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Page 1: Ingrid Gomes.pdf

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

INGRID GOMES

OLHARES SOBRE O OUTRO Estudo das representações do Islã nos jornais Estado

de S. Paulo e Folha de S. Paulo

São Bernardo do Campo-SP, 2012

Page 2: Ingrid Gomes.pdf

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

INGRID GOMES

OLHARES SOBRE O OUTRO Estudo das representações do Islã nos jornais Estado

de S. Paulo e Folha de S. Paulo

Tese apresentada em cumprimento

parcial às exigências do Programa de

Pós-Graduação em Comunicação

Social, da Universidade Metodista de

São Paulo (UMESP), para obtenção do

grau de Doutor. Orientador: Prof. Dr.

José Salvador Faro.

São Bernardo do Campo-SP, 2012

Page 3: Ingrid Gomes.pdf

3

A tese de doutorado sob o título “Olhares sobre o Outro. Estudo das representações do

Islã nos jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo”, elaborada por Ingrid Gomes

foi defendida e aprovada em 17 de abril de 2012, perante banca examinadora composta

por Dr. José Salvador Faro (Presidente/UMESP), Dr. Laan Mendes de Barros

(Titular/UMESP), Dra. Cicília Maria Krohling Peruzzo (Titular/UMESP), Francisco

César Pinto da Fonseca (Titular/FGV), Belarmino César Guimarães da Costa

(Titular/UNIMEP).

__________________________________________

Prof. Dr. José Salvador Faro

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Laan Mendes de Barros

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social

Área de Concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Processos Comunicacionais Midiáticos

Page 4: Ingrid Gomes.pdf

4

Agradecimentos

Ao meu maravilhoso Deus, pelos sentidos e habilidades perfeitos e pela alegria

de descobrir a cada dia a beleza de experimentar a vida, por estar ao meu lado e enviar

zilhões de anjos, sempre.

Ao meu orientador Profº Dr. José Salvador Faro, pelo conhecimento emitido.

Ao coordenador Profº Dr. Laan Mendes pelas conversas sábias e direção

acadêmica quando mais precisei.

Ao Profº Dr. Adolpho Queiroz pelo conhecimento transmitido, pelo carinho sem

precedente. Obrigada, você é muito especial para mim.

Aos professores que sacudiram meu pensar, Profº Dr. Wilson Bueno, Profª Dra.

Cicilia Peruzzo, Profº Dr. Epstein, Profª Dra. Magalli Cunha, Profº Dr. Denis de

Moraes, Profº Dr. Dema, Profª Dra. Marta e meu querido Profº Dr. Belarmino.

Meus agradecimentos à graciosa secretária do pós-com, Kátia. Ás secretárias do

programa, em especial a Vanete, pela dedicação oferecida.

À Metodista de São Paulo pelo apoio estrutural, acadêmico e amigo que me

proporcionou, na convivência estudantil, esses anos todos.

Ao CNPQ, pelo investimento da Bolsa de doutorado no meu tema e trabalho de

pesquisa; sem essa ajuda, o percurso ia ser imensamente mais difícil.

Agradeço imensamente aos meus pais, pela paciência, pelo amor insubstituível

que me concedem e pela admiração às minhas conquistas. Meu agradecimento à minha

linda e radiante mãe; como tudo fica mais fácil tendo você ao meu lado.

À minha família, em especial ao meu irmão querido, na difícil tarefa, as vezes,

de ser meu irmão. À minha tia Rosa pela cede confortante em São Paulo, pelo chá

calmante e pelo amor que tem por mim e por meus sonhos. À família Carlinha,

Maurício, Tio Carlos e Beatriz, com vocês foi mais fácil suportar o cansaço e a entender

que a tese sempre foi só a tese. Obrigada!

À minha tia Idalina, sempre com palavras bonitas e estimulantes, trouxe com sua

sabedoria muita paz para a conclusão desse trabalho. Ao meu primo Lú, pelo carinho,

pela solidariedade e pelo colo nos desabafos dos últimos anos.

À minha avó, linda e abençoada Ilda. Aos meus tios Márcio e João, pela

coragem de vencer e carinho nas dificuldades. Obrigada!

Page 5: Ingrid Gomes.pdf

5

Aos amigos de sempre, Vinícius Davoli, Sandra Rigatto, Samuel Gachet, Kátia

M., Mariela Claudino, Raquel Tardeli, Nara, Jucélia, Victor Kraide, Fabricio Cardoso,

Letícia, Laurinha, Tamy, Pinoti pelo ânimo e apreciação aos meus estudos.

Ao amigão Milton (Mirto), pela ajuda, atenção e experiência transmitida.

À minha “miga miga” Val, pelas muitas horas de café e paciência em me ouvir.

À minha amiga Paula, pelas orações e cuidado em saber como estou.

À minha amiga Michele Tomé, sempre na conversa com sábias mensagens.

Ao meu fofo Rogério, pela paixão à vida e pela amizade eterna.

Ao querido Cassandro, em estar comigo em um dos momentos mais cruéis e

difíceis para concluir essa tese, pela ajuda na ética e no carinho em me aceitar assim.

À minha amiga Juliana Degaspre, que retornou à minha vida na fase “terminar a

tese” e já começou a aturar meu mau-humor e cansaço. Obrigada, linda!

Obrigada Gisele Torres, por passar na minha jornada e ter me ensinado a olhar

diferente, tentar ser menos radical e dizer sempre que tenho luz! Amo você onde quer

que esteja. E obrigada aos seus familiares queridos, que estão sempre na torcida, em

especial, à Tia Ozi e à Tati.

À minha amiga do coração Bruna Guimarães, que Deus colocou na minha

estrada para me dar chão e objetivo; sempre para me lembrar que sou capaz. Obrigada,

linda.

À minha amiga e editora Carla Mimessi, pelas horas intermináveis editando meu

trabalho. Tenho muita alegria em ser sua amiga; pela graça em saber que posso contar

com você sempre, sempre. É muito especial na minha vida.

À amiga e melhor professora de português Andréia Bernardineli, pelo combate

ao sono em prol de dias corrigindo esta tese, pela amizade por trás desse empenho;

tenho tanto a lhe agradecer.

À querida Sandra, que na fase mais que final esteve ao meu lado dando luz e

norte ao trabalho final desta tese.

Ao pesquisador de história Alex Degan, que indicou tantos autores, preocupou-

se em contextualizar cada um deles, pelos e-mails desesperados sobre terminologias e

desvios de conduta jornalística identificados. Obrigada, querido!

À amiga Leide, que além de consolo, carinho e descontração me ajudou nos

contratempos da informática, típicos de um Word cansado e bufando. Obrigada, amiga

querida! Prometo sair quando terminar.

Às amigas Grasiela Caldeira e Mariana Salles, obrigada pelo carinho!

Page 6: Ingrid Gomes.pdf

6

À minha linda e amiga mais meiga de todas, Mirela, por me ouvir nos desabafos

pessoais e me trazer conforto e coragem sempre.

Aos meus colegas de Mestrado Patrícia, Denis Renó, Bruna, Moisés, Thaís e

Flávio, pela ajuda, pelo conhecimento associado e pelas parcerias em artigos científicos.

À minha amiga de especialização (pós-graduação) Marina, tão intensa e sábia.

Aos meus amigos de doutorado, em especial à Maria Cleidejane, pelo carinho

nas conversas, pela preocupação com meus estudos e qualidade de vida. Fofa, obrigada!

Às minhas amigas do grupo de contação de histórias, no Hospital, sem vocês,

meu ânimo não teria reacordado para o término desse trabalho de pesquisa. Meu muito

obrigada por cada uma: Luci, Leide, Roberta G., Tita e linda Márcia.

À querida Audre, tão doce e capaz, colaborou comigo dia a dia, em decisões da

tese e no olhar maduro sobre como executar a análise de discurso, e claro, além da tese

ilustre que me serviu de modelo e paradeiro intelectual. Obrigada!

Ao meu amigo Rodrigo Bassi, que passa por entrega de dissertação agora,

mesmo mais distante, tenho certeza que torce fervorosamente por mim. Obrigada, migo!

Aos teóricos que me iluminaram, aos locais de estudo, ao meu querido Jony por

me amar tanto e estar sempre ao meu lado, aos meus outros dois cachorros Bella (que

foram incansáveis os óculos comidos) e Princesa que me ajudaram a descontrair em

momentos chatos. Obrigada também à energia das músicas estimulantes no término

dessa tese, dentre as bandas e compositores, destaco Beatles, Pear Jam e Paolo Nutini.

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7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

CAPÍTULO I — O ORIENTE NA HISTÓRIA

1.1 Formação do Mundo Muçulmano 20

1.2 Diretrizes do Islã 24

1.3 As relações do Islã com o cristianismo e o judaísmo 26

1.3.1 Entrelaço com a primeira religião monoteísta 26

1.3.2 Influências cristãs ao islamismo? 27

1.3.3 Principais diferenças do Islã com as outras religiões 28

1.4 Breve resgate do Islã na história 29

1.4.1 Depois da morte de Maomé 29

1.4.2 A idade de ouro: os primeiros califas 30

1.4.3 Avanço árabe: Império Omíada (661-750) 32

1.4.4 Influências imperiais: Império Abássida (750-1258) 34

1.4.4.1 Características culturais e jurídicas do Islã 35

1.4.5 O mundo muçulmano na Idade Média 39

1.4.6 Império Otomano e o rumo da civilização muçulmana atual 40

1.4.6.1 Resgate do Oriente nas Grandes Guerras Mundiais 45

1.4.6.2 Início da questão da Palestina 47

1.4.6.3 As contradições advindas do petróleo 49

1.4.7 Últimas influências: do século XX ao islamismo 51

1.4.7.1 Muçulmanos no Brasil 53

CAPÍTULO II — HERANÇAS CONJUNTURAIS SOBRE O ISLÃ

2.1 Sobre Fanatismo 56

2.1.1 Fundamentalismo Islâmico 57

2.2 Ocidente como emblema figurativo 60

2.3 Ranços, guerras, impérios e novos conflitos 63

2.4 Estados Unidos & atentados fundamentalistas 66

CAPÍTULO III — A CONSTRUÇÃO DO OUTRO NA HISTÓRIA

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8

3.1 O Outro pela Antropologia Cultural 73

3.2 Diferenças, Alteridade e a Formação dos Outros 75

3.2.1 Negociação das Diferenças 75

3.2.2 As intersecções do Outro 80

3.3 Formação das Identidades 85

3.4 Reconhecendo o Outro Islã em sua Alteridade 91

CAPÍTULO IV — O OUTRO ISLÃ NA MÍDIA

4.1 Simplificação, Marcas pejorativas e Discriminação 97

4.2 Oficialismo na Guerra: o jornalismo também perde 104

4.2.1 Cobertura da Guerra do Iraque (2003) 106

4.2.2 Seguindo as trilhas das Fontes Oficiais 112

4.3 Enquadrando o Discurso Jornalístico 117

CAPÍTULO V – JORNALISMO INTERNACIONAL

5.1 Breve Resgate do Jornalismo Impresso 122

5.2 Jornalismo Internacional, Fluxos e Agências 126

5.2.1 Economia determinou o início 126

5.2.1.1 No Brasil 129

5.2.2 Trajetória específica do Jornalismo Internacional 132

5.2.3 Principais Agências Internacionais Impressas 133

5.2.3.1 EFE 134

5.2.3.2 Reuters 136

5.2.3.3 AP 138

5.2.3.4 Monopólio, poder nacional ou interesses rotativos? 139

5.2.4 Fluxos 140

CAPÍTULO VI – BATALHA DISCURSIVA

6.1 Pesquisa Bibliográfica 146

6.2 Análise de Discurso 146

6.2.1 Análise de Descrição do Material Jornalístico 149

I ─ Gênero, II ─ Fontes, III ─ Abordagem predominante do texto, IV ─ Descrição do

Não-verbal (Fotografias, imagens, tabelas, infográficos entre outros) e V ─

Resumo/descritivo do material jornalístico

Page 9: Ingrid Gomes.pdf

9

6.2.2 Análise do Discurso Jornalístico 151

I ─ Esquecimentos, II ─ Paráfrase e Polissemia, III ─ Relações de Força, Relações de

Sentido, Antecipação: Formações Imaginárias, IV ─ Formação Discursiva, V ─ a) O

dito e o não dito, V ─ b) Inferências/Implícitos, VI ─ Considerações

6.2.3 Outros elementos para a análise do discurso jornalístico 159

6.3 Complementações das fotos no discurso jornalístico 162

6.4 Etapas, Corpus e Análise 166

CAPÍTULO VII ─ PRESENÇAS DO OUTRO ISLÃ NO “MUNDO”

7.1 Caderno MUNDO mais de 20 anos de história 168

7.2 Marcas terroristas no discurso da Folha de S. Paulo 171

7.2.1 Características principais do Islã no MUNDO ─ Material secundário 205

7.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã 205

7.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã 209

7.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã 209

7.2.2 Considerações sobre a representação do muçulmano no Caderno Mundo 212

CAPÍTULO VIII ─ ESPORACIDADE DO OUTRO ISLÃ NO

“INTERNACIONAL”

8.1 Conhecendo o Caderno INTERNACIONAL 214

8.2 A discursividade do Islã no Estado de S. Paulo 218

8.2.1 Características principais do Islã no Internacional ─ Material secundário 235

8.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã 235

8.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã 237

8.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã 238

8.2.2 Considerações sobre o Islã no Caderno Internacional 240

CONSIDERAÇÕES FINAIS 242

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 247

GLOSSÁRIO 257

1.1 Gênero 257

1.2 Fontes 260

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10

1.3 Abordagem predominante do texto 261

1.4 Principais temas e manchetes do caderno Mundo, no período de análise 262

1.5 Principais temas e manchetes do caderno Internacional, no período de análise 268

ANEXOS 275

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11

Resumo:

A premissa do estudo compreende a existência de forças de poder nos retratos sobre o

Islã no jornalismo internacional. Sabe-se que o Islã, em termos culturais e políticos,

apresenta maior visibilidade a partir dos atos de 11 de setembro de 2001. Nesse sentido,

a pesquisa entende que esse momento desempenha, na história, um fenômeno político

de forte impacto e significação ideológica. Como objeto de análise, o estudo aborda as

representações discursivas (Análise de Discurso) e as interconexões com (e do) Islã na

Folha de S. Paulo e no Estado de S. Paulo, tendo por corpus o material publicado pelos

jornais, na Editoria Internacional, nos 15 dias anteriores e posteriores à data que

marcou, historicamente, os 10 anos do ataque às Torres Gêmeas. A tese também faz um

inventário histórico-cultural da formação do Oriente Moderno e do Islã, da construção

do Diferente na história e do Outro-Islã, além do resgate do jornalismo internacional.

Observou-se, nas generalizações e nas simplificações das representações do Islã da

mídia analisada, um retrato aproximado das ações dos fundamentalistas islâmicos,

instruindo o contexto complexo do Islã como o Outro, o Diferente da história atual,

denegando a ele suas atribuições culturais de autenticidade e de alteridade.

Palavras-chave: Islã, representações, Outro, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.

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12

Abstract:

The premise of the study include the existence of forces of power in the portrayals of

Islam in international journalism. It is known that Islam, in cultural and political terms,

has increased visibility from the acts of September 11, 2001. In this sense, the research

finds that this moment plays in history, a political phenomenon of strong impact and

ideological significance. As the object of analysis, the study addresses the discursive

representations (Discourse Analysis) and the interconnections with (and) Islam in the

Folha de S. Paulo and the Estado de S. Paulo, with the corpus of the material published

by the newspapers, the International Editorial Board, within 15 days before and after the

date that marked historically, 10 years of the attack on the Twin Towers. The thesis also

makes an inventory of historical and cultural formation of the East and Modern Islam,

the construction of the story Unlike Islam and the Other, and the rescue of international

journalism. There was, in generalizations and simplifications of the media

representations of Islam analyzed, an approximate depiction of the actions of Islamic

fundamentalists, instructing the complex context of Islam as the Other, the different

current history, denying him his cultural attributes of authenticity and otherness.

Keywords: Islam, representations, Other, Folha de S. Paulo and Estado de S. Paulo.

Page 13: Ingrid Gomes.pdf

13

Resumen:

La premisa del estudio incluyen la existencia de fuerzas de poder en las

representaciones del Islam en el periodismo internacional. Se sabe que el Islam, en

términos culturales y políticos, ha aumentado la visibilidad de los actos del 11 de

septiembre de 2001. En este sentido, la investigación concluye que este momento juega

en la historia, un fenómeno político de gran impacto y significación ideológica. A

medida que el objeto de análisis, el estudio aborda las representaciones discursivas

(análisis del discurso) y las interconexiones con (y) el Islam en el periódico Folha de S.

Paulo y el Estado de S. Paulo, con el corpus del material publicado por los periódicos, el

Comité Editorial Internacional, dentro de 15 días antes y después de la fecha que marcó

la historia, 10 años del atentado a las Torres Gemelas. La tesis también hace un

inventario de la formación histórica y cultural de Oriente y el Islam moderno, la

construcción de la historia A diferencia del Islam y el Otro, y el rescate del periodismo

internacional. Había, en generalizaciones y simplificaciones de las representaciones de

los medios de comunicación del Islam analizado, una representación aproximada de las

acciones de los fundamentalistas islámicos, instruyendo el complejo contexto del Islam

como el otro, la historia de corriente distinta, negándole sus atributos culturales de la

autenticidad y la alteridad.

Palabras clave: Islam, representaciones, Otros, Folha de S. Paulo y Estado de S. Paulo.

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14

INTRODUÇÃO

Olhar diferente urgente se faz

Lançar a semente

Na seda do oriente voar

Rever outras culturas

Brindar todas as misturas

Urgente se faz

Cantar pela paz

Abraçar toda essa gente

Do Acre ao Azerbaijão

Um conto zulu, um tango argentino

Um xote, um baião

Na fé que irmana

Citara indiana

Na carta cigana

Versos do Alcorão

É como lê o meu coração

É como lê o meu coração

Um cocar do Xingu, um mantra do Tibet

Bombo legüero, um mambo, um chamané (...)

Letra da música Olhar Diferente de Zé Alexandre

Primeiro, diz-se sobre o que este trabalho de pesquisa não responderá para

depois mostrar o intuito do mesmo. Ele não tem o objetivo de distinguir qual o caderno

de jornalismo internacional dos veículos analisados é o mais correto, ou melhor, aliás,

em nenhum momento essa ideia foi identificada como propósito, bem como não se

busca explicação determinista sobre as representações dadas.

Por saber da rotina jornalística e de suas dificuldades, às vezes, desumanas em

realizar reportagens em áreas de conflitos, esta pesquisa se baseou em análise de

discurso construída à luz de autores da história, da psicologia social, da antropologia, do

pós-colonialismo cultural, da comunicação e das disciplinas conjunturais correlatas,

como política, economia e teologia.

Com base neste estudo, vislumbraram-se cenários que dariam instigantes ideias:

1- a partir da aproximação do discurso jornalístico internacional brasileiro com o

enraizamento estadunidense verifica-se a presença de colunistas/jornalistas, que estão se

iniciando, com maior descrição do olhar do repórter em detrimento de fontes

entrevistadas, como se vê nos Estados Unidos e em parte da mídia européia.

Page 15: Ingrid Gomes.pdf

15

2 – viu-se também um olhar mais etnocêntrico sobre a figura dos Outros em que se

deparam no jornalismo internacional; fatores que podem não indicar um padrão, mas

que foram comuns tanto no trabalho analítico do caderno Internacional quanto do

Mundo.

Entre as interrogações que a autora deste trabalho fez, foi se perguntar: ─ Será

mesmo que no jornalismo internacional existe a possibilidade de se respeitar a

alteridade dos Outros? Não seria uma visão romântica visto que essa profissão se

locomove junto à engrenagem social, cultural, econômica e política? Mas, por outro

lado a partir desta inquietação há variantes: ─ Ao escrever sobre e em áreas de conflitos,

onde existam grupos terroristas, por exemplo, é inaceitável identificá-los como

muçulmano, em princípio, pelo cuidado histórico que esse significado pode ancorar no

imaginário social e, em outras, ao que concerne as práticas jornalísticas, em verificar

com seriedade as fontes.

Outro ponto relacionado a este trabalho é a presença de assuntos sobre o

protagonismo estadunidense ser evidente nas linhas dos Cadernos, fato que coaduna

com o levantamento histórico da tese e do imaginário social sobre a figura dos EUA na

prática de entender e conceituar o discurso “democrático” e “correto” na qual o

jornalismo internacional brasileiro se baseia dando ao conteúdo jornalístico desfechos

morais e valorativos.

Esta pequisa não tem o intuito de responder a todas essas inquietações, ao

contrário, traz mais sugestões de pesquisa do que cumprir o papel pragmático de

concluir o tema e as temáticas discutidas. Nesse caso, o estudo desta tese transcende o

olhar focal, central, único de entender e conceber o jornalismo internacional e suas

representações sobre o Islã, mas aprofunda em questões imprescindíveis sobre a lógica

jornalística dos significados sobre o muçulmano.

Por isso que pensar como a mídia reporta as diversidades de etnias e culturas em

suas produções jornalísticas é um assunto que intriga, e pontuar como, nessa descrição

diversional, o Diferente (o Outro) se moldura, se formula ou é visto, imaginado,

descrito, pensado, é imprescindível para uma pesquisa documental na área da

comunicação social.

Neste trabalho, a autora pretende resgatar esse assunto sobre o Diferente,

captado sob uma ótica atual e polêmica: as representações sobre o Oriente Médio e a

cultura do Islã.

Page 16: Ingrid Gomes.pdf

16

O objetivo central foi resgatar a história e a complexa cultura islâmica para

identificar as visões simplistas e generalistas na formação do Islã como Outro na mídia

brasileira, em especial, nos impressos Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Outra

questão vinculada ao objetivo central foi investigar o cenário de influências que se

constituem essas representações midiáticas, como: a) postura jornalística; b) empresas

de comunicação; c) esfera política; d) esfera econômica; e) fluxos culturais. O terceiro

objetivo, não menos importante, que a tese propôs discutir, foi identificar pontos da

constituição da retórica sobre o Islã como o Outro nos últimos dez anos, externados pela

mídia.

A partir desses objetivos, o estudo teve como hipótese norteadora a afirmação de

que o uso de generalizações, de simplificações e a ausência de contextualização sobre os

fatos que trazem o objeto Islã empobrecem seu significado cultural. E, após o marco: 11

de setembro de 2001, essas características jornalísticas contribuíram para reiterar

aproximações do Islã como fundamentalista. Com isso, as visões sobre o Islã acabaram

sendo vinculadas à cultura inferior, arcaica, ou seja, um dos Outros da história

internacional recente.

Para a investigação, a pesquisa teve como corpus de estudo 62 dias das editorias

internacionais dos jornais diários Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, quinze dias

antes, a contar como marco o 11 de setembro, e quinze dias posteriores, em razão da

importância histórica, representada por essa data, e, em especial, por estar vinculada ao

objeto de análise, as representações do Islã. O motivo principal da escolha do corpus é

em razão da expectativa jornalística de apresentar mais conteúdo sobre o Islã, com

pesquisa e contextualização, visto a antecedência para produção de cadernos e

coberturas especiais dos dez anos do ato terrorista de 2001. Para estruturar as

investigações foi usada como método a análise do discurso.

