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Identificando a face de um cristão verdadeiro

Hernandes Dias Lopes

Digitalizado por mazinho

www. semeadores. net

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leitura edificante a todos aqueles que não tem condições econômicas para comprar.

Se você é financeiramente privilegiado, então utilize nosso acervo apenas para avaliação, e, se

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Dado Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Lopes, Hernandes Dias As faces da Espiritualidade / Hernandes Dias Lopes, — São Paulo : Editora Candeia, 2000. 1. Espiritualidade I. Título. 00-1959 CDD-248.4 Índice para catálogo sistemático: 1. Espiritualidade : Cristianismo 248.4 ISBN: 85-7352-100-7 Coordenador de produção : Mauro Wanderley Terrengui Revisão de Provas: Andrea Filatro Editoração, fotolito, impressão e acabamento: Associação Religiosa Imprensa da Fé 1ª Edição: Junho 2000 - 3. 000 exemplares Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela: EDITORA E DISTRIBUIDORA CANDEIA Rua Belarmino Cardoso de Andrade, 108 Interlagos-São Paulo, SP Cep:04809-270 Gostaríamos de saber sua opinião sobre este livro. Escreva para a Editora Candeia. Este livro foi relançado pela editora Candeia, com o título "Espiritualidade e Oração"

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Índice:

Dedicatória.................................................................................................... 4

Prefácio......................................................................................................... 5

Introdução..................................................................................................... 8

Capítulo 1 A espiritualidade do monte - Êxtase sem entendimento .......... 15

Capítulo 2 A espiritualidade do vale - Discussão sem poder ..................... 27

Capitulo 3 A espiritualidade de Jesus ........................................................ 43

A Conclusão ............................................................................................... 57

DEDICATÓRIA Dedico este livro, com muito

carinho, aos meus queridos irmãos

Laurentino Dias Lopes e Gelson Dias

Lopes, a quem o Senhor chamou à sua

eterna glória, no dia 25 de fevereiro de 2000

e 18 de março de 2000, respectivamente,

pelo rico exemplo de dignidade, amizade e

companheirismo que eles me legaram.

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PREFÁCIO A identidade de uma pessoa se percebe, normalmente,

pela sua face. Podemos não lembrar outros detalhes a respeito de alguém, mas sua face é, em regra, inesquecível. A face pode ser "disfarçada": escondem-se seus defeitos, maquiam-se suas fragilidades, e, modernamente, empregam-lhe a plástica contra os anos. Mas, ao final, os disfarces não resistem. Continua sendo a mesma face.

A espiritualidade é a face identificadora do cristão verdadeiro. E nela que se percebe a qualidade do testemunho revelado ao mundo, que se norteiam os caminhos da vida transformada, e que se encaminha o salvo para a glória e re-compensa eterna.

Este livro, mais um da lavra abençoadora do rev. Hernandes Dias Lopes, trata das "faces" da espiritualidade. O desenvolto autor expõe de forma sábia, contundente e penetrante as lições contidas em uma das mais belas e intrigantes passagens bíblicas: a Transfiguração de Cristo, como narrada no Evangelho de Lucas. No momento da transfiguração do rosto de Cristo, as faces das espiritualidades circundantes são também reveladas e expostas ao exame. Mas o rev. Hernandes não se detém à transfiguração em si: faz desembocar sua exposição no caso da libertação de um jovem possesso, no dia seguinte àquele magnificente evento. Anoitecemos e amanhecemos dentro de um contexto tão rico quanto poderosamente envolvido pelo ambiente celestial.

Lendo As Faces da Espiritualidade, podemos discernir o comportamento, a exteriorização, as evidências marcantes e, sobretudo, as conseqüências advindas da prática das formas de espiritualidade, vislumbradas aqui com muita clareza. E um livro que aborda o assunto proposto de forma direta, sem

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rodeios, objetivamente, escapando, no entanto, de cometer o crime da superficialidade. Todas as bases que fazem parte do universo da espiritualidade, como a oração, a intimidade com Deus, a autoridade diante do maligno e o revestimento de poder, assim como a visão missionária e a preservação da piedade, são abordadas, oferecendo ao leitor a oportunidade do aprendizado, instigando o coração atento a uma profunda reflexão do seu estado, objetivando a mudança de vida.

Aliás, o autor, a nosso ver, não tem apenas o objetivo de diagnosticar os problemas das faces da nossa espiritualidade. Longe disso. Ele também nos oferece um tratamento necessário e premente para os tempos difíceis que estamos vivendo. Encontramos aqui uma saída para esta época de falta de identidade e de muita confusão, onde a igreja de Cristo se acha eivada de muitas facetas, onde se criam opções que buscam atender às mais esdrúxulas manifestações de "espiritualidade", em detrimento da Glória do Deus que servimos. Os disfarces religiosos, o êxtase diante do fantástico, a busca frenética do fogo estranho, a experiência como a medida da espiritualidade, o arrancar das raízes doutrinárias e o desrespeito aos fundamentos da fé são confrontados e respondidos à altura.

Eis aqui uma leitura que contribuirá, em muito, para que haja mais autenticidade em nossa devoção. É bom degustar, remoer e meditar nas verdades aqui arroladas. O autor nos leva a uma trilha, um caminho, uma viagem. Subiremos ao monte, onde seremos anuviados e amedrontados pelo espetacular, o fantástico. Desceremos ao vale, sentindo-nos impotentes ante às forças do maligno. E, finalmente, só em Jesus encontraremos a resposta e o paradigma para a nossa vida espiritual, para a nossa vitória.

Eis aqui um autor que, pelos caminhos da piedade pessoal, tem demonstrado o melhor daquilo que escreve, na prática de sua vida e no cumprimento de seu ministério.

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Pessoalmente, louvo ao Senhor por poder partilhar da sua amizade, no aprendizado sempre constante da Palavra Sagrada, em convivência e comunhão com este servo de Deus, companheiro incansável e homem de bem.

Espero em oração, caro leitor, que você aproveite ao máximo este que podemos chamar de um "pequeno grande livro".

Boa leitura... Ótima Espiritualidade!!!

Rev. Aubério da Silva Brito

Vitória, Março de 2000

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INTRODUÇÃO O homem é um ser religioso. Desde os tempos mais

remotos, ele tem levantado altares. Há povos sem leis, sem governos, sem economia, sem escolas, mas jamais sem religião. O homem tem sede do eterno. Deus mesmo colocou a eternidade no coração do homem.

Cada religião busca oferecer ao homem o caminho de volta para Deus. E a tentativa desesperada de reconciliação com Deus. A deturpação do pecado, a sagacidade do diabo e a corrupção do mundo entenebreceram a mente humana, e o homem perdeu-se no cipoal desta busca do sagrado. Religiões esdrúxulas são engendradas com vistas a arrastar os homens para os corredores escuros do obscurantismo espiritual. O pecado embruteceu o homem, o diabo cegou o seu entendimento e por isso, cada vez mais, as religiões afastam os homens de Deus, em vez de aproximá-los. A religião é um caminho que o homem tenta abrir da terra para o céu. E uma tentativa desesperada e fracassada de chegar a Deus pelos próprios esforços. E a repetição do malogrado projeto da Torre de Babel. Na selva espessa das paixões corrompidas, no labirinto das ilusões e nos abismos tene-brosos da alma humana, não se encontram respostas seguras que possam satisfazer os anseios da alma, nem há condições de pavimentar uma estrada de volta do homem para Deus.

O pecado rompeu a harmonia e a comunhão do homem com Deus, consigo mesmo, com o próximo e com a natureza. O pecado desestruturou o homem e todas as suas relações. O pecado atingiu e afetou o homem como um todo e atingiu cada área da sua vida.

Aquele que foi criado à imagem e semelhança de Deus tornou-se um ser ambíguo, confuso e contraditório. De

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dentro do coração do homem vasa uma torrente caudalosa de sujidades. O coração humano tornou-se enganoso e desesperadamente corrupto, um poço de sentimentos mesquinhos e desejos abomináveis. A corrupção do meio nada mais é do que o transbordamento da maldade que está em ebulição no coração do homem. Onde quer que o homem põe a mão, ele contamina o ambiente. Em virtude dessa dolorosa realidade, surgiram e ainda surgem milhares de religiões, criadas pelo engenho humano, por mentes corrompidas, espíritos manietados e subservientes aos caprichos do diabo, para afastar ainda mais os homens de Deus. Há, portanto, muitos "altares espúrios, muitos deuses falsos, muitos cultos abomináveis para Deus. Não poucas vezes, o homem adora a criatura em lugar do criador. Outras vezes, o homem em rebelião contra Deus serve deliberadamente aos próprios demônios. Há ainda aqueles que, entorpecidos pelo veneno do pecado, vivem e morrem por heresias crassas que subjugam as consciências no claustro da mais repugnante ignorância espiritual. O que é mais chocante é que há também aqueles que, mesmo conhecendo a verdade, adotam um modelo doentio de espiritualidade.

Testemunhamos hoje o florescimento do humanismo exacerbado. Tudo gira em torno do homem. O homem é o centro e a medida de todas as coisas. A vontade do homem deve ser sempre satisfeita. Até mesmo a religião precisa adequar-se às pesquisas de mercado. A verdade perdeu o seu valor fundamental para esta geração humanista. As pessoas embaladas pelo pragmatismo emergente buscam não a verdade, mas o que funciona: não o que é certo, mas o que dá certo. Assim, os cultos mais freqüentados são aqueles que supervalorizam a experiência, ainda que não aferida pela verdade revelada de Deus. Prevalece o subjetivismo. O que está em voga hoje não é o estudo sério, analítico e profundo das Escrituras, mas uma consulta superficial, mística e

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sentimental da Palavra. Assim, não há necessidade de seguir as leis da hermenêutica sagrada, pois a interpretação das Escrituras ganhou um contorno mágico e sobrenatural. O estudo da Bíblia passou a ser irrelevante: o que importa é o que o Espírito revela no momento, através de pessoas inspiradas. A luz interior tornou-se mais importante do que a revelação escrita de Deus. As pessoas estão ávidas para ouvir os profetas do subjetivismo e os intérpretes de sonhos, em vez de examinar as Escrituras. Correm atrás do místico, não da verdade.

Esse expediente tem facilitado o caminho de retorno à falsa doutrina do sacerdócio. Seres humanos comuns precisam da mediação de uma pessoa espiritual e iluminada para trazer-lhes uma revelação de Deus. A Palavra escrita de Deus precisa passar pela interpretação mística e subjetiva de uma pessoa com quem Deus fala diretamente. Com isso, a verdade bíblica do sacerdócio universal dos crentes tem sido atacada a partir de seus alicerces. Em virtude desse desvio, floresce no meio evangélico uma procura cada vez maior por profetas e profetisas que possam interpretar sonhos e visões e trazer direto para o povo os mistérios da vontade de Deus. Mergulhados cada vez mais em um analfabetismo bíblico, os incautos fluem aos borbotões para esses redutos, sorvendo sem questionar todo o ensino que brota do enganoso coração humano, em vez de beber da água limpa que jorra das Escrituras. Cavam cisternas rotas e abandonam a fonte das águas vivas. Seguem conselhos de homens e deixam os preceitos do Senhor. Obedecem cegamente a líderes pseudo-espirituais e rejeitam a suficiência das Escrituras.

O que está na raiz dessa tendência é o antropocentrismo idolátrico. A preocupação do homem moderno é agradar a si mesmo, e não a Deus. Ele quer sentir-se bem. Quer ter experiências arrebatadoras. Ele busca experiências que lhe provoquem calafrios na espinha. Ele tem sede do

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sobrenatural, está ávido por ver sinais e maravilhas, e anda atrás de milagres. Para o homem moderno, a religião precisa apelar não à sua razão, mas às suas emoções. Ele não quer conhecer, quer sentir. O culto não é racional, é sensorial. Sua mente está embotada, sua razão adormecida. Não importa o que as pessoas falem, desde que ele experimente uma catarse. Ele não quer julgar os fatos: para ele, tudo o que parece ser sobrenatural é bom. O místico sobrepujou a verdade. O sentimento prevaleceu sobre a razão. As emoções assentaram-se no trono. Elas têm a última palavra. Para muitas pessoas, a religião está-se transformando em um ópio, um narcótico que anestesia a alma e coloca em sono profundo as grandes inquietações da mente.

