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2 CONTRAPONTO INOVANDO E COMPETINDO POR MEIO DA GESTˆO DE PESSOAS ' 2001, RAE - Revista de Administraçªo de Empresas / EAESP / FGV, Sªo Paulo, Brasil. RAE Light v. 8 n. 1 p. 2-7 Jan./Mar. 2001 Guilherme Rhinow Na atualidade, vÆrios fatores tŒm demonstrado a elevada importância da gestªo de pessoas nas organiza- çıes. É possível perceber o signifi- cativo aumento da quantidade de publicaçıes e estudos sobre o tema, enfocando elementos relacionados à atraçªo, à retençªo e ao desenvolvi- mento de profissionais-chave para as empresas. Paralelamente ao movimento de estudos e publicaçıes, Ø interessan- te verificar, como diretor de recur- sos humanos de uma empresa mul- tinacional, o nœmero expressivo de consultorias cujas atividades e cuja prestaçªo de serviços estªo relacio- nadas diretamente com a gestªo de pessoas, focalizando principalmen- te questıes de capacitaçªo e desen- volvimento. Apesar da repetiçªo de diversas tØcnicas cognitivas tradici- onais voltadas para o ensino em sala de aula, algumas empresas diferen- ciam-se por apresentar abordagens arrojadas de educaçªo e aprendiza- gem. Algumas trazem elementos ar- tísticos para o dia-a-dia dos execu- tivos, incluindo teatro e mœsica. Outras tŒm o enfoque voltado para artes marciais como caratŒ e kung fu, alØm de esportes como rally, tri- lhas e rafting. Antes de questionar a eficÆcia desse tipo de programa, Ø importante criar algumas bases para entender as razıes do surgimento de açıes como essas. O aumento da oferta desses serviços, juntamente com a elevaçªo do mercado potencial gerado pela receptividade das organizaçıes para a sua implementaçªo, merece uma reflexªo estruturada. Para contex- tualizar tal reflexªo, Ø importante discutir as razıes da importância da gestªo de pessoas no momento atu- al assim como os seus desdobramen- tos nas empresas. O discurso predominante nas or- ganizaçıes sobre o aprimoramento da gestªo de pessoas estÆ relaciona- do com a obtençªo de diferenciais competitivos. É evidente, na atuali- dade, a necessidade de tais diferen- ciais como uma condiçªo fundamen- tal para a sobrevivŒncia no turbulen- to mundo dos negócios. O acirra- mento da concorrŒncia, decorrente dos efeitos da globalizaçªo nas em- presas e no desenvolvimento tecno- lógico, leva as organizaçıes a pro- cessos complexos de reflexªo e identificaçªo de elementos e variÆ- veis que devem ser utilizados para ganhar competitividade nos seus mercados. Tem sido muito interessante ve- rificar o movimento das empresas nessa incessante busca. Dentre as vÆrias açıes implementadas, notam- se esforços ligados à excelŒncia ope- racional, ao desenvolvimento tecno- lógico de novos produtos e ao apri- moramento do relacionamento com clientes e mercado em geral a partir dos serviços prestados. Alguns ca- sos interessantes em indœstrias es- pecíficas podem ser observados.

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RAE Light � v. 8 � n. 1 � p. 2-7 � Jan./Mar. 2001

Guilherme Rhinow

Na atualidade, vários fatores têmdemonstrado a elevada importânciada gestão de pessoas nas organiza-ções. É possível perceber o signifi-cativo aumento da quantidade depublicações e estudos sobre o tema,enfocando elementos relacionados àatração, à retenção e ao desenvolvi-mento de profissionais-chave paraas empresas.

Paralelamente ao movimento deestudos e publicações, é interessan-te verificar, como diretor de recur-sos humanos de uma empresa mul-tinacional, o número expressivo deconsultorias cujas atividades e cujaprestação de serviços estão relacio-nadas diretamente com a gestão depessoas, focalizando principalmen-te questões de capacitação e desen-volvimento. Apesar da repetição dediversas técnicas cognitivas tradici-onais voltadas para o ensino em salade aula, algumas empresas diferen-ciam-se por apresentar abordagensarrojadas de educação e aprendiza-

gem. Algumas trazem elementos ar-tísticos para o dia-a-dia dos execu-tivos, incluindo teatro e música.Outras têm o enfoque voltado paraartes marciais como caratê e kungfu, além de esportes como rally, tri-lhas e rafting.

