inovação e criação coletiva

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Criação Coletiva, Patrimônio Intelectual e Inovação Beatriz Cintra Martins Grupo de Pesquisa "Tecnologias, Culturas, Práticas Interativas e Inovação em Saúde“, Fiocruz Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA/USP.

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Palestra na Gestec Fiocruz em 01/09/2011

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Page 1: Inovação e criação coletiva

Criação Coletiva, Patrimônio Intelectual e Inovação

Beatriz Cintra Martins

Grupo de Pesquisa "Tecnologias, Culturas, Práticas Interativas e Inovação em Saúde“, Fiocruz

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA/USP.

Page 2: Inovação e criação coletiva

O que é o processo criativo?

A invenção de um gênio criador

ou

Resultado da atividade social

Page 3: Inovação e criação coletiva

O que é um autor?

A pergunta de Foucault ao refletir sobre a natureza histórica da autoria

Sua configuração varia na história: Na Idade Média, os discursos médicos tinham

que ser atribuídos a alguém para terem valor: “Hipócrates disse...”

E os textos literários circulavam sem que fosse preciso definir sua autoria

Já nos séculos XVII/XVIII, a situação se inverte

Page 4: Inovação e criação coletiva

A função autor

O autor é aquilo que faz o discurso convergir, que lhe dá unidade e coerência

Para além de uma atribuição pessoal, a autoria desempenha um papel na circulação dos discursos em uma dada sociedade

Page 5: Inovação e criação coletiva

Autoria na Antiguidade

Quem é o autor de Ilíada e de Odisséia?

Homero ou o coletivo da cultura oral?

Um processo autoral fluido e anônimo

O texto pertence a todos e a ninguém

Page 6: Inovação e criação coletiva

Autoria na Antiguidade

Cada declamador era ao mesmo tempo um repetidor de poemas

Nenhuma performance era igual a outra e a invenção era parte da apresentação

Uma transcendência, a inspiração das Musas, era a fonte da criação

Page 7: Inovação e criação coletiva

Autoria medieval

Uma escrita interativa, através dos comentários nas margens dos manuscritos

Uma autoridade coletiva avalizava a produção: a Auctoritas

Page 8: Inovação e criação coletiva

Autoria medieval

“Um homem pode escrever trabalhos alheios, sem acrescentar ou mudar nada, neste caso ele é simplesmente chamado de “copista” (scriptor). Outro escreve trabalhos alheios com adições que não são suas; e ele é chamado de “compilador” (compilator). Outro escreve tanto trabalhos alheios como o seu, mas com os trabalhos alheios em primeiro plano, adicionando o seu próprio a título de explanação; e ele é chamado de “comentador” (comentator)... Outro escreve tanto o seu trabalho como os alheios, mas com o seu em primeiro plano adicionando outros a título de confirmação; e este homem pode ser chamado de “autor” (auctor)”.

São Boaventura, século XIII

Page 9: Inovação e criação coletiva

Autoria medieval

A escrita era um exercício coletivo de hermenêutica

Anônimo Deus era a fonte

suprema de inspiração, o verdadeiro autor

A produção não tinha um caráter privado

Page 10: Inovação e criação coletiva

A Modernidade

A era do projeto do sujeito autônomo:

A noção cartesiana de sujeito

A Reforma Protestante

O Humanismo Renascentista

O Iluminismo

Page 11: Inovação e criação coletiva

A Modernidade

O conhecimento passa a circular em torno do sujeito

Os empirismo inglês Kant e a crítica da razão O ser humano adquire autonomia para

criar e saber por sua própria conta A noção de autor como um criador

individual é fortalecida

Page 12: Inovação e criação coletiva

O Romantismo

O autor deixa de ser um artesão admirado por sua capacidade de imitação (mimésis)

Passa a ser valorizado por suas habilidades subjetivas

A capacidade de criar algo único e original Surge o gênio criador Cujo talento único deve ser recompensado

monetariamente – o direito autoral

Page 13: Inovação e criação coletiva

O autor em dissolução

A autonomia autoral é posta em questão:

Barthes e a morte do autor: “o texto é um tecido oriundo de mil focos da cultura”

Foucault e a historicidade da autoria, a função autor

Page 14: Inovação e criação coletiva

Historicidade da autoria

O processo autoral varia através do tempo:

As maneiras como as obras são validadas

Autoria atribuída ou não Individual ou coletiva Nomeada ou anônima

Page 15: Inovação e criação coletiva

O contexto das redes

Configuração de um novo tipo de espaço, que interliga de modo original o espaço público e o espaço privado.

Cognição compartilhada pelo acesso a uma memória de todos.

A velocidade tecnológica possibilita conexões cada vez mais amplas e mais rápidas, multiplicando geometricamente o potencial cognitivo.