Para continuar alimentando o homem com fortes emoções e mantê-lo em contínuo estado de êxtase, é preciso criar novidades a cada dia. O culto, então, passa a ser elaborado com vistas a despertar fortes emoções. A música é executada para mexer com os sentimentos. A mensagem é pregada para atender ao gosto da freguesia. Tudo está centrado no propósito de agradar ao homem e. satisfazer seus anseios. E o culto do homem para o homem. E o culto da terra para a terra. E o culto-show, em que o dirigente precisa ter um desempenho eficaz na arte de manipular as emoções. Em 1998 visitei a Igreja Toronto Blessing no Canadá. Dali surgiu a teologia do sopro e da gargalhada que se espalhou para vários lugares do mundo. Observei atentamente as pessoas que entraram no templo. De repente, elas começaram a cantar em estado de êxtase. Caíram ao chão e ficaram estiradas no assoalho, como se estivessem em profundo sono. Outras começaram a dar gargalhadas sem parar. Uma aura mística envolveu o ambiente. A música suave enchia o santuário e grande parte dos ouvintes entrou em uma espécie de catarse. Não vi ninguém com a Bíblia. As pessoas não estavam ali buscando o conhecimento de Deus, mas encontrar a si mesmas. Elas queriam sentir-se bem.

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Hoje, muitas igrejas brasileiras têm entrado pelo mesmo caminho místico. As pessoas buscam os sopros poderosos, as visões celestiais, as revelações forâneas às Escrituras, as experiências arrebatadoras, as emoções fortes, mas con-tinuam cada vez mais vazias.

Essa espiritualidade cênica e teatral traz fogo estranho diante do Senhor. O culto não pode ser apenas um veículo para atender às nossas necessidades emocionais. Não pode ser apenas uma expressão cultural. O culto deve ser bíblico, balizado pela verdade revelada de Deus. Jesus declarou à mulher samaritana que Deus não está procurando adoração, mas adoradores que o adorem em espírito e em verdade. Antes de aceitar o nosso culto, Deus precisa aceitar a nossa vida. Jesus falou sobre o fariseu que foi ao templo para orar. Ele não fez uma oração, mas um panegírico de auto-elogio. Trombeteou suas próprias virtudes, ao mesmo tempo que, com palavras ácidas, assacou acusações pesadas contra o publicano, o qual, por sua vez, não ousou levantar os olhos, mas clamou com angústia de alma: "Ó Deus, sê propício a mim, pecador". Aquele que se exaltou, foi humilhado, mas o que se humilhou, foi exaltado. O fariseu teve um bom desempenho diante dos homens, mas foi reprovado na presença de Deus. O publicano, porém, desceu justificado. Aos olhos de Deus, não basta ter um bom desempenho diante do auditório: ele vê a vida do adorador. Deus agradou-se de Abel e de sua oferta, mas rejeitou a Caim e à sua oferta. Antes de ter prazer na oferta de Abel, Deus se agradou do próprio Abel. Antes de rejeitar a oferta de Caim, Deus rejeitou a própria vida de Caim. Os filhos de Arão chegaram com fogo estranho diante do Senhor. Deus os destruiu e lhes rejeitou o culto. Todo fogo estranho é abominação ao Senhor. Não adianta ter um culto carismático se a vida do adorador é imoral. Não adianta expulsar demônios, se o exorcista é desonesto em seus negócios. Não adianta falar em outras línguas no culto e depois entregar-se à maledicência em casa.

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Não adianta apresentar a oferta no altar, se o coração é um poço de inveja e amargura. Pela boca do profeta Isaías, Deus disse que já estava cansado do culto do seu povo, que o honrava apenas de lábios, mas o coração estava distante dele. O profeta Amós chegou a dizer que Deus não tolerava mais ouvir as músicas religiosas do povo em virtude de seus pecados. O profeta Malaquias afirmou em nome do Senhor que é inútil o culto no qual Deus não é respeitado e honrado.

O culto aceito por Deus deve passar por dois crivos fundamentais: 1. Precisa ser verdadeiro - Não podemos ter uma religiosidade centrada na preferência ou no gosto do auditório. O culto precisa ser bíblico. O culto é teocêntrico, e não antropocêntrico. A verdade de Deus não é subjetiva ou indefinível. Os princípios de Deus são supraculturais e eternos. Não podemos chegar com fogo fabricado, logo es-tranho diante de Deus. O fogo estranho é bonito, é quente, é atraente, é fruto do esforço humano, mas não vem do céu: é fabricado na terra, é uma conspiração contra o verdadeiro fogo, uma abominação para Deus (Levítico 9). Nem sempre aquilo que impressiona os homens, impressiona a Deus. Aquilo que os homens aplaudem, muitas vezes, é abominação para Deus. O culto ou é bíblico, ou é anátema.2. Precisa ser sincero - Jesus disse que o culto deve ser em espírito, ou seja, de todo o coração e com todo o coração. Antes de ofertar no altar, precisamos oferecer-nos a Deus. A vida vem antes da oferta. A nossa vida deve confirmar no altar de Deus a nossa adoração. Há pessoas que são sinceras, mas não adoram em verdade. Prostram-se diante de imagens feitas por mãos humanas, fazem votos e promessas aos santos, oram e clamam àqueles que já morreram e por aqueles que já morreram. Outros fazem longas procissões para agradar aos seus santos de devoção. Curvam-se diante de imagens de barro, pensando com isso estar agradando a Deus. Essas pessoas podem ser sinceras, mas estão cegas, equivocadas. Há também os que são verdadeiros, mas não são sinceros.

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São ortodoxos, mas não piedosos. Seguem a letra da lei, mas não o espírito da lei. Honram a Deus com os lábios, mas o coração. está longe do Senhor. Conhecem a verdade, mas não lhe obedecem. Cantam hinos de louvor a Deus, mas o desonram com a própria vida. professam uma coisa e fazem outra. Pregam uma coisa e vivem de modo completamente oposto. Têm nome de que vivem, mas estão mortos. Têm luz na mente, mas lhes falta fogo no coração. Têm conhecimento, mas carecem do óleo da unção sobre a cabeça.

O texto de Lucas 9.28-43 fala-nos sobre três tipos de espiritualidade. Mostra-nos uma maquete da nossa religiosidade, uma fotografia do nosso coração e uma diagnose da nossa condição espiritual. O exame desse texto levantará a ponta do véu e mostrará os extremos perigosos em que a igreja tem caído. De um lado, temos uma igreja mística, mas sem conhecimento. Do outro, temos uma igreja que discute muito, mas sem poder espiritual. Precisamos encontrar nesse vácuo a verdadeira espiritualidade, aquela vivida pelo Senhor Jesus. É desse empolgante assunto, as faces da espiritualidade, que trataremos neste livro.

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CAPÍTULO 1 A ESPIRITUALIDADE DO MONTE ÊXTASE SEM ENTENDIMENTO

Pedro, Tiago e João sobem o monte da transfiguração com Jesus, mas não alcançam as alturas espirituais da intimidade com Deus. A mente deles estava ainda confusa, e o coração, fechado.

1. Os discípulos andam com Jesus, mas não co-nhecem a intimidade do Pai.

Jesus subiu o monte da transfiguração para orar. "Cerca de oito dias depois de proferidas estas palavras, tomando consigo a Pedro, João e Tiago, subiu ao monte com o propósito de orar. E aconteceu que, enquanto ele orava, a aparência do seu rosto se transfigurou e suas vestes res-plandeciam de brancura" (Lucas 9.28, 29).

A motivação de Jesus era estar com o Pai. Ele sempre fez da oração a mola propulsora do seu ministério. Lucas, mais do que qualquer outro evangelista, registra o intenso ministério de oração de Jesus. O médico gentio escreveu para os gregos e apresentou Jesus como o Homem perfeito. Sua grande tese é que o poder com que Jesus realizou seu ministério e operou os grandes prodígios veio da oração. No rio Jordão, Jesus orou e o céu se abriu. Ali o Pai confirmou o seu ministério e o Filho foi revestido com o poder do Espírito Santo (Lucas 3.21, 22). Cheio do Espírito Santo, Jesus foi ao deserto e ali orou e jejuou durante quarenta dias. O diabo usou todo o seu arsenal para tentar Jesus, mas ele o venceu com a espada do Espírito, a Palavra (Lucas 4.1-13). Mesmo

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quando as multidões o procuravam, Jesus se retirava para orar. Para ele a oração era mais importante que 0 sucesso no ministério. Todavia, depois que Jesus deixava o recesso da oração, o poder de curar estava sobre ele (Lucas 5.15-17). Antes de escolher os doze discípulos, Jesus passou uma noite inteira orando, buscando a clara e específica vontade do Pai. Ele escolheu os apóstolos debaixo da direção do Pai. Ele não apenas orou a Deus, ele fez a oração de Deus. Esta é a única ocorrência no Novo Testamento em que aparece a expressão "oração de Deus". Jesus buscou com toda a determinação fazer a vontade do Pai ao escolher a liderança da igreja (Lucas 6.12-16). Quando foi para Cesaréia de Filipe, ele também orou, pedindo a Deus pleno entendimento para os seus discípulos, a fim de que entendessem a sua missão (Lucas 9.18-22). Agora, Jesus está orando no cume do monte, sendo preparado e consolado para enfrentar a cruz (Lucas 9.28-31). A oração é uma fonte de consolo. Ela nos prepara para os momentos de vale. Jesus orou no Getsêmani com tamanha intensidade que chegou a suar sangue. E o que buscava Jesus? Fazer a vontade do Pai (Lucas 22.39-46). Jesus orou pregado na cruz, e sua oração quebrou a dureza do coração do ladrão crucificado à sua direita (Lucas 23.34-43).

A vida de Jesus é o supremo modelo de oração que encontramos na Bíblia. A passagem que estamos examinando diz que Jesus sobe ao monte com o propósito de orar, mas em momento algum o texto diz que Pedro, João e Tiago estão orando com ele. Os discípulos não sentem necessidade de oração nem prazer nisso. Eles vêem coisas espetaculares, ouvem vozes celestiais, deixar-se envolver por uma aura celeste, mas não conseguem orar. A intimidade com o Pai não é a sede da alma deles. Eles estão no monte a reboque, mas não estão alimentados pela mesma motivação de Jesus. Semelhantemente, é possível estar no cume do monte, vivendo experiências arrebatadoras, sem desfrutar da

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intimidade com Deus. É possível pisar em terra santa e viver em um clima celestial, sem contudo derramar o coração no altar da oração.

2. Os discípulos estão diante da manifestação da glória de Deus, mas, em vez de orar, eles dormem

Jesus foi transfigurado porque orou (Lucas 9.28, 29). Os discípulos não oraram e por isso foram apenas espectadores. Porque não oraram, ficaram agarrados ao sono. A falta de oração embaçou-lhes a visão. Por falta de oração, eles ficaram privados de entendimento espiritual. Quem não ora, não enxerga cora os olhos da alma. Quem não ora, sofre de miopia espiritual. Um santo de joelhos enxerga mais longe do que um filósofo na ponta dos pés.

A falta de oração apaga o fogo no altar do coração. Sem oração, o altar de incenso da nossa vida fica coberto de cinzas. O aroma de incenso deixa de subir à presença de Deus quando a oração cessa. A falta de oração endurece o coração, entorpece o entendimento espiritual e cauteriza a consciência. A falta de oração mata o verdor espiritual, deixa a alma seca e a vida árida como um cacto no deserto. A primeira coisa que morre na vida de uma pessoa que se afasta de Deus é a oração. Sem o oxigênio da comunhão com Deus, sem a respiração da alma, sem a oração, a vida espiritual agoniza.

Os discípulos, em vez de se deleitarem com a manifestação da glória de Deus na face de Cristo, sucumbem ao poder do sono. As coisas mais santas, as visões mais gloriosas, as palavras mais sublimes não encontram guarida no coração deles. Eles estão embotados espiritualmente e desperdiçam uma tremenda e singular oportunidade. Quantas vezes, por falta de percepção espiritual, nós também somos privados de grandes bênçãos. Deus fala, Deus se

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revela, Deus se manifesta, mas nossos olhos estão pesados de sono. As coisas de Deus não nos entusiasmam. Perdemos a paixão pelo sagrado. Vamos à igreja, ouvimos a voz de Deus, mas o nosso coração continua gelado. Não nos alegramos na presença de Deus. Achamos o culto denso, pesado, tedioso, cansativo. Nosso prazer não é o Senhor. Nossa alma tem sede de outras coisas e não mais do Senhor. As coisas de Deus cansam os nossos olhos, entediam os nossos ouvidos e nos dão sono.

