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    Pesquisa de comunicaoMaria Immacolata Vassallo de Lopes*

    R e s u m o

    Este texto trata da pesquisa de Comunicao na AmricaLatina frente a duas entradas - as condies sociais de sua produo eo processo de sua produo - e a uma s sada: a produo de conheci-mento legitimada por sua relevncia social e por seu rigor terico emetodolgico. So assinaladas questes de ordem epistemolgica,terica e metodolgica e propostos esquematicamente os principaispontos para um modelo de metodologia.Palavras-chave: comunicao, metodologia, epistemologia.

    R e s u m e n

    Este texto trata de la investigacin de Comunicacin enLatinoamrica frente a dos entradas - a las condiciones sociales de suproduccin as como al proceso de produccin - y a una sola salida:la produccin de conocimiento legitimada por su relevancia social ypor su rigor terico y metodolgico. Se destacan cuestiones de ordenepistemolgico, terico metodolgico y se proponen los principalespuntos para un modelo de metodologa.Palabras-clave: Comunicacin, metodologa, epistemologa.

    * Professora da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo.

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    A b s t r a c t

    This text deals with Communication research in LatinAmerica from two starting points - social conditions of its productionand the process of its production - and only one way out: the produc-tion of knowledge legitimated by its social relevance and by its theo-retical and methodological rigour. Epistemological, theoretical andmethodological questions are pointed out; as well as some proposi-

    tions for a model of methodology are presented.Keywords: Communication, methodology, epistemology.

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    E s c l a recimentos sobre oponto de part i d a

    O tema por demais complexo. Por isso, menos que quererabarcar o tema de forma exaustiva o que no comporta a organi-zao em artigo pretendo pontuar as questes indicadas como deordem epistemolgica, terica e metodolgica tal como as concebo apartir de onde elas se encontram, isto , na prpria prtica da pesquisa

    que em essncia uma prtica metodolgica. Vejo a metodologia dapesquisa como um processo de tomada de decises e opes queestruturam a investigao em nveis e em fases e que se realizam numespao determinado que o espao epistmico.

    Quero dizer que o ponto de vista que rege estas considera-es metodolgico stricto sensu, isto , interno ao fazer cientfico eonde ele se confunde com a reflexo epistemologia. Dois pontosdevem ser de antemo destacados neste enfoque. O primeiro que aepistemologia ser tratada ao nvel operatrio, na tradio bachelar-diana, isto , como nvel da prtica metodolgica entendendo que areflexo epistemolgica opera internamente prtica da pesquisa. Emoutros termos, isto garante que os princpios de cientificidade operam

    internamente prtica cientfica, ou seja, a crtica epistemolgica regeos critrios de validao interna do discurso cientfico.

    O segundo ponto que esta perspectiva epistemolgica no suficiente se no for combinada aos critrios de validao externaapoiados na crtica feita pela sociologia do conhecimento. SegundoBourdieu (1975: 99), na sociologia do conhecimento que seencontram os instrumentos para dar fora e forma crtica episte-molgica, revelando os supostos inconscientes e as peties de princ-pio de uma tradio terica.

    Desta forma, minhas consideraes no podem ser entendi-das como um discurso cientificista, genrico e abstrato, antes, pelo

    contrrio, entendo a prtica da pesquisa como prtica sobredetermi-nada por condies sociais de produo e igualmente como prticaque possui uma autonomia relativa. Esta dada por uma lgica inter-na de desenvolvimento e de autocontrole, o que impede que ela seconverta numa mera caixa de ressonncia de normas externas e, por-tanto, em discurso totalmente ideolgico. Ao final, a prtica da pes-

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    quisa concebida como um campo de foras, submetida a determi-nados fluxos e exigncias internas e externas.

    As condies de produo dapesquisa de Comunicao

    Como recurso de crtica epistemolgica da pesquisa de

    Comunicao vou retomar algumas concepes da sociologia da cin-cia. Aqui, a cincia vista como um sistema emprico de atividadesocial que se define por um certo tipo de discurso decorrente decondies concretas de elaborao, difuso e desenvolvimento. So ascondies de produo que definem o horizonte dentro do qual semovem as decises que permitem falar de uma certa maneira sobreum certo objeto.

    Em outro texto (Lopes, 1997), indiquei que essas condiesde produo de uma cincia podem ser resumidas em trs grandescontextos. O primeiro o contexto discursivo, no qual podem seridentificados paradigmas, modelos, instrumentos, temticas que cir-

    culam em determinado campo cientfico. Trata-se propriamente dahistria de um campo cientfico, os percursos pelos quais ele vem seconstituindo, firmando suas tradies e tendncias de investigao. Osegundo fator o contexto institucional, que envolve os mecanismosque medeiam a relao entre as variveis sociolgicas globais e o dis-curso cientfico, e que se constituem em mecanismos organizativos dedistribuio de recursos e poder dentro de uma comunidade cientfi-ca. Corresponde ao que Bourdieu (1983) chama de campo cientfico.E o terceiro fator que o contexto social ou histrico-cultural, onderesidem as variveis sociolgicas que incidem sobre a produo cien-tfica, com particular interesse pelos modos de insero da cincia eda comunidade cientfica dentro de um pas ou no mbito interna-

    cional.Com estas breves consideraes feitas pela tica da sociologia

    da cincia, quero sublinhar que o conhecimento cientfico sempre oresultado desses mltiplos fatores, de ordem cientfica, institucional esocial, os quais constituem as condies concretas de produo deuma cincia.

