 2011. p. 105.

Page 58: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

57

Ao refletirmos como o encontro dos interesses sociais e científicos, entendido aqui

como as relações entre os agentes, é responsável por determinar o que eles podem ou não

podem fazer dentro de um campo científico, percebemos que a posição que os agentes

ocupam dentro dessa estrutura é a responsável por determinar ou orientar suas tomadas de

posição, seja na escolha dos lugares de atuação como também a seleção de temas e objetos a

serem pesquisados111

.

Se a sua participação em uma instituição lhe concedia os bônus citados acima, seria

também o Instituto privilegiado pela presença de Cascudo? Acreditamos que sim. Para

demonstrar como um agente é capaz de deformar todo um espaço do campo científico,

Bourdieu utiliza como exemplo a posição do físico alemão Albert Einstein. Para Bourdieu

“não há físico, pequeno ou grande, em Brioude ou em Harvard que [...] não tenha sido tocado,

perturbado, marginalizado pela intervenção de Einstein [...]”112

. A intervenção da qual

Bourdieu fala está relacionada com a quantidade de capital científico que um agente detém

num dado momento, que consiste no reconhecimento pelos pares do peso que ele possuí no

interior do campo científico, representado principalmente pela ocupação de cargos,

nomeações, títulos, publicações, entre outras categorias de percepção113

.

Portanto, é notável o peso de capital científico que Cascudo detinha no momento de

criação do Instituto. Além de ser membro de diversas organizações, Cascudo havia exercido

várias funções públicas. Foi professor do tradicional colégio Ateneu Norte Riograndense

(1928), Secretário Geral da Academia Norte Riograndense de Letras (1936), diretor do

Arquivo e Museu do Estado do Rio Grande do Norte (1950). Em 1951, fora nomeado

professor de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito de Natal e, em 1956,

professor de Etnografia Geral do curso de Geografia da Faculdade de Filosofia de Natal,

ambas integradas à Universidade do Rio Grande do Norte no ano de 1959. Além do mais,

Cascudo fora o orador oficial do discurso de instalação da Universidade do Rio Grande do

Norte, em 1959.

111

BOURDIEU, Usos sociais da ciência, p. 23. 112

Idem. 113

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papirus, 2011. 11. ed. p. 107.

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Figura 2: Luís da Câmara Cascudo, no momento em que proferia o discurso de instalação da Universidade do

Rio Grande do Norte. Teatro Alberto Maranhão, Natal, 21 de março de 1959.

Fonte: Acervo Particular de Dinarte Mariz Junior

O seu capital científico era, além de tudo, um capital simbólico objetivado, aquele

garantido pelo estado, que age como uma espécie de banco de capital simbólico. Um capital

garantido através de atos de autoridade, pertencente à categoria de atos oficiais,

simbolicamente eficientes porque realizados em situação de autoridade, por pessoas

autorizadas114

.

Nesse sentido, seria quase inconcebível organizar uma instituição de pesquisa na área

da antropologia no Rio Grande do Norte sem a participação de Cascudo. Não é de se

surpreender que ele tenha sido nomeado o primeiro diretor do Instituto de Antropologia pelo

Reitor Onofre Lopes da Silva, na ocasião da primeira reunião de seus membros, em 19 de

dezembro de 1961.

Apesar das palavras de grande entusiasmo que Cascudo utiliza para apresentar o

Instituto de Antropologia à população natalense, sua atuação no primeiro ano de

funcionamento desse espaço é esporádica, culminando em seu desligamento do IA no ano de

1962. Em correspondência do IA para o então Ministro de Estado da Educação e Cultura,

Jarbas Passarinho (s/d), encontramos um trecho que cita o afastamento de Cascudo, assim

como de outro membro fundador, Dom Nivaldo Monte, do Instituto:

114

Ibidem. p. 113.

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59

No ano de 1962, [...] foi fundado o Instituto de Antropologia [...] iniciativa

que contou, inicialmente, com a colaboração dos professores Luís da Câmara

Cascudo, D. Nivaldo Monte e Veríssimo de Melo. Logo no segundo ano de

sua instalação, os dois primeiros professores acima citados se afastaram

espontaneamente da instituição, ficando o prof. José Nunes Cabral de

Carvalho na sua direção115

.

Não há qualquer referência ao motivo de sua saída nos documentos oficiais do IA, a

não ser uma passagem escrita por Veríssimo de Melo no relatório Breve Notícias sobre o

Museu Câmara Cascudo, de 1977, onde diz que Cascudo teria renunciando sua participação

no Instituto justificando seu afastamento com os seguintes apalavras: “Eu não posso

acompanhar o ritmo de trabalho de vocês. Enquanto eu caminho de carro-de-boi, vocês voam

de avião a jato”116

.

Talvez sua declaração de “caminhar a carro de boi” remeta ao volume de viagens de

campo ao interior do estado que o restante da equipe empreendia. Só na primeira metade de

1962, por exemplo, a equipe do IA já havia percorrido quase todas as regiões do estado na

busca de material etnográfico, sítios arqueológicos e paleontológicos.

No entanto, conforme depoimento de Nássaro Nasser, arqueólogo formado pelo IA e

que veio compor a sua equipe em 1963, o afastamento de Cascudo do Instituto se deve a

desentendimentos com outro membro da equipe, José Nunes Cabral de Carvalho. Ao que

parece, Cabral enxergava o Instituto não como um espaço exclusivo para abrigar cientistas,

mas sim como um espaço capaz de formar novos pesquisadores por meio de cursos e

treinamento. Algo que não interessava Cascudo, que visualizava um Instituto como um

espaço destinado apenas para abrigar as pesquisas de profissionais já estabelecidos em suas

áreas117

.

115

Correspondência de José Nunes Cabral de Carvalho para Jarbas Passarinho. s/d. 116

Notícias sobre o Museu Câmara Cascudo (1977). Relatório de Atividades do Museu Câmara Cascudo,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte 1977. 117

SANTOS, R.B dos. Antropologia, Arqueologia e identidade no nascimento do Museu Câmara Cascudo

1960-1973). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, MAST, Rio de Janeiro, 2013, p. 91.

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60

2.2 Nivaldo Monte – entre a ciência de Deus e a ciência dos homens

Dom Nivaldo Monte (1918-2006) veio de

uma família de três irmãos dedicados às ciências

da saúde – um médico, um dentista e um

farmacêutico, e três dedicados ao sacerdócio,

sendo um de seus irmãos o Padre Luiz Gonzaga

do Monte (1905-1944). Padre Monte, como lhe

chamavam, era considerado pela classe intelectual

local não só um homem de Deus, mas um homem

de ciência e um homem de letras. De acordo com

Cascudo, Padre Monte representava “a cultura

mais ampla do estado do Rio Grande do Norte”,

pois conseguia “articular a ciência com a

religião”118

.

Dom Nivaldo seguiu os caminhos do irmão Padre Monte, ingressando no seminário

aos 13 anos, onde completou os estudos em Filosofia e Teologia e, como autodidata, passou a

se dedicar à pesquisa do solo e realizar experimentos na área da botânica e genética em um

sítio de sua propriedade. Dizia que tudo o fascinava na genética, no entanto, a genética que

pesquisava não era a genética ligada à Antropologia Física, que focava os problemas de

cruzamento e diferenciação racial. Dom Nivaldo realizava pesquisas sobre fecundidade e

desenvolvimento de plantas. No campo das pesquisas agronômicas, estudou as

potencialidades do solo dos tabuleiros do Rio Grande do Norte, solos pobres e que possuem

pouca capacidade de armazenamento de água119

.

A relação entre religião e ciência pode nos parecer incoerente nos dias atuais, contudo,

no Brasil do início e metade do século XX as questões religiosas e científicas possuíam

ligações bastante intensas. Esse fato se explica pelo forte domínio que os religiosos tinham

sob o setor educacional, onde as instituições de educação religiosas eram reconhecidas por

oferecer o ensino de disciplinas como Filosofia, Lógica, Matemática, Metafísica, Moral, além

118

Para maiores informações sobre o Padre Monte ver: NAVARRO, Jurandyr. (Org.). Antologia do Padre

Monte. Natal/RN: Fundação José Augusto. 1976-1996. 119

LIMA, Diógenes da Cunha. O Semeador de alegria: uma biografia de Dom Nivaldo Monte. Natal, Sebo

Vermelho Editora. 2007. p. 109.

Figura 3: Dom Nivaldo Monte, s/d

Fonte: www.arquidiocesedearacaju.org

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61

de Ciências Físicas e Naturais120

. Enquanto que Clero, na figura de padres, bispos, arcebispos,

participava ativamente da vida social e política das cidades. A presença dos religiosos era

bastante forte, sobretudo, nas cidades do interior do Brasil. Tanto que, desde o ano de 1950, o

Brasil organizava a Semana Ruralista para o Clero, com a finalidade de “proporcionar aos

padres que trabalham no interior do Brasil novos conhecimentos tipicamente rurais”121

.

O Rio Grande do Norte também organizava suas semanas rurais. A Décima Semana

Rural do Estado, ocorrida no ano de 1957, contou com cursos e conferências, ministrados por

intelectuais locais como Oto Guerra e Luís da Câmara Cascudo. Havia também, dentro da

programação, um curso específico para o Clero rural, com a participação de sacerdotes do

Nordeste do brasileiro com interesse em se tornarem “lideres rurais” 122

. A participação da

igreja, por meio dos lideres rurais, era tida como uma das bases para recuperação da economia

agrícola, sobretudo no Nordeste, por colaborar com a fixação do homem ao solo ao fornecer

assistência nos momentos críticos da seca, evitando assim um maior êxodo para os grandes

centros urbanos 123

.

Também no ano de 1957, com a presidência de Dom Nivaldo, o Colégio Santo

Antônio (Marista), por meio da Arcádia Natalense, uma sociedade cultural que funcionava

naquele educandário, promoveu a I Semana de Estudos Potiguares. Uma semana com

conferências diárias com temas diversos sobre o Rio Grande do Norte. Participaram da

semana intelectuais como o professor Boanerges Soares, da Faculdade de Filosofia de Natal,

com o tema “Instituições culturais do Rio Grande do Norte”, o Prof. Manuel Rodrigues de

Melo, Presidente da Academia Norte Riograndense de Letras, com a palestra “Confederação

Tapuia no Rio Grande do Norte”, e o próprio Dom Nivaldo que falou sobre “Fitogeografia e

Geografia do Rio Grande do Norte”. A conferência de Dom Nivaldo ganhou destaque na

impressa local, com o jornal A República publicando um texto no qual aponta a importância

do tema para o Estado:

Assunto por demais oportuno, pois sempre desperta interesse geral

qualquer estudo acerca da distribuição das planas na terra, mais agora

pelo fato de estarmos presenciando a um trabalho de âmbito nacional,

constate de reflorestamento de nossas áreas desnudas124

.

120

CARVALHO, André de Souza. Jesus Moure: religiosamente cientista. In: ARDIGÓ, Fabiano. (Org).

Histórias de uma ciência regional: cientistas e suas instituições no Paraná (1940-1960). São Paulo. Contexto,

2011. p. 182. 121

O CLERO VAI ESTUDAR RURALISMO, A República, Natal. 05 jan. 1957. p. 1. 122

X SEMANA RURAL..., A República, Natal. 10 jan. 1957. p. 2. 123

A IGREJA E A RECUPERAÇÃO ECONOMICA..., A República, Natal. 03 mar. 1957. p.22. 124

FITOGEOGRAFIA E GEOGRAFIA..., A República, Natal, 23 out. 1957. p.4.

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62

Inserido no meio intelectual potiguar, Dom Nivaldo, além de se ocupar com

conferências sobre temas como ciência, psicologia e, também, religião, exercia a função de

professor da disciplina de História Natural no Seminário São Pedro de Natal e foi um dos

fundadores e diretores da Escola de Serviço Social, agregada à URN, onde também era

professor. Como representante da Escola de Serviço Social, participou ativamente da

instituição da URN, sendo membro do Conselho Universitário, coordenado pelo Reitor

Onofre Lopes, de onde partiu a autorização para a instalação do Instituto de Antropologia em

1959.

Assim como Cascudo, Dom Nivaldo integrou a equipe do IA apenas nos seus

primeiros meses de funcionamento. De acordo com o Livro de Atas do IA, participou somente

da primeira reunião, ocorrida em 19 de dezembro de 1961. Não encontramos qualquer

declaração sua sobre o Instituto em seus livros ou falas a jornais. Foram encontrados apenas

dois documentos que quase nada revelam sobre suas atividades no IA, na documentação

analisada. O primeiro é um relatório de sua autoria, no qual assina como geneticista, intitulado

Aspectos Fitogeográficos da Região do Ronca, referente a primeira viagem de campo do IA, e

talvez a única da qual D. Nivaldo participou no ano de 1962. E uma nota de agradecimento de

José Nunes Cabral de Carvalho pelas suas observações fitogeográficas em um trabalho

publicado no ano de 1964125

.

De acordo com depoimento de Jurandyr Navarro126

, Dom Nivaldo parecia enxergar

sua dedicação à ciência mais como uma distração do que algo digno de intensa dedicação.

Talvez por isso ele tenha se afastado do IA. Contudo, em seu discurso quando eleito para a

Academia Norte-rio-grandense de Letras, no ano de 1977, Dom Nivaldo reivindicou o

acolhimento naquela casa de pesquisadores e cientistas. Desejava que ali também fosse uma

Academia de Ciência, pois só assim os intelectuais potiguares seriam valorizados por

completo.

O motivo oficial de seu desligamento foi a sua transferência para a cidade de Aracaju,

Sergipe, para assumir o cargo de Bispo Auxiliar, onde permaneceu durante dois anos (1963-

1965), sendo transferido posteriormente para Natal parar exercer a função de Administrador

Apostólico. Porém, seu regresso à Natal não significou um retorno ao IA. Dom Nivaldo

continuou a desenvolver, sozinho, suas experiências genéticas na área da botânica em sua

125

CABRAL DE CARVALHO, José Nunes – Nota prévia sobre a jazida osteológica da Pedra dos Ossos, Serra

do Ronco (Município de São Tomé). In: Arquivos do Instituto de Antropologia da URN, Natal. Vol. 1, n. 1.

1964. p. 35-39. 126

Autor da obra biográfica Antologia do Padre Monte, sobre o irmão de Dom Nivaldo.