Page 16: Inovação e criação coletiva

O contexto das redes

Outra dimensão perceptiva e cognitiva

Alta conectividade Velocidade Favorecimento das

estratégias colaborativas

Page 17: Inovação e criação coletiva

O contexto das redes

“Qualquer um que esteja on-line é, de fato, parte de um hipertexto mundial. [...] A mente elétrica é verdadeiramente pós-escrita no sentido que pode dar-se ao luxo de conhecer sobre si própria e sobre a mente escrita, ela pode combinar o privado e o coletivo em uma única entidade, a conectiva, sem ameaçar uma à outra.” (De Kerckhove, 2003, p. 9)

Page 18: Inovação e criação coletiva

O contexto das redes

As redes colocam em contato atores sociais que permaneceriam isolados

Tornando possível a articulação de redes sociais de cooperação produtiva

No capitalismo contemporâneo, baseado no conhecimento e na inovação, a produção se dá em fluxo e em rede

Page 19: Inovação e criação coletiva

Um exemplo de criação coletiva em rede: Linux

Em 1991, Linus Torvalds, estudante finlandês de computação, por hobby, decidiu criar o núcleo de um sistema operacional (kernel)

Depois de trabalhar algum tempo no projeto, postou uma mensagem na rede Usenet:

Page 20: Inovação e criação coletiva

Linux

Você sente saudade dos bons dias do minix-1.1, quando homens eram homens e escreviam seus próprios device drivers?

Você está sem um bom projeto e morrendo de vontade de colocar as mãos em um sistema operacional o qual possa modificar de acordo com suas necessidades?

Você acha frustante quando tudo funciona bem no Minix? Sem mais noites em claro para fazer com que um programa funcione? Então esta mensagem pode ser exatamente para você. :-)

Page 21: Inovação e criação coletiva

Linux

Programadores de vários cantos do mundo atenderam ao chamado de Torvalds

Ainda em 1991 é lançada a primeira versão do programa

Linux adota a licença GPL – General Public License

Page 22: Inovação e criação coletiva

GPL

Idealizada por Richard Stallman como uma forma de garantir a liberdade do código (Software Livre):

de rodar o programa com o propósito que quiser;

de estudar o código fonte e modificá-lo para que faça o que você quiser;(para isso o código deve ser aberto)

de copiar o programa e distribuir as cópias quando quiser;

de publicar ou distribuir uma versão modificada quando quiser. (com o código também aberto)

Page 23: Inovação e criação coletiva

GPL

Restrições da GPL:

Toda a nova versão ou versão derivada deve respeitar as mesmas liberdades, ou seja, o código deve permanecer aberto

É proibida a apropriação do código para projetos de software proprietário (fechado)

Page 24: Inovação e criação coletiva

Creative Commons

Licença inspirada na GPL, mais adaptada às diversas obras intelectuais

E com variações para as mais diversas opções ou necessidades de proteção

Page 25: Inovação e criação coletiva

Creative Commons

No lugar da lógica do copyright – Todos os direitos reservados

A flexibilidade de – Alguns direitos reservados

Page 26: Inovação e criação coletiva

Creative Commons

Atribuição Uso não comercial Não a obras

derivadas Compartilhamento

pela mesma licença

Permissão de cópias

Page 27: Inovação e criação coletiva

Linux

Permanecendo sempre aberto, o sistema operacional Linux pôde receber contribuições de milhares de desenvolvedores ao redor do mundo

Com isso, se tornou o sistema operacional mais estável e portável

Page 28: Inovação e criação coletiva

Linux

Está presente atualmente nos mais diversos tipos de dispositivos:

Computadores Celulares Televisão Eletrônicos em geral

Page 29: Inovação e criação coletiva

Linux

Por sua estabilidade e segurança roda em:

75% das bolsas de valores mundiais 95% dos supercomputadores Em servidores da internet

Page 30: Inovação e criação coletiva

Empresas que usam Linux

Page 31: Inovação e criação coletiva

Linux

O projeto é coordenado atualmente por Linus Torvalds e pela Linux Foundation

Empresas como a IBM, a HP e Hitachi também investem no aperfeiçoamento do programa

A IBM, por exemplo, gastou um bilhão de dólares em 1999 para aprimorar e divulgar o Linux

A cada três meses é lançada uma nova versão

Page 32: Inovação e criação coletiva

Linux e Commons

Caso do Linux é um exemplo paradigmático do conhecimento tratado como commons

Cada evolução ou aperfeiçoamento do programa são disponibilizados para toda a comunidade

Desta forma, incentiva-se a inovação

Page 33: Inovação e criação coletiva

Commons

Em síntese, commons são recursos de uso compartilhado

Espaços públicos, como praças ou estradas

Oceanos e o ar Cultura (?) Conhecimento (?)