Antes de questionar a eficáciadesse tipo de programa, é importantecriar algumas bases para entender asrazões do surgimento de ações comoessas. O aumento da oferta dessesserviços, juntamente com a elevaçãodo mercado potencial gerado pelareceptividade das organizações paraa sua implementação, merece umareflexão estruturada. Para contex-tualizar tal reflexão, é importantediscutir as razões da importância dagestão de pessoas no momento atu-al assim como os seus desdobramen-tos nas empresas.

O discurso predominante nas or-ganizações sobre o aprimoramentoda gestão de pessoas está relaciona-do com a obtenção de diferenciais

competitivos. É evidente, na atuali-dade, a necessidade de tais diferen-ciais como uma condição fundamen-tal para a sobrevivência no turbulen-to mundo dos negócios. O acirra-mento da concorrência, decorrentedos efeitos da globalização nas em-presas e no desenvolvimento tecno-lógico, leva as organizações a pro-cessos complexos de reflexão eidentificação de elementos e variá-veis que devem ser utilizados paraganhar competitividade nos seusmercados.

Tem sido muito interessante ve-rificar o movimento das empresasnessa incessante busca. Dentre asvárias ações implementadas, notam-se esforços ligados à excelência ope-racional, ao desenvolvimento tecno-lógico de novos produtos e ao apri-moramento do relacionamento comclientes e mercado em geral a partirdos serviços prestados. Alguns ca-sos interessantes em indústrias es-pecíficas podem ser observados.

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As tradicionais empresas quími-cas, assim como as emergentes doadvento do conceito de ciências davida, sempre foram reconhecidaspelo componente científico e tecno-lógico do seu portfólio de produtos,gerado com intensos esforços depesquisa e desenvolvimento mundi-ais. Essas empresas, implementan-do movimentos de renovação e bus-ca da competitividade, têm desloca-do o seu foco de atenção para a ex-ploração de novos elos na sua ca-deia produtiva. No caso da indústriade defensivos agrícolas, novos elosda cadeia, considerados focos poten-ciais de parceria, são os distribuido-res, a produção de alimentos e, emalguns casos, o consumidor final.Além disso, nessas empresas, a com-plexidade das ofertas para os pro-dutores agrícolas tem aumentado demaneira bastante significativa, mi-grando do conceito de produtos parao de soluções. Em vez de apenasvender os produtos, estabelece-seuma aliança estratégica com o pro-dutor agrícola, cuja eficácia depen-de da compreensão da realidade docliente, da estruturação das ativida-des da empresa para atendimento dasexpectativas do cliente e também dacriação de novas necessidades paraaumentar o valor agregado no esta-belecimento da relação estratégica.

Outra indústria que tem chama-do a atenção é a de bens de consu-mo, sempre reconhecida pelo dife-rencial de competitividade baseadono desenvolvimento dos seus servi-ços e das relações com os clientes,seja pelas avançadas campanhas demarketing, seja pelos conceitos ar-rojados de supply chain e distribui-ção, que criam interfaces eficazescom os elos relevantes da sua cadeiade negócios. Isso sem esquecer dacriação dos conceitos de parceriaemergentes como os key accountmanagers, ou gerentes de grandescontas, que possibilitam o estabele-cimento de alianças estratégicascom grandes revendedores e distri-

buidores. As empresas dessa indús-tria, de maneira análoga às empre-sas de defensivos agrícolas, tambémtêm deslocado o seu foco de obten-ção de vantagens competitivas. Per-cebe-se, nas empresas do setor, oaumento do foco na inovação dos

seus produtos por meio da criaçãode centros regionais e locais de pes-quisa e desenvolvimento, para aconcepção de produtos com diferen-ciais competitivos para os seus seg-mentos-alvo com características de-correntes de variáveis e elementoslocais.

Essa revolução não se encerranesses dois casos e pode serverificada também na indústria fi-nanceira, na qual alguns bancosapresentam diferenciais de excelên-cia operacional, mas têm na quali-dade dos serviços prestados umafonte de diferenciais ao estabelecerum bom relacionamento com os seusclientes. Para a concretização des-ses diferenciais, o potencial tecno-lógico e as vantagens decorrentes doe-business aparecem como fatoresfundamentais a serem considerados,como a possibilidade de acesso aobanco no exterior � conforme a re-cente iniciativa de um banco nacio-nal, que abriu terminais eletrônicos

em outros países � ou mesmo a dis-ponibilização de avançados serviçosna Internet.

