inovação e criação coletiva
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Palestra na Gestec Fiocruz em 01/09/2011TRANSCRIPT
Criação Coletiva, Patrimônio Intelectual e Inovação
Beatriz Cintra Martins
Grupo de Pesquisa "Tecnologias, Culturas, Práticas Interativas e Inovação em Saúde“, Fiocruz
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA/USP.
O que é o processo criativo?
A invenção de um gênio criador
ou
Resultado da atividade social
O que é um autor?
A pergunta de Foucault ao refletir sobre a natureza histórica da autoria
Sua configuração varia na história: Na Idade Média, os discursos médicos tinham
que ser atribuídos a alguém para terem valor: “Hipócrates disse...”
E os textos literários circulavam sem que fosse preciso definir sua autoria
Já nos séculos XVII/XVIII, a situação se inverte
A função autor
O autor é aquilo que faz o discurso convergir, que lhe dá unidade e coerência
Para além de uma atribuição pessoal, a autoria desempenha um papel na circulação dos discursos em uma dada sociedade
Autoria na Antiguidade
Quem é o autor de Ilíada e de Odisséia?
Homero ou o coletivo da cultura oral?
Um processo autoral fluido e anônimo
O texto pertence a todos e a ninguém
Autoria na Antiguidade
Cada declamador era ao mesmo tempo um repetidor de poemas
Nenhuma performance era igual a outra e a invenção era parte da apresentação
Uma transcendência, a inspiração das Musas, era a fonte da criação
Autoria medieval
Uma escrita interativa, através dos comentários nas margens dos manuscritos
Uma autoridade coletiva avalizava a produção: a Auctoritas
Autoria medieval
“Um homem pode escrever trabalhos alheios, sem acrescentar ou mudar nada, neste caso ele é simplesmente chamado de “copista” (scriptor). Outro escreve trabalhos alheios com adições que não são suas; e ele é chamado de “compilador” (compilator). Outro escreve tanto trabalhos alheios como o seu, mas com os trabalhos alheios em primeiro plano, adicionando o seu próprio a título de explanação; e ele é chamado de “comentador” (comentator)... Outro escreve tanto o seu trabalho como os alheios, mas com o seu em primeiro plano adicionando outros a título de confirmação; e este homem pode ser chamado de “autor” (auctor)”.
São Boaventura, século XIII
Autoria medieval
A escrita era um exercício coletivo de hermenêutica
Anônimo Deus era a fonte
suprema de inspiração, o verdadeiro autor
A produção não tinha um caráter privado
A Modernidade
A era do projeto do sujeito autônomo:
A noção cartesiana de sujeito
A Reforma Protestante
O Humanismo Renascentista
O Iluminismo
A Modernidade
O conhecimento passa a circular em torno do sujeito
Os empirismo inglês Kant e a crítica da razão O ser humano adquire autonomia para
criar e saber por sua própria conta A noção de autor como um criador
individual é fortalecida
O Romantismo
O autor deixa de ser um artesão admirado por sua capacidade de imitação (mimésis)
Passa a ser valorizado por suas habilidades subjetivas
A capacidade de criar algo único e original Surge o gênio criador Cujo talento único deve ser recompensado
monetariamente – o direito autoral
O autor em dissolução
A autonomia autoral é posta em questão:
Barthes e a morte do autor: “o texto é um tecido oriundo de mil focos da cultura”
Foucault e a historicidade da autoria, a função autor
Historicidade da autoria
O processo autoral varia através do tempo:
As maneiras como as obras são validadas
Autoria atribuída ou não Individual ou coletiva Nomeada ou anônima
O contexto das redes
Configuração de um novo tipo de espaço, que interliga de modo original o espaço público e o espaço privado.
Cognição compartilhada pelo acesso a uma memória de todos.
A velocidade tecnológica possibilita conexões cada vez mais amplas e mais rápidas, multiplicando geometricamente o potencial cognitivo.