Dentre as justificativas da pesquisa, a autora ressalta o fato de o tema do Oriente

Médio e do Islã serem recorrentes na mídia internacional e, mesmo sendo comuns seus

retratos diários, não se vê contextualização suficiente para o seu entendimento

completo. Outro ponto advém da preocupação humana que o papel do jornalismo ocupa

em relação à consolidação de conflitos atuais, em especial, a inferiorização do Islã como

o Outro.

Para cumprir os objetivos e chegar às hipóteses, a tese se dividiu em oito

capítulos, seis teórico-históricos e dois com as análises.

Page 17: Ingrid Gomes.pdf

17

O primeiro capítulo O Oriente na história faz um resgate da história do Oriente

Médio, da formação do Islã e das suas principais influências culturais na passagem

pelos impérios Omíada, Abássida e Otomano, além de contextualizar o islamismo no

Brasil. O segundo capítulo Heranças Conjunturais sobre o Islã contextualiza as

divisões no Islã, em especial retrata o norte fundamentalista explicando sobre o

fanatismo e os principais pensadores dessas vertentes baseadas no islamismo. Também

mostra as reinvenções a partir de 11 de setembro, passando pelo breve inventário do Islã

e suas práticas históricas de distanciamento do Ocidente.

O terceiro capítulo A construção do Outro na história aborda a construção do

Outro a partir de referenciais de Diferença e de Alteridade da antropologia e da

psicologia social, além de resgatar a ideia de Alteridade advinda da formação da

Diferença. Também traz um breve inventário da constituição da identidade e dos fluxos

identitários na contemporaneidade, colaborando para entender a formação do Outro-Islã

e suas possíveis compatibilidades com o Ocidente.

O quarto capítulo O Outro Islã na mídia mostra o debate do posicionamento da

mídia nacional e internacional sobre o Oriente Médio, identificando os estereótipos e as

discriminações sobre essa cultura distante. Resgata também como foi realizada a

cobertura da Guerra do Iraque, reiterando antigas marcas descritas de inferioridade. Na

sequência, explica a importância do uso das fontes oficiais pela mídia, suas

problemáticas e consequentes enquadramentos de discurso.

O quinto capítulo Jornalismo Internacional se inicia com um breve inventário da

constituição do jornalismo impresso e passa pela contextualização histórica do

Jornalismo Internacional e sua trajetória no País. Também aborda o tema das agências

internacionais, explorando o fluxo noticioso e a breve história das principais agências

impressas e suas repercussões no jornalismo brasileiro.

O sexto capítulo Batalha Discursiva realiza uma breve exposição das

metodologias de pesquisa: pesquisa bibliográfica e análise de discurso. Primeiro

contextualizou-se a análise, na vertente utilizada, a linha francesa de análise de discurso

(AD), depois se descreveu como se iniciaria a análise descritiva do material coletado e,

na sequência, foram identificados os elementos da AD que colaboraram para o

desenvolvimento da análise. Também foram brevemente identificadas as técnicas da

fotografia de imprensa propostas como fatores importantes para uma análise estrutural

do uso da fotografia pelo jornalismo. Outro ponto importante destacado no capítulo foi

a contextualização de outros teóricos da área de padrões de manipulação de conteúdo,

Page 18: Ingrid Gomes.pdf

18

que ajudaram na AD e, ao finalizar o capítulo, explicou-se como foram executadas as

etapas da análise de pesquisa.

No sétimo capítulo Presenças do Outro Islã no “Mundo”, contém a análise de

discurso do Caderno Mundo na Folha de S. Paulo. Foram resgatados a história do

veículo e do Caderno, as principais temáticas discutidas no período de análise e os

articulistas fixos e alguns convidados; e, na análise, observaram-se onze textos cujo

tema Islã foi recorrente, primário ou secundariamente. Verificaram-se nas análises dois

textos positivos sobre o entendimento do Islã, um texto neutro e os oito restantes com

marcas pejorativas sobre o muçulmano, como “aquele encrenqueiro e terrorista”.

O último capítulo traz a análise do Caderno Internacional do Estado de S. Paulo,

com o título: Esporacidade do Outro Islã no “Internacional”. Além de fazer o breve

resgate histórico do veículo, do caderno e os principais articulistas e temas reportados,

analisaram-se treze textos sobre o Islã. Desses materiais, cinco tiveram uma visão

positiva, uma neutra e sete de distanciamento do Islã em sua alteridade, retratando a

cultura islâmica como exótica e o muçulmano como fundamentalista.

Nas considerações finais, constatou-se nas comparações dos Cadernos que no

Internacional do Estado de S. Paulo houve mais espaço de discussão sobre o Islã, bem

como mais textos voltados à integração do islamismo como vítima do preconceito em

razão da rotina midiática sobre o assunto após o 11 de setembro de 2001. Em

contrapartida no Mundo, verificou-se a caracterização determinista do islamismo como

norteador das futuras gerações de fundamentalistas e terroristas. Contudo, nos dois

jornais, o Islã foi representado como cultura distante e exótica, além de encrenqueiro e,

por vezes, terrorista, alimentando esse imaginário social do muçulmano na lógica do

agendamento midiático.

Em resumo, esta pesquisa, ao debater a constituição do Outro-Islã como

Diferente nas representações dos jornais impressos, analisou-se a constituição

discursiva no material jornalístico, bem como procurou vislumbrar quais são os outros

elementos sociais, culturais, econômicos, políticos que permearam esse cenário,

contribuindo com a formação cognitiva do imaginário social do Islã como o inferior e o

Diferente na atual história do século XXI. Dentre as maiores preocupações da autora,

esteve a problemática do Islã ser lembrado e revisitado no amanhã a partir desse

imaginário e documento mediático, ou seja, se essas representações colocam o Islã

como o Diferente hoje, sua história será deturpada e esquivada da real identidade que a

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19

mantém culturalmente viva e operante em parcela significativa na sociedade

muçulmana.

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20

“História não é, evidentemente, apenas o que ocorreu, mas a

forma como nós percebemos aquilo que ocorreu” (PINSKY;

PINSKY, 2004, p.11).

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21

CAPÍTULO I — O ORIENTE NA HISTÓRIA

1.1 Formação do Mundo Muçulmano

Atualmente, o mundo muçulmano abrange cerca de 1,3 bilhão de pessoas

(DEMANT, 2008, p.13), ou seja, aproximadamente um quinto da humanidade, com

quem as outras religiões e culturas distintas precisam repensar modos de convivência e

de cooperação para permanecerem em regiões tão próximas e, ao mesmo tempo, tão

diferentes culturalmente. “Eles se encontram concentrados num vasto arco, que se

estende da África ocidental até a Indonésia, passando pelo Oriente Médio e a Índia. Em

muitos países desta vasta região, os muçulmanos constituem a maioria da população

local e, em outros, importante minorias” (DEMANT, 2008, p.13).

Além da presença dessa cultura no mundo a história do Islã é fator

preponderante para compreender qualquer conflito atual entre Israel e Palestina,

Fundamentalistas e Ocidente, em especial os Estados Unidos e seus aliados, deve-se

partir do estudo da longa história de constituição do Islã no mundo, que se iniciou há

mais de 1.400 anos e se espalhou por três continentes em variadas sociedades,

solidificando sua religião e seus valores sociais, diferenciando-se entre si e formando

outras vertentes.

O surgimento do Islã ocorreu no começo do século VII, na península Árabe, em

específico na região de Meca. Para entender como isso ocorreu, é necessário traçar um

breve relato dos antecedentes históricos dessa região, bem como compreender as visões

políticas acerca da religião cristã, que constituíam o pano de fundo da emergência do

Islã.

Por volta da década de 330 d.C., a região árabe situava-se à margem das duas

grandes potências do Oriente Médio: a Pérsia e o Império Bizantino. A capital desse

Império era Constantinopla, hoje Istambul, que se originou com a separação do antigo

Império Romano, o do Ocidente e o do Oriente. Alguns anos após, nessa mesma região,

a religião mais seguida era o cristianismo e, em 395, a Igreja Cristã se tornara

autoridade, sobrepondo-se ao poder do Estado, característica chamada de

“cesaropapismo”, que influenciou a própria formação da base do Islã, enquanto

fenômeno por possuir na religião traços e elementos superpostos à ideia da prática

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22

política. O historiador Peter Demant afirma: “[...] como resultado, disputas religiosas

transformavam-se automaticamente em conflitos políticos” (DEMANT, 2008, p.23).

Nessa mesma época, havia a discussão da natureza dual do Filho de Deus, Jesus

Cristo, pelo cristianismo — uma parte dos fiéis acreditava apenas no lado divino de

Cristo, enquanto a outra defendia o divino e o humano nele. Essa disputa específica,

segundo Demant (2008, p.23), foi acirrada e conflituosa, deixando muitos fiéis

descontentes com a doutrina. Contudo, após alguns concílios, ficou aceita até hoje a

natureza dual do Filho de Deus.

O entendimento da religião cristã sobre a natureza de Jesus satisfez as regiões

centrais do Império, particularmente na Anatólia e nos Bálcãs (DEMANT, 2008, p.24),

mas, no Oriente Médio, o grupo monofisista, por acreditar apenas na natureza divina de

Jesus e não aceitar a visão oficial da natureza dual, começou a chamar a atenção,

inclusive das lideranças religiosas do cristianismo.

Nessa época, não aceitar pontos oficiais da religião era inadmissível, os

monofisistas logo foram estigmatizados como hereges e sofreram perseguição do

império. A cena dos perseguidos e dos insatisfeitos estava no palco em que despontava

uma nova religião local, o Islã; com isso, os monofisistas estavam mais próximos,

eticamente, dos árabes do que dos bizantinos (DEMANT, 2008, p.24).

O Islã, enquanto doutrina revelada, aparece para um homem de meia-idade, nas

redondezas de uma região mais afastada do Império Bizantino, em específico na Arábia

setentrional, em razão da nova rota da Seda, estimulada pelas caravanas comerciais

advindas da China, que faziam o caminho pela Pérsia.

A região setentrional da Arábia situava-se perto da cidade-oásis de Meca, no

espaço conhecido como Hijaz, onde nasceu Maomé, em português, Muhammad, o

profeta que fundou o Islã. Sua família era de ascendência beduína, nômades e pastores,

viviam ou do cuidado de cabras, camelos e rebanho de ovelhas, ou do comércio daquilo

que traziam nas caravanas (DEMANT, 2008, p.24).

O estilo de vida beduíno valorizava acima de tudo a liberdade de

movimento, a honra (ligada em particular ao controle da sexualidade

feminina) e a solidariedade árabe. A organização social era tribal: a

linhagem de uma pessoa, seu parentesco, superava quaisquer outras

lealdades. Como consequência, a cultura oral desse povo enfatizava

uma poesia que glorificava o próprio clã (DEMANT, 2008, p.25).

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23

Essa tradição beduína influenciou a maneira de pensar do jovem Maomé, que

cresceu com esses valores. Ele pertenceu a uma divisão dos beduínos chamada Quraysh

(coraixitas), um grupo menor, mas poderoso. “Foi criado como mercador e casou-se aos

25 anos com uma rica viúva, bem mais velha que ele, chamada Kahadija. (...) Aos 40

anos, teria começado a receber visões e ouvir vozes, que acreditou serem de origem

divina: o arcanjo Gabriel (Jibril, em árabe)” (DEMANT, 2008, p.25).

Certa noite, no mês de Ramadã, conta-se, o anjo Gabriel apareceu a

Maomé, que dormia sozinho no monte Hira, e disse: “Recita!” Maomé

hesitou e três vezes o anjo insistiu, até que Maomé perguntou: “O que

recitarei?” O anjo então disse: “Recita em nome de teu Senhor que

criou todas as coisas, criou o homem a partir de coágulos de sangue.

Recita, pois teu Senhor é o mais generoso, que ensinou com a pena,

que ensinou ao homem o que ele não sabia.” Essas palavras, formam

os primeiros quatro versículos do capítulo 96 das escrituras

muçulmanas, conhecidas como Corão2 (LEWIS, 1996, p.59).

Após essas primeiras palavras, vieram outras mensagens, seguindo a mesma

revelação de Deus a Maomé. Como profeta, Maomé passou a levar ao seu povo a

mensagem divina e, em pouco tempo, ele já teria fiéis seguindo-o na constituição da

nova doutrina. “À medida que seus ensinamentos se difundiam, tornavam-se mais claras

as diferenças com as crenças aceitas. Atacavam-se os ídolos dos deuses e as cerimônias

a eles relacionadas; ordenavam-se novas formas de culto, e novos tipos de boas ações”

(HOURANI, 2006, p.37).

A ameaça das revelações de Maomé à elite local fez com que Maomé e seus

seguidores fugissem para outra cidade. Isso ocorreu no ano de 622 d.C. O Profeta e seus

fiéis foram de Meca para Yathrib (LEWIS, 1996, p.60), onde, com o tempo, passou a

ser chamada de Al-Madina (Medina), cujo significado é a Cidade. Esse momento marca

o início do calendário muçulmano e a fuga tem o nome de hijra — migração

(DEMANT, 2008, p.26).

“Em Meca, Maomé fora uma pessoa comum, que lutara inicialmente contra a

indiferença e, em seguida, a hostilidade dos governantes locais. Em Medina, tornou-se o

governante, exercendo autoridade política e militar, além de religiosa” (LEWIS, 1996,

p.60-1).

2 O livro sagrado do Islã pode ser chamado de Corão ou de Alcorão. O “Al” já representa o artigo

definido “o”, então alguns historiadores acham que é pleonasmo dizer Alcorão, e preferem apenas o

Corão, mas, no português, a palavra com o “Al” é mais comum. Portanto, preferiu-se chamar o livro

sagrado de Alcorão, seguindo outras palavras árabes do português, como álcool, algodão e alface.

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24

Quando Maomé e seus seguidores, agora chamados de muslimin — submetidos

— chegaram a Medina, sofreram forte resistência da sociedade local, ocorrendo “lutas

ferozes”, como pontua o historiador Demant (2008, p.26).

Mas, com o tempo, Maomé e os muslimin impuseram sua superioridade militar

e Medina foi a primeira comunidade a se tornar um Estado muçulmano. Houve

conversões, expulsões e extermínios; os que ficaram em Medina se comprometeram a

realizar uma guerra de expansão do Islã.

Seu poder crescente levou um número cada vez maior de tribos a se

aliar a ele e a aceitar a nova fé. Logo os muçulmanos derrotaram os

coraixitas de Meca, que abriram as portas da cidade para o filho

rejeitado. Maomé limpou a Caaba (considerada pelos muçulmanos a

Casa de Deus) de todas as deidades pagãs, mas não afastou a posição

central de sua cidade natal (outorgando inclusive altas posições a

recém-convertidos da elite coraixita, o que desconcertou alguns

seguidores veteranos) (LEWIS, 1996, p.60-1).

Na época da morte de Maomé (632 d.C.), o Islã já tinha se tornado religião, a

mais comum na região de Hijaz, assim como na maior parte da Arábia central

(HOURANI, 2006, p.40).

O historiador, Bernard Lewis (1996, p.61), explica que, com o falecimento do

Profeta, no dia 08 de junho de 632,

[...] ele completara sua missão de arauto de Deus. O objetivo de seu

apostolado, para os muçulmanos, fora restaurar o verdadeiro

monoteísmo ensinado pelos antigos profetas, e desde então

abandonado ou deturpado, abolir a idolatria e trazer a revelação final

de Deus, que corporifica a verdadeira fé e a lei santa.

1.2 Diretrizes do Islã

Para o Islã, Maomé foi o último Profeta, cuja representação divina personifica o

selo, encerrando, assim, a missão espiritual “[...] de manter e defender a Lei Divina e

levá-la ao resto do mundo. O cumprimento efetivo dessa função requeria o exercício

contínuo de poder político e militar – em suma, de soberania – em um Estado” (LEWIS,

1996, p.61).

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25

Como religião, o Islã tem obrigações e proibições. Os pilares dividem-se em

cinco questões:

1 - Shahada (testemunho) – “o testemunho de que só há um Deus, e Maomé é o Seu

Profeta” (HOURANI, 2006, p.201). Essa afirmação deveria ser retomada nas preces

diárias do muçulmano.

2 - Salat (reza que se faz cinco vezes por dia) – Rezas apenas para glorificar e venerar

Deus, nunca para pedir benefícios. O Islã significa submissão e suas rezas são atos de

prostração a Deus. A salat pode acontecer em qualquer lugar, mas os fiéis preferem

realizá-la junto à coletividade muçulmana. Pelo menos uma vez por semana, na sexta-

feira, na prece do meio-dia, eles se reúnem na mesquita para a reza em comunidade. As

preces costumam acontecer cinco vezes ao dia, ao amanhecer, ao meio-dia, no meio da

tarde, após o crepúsculo e na primeira parte da noite (HOURANI, 2006, p.201).

3 - Zakat (esmola) – É a doação de parte de sua renda para fins sociais. Esse terceiro

pilar é uma extensão da salat, os muçulmanos deviam doar parte da sua renda, aqueles

que ultrapassassem certa quantia, para que os homens da religião distribuíssem para os

necessitados (HOURANI, 2006, p.202).

4 - Ramadan (ramadã – é o mês de jejum) – É o ato de jejum com o objetivo de

purificação e penitência para Deus. Também é o mês que o Alcorão foi revelado. Todos

os muçulmanos acima de dez anos deveriam abster-se de comer, beber e de manter

relações sexuais, do amanhecer ao anoitecer. “[...] Faziam-se exceções para os que se

encontravam muito debilitados fisicamente, os doentes mentais, os ocupados em

trabalho pesado ou na guerra, e os viajantes. Isso era encarado como um ato solene de

arrependimento dos pecados, e uma negação do eu em favor de Deus [...]” (HOURANI,

2006, p.202). O fim do Ramadan é comemorado com festas e visitas familiares, as

confraternizações costumam ir do anoitecer até de madrugada.

5 - Hajj (peregrinação a Meca e seus santuários; simboliza a supremacia divina) – A

peregrinação é obrigatória para o fiel, pelo menos uma vez na vida, para a pessoa que

não tem problema de saúde e dispõe de condição para tal ato. Nos anos 20, o hajj

chegou a atrair 50 mil fiéis por ano. Ao aproximar-se de Meca, o muçulmano

purificava-se com abluções, colocava roupas brancas e proclamava falas de

consagração. “A peregrinação era, sob muitos aspectos, o acontecimento central do ano,

talvez de toda uma vida, aquele em que mais plenamente se expressava a unidade dos

muçulmanos uns com os outros” (HOURANI, 2006, p.203-4).

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26

1.3 As relações do Islã com o cristianismo e o judaísmo

Há algumas semelhanças entre o cristianismo e o judaísmo com o Islã. As três

religiões têm a mesma genealogia monoteísta, o Islã se considera uma complementação

das duas primeiras religiões, e que Maomé representa o “selo” dos profetas. No Islã, o

ser humano, por ser falível, nunca subirá até Deus, então, nessa lógica, o criador acaba

descendo aos fiéis. Nesse sentido, no Islã, o seguidor tem que ter um comportamento

ético e de crença a Deus, código de conduta que coincide com a moral judaico-cristã,

mas, na ideia de converter os outros, os politeístas, o Islã se posiciona dizendo que as

pessoas “[...] tinham de escolher entre a conversão ou a morte” (DEMANT, 2008, p.28).

1.3.1 Entrelaço com a primeira religião monoteísta

Em torno de 1800-1700 a.C., constituía-se a “era dos patriarcas”, eram

descendentes de Abraão (Ibrahim para os muçulmanos), o primeiro patriarca a acreditar

num Deus invisível, muito forte e benevolente. Nascia, à luz desse entendimento, o

monoteísmo. A Moisés (1300 a.C.), quem trazia ao povo de Deus uma nova maneira de

entender o mundo, coabitado por grupos politeístas e outros, várias regras de

convivência foram reveladas. A nova forma resumiria os padrões de conduta aos

hebreus, intitulada como uma lei, os Dez Mandamentos (DEMANT, 2008, p.30).

A “revolução monoteísta” originou-se na localidade de Israel, chamada de Terra

de Israel ou Palestina. Esse momento inaugurou para os judeus, o povo escolhido,

segundo o entendimento da doutrina, um contrato de deveres e direitos mútuos. “Os

judeus seguiriam minuciosamente a lei sagrada e se transformariam num povo

sacerdotal, voltado ao serviço divino” (DEMANT, 2008, p.31).

Contudo, esse Deus onipotente e totalmente bom lideraria e protegeria seu povo,

diferente da imprevisibilidade dos antigos deuses e da própria natureza desenfreada.

Mas esse homem realizaria sua parte do chamado de povo escolhido, que era,

justamente, seguir os mandamentos de Deus, comprometendo-se a realizar o bem para

seu Deus para ele não precisar exercer qualquer punição. “Esse compromisso do

indivíduo e do grupo com uma vida virtuosa constitui um momento-chave no

desenvolvimento da consciência” (DEMANT, 2008, p.31).

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27

1.3.2 Influências cristãs ao islamismo?

Tal como o judaísmo, o cristianismo também influenciou o Islã. Segundo a

história do cristianismo, a religião inicia-se, oficialmente, em 33 d.C., ano da

crucificação de Jesus (Issa para os muçulmanos) de Nazaré ou Jesus Cristo. Este morreu

pela intenção de levar todos os pecados do povo de Deus, fato que inaugurou uma nova

era.

Para seus seguidores Jesus foi considerado o Messias, o ungido

(cristo, em grego), e posteriormente, na teologia de Paulo de Tarso,

uma das três expressões da própria divindade. Era uma visão que

conduziu fatalmente à ruptura com o judaísmo oficial. Mas, graças ao

zelo dos apóstolos, que aproveitaram a existência da diáspora judaica

e de uma eficiente rede de comunicações no Império Romano inteiro,

a mensagem cristã se difundiu rapidamente (DEMANT, 2008, p.34).

O historiador Peter Demant (2008, p.34) afirma que a conversão à nova fé foi

facilitada pelo não cumprimento das obrigações, principalmente, daqueles que não eram

judeus. As primeiras igrejas a se cristianizarem foram as das regiões mais desenvolvidas

do Oriente Médio, como Síria, Egito e Cáucaso. “Dentro de alguns séculos, o

cristianismo se tornaria a principal religião no Império Romano, apesar das

perseguições. Em 330, o imperador Constantino reconheceu a nova religião. Cinquenta

anos mais tarde, todas as outras seriam proscritas” (DEMANT, 2008, p.34).

Difere do judaísmo, quando a nova Igreja Cristã primitiva abandonou rituais

antigos com a justificativa de que Cristo deu sua própria vida para que as pessoas não

sofressem mais, ou seja, o autossacrifício de Cristo salvou a humanidade dos seus

pecados.

Também se mostra diferente do Islã, o cristianismo, pois este requer uma

“barreira”, um “encontro mediado” entre criador e criatura, realizado por instituições

como o clero e a própria Igreja; algo não exigido no Islã.

Na ausência de uma figura mediadora entre o mundo dos homens e o

divino, tal como Jesus Cristo no cristianismo, a própria palavra de

Deus adquire importância ainda maior – daí o papel absolutamente

central do Alcorão no Islã. Escrito em árabe, língua sagrada, ele até

hoje não foi traduzido no uso ritual por muçulmanos: faz-se questão

da sua recriação na versão original (DEMANT, 2008, p.35).