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63

granja, localizada em Emaús127

. Dessa experiência nasceram dois livros: “A Granja e eu”,

publicado em 1980, e “Experiência nos Tabuleiros do Rio Grande do Norte”, ainda inédito128

.

Com a sua saída, o Departamento de Genética do Instituto ficou sem responsável

direto até o ano de 1964, quando deixou de existir, vindo a aparecer novamente na estrutura

do IA somente na década de 1970.

2.3 Veríssimo Pinheiro de Melo – o capitão-mor do folclore

Nascido em Natal, Veríssimo Pinheiro de

Melo (1921-1996), seguiu os passos de muitos

intelectuais locais, mudando-se inicialmente para Rio

de Janeiro, onde ingressou na Faculdade de Direito

da PUC, em 1942. Posteriormente, se transferiu para

a Faculdade de Direito do Recife, formando-se em

Ciências Jurídicas e Sociais, em 1948.

Atuando como jornalista, ainda no Rio de

Janeiro, escrevia crônicas para o Diário de Notícias.

Retornando a Natal, passou a publicar suas crônicas,

primeiramente, no O Diário, e em seguida no jornal A República, com a coluna diária

Acontecimentos da Cidade. Foi durante esse período que começou a frequentar a casa de Luís

da Câmara Cascudo, interessado pelo estudo do folclore e da etnografia brasileira.

Passou a dedicar-se aos estudos do tema e empreendeu diversas viagens pelo interior

do Rio Grande do Norte e por todo o Brasil, com intuito de pesquisar e recolher material

etnográfico. Fruto de suas pesquisas, logo publicou sua primeira obra em 1948 e, até o ano de

1959, havia publicado mais quatro livros129

.

Na época de criação do IA, sua produção cultural o colocava ao lado de nomes locais

como Cascudo e Manuel Dantas130

. Quando eleito para a Academia Norte-Riograndense de

Letras, em 1956, o jornal A República se referia à Veríssimo como o “capitão-mór do

127

Ainda em vida, Dom Nilvado cedeu sua granja para a instalação do Mosteiro das Filhas de Santana

Contemplativas – Adoradoras Perpétuas, onde permanecem até hoje. 128

GALVÃO, Hélio. Discurso de recepção na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, publicado na Revista

daquela instituição, Ano XXV, nº 13, Natal-RN, novembro de 1977, págs. 123-128. 129

Os livros são: “Adivinhas” (1948), “Acalantos” (1949), “Parlendas” (1949), “Rondas Infantis Brasileiras” e

“Jogos populares do Brasil” (1956). 130

Manoel Dantas (1867-1924) foi um jornalista, advogado e político potiguar, considerado o precursor dos

estudos de folclore no Rio Grande do Norte e, segundo Veríssimo de Melo, “o primeiro a recolher e valorizar, na

imprensa, os contos, crenças, lendas, superstições, velhos costumes” (MELO, 1972).

Figura 4: Veríssimo de Melo, s/d

Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.

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folclore” local. Seu capital científico na área da etnografia e do folclore só não era maior que

o de Cascudo, como publicava o jornal A República em 1956: “Em Natal, depois de Luís da

Câmara Cascudo, (Veríssimo) é o mais autorizado pesquisador de assuntos folclóricos”131

.

Assim como Cascudo, Veríssimo também carregava como agente desse campo o capital

simbólico objetivado, presidindo, por exemplo, ao longo da década de 50, as Comissões

Estaduais de Folclore nos inúmeros Congressos Brasileiros e pertencendo a quase todas as

sociedades de folclore do mundo.

Em março de 1959, meses antes da criação do IA, Veríssimo fundou um Museu

Etnográfico na Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Norte, onde

lecionava a cadeira de Etnografia do Brasil. Ao divulgar a criação do museu em sua coluna

Acontecimentos da Cidade, publicada no jornal A República, Veríssimo, além de ressaltar o

apoio recebido pelo Reitor Onofre Lopes e pelos professores Edgar Barbosa e Luís da Câmara

Cascudo, creditava à utilidade desse espaço à sua capacidade de valorizar e conservar “as

sobrevivências materiais dos nossos indígenas, negros e elementos de outras etnias” que,

segundo ele, estariam sendo descaracterizadas por influências externas.

Inspirado no Museu de Etnografia da Universidade de São Paulo132

, fundado em

1935, pelo professor Plínio Ayrosa, Veríssimo enxergava o Museu de Natal como um

instrumento didático e afirmava que diante de uma peça etnográfica, o aluno teria a “visão

completa do material estudado, não se restringindo apenas à simples descrição verbal ou

fotografias de livros”133

.

Não sabemos se o Museu Etnográfico realmente chegou a funcionar. Acreditamos que,

apesar de criado, sua instalação nunca foi efetivada. No entanto, percebemos pela descrição

que Veríssimo faz do Museu que ele transportou, posteriormente, o mesmo conceito para o

Instituto de Antropologia: divido em três seções – índio, negro e outras etnias. No Instituto,

Veríssimo direcionou o seu trabalho para o estudo da cultura material a das manifestações

(mitos, música, costumes) dos indígenas e do potiguar, se engajando, sobretudo, na coleta de

material etnográfico para a criação de um Museu de Cultura Popular dentro do seu setor.

131

VOCAÇÃO QUE NÃO SE PERDEU, A República, Natal, 03 Ago. 1956. p. 35-39. 132

O acervo do Museu de Etnografia foi incorporado na década de 1970 ao Museu de Arqueologia e Etnologia

da Universidade de São Paulo (MAE-USP), sendo conhecido hoje como Acervo Plínio Ayrosa. 133

UM MUSEU ETNOGRÁFICO, A República, Natal, 14 mar. 1959. p.3.

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2.4 José Nunes Cabral – a anatomia de um cientista e administrador

José Nunes Cabral de Carvalho (1913-1979),

natural do município de Macaíba, Rio Grande do

Norte, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro na

década de 1930. Diferentemente dos intelectuais

locais que partiam para o sudeste para estudarem

Direito ou Medicina, Cabral, sem apoio financeiro,

pois seus pais já eram falecidos, começou a trabalhar

como estivador no Porto do Rio Janeiro. Em

seguida, conseguiu empregar-se como servente no

Instituto Anatômico Antônio Pedro, localizado em

Niterói, então capital do estado do Rio de Janeiro.

No Instituto Anatômico, Cabral, que chegou a morar em suas instalações enquanto

trabalhava na sua limpeza, se interessou pela área médica e ingressou no curso de Medicina

da Faculdade Fluminense, que funcionava no mesmo prédio no Instituto. No entanto, não

chegou a concluí-lo, ingressando, posteriormente, na Escola de Odontologia da mesma

faculdade, formando-se Cirurgião Dentista no ano de 1941. Entrou para o Magistério Superior

como professor da Cadeira de Anatomia do Curso Odontológico da Faculdade Fluminense de

Medicina, onde permaneceu até 1959. Nesse período, dedicou-se ao seu consultório privado e,

segundo algumas reportagens em jornais de Natal, realizou pesquisas no Museu Nacional do

Rio de Janeiro, tornando-se conhecido pelos seus pares na capital potiguar134

. O jornal A

República, em 05 de julho de 1959, ao noticiar uma de suas vindas à Natal, anunciava o “prof.

Dr. José Nunes Cabral de Carvalho, docente da cadeira de Anatomia da Faculdade

Fluminense de Medicina e Antropologista do Museu Nacional”135

. No entanto, não temos

maiores dados que comprovem a atuação de Cabral como pesquisador do Museu Nacional,

seu nome não foi encontrado no quadro de pesquisadores e colaboradores da instituição

durante aquele período.

Cabral retornou a Natal em 1958 para ministrar o curso de extensão Atualização de

Anatomia, promovido pela Faculdade de Odontologia da Universidade do Rio Grande do

Norte e a convite do seu diretor, José Cavalcanti Melo, assumiu em 1959 a cadeira de

134

De acordo com Lenilson Carvalho, aluno de Cabral e hoje escritor e professor. VER: CARVALHO, Lenilson.

Odontologia: Ofício e Literatura. Natal, Sebo Vermelho Editora. 2002; ____. Humor & Curiosidades da

Odontologia. Natal, Sebo Vermelho Editora. 2012. 135

A República, Natal, 03 jul. 1959. p.1.

Figura 5: José Nunes Cabral, s/d

Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.

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66

Anatomia da citada faculdade. Como professor na Faculdade de Odontologia, Cabral deu

início à construção de um Instituto Anatômico, claramente inspirado no Instituto Anatômico

Antônio Pedro de Niterói. Aqui, Cabral almejava um Instituto Anatômico constituído de

laboratórios, ossuário, anfiteatro e um museu, descrito como “uma sala especial onde as peças

anatômicas ficarão depositadas em estantes de vidro” 136

. Contudo, por causa de divergências

com o diretor da Faculdade, Cabral solicitou transferência exclusiva para o IA, sendo seu

diretor até 1974, ano em que o Instituto de Antropologia foi descontinuado.

Meses antes do texto Instituto de Antropologia de Cascudo ser publicado, Cabral, em

entrevista publicada em Julho de 1959, no mesmo jornal, falava sobre os seus planos para o

ensino da anatomia em Natal e dizia ter sido convidado pelo Reitor Onofre Lopes para

orientar as pesquisas em Antropologia Física de um instituto que seria fundado em breve.

Foi-se o tempo em que a Anatomia era um estudo bizantino de ranhuras e

traços [...] Nós nos preocupamos com aqueles setores essenciais, de vital

interesse para o profissional de amanhã. É um estudo de anatomia dinâmico,

útil que vibra.

De acordo com Cabral, sua pretensão como pesquisador do futuro Instituto seria

organizar

toda a evolução do homem, desde os peixes, até os animais superiores. [...]

conservando cem por cento a morfologia dos animais que caracterizam as

várias etapas da evolução na terra. Será uma verdadeira história muda da

evolução do homem.

E complementa:

Iremos organizar um fichário de todos os mestiços [...], com fotografias,

tipos de sangue, pigmentação, tipos de cabelos, todos os traços enfim que

interessam à antropologia física. [...] estudaremos então a parte óssea,

medindo crâneos e demais partes do esqueleto. Esse fichário será de alta

utilidade para estudos de confronto e conhecimento antropológico do

mestiço brasileiro.

No que tange à caracterização da Antropologia Física, nota-se, na fala de Cabral, a

ênfase nos conceitos de raça e de tipo e em determinações de herança biológica, pensamento

vigente na época. Sua declaração também é um exemplo claro do desejo de todo antropólogo

136

CARVALHO, Lenilson. Professor José Nunes Cabral de Carvalho – Anatomia de um Vencedor, 2009.

Disponível em: <http://www.sbde-dentistasescritores.zip.net/>. Acesso em 02/06/2012.

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67

dedicado ao estudo da Antropologia Física naquele período: “organizar uma coleção

sistematicamente e cientificamente classificada”137

.

Baseado, principalmente, em modelos de craniometria e na análise da anatomia

humana, o estudo da Antropologia física direcionou seu exercício principalmente à formação

de coleções de ossos humanos. Essa prática se inseria em um amplo debate evolucionista que

buscava comprovar o início da civilização. Percebemos que tanto Cabral quanto Veríssimo

demonstram como a prática do colecionismo articulava-se com uma visão positivista da

ciência, calcada na evidencia empírica necessária para a comprovação das questões

formuladas pelos cientistas138

.

Responsável pelo departamento de Antropologia Física, Cabral passou a responder

pela direção do IA, com o afastamento de Cascudo, em julho de 1962, assinando como diretor

em exercício, conforme os ofícios expedidos naquele mês em diante. Após 1963, Cabral

passou a assinar como diretor, embora sua nomeação oficial só tenha ocorrido no ano de

1964.

Se considerarmos que o espaço do campo científico é construído de tal modo em que

os agentes são distribuídos em função de sua posição e dos princípios de diferenciação,

caraterizados pelo capital científico, como afirma Bourdieu, percebemos que as áreas

científicas definidas para o Instituto de Antropologia foram estabelecidas pela presença do

capital científico dos agentes engajados nos determinados campos naquele momento, algo

comum em espaços onde o campo científico ainda se encontra em formação: Cascudo e

Veríssimo, dois pesquisadores da etnografia potiguar; Dom Nivaldo, que além de cientista,

figurava como líder religioso no estado; e Cabral, vindo do Rio Janeiro com prestígio

suficiente para se inserir no espaço intelectual da época139

.

Analisamos apropriado apresentar, ainda nesse momento, mais dois personagens que

fizeram parte da equipe inicial do Instituto de Antropologia. O primeiro é o paleontólogo

Antônio Campos e Silva (1940-1972), convidado por Cabral para assumir o Departamento de

Paleontologia do IA ainda no ano de 1962. O segundo é Protásio de Melo, estudioso da língua

e da literatura norte-americana, além de colecionador de conchas, convidado a coordenar a

subseção de Malacologia.

137

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 87. 138

ABREU, Regina. Colecionando o outro: o olhar antropológico nos primeiros anos da República no Brasil. In:

HEIZER, A.; VIDEIRA, A.A.P. (Orgs.) Ciência, Civilização e República nos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad

X; Faperj, 2010. p. 250. 139

BOURDIEU, Os usos sociais da ciência, p. 26.

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68

2.5 Antônio Campos e Silva – o milagre da cidade do Natal

O convite para chefiar as pesquisas

paleontológicas do IA havia sido dirigido,

inicialmente, à Vingt-Un Rosado, conhecido

pesquisador na área da geologia e paleontologia da

região de Mossoró, bastante explorada pela riqueza de

minérios, rochas e fósseis. Vingt-Un era o responsável

pela criação de um dos primeiros espaços de ciência

do Rio Grande do Norte, o Museu Municipal de

Mossoró de Paleontologia, atual Museu Lauro da

Escóssia. No entanto, o pesquisador acabou recusando

o convite o Cabral, pois se dizia ser apenas um “leigo

da paleontologia sem pretensão de fazer paleontologia”. Em um pequeno texto autobiográfico,

Vingt-Un falava que seus trabalhos tinham apenas a finalidade de informar sobre o assunto,

seus achados eram devido à sorte e o reconhecimento que obtivera era por generosidade.