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    Como se tem traduzido no campo da Comunicao a pre-ocupao com esses diversos contextos de produo de seu discursocientfico? A meu ver, atravs de um enorme interesse pelo contextosocial ou macrossocial da produo cientfica, um raro interesse pelocontexto institucional e um crescente interesse pelo contexto discur-sivo. Explico rapidamente este meu diagnstico.

    1.A globalizao, em seus mais variados aspectos, tornou-se o temahegemnico nos atuais estudos e reflexes no campo da Comu-nicao. Sem deixar de apontar os malefcios simplificadores acarreta-dos pela reedio do velho debate frente cultura de massas, a queMoragas (1997) identifica agora entre neo-apocalpticos e neo-integrados frente ao atual modelo de sociedade, eu gostaria de reteros estudos srios que abordam questes cruciais sobre a nova fase dedesenvolvimento do capitalismo neoliberal, traduzindo-as para aimperiosa necessidade de compreender a globalizao em sua densi-dade e ambigidades, propondo tematiz-la atravs de pistas con-ceituais, tais como cultura-mundo(Martn-Barbero, 1998), comu-n i c a o - m u n d o ( Ma t t e l a rt, 1994), sociedade da comunicao(Vattimo,1992), paradigma da globalizao (Ianni, 1994).

    O que estas pistas fazem acenar para a centralidade dacomunicao para o prprio modo organizativo da sociedade con-tempornea, isto , em que a comunicao passa a operar ao nvel daslgicas internas de funcionamento do sistema social. O que h denovo nisto que o campo da Comunicao complexifica-se enorme-mente, tornando explcito o erro epistemolgico de continuar tratan-do a comunicao como objeto de estudo numa perspectiva mera-mente instrumental, quer seja atravs da crtica meramente ideolgi-ca, quer seja atravs da afirmao funcionalista. Assim, considero queo enorme interesse pelo tema da globalizao tem gerado aportes ren-ovadores nos estudos de Comunicao, no sentido de realizar encon-

    tros disciplinares, propor novas categorias de anlise e de propiciarum trabalho conceitual mais complexo.

    2.Ao considerar a reflexo sobre o contexto institucional da produocientfica que se faz no campo da Comunicao, o cenrio pobre.Trata-se de constatar, em primeiro lugar, o reduzido interesse sobre

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    como se institucionalizam os estudos de Comunicao em nossospases.1 Mas, tambm verificar a ausncia de reflexo sobre mecanis-mos e processos institucionais dentro dos projetos de pesquisa, acomear pela reflexo sobre a prpria escolha de um objeto de estudoque, como bem sabemos, tambm est condicionada aos no poucovisveis mecanismos de fomento pesquisa induzida. Aqui tambmse coloca a questo do prestgio de determinados grupos de pesquisaou do poder de certos circuitos intelectuais principalmente vincula-dos s associaes cientficas, administrao universitria ou aosprocessos de seleo e de avaliao da produo intelectual. Acreditoque estas questes da institucionalizao cientfica e acadmica dapesquisa de Comunicao deveriam ser objeto mais assduo depapers e de seminrios e tomar como foco central a questo da for-mao do pesquisador de Comunicao, iniciando com o lugar dapesquisa em nossos cursos de graduao at o equacionamento dapesquisa dentro de polticas de ps-graduao (mestrado, doutorado,e as experincias brasileiras com o mestrado profissionalizante, mes-trado e doutorado interinstitucional).

    3. Por outro lado, o interesse pelo que chamei de contexto discursivo

    da cincia e, mais especificamente, de histria do campo, tem cresci-do e se generalizado por toda a Amrica Latina. Uma das questescentrais tem girado em torno da condio disciplinar daComunicao, que tem sido objeto especial de preocupao nestadcada dos 90.2A histria do campo da Comunicao tem sido mar-cada pela diversidade terica e pela historicidade de seu objeto, asquais so marcas distintivas da identidade do campo das CinciasSociais e Humanas, de que ele forma parte. Como tratei em outrolugar (Lopes, 1998), a origem de campos de estudos interdisciplinarescomo a Comunicao reside em movimentos de convergncia e desobreposio de contedos e metodologias que se fazem notar de

    forma crescente no desenvolvimento histrico recente dessas cincias.Os principais desafios epistemolgicos, tericos e metodolgicosparecem advir da confluncia do paradigma histrico da globalizao( Ianni, 1994), do paradigma epistemolgico da complexidade(Morin, 1995) e de um novo paradigma institucional (Wallerstein,1996). O que chamo aqui de paradigma institucional resultado de

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    uma reflexo multidisciplinar coordenada por este ltimo autor sobrea reestruturao das Cincias Sociais que conclui serem as delimi-taes das disciplinas sociais mais o resultado de movimentos de insti-tucionalizao dessas cincias, do que de imperativos provenientes deseus objetos de estudo, ou seja, de exigncias de natureza propria-mente epistemolgica.