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28

1.3.3 Principais diferenças do Islã com as outras religiões

Mais que o cristianismo, o Islã tem características específicas, nele se abrange a

religião em todas as esferas da vida:

Uma questão mais importante é a da originalidade do Corão. Os

estudiosos tentaram situá-lo no contexto de idéias correntes em seu

tempo e lugar. Sem dúvida há ecos nele dos ensinamentos de religiões

anteriores: idéias judaicas nas doutrinas; alguns reflexos de

religiosidade monástica cristã oriental nas meditações sobre os

terrores do julgamento e nas descrições de Céu e Inferno (mas poucas

referências à doutrina ou liturgia cristãs); histórias bíblicas em formas

diferentes das do Velho e do Novo testamento; um eco da idéia

maniqueísta da sucessão de revelações feitas a diferentes povos. Há

também vestígios de uma tradição indígena: as idéias morais em

certos aspectos continuam predominantes na Arábia, embora em

outros rompam com elas; nas primeiras revelações, o tom é de um

adivinho árabe, tartamudeando seu senso de encontro com o

sobrenatural (HOURANI, 2006, p.41-2).

A hibridização dos campos da religião e da política é peculiar do Islã, que

encara, desde a época da comunidade de Medina, constituída por Maomé, o Estado e a

Igreja como único alicerce da religião, fato que se transferiu para o Estado-império

muçulmano, ao longo da história, numa proporção muito maior que a inicial

(HOURANI, 2006, p.40).

Com o falecimento de Maomé, surgiram os suplentes do profeta, que

combinavam a autoridade militar, jurídica e religiosa sobre a comunidade islâmica

(umma), sob o título de khalifa ou, simplesmente em português, califa. “Continuando o

modelo posto em prática por Maomé, o Islã, nos séculos VII e VIII, expandiu-se

rapidamente pelas armas. A umma que se estabeleceu tinha, pelo menos na teoria, uma

mobilização permanente dos muçulmanos para participar em mais conquistas em nome

da fé” (DEMANT, 2008, p.36).

No Islã há também os ulemás, os legistas especializados, que interpretam o Islã à

luz do Alcorão, conforme as realidades que se desenvolvem em torno dos fiéis, mas

esse caráter interpretativo é diferente do realizado pelo mediador, que caracteriza o

clero institucionalizado da Igreja Católica.

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29

1.4 Breve resgate do Islã na história

1.4.1 Depois da morte de Maomé

Como já pontuado, depois do falecimento do profeta, era imprescindível que o

importante papel representado por Maomé fosse repassado aos demais fiéis. Surge,

então, o suplente, que recebeu o nome de califa. Conseguiu dar unicidade aos

muçulmanos entre os anos de 632 e 661. Esse período de liderança dos califas, também

chamados de “bem-guiados” (rashidun), correspondeu à primeira fase do Islã

(DEMANT, 2008, p.37).

Em meados do século VII, o mundo já conhecia a ascendência da nova religião e

um novo poder, o império muçulmano dos califas “[...] que se estendia para leste na

Ásia até, às vezes além, às fronteiras da Índia e da China; a oeste, ao longo da costa sul

do Mediterrâneo, até o Atlântico; ao sul, na direção dos povos negros da África;

enquanto ao norte penetrava nas terras dos povos brancos da Europa” (LEWIS, 1996,

p.62).

No Oriente, a transferência para o arabismo e o islamismo dos povos não-

muçulmanos se deu de maneira gradual, porém mais fácil, pois os impostos cobrados

pelos árabes eram relativamente mais baixos do que os arrecadados pelos bizantinos,

principalmente, para os muçulmanos. “O Estado árabe estendeu a mesma tolerância,

legalmente definida, a todas as formas de cristianismo, sem preocupar-se com os pontos

mais sutis da ortodoxia” (LEWIS, 1996, p.63).

Nos locais conquistados, os árabes estabeleciam uma base militar e um centro

administrativo. Contudo, realizavam essa centralidade em cidades que se situavam perto

de lavouras e à beira do deserto, dando origem a novos centros e a novas cidades,

atendendo às necessidades imperiais. As cidades que já exerciam ressalva de centros de

comércio, como Damasco, foram utilizadas como capitais. “As mais importantes dessas

guarnições foram Kufa e Basra, no Iraque, Qomm, no Irã, Fustat, no Egito, e Qayrawan,

na Tunísia” (LEWIS, 1996, p.63).

A língua falada era o árabe coloquial, que mesmo diante de sua variedade de

formas foi penetrante nos territórios onde o Islã se constituía, e o árabe literário

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30

permanecia como instrumento principal do comércio, da cultura e do próprio governo3

(LEWIS, 1996, p.62).

A arabização e islamização dos povos das províncias conquistadas, e

não a conquista militar em si, é que constituem a autêntica maravilha

do Império árabe. O período em que eles exerceram supremacia

política e militar foi muito curto e, logo depois, viram-se obrigados a

entregar o controle do império, e mesmo a liderança da civilização que

haviam criado a outros povos. A língua, a fé, e a lei, no entanto,

permaneceram – e ainda permanecem – como um monumento

duradouro a seu domínio (LEWIS, 1996, p.65).

1.4.2 A idade de ouro: os primeiros califas

O império dos califas, de 632 a 661, marcou significativamente a história do

Islã, os quatro subiram ao cargo máximo da doutrina por uma sucessão não-hereditária,

intitulada pelos sunitas como eleitoral. Esses primeiros califas eram chamados de

Rashidun, os “retamente guiados” (LEWIS, 1996, p.68).

O primeiro califa, Abu Bakr, cuja filha ‘A’isha era esposa de Maomé, era velho

companheiro de Maomé, teve um reinado curto, de aproximadamente dois anos, de 632

a 634. Antes de morrer, de causa natural, designou Umar ibn al-Khattab, que reinou por

dez anos e desempenhou importância histórica no desenvolvimento do Estado

Muçulmano. Ele foi aceito pela maioria dos companheiros de Abu e não teve oposição

séria. “Os únicos dissidentes eram os que apoiavam as reivindicações de Ali, primo e

genro do Profeta. Para alguns, essa reivindicação repousava em suas qualidades

pessoais como candidato; para outros, constituía uma espécie de direito legítimo à

sucessão do Profeta” (LEWIS, 1996, p.68).

Umar instituiu um novo título para sua imagem, como o de comandante dos

fiéis, “Amir al Muminin”, por ampliar sua posição como autoridade política, militar e

religiosa. Ele conquistou “[...] vastas áreas fora da península, principalmente, do

Império Bizantino: Egito, Síria, Palestina, Mesopotâmia e partes do Cáucaso caíram nas

mãos dos muçulmanos” (DEMANT, 2008, p.38).

Os primeiros califas não dispunham de guardas e de exércitos próprios, eles

reinavam mais pelo respeito dos fiéis aos seus caracteres pessoais do que pela força

3 Ainda hoje, após mais ou menos 14 séculos do início da constituição do Islã, os países conquistados

pelos árabes, com exceções da Europa, no Ocidente, e do Irã e Ásia central, no Oriente, têm a língua

árabe como língua oficial (LEWIS, 1996, p.62).

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militar. Isso corroborou na facilidade que os assassinos tiveram em matar os próximos

três califas. Umar foi morto por um escravo cristão descontente, em 644 (LEWIS, 1996,

p.68-9).

No leito de morte, Umar convocou uma comissão (shura) de seis companheiros

com o objetivo de indicar um como próximo califa. Reconheceram Uthman, cuja

origem remetia ao antigo clã de Meca, representava a aristocracia da cidade e era

membro convertido na época do retorno de Maomé às origens (LEWIS, 1996, p.69).

O caráter de Uthman, no entanto, não inspirava o mesmo respeito que

o tributado a seus predecessores. O laço religioso, mais de uma década

após a morte do Profeta, começava a debilitar-se e foi ainda mais

forçado pela gana com que a aristocracia de Meca explorava as

oportunidades que foram concedidas com a ascensão de um de seus

membros ao mais alto cargo. A pressão da autoridade, sempre irritante

para membros de tribos nômades, começava a tornar-se intolerável

(LEWIS, 1996, p.69).

Após a Batalha dos Mastros (654-55), na qual os muçulmanos venceram os

bizantinos, o povo e o Império Muçulmano tiveram um tempo para descanso, resultando

em reflexões, debates e queixas. Disso explodiu uma série “[...] devastadora de guerras

civis entre árabes” (LEWIS, 1996, p.69).

Para o historiador Peter Demant, as riquezas advindas da expansão e exploração

dos territórios ocupados pelo Islã começaram a se dirigir para as mãos dos clãs árabes

mais favorecidos. “As diferenças de renda se tornaram cada vez mais marcantes e a

competição pelo controle do espólio se acirrou” (2008, p.38).

Em 656, um grupo do exército árabe do Egito assassinou o califa Uthman, em

seus aposentos, inaugurando oficialmente uma guerra entre os seguidores do califa e o

próprio exército maometano (seguidores de Maomé). Vitoriosos, os assassinos

empossaram Ali ibn Abi Talib, o primo e genro do Profeta, que recebeu apoio do povo

para liderar um novo regime, acendendo a esperança da época, machucada por tanto

sangue derramado dos conflitos entre os árabes (LEWIS, 1996, p.69-0). Os seguidores

de Ali formaram um partido, cujo nome nasceu como shiatu Ali, e, depois,

convencionou-se, simplesmente, Shia (LEWIS, 1996, p.69-0).

Após cinco anos de califado, Ali foi assassinado em 661 por um membro de uma

seita religiosa árabe. Nessa época, ocorria uma guerra civil, existiam várias facções

inimigas nesse contexto, e foi a liderada por Muawiya ibn Abi Sufyan; governante da

Síria, na qual se sobressaiu. Muawiya era primo do califa Uthman (assassinado) e

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32

membro importante da família de Meca; pela tradição dizia-se que ele tinha o dever de

se vingar do parente morto. “Como governador da Síria, na fronteira militar entre os

mundos: islâmico e bizantino cristão, comandava um bem treinado e disciplinado

exército, aureolado pelo brilho da guerra santa e fortalecido pela experiência ganha em

combate” (LEWIS, 1996, p.70).

O califa Ali havia deixado um filho mais velho, Hassan, quem poderia ser

considerado o novo líder, mas preferiu renunciar em prol de Muawiya para fins,

momentaneamente, mais pacíficos (LEWIS, 1996, p.70). Mas, para Peter Demant,

Hassan abdicou do reinado em troca de uma aposentadoria tranquila (2008, p.40).

Os membros do partido de Ali, a Shia, dão novo incentivo ao cenário vigente e,

não satisfeitos com Muawiya, intitulam-no usurpador, inaugurando assim uma facção

do Islã que existe até os dias atuais, os xiitas, cuja esperança era depositada no segundo

filho de Ali, Hussein, pois acreditavam na sucessão por legalidade hereditária.

Em 680, Muawiya foi sucedido por Yazid, seu filho, estabelecendo um “[...]

precedente, seguido pela maioria dos califas posteriores, ao designar em vida o filho

Yazid como herdeiro presuntivo” (LEWIS, 1996, p.70). Ocorreu, nesse mesmo ano,

uma rebelião dos xiitas contra o governo de Yazid, mas a pequena facção foi

exterminada em Karbala, no Iraque, e Hussein foi decapitado (DEMANT, 2008, p.40).

O califado de Yazid foi marcado pela “normalidade” e pela tradição, sunna,

consolidando-se a supremacia omíada que vinha da corrente sunita ortodoxa

conformista, “establishment” (DEMANT, 2008, p.40).

Mas a ala do xiismo não foi erradicada por completo, o partido derrotado

desenvolveu-se em opositores dos omíadas, com tradições próprias e com marcas

singulares, como a crença pelos valores de justiça social vistos pela ótica da ideologia

milenarista e pela empatia com o martírio (DEMANT, 2008, p.40).

1.4.3 Avanço árabe: Império Omíada (661-750)

Para o Império Omíada vinculou-se o nome, na história, de dinastia, que ainda é

entendida como a sucessão do soberano de quem governa ou reina por hereditariedade

e, na maioria das vezes, pelos primogênitos homens.

A dinastia Omíada foi identificada como um período de transição, anteriormente

marcado por uma comunidade religiosa, para se caracterizar como um Estado

centralizado e islâmico.

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33

Nessas décadas de Império, houve questões que se sobrepuseram, definindo a

continuidade da história, uma delas é a taxa imperial, o imposto para os que não eram

muçulmanos e depois se converteram em sua maioria, gerando rupturas “fiscais” e

rancores internos entre os árabes.

Os não-muçulmanos eram “protegidos”, enquanto comunidade obediente à

dinastia e eram reconhecidos como dhimmis, podendo exercer sua crença desde que

aceitassem certos símbolos externos,

[...] como determinado tipo de vestuário, marca de sua inferioridade.

Mediante o pagamento da jizya, imposto cobrado, por pessoa, em sinal

do reconhecimento da primazia do Islã, e espécie de resgate do serviço

militar (ou seja, a não participação no jihad, reservada aos

muçulmanos), os dhimmis podiam continuar professando livremente

sua religião e também participar da sociedade (DEMANT, 2008,

p.42).

Segundo o historiador Peter Demant, esse sistema implicou problemáticas

futuras, uma delas envolve o processo de desmilitarização dos dhimmis; isso os deixava

bastante vulneráveis na sociedade islâmica nascente. E, aos poucos, os dhimmis foram

se convertendo ao Islã e, assim, desobrigados de pagar a jizya. Com isso, o império

muçulmano se vê numa situação complicada economicamente, pois ao passo que

deveriam seguir com a expansão do Islã, convertendo os fiéis, eles deixariam de

arrecadar impostos necessários para a manutenção do Império recém-formado. Mas a

própria história indicou salvaguardas aos líderes muçulmanos, os quais presenciaram a

entrada dos antes dhimmis, agora, convertidos ao Islã, no exército muçulmano imperial,

e as perdas em relação aos impostos foram em partes suprimidas pelos espólios de

guerra dos novos convertidos (DEMANT, 2008, p.42).

Além disso, só se inseria no poder político quem fosse muçulmano. Em razão

desse almejo, muitos se converteram já pensando na política, porém, nos anos de

Império Omíada, os novos convertidos, chamados, na época, de não totalmente árabes,

ainda foram discriminados e se viram obrigados a se vincularem às tribos árabes,

posicionando-se num nível inferior e de cunho clientelista, intitulado mawali

(HOURANI, 2006, p.54).

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34

1.4.4 Influências imperiais: Império Abássida (750-1258)

Os mawalis, principalmente, os do território da antiga Pérsia, introduziram-se

lentamente na administração do Império Omíada. E esse povo vinha de uma tradição

mais identitária, fato que influenciou muito a constituição do novo Império Muçulmano

que emergia, o Abássida.

Com a integração de funcionários nativos, mais desenvolvidos, o

Império Omíada absorveu nítidas influências gregas e persas. No

entanto, a institucionalização do poder imperial afetou a “pureza

muçulmana” primordial. O califa se tornava monarca semidivino,

absoluto e distante, processo que se completaria sob uma nova

dinastia (DEMANT, 2008, p.43).

Além disso, houve um forte descontentamento dos mawalis e, nos anos 740,

lideraram uma rebelião sob a chefia de Abual-Abbas, cujo parentesco vinculava-se ao

Profeta, mesmo distante, influenciou a época e conduziu seu povo à vitória,

inaugurando uma nova dinastia, a Abássica, igualando os direitos de todos os

muçulmanos, tanto árabes quanto não-árabes. Desse confronto, um herdeiro da dinastia

Omíada se salvou e fugiu para a Espanha, onde essa vertente religiosa se manteve até

meados de 1031 (DEMANT, 2008, p.43).

“Apesar de conflitos e revoltas ocasionais, o califado conseguiu em geral

garantir uma prolongada época de paz interna, além de um mínimo de justiça e

tolerância para com seus súditos” (DEMANT, 2008, p.43).

Os dois primeiros séculos desse império, até 945, formaram o cenário histórico

mais reconhecido pela prosperidade e desenvolvimento cultural, chamado de época de

ouro da civilização muçulmana (DEMANT, 2008, p.43).

Contudo, após esses tempos de ascensão, floresceu antigas brigas e discórdias,

tal como a das minorias com a maioria árabe-muçulmana, produto principal das

pressões e violências impostas pelos anos de regimes muçulmanos.

Desse processo heterogêneo de grupos étnicos, abrigaram-se, no mundo árabe,

quatro vertentes significativas (DEMANT, 2008, p.44):

1- “[...] os arabófonos não-muçulmanos (como os maronitas no Líbano)”

2-“[...] muçulmanos não arabófonos (caso dos curdos e dos berberes no

Marrocos)”

3- “[...] grupos nem muçulmanos nem árabes (os armênios, por exemplo)”

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35

4- “[...] cismáticos muçulmanos, muitos deles reunidos em seitas xiitas mais ou

menos radicais e exotéricas (druzos, ismailitas, nusairis, alawitas, etc.), além de

cariditas, bahai e outros”

Esses grupos minoritários ainda existem e, em alguns casos, com outra

nomenclatura; eles se encontram nos famosos “bolsões”, territórios delimitados, sofrem

constantes pressões nas fronteiras, assim como aqueles que passaram por diásporas,

como os judeus, até 1948 (quando foi criado Israel).

Demant afirma que as pressões para a uniformização cultural sempre existiram,

umas mais violentas em relação às outras, e pontua que

[...] os reinos muçulmanos nunca dispuseram dos recursos (nem do

impulso ideológico) que a Espanha, a França ou a Inglaterra forjaram

na Idade Moderna com essa finalidade, tais como a limpeza ético-

religiosa implementada em Castela e Aragão pelos reis católicos nos

séculos XV e XVI ou, na França, por Luís XIV no século XVII. Como

resultado, o mundo muçulmano é heterogêneo. Atualmente, a única

sociedade do Oriente Médio mais ou menos homogênea é a Turquia;

mas tal unidade só foi garantida à custa de genocídios e de trocas

forçadas de populações no século XX (2008, p.44).

1.4.4.1 Características culturais e jurídicas do Islã

A crescente unificação econômica do Oriente Médio levou o Islã a passar por

conflitos internos de interpretação da doutrina, visto que já havia passado gerações do

Profeta e de testemunhos de pessoas que viveram as primeiras elucidações do Alcorão.

Contudo, a religião desenvolveu uma técnica jurídica para interpretar as fontes

religiosas no intuito de facilitar, com mais proximidade à palavra, o gerenciamento das

regras de conduta religiosa e social baseadas na doutrina. Nesse sentido, optou-se pelo

apoio de quatro fontes para a caracterização do pensamento unificado: Alcorão,

rascunhos das palavras de Maomé, ciência crítica (raciocínio analógico) e, se fosse

preciso, o auxílio do consenso entre os ulemás (HOURANI, 2006, p.92-3). Logo os

ulemás representavam “os guadiães da consciência moral da comunidade” (HOURANI,

2006, p.215).

Diante disso, originaram quatro escolas jurídicas ortodoxas (HOURANI, 2006,

p.215-8) — chamadas madhhabs —, ou escolas de interpretação moral e legal, cuja base

está nas escritas originais, e vigoram até hoje no mundo muçulmano:

1- Predominantemente no Oriente Médio, na Ásia e no subcontinente indiano, a

escola hanifita, fundada pelo idealizador Abu Hanifa (699-767).

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36

2- A escola malikita, entendida como mais conservadora, idealizada por Malik

ibn Annas (711-795). Hoje, ocupa o território africano ocidental do Islã.

3- A escola shafiita, mais disseminada pelo mundo, ocupa as regiões do Egito

inferior, África oriental, Arábia meridional e Indonésia, foi dirigida por Muhammad ibn

Idris al-Shafi’i (767-820).

4- Na linha mais fundamentalista, Ahmad ibn Hanbal desenvolveu o

hanbalismo, voltando-se às raízes das interpretações, numa postura mais rigorosa. Tem

seguidores em partes da Arábia Saudita e, principalmente, influencia, na atualidade,

núcleos pequenos de muçulmanos fundamentalistas. Um ideólogo significativo dessa

escola foi Sayyid Qutb, egípcio que estudou nos Estados Unidos, nos anos 50-60, e

voltou para o Egito, onde reergueu a bandeira fundamentalista e, após sua morte, foi

considerado mártir (WRIGHT, 2007, p.19-75).

Sayyid Qutb, grande pensador fundamentalista, conduziu o Islã a uma nova

direção, nem tradicionalista nem modernista. O jornalista Lawrence Wright, quem

desenvolveu uma pesquisa aprofundada sobre os novos grupos fundamentalistas até o

11 de setembro, explica, ao resgatar a trajetória de Qutb, que o pensador sofreu

significativa influência ideológica dos anos de modernidade vivenciados nos Estados

Unidos estudando, entre 1948 e 1951.

Qutb escrevia, periodicamente, para os amigos da Irmandade Muçulmana e

contava, principalmente, sobre os abusos do povo americano em relação à vida sexual,

ao excesso de dinheiro, ao consumo e a respeito da ausência de Deus em todos os

valores da vida americana (WRIGHT, 2007, p.36-7).

É claro que ele estava escrevendo não só sobre os Estados Unidos.

Sua preocupação central era com a modernidade. Os valores modernos

— secularismo, racionalidade, democracia, subjetividade,

individualismo, mistura dos sexos, tolerância, materialismo — haviam

infectado o islã por intermédio da colonização ocidental. Os Estados

Unidos agora representavam tudo aquilo (WRIGHT, 2007, p.37).

Qutb pretendia evidenciar, a partir desse contato com o Ocidente, com a

modernidade e com os Estados Unidos, a incompatibilidade do Islã com esse contexto.

Em suas reflexões escritas, Qutb indicava a divergência sobre o assunto. Dizia que a

“[...] separação entre o sagrado e o secular, Estado e religião, ciência e teologia, mente e

espírito [...]” (WRIGHT, 2007, p.37) eram marcas modernas responsáveis pelo

aprisionamento do Ocidente e o Islã tinha a missão de rever essa emergência modernista

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37

ocidental, pois pensava que “[...] só restaurando o Islã no centro da vida, das leis e do

governo os muçulmanos poderiam ter esperança de reconquistar seu lugar de direito no

mundo, como a cultura predominante. Era seu dever, não apenas para consigo mesmo,

mas para com Deus” (WRIGHT, 2007, p.37).

Quando Qutb retornou ao Egito, foi convidado por Nasser para trabalhar na área

da educação, como inspetor educacional, e, em paralelo ao trabalho no governo,

desempenhou um importante papel na Irmandade, quando colaborou para o levante cuja

pretensão era tirar Nasser da liderança. Mas o movimento rebelde não conseguiu, em

curto prazo, tal empreitada. Como resultado, Qutb foi enforcado em 1966. O pensador

deixou adeptos fervorosos pelo Egito e arredores muçulmanos; despertou o

fundamentalismo islâmico para uma nova era de significados históricos, inaugurou

como pensamento uma vertente extremista contra a modernidade, o Ocidente e os

Estados Unidos (DEMANT, 2008, p.204-5). Segundo Wright, Qutb morreu como mártir

entre a população egípcia.

“Desde seu martírio, Qutb se tornou o maior guru dos fundamentalistas sunitas.

Sua obra mais extremista, Marcos Miliários (Ma’alim fi al-tariq), tem sido leitura

obrigatória para gerações de fundamentalistas posteriores” (DEMANT, 2008, p.213).

Essas quatro madhhabs centralizaram a lei islâmica no universo sunita com uma

dura luta cultural, em determinados períodos (HOURANI, 2006, p.126).

À medida que os estudos muçulmanos ramificaram as escolas jurídicas, foram

desenvolvidas as correntes de pensamento; tornaram-se clássicas e influentes na

formação de comunidades e na constituição de paradigmas do Islã (DEMANT, 2008,

p.48-52).