Cabral veio à Mossoró convidar-me para dirigir o setor de Paleontologia do

seu Instituto de Antropologia. Expliquei-lhe que era um simples juntador de

pedras e não me sentia preparado para assumir um posto que devia caber a

um cientista. [...] Não podia aceitá-lo, era um simples amador de

paleontologia140

.

No entanto, Vingt-Un mantinha uma forte relação de amizade com Antônio Campos e

Silva, um jovem estudioso da Paleontologia e que teve seu nome indicado a Cabral, que

prontamente repassou o convite141

.

Quando ingressou no Instituto de Antropologia, Antônio Campos tinha apenas 22

anos. Autodidata, começou a pesquisar sobre temas da Paleontologia e Geologia ainda como

estudante secundarista do Colégio Marista em Natal, explorando o solo dos municípios

vizinhos em busca de fósseis, fazendo palestras e publicando textos sobre o assunto em

jornais locais.

140

ROSADO, Vingt-Un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense. 2º Volume – 1935 a 1962. Fundação

Vingt-Un Rosado, Coleção Mossoroense, Série C – Volume 1077, Agosto de 1999. p. 213. 141

Acreditamos que a recusa de Vingt-Un vá muito além do seu discurso de hulmide curioso de rochas. Vugt-

Un, já havia se estabelecido no seu campo de trabalho e, também, era responsável pela construção do Museu de

Paleontologia em Mossoró. Participar do Instituto seria um trabalho árduo, quase como recomeçar o que ele já

havia conquistado.

Figura 6: Antônio Campos e Silva, s/d

Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.

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69

Aos quinze anos, no ano de 1955, conseguiu emprego no Departamento Nacional de

Obras Contra as Secas (DNOCS), que atuava no estado com inciativas direcionadas

principalmente ao combate à seca. Antônio Campos realizava no DNOCS um trabalho técnico

de levantamento e análise de solo e aproveitava para desenvolver, por iniciativa própria, suas

pesquisas no campo da geologia e paleontologia. Em uma das inúmeras cartas que trocou com

Vingt-Un Rosado, Antônio Campos, relata: “Realizei, para o DNOCS, algumas pesquisas

geológicas em Ceará Mirim e [...] escrevi um trabalho sobre a geologia daquela região”142

.

Em sua primeira carta direcionada à Vingt-Un Rosado, no ano de 1958, Antônio

Campos se apresenta como um estudante com o desejo de aprender sobre a História Natural

do Estado e solicita “auxílio intelectual” para a realização de seus estudos sobre Paleontologia

norte-rio-grandense. Em um dos trechos da carta, diz “a tarefa pode parecer árdua, mas tenho

o entusiasmo da juventude e o amor à ciência”143

.

Podemos afirmar que sua relação com Vingt-Un, que enxergava em Antônio Campos

um pesquisador com “extraordinária vocação para a ciência dos fósseis”, foi fundamental para

o crescimento e reconhecimento do seu trabalho como cientista tanto no Rio Grande do Norte,

como em outros estados brasileiros. Vignt-Un se referia a Antônio Campos da seguinte

maneira:

Este menino de 19 anos, que já escreve com tanta precisão científica,

prudência e seriedade de um pesquisador já amadurecido, eu quase que

tenho vontade de chama-lo “o milagre da Cidade do Natal”. [...] Honrou-me

muito a tarefa de falar dêsse menino, que já está se tornando conhecido de

categorizados círculos científicos do Sul do País144

.

Ainda em 1958, Antônio Campos foi convidado a fazer um estágio no Departamento

de Geologia e Mineralogia (DGM) do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM)

no Rio Janeiro, pelos paleontólogos Llewellyn Ivor Price e Luciano Jacques de Moraes,

notáveis pesquisadores que marcaram o percurso histórico dessa ciência no país. Contudo,

não teve condições de aceitar o convite em razão de seus estudos e trabalho no DNOCS.

Teve o seu primeiro trabalho Notas sobre a Geologia do Município de Ceará-Mirim

publicado em 1959. Pretendia ingressar na Faculdade de Geologia em Recife, mas fracassou

nas duas tentativas. Foi quando recebeu o convite de Cabral para integrar o Instituto de

142

ROSADO, Vingt-Un. Antônio Campos e Silva, numa viagem de 14 anos através de 50 cartas. 2º Edição.

Coleção Mossoroense. Série “C”, 2001. p. 36. 143

Ibidem. p. 8. 144

ROSADO, Vingt-Un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroensse, op. cit. p. 67-68.

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Antropologia, em 1962. Decidiu entrar no curso de Geografia da UFRN, concluindo-o em

1963. Em 1964, entrou para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da UFRN, como

professor do curso de Geografia.

No IA, Antônio Campos logo estruturou o seu campo de trabalho, ampliando suas

pesquisas e seus contatos. Foi altamente produtivo durante o período que esteve à frente da

Geologia e Paleontologia no Instituto. Em plena atividade, em 10 de fevereiro de 1972,

Antônio Campos faleceu, vítima de um acidente automobilístico no interior do estado. Em sua

última carta endereçada à Vingt-Un, explicava que estava viajando com a família por

recomendação médica: “estou com a cabeça até a tampa de cheia e o médico recomendou-me

repouso”.

É simples entender a sua participação no IA pensando em sua posição no espaço

científico e social daquele momento. O seu capital científico, ainda em construção, foi

acrescido do capital científico de Vingt-Un Rosado. A sua posição como agente de um campo

científico, com seus estudos sobre a Geologia e Paleontologia, predispôs a uma aproximação

com as pessoas inscritas em um setor restrito desse espaço, ou seja, aqueles que pensavam o

Instituto.

2.6 Protásio Pinheiro de Melo – o intérprete potiguar

O natalense Protásio de Melo (1914-

2006), irmão de Veríssimo de Melo, foi

convidado a integrar à equipe do IA no ano de

1963, onde assumiu a subseção de

Malacologia.

Formado em Ciências Jurídicas pela

Faculdade de Direito de Recife, chegou a

exercer o cargo de Promotor Adjunto da

comarca de Natal. No entanto, abandonou a

carreira jurídica para se dedicar ao ensino do

idioma inglês.

Protásio foi o principal responsável pela comunicação entre as tropas norte-americanas

e o governo norte-rio-grandense ao longo do período de participação do Rio Grande do Norte

na II Guerra Mundial, atuando também como professor de português dos oficiais e praças

estrangeiros que aqui se instalaram.

Figura 7: Protásio de Melo, s/d

Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.

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71

Participou, ao lado de intelectuais como o médico Onofre Lopes, o jurista Edgar

Barbosa, os professores Dom Nivaldo Monte e Otto Guerra, entre outros, da fundação da

Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos (SCBEU). Segundo Juarez Chagas, a escola criada

em 1957 por intelectuais, que um ano depois criariam a Universidade do Rio Grande do

Norte, possuía na capital potiguar o status de academia. Era um dos principais espaços de

sociabilidade natalense, onde “gente da alta sociedade, artistas e intelectuais” se reuniam nas

salas da primeira biblioteca e nas cadeiras do primeiro cinema driving in da cidade145

.

Protásio de Melo participava ativamente do meio intelectual local, proferindo

conferências e destacando-se como o principal intérprete da língua inglesa no estado. Além de

exercer a profissão de professor, Protásio de Melo se dedicou, sobretudo, ao estudo da

linguagem potiguar e escreveu diversos artigos sobre o tema. Era também conhecido por

possuir em sua casa um museu particular, onde guardava uma grande coleção de selos,

insetos, conchas e material etnográfico.

Não encontramos qualquer documento que fale sobre o ingresso de Protásio de Melo

no IA. Sabe-se apenas que uma das suas primeiras ações no Instituto foi montar e organizar a

coleção de conchas da subseção de Malacologia, muitas doadas pelo próprio Protásio de

Melo146

. Além de também atuar na seção de Linguística do Setor de Antropologia Cultural,

campo em que já atuava profissionalmente. Supomos apenas que sua posição como intelectual

e seu prestígio a frente de um dos espaços de sociabilidade da classe letrada local, seu

parentesco com Veríssimo de Melo e seu interesse pelo tema da Malacologia, corroborado

pela prática do colecionismo, sejam os fatores que o levaram a integrar o Instituto.

2.7 Espaço de relações - escolhas e posições dos agentes

Nos parágrafos anteriores não procuramos apresentar uma análise minuciosa das

biografias dos agentes envolvidos com a criação do IA, mas sim, traçar, a partir de momentos

específicos de suas trajetórias, suas atividades como membros de um campo científico em

construção.

Percebemos, então, uma divisão de ideais entre os fundadores do IA. De um lado,

temos Cascudo e Dom Nivaldo, que representavam uma geração que ainda se mostrava

145

SILVA, Yuno. A cultura pós-guerra na terra do sol. Tribuna do Norte, Natal, 16 junho 2011. Disponível em:

<http://tribunadonorte.com.br/print.php?not_id=185471>. Acesso em: 04 de abril de 2014. 146

A coleção de conchas do IA é a única que possui um livro de registros detalhado, guardado no Arquivo

Histórico do Museu Câmara Cascudo/UFRN. Apesar de encontrarmos citações sobre a existência de livros de

registros das outras coleções, estes não se encontram no Arquivo e não há informações de onde eles possam

estar.

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distante em suas práticas do formato de cientista inserido em um instituto de pesquisa. A

figura do pesquisador solitário de ambos se sobressai à identidade do pesquisador trabalhando

em um espaço coletivo. O IA, talvez, fosse visto mais como um espaço de vínculo

institucional e de sociabilidade, aos quais ambos estavam acostumados a pertencer. E não

como um espaço para a prática e desenvolvimento de atividades científicas coletivas, o que

caracteriza a formação do IA como um espaço científico. E ao pesquisador, dentro de um

espaço científico, não mais bastaria ser um livre pensador. De um cientista naquele período se

exigia dedicação exclusiva147

.

Essa divisão é visível, principalmente, quando entendemos a presença e obstinação de

Cabral, reconhecido tanto como um cientista, quanto um administrador científico. Cabral

representava fortemente outra tradição de pensamento e seus anseios para o IA iam muito

além do que almejam os outros três fundadores. Sua maneira, descrita por muitos, como

rigorosa, não somente no exercício de pesquisador, mas, sobretudo, como administrador, pode

ser vista como uma extensão da sua experiência e contato com outras instituições de pesquisa,

como o Instituto Anatômico de Niterói e o Museu Nacional no Rio de Janeiro. Cabral tentou

levar para o IA a associação entre a formação intelectual e a atividade profissional de seus

estudantes. E a sua força de vontade culminou no afastamento do membro de maior capital

científico envolvido na criação do IA, Cascudo, que não concordava com os planos que ele

tinha para aquele espaço.

Com o apoio de Veríssimo de Melo, que demonstrava, ainda de forma tímida, visão

semelhante, e, sobretudo, do Reitor Onofre Lopes, Cabral, ao assumir a direção do IA, deu

início a uma série de ações que fez dessa instituição o principal espaço de produção científica

do Rio Grande do Norte durante pouco mais de uma década, sendo reconhecido

nacionalmente, ao lado de instituições científicas como o Museu Nacional e o Museu

Paraense Emílio Goeldi, em Belém.

O Instituto de Antropologia, como espaço social ou o microcosmo social, onde se

produziu um campo científico, como explica Bourdieu, foi antes de tudo um espaço de

relações entre os seus fundadores, agentes daquele campo científico. Sendo que, para

compreendermos incialmente como se deu esse espaço, buscamos nas linhas acima situar cada

agente no momento de criação do IA, visto que

é no horizonte particular dessas relações de força específicas, e de lutas que

têm por objetivo conserva-las ou transforma-las, que se engendram as

147

SÁ, op. cit., p. 137.

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estratégias dos produtores, [...] as alianças que estabelecem, e isso por meio

dos interesses específicos que são aí determinados148

.

Sendo assim, conseguimos agrupar alguns pontos que nos revelam elementos

favoráveis à criação do Instituto de Antropologia. Em primeiro lugar, temos quatro agentes de

um campo científico ainda em construção, que desenvolviam suas pesquisas individualmente,

na ausência de uma instituição adequada para receber a prática científica. Sendo que cada um

possuía capital científico suficiente para interferir no campo naquele momento. Por outro

lado, a identidade do cientista ainda estava em construção, justamente pela falta de uma

organização social que reconhecesse oficialmente seu exercício.

Esses agentes, como professores e intelectuais, pertenciam aos espaços de ensino

superior, onde, naquela época, borbulhavam os ideais da ciência e da especialização

profissional. Pela própria dinâmica de seus trabalhos e do meio social, mantinham, de certa

forma, uma relação próxima entre si. É relevante ressaltar que dois deles, Cabral e Veríssimo,

já haviam tentado criar em Natal outros espaços científicos. E, por último, a visão, não apenas

de um pesquisador, mas de administrador científico de Cabral, que se mostra como peça

fundamental para o desenvolvimento do Instituto de Antropologia como um espaço destinado

à prática científica e a formação de pesquisadores.

Como agentes detentores de capital científico, estes ansiavam por um espaço, uma

instituição científica, que abrigasse, estimulasse e reconhecesse suas pesquisas em seus

campos definidos.

Contudo, procuramos demostrar, nesses dois primeiros capítulos que o Instituto de

Antropologia foi criado não somente pelas escolhas e posições dos agentes envolvidos no

campo daquele determinado espaço e tempo. Embora estas tenham sido fundamentais para a

definição de sua área de atuação.

Entendemos que a pesquisa científica é guiada por estratégias que são muito mais

complexas que uma simples busca indiferente pelo conhecimento. Embora muitos cientistas

afirmem que suas decisões de pesquisa se baseiam somente no interesse pessoal pelo tema

escolhido, sabe-se que suas decisões são fortemente influenciadas pela combinação de

questões práticas e incentivos materiais e institucionais149

.

148

BOURDIEU, Razões práticas, p. 61. 149

SCHWARTZMAN, op. cit. p. 25-26.

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CAPÍTULO 3

UM ESPAÇO PARA VÁRIAS CIÊNCIAS:

estratégias e desafios de uma instituição científica no Rio Grande do Norte

Nos capítulos anteriores, procuramos compreender as posições dos fundadores do

Instituto de Antropologia em um ambiente intelectual que ainda buscava construir um espaço

de ciência para suas práticas. Elementos que consideramos fundamentais para o entendimento

dos condicionantes que levaram à criação e ao desenvolvimento desse espaço dedicado à

prática científica no Rio Grande do Norte. Mostramos, também, como a criação de um espaço

para a ciência no Estado encontrou-se relacionada não somente com as escolhas individuais e

posições dos agentes daquele campo, mas, sobretudo, com as questões políticas que estavam

em pauta nacionalmente e que tiveram início a partir da década de 1930.