É interessante notar que a aber-tura de terminais eletrônicos no ex-terior e a disponibilização de servi-ços na Internet são facilmentereplicáveis por instituições financei-ras concorrentes. De maneira seme-lhante, os diferenciais competitivosfocados no desenvolvimento tecno-lógico de produtos e aprimoramen-to de serviços, característicos dasempresas citadas anteriormente, nãoconstituem uma vantagem competi-tiva sustentável. Fica evidente, des-sa forma, a importância do constan-te questionamento da eficácia dosdiferenciais competitivos vigentes eda formulação de hipóteses sobre asua sustentação no futuro. Esse tipode raciocínio estratégico, seguido davalidação ou deslocamento dos fo-cos de obtenção de diferenciais com-petitivos, caracteriza a aprendiza-gem da organização, instauradacomo um processo de reflexão eação contínua, o qual cria as condi-ções para a construção de um futurorepleto de oportunidades e conquis-tas para a empresa.

A valorização da aprendizagemdecorre da conscientização da co-munidade empresarial sobre umaafirmação capaz de gerar insightsnas suas ações estratégicas: �a ca-pacidade de aprender antes dos con-correntes tende a ser a única vanta-gem competitiva sustentável para asorganizações no momento atual�(Senge, 1990, 1994). Decorrente daspesquisas do MIT e publicada nostrabalhos de Peter Senge, essa cons-tatação torna-se bastante valiosa,uma vez que a réplica de diferenci-ais competitivos aparece como umaameaça extremamente preocupante.

Essa conscientização reforçou aspesquisas sobre questões de apren-dizagem dos indivíduos e das orga-nizações. Tais estudos alimentarama prática organizacional e, ao longodos últimos cinco anos, tem sido

Ora, quando ficaevidente a

necessidade deaprendizado

organizacional, o focode gestão estratégica

das empresasdesloca-se para as

pessoas, consideradasa fonte de

aprendizado nasorganizações.

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possível identificar, em várias em-presas, menções ao conceito deaprendizagem nas suas diretrizesestratégicas, como conteúdos de vi-são e missão organizacionais. Aidentificação de definições concre-tas em planos de implementação ediretrizes de atuação em gestão doconhecimento ou mesmo recursoshumanos, entretanto, torna-se maisescassa. Vista ainda como um con-ceito abstrato para muitas empresas,a sua tradução em ações concretastorna-se um grande desafio para pes-quisadores e consultores orientadospara esse poderoso campo de estu-dos, viabilizando que a aprendiza-gem passe a fazer parte do cotidia-no das organizações, nas suas práti-cas, nos seus instrumentos e no com-portamento das pessoas.

Ora, quando fica evidente a ne-cessidade de aprendizado organiza-cional, o foco de gestão estratégicadas empresas desloca-se para as pes-soas, consideradas a fonte de apren-dizado nas organizações. Dessa for-ma, as pessoas aparecem como umfator de alta relevância para a com-petitividade e, conseqüentemente,devem ser gerenciadas de forma bas-tante cuidadosa. Não é por acaso queas questões de atração e retenção detalentos têm aparecido com tantafreqüência em reportagens de desta-que em revistas de negócios no Bra-sil. É uma verdadeira guerra pelostalentos das pessoas entre as empre-sas e, nessa batalha, os perdedoresreduzem significativamente as suaschances de permanência nos merca-dos competitivos atuais.

A análise desse movimento de-monstra a valorização dos ele-mentos do contexto interno das em-presas. O foco de competitividadea ser estabelecido, baseado ante-riormente no posicionamento domercado e no atendimento de gru-pos de clientes, passa a ocupar re-levante papel na reflexão sobre ascapacidades da organização para oalcance de vantagens competitivas.

As core competences propostas porPrahalad e Hamel (1990,1995) for-necem subsídios bastante ricos paraas organizações refletirem estrate-gicamente sobre as suas potencia-lidades internas que viabilizam oalcance de resultados diferenciadosno mercado.