    O problema que essa partilha disciplinar levou a um saberespecializado em disciplinas institucionalizadas quando hoje, qual-quer anlise requer necessariamente vrias disciplinas. Pe-se emdvida se ainda h algum critrio que possa ser usado para assegurar,com relativa clareza e consistncia, as fronteiras entre as disciplinaissociais. Ao que Wallerstein (1990:402) responde: Todos os critriospresumveis nveis de anlise, objetos, mtodos, enfoques tericos ou no so mais verdadeiros na prtica, ou, se mantidos, so obs-tculos a conhecimentos posteriores, antes do que estmulos para asua criao. claro que, a no ser por mau entendimento, estaminha posio no deve ser vista como uma defesa ingnua de umecletismo estril, muito menos como uma tendncia autofgica deeliminao das fronteiras entre as disciplinas tradicionais, o que inibeou bloqueia a institucionalizao dos novos campos do saber, como a

    Comunicao (JBCC, 1999).

    O processo de produo dapesquisa de Comunicao

    Falar de metodologia implica sempre um falar pedaggico,pois se parte, de todo modo, de uma determinada concepo depesquisa, ou mais propriamente, de uma determinada teoria dapesquisa que concretizada na prtica da pesquisa. O efeito dessefalar remete invariavelmente a um como fazer pesquisa.

    Assim, quero sublinhar que as presentes ponderaesderivam de minha prtica com o ensino de metodologia, com a avali-ao institucional de projetos de pesquisa de mestrado e de doutora-do na ECA-USP3, alm, claro, de minhas prprias experincias deinvestigao. Isso tem me dado, pelo menos, a possibilidade de basearminha concepo na crtica prtica concreta da pesquisa, basica-

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    mente a brasileira.Desenvolvi, ao longo dessa prtica, um modelo metodolgi-

    co para a pesquisa emprica de Comunicao e vou us-lo como re-ferncia para as observaes que se seguem sobre a prtica da pesquisade Comunicao.

    Dois so osprincpios bsicosque regem esse modelo: 1) a re-flexo metodolgica no se faz de modo abstrato porque o saber deuma disciplina no destacvel de sua implementao na investi-gao. Portanto, o mtodo no suscetvel de ser estudado separada-mente das investigaes em que empregado; 2) a re f l e x ometodolgica no s importante como necessria para criar umaatitude consciente e crtica por parte do investigador quanto s oper-aes que realiza ao longo da investigao. Deste modo, torna-se pos-svel internalizar um sistema de hbitos intelectuais, que o objetivoessencial da Metodologia.

    Apio-me em ensinamentos da lingstica (Jakobson) paraabordar a cincia como linguagem e, como tal, constituda por doismecanismos bsicos, de seleo e de combinao de signos, aqueleoperando no eixo vertical, paradigmtico, ou da lngua, e este no eixohorizontal, sintagmtico ou da fala. As decises e opes na cincia,

    que so do eixo do paradigma, so feitas dentro do conjunto das pos-sibilidades tericas, metodolgicas e tcnicas que constituem o reser-vatrio disponvel de uma cincia num dado momento de seu desen-volvimento num determinado ambiente social.

    Essas opes so atualizadas atravs de uma cadeia de movi-mentos de combinao, que so do eixo do sintagma e que resultamna prtica da pesquisa. Assim, o campo da pesquisa , ao mesmotempo, estrutura enquanto se organiza como discurso cientfico e processo enquanto se realiza como prtica cientfica. o que se visua-liza no Grfico 1.

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    Grfico 1

    CAMPO DE PESQUISA

    Desta maneira, a presente concepo metodolgica ressaltaque a pesquisa no redutvel a uma seqncia de operaes, de pro-cedimentos necessrios e imutveis, de normas rigidamente codifi-cadas, que converte a metodologia numa tecnologia, num receituriode como fazer pesquisa, com base numa viso burocrtica de pro-

    jeto, o qual, fixado no incio da pesquisa, convertido numa ver-dadeira camisa-de-fora que transforma o processo de pesquisa num

    ritual de operaes rotinizadas.Quero ressaltar que um ponto central dessa concepo depesquisa a noo de modelo que ela acarreta. Seu postulado aautonomia relativa da metodologia, isto , um domnio especfico desaber e de fazer e o decorrente trabalho metodolgico reflexivo e cria-tivo.

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    Fases

    PRTICA

    PARADIGMA

    SINTAGMA

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    Mas, por qu construir um modelo metodolgico para apesquisa de Comunicao? Como lembra Granger (1960), a tarefa dacincia a construo de modelos que objetivam a experincia,mesmo que sua realizao seja sempre aproximativa, uma vez que otrabalho cientfico assenta sobre uma inadequao, uma tenso sem-pre presente entre o pensamento formal e a experincia humana quepretende conceituar. Talvez seja na presena mesma dessa tenso entreo discurso cientfico e o real que se assenta o ideal de compreenso dacincia.

    O modelo metodolgico que apresento articula o campo dapesquisa em nveis e fases metodolgicas, que se interpenetramdialeticamente, do que resulta uma concepo simultaneamentetopolgica e cronolgica de pesquisa. A viso a de um modelometodolgico que opera em rede. O eixo paradigmtico ou vertical constitudo por quatro nveis ou instncias: epistemolgica, terica,metdica e tcnica; o eixo sintagmtico ou horizontal organizadoem 4 fases: definio do objeto, observao, descrio e interpretao.Cada fase atravessada por cada um dos nveis e cada nvel opera emfuno de cada uma das fases. Alm disso, os nveis mantm relaesentre si e as fases tambm se remetem mutuamente, em movimentos

    ve rticais, de subida e descida (induo/deduo, graus deabstrao/concreo) e de movimentos horizontais, de vai-e-vem, deprogresso e de volta (construir o objeto, observ-lo, analis-lo,retomando-o de diferentes maneiras). o que se representa noGrfico 2.