Desse modo, nesse terceiro capítulo, mostramos como o Instituto de Antropologia se

organizou como um espaço de ciência por meio da análise das suas estratégias, a partir do

momento de sua criação. Para tanto, são apresentados os espaços físicos onde funcionou, as

viagens de campo e cursos de formação que empreendeu, a formação de suas coleções

científicas e seu museu, assim como a publicação de sua revista científica. Não é nossa

proposta apresentar uma história cronológica do Instituto, mas situar os principais elementos

que o caracterizaram como um espaço científico.

3.1 Institui-se o espaço para a ciência

Criado por meio da Lei Estadual nº 2.694, de 22 de novembro de 1960, o Instituto de

Antropologia tinha como finalidade “promover e a divulgar estudos sôbre o homem em seus

diversos aspectos físico e cultural, inclusive tradição, hábitos e costumes, além de pesquisas

relativas às jazidas pré-históricas do território norteriograndensse”150

, tendo como

principais áreas de estudo a Antropologia Física e Cultural e a Paleontologia.

Como já explicamos anteriormente, devemos entender que, etimologicamente, o

estudo da antropologia refere-se ao estudo da história natural da espécie humana, isto é, a

antropologia física ou biológica. Já no seu sentido lato, abrange também a análise comparativa

150

Lei nº 2.694, de 22 de novembro de 1960 - Cria na Universidade do Rio Grande do Norte, INSTITUTO DE

ANTROPOLOGIA e dá outras providências.

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tanto de sua biologia quanto de manifestações culturais, que inclui a Antropologia Cultural ou

Social, a Arqueologia e a Linguística, além da antropologia física ou biológica151

.

Nesse sentido, pensado para ser um espaço com enfoque nos estudos antropológicos, o

IA contemplou seus quatro campos - Antropologia Cultural, Arqueologia, Linguística e

Antropologia Física. Além dos estudos na área da Paleontologia.

A instituição do IA se deu de forma vagarosa. Como vimos anteriormente, Cascudo e

Cabral já falavam da ideia de sua concepção no ano de 1959. No entanto, sua Lei de criação

só foi publicada um ano depois, em 1960. Sendo que seus fundadores somente realizaram a

primeira reunião oficial em 19 de setembro de 1961, conforme Livro de Atas152

. Com a

presença do reitor da Universidade, Onofre Lopes, os professores Cascudo, nomeado na

ocasião diretor do IA, Veríssimo, Dom Nivaldo e Cabral discutiram o início das atividades do

IA, assim como os planos de pesquisa de cada para o ano seguinte153

.

Apesar da Lei de criação definir que o IA seria organizado da seguinte maneira:

I. Seção de Administração

II. Seção de Antropologia Física

III. Seção de Antropologia Cultural

IV. Seção de Paleontologia

V. Museu

VI. Biblioteca

VII. Laboratório

VIII. Oficinas

durante a sua primeira reunião foi definido que sua organização inicial seria composta por três

departamentos, sendo eles:

1. Antropologia Física, com a responsabilidade de José Nunes Cabral de Carvalho;

2. Etnografia Geral, chefiado por Luís da Câmara Cascudo;

151

Relevante também é perceber a relação entre a Antropologia e a Paleontologia brasileira, isso porque ambas

possuem como precursor o mesmo personagem, o naturalista dinamarquês Peter W. Lund (1801-1880), quando

este descobriu, em 1835, o material ósseo de cerca de trinta indivíduos misturados à fósseis de animais em uma

caverna em Lagoa Santa, Minas Gerais. Apesar de não ter sido o primeiro a relatar a presença de fósseis no

Brasil, Lund foi o pioneiro em seu estudo sistemático, o que lhe garantiu o título de pai tanto da Antropologia

como da Paleontologia. 152

Ata de Fundação do Instituto de Antropologia da Universidade do Rio Grande do Norte, 19 de dezembro de

1960, Natal. 153

A ata da reunião não informa quais os planos definidos.

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2.1. Secção Folclore, ligada ao departamento de Etnografia, e coordenada por

Veríssimo Pinheiro de Melo;

3. Genética, sendo Dom Nivaldo Monte o responsável.

Notamos que nesse primeiro momento a Paleontologia não é citada. Na verdade, ela só

vai aparecer como departamento no ano de 1963, com o ingresso de Antônio Campos e Silva

no Instituto.

O Instituto de Antropologia instalou-se provisoriamente apenas no dia 18 de maio de

1962, em um pequeno prédio alugado, localizado na Avenida Hermes da Fonseca nº 961, no

bairro do Tirol, região onde estavam também instaladas a Reitoria, a Biblioteca e Faculdades

que integravam a Universidade.

Devidamente instalado em um prédio provisório, onde, por dois anos, de 1962 a 1964,

funcionaram os pequenos laboratórios, salas de estudo, biblioteca e museu, uma das primeiras

ações do IA, no ano de 1962, foi se fazer conhecer pelos agentes do campo científico do qual

desejava fazer parte. Para tanto, buscou manter contato com diversas instituições científicas e

pesquisadores, nacionais e internacionais. Ofícios foram encaminhados comunicando a

criação do Instituto. Nestes documentos, havia a apresentação dos seus objetivos, da sua

Figura 8: Fachada do primeiro prédio do IA, década de 1960.

Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.

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77

estrutura organizacional, dos seus pesquisadores. Também solicitava o envio de publicações

especializadas que serviriam para compor a biblioteca do IA. Esse conjunto de

correspondências é principal documentação que mostra a participação de Cascudo à frente do

IA naquele ano, já que meses depois ele deixaria a instituição.

O professor Verissimo de Melo declarava, em 1962, que o Instituto de Antropologia

nascia e crescia “sob segura e rígida orientação científica, voltada para os mesmos ideais que

animam as melhores instituições do gênero no país ou estrangeiro”154

. Nas tabelas 1 e 2

encontramos as principais instituições com qual o IA buscou manter contato e estabelecer

vínculos de pesquisa no seu primeiro ano de existência, assim como os assuntos tratados:

Tabela 1: Principais correspondentes nacionais do IA em 1962

DESTINO ASSUNTO

Centro de Estudos Afro-Orientais

da Universidade Federal da Bahia

Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Comando da Base Aérea de Natal Solicitação do Mapa aero fotográfico do Rio Grande do Norte

Consulado Americano no Recife Informações sobre as pesquisas antropológicas nos Estados Unidos

Departamento de Antropologia da

Universidade do Paraná

Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Departamento de Estatística do

Estado do RN

Informações sobre o IA e solicitação de publicações e mapas dos

municípios do Rio Grande do Norte

Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras da Universidade de São

Paulo

(Prof. Egon Schaden)

Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística Solicitação de mapas dos municípios do Rio Grande do Norte

Instituto de Biologia e Pesquisas

Tecnológicas (PR)

Informações sobre o IA e solicitação de publicações sobre

sambaquis

Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (RJ)

Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Museu Municipal de Mossoró Doação de material fóssil ao IA

Museu Nacional (RJ) Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Museu Paraense Emílio Goeldi

(PA)

Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor

sua biblioteca, aquisição de acervo etnográfico e material didático,

ida de pesquisadores do IA ao Museu

Museu Paranaense (PR)

Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Sociedade de Pesquisas e

Planejamento (SPLAN), (RJ)

Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca e dados de pesquisa

União Brasileira de Ciências

Antropológicas e Etnológicas (CE)

Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

154

Ofício: 47/1962, Natal, 16 de agosto de 1962. De Veríssimo de Melo ao Sr. Prof. Efraín Morote Best –

Catedrático de Folklore e Língua indígena da University of North Carolina (UNC).

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Tabela 2: Principais correspondentes internacionais do IA em 1962

DESTINO ASSUNTO

Associação Americana de Antropologia

(EUA)

Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Folklore Americas, Flórida (EUA) Informações sobre o IA e proposta de intercambio e colaboração

Instituto de Antropologia da Universidade

Nacional de Tucumán, México.

Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Instituto de Folclore de Bucarest, Romênia Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor

sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores

Instituto de História do México Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Instituto de Linguistica da Universidad

Nacional de Cuyo, Argentina

Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor

sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores

Museo del Pueblo Español, Madri, Espanha Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Museu Etnográfico de Gotemburgo, Suécia. Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor

sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores

Secretariado Nacional de Informação,

Cultura Popular e Turismo, Portugal.

Informações sobre o IA e proposta de intercambio e colaboração

com instituições portuguesas

Sociedade de Antropologia do Havaí

(EUA)

Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor

sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores

Societé Suisse des Americanistes, Suíça. Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor

sua biblioteca

Universidad Nacional de San Cristobal de

Huamanga, Perú

Informações sobre o IA e solicitação do plano de pesquisa da

Universidade

University of North Carolina (EUA) Informações sobre crânios deformados de indígenas de Cusco,

Peru.

Segundo Luiz de Castro Faria, a ciência só passa a existir, de fato, quando há um

grupo de profissionais, a que chamamos de grupo de pares, que se autoidentificam e se

identificam com os outros155

. Individualmente, os membros do IA já mantinham certa relação

com alguns pesquisadores e instituições listadas acima, o que facilitou o contato inicial do

Instituto, assim como corroborou a importância do Instituto no campo científico.

Como podemos perceber, a maior parte dos ofícios no primeiro ano seguia o modelo

de informar sobre a criação do IA e solicitar publicações, sobretudo, a espaços ligados à

pesquisa antropológica. Entre as primeiras instituições contatadas, estavam também aqueles a

quais foram solicitados mapas dos municípios do Rio Grande do Norte, dos quais o IA

alegava ser de urgência necessidade para o início de suas atividades. Como exemplo, em

ofício s/n de junho de 1962, dirigido ao Comando da Base Aérea de Natal, Cascudo solicita e

155

FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia no Brasil. Org.:

Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues. Brasília: CNPq; Rio de Janeiro: MAST,

2006. p. 57.

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explica a urgência dos mapas para o IA: “[...] para proceder ao levantamento das jazidas

paleontológicas do Rio Grande do Norte, vimos solicitar um mapa aero-fotográfico do Estado,

documento indispensável ao inicio das nossas tarefas”156

.

Em julho do mesmo ano, Cabral, em ofício, também justificava a necessidade dos

mapas para o “levantamento cadastral das reversas minerais de cada município do Estado”157

.

3.2 As viagens de campo

Entre as principais atividades programadas pela equipe do IA para a segunda metade

do ano de 1962 estavam as diversas viagens de campo ao interior do Estado. Cabral, com o

seu Departamento de Antropologia Física, empreendeu a primeira expedição científica do

Instituto no mês de junho, tendo como destino o município de São Tomé (RN) para

averiguação de uma suposta jazida osteológica localizada na Pedra dos Ossos, Serra do

Ronco. De acordo com Cabral, essa localidade despertou o interesse do Instituto de

Antropologia pela existência de uma lenda local de que ali havia ocorrido uma chacina de

índios cariri. De fato, a equipe do IA encontrou e coletou peças de seis esqueletos adultos e

vinte de crianças, mas todas sepultadas em épocas diferentes, o que refutou a lenda da

matança158

.

Figura 9: Coleta de peças osteológicas na Pedra dos Ossos, Serra do Ronco, município de São Tomé (RN), s/d.

Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.

156

OFICIO, s/n, junho de 1962. 157

OFICIO, nº 23, 18 de julho de 1962. 158

CABRAL-CARVALHO, José Nunes. op. cit., loc. cit.

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Durante os meses de junho e julho, mais quatro expedições foram realizadas, tendo

como objetivo, sobretudo, o reconhecimento e coleta de sítios paleontólogos e arqueológicos.

O material coletado nessas primeiras viagens foi depositado no laboratório do citado

departamento, dando início a coleção científica de Antropologia Física. Contudo, de acordo

com Cabral, o estudo da coleção, realizado no laboratório, foi atrasado pela ausência dos

equipamentos necessários para o funcionamento adequado, assim como pela carência de

pessoal técnico.

O Departamento de Antropologia Cultural, sob a coordenação de Veríssimo, realizou

sua primeira expedição ao oeste do Estado no final de julho de 1962, visitando onze

municípios, com o objetivo de coletar e adquirir material etnográfico para a criação de um

Museu de Cultura Popular.

O oficio nº 21, de 13 de julho de 1962, endereçado ao reitor da Universidade, informa

que o Departamento de Antropologia Cultural estava iniciando a aquisição de material

destinando ao seu Museu e solicita autorização para que Veríssimo de Melo realize a viagem.

Segundo o ofício, a viagem de campo seria “altamente proveitosa no sentido de carrear para o

Museu de Cultura Popular um bom material”.

A viagem de campo foi autorizada e Veríssimo de Melo teve a companhia de Oswaldo

de Souza, Delegado no Estado do Serviço do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional

(SPHAN), que, conforme Veríssimo, “foi sumamente útil na orientação, localização e ajuda

para a aquisição de peças etnográficas”. Na viagem foram coletadas mais de cento e setenta

peças para o futuro Museu. No relatório da viagem, Veríssimo diz: “em face do material

obtido para o Museu do Instituto de Antropologia, além da parte de documentação

fotográfica, temos a convicção de que realizamos o nosso trabalho a contento”159

.

Em dezembro, Veríssimo, em contato com o Museu Paraense Emílio Goeldi, viajou

para Belém, com o intuito de adquirir material indígena para compor o Museu do IA. Na

oportunidade, seguiu para Manaus, com o mesmo objetivo.

Ao todo, foram realizadas 20 (vinte) viagens de campo apenas no segundo semestre de

1962, como podemos conferir na tabela 3.

Tabela 3: Viagens de campo do IA em 1962

Local Objetivo Departamento Período

São Tomé Jazida osteológica da Serra

do Ronco Antropologia Física Junho 1962

159

OFICIO, n. 26, 25 de julho de 1962.