Essas potencialidades internas,refletidas pelas competências da or-ganização, produzem um impactodireto no desenvolvimento das com-petências das pessoas. Dessa forma,podem ser observados, em váriasempresas, processos avançados dediagnóstico de competências daspessoas assim como exercícios sis-temáticos de formulação e imple-mentação de ações de desenvolvi-mento. A tradicional avaliação dosprofissionais pelos seus respectivosgerentes é substituída por sistemasarrojados de avaliação realizada nahorizontal, utilizando pares e clien-tes, bem como, em outros casos, uti-lizando também a dimensão da equi-pe para configurar os processos de-nominados �avaliação 360°�. A in-formática tem facilitado esse apri-moramento ao possibilitar a avalia-ção de profissionais localizados emdiferentes países, mas que, pelo seuefetivo relacionamento em determi-nada atividade ou processo, devemter participação no mesmo processode avaliação.

Outra característica relevante dainformática consiste na viabilizaçãode uma premissa fundamental paraesse tipo de processo: a confiden-cialidade. Essa condição é funda-mental para que as pessoas se sin-tam à vontade para expressar a suaverdadeira opinião em relação àperformance de outros profissionais.Os sistemas informatizados possibi-litam a inserção e consolidação dosdados de avaliação com confiden-cialidade, inclusive para a área derecursos humanos. O resultado écomposto pela média das avaliaçõesaplicadas por todos os avaliadores,sem distinção individual, deixando

os avaliadores à vontade para ex-pressar a sua verdadeira opinião.

As ferramentas implementadastrazem outro grande benefício: cri-am condições efetivas para a iden-tificação de demandas pelo desen-volvimento de competências dosprofissionais. O exercício sistemá-tico de avaliação, contando com di-versas dimensões como pares, cli-entes e equipe, além dos tradicionaisgerentes, leva a uma percepção con-sistente do conjunto de conhecimen-tos, habilidades e atitudes que pre-cisam ser desenvolvidos.

Paralelamente ao diagnósticoavançado de necessidades de capa-citação, pode ser percebido umavanço nas ações de suprimento des-sas demandas. Evoluindo das tradi-cionais ações de treinamento e de-senvolvimento, as empresas come-çam a implementar �universidadescorporativas�, concebendo açõesintegradas e altamente coerentescom as diretrizes organizacionais.

Essas universidades já aparecemno Brasil com bastante freqüência,tendo sido implementadas em algu-mas empresas como BankBoston,Grupo Accor, Orbitall e Novartis,entre outras. Um dos elementos im-portantes dessas universidades con-siste na evolução das ações de trei-namento e desenvolvimento comoum centro de custos para um centrode resultados. Além disso, diversasações de capacitação extrapolam oslimites do público interno da orga-nização e passam a alcançar clien-tes e fornecedores, atingindo, assim,diversos elos da cadeia de negóciosna qual a empresa está inserida.

Esses processos formatam combastante eficácia o processo de de-senvolvimento das pessoas, criandocondições para que, de maneira bas-tante eficaz, sejam mapeadas as de-mandas por desenvolvimento e trei-namento dos profissionais.

Diante das contingências do mo-mento atual, as ações a serem im-plementadas para o suprimento des-

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sas necessidades devem ser bastan-te abrangentes e diversas, atenden-do às demandas complexas dos pro-fissionais e das empresas. Tendo emvista esses desafios, alguns pontosdevem ser destacados no que dizrespeito à eficácia das ações. Emprimeiro lugar, a falência do mode-lo cognitivo utilizado em aulasexpositivas, palestras e leituras, sejaem sala de aula, seja em ambienteeletrônico, como única alternativapara a capacitação dos profissionais.A partir dessa constatação, começaa aparecer, no mercado, uma quanti-dade significativa de empresas pres-tando serviços de consultoria com autilização de técnicas de desenvol-vimento focadas em artes, esportes eoutras vivências, visando à transfe-rência de conhecimentos, incremen-to de habilidades ou modificação deatitudes dos profissionais.

Entre as ações concebidas e im-plementadas por organizações arro-jadas nas suas práticas de capacita-ção e desenvolvimento dos seus pro-fissionais, podem ser identificadasa utilização de desafios ao ar livre,artes marciais e teatro como formade desenvolvimento de competênci-as requeridas para o desenvolvimen-to profissional.

Alguns consultores e pesquisa-dores começam a analisar esse tipode questão. O evento denominado�Café do Conhecimento�, iniciativadesenvolvida pela Idea Consultoriapara dirigentes de empresas e exe-cutivos estratégicos de recursos hu-manos, tem estimulado a reflexãosobre essas ações desenvolvidas pe-las empresas. Após promover a dis-cussão sobre técnicas de storytelling e utilização de artes marci-ais para aumentar a eficácia dos exe-cutivos no ambiente de trabalho,planejou como próximo evento umadiscussão sobre teatro.