O contexto das redes
Outra dimensão perceptiva e cognitiva
Alta conectividade Velocidade Favorecimento das
estratégias colaborativas
O contexto das redes
“Qualquer um que esteja on-line é, de fato, parte de um hipertexto mundial. [...] A mente elétrica é verdadeiramente pós-escrita no sentido que pode dar-se ao luxo de conhecer sobre si própria e sobre a mente escrita, ela pode combinar o privado e o coletivo em uma única entidade, a conectiva, sem ameaçar uma à outra.” (De Kerckhove, 2003, p. 9)
O contexto das redes
As redes colocam em contato atores sociais que permaneceriam isolados
Tornando possível a articulação de redes sociais de cooperação produtiva
No capitalismo contemporâneo, baseado no conhecimento e na inovação, a produção se dá em fluxo e em rede
Um exemplo de criação coletiva em rede: Linux
Em 1991, Linus Torvalds, estudante finlandês de computação, por hobby, decidiu criar o núcleo de um sistema operacional (kernel)
Depois de trabalhar algum tempo no projeto, postou uma mensagem na rede Usenet:
Linux
Você sente saudade dos bons dias do minix-1.1, quando homens eram homens e escreviam seus próprios device drivers?
Você está sem um bom projeto e morrendo de vontade de colocar as mãos em um sistema operacional o qual possa modificar de acordo com suas necessidades?
Você acha frustante quando tudo funciona bem no Minix? Sem mais noites em claro para fazer com que um programa funcione? Então esta mensagem pode ser exatamente para você. :-)
Linux
Programadores de vários cantos do mundo atenderam ao chamado de Torvalds
Ainda em 1991 é lançada a primeira versão do programa
Linux adota a licença GPL – General Public License
GPL
Idealizada por Richard Stallman como uma forma de garantir a liberdade do código (Software Livre):
de rodar o programa com o propósito que quiser;
de estudar o código fonte e modificá-lo para que faça o que você quiser;(para isso o código deve ser aberto)
de copiar o programa e distribuir as cópias quando quiser;
de publicar ou distribuir uma versão modificada quando quiser. (com o código também aberto)
GPL
Restrições da GPL:
Toda a nova versão ou versão derivada deve respeitar as mesmas liberdades, ou seja, o código deve permanecer aberto
É proibida a apropriação do código para projetos de software proprietário (fechado)
Creative Commons
Licença inspirada na GPL, mais adaptada às diversas obras intelectuais
E com variações para as mais diversas opções ou necessidades de proteção
Creative Commons
No lugar da lógica do copyright – Todos os direitos reservados
A flexibilidade de – Alguns direitos reservados
Creative Commons
Atribuição Uso não comercial Não a obras
derivadas Compartilhamento
pela mesma licença
Permissão de cópias
Linux
Permanecendo sempre aberto, o sistema operacional Linux pôde receber contribuições de milhares de desenvolvedores ao redor do mundo
Com isso, se tornou o sistema operacional mais estável e portável
Linux
Está presente atualmente nos mais diversos tipos de dispositivos:
Computadores Celulares Televisão Eletrônicos em geral
Linux
Por sua estabilidade e segurança roda em:
75% das bolsas de valores mundiais 95% dos supercomputadores Em servidores da internet
Empresas que usam Linux
Linux
O projeto é coordenado atualmente por Linus Torvalds e pela Linux Foundation
Empresas como a IBM, a HP e Hitachi também investem no aperfeiçoamento do programa
A IBM, por exemplo, gastou um bilhão de dólares em 1999 para aprimorar e divulgar o Linux
A cada três meses é lançada uma nova versão
Linux e Commons
Caso do Linux é um exemplo paradigmático do conhecimento tratado como commons
Cada evolução ou aperfeiçoamento do programa são disponibilizados para toda a comunidade
Desta forma, incentiva-se a inovação
Commons
Em síntese, commons são recursos de uso compartilhado
Espaços públicos, como praças ou estradas
Oceanos e o ar Cultura (?) Conhecimento (?)