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    Grfico 2

    MODELO METODOLGICO DE PESQUISA

    Esse modelo metodolgico pretende ser crtico e operativo aomesmo tempo. Em cincia, todo modelo uma representao ou umsimulacro construdo que permite representar um conjunto de fen-menos e que capaz de servir de objeto de orientao (Greimas eCourts, s/d). No nosso caso, construdo conscientemente com finsde descrio, explicao e de aplicao concreta.

    Esta aplicao vem sendo testada concretamente h pelo

    menos 10 anos em projetos de pesquisa de Comunicao em cursosde graduao, porm, sua aplicao tem se dado fundamentalmentenos de ps-graduao. Devido ao lugar estratgico que venho ocu-pando, tenho tido a possibilidade especial de analisar projetos depesquisa e acompanhar os usos do modelo nas pesquisas acadmicasde Comunicao.

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    FASES DA PESQUISA

    PRTICA

    PARADIGMA

    SINTAGMA

    Definio do Objeto Observao Descrio Interpretao Concluses Bibliografia

    Nvel Epistemolgico

    Nvel Terico

    Nvel Metdico

    Nvel Tcnico

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    Esse uso tem se dado como modelo de leitura metodolgicaou de reconstruo metodolgica de pesquisas j realizadas e comomodelo de prtica metodolgica ou de construo metodolgica depesquisas. Como se nota, o modelo incide no na superfcie do dis-curso, mas no nvel de sua estrutura onde se do as operaes de cons-truo do discurso cientfico. E a pedra de toque que esse discurso feito de opes e decises que implicam a responsabilidade intrans-fervel do autor pela montagem de uma estratgia metodolgica desua pesquisa, o que impe que as opes sejam tomadas com cons-cincia e explicitadas enquanto tal: uma opo especfica para umaparticular pesquisa em ato.

    C o n s t ruir metodologicamente uma pesquisa operar,praticar os seus nveis e as suas fases. Portanto, no modelo, cada nvele cada fase se realizam atravs de operaes metodolgicas. o que seapresenta por exemplo nos Grficos 3.

    Grfico 3

    COMPONENTES SINTAGMTICOS DO MODELO METODOLCICO

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    Definio do Objeto Observao Descrio Interpretao

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    No cabe aqui fazer uma exposio do modelo, j feita emoutro lugar (Lopes, 1990). Antes, gostaria de apresentar algumasquestes crticas relativas pesquisa de Comunicao reveladas pelouso desse modelo. Elas esto equacionadas na Figura 1.

    Figura 1

    1. Ausncia de reflexo epistemolgica - histria do Campo- campo interdisciplinar: concepo objeto-mtodo

    - reflexividade e crtica das operaes de pesquisa

    2. Fraqueza terica - insuficiente domnio de teorias

    - impreciso conceitual- problemtica terica x problema emprico

    3. Falta de viso metodolgica integrada - nveis / fases- nvel terico x nvel tcnico- objeto x observao x anlise

    4. Deficiente combinao mtodos / tcnicas - exignciade estratgia multimetodolgica

    5. Pesquisa descritiva - levantamento x pesquisa social

    6. Dicotomia pesquisa quantitativa x pesquisa qualitativa

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    P R I N C I PAIS OBSTCULOS METODOLGICOS NASPE S QUISAS DE COMUNICAO

    O B J E TO MULT I D I S C I P L I N A R

    PARA UM PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

    M U LT I M E TO D O L G I C A

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    Ausncia de reflexo epistemolgica

    O nvel epistemolgico da pesquisa o espao onde sedecide o ajustamento entre o sujeito e o objeto de conhecimento. dado pelo exerccio permanente da vigilncia, da crtica e da reflexivi-dade sobre os todos os atos de pesquisa. A concepo de epistemolo-gia aqui adotada marcadamente bachelardiana (Bachelard, 1949,1972, 1974).

    A operao de ruptura epistemolgica de fundamentalimportncia, pois marca a conscincia da distncia entre o objeto reale o objeto de cincia. Mesmo sem entrar aqui na espinhosa questoda relao entre a cincia e o conhecimento comum e o tratamentodado ao senso comum nas pesquisas empricas, ou seja, quer se trateapenas de uma ou mais rupturas (Sousa Santos), ou da necessidade dese mergulhar no saber local (Geertz, 1997), apesar de toda apolmica epistemolgica, acredito que acima de tudo, precisocriticar a cincia espontnea, parafraseando Bourdieu (1995).

    A predisposio de tomar, como dados, objetos pr-constru-dos pela lngua comum um obstculo epistemolgico amplamentenotado nas pesquisas de comunicao. Da o efeito de obviedade que

    tem diante de muitas pesquisas de Comunicao. A reflexo episte-molgica alerta para a iluso de transparncia do real, fixa o plano dacincia como plano conceitual (que exige o trabalho dos e com osconceitos) e, principalmente, revela que o objeto no se deixa apreen-der facilmente, uma vez que regido por uma complexidade que otorna opaco e exige operaes intelectuais propriamente tericas paraa sua explicao.