Curioso em relação à expressãodessa tendência, resolvi entrevistaralguns profissionais que estão pres-tando esse tipo de serviço para as

organizações. Foram entrevistadosprofissionais de empresas de consul-toria que estruturaram programas dedesenvolvimento focados em artesmarciais assim como experiênciasvivenciais e esportivas ao ar livre e,por fim, não foram esquecidos osprofissionais que têm levado o tea-tro para as organizações como umaforma de desenvolvimento das pes-soas e da empresa.

Por meio de entrevistas, foi pos-sível reunir um conjunto bastanterico de informações sobre as condi-ções necessárias para a realizaçãodos programas, assim como sobre osresultados atingidos e os obstáculosa serem superados. A análise dosresultados das entrevistas demons-trou a existência de duas instânciasprincipais relacionadas com os tra-balhos de desenvolvimento nas em-presas: os indivíduos e os grupos.

Os elementos dos programas re-lacionados com o desenvolvimentodos indivíduos dizem respeito sobre-tudo ao alcance do bem-estar pes-soal, pelo equilíbrio entre as carac-terísticas do profissional, no que serefere ao nível de complexidade dotrabalho, e os desafios encontrados.Quando questionados sobre compe-tências a serem desenvolvidas pelosprofissionais, os consultores entre-vistados mencionaram, com umafreqüência significativa, a questãoda orientação para o autodesenvol-

vimento, autoconhecimento e esta-belecimento efetivo de relações in-terpessoais.

É possível notar, por meio dosprogramas implementados, evidên-cias de que as empresas estão bus-cando cada vez mais condições paraque os profissionais estejam bemconsigo mesmos. Dessa forma, di-ante de situações cada vez maiscomplexas, decorrentes da elevaçãodas pressões externas pela competi-tividade da empresa e do alcanceincessante de resultados, o equilí-brio do profissional, obtido com oautoconhecimento e autodesenvolvi-mento gradativo, caracteriza-se comoum fator fundamental para a obten-ção do sucesso pessoal e profissio-nal. Esse equilíbrio cria também ascondições para que as relações esta-belecidas no ambiente de trabalhosejam mais produtivas e eficazes.

Os programas de desenvolvimen-to focados em artes marciais, porexemplo, buscam o equilíbrio pormeio da identificação do eixo decada um dos profissionais. Utilizan-do a busca da expressão autênticade cada uma das pessoas, as artesmarciais recriam valores culturaispor meio de movimentos do corpo,configurando sinais de combate,defesa e interação humana. Na em-presa, essa busca significa desenvol-vimento de capacidades, habilidadese sabedoria, visando a criar as con-dições físicas e psicológicas paralidar com os desafios presentes notrabalho diário. O gerenciamentoeficaz dos desafios encontrados éresultante da compatibilização entrea energia utilizada e os resultadosalcançados, ou seja, despender osesforços físicos e psicológicos ne-cessários para tornar efetivas asações, de acordo com a sua comple-xidade.

Outro elemento relevante dessetipo de programa consiste na supe-ração de limites. A recriação de va-lores culturais, por meio de movi-mentos e seqüências, demonstra que

As pessoas aparecemcomo um fator de

alta relevância paraa competitividade e,conseqüentemente,

devem sergerenciadas deforma bastante

cuidadosa.

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grande parte do seu potencial podeencontrar-se adormecida e sem uti-lização efetiva no dia-a-dia. Ao per-ceberem-se capazes de realizar mo-vimentos que até então pareciamdifíceis ou mesmo impossíveis, co-meçam a questionar a impossibili-dade de superar os limites e barrei-ras que são impostos para as suasconquistas e desafios.

A integração entre o equilíbrio ea superação de limites pode ser ob-servada na análise etimológica dotermo �artes marciais�. Derivada dolatim ars, �arte� significa �criação�,�imaginação� e mesmo �adaptação�.Paralelamente, o termo �marcial�remete a guerra e deriva de Marte,nome romano do deus Ares, consi-derado o Deus da Guerra na mitolo-gia grega. De acordo com informa-ções encontradas em um dos progra-mas de artes marciais, a guerra re-presentada por esse deus correspon-de à guerra interior, também conhe-cida como �guerra maior�. É a guer-ra que as pessoas travam consigomesmas para atingir a sua própriaidentidade e, a partir desta, superaros seus limites.