Existiram cinco importantes ortodoxias: a xaria clássica, a falsafa, o sufismo, o

xiismo e a adab. A primeira é advinda da escola conservadora, caracteriza-se por rejeitar

quaisquer dimensões não controladas pela religião; a xaria deve ser intérprete das

condutas humanas, as quais serão encaminhadas a serviço de Deus. A segunda originou-

se do contexto tempestuoso do redescobrimento dos clássicos da filosofia grega pelo

mundo muçulmano, que gerou o ponto de partida para uma corrente intelectual

intitulada como “progressiva”, a qual consistia em conhecer antes esse Deus para depois

servi-lo. “Essa enfatizava o poder do livre pensamento: corretamente aplicada, a razão,

por força própria, pode alcançar os mesmos entendimentos sobre o mundo, visível e

invisível, que a revelação divina” (DEMANT, 2008, p.49).

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38

A falsafa, como escola progressista, chegou a ser doutrina oficial em 827, mas

não sobreviveu às fortes reações antirracionalistas, isso a levou, a partir de 891, a

violentos embates e perseguições.

O sufismo, hoje é a ortodoxia vigente no Islã oficial, ocupou essa posição de

maneira gradual e lenta, resistindo a muitas guerras e conflitos internos do Islã. Os

sufistas acreditam numa ideia mística das explicações de Deus e da sua divindade; nela

visualiza-se a busca da “reunião da alma com o Criador” (DEMANT, 2008, p.49). Sua

origem veio de líderes religiosos místicos, chamados de sufis (talvez por causa do

vestuário à base de lã- suf).

O espectro da atuação mística no mundo muçulmano é, portanto,

extremamente amplo. Nos últimos séculos, tais ordens sufis têm

representado um papel absolutamente central na expansão do Islã,

particularmente na Ásia central, Indonésia e África. Sem seu impacto,

não se explicaria a recente retomada de crescimento do Islã

(DEMANT, 2008, p.51).

A corrente do xiismo é de caráter contestador da legitimidade califal. Em razão

disso, na história do Islã, sofreram periódicos assassinatos dos seus líderes, os

descendentes do Profeta. Seus adeptos chegaram a permanecer no controle do Irã

setentrional (na época da dinastia abássica) e depois no Iêmen, onde permaneceram até

o século XX. “Os xiitas passaram a adotar a taqiya, negação oportunista de suas

verdadeiras crenças, tática que permitiu sua sobrevivência e re-emergência periódica”

(DEMANT, 2008, p.51).

A omissão dessa época difícil, de muitas perseguições, foi chamada “a Grande

Ocultação”, que consistia na espera por tempos mais tranquilos. “Durante o milênio

seguinte, o xiismo viveu da esperança messiânica do retorno do seu líder (imã5) oculto

— Muhammad al-Mhdi (O Esperado).” Essa corrente assume transformações na

atualidade em razão do seu teor de contestação à ordem vigente, agora não precisando

ser mais califal (DEMANT, 2008, p.51).

A última e pouco influente corrente, a adab, significa a cultura letrada, ou estilo

de vida das classes superiores. De tanto que se importavam e estudavam os saberes

disponíveis, desinteressavam-se pelo culto à religiosidade, desaparecendo do seio do

Islã médio e moderno, enquanto corrente reflexiva (DEMANT, 2008, p.52).

5 O imã é o termo xiita equivalente ao califa sunita, significa aquele que está na frente da congregação.

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39

1.4.5 O mundo muçulmano na Idade Média

Entre os séculos XI-XV, o mundo árabe se descentralizou, ocorreram várias

invasões externas e conflitos internos, além de gerar muitas doenças e outras

calamidades, no Oriente Médio, causaram impacto negativo e arrasador. Nesse sentido,

o mundo árabe entrou em declínio, muitos grupos de árabes-muçulmanos se

locomoveram de suas terras natais, expandindo o Islã para a Índia, sudeste asiático e

para a África.

Pode-se se destacar três significativos fatos históricos, neste breve relato,

considerados colaboradores para o afastamento dos árabes-muçulmanos do poder do

Oriente Médio. O primeiro envolve uma questão, bastante frequente, quando se fala nos

conflitos atuais da Palestina. Sua origem advém da conquista cristã de Jerusalém pelas

famosas cruzadas, em 1099. O historiador Peter Demant afirma que houve “[...] um

massacre de toda sua população, assim como outros sucessos iniciais dessas invasões na

região central do Islã, alarmou o mundo muçulmano. Eram as primeiras perdas

territoriais significativas desde o início do Islã” (2008, p.54).

Ao passar dos anos, a queda de Jerusalém, antes no poder do Islã, tornou-se uma

presente simbologia da agressão cristã à religião islâmica. As cruzadas de 1099 a 1187

tiveram o desfecho, no caso de Jerusalém, em especial, da Palestina, favorável ao

mundo muçulmano, que, na liderança de Salah al-Din, popularmente mais conhecido

como Saladino, reconquista a Palestina. O cenário das cruzadas “[...] traduziu a agressão

ocidental e o êxito da resistência muçulmana a esta” (DEMANT, 2008, p.54).

Contudo, somava-se a esse momento a perda dos muçulmanos da península

ibérica, bem como se iniciava a “devastação” que vinha do extremo Oriente com as

invasões mongólicas (HOURANI, 2006, p.122).

Durante o século XIII, a área oriental foi perturbada pela irrupção no

mundo muçulmano de uma dinastia mongol não-muçulmana, vinda da

Ásia Oriental, com um exército formado de tribos mongóis e turcas

das estepes da Ásia interior. Eles conquistaram o Irã e o Iraque, e

puseram fim ao Califado Abácidas em Bagdá, em 1258 (HOURANI,

2006, p.122).

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40

Demant afirma que o neto de Genghis Khan ao invadir Bagdá matou o último

califa, massacrou a metrópole e sua redondeza6 (2008, p.54).

O Império Mongol não foi duradouro, estabeleceu-se no mundo muçulmano

oriental, mas sua pequena elite militar foi logo absorvida culturalmente pelo Islã e

transformou-se em mecenas das artes. Todavia, as graves destruições não se finalizaram

ao mesmo tempo das inserções mongóis ao Islã.

A contínua fragmentação política dava início às incessantes guerras civis; passou

ao povo muita insegurança e envenenou o comércio, visto que o Oriente Médio era zona

de trânsito principal da região. Mas esse colapso político-social e a proliferação de

pestes (uma famosa, a qual se denominou peste negra) e outras pandemias, levaram ao

declínio demográfico irrevogável do Oriente (HOURANI, 2006, p.130-8).

Somente no século XV, o mundo muçulmano ressurgia, “[...] sob o ímpeto turco

em particular, mas ao preço de uma marcada rigidez do Islã.” Nessa época, o Oriente

Médio entrou em processo de feudalização, ruralizou a economia, tinha, como principal

dicotomia de governo, o conflito étnico-político da camada turca militar com a

administração-judicial de cultura árabe-persa.

Entretanto, o aparente equilíbrio teve um peso forte na questão cultural-religiosa:

Efetivou-se a restauração sunita, baseada numa ortodoxia muçulmana

que se tornou mais dogmática, escolástica e distante da religiosidade

popular. Esta, desconsiderando o rigor da xaria, refugiou-se, nessa

época de incertezas e confusão, cada vez mais em seitas místicas sufis:

o equivalente sunita da exaltação xiita. A crescente dicotomia

religiosa entre o “Islã alto” dos bazaris e dos ulemás e o Islã popular

se tornou uma marca permanente das sociedades muçulmanas. Nos

dias de hoje, essa divisão funciona como suporte para a atuação de

fundamentalistas, que tentam impor a versão “pura” do Islã às classes

populares (DEMANT, 2008, p.55-6).

1.4.6 Império Otomano e o rumo da civilização muçulmana atual

Para o historiador Albert Hourani (2006, p.287), depois do Império Romano, a

parte ocidental do mundo encontrava no Império Otomano a maior estrutura política,

dominando a Europa Oriental, a Ásia Ocidental e a maior parte do Magreb, e também

conseguiu manter unidas várias diversidades étnicas, como grega, sérvia, búlgara,

6 “Comparando, foi o equivalente à destruição, multiplicada por mil, das torres gêmeas de Nova York –

tanto pelas perdas materiais e humanas quanto pela aniquilação do maior centro da civilização na época”

(DEMANT, 2008, p.54).

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41

romena, armênia, turca e árabe. “[...] E várias comunidades religiosas ─ muçulmanas

sunitas e xiitas, cristãos de todas as Igrejas históricas, e judeus. Manteve seu domínio

sobre a maioria deles por mais ou menos quatrocentos anos, e sobre alguns por até

seiscentos anos” (HOURANI, 2006, p.287).

Desse processo, o século XVI desempenhou um papel de divisor de águas na

história do Oriente Médio, pois foi nessa época que o Império Otomano, liderado pelos

muçulmanos turcos, sucedeu a era dos califas e conquistou parte significativa do atual

mundo árabe. Os otomanos implantaram a supremacia sunita, mas a Pérsia (da corrente

do xiismo) não tinha sido derrotada e, durante séculos, os dois impérios se

confrontaram, resultando em uma rivalidade ideológica. “O Irã (o novo nome da Pérsia

desde os anos 1930) é hoje solidamente xiita, enquanto no resto do Oriente Médio –

exceto em alguns redutos isolados – o sunismo é a religião predominante” (DEMANT,

2008, p.56).

Os otomanos se organizaram para viver com maioria sunita e outras tantas

minorias, um sistema millets, ou seja, “[...] nações religiosas: cada comunidade religiosa

tinha sua autonomia interna reconhecida e funcionava como uma nação não-territorial,

ou seja, uma pessoa jurídica coletiva, uma corporação dispersa, (...) cujo líder espiritual

era responsável frente ao sultão [...]” (DEMANT, 2008, p.56). Embora apenas no século

XIX o sultão otamano reconheceria formalmente essas nações religiosas como millets,

ou comunidade separada, segundo o historiador Albert Hourani (2006, p.321).

O clima de contrastes dos millets se agravou com a integração otomana ao

mercado global e com o vínculo ideológico do nacionalismo expoente.

Com todas essas discordâncias contextuais, os otomanos construíram, ainda, um

império resistente, mesmo na época da sua decadência, processo lento, que se deu em

muitos anos. Caracterizaram-se, também, pela tolerância, abarcaram todos os sunitas,

indiferente da língua ou da nacionalidade (árabe ou turca). No entanto, a chegada da

onda nacionalista vinda da Europa, percorria o mundo de modo que inviabilizou a

convivência entre turcos e árabes, pois se aguçava a identidade nacional de cada

localidade, delimitando as territorialidades imperiais e ressurgindo antigos ranços

étnicos.

O historiador Peter Demant explica que o Império Otomano foi o último poder

muçulmano, mas não árabe, a unificar o Oriente Médio, além de parte da Europa.

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42

Viveu três séculos de expansão, seguidos de três séculos de

estagnação e encolhimento, até seu desfecho final, após a Primeira

Guerra Mundial. Além do Islã e da força militar, sua emergência e

decadência foram comerciais por fatores econômicos distantes. Assim,

a restauração de ligações comerciais imediatas entre a Europa e a

China após a unificação pelos mongóis estimulou o apetite dos

europeus pelas riquezas (e mercados) orientais. Ora, quem controlava

o mundo muçulmano controlava, por consequência, o acesso ao

Extremo Oriente (DEMANT, 2008, p.58-9).

As implicações dos avanços territoriais otomanos foram, em parte, entravar o

comércio do Ocidente com o Oriente, ocasionando, involuntariamente, as “viagens de

descobrimento” ao continente americano. Essas descobertas e perdas territoriais

marítimas pelo Oriente causaram efeitos colaterais terríveis na economia otomana,

como, por exemplo, a principal: a inflação, problematizando o gerenciamento do

comércio de artesanato, uma significativa fonte de renda do império otomano

(DEMANT, 2008, p.59-0).

Além dos fatores estruturais, existiu, nessa época, no Ocidente, a formação de

estigmas sobre o Oriente Médio. As imagens e estereótipos históricos sobre o mundo

muçulmano agravaram e continuam a se agravar em caricaturas exageradas,

colaborando com o imaginário social, generalizações com características específicas que

transformam fatos verdadeiros em deturpadas formas de compreender essa realidade

distante da Ocidental.

É, no entanto, necessário contrapor essa imagem a outras, também

intimamente associadas ao Islã: a do muçulmano hospitaleiro e

cavalheiresco, tipificado por Saladino, o Aiúbida, líder curdo-egípicio

que no século XII retomou com fidalguia Jerusalém dos cruzados

europeus; e a do paxá gordo e indolente que se entrega às delícias

sensuais de seu harém (DEMANT, 2004, p.17).

Em parte, esses estereótipos advinham da posição culturalmente distante que o

Oriente mantinha (e, em muitos fatores da vida moderna, continua tendo) do Ocidente.

No caminho antievolutivo do processo tecnológico, que ocorria no Oriente, o Império

Otomano não produziu grandes invenções, não se renovou, nem se atualizou, pois o

“[...] Islã como molde organizacional era incontestável, mas a religião praticamente não

evolui mais” (DEMANT, 2008, p.60).

Em 1862, o ministro das Relações Exteriores do Império Otomano, Ali Paxá,

escreveu uma carta a seu embaixador em Paris, dizendo sobre os últimos

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43

acontecimentos da Europa em geral, num discurso diplomático, e comentou, inclusive,

acerca da recente unificação nacional italiana, à qual era claramente desfavorável.

Ali Paxá foi um profeta exato, embora a estimativa de “um século”

ficasse aquém da realidade. Ele, na verdade, era melhor profeta do que

observador do cenário da época, uma vez que o vírus do nacionalismo,

que tanto temia e, poderíamos dizer, com razão, acabara de infiltrar-se

no corpo político e iniciara os processos que inflamariam, debilitariam

e, finalmente, destruiriam o Império otomano (LEWIS, 1996, p.280).

Segundo o historiador Bernard Lewis (1996, p.280-1), a raiz do “vírus

nacionalista” iniciou-se com as reflexões da Revolução Francesa, promovida duramente

pelos franceses e aceita esperançosamente por uma minoria da população. As reflexões

despontadas da Revolução ganharam a população e tornaram-se dominantes em pouco

tempo.

A Revolução Francesa foi o primeiro movimento reflexivo advindo da Europa

que repercutiu impactantemente no Oriente Médio iniciando um novo cenário de crítica

por meio das ideias que emergiram sobre a realidade para o povo. Isso só foi possível

por ser um movimento sem alicerce cristão, como foi a Renascença, a Reforma, o

Iluminismo e a própria Revolução Científica, mas as ideias foram interpretadas como

cristãs, portanto, ignoradas pelo Islã (LEWIS, 1996, p.281).

Outro contraste entre a Revolução Francesa e movimentos anteriores

na Europa foi que os franceses tomaram medidas concretas para

promover suas ideias entre os povos do Oriente Médio. No início, foi

mínima a reação à propaganda revolucionária francesa, e confinada

principalmente aos povos cristãos subjugados. Entre eles, porém,

disseminaram-se rapidamente e, sem que passasse muito tempo,

afetaram não só os súditos, mas os senhores do Império. Para adotar

uma símile usada por vários escritores otomanos da época, as novas

ideias francesas espalharam-se como o novo mal francês (LEWIS,

1996, p.282).

No entanto, o lema da Revolução “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” não foi

ideia totalmente nova para o pensamento islâmico. A ênfase da liberdade costumava ser

um conceito bem entendido pelo povo do Oriente Médio, aproximava da interpretação

que o Islã concedia para a “irmandade dos crentes”, bem como o termo igualdade,

representava a unicidade entre os membros do seu povo fiel. As diferenças étnicas entre

os grupos sociais do Islã não faziam parte da religião em si, mas eram visualizadas

(como são até hoje) como ascensões inevitáveis da religião, de caráter tão híbrido.

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44

Bernard Lewis ressalta que esses privilégios entre os povos do Islã aconteciam a seu

despeito e “[...] nunca adquiriram a estabilidade e o reconhecimento que desfrutavam na

Europa” (1996, p.282).

O historiador Lewis atenta para uma diferença conotativa do conceito de

Liberdade, comum ao Islã, diferenciando da epistemologia da palavra dos europeus. No

Islã, o oposto de tirania não era liberdade e, sim, justiça. Portanto, o sentido político que

o termo Liberdade encerrava na Revolução Francesa era compreendido na sociedade

islâmica como justiça, qualificação inerente a um bom governo, cujo governante tem o

dever de representar, não como um direito dos súditos. Logo, pode-se avançar para uma

ideia posterior: a visão que o Ocidente tem de cidadania, de participação do povo, que

influiu significativamente nas novas reflexões da Revolução para o Oriente Médio

(1996, p.283).

O Oriente Médio sentiu de perto, pela Grécia (que se dividiu, devido ao Tratado

de Campo Formio, em República Francesa e Império Habsburgo, em 1797), as novas

mudanças práticas se desmembrando: “[...] decretos que privavam a nobreza de

privilégios, libertação dos camponeses de trabalho escravo, realização de eleições e, em

geral, conversas sobre liberdade e igualdade” (LEWIS, 1996, p.284).

Nessa linha de pensamento, emergia ao repertório islâmico duas novas

expressões apaixonantes: “glória antiga” e “liberdade moderna”; estas tinham ainda

mais sentido quando acopladas à luz da ideia de cidadania, reforçando os conceitos

nascentes da época: o patriotismo e o nacionalismo. Da aceitação do país e da nação,

não apenas da religião, como elementos “[...] determinantes da identidade e da lealdade

e, portanto, da legitimidade e da fidelidade” (LEWIS, 1996, p.284) renasceu antigos

conflitos éticos e culturais no Oriente Médio, além da cristalização de raízes

maniqueístas acerca do entendimento da liberdade, da cidadania e, principalmente, da

ideia de unificação igualitária entre os povos.

Lewis explica que na época surgiram resistentes movimentos de oposição a

qualquer ato de unificação das etnias, como iguais, dentre esses houve uma refutação,

distribuída em turco e árabe, salientando o perigo da influência francesa e da

Revolução, remetendo ao povo francês caráter satânico por não ser um povo fiel a Deus

e ao seu ensinamento, fazendo referência ao Alcorão (114:5), este dizia que Satã é “[...]

o intrigante que se esconde e sussurra no coração dos homens” (apud LEWIS, 1996,

p.285).

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45

Mesmo diante de significativa oposição aos novos conceitos políticos da Europa,

o patriotismo, enquanto amor à terra natal, dever político — se necessário militar — e

prestação de contas ao governo, consolidou-se no corpo da sociedade oriental e tornou-

se associado a duas outras questões: “[...] unificação de elementos diversos da

população do país em uma única fidelidade nacional e a convicção cada vez maior de

que o povo, não a Igreja e o Estado, era a única e autêntica fonte de soberania” (LEWIS,

1996, p.291).

De meados do século XIX em diante, o patriotismo foi aceito com dificuldades e

facilmente substituído por um conceito diferente, o nacionalismo. O entendimento de

nação engloba questões da língua, da cultura, das raízes étnicas, algo muito além da

ideia do patriotismo. Nesse sentido, a realidade de nação ao Oriente Médio era mais

inteligível do que o patriotismo liberal do Ocidente (LEWIS, 1996, p.292-3).

No decorrer do fim do século, o nacionalismo serviu de ingrediente concreto

para os millets gerarem desentendimentos no império otomano, potencializando as

tensões contestatórias das etnias e, com o florescimento do nacionalismo, as minorias

ascenderam e começaram a traduzir-se em identidades religiosas, em termos

nacionalistas.

As Igrejas-nação se tornaram incubadoras de sentimentos

nacionalistas, e acolheram os novos movimentos que buscavam mais

privilégios, mais autonomia e até a independência para seus co-

nacionais na secessão do império. (...) Esse processo coincidiu com a

penetração imperialista ocidental dentro do império, o que o

enfraqueceu ainda mais (DEMANT, 2008, p.61).

A soma desses fatos sociais deu fim ao Império Otomano, este implodiu em

1914-1918.

1.4.6.1 Resgate do Oriente nas Grandes Guerras Mundiais

O Império Otomano, na primeira Guerra Mundial, entrou oficialmente para o

conflito militar ao lado dos países centrais da Europa, Áustria e Alemanha contra a

Rússia, que já vinha de várias guerras com o Império, e seus aliados da Entente — a

França e a Grã-Bretanha. No desfecho da guerra, os otomanos perderam a disputa.

Nesse mesmo momento, a Rússia apoiou grupos de guerrilhas armênias (uma das etnias

do império otomano), esse ato colaborou na justificativa, pelo Império Otomano, de

deportação em massa dos armênios (DEMANT, 2008, p.88). A ação otomana não se

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46

limitou a esse processo, Lewis afirma que foram mortos mais de um milhão, um

verdadeiro genocídio (1996, p.300-1).

Em 1915-1916, eclodiu, na Península Árabe, a Revolta Árabe contra o poder de

Constantinopla, governada pelo xarife Hussein de Meca — religioso otomano da

família dos hachemitas, cujo compromisso era guardar os lugares sagrados do Islã. “Os

hachemitas alegavam descendência do Profeta e Hussein ambicionava a liderança de

um Estado árabe. A Grã-Bretanha apoiou a revolta e prometeu um reino independente

aos árabes” (DEMANT, 2008, p.88).

No ano seguinte, a Palestina, a Síria e a Mesopotâmia foram conquistadas pela

revolta árabe, mas a parte do acordo entre árabes e Grã-Bretanha de que haveria uma

independência árabe não aconteceu, isso se tornou ponto de controvérsias históricas

entre os envolvidos (DEMANT, 2008, p.88).

Logo depois, houve um acordo secreto entre a França e a Grã-Bretanha7, que

“[...] anteviu a partilha dos territórios árabes do Império Otomano entre franceses e

ingleses”. (Ibid) Além disso, a Grã-Bretanha prometera aos judeus um “lar nacional

judeu”, na Palestina, no intuito de mobilizá-los a ficar do lado da Entente, agravando os

desentendimentos e as promessas não cumpridas junto aos árabes (DEMANT, 2008,

p.88).

Desses acordos, sobreviveu do Império Otomano apenas o centro turco na

Anatólia, delimitando, assim, o fim do penúltimo império multinacional do mundo,

visto ainda existir o czarismo da Rússia, que mais tarde se reinventaria em União

Soviética.

Na divisão e partilha do antigo império otomano a “[...] Grã-Bretanha e a França

se fizeram outorgar os territórios árabes como mandatos da recente Liga das Nações, a

primeira recebendo o Iraque e a Palestina e a segunda ficando com o Líbano e a Síria”.

No princípio, o mandatário cumpriria a responsabilidade apenas de desenvolver e

gerenciar o território tutelado para futuras autodeterminações. “Porém, os beneficiários

involuntários dessa imposição experimentaram uma situação de puro imperialismo”

(DEMANT, 2008, p.91).

Na nova realidade, após Primeira Guerra, as fronteiras criadas marcavam os

fragmentos de uma sociedade milenar, na qual mantinha uma economia comum, e

7 O acordo chamava-se Sykes-Picot, devido aos sobrenomes dos negociadores, o primeiro inglês e o

segundo francês (DEMANT, 2008, p.88).

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47

adquirira, no último século, a possibilidade, pelo menos de conscientização, de um

destino comum (DEMANT, 2008, p.92).

As vontades de vingança, caracterizadas pelos ranços das promessas não

cumpridas, gerou revoltas antiocidentais e muitos outros protestos, mas foram

rapidamente reprimidos.