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São Rafael Coleta de material

arqueológico Antropologia Física 29 junho 1962

Santa Cruz

Santana do Matos Jazidas paleontológicas Antropologia Física 05 Julho 1962

Açu

Coleta e aquisição de

material etnográfico para o

Museu de Cultura Popular

Antropologia Cultural 21 a 24 julho 1962

Mossoró

Tibau

Grossos

Areia Branca

Apodi

Caraúbas

Augusto Severo

São Rafael

Florânia

Caicó

São Rafael Coleta de material

arqueológico Antropologia Física 28 dezembro 1962

Praia de Pirangi do Sul,

Nísia Floresta Reconhecimento e coleta de

material geológico Antropologia Física 26 dezembro 1962

Praia de Mãe Luiza,

Natal

Belém -

Museu Paraense Emílio

Goeldi

Observação e aquisição de

material etnográfico para o

Museu de Cultura Popular

Antropologia Cultural Dezembro 1962

Manaus -

Colégio das Salesianas

3.3 Curso de Introdução à Antropologia – a necessidade de especialistas para a

pesquisa científica

Durante o seu primeiro ano de funcionamento, somente os Departamentos de

Antropologia Física, coordenado por Cabral, e Antropologia Cultural, por Veríssimo,

realizaram atividades. À medida que Cabral e Veríssimo desenvolviam suas pesquisas,

praticamente sozinhos, perceberam a necessidade urgente do auxílio de pesquisadores de

outras ciências, como a Geologia, Ecologia e a Paleontologia, sendo esta última já prevista na

estrutura do órgão. No entanto, com a Universidade do Rio Grande do Norte tão jovem, esta

ainda não havia formado os especialistas tão necessários para o auxilio nas pesquisas. A

solução encontrada pelo IA foi a formação do seu próprio pessoal por meio de um curso

intensivo de Introdução à Antropologia.

Para implementar o curso, foram convidados a integrar a equipe do IA dois

pesquisadores: Antônio Campos e Silva, ficando responsável pela seção de Geologia e

Paleontologia do Quaternário e Protásio de Melo, coordenando a subseção de Malacologia.

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No ano de 1963, o IA ainda se dividia entre as duas Antropologias, porém ganhou

mais duas áreas de pesquisa e, consequentemente, dois membros, ficando organizado da

seguinte maneira160

:

O Curso de Introdução à Antropologia destinou-se a formar e habilitar futuros

pesquisadores em “técnicas essenciais à pesquisa antropológica no Rio Grande do Norte” e

teve sua aula inaugural Importância dos estudos de Antropologia, proferida pelo reitor Onofre

Lopes, no dia 10 de janeiro de 1963, com a participação de nove estudantes matriculados.

Funcionando em regime de tempo integral, o curso se dividiu em três etapas, sendo a

primeira com duração de seis meses e contanto com aulas teóricas das seguintes disciplinas:

Antropologia Física – Prof. José Nunes Cabral de Carvalho

Antropologia Cultural Brasileira – Prof. Veríssimo de Melo

Geologia e Paleontologia do Quaternário – Prof. Antônio Campos

Linguística e Língua Inglesa161

– Prof. Protásio de Melo

Com o término do primeiro ciclo, os alunos foram distribuídos pelos três setores

científicos do Instituto162

. Durante os doze meses seguintes, o curso foi complementado com

160

OFICIO nº 167/63, de 05 de fevereiro de 1963. 161

A disciplina de Inglês era frequentada tanto pelos alunos do curso, como pelos professores/pesquisadores do

IA.

Antropologia Física Antropologia Cultural

Geologia e

Paleontologia

do Quaternário

Genética

Arqueologia

e Linguística Cultura

Popular

Malacologia

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dois cursos de extensão: o primeiro, sobre Arqueologia e Etnologia Brasileira, a cargo do

prof. Arthur Napoleão Figueiredo, antropólogo e pesquisador da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da Universidade Federal do Pará163

; o segundo, a cargo do prof. Egon

Schaden, antropólogo e pesquisador da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo, tendo como tema Aculturação Indígena.

Além dos cursos de extensão, fizeram parte do programa conferências proferidas por

pesquisadores e professores de universidades brasileiras e estrangeiras. Essas atividades,

apesar de planejadas pelo e para os alunos e pesquisadores do IA, eram abertas ao público,

principalmente aos outros cursos da Universidade. Em nota publicada em 1964, a respeito dos

cursos de extensão, em especial o segundo, encontramos a seguinte passagem:

Ressalte-se que referido curso constituiu acontecimento sem precedente nas

atividades do Instituto de Antropologia da URN, pelo interesse despertado

nos meios universitários, atingindo frequência diária de mais de sessenta

alunos. Concorreu, sem dúvida, para esse resultado surpreendente, a

presença do eminente professor Egon Shaden, uma das maiores expressões

entre os metres da Etnologia brasileira contemporânea164

.

O Prof. Egon Schaden, em sua passagem pelo Instituto e ao conhecer o trabalho

científico que vinha sendo desenvolvido na instituição, escreveu a seguinte nota no livro de

visitas do IA:

Instituição promissora, o Instituto de Antropologia virá desempenhar

um papel de grande alcance no desenvolvimento das Ciências do

Homem no Nordeste brasileiro. Entregue a uma equipe de

pesquisadores sérios e entusiastas, já realizou trabalhos de mérito.

Ao longo dos 18 (dezoito) meses de curso foram realizadas quatorze conferências e

dois cursos de extensão, os quais listamos na tabela abaixo:

162

Antropologia Física: o Terezinha W. de Sá Leitão, Francisco R. de Sá Benevides Filho, José Crispim, Leon

Diniz Dantas de Oliveira; Antropologia Cultural: Elizabeth Mafra Cabral, Nássaro Antonio de Souza Nasser,

Raimundo Teixeira da Rocha; Geologia e Paleontologia do Quaternário: Manoel Daylor T. de

Vasconcelos; Dario Dantas da Silva. 163

Foi também o responsável e o primeiro curador do acervo etnográfico constituído pelos conjuntos Etnologia

Indígena; População Urbana/Cultos Afro-Brasileiros e População Interiorana, pertencentes ao atual Laboratório

de Antropologia da Universidade Federal do Pará. 164

ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n. 2, op.cit., p. 200.

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84

Tabela 4: Atividades do Curso de Introdução à Antropologia em 1963 e 1964

Ano Período Tema

1963

07 janeiro Importância dos Estudos de Antropologia

Aula inaugural do Curso, ministrada pelo reitor Onofre Lopes

15 janeiro Baixa Prevalência de Cárie Dentária e Areia Branca e Grossos

Conferência proferida por Aldo da Fonseca Tinoco

28 janeiro Costumes e Tradições Japonesas

Conferência proferida por Confúcio Barbalho

02 fevereiro Índios Ticunas no rio Jandiatuba

Conferência proferida pelo aluno Raimundo Teixeira da Rocha

11 fevereiro Cabo Verde, elo antropológico entre o Brasil e a África

Conferência proferida pelo escritor cabo-verdiano Luís Romano.

03 março Antropologia Moderna

Conferência proferida pelo prof. Estevão Pinto.

10 abril Iugoslávia, México e Egito – Aspectos antropológicos

Conferência proferida pelo diplomata Dr. Nestor dos Santos Lima Sobrinho

25 abril Folclore Gaúcho

Conferência proferida pelo prof. Carlos Galvão Krebs

15 a 30 julho Arqueologia e Etnologia Brasileira

Curso de Extensão ministrado pelo prof. Arthur Napoleão Figueiredo

03 dezembro Pesquisas de Malacologia na Nova Caledônia e Ceilão

Conferência proferida pelo pesquisador George Kline

20 dezembro Fixação do Judeu na África

Conferência proferida pelo escritor cabo-verdiano Luís Romano.

26 dezembro As Secas no Nordeste

Conferência proferida por Rômulo Argentiere

1964

15 a 25 julho Aculturação Indígena, Métodos e Técnicas de Pesquisa

Curso de Extensão ministrado pelo prof. Egon Schaden

16 julho

Literatura Negra nos Estados Unidos

Conferência proferida pelo prof. Raymond Sayers da Universidade de

Columbia, EUA.

27 julho A Crítica de Costumes na primeira metade do século XIX em Pernambuco

Conferência proferida pelo prof. Valdermar Valente da Universidade do Recife

A segunda fase do curso, considerada a fase de aperfeiçoamento, consistiu no trabalho

de campo, sobretudo, ao interior do Rio Grande do Norte, e no trabalho em laboratório, com

estudo e organização do acervo científico coletado durante as viagens. Em oficio de 11 de

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85

março de 1963, encaminhado ao reitor da UFRN, Cabral relata a participação dos alunos nas

viagens de campo do IA:

De regresso de nossa viagem ao município de Pedro Velho, onde estivemos,

durante dois dias, procedendo à escavação do cemitério de Coitezeira,

juntamente com dez alunos do nosso Instituto de Antropologia [...] 165

Durante os anos de 1963 e 1964 foram realizadas, pela equipe de pesquisadores do IA,

20 (vinte) viagens de campo, sempre com participação e auxílio dos futuros pesquisadores.

Das 20 (vinte) viagens realizadas, 02 (duas) foram empreendidas pelo Departamento de

Geologia e Paleontologia do Quaternário, 02 (duas) pelo Departamento Antropologia Física e

13 (treze) pelo Departamento de Antropologia Cultural. A tabela abaixo demonstra com mais

detalhes as viagens.

Tabela 5: Viagens de campo do IA em 1963

Local Objetivo Departamento/Setor Período

Litoral Norte de

Natal Excursão de Geologia prática Geologia e Paleontologia 7 fevereiro

Pedro Velho Pesquisa no Cemitério

abandonado de Coitezeira Antropologia Física 9 março

Fazenda Arvoredo Pesquisas geológicas Geologia e Paleontologia 20 março

Florânia

Aquisição de peças etnográficas

(ex-votos) da Devoção Popular

de José Leão

Antropologia Cultural 10 julho

Mossoró

Pesquisa sobre inscrições

rupestres no Estado Antropologia Cultural Setembro

Upanema

Caraúbas

Apodi

Martins

Marcelino Viera

José da Penha

Alexandria

Almino Afonso

Tenente Ananias

Caraúbas Contato com população isolada

do município de Caraúbas Antropologia Física Outubro

165

OFICIO, nº 186, 11 março de 1963.

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86

Patu Registro da devoção popular de

Nossa Senhora dos Impossíveis Antropologia Cultural Novembro

Pititinga

Coleta de conchas

Malacologia em colaboração com

George e Mary F. Kline,

pesquisadores da Academia de

Ciências Naturais da Filadélfia

(EUA)

Dezembro Maracajaú

Areia Branca

Jardim do Serído Registro da Festa do Terço dos

Negros de Jardim do Seridó Antropologia Cultural 30 e 31 dezembro

Nota-se 01 (uma) viagem realizada em colaboração com os pesquisadores George e

Mary F. Kline da Academia de Ciências Naturais da Filadélfia, Estados Unidos, que

desenvolviam um estudo sobre a malacologia no litoral do continente americano. Os cientistas

americanos foram convidados pelo Instituto para “treinamento e coleta de material

malacológico atual nas costas do Rio Grande do Norte”166

e, atendendo ao convite,

percorrerem boa parte do litoral potiguar durante o mês de dezembro de 1963 para pesquisa e

coleta de espécimes com o auxílio de Protásio de Melo, diretor da secção de Malacologia do

IA, e de dois alunos do curso. Além da atividade de campo, George Kline pronunciou uma

conferência para os alunos do curso. A seção Noticiário do Arquivos do IA, ao divulgar a

passagem do casal Kline pelo Instituto, diz:

Retornando aos Estados Unidos, o casal Kline incorporou ao acervo do

Instituto todo o material destinado à pesquisa. Ofereceram, ainda, uma bolsa

de estudos com a duração de 5 anos, na Academia, para um aluno do

Instituto. Dessa Forma, a direção do Instituto de Antropologia contraiu uma

dívida de gratidão para com George e Mary F. Kline, que ultrapassaram sua

tarefa como pesquisadores, identificando-se com o espirito que anima nossa

Universidade167

.

O Curso de Introdução à Antropologia foi encerrado oficialmente em 25 de julho de

1964, atingindo o seu objetivo ao formar nove jovens pesquisadores que foram prontamente

incorporados à equipe de IA com o título de Auxiliar de Pesquisador. Assim ficando o

Instituto de Antropologia com o seguinte quadro de pessoal:

166

Ata da 6ª Reunião da Congressão de professores do Instituto de Antropologia da UFRN, 30 de outubro

de1963. 167

ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v. 1, n. 1, março 1964, p. 86.

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87

Tabela 6: Quadro de pesquisadores do IA em 1964

Nome Atribuição

José Nunes Cabral de Carvalho Pesquisador em Antropologia Física

Veríssimo Pinheiro de Melo Pesquisador em Antropologia Cultural

Antônio Campos e Silva Pesquisador em Geologia

Protásio Pinheiro de Melo Pesquisador em Malacologia

Terezinha Wanderley de Sá Leitão Pesquisador em Antropologia Física

José Crispim Pesquisador em Antropologia Física

Elizabeth Mafra Cabral Pesquisador em Antropologia Cultural

Nássaro Antônio de Souza Nasser Pesquisador em Antropologia Cultural

Leon Diniz Dantas de Oliveira Pesquisador em Antropologia Física

Raimundo Teixeira da Rocha Pesquisador em Antropologia Cultural

Francisco Renato de Sá e Benevides Filho Pesquisador em Antropologia Física

Manoel Daylor Teixeira de Vasconcelos Pesquisador em Geologia

Dario Dantas da Silva Pesquisador em Geologia

Com o curso finalizado, restava, no entanto, uma terceira e última etapa, com inicio

programado para o ano de 1965, por meio da concessão de bolsas de estudo, no Brasil e no

exterior, para os pesquisadores auxiliares, finalizando assim o que seria considerado, por

Cabral e Veríssimo, a formação sólida de um cientista.

No ano de 1964 e 1965, o número de viagens diminuiu em comparação aos dois

primeiros anos. Entre os fatores da diminuição das viagens estava o rigoroso inverno que o

estado passou naquele ano, prejudicando as atividades de campo. Em tom de brincadeira,

Cabral diz que “as chuvas continuam disputando conosco as áreas de pesquisa”168

.

No ano de 1965, as viagens de campo ficaram em segundo plano por dois motivos:

primeiro, o IA havia conseguido apoio financeiro do Conselho Nacional de Pesquisas

(CNPQ) para um projeto de dois anos de pesquisa paleontológica na Fazenda Lájea Formosa,

no município de São Rafael, interior do Rio Grande do Norte. O que tomou o tempo e

trabalho de Cabral e Antônio Campos. E segundo, porque alguns de seus pesquisadores

auxiliares estavam ausentes em virtude dos estágios empreendidos em outras instituições169

.