A superação de limites tambémpode ser verificada nos programasvivenciais ao ar livre, cada vez maisutilizados pelas empresas em hotéise até mesmo em ambientes hostiscomo florestas e rios. Colocadas di-ante de situações de risco modera-do, como escalar uma montanha,subir em árvores ou construir em-barcações para atravessar rios, aspessoas refletem sobre os seus limi-tes assim como questionam as ma-neiras pelas quais abordam os seusproblemas. Nesse tipo de dinâmica,a segunda instância verificada nasentrevistas � os grupos � começa adefinir-se com maior precisão. Comos desafios propostos, sobressai aimportância do papel do grupo parao alcance dos objetivos e a obten-ção do sucesso. Nesse caso, além doautoconhecimento individual, no-tam-se também os pontos fortes e as

limitações de cada um dos integran-tes da equipe, visando a potencia-lizar os talentos e as competênciasdisponíveis para atingir os objetivosdefinidos.

O questionamento das relaçõesestabelecidas pelas pessoas, nessetipo de trabalho de desenvolvimen-to, não se limita simplesmente aosrelacionamentos internos na organi-zação mas também às interaçõesexternas, com outros profissionaisda mesma cadeia de negócios, comoclientes, fornecedores, além de re-presentantes de outras entidades re-levantes para a cadeia identificada.

A união de forças para a obten-ção do objetivo comum é bastanteexplorada pelos trabalhos de teatroinseridos nas organizações. Essaatitude de vanguarda pode trazerdois tipos básicos de benefícios:conceitual e processual. Os bene-fícios de natureza conceitual cor-respondem à conscientização dosprofissionais sobre um conteúdorelevante para aquele grupo profis-sional como higiene e segurança notrabalho, qualidade de vida e mes-mo prevenção de doenças como al-coolismo e Aids. O segundo tipo debenefício está mais focado no pro-cesso de trabalho, e por meio deleos profissionais percebem a

potencialidade das equipes coesase sinérgicas para a potencializaçãodos resultados a serem atingidos.Os métodos dos grupos de teatro deimproviso, como o �playbacktheatre�, pelo qual histórias da pla-téia são improvisadas com bastanterapidez (em apenas alguns minutos),mostram para os espectadores o po-tencial que um grupo tem para atin-gir resultados quando apresenta ca-racterísticas de sinergia resultantesdo conhecimento mútuo e respeitopor cada um dos integrantes.

Diante da análise dos resultadosde tais técnicas, a exploração efeti-va das duas instâncias � indivíduo egrupo �, no que diz respeito às bar-reiras encontradas e à criação decondições para a maximização dosresultados dos trabalhos, verifica-seo aparecimento de uma terceira ins-tância, citada por grande parte dosconsultores e especialistas comouma condição-chave para o sucessodos trabalhos mencionados. É a ins-tância organizacional, definida porPeter Senge (1994) como infra-es-trutura organizacional, caracteriza-da pelo conjunto de estratégias, prá-ticas e instrumentos da empresa,delineadores e, ao mesmo tempo,reflexo da cultura de cada uma dasorganizações.

Fica evidente que o bem-estar eequilíbrio individual, paralelamen-te à expansão grupal dos benefíciosatingidos, não são suficientes parao alcance e a manutenção dessesbenefícios se não forem trabalhadasalgumas variáveis organizacionais.A criação de uma cultura de apren-dizagem, maximizando os benefíci-os individuais e grupais, depende darevisão dos sistemas e instrumentosde gestão vigentes, de forma quepossam ser perpetuados na organi-zação os comportamentos e os sen-timentos positivos vivenciados aolongo dos programas.

Um outro ponto relevante a sersalientado corresponde ao caráterestrutural desse tipo de ação. Por

É uma verdadeiraguerra pelos talentosdas pessoas entre asempresas e, nessa

batalha, osperdedores reduzemsignificativamente as

suas chances depermanência nos

mercadoscompetitivos atuais.