3. Os discípulos experimentam um êxtase, mas não têm discernimento espiritual

Nem sempre as emoções fortes comprovam as experiências mais profundas. Os discípulos contemplam quatro fatos milagrosos. Primeiro, a aparição em estado de glória de Moisés e Elias no cume do monte. Segundo, a transfiguração do rosto e das vestes de Jesus. Terceiro, a nuvem luminosa que os envolve e, finalmente, a voz do céu que troveja em seus ouvidos.

Os discípulos revelam nessa experiência uma profunda falta de discernimento:

3.1. Não discernem a centralidade da pessoa de Jesus

"A seguir, veio uma nuvem que os envolveu: e dela uma voz dizia: Este é o meu Filho amado: a ele ouvi. E, de relance, olhando ao redor, a ninguém mais viram com eles, senão Jesus!" (Marcos 9.7, 8).

Os discípulos estão cheios de emoção, mas vazios de entendimento. Querem construir três tendas, dando a Moisés

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e a Elias a mesma importância de Jesus. Querem igualar Jesus a Elias e Moisés. Estão diminuindo Jesus, nivelando-o com os homens. Estão subtraindo a glória do Filho de Deus, sublimando a sua divindade. Como o restante do povo, eles ainda estão confusos quanto à verdadeira identidade de Cristo (Lucas 9.18, 19). Não conseguem entender que Jesus é o próprio Deus feito carne. Eles andam com Jesus, mas não lhe dão a glória devida ao seu nome (Lucas 9.33)

Onde Cristo não recebe a preeminência, a espiritualidade está fora de foco. O propósito eterno de Deus é que em todas as coisas Cristo tenha a primazia (Romanos 8.29). Tudo deve convergir para ele (Efésios 1.10). Ele é maior do que Moisés e Elias. A lei e os profetas apontaram para Cristo. Ele é a consumação da lei. O fim da lei é Cristo (Romanos 10.4). Ele é o conteúdo das profecias e o Messias apontado por todos os profetas. Os discípulos não discerniram a centralidade da pessoa de Jesus.

O Pai corrigiu os discípulos, mostrando-lhes que Jesus é único, singular. "Enquanto assim falava, veio uma nuvem e os envolveu: e encheram-se de medo ao entrarem na nuvem. E dela veio uma voz, dizendo: Este é o meu Filho, o meu eleito: a ele ouvi!" (Lucas 9.34, 35). Essa voz foi diferente da voz que ecoou no Jordão. Lá no Jordão a voz foi para Jesus. O Pai estava confirmando para Jesus a sua divina filiação. Agora, a voz se dirige aos discípulos, reafirmando que Jesus não pode ser confundido com os homens, sequer com os mais ilustres, nem colocado no mesmo pé de igualdade dos profetas. Jesus é o próprio Deus que se fez carne. Diante dele todo o joelho deve dobrar-se. Para ele deve ser toda a nossa devoção. A nossa espiritualidade deve ser cristocêntrica.

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3.2. Não discernem a centralidade da missão de Cristo

Moisés e Elias apareceram para falar da imi-nente partida de Jesus em Jerusalém. "Eis que dois varões falavam com ele: Moisés e Elias, os quais apareceram em glória e falavam da sua partida, que ele estava para cumprir em Jerusalém" (Lucas 9.30, 31).

Eles falaram sobre a cruz. A cruz é o centro do ministério de Cristo. Ele veio ao mundo para morrer. A cruz não foi um acidente na vida de Jesus. Ele mesmo se entregou. Ele mesmo marchou para o Calvário, como um rei caminha para a coroação. A morte de Cristo não aconteceu simplesmente porque Judas o traiu por dinheiro, ou porque os principais sacerdotes o entregaram por inveja, nem mesmo porque Pilatos o sentenciou por covardia. Ele foi crucificado porque o Pai o entregou por amor. Ele morreu pelos nossos pecados. A sua morte sempre esteve nos propósitos inescrutáveis de Deus. O Cordeiro foi morto desde a fundação do mundo (Apocalipse 13.8). Todos os sacrifícios do Velho Testamento eram uma reafirmação da promessa de Jesus. Ele esvaziou-se de sua glória, fez-se servo para morrer a morte mais dolorosa, mais demorada e mais humilhante, a morte de cruz.

Jesus veio para morrer pelas suas ovelhas (João 10.11), pela sua igreja (Efésios 5.25). Ele não veio ao mundo simplesmente para ser um Mestre, para fazer milagres ou para mudar conceitos e valores morais. Ele veio para morrer pelos nossos pecados.

Herodes quis matar Jesus quando ele ainda era um infante. Satanás tentou desviar Jesus da cruz no deserto. As multidões tentaram desviar Jesus da cruz, fazendo-o rei.

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Pedro, dias antes da transfiguração, tentou demover Jesus de ir para a cruz. Ainda quando estava suspenso no leito vertical da morte, no tosco e rude madeiro, a voz do inferno vociferou na boca dos insolentes judeus: "Desça da cruz, e creremos nele" (Mateus 27.42). Mas Jesus subiu à cruz, porque, do contrário, nós desceríamos ao inferno. Ali Jesus assumiu o nosso lugar. Ali ele assumiu a nossa culpa. Ali ele carregou sobre o seu corpo, no madeiro, os nossos pecados. Ali ele esvaziou o cálice da ira de Deus, fazendo-se pecado por nós, morrendo a nossa morte, pagando com o seu sangue o nosso resgate. Em sua vida sem pecado, Jesus obedeceu à lei por nós. Em sua morte vicária, Jesus cumpriu a lei por nós, so-frendo o justo castigo que os nossos pecados merecem, a morte. Nós morremos com Cristo. Estávamos pregados naquela cruz. Quem morre, justificado está do pecado. Quem morre não deve mais nada à lei. A lei nada pode fazer com um morto. Mesmo que uma pessoa tenha sido sentenciada à prisão perpétua, quando morre, a lei perde o seu poder sobre ela. A lei não tem poder de alcançar uma pessoa morta. Quando Cristo morreu, ele morreu pelos nossos pecados. Quando Cristo morreu, morremos com ele. A morte de Cristo foi a nossa morte. Ele morreu a nossa morte, para vivermos a sua vida. A nossa dívida foi paga, a justiça foi satisfeita, a justificação foi declarada, a salvação foi garantida.

Moisés e Elias, a lei e os profetas, aparecem para falar sobre a cruz. Os discípulos, porém, não conseguem entender a mensagem da cruz. O coração deles ainda está fechado. Eles estavam no monte, em estado de êxtase, mas lhes faltava o conhecimento da verdade mais excelente: a cruz de Cristo. Eles andavam com Cristo, mas não discerniam a sua missão. Viam coisas celestiais, mas não distinguiam a cruz. Estavam cercados por uma aura celestial, mas o coração deles não era capaz de discernir a verdade essencial (Lucas 9.44, 45).

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Hoje há igrejas que aboliram de seus púlpitos a mensagem da cruz. Pregam o que o povo gosta de ouvir. Falam sobre saúde, prosperidade, riqueza, sucesso: jamais sobre a cruz. A cruz é uma mensagem demasiado radical. Ela não oferece esperança para o velho homem. O velho homem não pode ser educado nem reformado: ele precisa morrer. A cruz é instrumento de morte. Cristo rejeitou o caminho do humanismo sem cruz, chamando-o de satânico (Mateus 16.23). O Evangelho que não põe a cruz de Cristo no centro é outro evangelho. Deve ser considerado anátema. A missão precípua de Jesus não foi reformar o homem, dar a ele saúde, riqueza e felicidade. Jesus veio buscar o perdido, salvar o pecador. Quando o diabo quis desviar Jesus da cruz no deserto, Cristo o escorraçou. Quando a multidão quis fazê-lo rei, interessada apenas nas justas causas sociais, Jesus virou as costas a esta pressão popular e fugiu. Quando Pedro repreendeu Jesus para que ele rejeitasse a cruz, tomando assim um caminho mais suave, Jesus sentenciou com firmeza: Arreda, Satanás! Quando os gregos o buscaram para que ele se tornasse um mestre por excelência na terra da filosofia, Jesus respondeu: "Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só: mas, se morrer, produz muito fruto" (João 12.24). Pedro mais tarde, no Pentecoste, afirmou que a morte de Cristo, embora fosse um hediondo crime dos judeus, estava estabelecida nos eternos decretos de Deus (Atos 2.23). Paulo, o apóstolo dos gentios, proclamou aos coríntios: "Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado" (1 Coríntios 2.2). A cruz de Cristo, a morte de Jesus, é o centro nevrálgico das Escrituras. Se removermos essa verdade do centro, não temos Evangelho para pregar.

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3.3. Não discernem a centralidade de seus próprios ministérios

"Bom é estarmos aqui. " Eles queriam a espiritualidade do êxtase, da fuga, não do enfrentamento. Queriam as visões arrebatadoras do monte, não os gemidos pungentes do vale. Queriam o arrebatamento emocional, as visões espetaculares, o milagre celestial, mas não se entusiasmaram em descer o vale. Contudo, é no vale que o ministério precisa ser exercido. É lá que há gente chorando, gemendo, sangrando, atormentada pelo diabo.

É mais cômodo cultivar a espiritualidade do conforto pessoal e do comodismo. É mais fácil viver em constante êxtase. E melhor estar no templo, participar de um louvor gostoso, vivo, perto de pessoas co-iguais, do que descer ao vale cheio de dor e opressão. Não queremos sair pelas ruas e becos. Não queremos entrar nos hospitais e cruzar os corredores entupidos de gente com a esperança morta. Não queremos ver as pessoas encarquilhadas e emagrecidas nas salas de quimioterapia. Evitamos olhar para as pessoas marcadas pelo câncer nas antecâmaras da radioterapia. Desviamos das pessoas caídas na sarjeta. Não queremos subir os morros semeados de barracos, onde a pobreza extrema fere a nossa sensibilidade. Não queremos visitar as prisões insalubres, onde o ser humano vive à margem da dignidade. Não queremos pôr os pés nos guetos encharcados de violência nem nos aproximar dos antros malcheirosos onde a promiscuidade e os vícios degradantes parecem pre-valecer. Não queremos envolver-nos com aqueles que vivem nos bolsões da miséria, alijados, excluídos, sem direito e sem voz em uma sociedade que cada vez mais privilegia o forte e sufoca o fraco. Não queremos saber dos que estão caídos, atormentados pelo diabo. E fácil, é cômodo fazer uma tenda no monte. É tentador satisfazer nossos próprios desejos, cultivando uma religiosidade escapista, timbrada pelo co-

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modismo, restrita ao templo, ao reduto do sagrado, fechada dentro de quatro paredes. O monte é o lugar de carregar as baterias, mas o ministério é exercido no vale. Permanecer no monte é fuga, é omissão, é irresponsabilidade, é negar a missão. A multidão aflita nos espera no vale. E lá que devemos viver no poder do Espírito Santo. E lá que devemos espargir a luz de Cristo. É lá que devemos proclamar libertação aos cativos.

4. Os discípulos estão cercados por uma nuvem celestial, mas estão com medo de Deus

Lucas registra o fato da seguinte maneira:

"Enquanto (Pedro) assim falava, veio uma nu-vem e os envolveu: e encheram-se de medo ao entrarem na nuvem" (Lucas 9.34). O evangelista Mateus pinta esse quadro com cores mais vivas: "Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu: e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi. Ouvindo-a os discípulos, caíram de bruços, tomados de grande medo" (Mateus 17.5, 6).