    Outra operao de carter epistemolgico a construo doobjeto cientfico. O objeto um sistema de relaes expressamenteconstrudo. construdo ao longo de um processo de objetivao,que se d atravs da escolha, recorte e estruturao dos fatos at os

    procedimentos tcnicos de coleta dos dados. A objetivao o con-junto dos mtodos e das tcnicas que elaboram o objeto de conheci-mento ao qual se refere a investigao.

    Temos a a base epistemolgica de elaborao da problemti-ca da pesquisa. a problemtica da pesquisa, ou em termos mais pre-cisos, o objeto terico, que permite submeter a uma interrogao sis-

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    temtica os aspectos da realidade postos em relao por um conjuntode questes tericas e prticas, que lhe so colocadas. As respostasantecipadas a essas questes integram a fase de elaborao das hipte-ses que devem estar presas conceitualmente problemtica.Uma vez que os aspectos ou fatos da realidade no so dados, estes,quando obtidos atravs das tcnicas de investigao, j implicam emsupostos tericos. A crtica epistemolgica das tcnicas deve ser feita

    j na prpria elaborao da problemtica da pesquisa, rompendo coma tradicional viso da neutralidade axiolgica das tcnicas pela con-cepo de tcnicas como teorias em ato. Como se v, o nvel ou adimenso epistemolgica na pesquisa no algo abstrato, mas traduzida concretamente por uma operao de vigilncia permanentesobre todas as etapas da pesquisa.

    Nas pesquisas de Comunicao, a ausncia ou precariedadeda reflexo epistemolgica pode ser grandemente traduzida por umafalta de viso do campo da Comunicao como campo de conheci-mento que tem uma histria, ou seja, de um desconhecimento dahistria do campo. Infelizmente, uma crtica epistemolgica desseconhecimento algo raro entre ns. Quase sempre ela nos apareceem coletneas, readers ou manuais, em que um conjunto de autores

    (porque os selecionados e no outros?) so apresentados atravs defragmentos de seus escritos, aos quais seguem-se outros, esperando-setalvez que os nexos entre eles sejam feitos na cabea do leitor que pas-saria ento a ter uma viso do campo. Sabemos que isso no se dassim. Nosso campo j tem histria suficiente que probe que ela sejareduzida a uma seqncia linear de teorias do tipo funcionalismo-m a rx i s m o - e s t ru t u r a l i s m o - i n f o r m a c i o n i s m o - p s - m o d e r n i s m o. Aimpresso que fica a de uma colagem, e o que resulta so apenasinformaes sobre as teorias.

    Quando digo histria do campo refiro-me necessidade deabordagem no nvel da construo do conhecimento, dos conceitos

    criados. H falta de pesquisa sobre as teorias ou tericos daComunicao, ao nvel de sua construo terica e metodolgica(toda teoria implica uma metodologia), a fim de nos elucidarmossobre o que fizemos e o que estamos fazendo. Estou me referindo necessidade da pesquisa meta-terica ou especificamente episte-molgica no campo da Comunicao.

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    Volto questo da construo da problemtica dentro doprojeto de pesquisa que implica em conhecer o campo terico daComunicao para a colocar a questo da adequao entre o proble-ma com que se inicia a pesquisa e a sua problemtica terica, entre oobjeto emprico e o objeto terico. Aqui se coloca a indagao sobrea j mencionada relevncia social do objeto de estudo. Quais os pro-blemas que necessitam ser pesquisados, quais as perguntas impor-tantes que devem hoje ser feitas em nossos pases latino-americanos?

    Aqui entram opes que, a meu ver, devem ser as mais conscientespossveis, declaradamente assumidas, mas que no podem ser respon-didas pela cincia, porque so opes valorativas, isto , polticas,dependentes de uma weltanschauung, de uma concepo de mundodo pesquisador.

    aqui, talvez, que teramos que explicitar at que pontoesto sendo re n ovadas as utopias fundantes dos estudos deComunicao na Amrica Latina, no dizer de Fuentes (1999), de in-telectuais comprometidos com a transformao de nosso contextorenovadamente contraditrio, ambivalente, desigual, que j nos valeuas denominaes como de terceiro mundo, pases dependentes, per-ifricos, hoje, mercados emergentes, contexto do qual toda investi-

    gao deve comear e com ela manter uma relao de compreenso ede superao. Aqui, cabe a crtica ao modo exgeno de pensar, atrave-ssado por temas e questes desviantes, por novas idias fora dolugar. No se trata de nenhum provincianismo intelectual, pelo con-trrio, as razes da globalizao devem incitar-nos ca da vez mais afazer aquelas perguntas-problema que tm relao vital com nossaexistncia social, que so as que mais tm capacidade de apresentartambm relevncia e pertinncia terica, ou seja, de fazer avanar oconhecimento atravs da pesquisa.

    Fraqueza terica

    , em primeiro lugar, no manejo da interdisciplinaridade quea fraqueza terica na pesquisa de Comunicao mais se torna evi-dente. Para que a interdisciplinaridade no seja apenas uma petiode princpios, pratic-la exige o domnio de teorias disciplinares

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    diversas integradas a partir de um objeto-problema. Assim, impor-tante salientar que no se trata de dominar tudo, mas de um usotil de teorias e conceitos de diversas procedncias, um uso que sejasobretudo bem fundamentado e pertinente construo do objetoterico.