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INOVANDO E COMPETINDO POR MEIO DA GESTÃO DE PESSOAS

Guilherme Rhinow é Mestre emAdministração de Empresas pela

Faculdade de Economia e Administração(USP) e Diretor de Recursos Humanos

da Novartis Agribusiness.E-mail: [email protected]

serem consideradas �alternativas�em relação às técnicas tradicionaisde treinamento e desenvolvimento,a sua aplicação pontual pode nãogerar os resultados pretendidos porfalta de sustentação. Surge comosolução, portanto, a estruturação ea implementação de ações de maiorenvergadura envolvendo um grupomais amplo de profissionais dentroda organização. Esse grupo, a partirda sinergia efetiva e união de esfor-ços, tem maiores chances de promo-ver mudanças significativas no con-texto de trabalho.

A questão estrutural citada reme-te a outro ponto relevante salienta-do por um dos consultores, que cor-responde à necessidade de envolvi-mento e comprometimento da altadireção em um processo como esse.Os benefícios de um programa dedesenvolvimento podem ser perdi-dos se não houver o apoio dos diri-gentes da organização. Além da for-ça do grupo, é fundamental o apoioda alta direção.

Não obstante, o envolvimento daalta direção deve ser também muitobem planejado, uma vez que podediminuir o real aproveitamento doprograma, dificultando o desenvol-vimento de determinadas habilida-des e atitudes para transformar-seem um ritual burocrático de supostaunião e sinergia.

O momento do envolvimento daalta direção, entretanto, aparececomo um argumento diverso na opi-nião dos consultores entrevistados.Um dos profissionais salientou quesempre recomenda a participaçãoefetiva de toda a direção, sem a qualo programa dificilmente quebrará asbarreiras instaladas. Significa dizer,na opinião do entrevistado, que abarreira deve ser quebrada no pri-meiro momento. É uma prática in-teressante de algumas consultorias,inclusive, promover um contato pré-vio do consultor que fará o trabalhona organização com os dirigentes,por meio de entrevistas individuais,

para se fazer um diagnóstico que,além de mapear as forças políticasfavoráveis e contrárias ao processode mudança, tem como objetivo ini-ciar a venda do tipo de trabalho queserá realizado para uma das poten-ciais fontes de resistência mais sig-nificativa.

O contato realizado com as em-presas de consultoria e os profissio-nais foi bastante rico e demonstroua diversidade de opções disponíveisno mercado para alinhar o perfil dosprofissionais da empresa com osdesafios impostos pelo momentoatual. O objetivo deste artigo, entre-tanto, não se limitou ao simplesmapeamento de consultores e iden-tificação de ações de capacitação edesenvolvimento disponibilizadaspor esses profissionais. A análisedas entrevistas permitiu o questio-namento dos resultados e benefíci-os desse tipo de ação para as em-presas, assim como demonstrou anecessidade de repensar a abrangên-cia e o foco do trabalho dos consul-tores para a criação de processosconsistentes de aprendizagem orga-nizacional.

A proposição da instância orga-nizacional, adicionada às dimensõesindividual e grupal indicadas pelosentrevistados, constitui um elemen-to fundamental para a verificação daeficácia e sustentação dos resulta-dos das ações de capacitação e de-senvolvimento nas empresas. Essasações, �tradicionais� ou �alternati-vas�, não devem ser concebidascomo esforços pontuais para aten-der a demandas específicas de indi-víduos ou grupos. A sua efetivação,gerando movimentos concretos deaprendizagem, depende da integra-ção das ações às práticas e aos ins-trumentos de gestão de pessoas vi-gentes nas empresas, bem como ali-nhamento às suas diretrizes estraté-gicas e aos seus padrões culturais.

A responsabilidade pela criaçãoe sustentação da aprendizagem or-ganizacional, fundamental para ala-

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

vancar a competitividade das empre-sas, deve ser compartilhada por con-sultores, na proposição do formatodas ações, e profissionais de recur-sos humanos, responsáveis pela de-limitação da demanda e aplicaçãoao contexto organizacional. Dianteda complexidade da relação estabe-lecida, a abordagem de intervençãodos consultores deve ser repensa-da, assim como o processo de iden-tificação do melhor profissionalpara atuar como prestador de ser-viços na organização. Paralelamen-te, torna-se fundamental a revisãodo perfil dos profissionais de recur-sos humanos para, a partir de umapercepção ampla das característicasdo negócio e do estágio de desen-volvimento da organização, tradu-zir as variáveis relevantes relacio-nadas a estratégias, padrões cultu-rais e sistemas de gestão vigentespara modelar efetivamente a atua-ção dos consultores. m

RAE Light � v. 8 � n. 1 � Jan./Mar. 2001