Essas convulsões fizeram parte da onda revolucionária internacional

que, desde 1917, estava desafiando o sistema capitalista mundial. Em

1920, uma assembléia pan-árabe em Damasco ofereceu a coroa da

pretensa monarquia árabe ao filho do xarife de Meca, Faissal. Os

nacionalistas foram desalojados e bombardeados pelo exército francês.

As revoltas foram esmagadas com sangue, mas o descontentamento

continuou (DEMANT, 2008, p.92).

Nasciam, violenta e ilegitimamente, os Estados árabes, os quais sofreram árduas

intervenções imperialistas e que, diante da proximidade da língua, da religião e dos

costumes, facilitaram o intercâmbio dos ativistas e fundamentalistas na atualidade

(DEMANT, 2008, p.92).

Portanto “O término da Primeira Guerra Mundial assinalou também o

desaparecimento final do Império Otomano.” (HOURANI, 2006, p.349). E segundo

Hourani o estímulo britânico à criação de um lar nacional judeu na Palestina “[...] gerou

uma situação que ia afetar a opinião nacionalista em todos os países de língua árabe”

(HOURANI, 2006, p.349).

1.4.6.2 Início da questão da Palestina

O território da Palestina tinha sido habitado por judeus, desde a época da

antiguidade, quando ainda era de posse do Império Romano, período que deixaram de

ser a maioria da população local. De época em época, esse núcleo judeu era reforçado

por imigrações, na maioria das vezes, por motivos religiosos. Contudo, os judeus que

viviam na Palestina, até meados do século XIX, eram tolerantes, não tinham

representações de grupos contestatórios. O cenário de quietude se modificou quando, no

final do mesmo século, chegaram à Palestina jovens judeus, vindos de partes da Europa

oriental, já impregnados pelo nacionalismo. Esse grupo de imigrantes tinha como

inspiração o sionismo, cujo significado de movimento representava (e continua a

representar, com pequenas modificações) as tradições religiosas judaicas, incorporava

uma versão do judaísmo com ideologias nacionalistas vigentes na época. O sionismo

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48

também buscava “[...] solução para a rejeição e perseguição que sofriam na Europa e,

mais tarde, no Oriente Médio. As colônias que eles e seus sucessores criaram formaram

o núcleo do que eventualmente se tornou o Estado de Israel” (LEWIS, 1996, p.305).

O reconhecimento da Palestina como morada dos judeus fortaleceu-se ao fim da

I Guerra Mundial, quando a Grã-Bretanha reconheceu formalmente, na Declaração

Balfour, em novembro de 1917, um “Lar Nacional para os Judeus”. “Os termos dessa

promessa foram incorporados no mandato da Liga das Nações, sob o qual os britânicos

administravam à Palestina” (LEWIS, 1996, p.305). Tanto o reconhecimento da

constituição do sionismo, quanto a promessa de implementação do “Lar” dos judeus,

pela Grã-Bretanha, geraram discórdia e ranços históricos ao povo árabe.

Esses embates frutificaram no Egito, em 1967, um levante militar contra o

Estado judeu. “A facilidade com que a guerra fria entre Israel e seus vizinhos se

reacendeu ilustra a instabilidade deste quadro: aqui não houve contenção, dissuasão,

nem cálculos racionais [...].” Israel não desejava uma expansão territorial, mas, em

razão do recente genocídio antissemita na Alemanha, preocupava-se com a

possibilidade de um holocausto. Os árabes que iniciaram o conflito estavam

despreparados para a guerra (DEMANT, 2008, p.109).

O resultado da guerra, convencionada de Guerra dos Seis Dias, foi terrível. Para

os árabes foi catastrófico e, para Israel, o embate se deu mais em longo prazo. Israel

ocupou Sinai, do Egito, “[...] dos restos do Estado palestino definido em 1947, mas

nunca erigido”, ocupou a Cisjordânia jordaniana (inclusive Jerusalém oriental) e a Faixa

de Gaza, e, da Síria, ocupou as Colinas do Golã (DEMANT, 2008, p.109).

Israel expandiu seu território, mas ficou com um milhão de palestinos

“atravessados no caminho”, “[...] cuja presença no decorrer dos anos reanimou o dilema

insolúvel entre Estado democrático e Estado judaico – dilema que a ‘limpeza étnica’ dos

árabes palestinos de 1948, com a retirada dos palestinos do território israelense, parecia

ter evitado” (DEMANT, 2008, p.109). O problema maior nesse cenário para Israel foi o

surgimento colateral de um fundamentalismo judaico.

Além da formação de grupos mais radicais, para o teórico americano, Noam

Chomsky, Israel recebe ajuda dos Estados Unidos há anos, inclusive na reposição

militar e para fins econômicos. Chomsky cita, que durante o Setembro Negro de 1970,

os Estados Unidos, não aceitando a Síria proteger os palestinos, e pela razão do país

americano estar “atolado no Camboja”, pediu para Israel intervir, mobilizando a força

aérea e impedindo a Síria de defender os palestinos. Israel se mobilizou e a Síria recuou,

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49

resultando num acontecimento ainda pior para os palestinos. Chomsky afirma que, a

partir dessa colaboração de Israel, a ajuda americana quadruplicou, uma situação,

segundo o teórico, existente até hoje. “Israel é a base mais forte e mais confiável. Hoje

em dia, está tão integrada na economia militar dos Estados Unidos que é indistinguível

dela.” (CHOMSKY, 2005, p.133).

A resposta árabe diante da derrota de 1948-9 e das outras opressões contínuas se

deu em 1973, com a Guerra de Outubro, da qual, desta vez, era Israel que saíra

derrotado. A partir dessa guerra, os líderes e as elites árabes chegaram à conclusão que

manter o conflito contra Israel saía caro demais; era impossível ganhá-lo por completo.

Na lógica econômica, o líder do Egito iniciou o processo de paz com Israel e como ele,

aos poucos, outros líderes do mundo árabe também aderiram (DEMANT, 2008, p.110).

Na contramão desse processo de paz, a ala dos fundamentalistas judeus de Israel

emergiu, junto com outro grupo direitista do Estado judeu, no seio da resistência

palestina. Os palestinos, na ofensiva, formaram a Organização para a Libertação da

Palestina – OLP. De ambos os lados desenvolveram posturas prós e contras às

conciliações de paz e o resultado foi que “[...] uma fração mais extremista tanto entre os

palestinos quanto entre os israelenses estava pronta a se utilizar da violência para

descarrilar o processo de paz.” (DEMANT, 2008, p.110).

E dezembro de 2008, Israel lança um bombardeio na Faixa de Gaza, com a

justificativa de que o grupo fundamentalista Hamas lançara, em vários momentos, nos

últimos meses, foguetes sobre Israel. Esse clima de hostilidade e não diplomacia

cristalizou-se nos últimos anos.

1.4.6.3 As contradições advindas do petróleo

Ainda no século XIX, os russos iniciaram a exploração de petróleo no Oriente

Médio, em específico na península de Apsheron, região de domínio russo. O processo

foi se industrializando, concomitantemente, os americanos exploravam petróleo na

Pensilvânia.

“A primeira refinaria surgiu em Baku em 1863, abastecida por um oleoduto,

construído em 1877-88, ligando-a aos campos petrolíferos de Apsheron.” (LEWIS,

1996, p.311). Nos antecedentes da Revolução Russa, os campos de Baku forneciam

95% de todo o petróleo russo (LEWIS, 1996, p.311).

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50

Na esteira russa, empresários americanos e europeus procuravam negociar

concessões na área mais ao sul do Oriente Médio, nas, ainda independentes, terras

iranianas e turcas. “No início do século XX, o xá do Irã fez a primeira grande concessão

a um empresário britânico – na verdade, um neozelandês –, chamado William Jnox

D’Arcy. A concessão de D’Arcy foi comprada pela subsequente criada Anglo-Persian

(mais tarde rebatizada de Anglo-Iranian) Oil Company.” (LEWIS, 1996, p.311).

A nova companhia petrolífera inaugurava o cenário no Oriente Médio, de

grandes concessões e outros tipos de negócios à base do uso e exploração do petróleo. A

maioria dos empresários no ramo era britânico, francês, holandês e americano e, sob

acordos e pagamentos de royalties aos governos locais, constituíram, no Oriente Médio,

uma das maiores áreas produtoras de petróleo do mundo.

Até os anos 50 e 60, o petróleo do Oriente Médio era bombardeado para suprir a

demanda das indústrias do norte global, a preços pequenos, irrisórios, segundo Peter

Demant (2008, p.112). “As Sete Irmãs, as maiores companhias petrolíferas do mundo,

pagavam um tributo que permitia um estilo de vida glamoroso aos sultões detentores

dos poços, mas muito aquém de seu real valor econômico.” (DEMANT, 2008, p.112).

Coexistiram, nessa mesma época, tentativas nacionalistas de requererem

a posse dos recursos do petróleo, mas foram reprimidas. A exemplo do ocorrido com o

Irã, a tentativa de nacionalização do petróleo em 1953, pelo líder Muhammad

Mossadeq, “[...] acabou num golpe arquitetado pela CIA e que colocou no trono o

jovem xá Muhammad Reza Pahlevi, mais suscetível aos interesses norte-americanos.”

(DEMANT, 2008, p.112).

As reivindicações ganharam força e, em 1960, fundou-se uma Organização dos

Países Exportadores de Petróleo (OPEP), esta, desde o início, pressionava para haver

uma divisão mais justa dos espólios. “O Iraque ba’athista foi o primeiro a nacionalizar o

petróleo em 1972. O Kuwait, a Arábia Saudita e outros logo seguiram o exemplo. Desta

vez, os governos ocidentais já não mais arriscaram intromissões abertas, preferindo

buscar arranjos mutuamente aceitáveis.” (DEMANT, 2008, p.112).

Houve uma rápida expansão de enriquecimento nos Estados petrolíferos, mas,

segundo Demant (Ibid), os líderes não souberam aproveitar a oportunidade e o dinheiro,

na sua maioria, foi para gastos improdutivos à sociedade: “[...] luxo para poucos

felizardos, importação de armas e, por fim, investimentos especulativos nos centros

financeiros.”

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51

Os resultados foram contrastes ainda mais escandalosos entre ricos e

pobres, uma região hipermilitarizada e um mar de petrodólares a

serem reciclados por meio de empréstimos a países em

desenvolvimento, mas sem petróleo. Não resultou, evidentemente, na

modernização das infraestruturas econômicas (para não falar das

políticas) do mundo árabe. O influxo monetário permitiu aos clãs no

poder (tais como os al-Sabah no Kuwait) subornar classes inteiras da

sua população com o fornecimento de energia, educação e sistemas de

saúde baratos. Não proporcionou, contudo, o desenvolvimento

(DEMANT, 2008, p.112-3).

Nesse clima de “desenvolvimento” desigual, os Estados produtores de petróleo

não ajudaram os vizinhos que careciam da riqueza (através do subsídio da produção da

indústria do petróleo); já havia um distanciamento do mundo árabe, em vários Estados.

“Apelos pan-arabistas – movimento político de raiz nacionalista árabe − para

compartilhar a renda como recurso nacional foi rejeitado. O petróleo aprofundou as

diferenças entre pobres e ricos entre Estados e dentro deles.” (DEMANT, 2008, p.113).

1.4.7 Últimas influências do século XX ao islamismo

Contra a colonização imperialista emergente da Primeira Guerra, os estados

árabes, com base no nacionalismo de outrora, iniciaram um processo de retorno às

origens comuns do mundo árabe, vinculando grupos do Oriente Médio a um novo

movimento ascendente, o pan-arabismo. “A Síria, extremamente dividida entre

comunidades ético-religiosas, tornou-se o centro do nacionalismo pan-árabe – liderado

pelos sunitas – e de protestos contra a partilha do mundo árabe.” (DEMANT, 2008,

p.94).

Nos anos 50 e 60, o movimento do pan-arabismo chega ao poder governamental

em alguns países árabes, como no Egito, na Síria e no Iraque, contudo, o fato da ideia

central dos objetivos do movimento sofrer quatro fortes influências, perdeu, assim, sua

unicidade enquanto reposta de poder à supremacia ocidental e à própria globalização.

A primeira divisão foi o monismo, bastante intolerante diante das diferenças

entre árabes. A própria história árabe evidencia sua multiplicidade cultural, com novos

dialetos, novas unidades administrativas e, mesmo, novas identidades. Nesse sentido, o

pan-arabismo ressaltava o que todos os árabes tinham em comum, como a língua, a

história (desde a glória da época de ouro até as recentes humilhações pelo Ocidente), a

tradição e o costume. Chocou-se, então, a ideia clássica do pan-arabismo com a

realidade híbrida e miscigenada do povo árabe, e, para o monismo, essa negação das

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52

diferenças inerentes às novas populações árabes colaborava para uma possível

superação delas, tendo um caráter mais tolerante com as diferenças, ao passo que o pan-

arabismo servia para suavizá-las e apaziguá-las (DEMANT, 2008, p.96).

A segunda, intitulada como “intolerância a minorias”, despontava como

movimento discriminatório contra as minorias não-árabes que viviam no seio da

sociedade árabe, como os berberes, os judeus, os curdos, os armênios, entre outros. “A

incompatibilidade entre sionismo e nacionalismo árabes, e entre estes e os curdos, são

dois exemplos conhecidos.” (DEMANT, 2008, p.96).

A terceira divisão era o autoritarismo. Por mais que o fascismo e o nazismo

fossem mais próximos para as correntes árabes, após a Segunda Guerra Mundial, esses

movimentos perderam legitimidade e o socialismo soviético assumiu a brecha deixada

por essa tendência. Nos moldes árabes, nascia o socialismo árabe, rejeitando, a qualquer

custo, o modelo democrático.

Na visão pan-arabista, a vontade do povo se expressa mediada pelo

partido nacionalista. Outros partidos expressam interesses alheios,

hostis ou (no melhor dos casos) uma “consciência falsa” a ser

erradicada (às vezes, juntamente com o portador da consciência). O

que se instalou então foi uma ditadura com pretensão monolítica,

oprimindo as oposições em graus variáveis de brutalidade (DEMANT,

2008, p.96).

A última e importante influência foi o “sectarismo”8, que segmentou a filosofia

do Islã, reduzindo-a ideologicamente, aproximando sua explicação à luz do

nacionalismo secular. Nesse sentido, o “sectarismo” mantinha um relacionamento

incômodo com a religião, “[...] louvando-a apenas na aparência, mas nunca levando a

sério suas reivindicações com receio de afetar sua própria legitimidade.” (DEMANT,

2008, p.97).

As quatro marcantes influências que apontavam na história da formação do pan-

-arabismo conduziram as promessas do movimento político à derrota, isso influenciou o

futuro do Oriente Médio, no sentido que deixava um vazio ideológico nos seguidores.

Nesse espaço, abriu-se um novo movimento, o islamista, baseado em partes no

8 O termo “sectarismo” segundo o dicionário filosófico André Comte-Sponville “É um misto de

estreiteza, de intolerância e de convicção: certeza de ter razão, mesmo contra todos, desprezo ou rejeição

das outras posições, sempre suspeitas de cegueira ou má-fé (...).” (2003, p.535).

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53

nacionalismo secular, mas que ganhava mais justificativas de transgressão ao Ocidente,

recorrentes do processo excludente da globalização.

A despeito da vontade de muitos grupos constituírem uma identidade coletiva no

Oriente Médio, chegava-se à conclusão de que não seria possível, diante de tantas

rachaduras e contra-argumentos de diferença entre árabes, mesmo entre árabes-

muçulmanos.

Pan-arabistas nunca integrariam minorias não-árabes; nacionalistas

regionais tinham pouco a dizer sobre algum comunalismo

civilizacional; comunistas e islamistas propunham programas

coerentes e contestatórios, mas que assustavam mais gente do que

atraíam (...) Poucos observadores teriam antevisto a emergência e a

hegemonia ideológica de uma religiosidade politizada e frontalmente

antimoderna (DEMANT, 2008, p.99).

1.4.7.1 Muçulmanos no Brasil

Verifica-se, na história, que o Islã abarca o Brasil a partir do tráfico de escravos,

advindos de partes islamizadas da África, e ganharam novos adeptos vindos do processo

migratório árabe, no fim do século XIX (MONTENEGRO, 2002, p.65).

Atualmente, constata-se que, no Brasil, o islamismo representa em torno de 1

milhão de fiéis, dispõe de aproximadamente 58 organizações muçulmanas, “[...]

corroborando que os dois principais ramos do islamismo, a vertente sunita e a xiita, se

reproduzem no Brasil na mesma proporção que no plano internacional, 90% de sunitas e

apenas 10% de xiitas.” (MONTENEGRO, 2002, p.65).

A socióloga Silvia Montenegro (2002, p.65) explica que as organizações

muçulmanas do País recebem legalmente o título de Sociedade Beneficente Muçulmana

e pontua que as mais antigas estão localizadas em São Paulo, que tem mais de 70

comunidades reconhecidas.

Uma questão importante a ser salientada na história das Sociedades Beneficentes

Muçulmanas no Brasil é relativizar a ideia de que existe uma minoria “ético-religiosa”.

A qualificação “ético” relaciona-se com a noção de árabe, e a “religiosa”, com o Islã,

contudo, na Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ), houve uma

conversão de 50% de brasileiros ao Islã, enquanto a outra metade seria de descendência

árabe e africana, de diversos países. Verifica-se que não se pode entender, no País, as

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54

Organizações Muçulmanas, em especial a SBMRJ (onde se deu o estudo etnográfico da

antropóloga) como identidades axiomáticas, pois a

[...] assunção de uma identidade em que se considera ser árabe e ser

muçulmano como duas faces da mesma moeda faz parte do discurso

nativo de certas comunidades (...) implicaria conceber o islamismo

como aquilo que Obeyesekere define, dentro do budismo, como

identidade axiomática, quer dizer, significaria aceitar que estamos

diante de uma religião cuja posição se define de fato, entre outras

coisas, por uma qualidade que tem sua raiz no nascimento.

(MONTENEGRO, 2002, p.66).

Além do caráter da SBMRJ de dissociar da junção “ético-religiosa”, ela

pertence, desde 1950, quando foi fundada, à vertente sunita do Islã, como afirma

Montenegro (2002, p.66).

Ela acentua, a partir da sua pesquisa de campo, que os muçulmanos, no plano

internacional, desenvolvem estudos especializados sobre o crescimento do islamismo no

mundo e a respeito do olhar da mídia e do Ocidente sobre essa ascensão.

No século XX, foi reconhecido um ressurgimento do Islã enquanto doutrina e,

para esse acontecimento, muitos pensadores do islamismo foram buscar estudos e

aprofundamentos fora de sua terra natal. Sua importância tem a ver com o fato de esse

grupo ter elaborado um programa, uma linguagem e uma forma de pensar o Islã no

século XX, cuja influência impregnou as organizações muçulmanas sunitas como um

todo (MONTENEGRO, 2002, p.75).

Montenegro afirma que nesse momento os intelectuais deram início ao

“Ressurgimento Islâmico” e uma das características “[...] comuns a esses pensadores foi

transitar entre o mundo Ocidental e suas respectivas sociedades. Exilados de seus países

de origem, em sua maioria estudaram em universidades do Ocidente, principalmente,

Inglaterra, França e Estados Unidos” (2002, p.75). Quando retornavam a seu país,

desempenhavam, na maioria das vezes, importante papel em diversas organizações

políticas.

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55

“A Guerra Fria acabou, mas as guerras quentes estão sendo

travadas em mais de trinta países e regiões. A imigração dos

territórios pobres para as nações ricas e o influxo de pessoas

das zonas rurais para as cidades alcançou volume sem

precedentes, constituindo o que o Fundo das Nações Unidas

para a População chama de ‘a atual crise da humanidade.’”

(BINYAN, 1993, p.153).

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56

CAPÍTULO II — HERANÇAS CONJUNTURAIS SOBRE O ISLÃ

2.1 Sobre Fanatismo

A terminologia “fanático” cunhou-se no século XVIII, caracterizando as pessoas

consideradas partidárias extremistas que se exaltavam por suas causas facilmente, bem

como se portavam como acríticas em relação à religião ou à política (PINSKY;

PINSKY, 2004, p.9-10). A principal preocupação em relação ao “fanático” consiste,

historicamente, no entendimento que ele formula sobre sua Verdade, maximizando suas

explicações sobre a realidade como a única verdadeira, em detrimento de qualquer

questionamento, por mais racional que aparente.

Portanto, no fanatismo, em especial o religioso, ao retratar sua verdade como

absoluta e incontestável, o “fanático” acredita que a Verdade foi a ele revelada e essa

lógica se enraíza numa abordagem irracional de filosofia de vida. Esse entendimento de

mundo explica grande parte das tragédias globais, simplesmente pelo fato do “fanático”

não se nortear pela racionalidade e, sim, no caso do religioso, pelo dogma de fé.

“Aceitar e agir como se grandes cientistas e intelectuais, só pelo fato de terem origem

judaica, pudessem pertencer a uma suposta raça inferior não é, decididamente, uma

abordagem racional e sim uma verdade revelada, da mesma categoria, portanto, das

verdades religiosas”. (PINSKY; PINSKY, 2004, p.10).

Nesse sentido, o fanatismo vincula-se a práticas exaltadas de demonstração de

princípios e crenças, como atos violentos a outras pessoas, resultando até mesmo em

mortes; baseia-se prioritariamente na intolerância e na ausência de alteridade, em razão

do significativo valor que concebe à sua Verdade.

Os fanáticos, como nos explica o escritor Amós Oz, são “aqueles que

acreditam que o fim, qualquer fim, justifica os meios”, que acham que

a justiça – ou o que quer que queiram dizer com a palavra justiça –,

seus valores, suas convicções e crenças são mais importantes do que a

vida. São aqueles que, se julgam algo mau, consideram legítimo

procurar eliminá-lo, junto com seus vizinhos (PINSKY; PINSKY,

2004, p.11).

Atualmente, as religiões desempenham características paradoxais em relação a

suas próprias lógicas divinas, além de representarem discordantes posturas humanas

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57

sobre a ética e a sociabilidade entre seus pares. Daí, o início do século XXI ser palco de

massacres, tragédias e, principalmente, de atrocidades realizadas em nome de Deus.

O fanatismo religioso se comporta como “religiões verdadeiras”, como crenças

transcendentais da Verdade do Homem e, com base nisso, estimula, até mesmo, a

formação de estruturas de poder, e tem gerado sofisticados métodos de compreensão

dessa Verdade incontestável.

2.1.1 Fundamentalismo Islâmico

Para o historiador e pesquisador Peter Demant, a vertente fundamentalista,

embasada no Islã tradicional, simboliza, ao mesmo tempo, uma versão moderna e

propõe a volta aos princípios da civilização islâmica para buscar justificativas aos

iminentes choques culturais com a sociedade Ocidental contemporânea (DEMANT,

2004, p.17). Essa parcela de fundamentalistas tem se articulado em comunidades e

grupos organizados, ou não, para reagir ao contexto histórico vigente, em que se

encontram como subalternos à cultura Ocidental. Nesse cenário conflituoso, o

fundamentalismo islâmico contradiz ideologicamente com o retrato consensual de

inferioridade perante as outras civilizações. Conforme Demant (2004, p.19), esse

embate está mais ligado às “inquietações da modernidade” do que os próprios islamistas

gostariam de admitir.

A ideia de modernidade, ressaltada pelo pesquisador, vincula-se com as

características da época histórica recente, em que do Ocidente se distribui,

substancialmente, cultura e novas tendências, como direitos humanos, liberdade

privada, estilo de vida liberal, tanto na afetividade quanto no consumo de mercadorias,

sistema democrático na política e outros valores sociais e econômicos. Nesse sentido,

Demant aponta que essa filosofia de vida das práticas atuais do Ocidente se choca com a

realidade a qual o grupo fundamentalista visiona constituir.