Commons e Internet
A rede de computadores foi projetada para ser um recurso de uso compartilhado (commons)
Sua arquitetura ponto-a-ponto montou uma rede simples onde a inteligência fica na ponta, nos aplicativos
O que gerou grande flexibilidade e plasticidade para o desenvolvimento de muitas inovações
Inovações na Internet
Commons
No caso de bens intelectuais, os commons têm um diferencial marcante: sua natureza não rival Bens materiais quando são transmitidos
representam sempre um tipo de perda Bens imateriais quando são
compartilhados multiplicam as possibilidades de criações derivadas
Commons
Commons também têm história: O recurso mais importante que
governamos como commons abertos, sem o que a humanidade não poderia ser concebida, é todo o conhecimento anterior ao século XX, a maior parte do conhecimento científico da primeira metade do século XX e grande parte da ciência e do conhecimento acadêmico contemporâneos. (BENKLER)
Conhecimento e Commons
Conhecimento como commons é conhecimento aberto à inovação
Matéria prima para os processos criativos coletivos em rede
No contexto do capitalismo cognitivo, o conhecimento deve circular para gerar novo conhecimento
Iniciativas OpenScience
A ciência adota a filosofia open source do software livre: muitos olhos fazem com que os erros desapareçam
Princípios da inovação aberta através da colaboração e do compartilhamento de dados
Synaptic Leap
Lançada em 2006 Investigação colaborativa e aberta sobre
doenças negligenciadas, que afetam cerca de 500 milhões de pessoas
Tuberculose, Malária, Esquistossomose e Toxoplasmose
Conteúdo registrado sob licença Creative Commons Attribution 2.5 (permite compartilhar, remixar, comercializar.
citar atribuição de autoria)
Projeto OSDD
Lançado em 2008 Financiado pelo governo da Índia Doenças tropicais negligenciadas Mais de 4.500 usuários registrados de mais
de 130 países Medicamentos serão comercializados como
genéricos Criaram licença própria para proteger o
conhecimento gerado de forma coletiva
Caso E.Coli
17 pessoas morreram, milhares foram contaminadas A pesquisa foi acelerada pelo compartilhamento de dados e o
trabalho coletivo Hospital Universitário Hamburg-Eppendorf, da Alemanha,
encaminhou amostras de DNA para o Beijing Genomics Institute, na China
À iniciativa juntaram-se a Universidade de Birmingham, Reino Unido, a empresa espanhola Era7, além de outros pesquisadores da Austrália e EUA
Os trabalhos foram disponibilizados na Internet para que alguém desse o próximo passo
Não foi o pesquisador genial que sobressaiu, mas sim o esforço coletivo em prol da ciência
Pesquisas em Alzheimer
Esforço conjunto para encontrar marcadores biológicos da progressão da doença
Reuniu o National Institutes of Health, a Food and Drug Administration, as indústrias de medicamentos e de geração de imagens médicas, universidades e grupos sem fins lucrativos
Chegaram a 800 indivíduos em acompanhamento por anos
Por conta disso, mais de 100 estudos estão em andamento para testar drogas para retardar ou impedir a doença
Os dados para a pesquisa não seriam alcançados por iniciativas isoladas, mas somente através do esforço conjunto
Finalizando
The synaptic leap (O salto sináptico)
A neurociência nos ensina que nascemos com a maioria das células e neurônios que precisamos. Mas quando nascemos não sabemos como focar nossa visão. Acredita-se que nossas sinapses ocorrem de forma randômica numa primeira fase. Com a experiência e repetição de conexões, novos denditres se formam e o salto sináptico se torna mais eficiente.
É exatamente o que está acontecendo com a Internet hoje. Lentamente a rede está envolvendo uma quantidade randômica de pessoas e ideias. Novos caminhos colaborativos estão sendo forjados e conexões estão sendo produzidas. A raça humana está prestes a realizar grandes feitos.
O talento de pesquisa na área médica não deve mais ser constrangido pelas barreiras geográficas. A soma do todo conectado será muito maior do que a soma de partes desconectadas. É nosso dever para com a humanidade proporcionar a estrutura colaborativa que conecte cientistas que queiram produzir este salto e acelerar o processo de pesquisa.
Obrigada!
autoriaemrede.wordpress.com [email protected] @biacm