Page 34: Inovação e criação coletiva

Commons e Internet

A rede de computadores foi projetada para ser um recurso de uso compartilhado (commons)

Sua arquitetura ponto-a-ponto montou uma rede simples onde a inteligência fica na ponta, nos aplicativos

O que gerou grande flexibilidade e plasticidade para o desenvolvimento de muitas inovações

Page 35: Inovação e criação coletiva

Inovações na Internet

Page 36: Inovação e criação coletiva

Commons

No caso de bens intelectuais, os commons têm um diferencial marcante: sua natureza não rival Bens materiais quando são transmitidos

representam sempre um tipo de perda Bens imateriais quando são

compartilhados multiplicam as possibilidades de criações derivadas

Page 37: Inovação e criação coletiva

Commons

Commons também têm história: O recurso mais importante que

governamos como commons abertos, sem o que a humanidade não poderia ser concebida, é todo o conhecimento anterior ao século XX, a maior parte do conhecimento científico da primeira metade do século XX e grande parte da ciência e do conhecimento acadêmico contemporâneos. (BENKLER)

Page 38: Inovação e criação coletiva

Conhecimento e Commons

Conhecimento como commons é conhecimento aberto à inovação

Matéria prima para os processos criativos coletivos em rede

No contexto do capitalismo cognitivo, o conhecimento deve circular para gerar novo conhecimento

Page 39: Inovação e criação coletiva

Iniciativas OpenScience

A ciência adota a filosofia open source do software livre: muitos olhos fazem com que os erros desapareçam

Princípios da inovação aberta através da colaboração e do compartilhamento de dados

Page 41: Inovação e criação coletiva

Synaptic Leap

Lançada em 2006 Investigação colaborativa e aberta sobre

doenças negligenciadas, que afetam cerca de 500 milhões de pessoas

Tuberculose, Malária, Esquistossomose e Toxoplasmose

Conteúdo registrado sob licença Creative Commons Attribution 2.5 (permite compartilhar, remixar, comercializar.

citar atribuição de autoria)

Page 43: Inovação e criação coletiva

Projeto OSDD

Lançado em 2008 Financiado pelo governo da Índia Doenças tropicais negligenciadas Mais de 4.500 usuários registrados de mais

de 130 países Medicamentos serão comercializados como

genéricos Criaram licença própria para proteger o

conhecimento gerado de forma coletiva

Page 44: Inovação e criação coletiva

Caso E.Coli

17 pessoas morreram, milhares foram contaminadas A pesquisa foi acelerada pelo compartilhamento de dados e o

trabalho coletivo Hospital Universitário Hamburg-Eppendorf, da Alemanha,

encaminhou amostras de DNA para o Beijing Genomics Institute, na China

À iniciativa juntaram-se a Universidade de Birmingham, Reino Unido, a empresa espanhola Era7, além de outros pesquisadores da Austrália e EUA

Os trabalhos foram disponibilizados na Internet para que alguém desse o próximo passo

Não foi o pesquisador genial que sobressaiu, mas sim o esforço coletivo em prol da ciência

Page 45: Inovação e criação coletiva

Pesquisas em Alzheimer

Esforço conjunto para encontrar marcadores biológicos da progressão da doença

Reuniu o National Institutes of Health, a Food and Drug Administration, as indústrias de medicamentos e de geração de imagens médicas, universidades e grupos sem fins lucrativos

Chegaram a 800 indivíduos em acompanhamento por anos

Por conta disso, mais de 100 estudos estão em andamento para testar drogas para retardar ou impedir a doença

Os dados para a pesquisa não seriam alcançados por iniciativas isoladas, mas somente através do esforço conjunto

Page 46: Inovação e criação coletiva

Finalizando

The synaptic leap (O salto sináptico)

A neurociência nos ensina que nascemos com a maioria das células e neurônios que precisamos. Mas quando nascemos não sabemos como focar nossa visão. Acredita-se que nossas sinapses ocorrem de forma randômica numa primeira fase. Com a experiência e repetição de conexões, novos denditres se formam e o salto sináptico se torna mais eficiente.

É exatamente o que está acontecendo com a Internet hoje. Lentamente a rede está envolvendo uma quantidade randômica de pessoas e ideias. Novos caminhos colaborativos estão sendo forjados e conexões estão sendo produzidas. A raça humana está prestes a realizar grandes feitos.

O talento de pesquisa na área médica não deve mais ser constrangido pelas barreiras geográficas. A soma do todo conectado será muito maior do que a soma de partes desconectadas. É nosso dever para com a humanidade proporcionar a estrutura colaborativa que conecte cientistas que queiram produzir este salto e acelerar o processo de pesquisa.

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Obrigada!

autoriaemrede.wordpress.com [email protected] @biacm