    Hoje, os problemas de comunicao surgem como impor-tantes nos mais diferentes domnios economia, poltica, esttica,educao, cultura, etc., em que a pesquisa no pode ficar confinada auma nica dimenso. Alm disso, deve-se distinguir entre teoriasglobais, parciais, disciplinares e temticas para que elas possam ser tra-balhadas ou usadas em funo de um problema de estudo. No hcomo resolver o domnio de teorias a no ser mergulhar e transitarentre pistas tericas frteis para faz-las germinar atravs de umacontribuio individual que todo o pesquisador deve trazer ao pro-blema investigado.

    Mas, a questo da interdisciplinaridade, hoje, parece remeterfundamentalmente ao pensamento complexo e a um renovado modode produo de conhecimento. Refiro-me pesquisa integrada, reali-zada por uma equipe multidisciplinar de investigadores, que possaabarcar o trabalho interdisciplinar em Comunicao de uma maneira

    mais satisfatria do que a pesquisa individual. Colocada a questodessa maneira, h que se rever inclusive a organizao institucional dapesquisa nos cursos de ps-graduao, hoje fragmentada entre depar-tamentos e linhas de pesquisa que no funcionam. A co-orientao ea integrao de orientandos em projetos de pesquisa integrados dospesquisadores-orientadores so experincias que prometem alterar oinsulamento disciplinar e a dificuldade de trnsito interdisciplinar.

    Falta de visometodolgica integrada

    A teoria deve ser concebida em funo da pesquisa que seest realizando, isto , na direo da experincia do real na qual ela seconfronta com os fatos que ela prpria suscitou com suas hipteses.Deste ponto de vista a teoria sempre uma proposta de explicao,uma eterna hiptese, permanentemente testada pela realidade do

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    mundo.Quero ento marcar o lugar de uma teoria integrada na

    pesquisa e criticar com isso toda viso dicotmica que dissocia o nvelterico da pesquisa, do nvel metdico-tcnico, e a etapa da definiodo objeto, da etapa da observao ou do trabalho de campo.4 Pri-meiro, porque a teoria continua atuando no campo, pois h sempreuma teoria da observao, apesar de no explicitada,que se expressaatravs do domnio terico das tcnicas (teoria da amostragem, doquestionrio, da entrevista, da histria de vida) e do domnio tericodos mtodos (etnogrfico, sondagem, historiogrfico, anlise de dis-curso, etc.). Como indica o modelo, a teoria um dos nveis dapesquisa e atravessa todas as suas fases.

    Entretanto, um dos erros metodolgicos mais graves que senotam nas pesquisas de Comunicao so as sucessivas rupturas entreas fase do objeto, da observao e da anlise. Essa ruptura se d nomomento da construo do objeto (que geralmente toma o captuloinicial da pesquisa), quando montado um quadro terico de refer-ncia (pelo menos atravs de um grande nmero de citaes bibli-ogrficas), que pouco ou nada remete ao momento da pesquisa decampo (cujas tcnicas, sabemos, instrumentalizam os dados e confor-

    mam-nos), ruptura que costuma permanecer no momento da anlise,quando dificilmente se volta problemtica terica do primeiro cap-tulo. Esta questo grave, pois parafraseando Kaplan (1975), o prlo-go terico serve mais como ttulo honorfico a fim de assegurar umadequado status cientfico ao que se segue do que propriamentepara marcar o nvel terico que ser imprimido ao conjunto dapesquisa.

    Deficiente combinao demtodos e de tcnicas

    A deficincia na combinao entre mtodos e entre tcnicasdecorre quase sempre de um marco terico ambicioso que no se rea-liza numa estratgia metodolgica do mesmo porte. o que acontecehoje, por exemplo, com as pesquisas realizadas dentro do marco daperspectiva terica das mediaes. A meu ver, isso acontece menos

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    por se tratar de uma teoria cuja metodologia est em construo, emais por uma concepo de metodologia arraigada no repetir e nocopiar, no comodismo provocado pela viso de metodologia quefornece o como fazer. Entretanto, toda pesquisa uma verdadeiraaventura metodolgica5, onde h necessidade de explorao, decriatividade e de rigor. Parece-me que o termo estratgia metodolgi-ca resume bem esta concepo de pesquisa.

    Organizar uma estratgia que seja multimetodolgica paracorresponder complexidade do objeto da Comunicao e suainterdisciplinaridade deter um domnio de metodologia que remete distino que Kaplan (1975) faz entre metodologia da pesquisa emetodologia na pesquisa, reservando a primeira designao para oestudo dos mtodos ou a teorizao da prtica da pesquisa e a segun-da para indicar o trabalho de aplicao dos mtodos.

    O que o autor quer dizer que um mtodo para ser aplicadoprecisa ser estudado, o que parece uma obviedade. Uma perspectivacientfica sempre uma perspectiva terico-metodolgica e umap roblemtica terica traz sempre acoplada uma pro b l e m t i c ametodolgica que so as estratgias elaboradas ao longo do proces-so de construo/investigao de um objeto.