168

Carta enviada à Paula Couto, pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 02 de agosto de 1965. 169

Francisco Renato de Sá e Benevides Filho, estagiando no laboratório de Genética do Instituto de Ciências

Naturais da Universidade do Rio Grande do Sul; Theresinha Wanderley de Sá Leitão, estágio na Seção de

Paleontologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro; Leon Diniz Dantas de Oliveira, estágio na Seção de

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88

Os próprios Cabral e Antônio Campos, com intuito de se especializarem, realizaram

estágios de curto período em outras instituições científicas. Antônio Campos passou um

período no setor de Sedimentologia da Escola de Geologia do Recife, e Cabral seguiu para o

Museu Nacional do Rio de Janeiro, tendo apoio dos paleontólogos Carlos de Paula Couto e

Fausto Luis de Souza Cunha. Para Cabral, a sua ida ao Museu Nacional, considerada a maior

instituição científica do Brasil, iria proporcionar ao Instituto de Antropologia a chance de

trabalhar com “ [...] a maior equipe de cientistas, da mais significação e valia do país. [...]

todos eles trarão para nós o acervo de seus conhecimentos e mais a experiência de anos e anos

dedicados à Ciência”170

. E complementa: “O Instituto de Antropologia nada fará sem a segura

colaboração do Museu Nacional do Rio de Janeiro e outras instituições congêneres, nas quais

se procura de fato fazer ciência”171

.

Em 1966, o IA já havia estabelecido uma rede de colaboração com cientistas e

instituições científicas brasileiras e norte-americanas, principalmente por meio de pesquisas

de campo. O envio de peças fósseis para identificação e estudo, assim como a troca de

informações por correspondências aumentou consideravelmente.

Na tabela 7, notamos alguns trabalhos realizados pelo IA em colaboração com outros

cientistas e instituições. Como, por exemplo, o trabalho de pesquisa do geólogo Jannes

Markus Mabesoone, professor da Escola de Geologia do Recife que, ao lado do departamento

de Geologia e Paleontologia do IA, coordenado por Antonio Campos, percorreu alguns

municípios do Rio Grande do Norte, analisando suas bacias sedimentares.

Tabela 7: Viagens de campo do IA entre os anos de 1964 e 1966

Local Objetivo Departamento/Setor Período

Caraúbas

Pesquisa do Grupo Isolado

de Caraúbas, “Os

Caboclos”.

Antropologia Física 19 Janeiro de 1964

Natal Auxílio nas pesquisas dos

campos de dunas chefiada

pelo geólogo João José

Bigarella, professor da

Universidade do Paraná.

Geologia e Paleontologia 17 a 20 Abril de

1964

Genipabu

Touros

São Bento do Norte

Capuí (CE) Levantamento de Antropologia Cultural Julho de 1964

Roedores do Museu Nacional do Rio de Janeiro; Raimundo Teixeira, encaminhado para a expedição Xavantina-

Cachimbo, Norte do Brasil. 170

Carta endereçada ao jornalista Rubens de Azevedo, do estado de São Paulo, 15 de março de 1965. 171

Idem.

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89

inscrições rupestres e

coleta de material

folclórico

Grossos Coleta de fósseis Geologia e Paleontologia Setembro de 1964

Mossoró

Coleta de fósseis na

Caverna Olho D’Agua da

Escada

Geologia e Paleontologia Setembro de 1964

Santana do Matos Coleta de material

osteológico Antropologia Física Setembro de 1964

Mossoró

Escavação e prospecção

da Caverna Olho D’Agua

da Escada

Antropologia Física 19 a 24 Outubro de

1964

22 municípios do Rio

Grande do Norte

Coleta de “pelota de

coruja”, pesquisa em

parceria com o Museu

Nacional do Rio de Janeiro

Antropologia Física 16 a 22 de Agosto

de 1965

Olho D’agua da

Escada, distrito de

Barauna, Município de

Mossoró

Reconhecimento de área

para instalação de pesquisa

paleontológica e

espeleológica

Geologia e Paleontologia

do Quaternário Agosto de 1965

Ceará Mirim Pesquisa sobre sedimentos,

com apoio do geólogo

Jannes Markus

Mabesoone, professor da

Escola de Geologia do

Recife

Geologia e Paleontologia

do Quaternário

04 a 08 de

setembro de 1965

Serra Caiada

Macaíba

Praia do Cotovelo

Olho D’agua da

Escada, distrito de

Barauna, Município de

Mossoró

Pesquisa paleontológica e

espeleológica

Geologia e Paleontologia

do Quaternário

10 a 25 de outubro

de 1965

Florânia Coleta de ex-votos Antropologia Cultural Janeiro de 1966

Outro cientista que realizou pesquisas na área da geologia, em colaboração com o IA,

foi o geólogo João José Bigarella, do Instituto de Geologia da Universidade do Paraná. No

livro de visitas do Instituto, João José Bigarella manifestou a sua surpresa e admiração pelo

trabalho realizado no IA com as seguintes palavras:

A atividade desenvolvida no Instituto de Antropologia da Universidade do

Rio Grande do Norte faz com que se acredite, sinceramente, no rápido

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90

desenvolvimento cultural do Brasil. Esperamos que o esforço empreendido

nesta entidade encontre eco e sirva de estimulo às outras instituições [...]172

.

Além dos trabalhos de pesquisa, o IA continuou a receber pesquisadores para

conferências e cursos de extensão. No ano de 1964, por exemplo, o professor Raymond

Sayers, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que veio ao Instituto, por

intermédio de Protásio de Melo, proferir a conferência sobre “Literatura negra nos Estados

Unidos”173

. No mesmo ano, o IA recebeu a visita dos arqueólogos Clifford Evans e Betty

Meggers que, em carta ao reitor Onofre Lopes, manifestaram a vontade do Instituto

Smithsonian em continuar colaborando com as pesquisas do IA.

3.4 O Instituto e seus pequenos “museus expositores”

Consequentemente à grande quantidade de viagens de campo e a coleta de objetos,

uma quantidade considerável de coleções científicas foi depositada nos pequenos laboratórios

do IA. As coleções, além de utilizadas pelos especialistas para análise e estudo, eram

colocadas à visitação pública, dando inicio a organização do museu do Instituto.

Já iniciamos vários trabalhos de campo, no setor da Antropologia

física e de cultura popular, estando em organização o nosso Museu

[...]. Enfim, temos um vasto campo de atividades a desenvolver,

visando o estudo sistemático da Antropologia do nosso Estado174

.

Um museu em uma instituição de pesquisa funcionava como uma estratégia que

rompia os limites do privado, levando o Instituto de Antropologia à vida pública. A

divulgação do IA encontrava na exposição pública de suas coleções um grande aliado,

principalmente para a população local175

. É importante destacar que o Instituto não possuía

apenas um museu. Cada departamento possuía o que eles chamavam de um “pequeno museu

expositor”, que consistia em uma sala onde as peças eram expostas ao público. Essa

característica pode ser visualizada quando Veríssimo de Melo, em ofício, comunica ao reitor

172

ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.2. Natal , Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, Instituto de Antropologia, dezembro de 1964. p.204. 173

Protásio de Melo, que atuava ainda como professor e diretor da escola de inglês SCBEU exerceu um papel

fundamental no contato do IA com instituições norte-americanas. 174

Ofício nº 78, de 29/09/1962, endereçado ao Reitor Onofre Lopes, pelo Diretor em exercício José Nunes

Cabral de Carvalho. 175

LIMA, S. F. de.; CARVALHO, V. C. de. Cultura material e coleção em um museu de história: as formas

espontâneas de transcendência do privado. In: FIGUEIREDO, B. G.; VIDAL, D. G. (Orgs.). Museus – dos

Gabinetes de Curiosidades à Museologia Moderna. Argvmentvm, Belo Horizonte, p.85-110. p. 87.

Page 92: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

91

da Universidade a intenção do seu departamento em organizar o seu Museu de Cultura

Popular:

O Departamento de Cultura popular do nosso Instituto [...] pretende

organizar o seu Museu de Cultura Popular – o primeiro do gênero, no

Estado, condensando tudo aquilo que os homens do campo, das praias e dos

bairros populares fazem no sentido da execução de suas tarefas profissionais

ou domésticas, práticas religiosas e atividades lúdicas, além da parte de Arte

popular. Vimos solicitar a V. Magnificência autorização para entrar em

entendimento com firmas ou pessoas desta praça que possam executar esses

primeiros móveis destinados à exposição das peças do nosso futuro Museu

de Cultura Popular176

.

Em relatório, que consta um resumo das atividades do IA no ano de 1964,

encaminhado à reitoria da Universidade, Cabral informa a doação de acervo para os museus

do IA, ou seja, o museu de Antropologia Física, o museu de Antropologia Cultural, e o museu

de Geologia e Paleontologia177

. “Ao lado de cada um desses setores funciona um museu

especializado, que vem sendo ampliado cada dia. Todas as peças recolhidas são tombadas em

livro próprio e expostas nas salas respectivas”178

.

Esses vários museus dentro de uma única instituição podem ser entendidos como uma

estratégia de seus idealizadores em autobiografar-se por meio de seus trabalhos e coleções179

.

A prática de individualizar-se em pequenos museus construiu formas de prestígio e distinção

individual naquele espaço, noção trabalhada por Bourdieu, com o conceito de agentes e suas

relações, onde a posição que os indivíduos ocupam no espaço determina ou orienta suas

ações. Ou seja, é visível que as coleções do Instituto não se dissociavam dos ideais de seus

pesquisadores180

.

Em ofício endereçado ao Reitor, no ano de 1962, Câmara Cascudo solicita autorização

para viagem de campo e verba para aquisição de peças etnográficas e objetos de arte popular

para o Museu de Cultura Popular que, segundo o mesmo, prometia ser “uma mostra dos

176

Ofício: 47/1962, Natal, 16 de agosto de 1962. De Veríssimo de Melo ao Sr. Prof. Efraín Morote Best –

Catedrático de Folklore e Língua indígena da University of North Carolina (UNC). Observamos que Veríssimo,

em 1962, se referiu ao Museu de Cultura Popular do Instituto de Antropologia como sendo o primeiro do gênero

no Rio Grande do Norte. No entanto, no ano de 1959, o jornal A República, noticiava o funcionamento de um

Museu de Arte Popular em Natal, considerado “um dos interessantes do Nordeste”, ligado à Diretoria de

Documentação e Cultura da Prefeitura. 177

Resumo de atividades do Instituto de Antropologia, relativo ao ano de 1964, encaminhado ao Prof. Onofre

Lopes, reitor da URN. Natal, 17 de fevereiro de 1965. 178

Carta endereçada ao Consul da Alemanha em Pernambuco, 22 de dezembro de 1965. 179

LIMA, S. F. de.; CARVALHO, V. C. de. op. cit. p. 86. 180

BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo:

Editora UNESP, 2004. p. 25.

Page 93: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

92

elementos mais característicos das atividades do homem Norte-riograndense”181

, e descreve o

que seriam esses objetos:

[...] vestimenta completa do vaqueiro, arreios, miniatura de um carro-de-boi,

arado mais usual, ex-votos recolhidos de capelas ou cruzeiros, almofadas de

rendeiras sertanejas, cerâmicas, cestaria, modelos de objetos ligados a lúdica

infantil, enfim, um pouco de tudo aquilo que é normal na vida do nosso

homem do campo182

.

Apesar de Cascudo listar objetos que para ele seriam “normal da vida do nosso homem

do campo”, essas coleções estão carregadas de uma função nostálgica, visto que o modelo

desse museu se mostrava como um “verdadeiro monumento à perda”. Esse ideal de museu de

cultura popular, arte popular, folclore ou etnográfico, promoveu a disseminação de traços

materiais de culturas consideradas tradicionais e que mereciam de alguma forma serem salvas

183. Retornemos, como exemplo, o Museu Etnográfico da Faculdade de Filosofia de Natal,

criado por Veríssimo no ano de 1959. Para Veríssimo, o Museu fora criado para conservar “as

sobrevivências materiais” de indígenas, negros e povos de outras etnias, que corriam o risco

de se perderem por sofrerem com influências de outras culturas.

É conveniente observar que, dentre os quatro fundadores do Instituto de Antropologia,

três já estavam envolvidos na organização de museus. Além de Verissimo, Cascudo

participou da instalação do Museu do Arquivo Público do Estado, ocupando o cargo diretor ao

longo da década de 1950. Já Cabral iniciou a construção de um Instituto Anatômico na

Faculdade de Odontologia da URN, constituído de laboratórios, ossuário, anfiteatro e um

museu: “uma sala especial onde as peças anatômicas ficarão depositadas em estantes de

vidro”184

.

Ainda em julho de 1959, o jornal A República, publicou a seguinte notícia: “NATAL

(COMO PARIS) TERA UM MUSEU DO HOMEM – FALA À REPORTAGEM DE “A

REPUBLICA” O PROFESSOR JOSÉ CABRAL DE CARVALHO”. O Museu do Homem,

de acordo com a fala de Cabral, era o próprio Instituto de Antropologia, denominação

divulgada posteriormente por Cascudo em setembro do mesmo ano185

. Segundo Cabral, o

Museu do Homem de Natal se espelharia, guardadas as devidas proporções, no Museu do

181

Ofício: 21/1962, Natal, 13 de julho de 1962. De Luís da Câmara Cascudo ao reitor Onofre Lopes. 182

Ibid. 183

SANDBERG, Marl B. Efígie e narrativa: examinando o museu do folclore do século XIX. In: SCHWARTZ,

Vanessa; CHARNEY, Leo. (Orgs.). O Cinema e a Invenção da Vida Moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2001,

p. 441-496. 184

A República, Natal, 17 mar. 1960. 185

A República, Natal, 05 jul. 1959.

Page 94: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

93

Homem de Paris, ou Musée de l'Homme, um museu etnográfico criado por ocasião da

Exposição Universal de 1937, detentor de coleções antropológicas, pré-históricas e outras

meramente exóticas.