Além das questões já apontadas, vê-se, mais claramente, nos meios culturais, a

construção desse Islã multifacetado, igualando os grupos fundamentalistas a outras

vertentes da doutrina que não são ligadas a qualquer radicalismo e, com isso, interpreta-

se, na constituição do imaginário social, a formação de um único Islã, aquele formado

pelo Ocidente. O especialista em estudos culturais Edward Said (2007) pontua a

existência de um “Islã” — sempre entre aspas — construído segundo as vontades do

Ocidente, e outro, mais próximo do real, o qual se torna sem vida ao passo que é

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58

desconhecido pelo Ocidente. O autor embasa-se na ideia de uma invenção do Oriente

pelo Ocidente, chamado de Orientalismo, cujo principal rótulo é uma visão inferiorizada

e radicalizada dos valores e práticas do islamismo. Portanto, Said afirma a existência da

criação de um consenso sobre o tema, perpetuando, a partir disso, a consagração de

peculiares retratos do Oriente e do Islã.

Ao Ocidente, cabe entender como a riqueza histórica do mundo

muçulmano se vincula à sua ira atual – e como o próprio mundo

ocidental é cúmplice, de certa forma, da crise contemporânea do Islã.

Um entendimento da dinâmica interna do mundo muçulmano, assim

como de sua interação com os povos vizinhos, constitui o primeiro

passo para desenhar políticas mais compassivas, e mais efetivas,

frente a ele (DEMANT, 2008, p.13).

O grupo fundamentalista com maior peso atualmente como cerne de conflitos,

em especial no protagonismo do ato terrorista do 11 de setembro de 2001, é a al-Qaeda.

A formação da al-Qaeda caracteriza o tempo histórico das últimas décadas como

exposição clara e violenta da maneira como o fundamentalismo muçulmano se

desdobrou. Nesse movimento, o elemento norteador é sua abrangência global e seu

aprofundamento do conflito entre Islã e Ocidente, de maneira nunca antes vista. Seu

mentor, Bin Laden, considerava “[...] que a luta precisa ser levada ao coração do

inimigo: o próprio Ocidente.” (DEMANT, 2008, p.288).

Osama Bin Laden, o líder do movimento, tem formação em engenharia e era

herdeiro de uma herança milionária advinda de sua família saudita. Diferente de outros

movimentos fundamentalistas, Bin Laden recrutava, além de jovens pobres e perdidos

diante da modernização, e “[...] íntegros pais de família de classe média.” (DEMANT,

2008, p.288).

A ideologia de Bin Laden é bem conhecida por suas declarações

públicas. Filho de uma família ligada aos interesses petrolíferos norte-

americanos rompeu com sua pátria-mãe por considerar o regime

saudita pouco religioso, corrupto e entregue aos interesses ocidentais.

Numa fatwa publicada em 1998, acusa os norte-americanos de três

crimes específicos contra Deus: a ocupação da terra sagrada da

Arábia, o apoio dado à ocupação judaica de Jerusalém e o sofrimento

imposto aos iraquianos. Esses crimes, que o texto considera um

prolongamento das cruzadas cristãs, são passíveis da pena de morte e

obrigam todos os muçulmanos em todos os países a um jihad que

condena à morte todos os norte-americanos, tanto civis quanto

militares (DEMANT, 2008, p.289).

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59

Antes de 1998, a al-Qaeda explodiu simultaneamente duas embaixadas

americanas, na Tanzânia e no Quênia, somou trezentas mortes. Depois desses ataques, o

mais dramático dos acontecimentos do início do século XXI foi em 11 de setembro de

2001. Os fundamentalistas da al-Qaeda, organizadores desse terrorismo, eram, em sua

maioria, sauditas que moravam na Alemanha. Eles sequestraram quatro aviões norte-

americanos e os lançaram contra símbolos do poder econômico político e militar dos

Estados Unidos. Dois destruíram as torres gêmeas de Nova York, outro avião

prejudicou a estrutura do Pentágono, em Washington, e o último, com pretensão de

explodir a Casa Branca, foi desviado pelos passageiros e abatido em território neutro,

matando todos os tripulantes. “Estes atos de terrorismo suicida somaram mais de três

mil mortos, quase todos civis — o maior assassinato em massa desde a bomba nuclear

contra Hiroshima em 1945, e sem precedente numa era de paz.” Esse ato também

marcou profundamente a história atual, levou o fundamentalismo muçulmano para

dentro dos lares norteamericanos, abalando o sentimento de segurança da sociedade

americana (DEMANT, 2008, p.289).

Bin Laden se tornou, da noite para o dia, o homem mais conhecido do planeta e

o inimigo número um dos Estados Unidos. O presidente americano da época, George

W. Bush definiu o ato terrorista como uma “declaração de guerra” (DEMANT, 2009,

p.290).

No cenário muçulmano, o acontecimento foi horrível, entre a classe dos ulemás,

principalmente, “[...] a maioria ficou chocada e denunciou este ato de terrorismo como

incompatível com o Islã.”. Outros sentiram vergonha; outros, ainda, afirmaram que por

mais terríveis que fossem as atuações ocidentais em território muçulmano, o terror

praticado pelos fundamentalistas, no 11 de setembro, era deplorável (DEMANT, 2009,

p.290).

Como primeira retaliação, os EUA bombardearam a base da al-Qaeda no

Afeganistão, mas o governo local não quis entregar o islamista. “Os EUA perseguiram

os seguidores da al-Qaeda no país e destruíram seus campos; os sobreviventes se

dispersaram e Bin Laden escapou.” (DEMANT, 2008, p.291).

Após o marco do 11 de setembro, o presidente americano, Bush, lançou uma

luta contra os fundamentalistas “fanáticos”, o que se intitulou como “guerra contra o

terror”. Mesmo diante do término e dispersão da al-Qaeda no Afeganistão, o governo

americano lista países e movimentos enquadrados como “terroristas” e, em especial,

acusa países de fabricarem armamento nuclear e os rotula como “eixo do Mal”, como

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60

Iraque, Irã e Coréia do Norte. Nesse sentido, os EUA apontam o Iraque, em 2003, como

o inimigo a ser combatido preventivamente para não desenvolver atos próximos ao do

11 de setembro (DEMANT, 2008, p.291).

“Os EUA acusaram o Iraque de conluio com terroristas islamistas; a

administração de Bush doravante insistiu numa mudança de regime. A oposição

internacional à guerra preventiva e unilateral foi liderada pela França e pela Federação

Russa. A Grã-Bretanha apoiou os EUA na questão do desarmamento iraquiano.”

(DEMANT, 2008, p.292). E, em março de 2003, os EUA invadem o Iraque com aliança

internacional britânica e australiana e apoio local dos curdos. Na guerra e ocupação

americana no Iraque, Saddam Hussein desapareceu e junto com ele as armas de

destruição em massa (DEMANT, 2008, p.292). Mas, em dezembro de 2003, tropas

americanas e rebeldes curdos capturam Saddam, que foi mantido em prisão americana e

julgado em 2006, num julgamento conturbado, e condenado à pena de morte por crimes

contra a humanidade. Saddam foi enforcado em dezembro do mesmo ano.

Outro protagonismo estadunidense foi o assassinato de Bin Laden em 03 de

maio de 2011 no Paquistão. A força tarefa foi realizada pela equipe especial da CIA no

país de maioria muçulmana1.

Para concluir sua argumentação, o historiador Peter Demant observa que o

projeto do fundamentalismo islâmico se delimita a uma pequena minoria dos

muçulmanos, mas vem atraindo adeptos ao longo da história contemporânea,

principalmente, pelo excessivo desgaste humano advindo das injustiças econômicas e

políticas, muitos dos erros cometidos pelo Ocidente (2004, p.29).

2.2 Ocidente como emblema figurativo

Contudo, de onde teria nascido a caracterização do Ocidente como a

personificação do novo mal do Islã radical? A esse recente debate, mas de fecundas

raízes históricas, soma-se as explicações dos professores Ian Buruma (leciona no Bard

College, de Nova York) e Avishai Margalit (leciona na Universidade Hebraica de

Jerusalém). Eles descrevem que intelectuais da Alemanha, após a derrota da Primeira

Guerra Mundial, atribuem tal resultado ao efeito “corrosivo da ‘Ocidentalização’” da

1 Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/05/110503_binladen_euforia_pu.shtml.

Acessado em 28/01/2012. 10h44.

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61

Alemanha, ao adotar valores ocidentais tais como: “civilização, liberdade e paz.”

(BURUMA; MARGALIT, 2006, p.61).

Importantes intelectuais alemães influenciaram o mundo islâmico no século XX.

Um deles, como ressaltam Buruma e Margalit (2006, p.57), foi Ernst Jünger, com a obra

“Além da fronteira”, em alemão “Über die Linie”, traduzida pelo intelectual iraniano

Al-e Ahmed, nos anos 60. Al-e Ahmed desenvolveu a expressão “Ocidentoxicação”,

cujo significado seria a influência corrupta e maligna das ideias ocidentais.

Antecedendo os alemães, no início do século XX, os japoneses já desenvolviam

conotações alusivas ao Ocidente, como “venenosa civilização materialista”. “Todos

concordavam que a cultura — isto é, a cultura tradicional japonesa — era espiritual e

profunda, enquanto a moderna civilização ocidental era superficial, desenraizada e

inibidora do poder criativo.” (BURUMA; MARGALIT, 2006, p.09). Em contrapartida,

entendia-se o Ocidente, particularmente os Estado Unidos, como a representação de um

estado “frio” e “mecânico”. Esse mesmo retrato desumano do Ocidente é o que se

convenciona conceituar, pelos autores, como ocidentalismo.

O ódio a tudo o que as pessoas associam ao mundo ocidental,

personificado pela América, ainda é muito intenso, embora não mais

restrito ao Japão. Esse ódio atrai radicais muçulmanos para uma

ideologia islâmica politizada, na qual os Estados Unidos se

apresentam como a própria encarnação do demônio [...] (BURUMA;

MARGALIT, 2006, p.10).

Nesse sentido, a origem do Ocidente como articulador e veiculador de preceitos

ruins inicia-se, para os mesmo autores, no entendimento do conceito de “Comércio”.

Evidentemente o comércio não é uma invenção ocidental, mas o

moderno capitalismo é. O comércio, visto como um sistema universal

– originando-se nas grandes cidades do Ocidente, estendendo-se por

antigos e novos impérios, a clamar pela criação de uma civilização

global – aparece àqueles que se julgam os guardiões da tradição, da

cultura e da fé como uma conspiração para destruir o que é mais

profundo, autêntico e espiritual (BURUMA; MARGALIT, 2006,

p.37).

Portanto, a ideia que o comércio e, atualmente, o moderno capitalismo ocupa no

cenário do Islã radical pode ser compreendida a partir de outras expressões, como

capitalismo anglo-americano, americanismo, sionismo-cruzado, imperialismo

americano ou, simplesmente, Ocidente (BURUMA; MARGALIT, 2006, p.37). Mas, ao

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62

mesmo tempo, os autores reconhecem que a forma do desenrolar desse novo

capitalismo é diferente e salientam haver diferença na gestão dos interesses políticos e

sociais das pessoas que o circundam diretamente.

Além do conceito do “comércio”, as correntes radicais do Islã hostilizam

também a ideia de “Cidade”, acoplando-a a imagem de “[...] cosmopolitismo

desenraizado, arrogante, ganancioso, decadente e frívolo [...]”. Tais caracterizações se

relacionam com as mazelas do Ocidente, cuja filosofia se baseia na ciência e na razão, o

homem burguês é sempre bem sucedido, sua existência é a “[...] antítese do herói que se

entrega ao auto-sacrifício; e em relação ao infiel, que deve ser esmagado para dar

passagem a um mundo de fé imaculada.” (BURUMA; MARGALIT, 2006, p.17).

Buruma e Margalit (2006, p.25) compactuam da visão de que os mesmos

radicais acreditam na “perda da alma” do Ocidente por ele representar a “soberba

metropolitana”, ou seja, remete a ideia de que a ambição do “progresso” gera a anulação

da espiritualidade: “[...] os religiosos são atormentados desde a Antiguidade pela

dissipação da espiritualidade na busca pela riqueza.”

O ato de 11 de setembro representa os jihadis dessa lógica histórica, pois Nova

York é a “capital do Império Americano” e, nas Torres Gêmeas, existiam muitas

pessoas, de várias etnias, nacionalidades e credos, que desempenhavam o trabalho do

moderno capitalismo, representando para o “guerreiro santo” “[...] tudo que era

execrável na mais grandiosa Cidade do Homem moderno.” (BURUMA; MARGALIT,

2006, p.27).

Essa ideia foi exposta por Osama Bin Laden, reproduzida pela CNN em 2002.

“Os valores da civilização ocidental sob a liderança da América foram destruídos.

Aquelas impressionantes torres simbólicas que falam de liberdade, direitos civis e

humanidade foram destruídas. Desapareceram na fumaça.” (apud BURUMA;

MARGALIT, 2006, p.19).

A partir desse breve resgate das constituições do significado de ocidentalismo no

mundo, compreende-se que as conotações, frequentemente, voltam-se à América.

[...] deve-se salientar que o antiamericanismo resulta às vezes de

políticas americanas específicas – por exemplo, apoio à ditadura

anticomunista, a Israel, a corporações multinacionais, ao FMI ou

qualquer coisa sob o rótulo de “globalização”, que normalmente é

uma forma simplificada de se referir ao imperialismo americano

(BURUMA; MARGALIT, 2006, p.14).

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63

Os autores enfatizam também que alguns preconceitos orientalistas fazem a

sociedade ocidental parecer constituída por seres “[...] menos que adultos plenamente

desenvolvidos [...]” e, portanto, poderiam ser tratados como “[...] uma raça inferior”

(BURUMA; MARGALIT, 2006, p.16).

Ainda, segundo Buruma e Margalit, “[...] reduzir toda uma sociedade ou

civilização a uma massa de parasitas sem alma, decadentes, ambiciosos, desenraizados,

descrentes e insensíveis é uma forma de destruição intelectual.” E pontuam que o

preconceito é natural da condição humana, mas se preocupam quando essa ideia toma

corpo revolucionário e, principalmente, quando gera destruição de seres humanos

(BURUMA; MARGALIT, 2006, p.16).

2.3 Ranços, guerras, impérios e novos conflitos

Essa ideia de ocidentalismo, ou em especial, antiamericanismo é uma faceta do

enredo para entender os vários fatores que alicerçam os preconceitos de ambos os lados.

Diante dessa conjuntura, Robert Fisk em A grande guerra pela civilização (A conquista

do Oriente Médio) identifica antigas caracterizações do universo oriental e às formas

culturais do muçulmano as quais possibilitam o leitor refletir sobre a ancoragem desse

Outro-Islã.

Fisk ressalta que no livro sobre as “aventuras imperiais”, o personagem Tom

Graham era o herói britânico e lutava contra as “selvagerias muçulmanas”, e a obra era

romance típico para as gerações do pai de Fisk.

O resto do romance é um inquietante conto de racismo, xenofobia e

explícito ódio antimuçulmano durante a Segunda Guerra Afegã. Na

segunda metade do século XIX, a rivalidade e o receio anglo-russos

concentraram-se no Afeganistão, cujas fronteiras não demarcadas

transformaram-se em imprecisas linhas de frente entre a Rússia

imperial e o Raj britânico na Índia. As principais vítimas do “Grande

jogo”, como se referiram de forma pouco sensata os diplomatas

britânicos aos sucessivos conflitos no Afeganistão – na realidade,

havia algo tipicamente infantil nos ciúmes entre Rússia e Grã-

Bretanha –, foram evidentemente, os afegãos. Essa terra continental de

desertos, altas montanhas e vales verde-escuros havia sido, durante

séculos, ponto de encontro cultural – entre Oriente Médio, Ásia

central e Extremo Oriente – e ao mesmo tempo campo de batalha

(FISK, 2007, p.70).

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64

Como visto no trecho, o conto antimuçulmano de Willian Johnston caracteriza o

olhar agressivo ao Oriente Médio pelo império da época de 1900, a Grã-Bretanha.

Ao longo do conto, o herói Graham encontra membros da etnia patan (da

Peshawar), agora do Paquistão, e fala: “[...] uns seres infames (...). A maioria desses

fanáticos usava esses capacetes justos que dão a seu portador uma aparência diabólica”.

(apud FISK, 2007, p.71).

Também identifica na obra, outros preconceitos e rótulos ao muçulmano como

“olhos cintilantes de ódio”, “indígenas enfurecidos”. Quando os soldados britânicos

caiam em mãos afegãs, eles sofriam; “[...] seus corpos eram atrozmente mutilados e

desonrados por esses demônios com aparência humana”. (FISK, 2007, p.71).

Por mais que as representações preconceituosas advenham de um olhar ficcional,

do romance, elas são reflexões da conjuntura popular de olhar esse outro oriente e

muçulmano. Fisk declara que o texto vai se tornando racista e também anti-islâmico.

(FISK, 2007, p.70) Os muçulmanos são “[...] ignorantes de tudo o que se relaciona a sua

religião para além de suas doutrinas mais elementares”. (apud FISK, 2007, p.73).

Nesse sentido o jornalista Robert Fisk adverte que os Estados Unidos é a nova

versão vitoriana contra os afegãos e o mundo muçulmano, mais agora, depois de 122

anos (FISK, 2007, p.73).

Fisk pontua também que a população e os meios de comunicação não eram tão

coniventes com os imperialismos culturais de ordem militar, como são atualmente. Em

1920 o jornal londrino The Times já se perguntava o porquê da violência contra o povo

árabe, “[...] valiosas vidas serão sacrificadas pela vã tentativa de impor à população

árabe uma administração intrincada e cara, que eles jamais pediram e que não

desejam?”. (apud FISK, 2007, p.215).

Desde o uso de terminologia racista sobre o muçulmano na metade do século

XIX, detectada pelo romance das “aventuras imperiais”, passando pela posição de

colonizar com a cultura ocidental pela Europa e depois pelos Estados Unidos, há no

contexto mais contemporâneo elementos econômicos que consolidam políticas

internacionais de conflitos civis no Oriente Médio.

Algumas décadas depois em 1980 a opressão cobria o Oriente Médio

no Iraque, Irã e Afeganistão. Mas agora com mais complexidades de

interesses envolvidos. O sistema opressor vinha dos regimes

ditatoriais dos países, das ligações petrolíferas com os Estados Unidos

e a Rússia, e nesse enredo o Ocidente era indiferente ao sofrimento de

milhões de muçulmanos. “Arafat jamais se atreveu a condenar a

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65

União Soviética depois da invasão ao Afeganistão ─ Moscou

continuava sendo o aliado mais importante da OLP ─ e os reis,

príncipes e presidentes do mundo árabe, que tinham maior

conhecimento do que estava acontecendo no Iraque que seus

homólogos ocidentais, não se pronunciaram sobre as deportações,

torturas, execuções e matanças genocidas perpetradas por Saddam. A

maioria deles castigava com variantes das mesmas técnicas seus

próprios habitantes (FISK, 2007, p.252).

Posteriormente, na guerra entre Iraque e Irã em 1986 o país de Saddam recebia

ajuda significativa dos Estados Unidos para armamento e infraestrutura militar, Fisk

revela que ao caminhar pela capital do Irã, Teerã, nessa época era claro o genocídio

iraniano. Os muçulmanos que viravam mártires recebiam prestígio depois de mortos,

permaneciam nos cemitérios eternamente, enquanto os de vala comum ficavam até os

trinta anos no máximo. “Distribuídos por todo país, esses 312 cadáveres transformam-se

em meio milhão, talvez três quatros de milhão, talvez muito mais. No cemitério de

Behesht-i-Zahra, fora da cidade, jazem às dezenas de milhares.” (FISK, 2007, p.368).

Em nenhum momento entre essas forças de guerra havia interesses humanos que

pudessem refletir a legitimidade desses conflitos. É nesse sentido que Fisk, ao estar no

Iraque em 2003, quando o país foi bombardeado pelas tropas estadunidenses e inglesas

escreveu sobre a diferença factual de para quem serve a guerra? “Os norte-americanos e

os britânicos insistiam em afirmar que estavam destruindo o regime para acabar com o

sofrimento. Na verdade, o sofrimento e a luta agonizante do baazismo iraquiano não

podiam ser dissociados, assim como não se tira um curativo de uma ferida sem fazer

com que o paciente grite de dor.” Pois o mais fácil era argumentar que os males do

Iraque estavam na figura e no governo de Saddam, porque os “[...] iraquianos feridos e

moribundos não viam seu destino exatamente nesses termos. Quem atacava eram os

norte-americanos, não os iraquianos. Bombas e mísseis norte-americanos destruíam

seus lares.” (FISK, 2007, p.1283).

Para o pesquisador Jacques A. Wainberg em A pena, a tinta e o sangue: a

guerra das idéias e o Islã, os poderes governamentais: europeu e norte-americanos não

entendem o fato do Oriente Médio atual não ter a mesma base do século VII. O autor

pontua que o Oriente Médio tem os Estados e regimes que se estabeleceram após o

desfecho do Império Otomano ao término da Primeira Guerra Mundial e afirma que a

ideia européia é “[...] descrente da capacidade de se poder implantar democracia no

Oriente, subjaz a crença de que os muçulmanos nasceram predestinados a serem

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66

atormentados, empobrecidos, escorraçados e famintos. Esta situação não é fruto do

destino, mas obra humana desprezível a ser combalida”. (WAINBERG, 2007, p.147).

2.4 Estados Unidos & atentados fundamentalistas

O linguista americano Noam Chomsky é reconhecido internacionalmente pelos

seus estudos na área de direitos humanos em relação à crítica de mídia e ao

imperialismo americano, frente às guerras e outras ações de conflito e intervenções

armadas, as quais denigrem e anulam qualquer tratado de paz e humanidade de fato.

Diante dessas preocupações, numa entrevista que deu origem ao livro Poder e

Terrorismo, Chomsky recupera suas críticas à Guerra do Vietnã e salienta outras

intervenções americanas atuais as quais comprovam seus argumentos. Segundo

Chomsky, os países imperialistas têm saído imunes às atrocidades que cometem e

colaboram para acontecer.

O linguista evidencia a neutralidade que as atrocidades cometidas pelos Estados

Unidos suscitam no cenário mundial e vai além dizendo que, quando essas atrocidades

ocorrem no seu país, a imagem é outra, logo, a imagem construída dos EUA vincula-se

à ideia de vítima. Traz, como exemplo, o bombardeio dos EUA no Vietnã do Sul:

Há cerca de uns dois meses, em março de 2002, houve o

quadragésimo aniversário do anúncio público de que os Estados

Unidos estavam atacando o Vietnã do Sul, de que os pilotos norte-

americanos estavam bombardeando o Vietnã do Sul, e de que haviam

começado a usar a guerra química para destruir as plantações e

começado a expulsar milhões de pessoas para campos de

concentração.

Tudo isso foi no Vietnã do Sul. Não houve nenhum russo, nenhum

chinês, nenhum vietnamita do norte, presumindo-se que eles não

tivessem permissão de estar em seu próprio país. Foi só uma guerra

dos Estados Unidos contra o Vietnã do Sul, abertamente anunciada; e,

decorridos quarenta anos, não há nenhuma comemoração, porque

ninguém sequer sabe disso. Não é importante. É quando eles fazem

alguma coisa contra nós que é o fim do mundo. Agora, se nós a

fazemos contra eles somos perfeitamente normais; por que haveríamos

sequer de falar nisso? (CHOMSKY, 2005, p.25).