    Entretanto, no o que acontece em nossas pesquisas.Reflexes metodolgicas explcitas so raras de serem encontradas.Par ficar num s exemplo. difcil encontrar uma digresso explica-tiva sobre o que entende por hiptese antes de simplesmente enunci-la; e mais, como ela se constri teoricamente e quando e como seorganiza como hiptese de trabalho; como ela forma um sistema(porque dificilmente a hiptese no decupada em vrias - centrais esecundrias); se uma hiptese organizada estatisticamente ou no;de que maneira ela vai ser verificada, atravs de quais relaes (decausalidade mltipla, significativa, associativa); se est estruturada emvariveis observveis ou em variveis dependentes e independentes; e

    por a afora.Poderia deter-me em muitos outros exemplos, mas creio queo indicador mais adequado para demonstrar o que estou afirmandoest na rara presena ou mesmo na ausncia de textos de metodologiana bibliografia usada nas pesquisas. A bibliografia de uma pesquisa o itinerrio ou roteiro intelectual percorrido pelo investigador. Ex-

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    pressa o tipo de preocupao com que se defrontou ou que o acom-panhou ao longo da pesquisa.

    Pois bem, analisando as bibliografias percebe-se que a quasetotalidade das citaes, ou so tericas ou so temticas, indo desdeautores clssicos at pesquisas de mestrado ou de doutorado, as quais,muitas vezes, s esto em biblioteca, isto , nunca foram publicadas(chamada tecnicamente de literatura cinze n t a). Isso contrastaenormemente com o reduzido nmero de textos metodolgicos cita-dos, dando a entender que no percurso da pesquisa as questes dem t o d o no tm sido preocupao dos pesquisadores deComunicao, a ponto de no sentirem necessidade de seu estudo.

    Dicotomia entre pesquisadescritiva e pesquisa interpretativa

    Do ponto de vista metodolgico, considero deficientes aspesquisas descritivas em Comunicao. Podemos verificar que nomodelo, a anlise a etapa da pesquisa que segue da observao ou

    coleta dos dados e implica em processos de descrio e de interpre-tao dos dados. Estas so duas fases metodolgicas que no se con-fundem. A anlise descritiva envolve operaes analticas da formaode evidncias empricas representativas naquilo que se denominaprocesso de reconstruo da realidade do objeto. Tal feito atravsde mtodos descritivos que so mtodos tcnicos, tais como oestatstico, o etnogrfico, o historiogrfico, a anlise de contedo,para citar os mais usados nas pesquisas de Comunicao.

    De maneira complementar e sucessiva, a anlise interpretati-va envolve operaes de sntese que levam formao das infernciastericas e da explicao do objeto, utilizando mtodos lgicos queso mtodos de interpretao.6 Em cada uma dessas etapas ocorre a

    opo, a seleo e a combinao de mtodos, cujos critrios sempredecorrem em funo do objeto de investigao. Geralmente, cadamtodo acarreta o uso de determinada tcnica que a parte manej-vel do mtodo.

    Com base nessas consideraes, desejo sustentar que adescrio constitui a primeira etapa da anlise dos dados e que a

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    interpretao, enquanto sua segunda etapa, que confere pesquisaa condio de cientificidade. Trata-se da questo do alcance e validadecientfica das pesquisas descritivas que no atingem a etapa interpre-tativa. Independentemente do ponto de vista de que no se podesubestimar esse tipo de pesquisa e que sempre possvel a sua elabo-rao terica posterior, no h como deixar de reconhecer a diferenaentre levantamento ou sondagem (survey) e pesquisa social (socialresearch).7

    H vrias nomenclaturas para designar essa distino, princi-palmente quanto ao sentido do termo interpretao, tambmentendida como explicao, explanao, teorizao, etc., mas todasremetem a um determinado nvel de anlise que o nvel terico indi-cado pelo modelo.

    O levantamento um estudo eminentemente descritivo,com nfase na coleta e sistematizao de dados empricos para utiliza-o prtica, enquanto a pesquisa social parte da fundamentaoemprica dos dados para contribuir para o corpo de conhecimentoterico e metodolgico de um dado campo de estudos, independen-temente de sua utilizao imediata. Esta , a meu ver, a condio quedeve reger a pesquisa acadmica de Comunicao, pois somente

    atravs da elaborao interpretativa dos dados que se pode atingirum padro de trabalho cientfico no campo da Comunicao. S essepadro capaz de coordenar organicamente teoria e pesquisa, opera-es tcnicas, metodolgicas, tericas e epistemolgicas numa nicaexperincia de investigao.

    Enquanto isso no ocorrer, nossa pesquisa estar mais oumenos dissociada de um dos objetivos fundamentais do trabalhocientfico que a construo de teorias capazes de corresponder eresponder aos problemas substantivos que lhe so colocados por nossarealidade comunicacional. Ainda hoje cabe a lcida observao feitapor Martn-Barbero (1982: 100) sobre o trabalho terico na Amrica

    Latina, por ele considerado como sendo um tema-trapaa, porquevisto sob suspeita, quando a teoria um dos espaos-chave dadependncia. Porm, a dependncia no consiste em assumir teoriasproduzidas fora, o dependente a concepo mesma da cincia, dotrabalho cientfico e sua funo na sociedade. Como em outros cam-pos, tambm aqui o grave que sejam exgenos no os produtosseno as prprias estruturas de produo.