No boletim universitário de setembro de 1963, encontramos um trecho onde a

Universidade relata as atividades do Instituto e fala sobre as coleções em exposição na sede

do IA: “Temos, já, na sede do Instituto, à Avenida Hermes da Fonseca, abundante e

interessante material em exposição”186

.

O Museu do Instituto de Antropologia foi formado por vários “pequenos museus

expositores”, com cada departamento designando de museu o espaço no qual eles expunham

suas coleções. E foi assim que se caracterizou o Museu do IA: salas com peças expostas em

armários e vitrinas, divididas de acordo com a sua natureza: “Antropologia Física, Geologia e

Paleontologia do quaternário; indiologia e cultura popular”187

.

Quando, em 1964, o Instituto de Antropologia iniciou a construção de sua sede

própria, em um terreno na mesma avenida, doado por Varela Santiago, presidente da

Sociedade de Defesa contra a Lepra, o plano era construir um prédio somente para o Museu

do IA. Após três anos, em dezembro de 1967, o IA transferiu-se para o prédio novo, embora

ainda não estivesse terminado. O projeto do prédio, encomendado por Cabral, trazia as

seguintes diretrizes: bloco único, com divisões de salas de exposição e um longo corredor. E

foi exatamente assim que o prédio foi construído, organizando-se da seguinte maneira:

Figura 10: Planta baixa do piso inferior do prédio do Instituto de Antropologia Câmara Cascudo, 1967.

Fonte: Acervo MCC/UFRN

186

Boletim Universitário, ano I, nº 1, de setembro de 1963. 187

Ofício: 163/1963, Natal, 05 de fevereiro de 1963. De José Nunes Cabral de Carvalho ao reitor Onofre Lopes.

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Figura 11: Planta baixa do piso superior do prédio do Instituto de Antropologia Câmara Cascudo, 1967.

Fonte: Acervo MCC/UFRN

A inauguração oficial da nova sede do Instituto de Antropologia ocorreu no dia 21 de

março de 1969. Mas, somente em 1971, foi inaugurado um prédio destinado aos setores

técnicos e administrativos, denominado no projeto de Centro de Pesquisa, ficando o prédio

principal exclusivo para o Museu e suas exposições.

Figura 12: Foto área do complexo do Instituto de Antropologia na década de 1970. À frente, o prédio do Museu

e ao fundo o Centro de Pesquisas, formado por laboratórios e setor administrativo.

Fonte: Acervo MCC/UFRN

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95

3.5 A Revista Científica – Arquivos do Instituto de Antropologia

Nesse período, o Instituto de Antropologia encontrava-se em intensa atividade. Seu

quadro de pesquisadores e áreas de pesquisa havia aumentado consideravelmente. Tinha se

transferido para prédio próprio, um espaço consideravelmente maior, onde instalou sua

Biblioteca, com a organização da bibliotecária Zila Mamede188

, laboratórios e salas de estudos

espaçosas, além de dezenas de salas projetadas para expor o material coletado nas pesquisas,

construindo assim o seu grande Museu Expositor.

Se voltarmos a nossa atenção para as correspondências do Instituto nesse período,

1964-1966, os contatos estabelecidos com as instituições e pesquisadores durante o ano de

1962 se mantiveram, porém muitas relações foram estreitadas e outros assuntos passaram a se

tratados, sobretudo, relacionados à colaboração e intercâmbio entre pesquisadores e

instituições. O IA passou a desenvolver pesquisas na área da paleontologia em parceira com

Museu Nacional do Rio Janeiro. Com a Academia de Ciências Naturais da Filadélfia

(Academy of Natural Sciences of Philadelphia), o Instituto manteve intercâmbio de

pesquisadores e coleções científicas, além de aumentar a sua biblioteca com a doação de

publicações. Com o instituto norte-americano Smithsonian foi firmado uma parceira que

proporcionou ao IA o recebimento de um grande volume de publicações científicas, além de

financiamento de pesquisas arqueológicas e manutenção de uma bolsa para um dos

pesquisadores auxiliares.

Em conversa, principalmente, com as instituições que remetiam suas publicações ao

IA, Cabral anunciava, ainda em 1963, a pretensão de o Instituto futuramente enviar os

trabalhos e ensaios produzidos pela sua equipe de pesquisadores. Essa aspiração não demorou

muito a ser concretizada, pois em março de 1964 o IA lançou sua publicação própria, os

Arquivos do Instituto de Antropologia, uma revista de divulgação dos trabalhos realizados

pela Instituição e de outros pesquisadores nacionais e estrangeiros, com os quais o IA

mantinha parcerias.

Considerado um instrumento básico do cotidiano da prática científica, as revistas

científicas dos institutos de pesquisa constituíam-se como veículos privilegiados da produção

e do diálogo científico nesses espaços. É por meio das revistas que a produção científica dos

188

A bibliotecária Zila Mamede também exercia a mesma função na Biblioteca Central da UFRN. Foi

posteriormente homenageada, tendo seu nome sid[´[[o dado a essa Biblioteca Central.

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96

espaços ganha visibilidade e onde, principalmente, a produção de um pesquisador é submetida

à avalição dos seus pares189

.

Na nota de apresentação do primeiro volume do Arquivos do IA, Cabral fala sobre a

satisfação da equipe do Instituto em divulgar suas pesquisas para um maior número possível

de interessados. Os Arquivos do IA representava, nas palavras de Cabral, “um atestado de

vitalidade da equipe que há mais de um ano vem trabalhando em prol de um conhecimento

melhor do Rio Grande do Norte”190

.

Além dos trabalhos de pesquisa, a revista Arquivos do IA também trazia uma sessão de

noticiários, que apresentava um resumo das atividades do Instituto. No primeiro volume, há

informações sobre o Curso de Introdução à Antropologia, sobre o trabalho de pesquisa em

conjunto com os cientistas norte-americanos, George e Mary Kline, as publicações que sua

biblioteca recebeu, entre outras notícias do ano de 1963. Na sessão ainda constava a

reprodução das principais impressões que os visitantes deixavam no livro de visitas do

Instituto. Entre os depoimentos, destacamos o de Gilberto Osório de Andrade, professor da

Faculdade de Filosofia da Universidade de Recife, que chama o Instituto de “célula

explosiva” pela quantidade expressiva de trabalho que aquele espaço e seus pesquisadores

haviam desenvolvido em apenas um ano de funcionamento:

Este Instituto de Antropologia é uma célula explosiva. Basta considerar o

quanto já tem feito em tão pouco tempo, e o quanto já lhe deram tão poucos

com tanto entusiasmo, para se ter a perspectiva duma notável projeção para o

futuro191

.

Os arqueólogos Clifford Evans e Betty J. Meggers, no Smithsonian Insitution, em

carta endereçada ao reitor Onofre Lopes e reproduzida na sessão, diz que

[...] após visitar todas as grandes universidades do Brasil ondem funcionam

departamentos de Antropologia, como também vários museus, a fim de

inspecionar as instalações e avaliar o potencial de pesquisa e ensino da

Antropologia e seus campos relacionados. [...] o Instituto de Antropologia da

Universidade do Rio Grande do Norte [...] é um dos mais ativos em seu

país192

.

189

CRUZ, Helena de Faria. As revistas científicas: espaço do debate público da academia paulista no final do

século XIX e início do XX. In: ALMEIDA, M.; VERGARA, M. de R. Ciência, história e historiografia. Rio de

Janeiro: MAST, 2008, p. 267. 190

ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.2, dezembro de 1964, p. 202. 191

ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.1, março de 1964, p. 93-94. 192

ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.2, n.1-2, dezembro de 1966, p. 413-414.

Page 98: INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA - repositorio.ufrn.br · (URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em 1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974),

97

O segundo número do primeiro volume do Arquivos do IA apresenta uma série de

depoimentos acerca da repercussão entre os cientistas e instituições da publicação da própria

revista. São, ao todo, 31 (trinta e um) testemunhos de pesquisadores que receberam o primeiro

volume e manifestaram seus elogios e críticas à revista.

A revista teve apenas dois números, cada um com dois volumes. O primeiro número

do volume um, de março de 1964, trouxe 08 (oito) textos dos pesquisadores do IA, fruto do

trabalho de investigação em campo, e 02 (dois) de colaboradores externos. Os trabalhos, além

do texto, trazem fotografias, mapas e ilustrações. O segundo número, publicado em dezembro

de 1964, trazia mais que o dobro de artigos, sendo novamente 08 (oito) textos dos seus

pesquisadores e 09 (nove) de colaboradores. O segundo volume foi publicado em março de

1966, e contou com 21 (vinte e um) trabalhos, sendo 08 (oito) das pesquisas do IA e 13 (treze)

de colaboradores.

O terceiro número do Arquivos do IA deveria ter sido publicado no ano de 1968, no

entanto, a Universidade, a partir daquele ano, passou por sérias reformulações que interferiu

diretamente no funcionamento do IA e que culminou com o encerramento da revista.

3.6 Desafios e pressões externas - o esgotamento do Instituto de Antropologia

Nos primeiros três anos de funcionamento do Instituto de Antropologia, houve um

crescimento expressivo nos setores de pesquisa, ocasionando pelo o aumento do quadro de

pessoal. Esse crescimento ampliou os objetivos iniciais do Instituto que, segundo Cabral,

abriu-se para o campo mais vasto das Ciências Naturais. Funcionando o IA, no ano de 1965,

com os seguintes setores:

Antropologia Física

Antropologia Cultural

Arqueologia

Geologia e Paleontologia do Quaternário

Malacologia

Mastozoologia

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98

Ninguém pense em visitar o Instituto de Antropologia em quinze

minutos. Quem não acreditar em milagre, entre nesta casa e veja como

em tão poucas paredes se expõe tanta pesquisa e se arruma tanta

riqueza. Quem olha para o Louvre sabe de antemão que muitos dias

não bastam ainda para observar as maravilhas artísticas contidas no

seu interior. Quem olha para o Instituto de Antropologia, pensa de

antemão que alguns minutos bastam para conhecer o que é que tem

para admirar. Uma vez no seu interior a gente pede que o relógio do

tempo pare; pare para que possamos ter contacto com tanta maravilha.

Não podemos imaginar como em tão pouco tempo se realiza tanto193

.

No momento de intensa atuação e grande visibilidade, o Instituto de Antropologia

começou a sofrer com pressões externas que aos poucos foram interferindo em sua

autonomia. Ainda no ano de 1964, o Instituto recebeu a denominação de Instituto de

Antropologia Câmara Cascudo, em homenagem ao seu primeiro diretor e um dos seus

fundadores, Luís da Câmara Cascudo. Mais uma vez vemos presente nesse espaço o capital

científico de Câmara Cascudo. O nome Câmara Cascudo institui uma identidade social

constante e duradoura que, conforme Bourdieu, garantiu não só a identidade desse indivíduo

no espaço social, no qual ele intervém como agente, como também transferiu ao espaço

social, o Instituto de Antropologia, a sua individualidade socialmente representada. Através

desse espaço social de agentes diferentes, o nome Instituto de Antropologia Câmara Cascudo

manifestou essa individualidade194

.

Essa identidade social acabou virando um problema para o Instituto, evidenciada

quando, em junho de 1966, Cabral expõe a necessidade de uma nova mudança de nome, agora

para Instituto de Ciências Naturais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Para

não causar conflitos com Cascudo, Cabral se justifica informando que sua intenção não era

tirar o nome de Câmara Cascudo do Instituto, explicando que o nome Instituto de

Antropologia Câmara Cascudo “limitava a expansão da pesquisa ao campo da Antropologia

[...] Fiquei sem saber como iria justificar o pedido de equipamentos para geologia e

paleontologia”195

.

Se levarmos essa situação para a noção de campo científico de Bourdieu, visualizamos

o campo como um mundo social que faz imposições e lida com as relações de forças entre os

agentes. Cabral, como administrador do Instituto ao tentar modificar o nome da instituição

reconhecia as pressões externas desse campo. No entanto, a oportunidade que um agente tem

de submeter os seus desejos à essas forças externas é proporcional à sua própria força sobre o

193

ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA. v.1, n. 1, março de 1964. p. 95-96. 194

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papirus, 2011. 11. ed. p. 81. 195

Ofício: 059/1966, Natal, 16 de junho de 1966. De José Nunes Cabral ao Reitor Onofre Lopes.

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campo, isto é, ao seu capital simbólico. Cabral, como agente, não teve força suficiente para

lutar com o peso do capital simbólico de Cascudo e o nome do Instituto permaneceu Instituto

de Antropologia Câmara Cascudo.

Desde a sua formação é possível perceber como o IA lidou com as pressões externas.

Seja na falta de pesquisadores, que o levou a formar o seu próprio pessoal, quanto na falta de

espaço físico, onde buscou doação de um terreno para construir sua sede própria. Entre outros

percalços inerentes a qualquer instituição, seja científica ou não.

No entanto, como os planos de Cabral eram aumentar ainda mais as áreas de pesquisa

do IA, o problema de pessoal ainda persistia. No departamento de Antropologia Física, o

principal problema apontado era a preparação de um Geneticista, considerado indispensável

aos trabalhos da área. O departamento de Geologia e Paleontologia do Quaternário apontava

como maior problema a preparação de um especialista em Micropaleontologia,

especificamente para a Palinologia, na época um campo praticamente inexplorado no Brasil e

completamente novo no Nordeste.

Contudo, o problema maior que o IA enfrentou em 1965 dizia respeito ao próprio

funcionamento do Instituto, que, nas palavras de Cabral, “periclita, face aos dispositivos

constantes do Estatuto do Magistério”. O Estatuto que Cabral faz referência é a Lei nº 4.881-

A, de 6 de dezembro de 1965, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Superior, que exige

ao cargo de pesquisador da Universidade a formação de nível superior. A lei do Magistério

revogou a Lei nº 4.723, de 9 de Julho de 1965, que enquadrava na classe de pesquisador

aqueles que à pesquisa se dedicavam, independentemente de nível superior. A situação do IA

era preocupante, pois quatro dos seus pesquisadores auxiliares ainda cursavam o 2º ano do

curso de Geografia da Faculdade de Filosofia de Natal. Em carta endereçada à Paula Couto,

do Museu Nacional, Cabral desabafa: “isso acarreta grandes transtornos, principalmente para

os trabalhos de campo. [...] Tudo foi por água a baixo e muitos dispõem-se a deixar a

Instituição”196

.