Os discípulos estão com Jesus, mas ainda têm medo de Deus. A espiritualidade deles é marcada pela fobia do sagrado. O ambiente celestial e a voz de Deus os incomodam profundamente. Eles se relacionam com Deus como o outro totalmente desconhecido. Não têm intimidade com Deus. Eles não apenas não encontram prazer na comunhão com Deus através da oração, mas revelam grande medo de Deus. Vêem Deus como ameaça. A presença de Deus os intimida. A voz de Deus enche o coração deles não de alegria, mas de medo. O

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único momento em que eles se prostram ao chão não é para orar, para buscar a Deus, mas para fugir de Deus. O relacionamento deles com Deus, portanto, era superficial, pois o amor lança fora todo o medo. Em virtude do medo, Pedro começa a falar sem entendimento, sem compreender o que diz. Marcos declara que ele não sabia o que dizer, por estarem todos aterrados (Marcos 9.6). Lucas relata que a proposta de Pedro de fazer três tendas, sendo uma para Jesus, outra para Moisés e outra Elias, era uma fala sem o mínimo discernimento: "... não sabendo, porém, o que dizia" (Lucas 9.33). Deus não é um fantasma cósmico. Suas revelações não têm o propósito de infundir medo no nosso coração. Deus não é um guarda cósmico que nos procura pegar no contrapé. Deus é um pai cheio de ternura. Ele nos abriga debaixo das suas asas. Ele nos carrega no colo e nos toma em seus braços. Ele enxuga as nossas lágrimas. Ele nos disciplina com amor. Ele se deleita em nós com alegria. Nós somos a menina dos olhos de Deus, sua delícia e herança.

Muitas pessoas receberam uma formação religiosa deturpada sobre a pessoa de Deus. Vêem Deus apenas como um ser austero, inflexível, implacável, com a espada da lei na mão, com o cetro do juízo sempre erguido para sentenciar e condenar. São pessoas parecidas com o irmão do filho pródigo: andam perto do pai, mas não têm intimidade com ele, não desfrutam das suas riquezas. Relacionam-se com Deus apenas como servos, mas nunca como filhos. A Bíblia nos mostra Deus como um Pai que corre para abraçar o filho, mesmo que este esteja sujo de lama. As Escrituras nos revelam Deus como um pastor que desce aos vales mais escuros e perigosos para buscar uma ovelha desgarrada. O medo de Deus é uma doença espiritual. E fruto do desconhecimento de Deus, da falta de discernimento das coisas espirituais.

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Jesus não alimenta essa patologia espiritual dos discípulos: pelo contrário, mostra a sua improcedência: "Aproximando-se deles, tocou-lhes Jesus, dizendo: Erguei-vos, e não temais!" (Mateus 17.7). O medo de Deus, a fobia do sagrado, revela uma espiritualidade enferma, rasa e sem substância.

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CAPÍTULO 2 A ESPIRITUALIDADE DO VALE

DISCUSSÃO SEM PODER

Os nove discípulos de Jesus estavam no vale, mas viviam o drama de um grande fracasso. Estavam cara a cara com o diabo, mas não tinham poder para confrontá-lo e vencê-lo. Cercados por uma multidão aflita, estavam des-providos de recursos para atender às suas urgentes necessidades.

1. No vale há gente sofrendo o cativeiro do diabo sem encontrar na igreja solução para o seu drama

Aqui está um pai desesperado (Lucas 9.37-40: Mateus 17.15, 16). O diabo invadiu a sua casa e está arrebentando com a sua família. Está destruindo o seu único filho.

Aquele jovem estava possuído por uma casta de demônios. Um terrível poder maligno assumira o controle da sua personalidade. Aquele moço era um capacho nas mãos do diabo. Naquela casa não havia mais paz. O inferno estava lá, com sua horda de demônios provocando grandes estragos. Onde os demônios entram, impera a destruição. Onde eles dominam, reina a escravidão.

Todos os recursos que aquele pai buscou para a libertação do seu filho fracassaram. Em todas as portas que ele bateu, não encontrou solução para o seu grave problema. A situação se agravara. A morte rondava a sua casa. Seu filho estava sendo castigado pelos demônios com rigor excessivo.

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No auge da sua angústia, aquele pai, desesperado, correu para os discípulos de Jesus em busca de ajuda e socorro, mas eles não tinham poder. Já haviam conquistado grandes vitórias sobre os demônios, mas agora estavam fracos e impotentes. O coração deles estava vazio e seco. As vitórias de ontem não servem para hoje. Precisamos encher-nos do Espírito a cada dia. Precisamos revestir-nos com poder diariamente. Assim como o maná que caía do céu precisava ser recolhido a cada manhã e não servia para o outro dia, da mesma forma a unção de ontem não serve para hoje.

Em 1991 visitei a Missão Kwa Sizabantu, na Africa do Sul. O rev. Erlo Estegen estava trabalhando com os zulus, uma tribo fortemente comprometida com a feitiçaria. Certo dia, ao proferir sua mensagem, ele proclamou que Jesus Cristo é o Deus Todo-poderoso, para quem não há impossíveis, pois ele perdoa, liberta, cura e salva. Nesse momento, aproximou-se dele uma mulher com o rosto sulcado de dor e os olhos marejados de lágrimas. De pronto ela o interrogou: "O senhor está dizendo que o seu Deus pode todas as coisas?". O pastor respondeu: "Sim, é isto mesmo o que estou afirmando". Diante da resposta convicta, ela completou: "Então, eu preciso do seu Deus. Eu tenho uma filha possessa, amarrada como bicho no tronco de minha casa. Nenhum dos deuses que conheço pôde libertá-la. Se o seu Deus tem todo o poder, vamos comigo à minha casa e peça ao seu Deus para libertá-la".

Nesse momento, o pastor Erlo sentiu um calafrio na espinha e pensou: "E se eu fracassar? Como vai ficar a minha reputação? Com que autoridade continuarei pregando para esse povo?". Ele se dirigiu à casa da mulher e deparou com um quadro assustador: A jovem estava sangrando, amarrada com arame no tronco, como uma fera ferida, um bicho enfurecido. Os olhos afogueados pareciam saltar de seu rosto

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desfigurado. O pastor em vão tentou expulsar da jovem aquelas terríveis entidades malignas. Levaram-na, então, amarrada, a uma fazenda, e um grupo de pastores e missionários orou por ela e tentou libertá-la dos demônios opressores, mas a moça, indomável, destruiu a casa da fa-zenda e voltou em estado ainda mais deplorável. O pastor Erlo ficou arrasado, envergonhado. Pensou até mesmo em abandonar a missão e parar de pregar. Sentia-se sem autoridade para falar da onipotência de Jesus Cristo. Mas, antes de desistir, compreendeu que o problema não era o Evangelho, mas a sua vida sem unção. Não era a Palavra de Deus, mas a sua falta de poder. Começou, então, a orar por avivamento. Iniciou na igreja o estudo ao livro de Atos dos Apóstolos. Os corações foram sendo quebrantados. Três vezes por dia, eles oravam e choravam copiosamente diante de Deus, buscando uma vida de santidade e poder. Não tardou para vir sobre eles um profuso derramamento do Espírito. Os feiticeiros mais endurecidos, tomados de profunda convicção de pecado, corriam para a Missão, clamando pela mi-sericórdia de Deus, arrependendo-se de seus pecados. Aos borbotões, pessoas chegavam de toda a parte, entregando-se ao Senhor Jesus. A primeira coisa que o pastor Erlo fez a seguir foi visitar a casa daquela jovem possessa. Agora, no poder do Espírito, na autoridade do nome de Jesus, ele ordenou que os demônios saíssem da jovem, e ela foi imediatamente libertada. Todos, então, compreenderam que não basta falar no nome de Jesus, é preciso ser revestido com o poder do Espírito.

Hoje, quando as multidões aflitas procuram a igreja, encontram nela um lugar de salvação, de cura e libertação? Há poder em nossa vida? Possuímos autoridade sobre as hostes do inferno? Temos confrontado o poder do mal? Conhecimento apenas não basta, é preciso revestimento de poder. O Reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder. O Espírito que habita em nós é Espírito de poder. Há

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muitas pessoas que são doutas no manuseio das Escrituras. Conhecem com profundidade as verdades exaradas na Bíblia, têm um acervo teológico colossal, mas estão áridas como um deserto. Conhecem a Palavra, mas não o poder de Deus. Conhecem a respeito de Deus, mas não conhecem a Deus. Têm a cabeça cheia de luz, mas o coração está vazio de fogo. Têm conhecimento, mas lhes falta a unção.

2. No vale há gente desesperada precisando de ajuda, mas os discípulos estão perdendo tempo, envolvidos numa discussão infrutífera

Muitas vezes tentamos disfarçar nossa fraqueza espiritual com acaloradas e profundas discussões teológicas. Envolvemo-nos em intermináveis e apaixonados debates que dão em nada. São debates infrutíferos, discussões inócuas, palavras vazias. Os discípulos perdiam tempo discutindo com os opositores da obra de Deus, em vez de remir o tempo fazendo a obra (Marcos 9.14-18).

Em Atos 1.6-8 Jesus evidencia que, quando somos revestidos de poder, saímos do campo da especulação teológica para o campo da ação missionária. Os discípulos estavam pensando em escatologia, Jesus em missões. Rece-bemos poder para trabalhar, para agir, para fazer. Não que a discussão teológica seja desprovida de valor. A igreja precisa ter uma posição teológica clara, segura e bíblica. Ela não pode ser solidária com a heresia. A igreja não pode ser plural em sua posição doutrinária: pelo contrário, deve rechaçar vigorosamente qualquer ensino que não tenha amparo nas Escrituras. Mas há momentos em que precisamos deixar de lado o discurso e partir para a ação. Há crentes que passam a vida inteira freqüentando a igreja, discutindo empolgantes temas na Escola Dominical, freqüentando congressos e fazendo seminários de treinamento, mas nunca atuam. Estão com a cabeça cheia de informações e as mãos vazias de

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trabalho. Sofrem de hidrocefalia espiritual, enquanto o corpo permanece mirrado. Sabem muito e fazem pouco. Estão sempre preparando-se, mas não trabalham. Têm cursos e mais cursos, diplomas e mais diplomas, mas não colocam em prática o que sabem. Estamos no vale, cercados por uma multidão aflita, mas não temos resposta para ela. Ficamos discutindo os nossos temas, enquanto o diabo destrói vidas e famílias ao nosso redor.

Discutimos muito e agimos pouco. Falamos muito e trabalhamos pouco. Sabemos muito e realizamos pouco. Aqueles que não sabem é que fazem, pois os que sabem gastam todo o seu tempo discutindo. E discutindo com quem? Muitas vezes com aqueles que sempre estiveram filiados na oposição cerrada a Jesus (Marcos 9.14). Discussão sem ação é paralisia espiritual. Quando gastamos o tempo todo discutindo, sem agir, estamos fazendo o jogo do diabo. Ele aplaude as discussões acaloradas daqueles que deveriam es-tar na trincheira da luta. O inferno vibra quando a igreja se fecha dentro de quatro paredes, em torno dos seus empolgantes assuntos. O mundo perece enquanto a igreja está discutindo. O diabo arruína vidas enquanto o povo de Deus, despercebido, está guerreando apenas no campo nas idéias. Há muito discurso, mas pouco poder. Muita verborragia, mas pouca unção. Multidões sedentas, mas pouca ação da igreja.

3. No vale, enquanto os discípulos discutem, há um poder demoníaco em ação sem ser confrontado

Quando se trata de discutir a ação do diabo e suas hostes, há dois perigos extremos que precisamos evitar: Primeiro, o de subestimar a ação do diabo. Os liberais, céticos e incrédulos, negam a existência e a ação dos demônios. Ex-plicam tudo racionalmente. Para eles, o diabo é uma figura lendária, um ser mitológico. Alguns até acreditam que o

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diabo é uma energia negativa no universo, ou o princípio do mal que está dentro de cada pessoa. Certamente, esse não é o ensino das Escrituras. Negar a existência e a ação de Satanás é cair nas malhas do mais ardiloso satanismo.

O segundo perigo é o de superestimar a ação do diabo. Há muitas religiões chamadas cristãs nos tempos hodiernos que falam mais no diabo do que em Jesus. Pregam mais sobre libertação do que sobre arrependimento. Atribuem todo o mal que acontece no mundo ã ação de Satanás. O homem deixou de ser pecador culpado, para tornar-se apenas uma vítima. Assim, ele não precisa arrepender-se, mas apenas ser libertado. Muitas igrejas hoje têm feito do exorcismo a principal plataforma de sua missão. São igrejas que vivem caçando demônios. São igrejas tão ocupadas com o diabo que esquecem de deleitar-se em Deus. Como era o poder demoníaco que estava agindo no vale?