Em relação ao ataque de 11 de setembro, Chomsky afirma que a política de

Estado dos Estados Unidos não deve se embasar em questões morais. “Quando se leva a

sério a tentativa de prevenir outras atrocidades, procura-se descobrir quais são as raízes

delas. E por trás de quase qualquer crime, um crime de rua, uma guerra, seja lá o que

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67

for, costuma haver alguma coisa que tem componentes de legitimidade, e é preciso levar

em conta esses componentes.” (CHOMSKY, 2005, p.17).

Para o cientista político François Bernard Huyghe, os meios de comunicação

colaboraram com a legitimação do efeito do 11 de setembro na sociedade estadunidense

e mundial. O terrorismo vive em razão “[...] ao impacto que tem nos meios de

comunicação. Antes, nos anos 70, os terroristas eram obrigados a se apoiar nos meios de

comunicação inimigos, nos meios do capitalismo digamos, para que suas ações fossem

difundidas”, pois é a partir da mídia que se afeta o imaginário das pessoas e, sem o

suporte midiático, o terrorismo não existiria. “O atentado contra as torres gêmeas foi o

acontecimento mais filmado da história da humanidade”, afirma Huyghe (2011, p.02).

Nessa direção, Chomsky atenta para as questões contextuais que transcendem o

11 de setembro, como o número de mortes e a “vingança” dos islamistas; propõe uma

discussão árdua e complexa em relação aos interesses dos países envolvidos e suas

culturas e valores históricos. E o principal apontamento feito pelo autor para demarcar o

fim dos conflitos envolvendo o “terrorismo” é deixar de participar deles. “Isso se aplica

a praticamente todos os países de que tenho conhecimento, em graus variáveis, mas se

aplica de forma dramática aos Estados Unidos, à Grã-Bretanha, à Alemanha e a alguns

outros”. (CHOMSKY, 2005, p.17).

Uma das pontuações de Chomsky sobre os Estados Unidos participarem do

“terrorismo” é a sua alta influência nos vetos históricos da ONU. Ele lembra que em

dezembro de 2001, o Conselho de Segurança (da ONU) tentou aprovar uma resolução,

“[...] de iniciativa da União Européia, que pleiteava o envio de observadores

internacionais, apenas para reduzir o nível de violência, o que costuma ter esse efeito.”

Quando há observadores internacionais nas regiões dos conflitos, o cenário de violência

costuma ser menor, entretanto, os EUA vetaram a resolução.

Sobre os conflitos envolvendo a região do Oriente Médio, Chomsky ressalta o

exemplo do “Plano de Paz Saudita”, que está na mesa de discussões há mais de trinta

anos. Quando foi proposto no Conselho de Segurança, em 1976, foi vetado pelos

Estados Unidos. No entanto, o autor afirma que pessoas importantes nesse setor

apoiaram o Plano, até os Estados Árabes e a Organização pela Libertação da Palestina

(OLP) (CHOMSKY, 2005, p. 42).

Além do fator do veto autenticar seu poder na ONU, os Estados Unidos, para

Chomsky, solapam a paz mundial, pior, utilizam a violência para controlar o mundo e

afirmam claramente essa posição, que recebe o título de “ação preventiva”

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68

(CHOMSKY, 2005, p.46). Nesse sentido, Chomsky propõe outro argumento, com base

num fato diplomático ocorrido em maio de 2002:

Então, por exemplo, quando o príncipe Abdulah, da Arábia Saudita,

esteve aqui há algumas semanas, ele tentou convencer os dirigentes

dos Estados Unidos a moderarem seu apoio à violência israelense. E o

que Abdulah disse foi que haverá uma revolta no mundo árabe, que

será perigosíssima para nossos próprios interesses, como o controle do

petróleo. (...) O príncipe foi descartado, é claro.

A notícia do fato diplomático saiu no New York Times, inclusive com a ênfase na

resposta americana ao príncipe:

[...] escute, dê uma olhada no que fizemos no Iraque durante a

Tempestade no Deserto. Agora, temos dez vezes aquela força. Se você

quer saber qual é a nossa força, dê uma olhada no que acabamos de

fazer no Afeganistão. É para isso que ela serve, para lhe mostrar o que

pode acontecer se você levantar a cabeça (CHOMSKY, 2005, p.46-7).

Para Chomsky, como para outros intelectuais que lutam pela diplomacia por

meio do diálogo e não pela pressão e outras formas de violência, a atitude do governo

americano foi evidente, ela é ruim para os Estados Unidos e para o mundo.

Com isso, Chomsky afirma que os Estados Unidos têm uma posição de

privilégio frente a determinações da história mundial contemporânea, em razão do

poderio militar esmagador e de outras formas de poder, as quais os consolidam como a

potência mais importante da atualidade. Com base no poder militar desempenhado pelos

Estados Unidos, o pesquisador Lars Schoultz realizou um estudo sobre a correlação

entre a ajuda externa norteamericana e as violações flagrantes dos direitos humanos; as

pesquisas foram publicadas na época que Ronald Reagan assumiu o governo americano,

em 1980, com o foco na “Guerra ao Terrorismo”.

E se concentrou particularmente no que foi chamado, nas palavras do

Secretário de Estado George Shultz, de “o flagelo maléfico do

terrorismo”, uma peste disseminada por “adversários depravados da

própria civilização”, num “retorno ao barbarismo na era moderna”.

Shultz, que era considerado moderado no governo Reagan, disse ainda

que era preciso lidar com o terrorismo através da força e da violência,

e não de meios legalistas utópicos, como a mediação, a negociação e

coisas similares, que eram um simples sinal de fraqueza. O governo

Reagan declarou que a luta se concentraria nas duas áreas em que esse

crime era mais cruel, a saber, a América Central e o Oriente Médio

(CHOMSKY, 2005, p.61).

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69

Diante dessa afirmação, Chomsky se volta à interrogação, com base na pesquisa

de Schoultz, e questiona o que teria acontecido na América Central e no Oriente Médio.

O autor afirma que a América Central foi transformada em cemitério, onde

milhares de pessoas foram massacradas, aproximadamente duzentas mil, e houve mais

de um milhão de refugiados, órfãos, muitas pessoas torturadas e aniquiladas moralmente

(CHOMSKY, 2005, p.62). No Oriente Médio, Chomsky destaca terem existido

inúmeras atrocidades patrocinadas pelos Estados Unidos, na época, mas comenta que a

pior delas foi a invasão israelense no Líbano, em 1982, que matou cerca de vinte mil

pessoas (CHOMSKY, 2005, p.66). E pontua isso como “terrorismo internacional”:

E pôde prosseguir porque os Estados Unidos deram o sinal verde,

forneceram as armas e o apoio diplomático – vetando diversas

resoluções do Conselho de Segurança da ONU que tentaram deter a

luta e fazer os exércitos recuarem. E também foi um grande sucesso.

O chefe do Estado-Maior do exército israelense, o general-de-divisão

Rafael Eitan, assinalou prontamente que a operação tinha sido um

sucesso. Ela eliminou a Organização pela Libertação da Palestina

(OLP) como integrante das negociações a respeito dos territórios

ocupados (CHOMSKY, 2005, p.66).

Chomsky explica que o objetivo da guerra era justamente a expulsão da OLP da

região e manter os territórios ocupados no Líbano sob domínio de Israel, evidenciando a

ligação de Israel com os Estados Unidos, a fim de potencializar a força militar

americana junto às disputas históricas no Oriente Médio.

Nesse sentido, é interessante entender a definição oficial de “terrorismo

internacional” pelos Estados Unidos, como “ameaça ou uso de violência para atingir

fins políticos, religiosos, ou de outra natureza através da intimidação, da indução ao

medo [...]”. Logo, fica claro que a invasão do Líbano por Israel é um exemplo de

“terrorismo internacional”, intervenção à qual os Estado Unidos estão diretamente

relacionados, sem nunca, entretanto, terem sido julgados (CHOMSKY, 2005, p.67).

Um segundo ato também envolve a ajuda americana a Israel — o bombardeio à

Túnis, ocorrido dois meses depois da invasão do Líbano. Foi um ataque com bombas

inteligentes, matou cerca de setenta e cinco pessoas e deixou milhares de feridos e

mutilados. Entre as etnias envolvidas, estavam tunisinos e palestinos.

Mais uma vez isso foi terrorismo internacional. Os Estados Unidos

estavam profundamente envolvidos. Para começar, a Sexta Frota, que

fica nessa região, não informou os tunisianos – e a Tunísia é um aliado

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70

– de que os bombardeios estavam a caminho, embora, é claro,

soubesse disso.

O secretário de Estado George Shultz reagiu ao bombardeio

telefonando imediatamente para o ministro das Relações Exteriores

israelense, a fim de parabenizar Israel e expressar a solidariedade dos

Estados Unidos à agressão terrorista (CHOMSKY, 2005, p.71).

Essa ajuda americana ficou tão evidente quando o Conselho de Segurança da

ONU aprovou a resolução que condenou Israel por um ato de agressão armada, os

Estados Unidos recuaram e se negaram a votar.

O intelectual explica que esses atos, no meio acadêmico, são tomados como

“medidas proativas” e descritos como necessários para o combate ao “terrorismo” no

Oriente Médio (CHOMSKY, 2005, p.75). Vai além, afirma que são justificativas dos

Impérios, ao logo da história da humanidade. “Quando nós o praticamos com eles, isso

é antiterrorismo ou guerra justa, é levar a civilização aos bárbaros, ou coisa parecida.”

(CHOMSKY, 2005, p.78).

Chomsky termina a discussão da pesquisa de Lars Schoultz e a ideia de

“terrorismo internacional” concluindo com a opinião, em 2002, do líder majoritário da

Câmara dos Estados Unidos, Dick Armey, que deu sua solução para o conflito israel-

palestino: “[...] todos os palestinos devem ir embora”. (apud CHOMSKY, 2005, p.92).

Segundo Chomsky, porque há muitos lugares no mundo onde os palestinos podem se

enraizar, então, por que eles não se retiram, simplesmente.

Com isso, o problema ficará resolvido, o que é a maneira certa de lidar

com “meras coisas” e é, aliás, nossa atitude para com as meras coisas.

Isso é fácil de provar. E também ajuda a explicar a existência de uma

correlação notável entre a ajuda militar norte-americana e atrocidades

pavorosas, inclusive as consequências para a saúde (CHOMSKY,

2005, p.93).

Outra questão discutível é como o 11 de setembro de 2001 formatou o cenário

sobre o muçulmano que vive nos Estados Unidos. Para o advogado internacional e

presidente do Centro para Direitos Constitucionais (CCR), Michael Ratner, acostumado

a lidar com casos de violações de direitos humanos e de liberdades civis por parte do

governo estadunidense, em especial em tribunais estrangeiros e nacionais, incluindo a

Suprema Corte,

o próprio caráter do país mudou com as pessoas comuns aceitando as

violações de suas liberdades pelo governo, as violações do direito

internacional e da nossa própria Constituição. Aceitaram também que

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71

o governo pudesse espionar qualquer um sem autorização judicial,

tudo sob a justificação oficial da “guerra contra o terrorismo”. Jamais

teria antecipado tudo isso antes do 11 de setembro (apud BROOKS,

2011, p.01).

Ratner vai além dizendo que “O governo ordenou o registro de todos os homens

muçulmanos entre 18 e 25 anos de idade, originários primeiro de nove países e depois

de 19. Ainda que essas medidas tenham sido suspensas, demonstram os muçulmanos

como uma população altamente suspeita no país, o que prossegue e é muito difícil de

superar.” (BROOKS, 2011, p.02). O fato compromete ideologicamente o governo dos

Estados Unidos e os próprios valores de liberdade privada tão publicizada pelo país nos

seus moldes constitucionais.

Outra questão também de origem do 11 de setembro é a influência do

posicionamento dos Estados Unidos a alguns outros países. Segundo Chomsky, houve

um aproveitamento do 11 de setembro como manobra política de legitimação de

conflitos, como foi o caso do programa repressivo da Rússia na Chechênia e da Turquia,

o primeiro país a “[...] oferecer tropas para a nova fase da ‘guerra contra o terror’, como

sinal de gratidão, assim declarou seu primeiro-ministro, à colaboração dos EUA à

campanha do Governo Turco na sórdida repressão contra a população curda, levada a

cabo com extrema crueldade e crucialmente apoiada pelo fluxo de armas promovido

pelos EUA.” (CHOMSKY, 2005b, p.158).

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“[...] O diferente paga sempre o preço de estar ─ mesmo sem

querer ─ alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e

pastores. O diferente suporta e digere a ira do

irremediavelmente igual: a inveja do comum; o ódio do

mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão,

mas que está sempre certo.

O diferente começa a sofrer cedo, já no primário, onde os

demais de mãos dadas, e até mesmo alguns adultos por

omissão, se unem para transformar o que é peculiaridade e

potencial em aleijão e caricatura [...].” (TÁVOLA, 2010, p.01).

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73

CAPÍTULO III — A CONSTRUÇÃO DO OUTRO NA HISTÓRIA

3.1 O Outro pela Antropologia Cultural

Assim como a constituição da história permite compreender os embates

civilizatórios, de ordem cultural, religiosa, política, econômica e outras, a investigação

dos cenários constituídos pela trajetória da humanidade também permite desvendar

quais são os elementos que diferenciam um homem de outro, num dado contexto, seja

este próximo geograficamente ou distante, seja similar no pensar ou antagônico, seja

fisicamente aceito ou não.

Nesse sentido, a pesquisadora Paula Monteiro, no artigo Globalização,

identidade e diferença, publicado na Revista Novos Estudos, propõe discutir como as

relações globais recuperam a ideia de diferente, a partir das forças que constroem seus

papéis simbólicos.

Pontuado como bárbaro e automaticamente como inferior, o diferente foi da

Antiguidade até a Idade Média rotulado como não-humano, por estar fora do domínio

da lei. E passou de herança para a Idade Moderna, “[...] os preconceitos gregos contra

sociedades não-urbanas, sem comércio ou moeda, sem propriedade e não articuladas

territorialmente.” (MONTEIRO, 1997, p.49). A essa constatação envolveram-se mais

roupagens e criações históricas, a partir da entrada do cristianismo e das grandes

conquistas territoriais, respectivamente nos séculos XV e XVI.

Mas foi com a entrada da antropologia como área do conhecimento, em

específico com a linha evolucionista, que se norteou o diferente, o Outro, como

primitivo; dito de outra maneira, na concepção da história natural, instituiu-se, em

meados do século XVIII, a invenção do primitivo como ancestral do civilizado.

Nascendo, com base na ascendência da antropologia física, a biologia, como ordenadora

das categorias dos seres, compôs o atributo da cor como medição da linha evolucionista

do ser humano. “A construção da ideia de raça talvez tenha sido a imagem mais

pervasiva e convincente da percepção da diferença no mundo contemporâneo.”

(MONTEIRO, 1997, p.50). Asfixiando, assim, qualquer possibilidade de reconhecer o

diferente como legítimo.

No caminho dos estudos antropológicos do Outro, a vertente do funcionalismo

colaborou, logo após a linha evolucionista, para uma percepção do Outro que o

diferencia em termos de contexto e de lugar físico. Isso decorre da passagem da ideia

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evolucionista da unidade constitucional da natureza humana para, na funcionalista,

significar divisões dessa unidade em uma variação de subdivisões.

[...] à ideia evolucionista de “civilização” como “sociedade mais

avançada” se agrega um sentido novo: a civilização começa a ser

pensada como um processo autônomo; as culturas podem aceitar ou

rejeitar esse caminho, que deixará de ser percebido como destino

comum e último da humanidade. É claro que esta percepção só poderá

estabelecer-se no momento em que começa a tornar-se evidente o fato

de que ou os nativos eram incapazes de civilizar-se ou, simplesmente,

eram resistentes à civilização (MONTEIRO, 1997, p.54).

Portanto, ao passo que a linha funcionalista tem influência do momento histórico

de encarar o processo civilizatório como independente e, ao mesmo tempo, natural da

humanidade, gera a caracterização do conceito do Outro como portador de

especificidades culturais e outras particularidades, introduzindo uma ideia de etnia e,

posteriormente, de identidade, principalmente, por entender a cultura local como

particular e portadora de costumes, valores e diferenciações próprias. E o “que a

antropologia havia descrito, a partir do distanciamento geográfico, em termos de etnia

se transforma no interior das nações em reivindicações de etnicidade.” (MONTEIRO,

1997, p.56).

Para tanto, essa variação heterogênea de identidades gerou, do século XX até a

data atual, reivindicações políticas de autenticidade social. E como a antropóloga

evidencia, o conceito de identidade pode ser encarado como “performance simbólica

capaz de realizar politicamente a realidade que se propunha elucidar”. Percepção que,

posteriormente, foi influenciada pelas graves crises sociais de etnicidade nacionais, o

que fez com que os antropólogos se distanciassem progressivamente da visão

essencialista de identidade para entendê-la a partir de um conceito relacional

(MONTEIRO, 1997, p.57).

Ao retomar a visão histórica do Diferente na sociedade, a autora avança

pontuando como o conceito se deslocou para um contexto mais ideológico e mesclado

de readaptações, conforme os interesses em disputa.

Olho para o passado a partir da problemática do presente, na qual se

percebe com clareza uma apropriação política do jogo das diferenças,

para propor que as representações não são simplesmente expressões

simbólicas de realidades materiais, mas, sobretudo apresentações,

como diria Bourdieu (1989), das realidades que se quer ao mesmo

tempo conhecer e dominar (1997, p.49).

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75

Consequentemente, “não é mais a diferença que interessa nela mesma, mas o

jogo de forças que organiza o campo de sua construção simbólica.” (MONTEIRO,

1997, p.59). Isso faz com seja necessário à sociedade entender o processo de

constituição da diferença cultural, bem como suas interconexões com os poderes de

constituição, pois, como afirma a antropóloga, deve-se pensar a quem interessa a

diferença.

Para tanto, a articulação do Diferente na sociedade atual midiatizada recupera,

além desse norte antropológico, posicionamentos políticos do imperialismo cultural

entre as nações. A própria ideia de tolerância ao diferente, ao Outro se enviesa a um

conceito concreto e, ao mesmo tempo, relativo. Concreto por embasar, até

juridicamente, consensos de atitudes e valores, e relativo por estar de acordo com as

perfumarias do cenário moralizante desses contextos culturais de superioridade.

A problemática inicial, nesse sentido, é ter ciência que o Diferente, na

constituição histórica revisitada pelo olhar antropológico, ganha roupagem moderna,

sendo inserido numa lógica maniqueísta de geografia do poder, pois, se esse Diferente é

o subalterno, ele certamente sofrerá agregações pejorativas e discriminatórias quando

confrontado com opiniões de interesse. Portanto, é oportuno compreender também quais

são as características de categorização moral que evidenciam a formação dos valores

sociais em uso e como os mesmos colaboram para a negação do Outro e suas

disposições sociais.

3.2 Diferenças, Alteridade e a Formação dos Outros

3.2.1 Negociação das Diferenças

Na mesma linha do Outro-Diferente da antropologia cultural, a psicologia social

atenta tanto para a importância de entender a formação da Diferença na sociedade, como

para as representações sociais hegemônicas que colaboram na constituição dos

elementos identitários.

A doutora e professora da UFRJ, Ângela Arruda (2002), desenvolve, na área do

conhecimento da psicologia social, explicação sobre a diferença e os conceitos que

circundam a sua formação.

Inicia seu trabalho ao enfatizar que a diferença costuma gerar no ser humano um

caráter perturbador, em razão de representar um sentimento surpreendente e, ao mesmo

tempo, novo. Mas, no mesmo interlúdio de perturbar, a diferença busca alianças de

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reconhecimento para ser incorporada e é, nesta busca de reconhecimento, que se vê no

outro um semelhante, que não consegue se situar. Portanto, “[...] é a sua semelhança que

desconcerta: parece familiar sem o ser.” (MOSCOVICI apud ARRUDA, 2002, p.20).

Arruda questiona, justamente, qual seria o ponto de ancoragem capaz de permitir o

acomodamento do desconcertante, ou seja, de desvendar em cada situação sócio-

histórica esse cerne, o qual, por aparentar semelhança, tende a gerar conflito pelo

distanciamento, que aparentemente é comum para ele. Nesse sentido, explica que as

representações sociais desenvolvidas pelo ser humano, resgatando o passado para fazer

possíveis comparações com o novo, baseiam-se em “modelos edênicos” (modelos de

“Éden”, representante do paraíso terrestre), os quais costumam fazer a ponte de ligação

com o novo e, ainda, estranho, oferecem fundamentos ao homem que acaba “[...]

reutilizando o que lhe é familiar como uma espécie de alavanca e reciclagem da

memória para criar o novo senso comum.” (ARRUDA, 2002, p.22).

A especialista afirma que a partir dessa ideia vislumbra-se qual é a forma de

lidar com a estranheza: “[...] de serenar a inquietação que o desconhecido desperta,

acomodando-o ao que já se conhece”. (ARRUDA, 2002, p.22). Com base na

explanação, pode-se gerar outras variantes como desdobramentos, por exemplo,

interrogar pelo raciocínio lógico: se a ancoragem sócio-cultural nas quais os “modelos

edênicos” se baseiam para a produção do processo de diferenciação, partir de posturas

arcaicas ou mesmo tradicionalistas, ou ortodoxas, é evidente que as representações a

respeito desse novo trará essas raízes. Agora, sabendo que a ancoragem na história da

humanidade é uma constituição duradoura, Arruda diz que são os traços históricos dela

que resultam na construção das representações hegemônicas (2002, p.22) na sociedade.

Arruda expõe essa tese, aplica-a a descoberta da América pelas caravanas

europeias e afirma que, ao chegarem,

[...] criavam uma ponte que aproximava o Novo Mundo do Velho,

integrando-o ao seu imaginário, preenchendo o lugar antes ocupado

pelas terras longínquas que, aos poucos, foram sendo devassadas. De

certa forma, edenizar a América significava “estabelecer com ela uma

camaradagem, uma cumplicidade que repousava no mundo

imaginário. Encontrava-se aqui algo que, de certa forma, já estava

concebido: via-se o que se queria ver, o que se ouvira dizer” (MEYER

apud ARRUDA, 2002, p.22).

Mas o repúdio dos colonizadores em relação à mestiçagem, à música cantada e

tocada pelos negros, à cultura canibalista, em alguns territórios, à variedade de insetos e

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répteis e ao forte calor da América gerou neles a formação da imagem do “selvagem” e

de “infernizações” em relação ao local descoberto. A partir dessa perspectiva, explica-se

que a ancoragem do novo não se faz apenas por semelhança, no caso, associada à

fertilidade e à abundante vegetação, mas também por contrastes. Arruda completa,

mesmo por contraste, a referência a um padrão sempre existente. Quando os “[...]

jesuítas denegriram a colônia pela falta de trigo, vinho, azeite e carnes: a comparação –

desfavorável – com o familiar tranquilizador homologa a falta que aguça a diferença.”

(ARRUDA, 2002, p.23).

Claro que o exemplo trabalhado por Arruda é peculiar e exige comparação

empírica (como analisado por Arruda a partir da interlocução do colonizador com o

colonizado), todavia, a tese enquanto suporte teórico é transcendente e possibilita tais

generalizações sociais.