Como solução para esse problema, Cabral propôs ao reitor Onofre Lopes considerar o

Curso de Introdução à Antropologia, assim como os trabalhos de campo e laboratório, como

um curso de formação de nível superior, enquadrando assim os pesquisadores auxiliares do IA

dentro da Lei do Magistério, com cargo equivalente ao de assistente de ensino.

196

Carta endereçada à Paula Couto, de 22 de dezembro de 1965.

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Resolvido o problema, o IA conseguiu manter seus pesquisadores, promovendo alguns

a chefe de departamento. Adequando-se às necessidades de pesquisa, reorganizou novamente

os seus setores, contando, já no ano de 1970, com a seguinte estrutura:

O final da década de 1960 foi decisivo para o Instituto, pois, mais uma vez, ele viu sua

autonomia ser pressionada por eventos externos. A partir do ano de 1968, a Universidade

passou pela reforma universitária, que ocasionou sua restruturação, marcou o fim das

faculdades e agrupou os diversos departamentos em centros acadêmicos. O Instituto de

Antropologia foi se tornando isolado da Universidade, tanto fisicamente, pois o campus

universitário encontrava-se em construção, quanto administrativamente, com o futuro do IA

tornando-se outra vez incerto.

“Desesperado!” É assim que Cabral se define, ao saber que o Instituto de Antropologia

estava sendo sufocado dentro da própria instituição a qual fazia parte. Em uma tentativa de

salvar a estrutura que o Instinto havia construído, Cabral consegue junto ao reitor a mudança

do nome Instituto de Antropologia Câmara Cascudo para Museu de Antropologia Câmara

Cascudo, medida, segundo Cabral, de “incalculável valor e importância, uma vez que o

museu poderá abrigar, de agora em diante, todos os campos da pesquisa”.

No entanto, não existe um documento que oficializa a mudança do nome Instituto de

Antropologia para Museu. O que existe é a Resolução 81/73 do Conselho Universitário

(CONSUNI), de 04 de outubro de 1973, que cria o Museu Câmara Cascudo (MCC) com

objetivo de manter o acervo do Instituto de Antropologia. Foi somente com o Decreto nº

74.211, de 24 de junho de 1974, que mais uma vez modificou a composição da Universidade,

que o IA some de sua estrutura. Com o Decreto o Instituto de Antropologia se funde com os

Institutos de Ciências Humanas, de Letras e Artes, com o do Serviço de Psicologia-Aplicada

Antropologia Cultural

Arqueologia

Antropologia Biológica

Genética

Zoologia

Paleontologia

Geologia

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(SEPA), a Escola de Música e o Núcleo de Estudos Brasileiros para formar o Centro de

Ciências Humanas, Letras e Artes.

O Museu Câmara Cascudo foi criado conforme as seguintes considerações: a

necessidade de preservar as pesquisas do IA; e de estruturar atividades de proteção e

exposição do acervo do IA. O nome “Câmara Cascudo” permanece, tendo como justificativa a

sua importância cultural como cientista social e humanista197

.

O MCC nasceu com a finalidade explícita de manter as produções materiais de uma

instituição ameaçada, prestes a ser descontinuada. Cabral, que assumiu a direção do MCC,

aferiu grande importância à mudança do nome, colocando o Museu Câmara Cascudo no

mesmo nível dos principais museus brasileiros ligados à pesquisa científica naquela época, o

Museu Paraense Emílio Goeldi e o Museu Nacional do Rio de Janeiro:

[...] a mudança do nome do Instituto de Antropologia Câmara Cascudo para

Museu Câmara Cascudo, medida essa que colocava o IA nas mesmas

condições do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Museu Nacional do Rio de

Janeiro198

.

Em correspondência, datada de 23 de maio de 1977, dois anos antes de sua morte,

Cabral diz: “o maior sonho de minha vida foi construir na minha terra um ensino de Anatomia

que dignificasse por todos os títulos o curso odontológico brasileiro” e fala sobre os avisos

que recebeu: “Você quer um céu grande demais pra tão pouca terra. Não acreditei.” E

continua “há quem aqui afirme que das cinzas da minha anatomia nascia uma obra maior [...]:

o Museu Câmara Cascudo”199

.

O entusiasmo de Cabral pode ser visto como a projeção do seu desejo de continuidade

dos trabalhos que vinha fazendo no IA. O que Cabral não avistava era que a mudança de

Instituto para Museu significaria também a descontinuidade de muitas das ações daquele

espaço. Desde que nasceu, o Instituto de Antropologia dedicou-se à pesquisa básica e

acadêmica que se fechava no seu próprio campo científico e não se constituía prioridade

política desde o início do século XIX. Conforme aponta a historiadora Heloísa Domingues, a

Antropologia e as Ciências Naturais, campo explorado pelo IA, não mais possuía utilidade

social ou econômica nos planos políticos do Estado brasileiro. A política científica nacional

incentivava a realização de pesquisas que fornecessem matéria prima para as indústrias, ou

197

Ibid. 198

ATA DA 39ª ATA DA REUNIÃO DA CONGREGAÇÃO DO MCC/UFRN, 1973. 199

Carta enviada por Cabral de 23 de maio de 1977.

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102

seja, que priorizasse o desenvolvimento da economia. Nas palavras de Domingues: “sem

preocupação com a natureza ou com as populações locais”200

.

A estrutura física e material do que um dia foi o Instituto de Antropologia permaneceu

a mesma, mas as relações administrativas com a Universidade foram modificadas.

Primeiramente, o Museu passou a ser vinculado ao Departamento de Geociências do Centro

de Ciências Exatas e Naturais201

, tendo organização própria e definida em regimento

específico, conforme o item V do Art. 145, do Estatuto da UFRN/1975. Com a reformulação

do Estatuto da UFRN/1977, o MCC, dado à sua grande diversificação nas áreas do

conhecimento e da pesquisa foi mantido como órgão suplementar de acordo com o item V do

Art. 8º do Estatuto/1977, vinculado diretamente à Reitoria.

O Museu, sendo unidade suplementar da Universidade, não poderia mais lotar

professores em seu quadro. Sem poder contratar novos pesquisadores, as atividades de

pesquisa do Museu diminuíram consideravelmente, tornando-se quase inexpressivas, se

comparadas à produção do IA. Com uma produção científica pequena, o espaço expositivo

estagnou, a exposição permaneceu a mesma durante anos, sofrendo apenas pequenas

alterações pontuais.

Com o passar dos anos, o Museu se viu mais isolado da Universidade, perdendo boa

parte de seus professores, pesquisadores e produção científica. Transformou-se em um reflexo

da dura realidade dos museus universitários brasileiros. Uma realidade nunca imaginada pelos

seus idealizadores e colaboradores.

200

DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Heloisa Alberto Torres e o inquérito nacional sobre ciências naturais e

antropológicas, 1946. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. Hum., Belém , v. 5, n. 3, Dec. 2010, p. 641.

Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981-81222010000300005&script=sci_arttext>. Acesso

em: 23 abril 2014. 201

Criado da fusão dos Institutos de Matemática, Física e Química, Ciências Biológicas e Biologia Marinha.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, analisamos a formação do Instituto de Antropologia como um espaço

dedicado à prática científica, durante o período de 1960 a 1973. Como assinalamos na

introdução, apesar do Instituto ter sido criado oficialmente no ano de 1960, escolhemos por

abranger o recorte temporal, dando início ao levantamento de dados a partir do ano de 1956.

Nesse período de cinco anos, que antecede a criação do Instituto, conseguimos resgatar, entre

as fontes, dois cenários que, juntos, formam a narrativa que possibilitou a criação de um

espaço de ciência no Rio Grande do Norte.

A ideia de criação do Instituto de Antropologia começou a aparecer um ano antes de

sua criação oficial, com a publicação de um texto escrito por Luís da Câmara Cascudo em

1959, no qual comunica à população norte-rio-grandense o surgimento dessa instituição de

pesquisa. No texto, que soa quase como uma certidão de nascimento da instituição, em alusão

clara ao discurso que Cascudo proferiu na instalação da Universidade do Rio Grande do Norte

e que hoje é considerado sua certidão de nascimento, Cascudo questiona em tom provocativo

quem seriam os responsáveis por pensar e levar adiante o audacioso projeto.

Apesar de não mencionar nomes, o próprio Cascudo figurava entre os intelectuais

responsáveis por pensar aquele espaço, juntamente com Dom Nivaldo Monte, Veríssimo de

Melo e José Nunes Cabral de Carvalho que, como agentes sociais, pensaram e fizeram o

Instituto de Antropologia. Apresentamos então, ao longo do capítulo 1, uma breve biografia

desses personagens, traçando a partir de momentos específicos de suas trajetórias

profissionais as suas atividades como membros de um campo científico ainda em construção.

Entendemos a participação de Cascudo como a maior autoridade local nos estudos

etnográficos, juntamente com Veríssimo de Melo, que seguia os seus passos. Dom Nivaldo,

líder religioso que dividia seu amor pela religião e pela ciência, e Cabral, que buscou criar em

Natal um espaço científico inspirado nas grandes instituições de pesquisa da época.

Mostramos como o peso do capital científico de cada um influenciou em suas

participações no projeto do Instituto e como suas posições definiram a sua permanência. Com

Cascudo e Dom Nivaldo, com a identidade de pesquisador solitária sobressaindo ao trabalho

coletivo, ocasionando as suas saídas do Instituto ainda no seu primeiro ano de funcionamento.

E Veríssimo e Cabral, que muito mais que cientistas, assumiram o papel de administradores

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104

científicos, permanecendo e imprimindo ao Instituto os seus projetos naquele campo

científico.

Registramos que, por mais que as decisões desses personagens tenham se baseado em

interesses pessoais, elas foram fortemente influenciadas por questões externas. Como a

fragilidade econômica, que preocupava as lideranças intelectuais locais, que ansiavam pelo

desenvolvimento técnico e científico do Estado.

O discurso em prol da ciência e da técnica foi demostrado ao longo do segundo

capítulo por meio da análise de seis textos publicados no jornal A República e que mostra bem

a situação frágil da economia do Rio Grande do Norte, administrada com politicas públicas

imediatistas e que não investiam na formação de especialistas técnicos e nem em pesquisas

que poderiam revelar a realidade, assim como as soluções dos principais problemas do estado.

O Rio Grande do Norte encontrava-se em situação de desenvolvimento inexpressiva, se

comparado aos outros estados da nação. Um ponto que afligia bastante os intelectuais locais

que circulavam pelos outros estados brasileiros e almejavam para sua terra natal o mesmo

nível de desenvolvimento.

Encontramos, nos textos analisados, um discurso que pregava como solução para o

estado o seu desenvolvimento técnico e científico, tema que surge dentro do território

nacional ainda no início do século XX. Ao assinalar a situação precária na qual o Rio Grande

do Norte se encontrava, os textos apontam também como solução a formação de cientistas por

meio do ensino de nível superior. Outro tema que, a partir da década de 1930, ganhou bastante

força com a criação das primeiras universidades brasileiras, associadas constantemente como

espaços responsáveis pela promoção do progresso brasileiro.

Ressaltamos como na capital potiguar as Faculdades e Escolas de nível superior

apareciam como os principais espaços responsáveis pelo desenvolvimento científico do

estado, papel logo assumido pela Universidade do Rio Grande do Norte, quando criada no ano

de 1958. Ao ser instituída, incorporou as Faculdades e Escolas de nível e superior para formar

os especialistas que os intelectuais tanto almejavam e o estado tanto necessitava. E, para se

dedicar à pesquisa científica, criou o seu primeiro centro de pesquisa, o Instituto de

Antropologia.

Mostramos, assim, como a criação do Instituto de Antropologia esteve diretamente

relacionada não somente com as escolhas individuais de seus fundadores, mas também com

questões políticas, que figuravam em pauta no cenário nacional desde a década de 1930, mas

que só emergiram de forma imperativa no Rio Grande do Norte, no final da década de 1950.

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Registrado esse primeiro quadro, no terceiro capítulo, mostramos como o Instituto de

Antropologia se organizou como um espaço de ciência, analisando suas principais estratégias

para se afirmar no campo científico. Revelamos como um espaço com tão poucos recursos, de

caráter financeiro, material e de pessoal, conseguiu, nos seus primeiros anos, executar

diversas ações, como o vasto programa de pesquisas e viagens de campo, que trouxe aos seus

laboratórios uma quantidade expressiva de coleções científicas, a formação do seu próprio

quadro de pesquisadores, tendo a sua frente apenas dois personagens: José Nunes Cabral de

Carvalho e Veríssimo de Melo, cada um a frente do departamento de sua especialidade.

Ao longo dos doze anos de atuação efetiva, o Instituto de Antropologia de Natal

colecionou elogios dos principais pesquisadores das instituições científicas do período.

Contudo, como toda organização social, o Instituto sofreu com pressões externas que

ameaçavam sua autonomia. Algumas foram superadas, como o problema da falta de

pesquisadores, resolvida com a criação do curso de Introdução à Antropologia. A dificuldade

com o espaço físico, que logo foi ultrapassada com a construção de sua nova sede, tendo um

prédio exclusivo para exposição das coleções e outro para os laboratórios e salas de pesquisa.

Entretanto, os maiores desafios do Instituto estavam na estrutura da própria

Universidade, instituição no qual estava inserido. Primeiro com a Lei do Magistério que por

pouco não deixou novamente o Instituto com um número insuficiente de pesquisadores em

seu quadro. Problema resolvido pela atuação de Cabral junto ao reitor Onofre Lopes. E

segundo, com a reforma universitária, que modificou totalmente a estrutura da Universidade e

interferiu diretamente no funcionamento do Instituto.

A reforma universitária decretou o esgotamento do seu primeiro espaço científico que

não mais se enquadrava dentro das novas regras do regime universitário. O Instituto de

Antropologia teve seu nome modificado para Museu Câmara Cascudo e foi enquadrado como

unidade suplementar. O orçamento, que já era pequeno, diminuiu mais ainda e com ele as

viagens de campo. O quadro de pesquisadores, que já se mostrava insuficiente para o tamanho

das pesquisas desenvolvidas, foi aos poucos se esvaziando. O Museu Câmara Cascudo, que

deveria dar continuidade e se equiparar ao Museu Nacional e ao Museu Emílio Goeldi,

estagnou, mantendo apenas os vestígios materiais de um espaço de ciência que um dia foi

considerado um dos mais ativos do Brasil.

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106

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