Primeiro, o poder maligno que estava em ação na vida daquele menino era assombrosamente destruidor. Assim expressou o seu pai: "Um espírito se apodera dele, e, de repente, o menino grita, e o espírito o atira por terra, convulsiona-o até espumar: e dificilmente o deixa, depois de o ter quebrantado" (Lucas 9.39). O evangelista Marcos acrescenta outros detalhes a respeito desse poder maligno que conspirava contra a vida do menino: "... rilha os dentes e vai definhando... e muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o matar... " (Marcos 9.18, 22). O diabo é assassino e ladrão. E um estelionatário. Ele promete vida e dá a morte. Sua ira não cessa. Ele tem destruído vidas. Tem arruinado famílias. Tem empurrado pessoas para o abismo da promiscuidade sexual. Tem lançado jovens no poço profundo e pestilento das drogas. Tem levado muitos casais ao divórcio. Tem provocado guerras encarniçadas e sangrentas. Tem jo-gado nação contra nação. Tenho visto muitas vidas feridas pelo diabo. Tenho acompanhado e aconselhado muitos

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infelizes que foram torturados por esse insolente poder maligno. Não podemos fechar os olhos e tapar os ouvidos aos gritos dos infelizes que estão agonizando, atormentados pelos demônios. Há muitos que ainda hoje vivem oprimidos pelo diabo. Outros estão possessos de espíritos imundos. Essas pessoas precisam encontrar uma igreja libertadora. Não podemos ficar acomodados, deleitando-nos em profundas e polêmicas discussões, enquanto à nossa volta pessoas perecem nas mãos do maligno.

Certa feita, quando eu pregava em um culto familiar, algo me marcou profundamente. Enquanto falava, uma mulher chorava convulsivamente. Após o culto, eu a procurei com o objetivo de oferecer-lhe ajuda. Ela, então, me disse que o diabo havia destruído a sua família. Falou-me que era casada e tinha dois filhos pequenos. Morava em um bom apartamento e tinha uma vida financeira estável. Entretanto, não havia paz em sua casa. Certa noite, ela acordou com o grito desesperado de seus filhos. Ao levantar-se da cama, percebeu que o marido não estava do seu lado. Correu em direção ao quarto dos meninos, mas a porta estava trancada. Bateu à porta, e ninguém atendeu. Então, com toda a força, ela arrebentou a porta e deparou com um quadro dramático. O marido estava apunhalando os próprios filhos. quando ela entrou no quarto, o marido apunhalou o seu próprio peito, caindo morto sobre os corpos sem vida das crianças. Com profunda tristeza, aquela mulher confessou: “Pastor, eu levei toda a minha família para o cemitério. O diabo destruiu a minha família.” Quantas tragédias, quantas desgraças têm acontecido pela ação do diabo na vida das pessoas!

Segundo, o poder maligno em ação no vale atingia inclusive e sobretudo as crianças. "Perguntou Jesus ao pai do menino: Há quanto tempo isto lhe sucede? Desde a infância, respondeu: e muitas vezes o tem lançado no fogo e na água para o matar" (Marcos 9.21, 22). Aquele menino estava sob o

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poder do mal. Estava no cativeiro do diabo desde a sua mais tenra idade, desde a sua infância. A palavra bréfos descreve a fase infantil desde a vida intra-uterina. O espírito mudo e destruidor entrou naquele menino desde a sua meninice. O diabo não poupa as crianças. Elas não estão isentas nem incólumes a esse terrível ataque demoníaco. Aquele menino estava sendo assolado por uma casta de demônios, que cons-piravam contra ele, jogando-o no fogo, na água e atirando-o por terra para matá-lo. Era o início do meu ministério na Primeira Igreja Presbiteriana em Vitória, no Espírito Santo. Uma mulher recém-convertida passou a freqüentar a igreja. Seu marido era espírita. Ela tinha um filho, de dois anos. Certo dia, voltando para a casa, começou a cantar um hino cuja letra falava que Jesus tem poder. Nesse momento, para seu espanto, o filho de dois anos, que estava no seu colo, com o rosto desfigurado, começou a blasfemar com voz grave, dizendo que Jesus não tinha poder. Atordoada, a mulher pro-curou vários médicos e psiquiatras para tratar do filho. Aquele fenômeno voltou a acontecer outras vezes. Um dia ela marcou um aconselhamento e chegou a meu gabinete com o filho no colo. Enquanto a mulher conversava comigo, a criança me fuzilava com um olhar penetrante e perturbador. Ouvi toda a história. Quando comecei a falar do poder de Jesus, o menino foi tomado por um poder maligno e começou a proferir impropérios. Repreendi em nome de Jesus aquelas entidades malignas, e a criança começou a serpentear no chão do gabinete como um réptil. Depois de intensa luta, aquele menino foi libertado pelo poder do nome de Jesus. A mãe contou-me, então, que, ao nascer, seu filho tinha sido levado pelo pai a um terreiro de Umbanda, sendo ali consagrado aos espíritos demoníacos.

Há uma verdadeira orquestração do inferno para atingir as crianças. Os espíritos malignos atingem as crianças através de pactos demoníacos feitos por seus pais, através de vídeos e jogos ocultistas e outros aparatos propositadamente

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preparados para alcançar a mente das crianças. Hoje há um exército de crianças sofrendo grandes estragos mentais e emocionais. Há um batalhão de crianças deprimidas, sofren-do pesadelo. Há uma safra de crianças rebeldes aos pais, sendo educadas por uma mídia perversa. Vivemos em uma cultura demonizada, na qual as crianças são inspiradas a cometer assassinatos, como aconteceu no início do ano 2000 em São Paulo, quando uma criança, depois de assistir ao filme "Brinquedos Assassinos", assassinou o seu colega.

O diabo tem investido pesado nas crianças. Os programas infantis hoje são uma evidência dessa amarga realidade. Os satanismo, o ocultismo, a violência e a depravação sexual são os temas explorados para atacar a mente infantil. Como o faraó propôs a Moisés (Êxodo.10.10, 11), o diabo também quer reter em suas mãos as crianças. Se perdermos esta geração, teremos amanhã uma geração apóstata que não conhecerá ao Senhor e estará pronta para adorar o anticristo.

Terceiro, o poder maligno em curso age com requintes de crueldade. O evangelista Lucas registra um detalhe importante: aquele menino era filho único (Lucas 9.38). Tocar na vida daquele menino era roubar os sonhos daquela família, era cobrir o futuro daquele lar com um manto de crepe. O filho era tudo o que aquele pai possuía. O filho único era o seu prazer, a sua esperança, o alvo dos seus sonhos, o seu futuro, a sua vida. O diabo age não somente com per-versidade, mas também com requintes de crueldade. Onde ele põe a mão, há marcas de sofrimento. Onde os demônios agem, há sinais de desespero. Onde a ação do maligno não é neutralizada, a morte mostra a sua carranca. Onde os demônios não são confrontados, a invasão do mal desconhece limites.

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4. No vale, os discípulos estão sem poder para confrontar os poderes das trevas

Aquele pai aflito expõe seu drama para Jesus: "Roguei aos teus discípulos que o expelissem, mas eles não puderam" (Lucas 9.40). Mateus também registra que os discípulos não puderam curá-lo (Mateus 17.16).

Por que os discípulos estão sem poder? A Bíblia nos dá quatro razões para essa impotência e fraqueza dos discípulos:

Primeiro, porque há demônios e demônios. Os discípulos perguntaram para Jesus a razão do fracasso na tentativa de expulsar o espírito maligno do menino. Jesus respondeu que aquela casta não se expelia senão por meio de oração e jejum (Mateus 17.19, 21). Há demônios mais resistentes que outros. Eles já tinham logrado êxito em outras empreitadas, mas agora fracassaram. Eles já haviam expulsado demônios, mas agora não obtiveram sucesso. Na verdade, há hierarquia no reino das trevas. O apóstolo Paulo fala de principados, potestades, dominadores deste mundo tenebroso e forças espirituais do mal. Há uma estratificação de poder no mundo invisível. Há demônios com mais força que outros. Por isso, os discípulos não conseguiram expelir a casta de demônios daquele menino.

Em 1993 fui eleito presidente da Comissão Nacional de Evangelização da Igreja Presbiteriana do Brasil, no segundo Congresso Nacional de avivamento e evangelização em Vitória, Espírito Santo. Estávamos reunidos no templo da Igreja Assembléia de Deus do Aribiri, município de Vila Velha. O pregador do culto de abertura seria o rev. Jeremias Pereira da Silva. Antes da mensagem, no meio da igreja lotada com mais de três mil pessoas, um homem possesso soltou um grito pavoroso. As pessoas que estavam próximas levaram-no a uma sala do templo e oraram por ele. No dia seguinte, o pastor Jeremias começou uma série de palestras sobre Batalha Espiritual. No fim da tarde, o dito homem convidou o

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pastor Jeremias para ir à sua casa visitar a sua esposa. Fomos em quatro pastores. No trajeto, perguntei àquele homem sobre o ocorrido na noite anterior. Ele me falou, então, do seu envolvimento com o satanismo. Contou que tinha feito um pacto com várias entidades do candomblé, mostrando as marcas no seu corpo. Quando chegamos à sua casa, após apresentar-nos a sua esposa, ele deu um salto para dentro da sua varanda e já caiu do outro lado, possesso e muito furioso, dizendo: "Agora, vocês estão no meu terreno. Eu quero ver se vocês têm poder mesmo. Agora vou matar todos vocês". O semblante do homem desfigurou-se. Seus olhos nos fuzilavam com ódio mortal. Ele rangia os dentes, tomado por um acesso de fúria. Partiu para cima de nós, determinado a nos destruir; contudo, Deus colocou ao nosso redor um muro de fogo. O pastor Jeremias travou uma batalha espiritual com esse homem possesso durante cerca de uma hora. Era dado momento, ele trouxe para a sala sete garrafas vazias de cerveja e fez um ponto cruzado, buscando reforço dos demônios. Depois, cheio de fúria, avançou em nossa direção, arremessando as garrafas contra nós, com a intenção de nos matar. A sala ficou coalhada de cacos de vidro. Depois de uma luta titânica, aquele homem foi liberto. Ele estava tão exausto que nem mesmo conseguia ficar de pé. No quintal de sua casa havia um templo satânico, com vários apetrechos de feitiçaria. A casta que estava naquele homem era uma horda de demônios extremamente resistentes. Nem todo caso de possessão é tão complicado, contudo.

Segundo, os discípulos estavam sem poder porque não oraram. Jesus disse que aquela casta só saía com oração e jejum (Mateus 17.21). Não há poder espiritual sem oração. O poder não vem de dentro do homem, mas do alto, do trono de Deus. Sem oração ficamos vazios, secos e fracos. Púlpito sem oração é púlpito sem poder. Igreja sem oração é igreja sem poder. A fonte do poder não vem dos livros, mas do trono de Deus. C. H. Spurgeon dizia que toda a sua biblioteca nada

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era diante da sua sala de oração. Quando a igreja se coloca de joelhos, torna-se invencível. O inferno treme ao ver um santo de joelhos. Quando a igreja ora, o céu se move, o inferno treme e coisas maravilhosas acontecem na terra. Sem oração, agimos na força da carne. Oração e poder sempre caminham juntos. Não há poder sem oração. Sempre que a igreja dobrou os joelhos para orar, ela foi revestida com poder. Sempre que ela é capacitada com poder, tem autoridade para viver, pregar e confrontar vitoriosamente os demônios.

Terceiro, os discípulos estavam sem poder porque eles não jejuaram. Jesus disse que aquela casta só seria expelida com oração e jejum (Mateus 27.21). O jejum é um tremendo exercício espiritual que nos capacita a enfrentar os grandes embates da vida. Somos capacitados e equipados para realizar a obra de Deus através do jejum. Ele não é meritório. Não tem o propósito de mudar Deus. E um instrumento de auto-humilhação e quebrantamento. Quando jejuamos, estamos dizendo que dependemos totalmente dos recursos de Deus. Quem jejua tem pressa para estabelecer comunhão com Deus. Quem jejua tem mais fome do pão do céu que do pão da terra. Quem jejua busca o revestimento de poder do Espírito e não confia em sua própria força. Quando a igreja pára de jejuar, começa a enfraquecer. Quando ela passa a confiar em si mesma, deixa de usar os recursos de Deus. E sem o poder de Deus agindo em nós e através de nós, colhemos amargas e humilhantes derrotas espirituais como os discípulos naquele vale.