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    Dicotomia entre pesquisaquantitativa e pesquisa qualitativa

    Trata-se de uma falsa dicotomia, pelo menos hoje em dia.Talvez ela tenha se originado a partir da importncia que os mtodosquantitativos tm na tradio funcionalista norte-americana e porisso provocado tambm uma identificao do quantitativo spesquisas descritivas e do qualitativo s pesquisas interpretativas. H

    nisso vrias confuses. A primeira a do limite preciso entre pesquisaquantitativa e qualitativa.Apesar da lgica da medio que rege a primeira, no se pode

    esquecer que operaes quantitativas se apiam em dados qualitativosoriginalmente coletados e em seguida transformados. Em segundolugar, pode haver a combinao de mtodos quantitativos e qualita-tivos numa nica pesquisa, dependendo da estratgia metodolgicaque se adote. Por exemplo, pode-se chegar a uma amostra qualitativaatravs de uma quantitativa; quantificar perguntas abertas etc.8

    Enfim, o uso do nmero no exclusivo da pesquisa quanti-tativa e o recurso numrico ou estatstico no incompatvel com aanlise qualitativa. Em terceiro lugar, a maioria dos estudiosos reco-

    nhece atualmente a complementaridade entre a quantificao e aqualificao dos dados, apontando como erro a opo metodolgicaa priori entre fazer uma pesquisa qualitativa ou quantitativa. Antes,h necessidade de refletir sobre a escolha e a aplicao de um ou deoutro mtodo de anlise a determinado problema, o que implica emreconhecer metodologicamente as vantagens e desvantagens de ummtodo sobre outro em funo do objeto de estudo ou at de umaspecto dele.

    O b s e rvaes finais

    Para finalizar, reno esquematicamente os principais pontosdo modelo metodolgico proposto:

    1.A incorporao das condies de produo da pesquisa ao trabalhometodolgico em ato.

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    2.A pesquisa como campo relativamente autnomo e estruturado emnveis e fases metodolgicas.

    3. O carter aberto da metodologia, praticada atravs de uma srie dedecises e opes tomadas ao longo da pesquisa.

    4.A concepo no-tecnicista e no-dogmtica da metodologia comotrabalho que probe a comodidade de uma aplicao automtica deprocedimentos aprovados e exige que toda operao dentro dapesquisa deve questionar a si mesma.

    5. O objetivo de servir como instrumento de criao e desenvolvi-mento de disposies intelectuais no pesquisador

    6.A nfase na responsabilidade cientfica do pesquisador equaciona-da em termos da legitimidade intelectual e a relevncia social do seutrabalho.

    Notas

    1. Mesmo em pases em que a estrutura institucional dos estudos de Comunicaomais se desenvolveu, como o caso do Brasil e do Mxico, sua tematizao reduzi-da, constituindo interesse permanente de poucos autores como Melo (1997), Lopes(1997) e Fuentes (1998).2. Por exemplo, em seminrios como da INTERCOM/98, FELAFACS/99, e emnmeros de publicaes especializadas: Journal of Communication, 1993 (Thefuture of the field, dez anos aps o nmero monogrfico Ferment in the field),Telos, 1989, 1996; Comunicao e Sociedade, 1996; Comunicacin y Sociedad,1997.3.A ps-graduao da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo constituda de dois programas, um de Cincias da Comunicao e outro de Artes. o maior curso de ps-graduao do pas, atualmente com 830 alunos em nvel demestrado e de doutorado. O programa de Cincias da Comunicao tem 500 alunosdistribudos em cinco reas de concentrao: Comunicao; Jornalismo; Cinema,Rdio e Televiso; Relaes Pblicas, Publicidade e Turismo; e Cincias daInformao. Apesar da descentralizao regional que se verifica atualmente na ps-graduao em Comunicao no Brasil, a ECA ainda recebe um enorme contingentede alunos das mais variadas regies do pas, principalmente docentes, o que lhe con-fere uma grande representatividade da pesquisa acadmica brasileira.4. Note-se a brutal reduo a que foi submetida a pesquisa, identificada apenas a

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    operaes tcnicas e ao trabalho de campo. como aparece na maioria dos manuaisde mtodos e tcnicas, como um conjunto procedimentos rotinizados que dificil-mente so problematizados teoricamente, sendo presos ao domnio do como fazer.5. Um dos bons livros de metodologia tem por ttulo A aventura sociolgica - obje-tividade, paixo, improviso e mtodo na pesquisa social(Nunes, 1978).6. precrio o conhecimento sobre os mtodos interpretativos nas pesquisas deComunicao. Nas Cincias Sociais, os princpios dos mtodos funcional, dialtico ec o m p re e n s i vo foram inicialment e sis tematizados em textos pro p r i a m e n t emetodolgicos por Durkheim, em As regras do mtodo sociolgico, por Marx, emContribuio crtica da economia poltica, e por Weber, em Sobre a teoria das

    cincias sociais, respectivamente.7. Ao que parece, nos estudos de Comunicao, essa distino foi primeiramenteproblematizada por Adorno e Lazarsfeld que introduziram as designaes de admin-istrative research e critical research para indicar a distino, ao mesmo tempo, dis-tintiva e complementar, entre o sentido norte-americano de metodologia como tec-nicas prticas de investigao e o sentido europeu de crtica do conhecimento. VerLazarsfeld (1941) e Adorno (1973).8. Numa recente pesquisa qualitativa sobre recepo de telenovela, tive oportunidadede aplicar a uma grande massa de dados coletados por instrumentos quantitativos equalitativos, um programa de computao para anlise qualitativa, que ajudou ademonstrar, atravs da organizao de cdigos e categorias, aspectos relevantes parao estudo.

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