Quarto, os discípulos estavam impotentes por causa da pequenez de sua fé. Depois que Jesus libertou o menino do poder dos demônios, os discípulos aproximaram-se dele e perguntaram em particular: "Por que motivo não pudemos nós expulsá-lo? E ele lhes respondeu: Por causa da pequenez da vossa fé" (Mateus 17.19, 20). Os discípulos tinham uma fé debilitada e raquítica. Como não tinham intimidade com

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Deus e não o conheciam de forma profunda, eram fracos e impotentes para confrontar as forças do mal. A fé não é algo místico e subjetivo. É resultado do nosso conhecimento da verdade. A fé vem pelo ouvir a Palavra. O povo que conhece a Deus é forte. Não podemos confiar em quem não conhecemos profundamente. Muitos conhecem a respeito de Deus, mas não conhecem a Deus. Fé não é apenas um assentimento intelectual da verdade. Esse tipo de fé, até os demônios têm (Tiago 2.19). A fé é um conhecimento pessoal, íntimo, relacional, fruto da comunhão com Deus. Os discípulos fra-cassaram no confronto com o poder das trevas, porque não estavam vivendo aos pés do Senhor. A pequenez da fé é conseqüência de uma relação fria e distante com Deus. Ninguém pode ter uma grande fé sem estar vivendo na intimidade e na dependência do grande Deus. O problema não é a presença do diabo, mas a ausência de Deus.

Os olhos da fé não miram a adversidade das circunstâncias. A fé não se abala ao ser encurralada por impossibilidades e ao ser confrontada pelas improbabilidades. A fé não se concentra na fúria da tempestade. Ela só olha para o Deus dos impossíveis. Não se intimida diante da ameaça dos gigantes: ela olha por sobre os ombros dos gigantes e contempla a vitória que vem do Senhor. O poder para confrontar o maligno e suas hostes não está em nós, mas no poderoso nome de Jesus. Não é, porém, apenas uma questão de proferir o seu nome. Precisamos conhecer a Jesus e confiar em seu nome sem duvidar. Contra o diabo e seus anjos, não podemos usar armas carnais. Precisamos manejar as armas espirituais, que são poderosas em Deus (2 Coríntios 10.3-5). Contra o inimigo precisamos arvorar a bandeira do Senhor na certeza de que ele é vencedor invicto em todas as batalhas. Ele é a nossa inexpugnável armadura.

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5. A nossa incredulidade e falta de oração e jejum provocam sofrimento a Jesus

Quando aquele pai aflito confessou que trouxe seu filho endemoninhado aos discípulos, e eles não puderam libertá-lo, Jesus exclamou: "O geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei?" (Mateus 17.17). A inoperância e fraqueza da igreja entristecem a Jesus. A igreja foi criada para ser instrumento de libertação e sinal de vida no meio de uma geração cativa e marcada pelo espectro da morte. A igreja deve ser o braço de Deus em ação na história. Ela não pode ser um exército tímido, impotente e covarde, que recua diante das forças do mal. Ela precisa invadir as portas do inferno. Ela é agente de Deus na história para pregar, curar e libertar. A igreja deve brilhar como luzeiro no meio de uma geração imersa nas densas trevas. Se a igreja falhar, o mundo perecerá. Se a igreja não tiver poder, as trevas prevalecerão. Se a igreja estiver fraca, o diabo fará grandes estragos.

Precisamos questionar-nos: Temos produzido alegria ou sofrimento no coração de Jesus? Como ele nos vê? Temos usado os recursos e as ferramentas que ele colocou em nossas mãos? Temos prevalecido e triunfado em seu nome? Temos abalado as portas do inferno? Temos desestabilizado as tramas do diabo? Temos afugentado os aleivosos demônios que oprimem aqueles que nos buscam cheios de aflição? Te-mos visto o nome do Senhor ser glorificado em nossa vida?

Jesus olhou para a igreja de Laodicéia , que possuía um elevado conceito de si mesma, e disse: "Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca" (Apocalipse 3.15, 16). Deus olhou do céu e viu o seu povo mergulhado em profunda devassidão e disse: "As vossas solenidades, a minha alma as aborrece: já me são pesadas: estou cansado

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de as sofrer" (Isaías 1.14). O que Deus pensa de você? Você tem sido motivo de alegria ou tristeza para o coração do Senhor?

Há alguns anos preguei no culto de formatura do Seminário Presbiteriano de Recife. Após o culto, um formando compartilhou comigo sua dramática experiência vivida meses antes da formatura. Ele foi convidado para pre-gar em uma grande igreja de uma bela capital nordestina. Empacotou seus melhores sermões, fez sua mala e viajou na expectativa de uma bem-sucedida série de conferências. Ao chegar, porém, à casa do pastor para o grande desafio evangelístico, foi surpreendido por um fato novo. Uma mulher se dirigiu à casa do pastor tomada de grande desespero, pedindo socorro. Sua vizinha estava possessa, furiosa, indomável, e não havia quem pudesse libertá-la do poder dos demônios. O pastor disse calmamente à mulher: "Fique tranqüila: acaba de chegar de Recife um santo homem de Deus preparado para esta tarefa". O seminarista, atordoado, com as mãos geladas e trêmulas, os joelhos vacilantes e o coração cheio de pânico, disse ao pastor: "Eu apenas vim avisar ao senhor que já estou partindo". Na verdade, ele não conseguiu dizer nada. Estava em estado de choque. Jamais vivera situação semelhante. O pastor levou-o ao local onde estava a mulher possessa. De longe, eles come-çaram a ouvir os gritos alucinados da vítima dos demônios. O seminarista não conseguia caminhar sem sentir os joelhos batendo um no outro.

Quando chegaram em frente à casa, havia ao redor uma multidão apavorada, sem saber o que fazer. O pastor olhou para o seminarista e disse: "Seminarista, o caso é todo seu, pode entrar na casa". Tremendo e assustado, ele entrou e deparou-se com um quadro aterrador: A mulher estava furiosa, com o rosto desfigurado, os olhos vermelhos e flamejantes, o cabelo desalinhado, bufando como uma fera

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ferida. Quando ele abriu a boca para repreender o espírito maligno, a mulher possessa lhe deu uma bofetada no rosto e o jogou no chão, e no chão ele ficou por mais de uma hora. O seminarista sentiu-se humilhado, envergonhado, nocauteado pelo inimigo. Em sua mente, como um filme, passavam ao vivo e em cores seus fracassos, sua incredulidade, sua aridez espiritual, seus pecados. Enquanto ele vivia esse momento doloroso de vergonha e derrota, a mulher possessa vociferava ao seu redor. Quando se sentiu no fundo do poço, impotente e quebrado, o jovem voltou os seus olhos para Deus e clamou: "Ó Deus, tem misericórdia de mim. Eu sou teu servo. Restaura a minha vida. Restitui-me as forças. Dá-me poder para confrontar esses demônios".

Enquanto orava, como fez Sansão agarrado às colunas do templo, a mulher possessa caiu. E quando ela caiu, o jovem se levantou, porque diante de Deus demonstrara humildade, mas diante do diabo isso significava autoridade. No poder que há no nome de Jesus, ele repreendeu os demônios que estavam tomando aquela mulher, e ela foi libertada.

Esse jovem formando, abraçado comigo, deixando pingar lágrimas na lapela do seu paletó, confessou: "Agora compreendo que não basta ser crente, não basta ser líder, não basta ser pastor, não basta falar do poder de Deus: é preciso experimentar esse poder". Não podemos confrontar o poder das trevas estribados em nossas próprias forças. Precisamos ser revestidos com o poder de Deus, pois só assim traremos alegria ao coração de Jesus!

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CAPITULO 3 A ESPIRITUALIDADE DE JESUS

A transfiguração foi uma antecipação da glória, um vislumbre e um ensaio de como será o céu (Mateus 16.28). Aprendemos aqui algumas verdades fundamentais sobre a espiritualidade de Jesus.

1. A espiritualidade de Jesus é fortemente marcada pela oração

O evangelista Lucas apresentou Jesus como o Homem perfeito. Por isso, registrou com maior ênfase o seu intenso ministério de oração. A oração não era algo periférico e lateral na vida de Jesus. Toda a sua vida foi uma busca pela intimidade com o Pai. Ele tinha prazer em estar com o Pai. Jesus orou no rio, no deserto, no mar, no monte, no jardim, nos lares, na sinagoga, no templo, na beira de um túmulo, na cruz. Orou em momentos alegres e também quando estava tomado de profunda tristeza. Orou ao iniciar seu ministério e orou ao terminar sua obra redentora na cruz. Orou enquanto viveu aqui na terra e agora no céu ainda intercede por nós.

Jesus subiu o monte da transfiguração com o propósito de orar (Lucas 9.28). A transfiguração veio como resultado de oração. "E aconteceu que, enquanto ele orava, a aparência do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura" (Lucas 9.29). A oração traz a glória do céu à terra. A oração nos envolve em um clima celestial. Pela oração penetramos além do véu, no santo dos santos, na sala do trono, onde a glória de Deus resplandece.

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A oração é uma via de mão dupla, onde nos deleitamos em Deus e Deus tem prazer em nós. Não apenas Jesus buscava a intimidade com o Pai, mas também o Pai tinha prazer no seu Filho unigênito. "... e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo... " (Mateus 17.5).

Que pai não se alegra em ver que seu filho tem prazer em estar com ele? Deus nos ama. O amor tem pressa para estabelecer comunhão. Deus procura adoradores. O amor busca a aproximação. Nós somos a delícia e a menina dos olhos de Deus. Ele se deleita em nós com alegria. Alegra-se em nós como o noivo se alegra com a noiva (Isaías 62.4, 5: Sofonias 3.17). Seria muito estranho se um filho procurasse o pai apenas para pedir alguma coisa. Nesse caso, o filho não revelaria amor ao pai, mas apenas um interesse egoísta. A relação com o pai, então, seria meramente mercantilista e utilitarista. A essência da oração é a comunhão com Deus. O maior anseio de quem ora não são as bênçãos de Deus, mas o Deus das bênçãos. A intimidade com Deus é o maior tesouro, a mais gloriosa experiência que podemos ter na vida, é a própria essência da vida eterna (João 17.3). Por isso, Jesus muitas vezes saía para os montes e passava noites inteiras orando ao Pai, longe dos holofotes, afastado do burburinho da multidão, buscando as alturas excelsas da intimidade com o Pai.

Dois fatos são dignos de destaque na transfiguração de Jesus: Em primeiro lugar, diz o texto que o rosto de Jesus transfigurou-se. Lucas registra: "... enquanto ele orava, a aparência do seu rosto se transfigurou... " (Lucas 9.29). Mateus coloca: "E foi transfigurado diante deles: o seu rosto resplandecia como o sol... " (Mateus 17.2). O nosso corpo precisa ser vazado pela luz do céu. O nosso corpo também precisa resplandecer. Ele é santuário de Deus, onde a glória de Deus deve resplandecer com todo o seu fulgor. O nosso

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corpo é de Deus: foi feito, comprado e habitado por Deus. Devemos glorificar a Deus no nosso corpo. O rosto é a síntese da nossa identidade. Por ele somos conhecidos. Por ele nos revelamos. A nossa apresentação física precisa ser vazada pelo sagrado. A glória de Deus, a shekiná de Deus, precisa brilhar em nós e resplandecer através de nós.

Em segundo lugar, diz o texto que as vestes de Jesus também resplandeciam. Mateus afirmou que "... as suas vestes tornaram-se brancas como a luz" (Mateus 17.2). Marcos acrescenta um novo dado: "... as suas vestes tornaram-se resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum lavandeiro na terra as poderia alvejar" (Marcos 9.3). Lucas, de maneira mais sucinta, descreveu: "... e suas vestes resplandeceram de brancura" (Lucas 9.29). As nossas vestes revelam o nosso íntimo, mais do que cobrem o nosso corpo. Retratam o nosso estado interior e demonstram o nosso senso de valores. Elas precisam ser vazadas pelo sagrado. A luz do céu também precisa resplandecer em nossas vestes, que devem ser santificadas. Desde o Éden, Deus estabeleceu a necessidade de vestir-nos com decência. Foi Deus quem fez as primeiras vestes decentes para a mulher e para o homem, em substituição às roupas pouco convenientes que eles estavam trajando. Parece, entretanto, que a palavra de ordem hoje em nossa cultura é despir o homem e a mulher, ou tanger-lhes com roupas cada vez mais sumárias e provocantes.

É bem verdade que a forma de vestir-se varia de cultura para cultura, de povo para povo e de época para época. Não nos vestimos hoje da mesma maneira que se vestiram os puritanos do século XVII. De certa forma, precisamos andar na moda, para não destoarmos do comum e do normal. Porém, não podemos ser regidos por todas as nuanças da moda. Devemos ser guiados pela Palavra de Deus, que nos recomenda sensatez, bom senso, modéstia e decência nesse

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campo. Não podemos render-nos aos ditames e caprichos de uma moda que não leva em conta a santidade do corpo: antes, o explora sensualmente, despertando nas pessoas a concupiscência dos olhos.

Precisamos compreender que o nosso corpo não é para a impureza, mas para o Senhor. Nosso corpo é membro de Cristo. Não temos o direito de defraudar as pessoas com a nossa forma pouco criteriosa de vestir-nos. As nossas roupas precisam ser santificadas.

Há duas formas de uma pessoa chamar a atenção para si: Quando se distancia demais da moda, a ponto de tornar-se ridícula, e quando é regida por ela, a ponto de perder a decência. E óbvio que não podemos ser legalistas quanto a esta matéria. Não defendemos a santidade medida pela fita métrica. Uma pessoa pode cobrir o corpo da cabeça aos pés e ter um coração sujo e impuro. Todavia, nossas roupas revelam quem somos e para quem nos vestimos.

Devemos vestir-nos para a glória de Deus. A luz do céu precisa resplandecer também em nossas roupas. O resplendor de Deus precisa penetrar na nossa identidade e nossa revelação. Quem somos e como nos manifestamos, isso precisa estar debaixo da luz de Deus!

A oração de Jesus no monte ainda nos evidencia outras duas verdades tremendas: Primeiro, na transfiguração Jesus foi consolado antecipadamente para enfrentar a cruz. O grande assunto no topo daquele monte cheio de luz celestial foi o calvário. "Eis que dois varões falavam com ele: Moisés e Elias, os quais apareceram em glória e falavam da sua partida, que estava para cumprir em Jerusalém" (Lucas 9.30, 31). Quando oramos, Deus nos prepara para enfrentar os momentos difíceis da vida. Quando buscamos a face de Deus, somos consolados com antecipação. Pela oração, somos capacitados a enfrentar as dificuldades sem temor. Jesus passaria por terríveis angústias: seria preso, açoitado,

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cuspido, ultrajado, escarnecido, pregado numa cruz. Mas, pela oração, o Pai o capacitou a beber aquele amargo cálice sem retroceder. Na hora da prova, Pedro fugiu e começou a seguir Jesus de longe. Misturou-se com os ímpios, assentou-se na roda dos escarnecedores e negou a Jesus. Isso porque, em vez de orar, nas horas mais cruciais Pedro estava dormindo. Dormindo no monte da transfiguração e dormindo no vale do Cedrom, no Getsêmani. Quem não ora não tem poder para enfrentar as grandes tensões da vida. Quem não ora desespera-se na hora da aflição. A oração abre para nós as janelas do céu e canaliza em nossa direção as torrentes caudalosas das consolações que emanam no trono de Deus. E pela oração que triunfamos. Através dela somos ca-pacitados com poder para cumprir o nosso ministério. Sem oração, o nosso coração desmaia no vale da crise. Sem oração, fraquejamos ao sinal da primeira turbulência. Sem oração, perdemos a provisão do céu, ficamos vazios de poder e impotentes para triunfar nos tempos de aflição. A oração nos coloca acima das nuvens tempestuosas, nos eleva acima dos problemas.

No dia 1º de dezembro de 1982, recebi a notícia do falecimento do meu pai. Nesse tempo eu era pastor na Primeira Igreja Presbiteriana de Bragança Paulista, em São Paulo. No outro dia bem cedo, tomei um avião em Congonhas em direção a Vitória. Era uma manhã chuvosa. As nuvens estavam densas e escuras. Meu coração apertado parecia sintonizado com o aspecto melancólico daquele dia. Tão logo o avião decolou, atravessou o nevoeiro denso e lá em cima tudo estava ensolarado e brilhando. As nuvens pardacentas haviam ficado embaixo. Naquele momento, Deus ministrou uma palavra de consolo ao meu coração. Quando buscamos o abrigo da intimidade com Deus, através da oração, cruzamos também as tempestades da vida e recebemos consolo e forças para enfrentar as aflições.

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Em segundo lugar, em resposta à oração de Jesus, o Pai confirmou o seu ministério. Os discípulos, desprovidos de entendimento espiritual, nivelaram Jesus com representantes da lei e dos profetas, igualaram Jesus a Moisés e a Elias. Jesus, porém, não discute, não faz diante deles uma apologia em defesa de sua divindade. Ele sim-plesmente ora e o Pai incumbe-se de corrigir a distorção teológica de Pedro. "Então, disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui: se queres, farei aqui três tendas: uma será tua, outra para Moisés, outra para Elias. Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu: e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi" (Mateus 17.4, 5). Marcos registra: "E de relance, olhando ao redor, a ninguém mais viram com eles, senão Jesus" (Marcos 9.8).

Quando você ora, Deus honra você. Você não precisa defender-se, você precisa orar. A oração vale mais do que mil argumentos. Não é preciso defender a sua honra, é preciso cultivar a sua intimidade com Deus. Você não precisa brigar por seus direitos, você precisa estar diante do trono. Você não precisa lutar para agradar as pessoas, você precisa agradar o coração do Pai. Quando você dá prioridade a Deus em sua vida, ele honra você diante das pessoas, defende a sua causa e o exalta até mesmo diante dos seus adversários. Quando você cuida da sua piedade, Deus cuida da sua reputação. Quando o profeta Daniel foi alvo da conspiração de seus inimigos, ele não revidou com as mesmas armas, a fim de desmascarar os seus desafetos: ele simplesmente orou, e Deus o honrou. Pedro, no Getsêmani, por desprezar o poder que vem através da oração, usou contra o soldado romano a força da carne e, com a sua espada, cortou a orelha de Malco. Muitas brigas, contendas e disputas no lar, na igreja e na sociedade acontecem porque buscamos defender a nós

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mesmos quando somos atingidos, em vez de orar. A oração não apenas desestabiliza e desarticula o poder do mal contra nós, mas também aciona o poder do céu em nossa defesa. Quando cuidamos das coisas de Deus, ele cuida das nossas coisas. Quando cuidamos do nosso relacionamento com Deus, ele cuida da nossa reputação.

Além de não defender seu ministério, Jesus não tocou trombetas para propagar suas gloriosas experiências. Sua espiritualidade não era autoglorificante. Vejamos como Mateus registra esse fato: "E, descendo eles do monte, ordenou-lhes Jesus: A ninguém conteis a visão, até que o Filho do Homem ressuscite dentre os mortos" (Mateus 17.9). A espiritualidade que faz propaganda de seus feitos, que alardeia suas experiências e enaltece a si mesma é doentia. Os fariseus gostavam de tocar trombetas para alardear suas virtudes. Eles aplaudiam a si mesmos. Colocando-se no pedestal, faziam a si mesmos os maiores encômios e elogios. Não se contentavam apenas em anunciar suas virtudes, mas tinham um prazer mórbido de denunciar os pecados dos outros. Jesus os confrontou com firmeza. Mostrou a falsidade da sua espiritualidade. A humildade deve ser a marca registrada da verdadeira espiritualidade. Quem tece elogios a si mesmo revela uma espiritualidade trôpega. Quem busca o aplauso dos homens ou tenta impressionar as pessoas com a sua espiritualidade precisa usar máscaras para esconder a sua glória desvanecente.

2. A espiritualidade+ de Jesus é marcada pela obediência ao Pai

A obediência absoluta e espontânea ao Pai foi o apanágio da vida de Jesus. Na economia da redenção, ele se dispôs a abrir mão da sua glória, tornando-se homem e sujeitando-se aos desígnios soberanos do Pai.

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No conselho da Trindade, Jesus ofereceu-se para vir ao mundo e dar sua vida em resgate daqueles a quem o Pai escolhera antes da fundação do mundo. Jesus veio ao mundo para morrer. A cruz foi o alvo que esteve sempre diante dos seus olhos. Nada demoveu Jesus do caminho do calvário. A cruz para ele não foi um acidente, uma surpresa. Ele não morreu como um mártir. Ele declarou: " [a minha vida] ninguém a tira de mim: pelo contrário, eu espontaneamente a dou". Jesus foi para a cruz a fim de cumprir um propósito eterno do Pai. Jesus morreu porque o Pai o entregou por amor. Deus não poupou o seu próprio Filho: antes, por todos nós o entregou. Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. Não havia outro caminho possível para a nossa salvação, senão a cruz de Cristo. Fora da cruz de Cristo, não há esperança para o homem.

Portanto, ao vir ao mundo, Jesus veio como enviado do Pai, para morrer em nosso lugar e em nosso favor. Essa foi sua missão. Moisés e Elias, representantes da lei e dos pro-fetas, apareceram no monte da transfiguração, conversando com Jesus sobre sua partida para Jerusalém que estava prestes a cumprir-se (Lucas 9.30, 31), ou seja, falavam sobre sua morte na cruz. A palavra usada neste texto para partida é êxodos. O êxodo foi a libertação do povo de Israel do cativeiro egípcio. Com o seu êxodo, Jesus nos libertou do cativeiro do pecado. Sua morte nos trouxe vida. Pelas suas pisaduras fomos sarados. O êxodo de Jesus para Jerusalém, para o calvário, para a cruz, foi a pauta da reunião no monte da transfiguração. Jesus não fugiu do assunto. Ele não mudou a conversa. Não alterou seus planos nem sua agenda. Submeteu-se inteiramente ao propósito eterno do Pai. Logo que desceram do monte, Jesus libertou o menino possesso e, diante do espanto e entusiasmo de todos com o seu extraordinário poder, disse para os seus discípulos: "Fixai nos vossos ouvidos as seguintes palavras: o Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens" (Lucas 9-44).

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Jesus está determinado a cumprir cabalmente a sua missão. Ele caminha na direção do calvário. Ele não foge da cruz. Sabe o que vai acontecer. Conhece o que está sendo tramado contra ele nas caladas da noite. Tem consciência da orquestração que os homens maus, mancomunados, estão fazendo para condená-lo à morte. Ele conhece a avareza de Judas, a inveja dos sacerdotes, a covardia de Pilatos, a volubilidade da multidão, a frieza dos soldados romanos. Mesmo sabendo que sua hora estava chegando, que o caminho para a cruz se afunilava, ele não recuou. Pelo contrário, Lucas registra: "E aconteceu que, ao se completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou, no semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém" (Lucas 9.51).

Jesus caminha para a cruz como um rei caminha para a coroação. Antes de ser levantada no topo do Gólgota, a cruz foi cravada no coração de Jesus e podia ser vista no seu próprio semblante. Até mesmo os samaritanos conseguiram discernir a intrépida e resoluta decisão de Jesus de ir para Jerusalém (Lucas 9.53). Quando Jesus chegou a Jerusalém, estabeleceu um memorial, a Santa Ceia, para que a igreja relembrasse a sua morte até a sua segunda vinda (Lucas 22.19, 20). Ao descer ao Vale do Cedrom, no sopé do Monte das Oliveiras, no Jardim do Getsêmani, Jesus travou uma batalha de sangrento suor. E qual foi o propósito daquela profunda angústia de Jesus? Fazer a vontade do Pai (Lucas 22.39-46)!

A espiritualidade de Jesus foi timbrada pela obediência ao Pai. Ele andou em sintonia com a vontade do Pai. Quando estava para entregar-se como sacrifício pelos nossos pecados na cruz, orou ao Pai, dizendo: "Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer" (João 17.4). Agora, deitado no leito vertical da morte, suspenso entre a

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terra e o céu, bradou com triunfo: "Está consumado! E, in-clinando a cabeça, rendeu o espírito" (João 19.30).

Hoje muitas pessoas desenvolvem uma espiritualidade mística, carismática, mas sem obediência. São fervorosas no culto, mas desonestas nos negócios. Moralistas na igreja, mas carnais em casa. Carismáticas na liturgia, mas contraditórias na ética. Têm carisma, mas lhes falta caráter. Têm dons, mas não têm o fruto do Espírito.

Quando Jesus concluiu o sermão do monte, alertou para o perigo de uma religiosidade fervorosa, porém divorciada da obediência: "Muitos, naquele dia, hão de dizer: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci! Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade" (Mateus 7.22, 23). Essas pessoas tinham ortodoxia: chamaram Jesus de Senhor. Eram fervorosas: exclamaram Senhor, Senhor! Eram carismáticas: tinham dons extraordinários, profetizavam e operavam milagres. Eram exorcistas: expeliam demônios. Faziam tudo isso em nome de Jesus: mas, ao mesmo tempo, praticavam a iniqüidade (Mateus 7.23). Por isso, não eram conhecidas pelo Senhor e precisavam apartar-se para sempre da sua presença (Mateus 7.23).

Deus requer do seu povo obediência. Quem pode rebelar-se contra o Todo-poderoso e prevalecer? Quem pode insurgir-se contra a Palavra do Deus vivo e ainda ficar de pé no dia do juízo? Ou obedeceremos a Deus para viver em glória com ele, ou seremos banidos para sempre da sua presença (2 Tessalonicenses 1.7-10).

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3. A espiritualidade de Jesus é marcada por poder para desbaratar as forças do inferno

O ministério de Jesus foi profundamente comprometido com a libertação dos cativos (Lucas 4.18). Ao mesmo tempo que Jesus é o libertador dos homens, também é o atormenta-dor dos demônios. Ele andou por toda a parte libertando os oprimidos do diabo (Atos 10.38). Diante dele os demônios devem prostrar-se, calar-se e depois bater em retirada. Os demônios jamais puderam resistir à autoridade de Jesus.

Jesus disse à casta de demônios que atormentava aquele menino: "Sai... e nunca mais tornes a ele" (Marcos 9.25-27). O poder de Jesus é absoluto e irresistível. Ante à autoridade da sua Palavra, o diabo e suas hostes precisam baixar a crista e retirar-se, vencidos. O menino foi libertado, as algemas foram quebradas, os grilhões foram despedaçados, e a glória de Deus se manifestou onde antes só se viam os sinais da escravidão do inferno.

Tenho visto muitas pessoas escravizadas pelo poder dos demônios. Era um domingo de manhã. Eu ministrava um estudo bíblico na Escola Dominical da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, quando fui chamado às pressas para atender a uma emergência no pátio da igreja. Uma mulher chegara ali possessa, furiosa, indomável. Algumas pessoas de destacado vigor físico tentaram segurá-la. Ela se contorcia e rangia os dentes. Ao chegar à sala para onde a levaram, o demônio foi logo esbravejando: "Eu não saio daqui. Ela é minha. Eu vou destruí-la". Na autoridade do nome de Jesus, dei ordens ao espírito maligno para que se retirasse dela, e a mulher imediatamente caiu ao chão, livre, liberta, sem saber onde estava. O seu estado físico era tão crítico que a pobre não conseguia ficar de pé. Estava debaixo de um domínio opressor. Era um capacho do diabo. Mas Jesus a libertou. Há poder no nome de Jesus. Diante dele todo joelho tem de dobrar-se no céu, na terra e debaixo da terra.

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Há alguns anos, entrou em meu gabinete pastoral uma jovem aparentando uns vinte e cinco anos. Oriunda de um lar evangélico, afastou-se da igreja e não tardou para envolver-se com o espiritismo. Contou-me sobre as pertur-bações que começou a sentir depois que se enredou com práticas ocultistas. A depressão, o medo, a solidão e o sentimento avassalador de autodestruição dominavam a sua mente. Depois que ela partilhou comigo sua amarga experiência, comecei a falar-lhe da sua necessidade de voltar para Deus e da libertação que Jesus oferecia. Nesse momento, a jovem petrificou-se na minha frente, ficando imóvel como uma estátua. Tomada por entidades malignas, não conseguia ouvir a Palavra de Deus. Então, em nome de Jesus, ordenei ao espírito maligno que a deixasse. Ao ser a jovem libertada, Deus restaurou a sua mente, e ela se voltou para o Senhor.

Mesmo o poder mais violento e destruidor do inferno está sob a autoridade de Jesus. Era noite e os discípulos tinham acabado de passar por uma borrascosa tempestade no mar da Galiléia. Aportaram em Gadara, região cheia de desfiladeiros. O local era sombrio, à beira de um cemitério. De repente, apareceu um homem louco, desvairado, nu, sangrando, ferindo-se com pedras, com o semblante desfigurado, tomado de fúria. A cena era pavorosa. Ninguém ousava passar por aquele caminho. Aquele homem tinha dentro de si uma legião de demônios. Nem com cadeias ele podia ser detido. A família já havia desistido dele. Ele andava de dia e de noite gritando entre os sepulcros. Era uma ameaça à ordem social, um monstro celerado, uma horda de demônios debaixo de pele humana. Jesus vai à terra de Gadara apenas para libertar essa pobre vítima do inferno.

Ao ver Jesus, o possesso prostrou-se aos seus pés, tremendo de medo. Os demônios sentiram-se acuados e atormentados na presença de Jesus. Um fato estranho ocorre na narrativa: Os demônios pedem para Jesus não mandá-los

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para fora do país, mas para uma manada de dois mil porcos que pastavam nos arredores. Jesus atendeu ao pedido dos demônios. E por que Jesus atendeu a esse pedido? Por três razões: Primeiro, para mostrar-nos o terrível poder destruidor que estava dentro daquele homem. Aquele homem louco tinha dentro de si uma legião de demônios. Legião era um grupo de soldados romanos composto de seis mil homens. Havia uma corja infernal, composta de seis mil demônios, instalada dentro daquele homem. Sua vida se tornara um inferno existencial. Havia dentro dele um terrível poder destruidor. Segundo, para revelar a inversão de valores do povo de Gadara. Aquele povo dava mais importância aos porcos do que às pessoas. Quando os gadarenos viram o homem liberto e os porcos mortos, expulsaram Jesus da região. Eles amavam mais os porcos do que a Deus. Amavam mais os porcos do que os homens, mais as riquezas do que as pes-soas. Terceiro, para demonstrar que os demônios também estão debaixo da sua autoridade. Os demônios foram para onde Jesus os mandou. E só foram porque Jesus assim ordenou. Eles estavam debaixo das ordens de Jesus. Diante de Jesus, até os demônios se dobram.

Para Jesus não há caso irrecuperável. Não há causa perdida. Não há cativeiro tão resistente que ele não possa estourar. Jesus fez daquele homem atormentado e escravizado pelos demônios uma pessoa livre, lúcida, restaurada, útil para a sua família e um missionário em sua terra. Antes, ele era um problema para a família: agora, deve anunciar a todos o que Deus fez por ele. Antes, uma maldição: agora, uma bênção. Jesus tirou-o das profundezas do abismo e lançou-o como portador de boas-novas de salvação. Transformou-o de um agente do inferno em um embaixador do céu.

A intervenção libertadora de Jesus na vida do menino possesso, que os apóstolos não conseguiram libertar, trouxe

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de igual modo benefícios esplêndidos: Primeiro, o menino foi curado (Lucas 9.42). Sua mente perturbada foi restaurada. Seu corpo machucado, ferido por ser tantas vezes jogado na água, no fogo e por terra, encontra descanso. Sua alma oprimida, arrastada com violência para direções opostas, foi serenada. A cura física, psicológica, emocional e espiritual raiou na vida daquela pobre criança. Em segundo lugar, o menino foi devolvido ao seu pai (Lucas 9.42). Onde o diabo domina, há desintegração da família. Ele é intruso, ladrão e opressor. Onde ele se enfia, feridas são abertas, a paz é roubada, a comunhão acaba e a harmonia da família é sacrificada. Por isso, ao curar e libertar o menino do demoníaco poder opressor, Jesus o devolveu aos braços daquele que realmente o amava e por ele sofria. A libertação de Jesus traz restauração para a família. Em terceiro lugar, a ação libertadora de Jesus estende sua abrangência para além dos limites da pessoa e da família. Diz o evangelista Lucas que "todos ficaram maravilhados" (Lucas 9.43) ao ver o me-nino liberto. A libertação do cativo e a restauração da família são um testemunho poderoso para o povo, um extraordinário impacto na sociedade. Finalmente, a ação libertadora de Jesus não apenas tem grandes reverberações na terra, mas também alcança o céu. A ação de Jesus não apenas abençoa os homens, mas também promove a glória de Deus. Lucas diz que "todos ficaram maravilhados ante a majestade de Deus" (Lucas 9.43). Na verdade, o fim último e principal da obra libertadora realizada por Jesus é a manifestação e a promoção da glória de Deus. Toda a manifestação de poder deve levar as pessoas a ficar maravilhadas com a majestade de Deus.

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A CONCLUSÃO À luz do que vimos até aqui, podemos afir mar que a

verdadeira espiritualidade tem algumas marcas distintas. Primeiro, ela é cristocêntrica (Mateus 17.5). O próprio Deus fala do céu, evidenciando que Cristo deve ser a pessoa central da nossa devoção. Segundo, ela é centralizada na cruz (Lucas 9.31). A cruz é a síntese, a essência e o conteúdo do evangelho. Terceiro, ela deságua na obediência à voz de Deus (Mateus 17.5). A voz de Deus que emanava da nuvem luminosa era: "... este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a ele ouvi". Não há verdadeira espiritualidade sem obediência a Jesus. Quarto, ela afasta o medo de Deus (Mateus 17.6, 7). Deus não está distante. Podemos ter intimidade com ele. Podemos aninhar-nos debaixo de suas asas e refugiar-nos no seu colo.

Vimos na narrativa da transfiguração as faces da espiritualidade: êxtase sem entendimento, discussão sem poder, e a espiritualidade de Jesus, timbrada pela oração, obediência e poder.

Que tipo de espiritualidade é a sua: No monte, mas sem discernimento? Uma fuga sem enfrentamento? Agarrado no sono e não na oração? No vale, mas sem poder? No meio do povo, mas sem autoridade para ajudar os aflitos? No meio da multidão, mas sem poder sobre as hostes do inferno? Discutindo grandes assuntos, com a cabeça cheia de luz, mas com o coração vazio de fogo e desprovido de autoridade espiritual?

Creio que a experiência dos discípulos que subiram com Jesus ao monte retrata claramente muitos cristãos de nossos dias. São pessoas que andam com Jesus, que estão perto de Jesus, que vêem coisas que os outros não vêem, que ouvem a voz de Deus com clareza, mas não levam uma vida intensa de

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oração. Até possuem grandes experiências sensitivas, sobem às alturas excelsas do emocionalismo, mas estão desprovidos de entendimento espiritual. Vemos hoje uma igreja que quer sentir, e não conhecer, uma igreja que quer ter arrebatamentos emocionais, não discernimento profundo.

Por outro lado, há aqueles que vivem discutindo os grandes assuntos da teologia com outros que se julgam donos da verdade, mas estão áridos como um deserto. São pessoas que sabem muito, mas não têm poder para confron-tar o diabo. Permanecem impotentes diante dos grandes desafios que a multidão apresenta.

Precisamos fugir desses dois extremos revelados pelos discípulos, quer no monte, quer no vale. Precisamos aprender com Jesus. Ele nos ensina a dar prioridade à nossa relação com Deus, a buscar intimidade com o Pai. Ele nos ensina que o caminho da obediência, mesmo que passe pela cruz, é o único que pode dar sentido à nossa vida. Aqueles que oram e obedecem a Deus são revestidos com poder para vencer o diabo.

Precisamos subir o monte para buscar a Deus com entendimento. Precisamos descer ao vale para exercer um ministério de obediência e poder, de cura e libertação. Precisamos olhar sempre para Jesus. Ele é o nosso supremo modelo. Em Cristo encontramos a face da verdadeira espiritualidade!