Avançando, a pesquisadora pontua que a construção das representações

hegemônicas serve como palco de luta territorial, seja física ou simbólica, pois na

acomodação das diferenças nas representações faz-se opção por uma e outras. “É nesse

desenho que se estabelece uma nova geografia simbólica e emergem os perfis dos

personagens em presença.” E no encontro das diferenças, identificam-se algumas das

mais antigas formas de se representar e de formular seu contexto. Portanto, a construção

das representações humanas é alicerçada tanto no caráter de possibilidades da

ancoragem, quanto no traço moral que procede a uma seleção cuidadosa, direcionada

por valores e outros objetivos, como políticos, econômicos, culturais e demais interesses

(ARRUDA, 2002, p.25).

Para construir, então, o conceito de alteridade, é necessário primeiro entender

que ele se forma num processo histórico e, como tal, é resultado da soma das

conjunturas existentes. Em segundo lugar, a formulação do conceito depende

intrinsecamente das mudanças de representações hegemônicas, as quais,

significativamente, estão subordinadas às novas realidades coletivas, cuja raiz está na

vida cultural, econômica, social, política, religiosa e outras. Diante disso, a alteridade

não é obrigatoriamente uma construção definitiva. “Ela se aparenta a um holograma,

uma projeção do mesmo em movimento, mas também mais do que isso. Ela se dilui no

tempo, dando novos contornos a cada um desses personagens.” (ARRUDA, 2002, p.42).

Todavia, o reconhecimento da alteridade pode gerar num grupo específico, ou

ainda, em determinadas pessoas que vivem em contextos plurais e são costumeiramente

colocadas próximas a outros diferentes, um desfecho excludente e até mesmo racista.

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Procurando compreender como se dá a formação dessa alteridade “radical”, a professora

da escola francesa École de Hautes Études em Sciensces Sociales, Denise Jodelet,

explica na sua tese sobre a formação da alteridade e que as dimensões resultantes dessa

constituição podem ser negativas e gerar, no processo de formação grupal, exclusão e

distanciamento (1998, p.47).

Para explicar sua tese, ela cita o caso de uma instituição psiquiátrica aberta, onde

os usuários co-habitam livremente na comunidade rural, cujo trabalho gera rendimento

para sua manutenção. Nesse estudo, a pesquisadora teve contato com os documentos

internos, com os doentes mentais e não-doentes, com as famílias dos doentes, com a

comunidade e suas relações de civilidade interna, além de realizar observação

etnográfica com a comunidade (JODELET, 1998, p.60).

A pesquisa tinha como objetivo delimitar as representações sociais da loucura,

sua evolução e compreender a dinâmica das relações estabelecidas com os pacientes, os

comportamentos a eles reservados e as práticas comuns da vida cotidiana da

comunidade.

De início, a pesquisadora observou o distanciamento em relação ao outro

paciente — o tido doente mental — como necessidade da comunidade de garantir sua

identidade. Temendo semelhanças com os doentes, o grupo não-doente, que trabalhava

na comunidade, procurou gerar diferenciação nas práticas cotidianas para distinguir-se

dos doentes.

Sinais exteriores, como um vestuário distinto ou, à falta dele, uma

etiqueta pregada na lapela do paletó, como a estrela amarela, de triste

lembrança. Sinais comportamentais, como o estabelecimento de

espaços reservados nos lugares públicos (igreja, cafés, cinemas),

gestos depreciativos ou agressivos. Sinais verbais como o uso de uma

designação, que opõe aos membros da comunidade — os “civis” —

os doentes mentais “não-civis.” (JODELET, 1998, p.61).

Jodelet caracteriza essa classificação como um estatuto comportamental

definidor das condições dos relacionamentos sociais na comunidade. Devido à renda

oriunda do trabalho agrícola das pessoas portadoras de algum tipo de deficiência mental

desenvolvem na instituição, cujo serviço é de baixa ou de nenhuma remuneração,

situam-se em um patamar social inferior, demarcando o resto do grupo, os não-doentes,

como hierarquicamente superiores. Mas “essa hierarquização não basta, contudo, para

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contrapor-se à ameaça induzida por um sistema institucional que encoraja nos doentes o

desejo de participação social completa e igualitária.” (JODELET, 1998, p.61).

Então, para exemplificar a formação da alteridade no seio comunitário, a

pesquisadora acompanha o processo por meio de um sistema interdependente de

práticas e representações, porque é a partir das contribuições de cada indivíduo no

estabelecimento da ordem da instituição que se assumem os papéis e as concepções dos

hábitos intersubjetivos. Para isso, Jodelet identifica três importantes práticas

representativas (1998, p.62).

A primeira “[...] empurra o doente para um estado de natureza distinto daquele

do homem normal.” Essa ideia se baseia na teoria funcional do corpo, cuja característica

principal é a existência de um corpo humano perfeito e outros com defeitos funcionais.

Nesse sentido, os doentes mentais apresentariam dispositivos cerebrais problemáticos e,

portanto, anormais, sendo classificados como doentes por apresentarem disfunções no

organismo. “Essa alteridade fundamental vai se expressar nos diferentes níveis de

atividade biológica, motriz, mental e social que escapam ao controle do cérebro e

passam ao dos nervos.” (JODELET, 1998, p.63). A alteridade, nesse sentido, protege os

não-doentes do risco que a “[...] assimilação coloca para a sua identidade e transforma,

através das representações, o processo de diferenciação em processo de exclusão.”

(JODELET, 1998, p.63).

A segunda forma de representação é um desdobramento da primeira, menciona

que o doente sofre de “dano aos nervos”, isso é associado à desordem moral e sexual,

atribuindo ao doente qualidade de criatura perturbada e malvada. Com isso, os doentes

são separados dos outros não-doentes na instituição, “[...] as regras que instituem uma

distância para com o diferente devem ser rigidamente respeitas para manter vigilante a

desconfiança e lutar contra uma tendência à aproximação que o sentimento de

semelhança induz.” (JODELET, 1998, p.63). Essa obediência deve ser atendida pelos

não-doentes como sinal de fidelidade ao grupo, “[...] cuja integridade cada membro

preserva ao instituir uma distância instransponível entre ele e o outro, em nome de uma

alteridade perigosa.” (JODELET, 1998, p.63).

A terceira parte refere-se à possibilidade de transferência da loucura, como

sendo contagiosa, transmitida por meio do contato com secreções corporais (saliva,

suor, mucos). Por mais didático que o corpo médico seja na explicação sobre essa

possibilidade não ter sentido, existe a crença, bastante poderosa, sobre esse contágio. “O

contágio da loucura confere ao doente mental um perigoso poder que ele divide com as

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velhas figuras do andarilho que vaga sem eira nem beira, e do feiticeiro, sempre

suscetíveis de fazer o mal, e a quem se aplicavam as mesmas medidas de separação dos

objetos de uso pessoal.” (JODELET, 1998, p.64).

Ainda com base na “transmissão da loucura”, há o perigo das mulheres não-

doentes esposarem os homens doentes da instituição, fato tolerado pela comunidade

quando realizado de maneira encoberta, mas, ao tomar proporção oficial, os envolvidos

precisaram sair da região. “A união com os doentes representava, portanto, um

verdadeiro perigo para a identidade coletiva.” (JODELET, 1998, p.64) .

Nesse sentido, ficou claro na pesquisa que

Quando o sentimento de semelhança do outro corre o risco de

conduzir a uma identificação e assimilação que o inserirão

integralmente na matriz social, faz-se necessário construir e afirmar

por todos os meios de expressão social a alteridade do louco, que se

torna a de todos os que se sentem próximos dele. Assim se

multiplicam as barreiras materiais e simbólicas, que só conseguem

permanecer de pé porque elas se apóiam mutuamente (JODELET,

1998, p.64).

Confirma-se, portanto, a tese de que é no social e pelas representações que a

alteridade se desnuda, assim como no fato de fazer parte de um grupo sustentar os

processos simbólicos e materiais de sua produção.

3.2.2 As intersecções do Outro

Ainda partindo da premissa da figura do Outro, como visto pelo processo de

produção da alteridade, poder ser reconhecida apenas como um diferente ou

desenvolver qualidades de distanciamento excludente e racista, a psicóloga Hélène

Joffe, docente na University College London, buscando compreender esse novo outro,

baseia-se na teoria cultural da construção do Outro e identifica “universalizações”, a

partir da defesa da ideia “[...] que o pensamento ocidental se fundamenta ao redor da

degradação e do desejo do outro, e que esta resposta se intensifica em tempos de crise.”

(1998, p.110).

Como argumento inicial da sua tese, Joffe parte do entendimento que a cultura

europeia se fortaleceu enquanto identidade, contrastando-se ao Oriente. “A

superioridade da identidade européia foi construída e afirmada na base em um conjunto

de comparações com povos e culturas não-européias.” Num primeiro momento, esse

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conjunto de comparações constituía uma visão do Outro, cuja concepção era vista como

diferente do povo europeu. “Mais especificamente, o ‘outro’ foi visto em termos

extremos: fortemente depreciado e também extremamente desejável.” Esse Outro era,

ao mesmo tempo, depreciado e desejável, suas representações advinham de grupos

hegemônicos na sociedade e se caracterizavam pela origem mais simples e “menos

poderosa”. E, nessa lógica histórica, sua forma era revestida de caráter emocional e

espiritual (JOFFE, 1998, p.110).

Nessa vertente “espiritual”, os grupos que não se adequavam ao “progresso

ocidental”, em especial ao da ciência, “[...] são vistos como possuidores de magia negra,

mentalidade primitiva, animismo e erotismo animal.” (FANON apud JOFFE, 1998,

p.110).

Por mais que as características de espiritualidade e de sentimento em relação à

sociedade sejam atreladas a aspectos positivos, como talentos artísticos, seu lado mais

“instintivo” desafia os valores normativos da sociedade contemporânea, como a lei, o

intelecto e a moralidade. Portanto, os valores de espiritualidade se tornam os “outros”

ao contestar à ciência e à racionalidade, marcas cruciais do status quo ocidental.

“Emocionalidade, espiritualidade e o lado instintivo (animal), historicamente associado

com pessoas de países subdesenvolvidos, e com as mulheres, ameaçam os valores que

estão presentes no centro da cultura ocidental.” (JOFFE, 1998, p.110).

Um dos avanços que a psicóloga salienta em sua tese diz respeito à

intensificação dessas representações em relação ao caráter negativo do Outro, em

momentos de crise social. Os Outros, nessa conjuntura, transformam-se em “bodes

expiatórios”; “[...] o ritual transfere o mal do interior para o exterior duma

comunidade.” (DOUGLAS apud JOFFE, 1998, p.111).

Uma das maneiras de a sociedade dominante controlar o medo é

através da degradação do “outro”. Se os grupos humanos podem ser

entendidos como formas inferiores de vida, então o respeito exigido

pela cultura ocidental em relação aos humanos pode ser

negligenciado. A degradação pode ser conseguida através da

desumanização, que implica usar categorias de criaturas subumanas,

tais como animais, ou utilizar categorias de criaturas valorizadas

negativamente, como demônios (BAR-TAL apud JOFFE, 1998,

p.111).

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82

Um exemplo dessa afirmação é a simbologia utilizada pelo governo de Hitler

nos textos nazistas, entre 1933 e 1945, na Alemanha, para denegrir os judeus do seio da

sociedade alemã.

Eles descrevem o povo judeu como “vermes”, “bactérias”, “pestes”,

“pragas internacionais”, e também como “satânicos”, “diabos” e

“demônios”. Tais textos foram construídos tendo como pano de fundo

uma imensa crise econômica. Diante de situação extremamente

ameaçadora, que tornou o povo alemão aberto a sentimentos de

fraqueza e vulnerabilidade, um “outro” execrado se transformou no

bode expiatório (JOFFE, 1998, p.111).

Para a representação desses “bodes expiatórios” são escolhidos pessoas ou

grupos sob o pretexto de que são diferentes ou deficientes em relação à normalidade

(DOUGLAS apud JOFFE, 1998, p.111).

A psicóloga explica que esses momentos de crise, por visionarem mudança,

carregam sentimentos de insegurança, isso, por sua vez, produz defesas para tentar

equilibrar a ansiedade provocada. As representações diminutivas e excludentes são

algumas dessas defesas que se tornam também objeto de desejo por serem associadas a

animais e instintos. “O racismo, bem como o preconceito num sentido mais geral, tende

a ser uma combinação de degradação, inveja e desejo.” (HALL apud JOFFE, 1998,

p.111).

Para exemplificar, há o estudo sobre o alcance epidêmico da sífilis, no século

XIX, na Europa ocidental, as mulheres negras e as prostitutas eram geralmente

vinculadas às portadoras da doença e, ao mesmo tempo, ambos os grupos eram

associados a uma sexualidade extrema.

As mulheres negras, em especial, eram representadas em termos de

uma hiperssexualidade e comportamentos sexuais exóticos. Elas eram

percebidas, em sua maioria, como possuidoras de apetite sexual

“primitivo”, com sinais externos disso: genitálias “primitivas”. Das

mulheres negras se dizia que copulavam com macacos, como uma

maneira de igualá-las a eles e ao universo animal. Diagramas e

amostras de genitálias de mulheres hotentotes eram exibidos nos

museus da Europa durante o século XIX (JOFFE, 1998, p.112).

Portanto, a necessidade de diferenciar as genitálias de mulheres negras e

prostitutas, das genitálias das mulheres ocidentais, reside na concepção de encará-las

como espécie inferior.

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Além desse estudo, a psicóloga também utiliza, como exemplo, o início das

representações acerca dos portadores da AIDS, que se assemelhou ao tratamento dado

aos acometidos pela sífilis. Os grupos de transmissores eram tratados como outros

“alienígenas”, especialmente os gays, os usuários de drogas endovenosas, os

profissionais do sexo e as pessoas negras. Esses grupos alienígenas eram representados

como portadores da AIDS devido às suas caracterizações de anormais em relação aos

costumes vigentes, em especial, por viverem a partir de práticas “perversas”, ou melhor,

que representavam ameaças “à ética da moderação” (JOFFE, 1998, p.113). “A saúde é,

certamente, considerada como um sinal de bem-estar moral no Ocidente (Turner 1984).

Como conseqüência, aqueles grupos que foram associados à doença estão sujeitos a ser

vinculados a várias formas de depravação.” (JOFFE, 1998, p.113).

Embora as narrativas das práticas dos grupos alienígenas sejam muitas

vezes apresentadas em forma de repulsa, são ilustrativas de uma

fascinação com respeito à homossexualidade e à sexualidade africana.

A satisfação é conseguida, o desejo é preenchido, através do olhar

voyeurístico para esses coquetéis de pecado praticados pelos grupos

alienígenas “exóticos”. Talvez a espetacularização das práticas gays,

exercida pela mídia contemporânea, carregue alguma semelhança com

os museus e zoológicos da Europa do século XIX (JOFFE, 1998,

p.114).

Portanto, os dois exemplos sobre crises na área da saúde colaboram para a

formação de uma ideia mais ampla de como a degradação e o desejo do Outro ocorrem

nas representações culturais dos grupos hegemônicos, cujas normas são justapostas à

perversidade dos grupos diferentes deles (JOFFE, 1998, p.113).

A psicóloga Joffe transcende essa tese e salienta que “[...] o padrão

‘degradação/desejo do outro’ também é encontrado em grupos e culturas não

hegemônicas.” (1998, p.115).

A pesquisadora baseia-se na pesquisa antropológica de Ngubane sobre as ideias

do povo zulu, em especial, como esse autor se refere à doença mental e física, atrelando-

as ao Outro. A gênese dessas doenças, na cultura do povo zulu, é introjetada pela

transmissão de espíritos, a partir de relações sexuais e pela forma de possessão. A

primeira maneira seria quando homens não-zulus têm relação sexual com mulheres

zulus. A segunda se daria com a possessão de espíritos por outras raças. “Um

comportamento violento, histérico e suicida é indicação dessa forma de possessão.”

Portanto, as doenças físicas e mentais, ao serem atreladas a essas origens, desencadeiam

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a percepção de que os espíritos maus desequilibram a comunidade zulu, ou seja, a

doença em si viola o status social do povo estudado e marca o Outro como o estrangeiro

(JOFFE, 1998, p.115-6).

O Outro ocidental e o não-ocidental são aqueles que interferem na ordem

“natural” das sociedades; são como um “[...] repositório de sentimentos e práticas não

desejadas, tanto entre membros de grupos hegemônicos como não hegemônicos.”

(JOFFE, 1998, p.125).

“As representações do ‘outro’ em tempos de crise refletem uma profunda divisão

entre um ‘nós’ correto e um ‘eles’ desordenado, como parte dum processo de

classificação que carrega todas as qualidades da defesa da comunidade contra o caos.”

Contudo, a construção desse Outro como poluidor, fora do controle e perverso, mantém-

se por meio do sentimento da ordem social (JOFFE, 1998, p.124).

Tanto os grupos dominantes como os não-dominantes mantêm um

sentimento positivo de si e do seu grupo, em tempos de crise, através

da estratégia de jogar suas características indesejadas sobre os outros.

O que é “indesejável” na cultura ocidental será totalmente diferente

das qualidades às quais os não-ocidentais possuem aversão. (...) Tudo

o que representa equilíbrio e harmonia numa cultura específica será

mantido, em tempos de crise, e aqueles aspectos que são vistos como

interferências nesses aspectos serão associados à gênese da crise

(JOFFE, 1998, p.125).

Mas o que se pode ressaltar desse conceito mais amplo é a existência de um

controle realizado pelos grupos dominantes do processo de representação na maioria das

sociedades e, em específico, algumas representações conseguem maior amplitude, assim

como existe o silenciamento de algumas vozes. Joffe verifica a existência de um clima

ideológico na consideração de práticas aceitáveis ou não, isso contribui na produção das

representações, bem como reconhece a hegemonia da cultura ocidental no âmbito

mundial (1998, p.125).

Dentro de outros estudos, a visão da constituição desse Outro e da alteridade

podem partir do entendimento mais focado nas narrativas culturais de representação;

item próximo à constituição do objeto de pesquisa desta tese.

O pesquisador Homi Bhabha em O local da cultura, ao lembrar a posição de um

crítico pós-colonial, evidencia o fato de existir um pensamento dialético sobre os

discursos e narrativas contemporâneas com a finalidade de não negar a outridade

(alteridade) que constitui o domínio simbólico das identificações psíquicas e sociais.

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Mas isso também não significa dizer que há uma absorção do particular no geral, “[...]

pois o próprio ato de se articularem as diferenças culturais ‘nos coloca em questão na

mesma medida em que reconhece o Outro ... nem reduz[indo] o Terceiro Mundo a

algum Outro homogêneo do Ocidente, nem ... vacuamente celebrando o espantoso

pluralismo das culturas humanas.’” (BHABHA, 1998, p.242-3).

A ideia de Bhabha de compreender esse Outro num pensamento voltado à

dialética exclui o que prega as teorias do relativismo e pluralismo cultural, pois tem o

norte da constituição do Outro como a negociação das diferenças do ponto de vista

temporal e ideológico. O teórico visualiza o valor cultural como transnacional e

tradutório. Este pela forma como se constitui o enunciado, aquele pelo deslocamento

que há na história, como as diásporas, por exemplo. O resgate feito por Bhabha sobre o

valor cultural permite entender a respeito do conceito de que, na história, as sínteses

culturais sobre algo nunca foram homogêneas, ou seja, não são estanques de

tranformações e, mesmo, de negociações (BHABHA, 1998, p.242-3). O que pede

atenção é sobre o entendimento da alteridade sobre o Outro não cair na simplificação de

polarizar o contexto: “As polaridades vão sendo substituídas por verdades que são

apenas parciais, limitadas e instáveis” (BHABHA, 1998, p.269); legitimam poder e, em

muitos casos, a discriminação.

3.3 Formação das Identidades

Colaborando com os complexos, mas explicativos conceitos de diferença, de

alteridade e de outro, é preciso buscar entender mais teoricamente como a formação das

identidades ocorreu, nos séculos XIX e XX, e como se desdobrou, atualmente, na

corrente filosófica de teor significativo para os estudos de civilização, de fronteiras, de

culturas sociais, entre outros. Para tal compreensão, o pensador dos estudos culturais, o

intelectual Stuart Hall enfatiza na obra A identidade cultural na pós-modernidade um

estudo sobre a formação da identidade cultural no mundo transitório dos tempos atuais.

Hall divide sua explicação em quatro grandes temáticas: a problemática da crise

de identidade no ambiente pós-moderno (descentramento do sujeito); a questão das

culturas nacionais como comunidades imaginadas; a globalização como fenômeno de

mudança para a concepção do sujeito e de sua identidade; as questões sobre o global em

detrimento do local e o retorno da etnia em se tratando de identidade no terreno

globalizacional.

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Para entender as recentes ramificações do conceito de identidade, Hall,

inicialmente, demarca a importância de se compreender o contexto histórico da pós-

modernidade para perceber, mais claramente, como a identidade está se desenvolvendo

nesse cenário. Em torno disso, ele esclarece:

Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as

sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando

as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e

nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas

localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão

também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que

temos de nós próprios como sujeitos integrados. (...) Esse processo de

mudança é tão fundamental (...) que somos compelidos a perguntar se

não é a própria modernidade que está sendo transformada. Este livro

acrescenta uma nova dimensão a esse argumento: a afirmação de que

naquilo que é descrito, algumas vezes, como nosso mundo pós-

moderno, nós somos também 'pós' relativamente a qualquer concepção

essencialista ou fixa de identidade (...) (HALL, 2003, p.09-10).

Em complemento à teoria de Hall, o pesquisador em história das religiões,

Nicola Gasbarro, intitula esse período da modernidade tardia como pós-modernidade e

explica o fato dela ser fundamentalmente a ideia de uma consciência intelectual e

espiritual de que os tempos da modernidade passaram por força de uma “implosão

cultural”, não por uma explosão histórico-social, como afirmam alguns teóricos do

assunto (2003, p.93).

Gasbarro também destaca que uma parcela significativa das promessas de

desenvolvimento geral não foi cumprida pela modernidade; a simbologia espiritual na

qual a modernidade se inspirava não existe mais e “[...] o generalizado materialismo

econômico deixou pouco espaço para a reflexão e até as alternativas do marxismo ou da

teoria crítica se despontencializaram – perderam-se enfim todas as referências

fundamentais do sentido e da ação social, ‘as grandes narrativas’ de que fala Lyotard.”

(HALL, 2003, p.09-10).

Ao tentar compreender mais profundamente a temática central sobre a crise de

identidade, Hall lança indagações reflexivas as quais estão entrelaçadas, como: Em que

consiste a crise e qual direção ela está indo? Que acontecimentos recentes nas

sociedades modernas precipitaram essa crise? Quais são suas consequências potenciais?

Para justificar essas reflexões que cercam a lógica dos estudos culturais sobre o

período pós-moderno, Hall desenvolve três concepções de identidade, criadas com o

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intuito de dar suporte à compreensão da “crise de identidade"; são elas: sujeito do

iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno (HALL, 2003, p.10).

O primeiro se refere, como o próprio nome já menciona, ao momento histórico

do iluminismo, ao afirmar a existência de uma concepção baseada no sujeito centrado,

unificado, que, ao nascer, carrega consigo seu núcleo (centro), que é o seu essencial,

demarcando sua característica individual (HALL, 2003, p.10-11). Já o segundo sujeito,

refere-se à identidade formada por interação, leva em conta o ambiente social onde o

indivíduo nasce, sua classe social, sua cultura, ou seja, o seu núcleo, que é sua essência,

assim como no sujeito do iluminismo, mas agora ele também sofre influência do mundo

exterior, das interações que permeiam seu ambiente sociocultural.

Nesse sentido, a identidade vai se constituir a partir das condições com as quais

o sujeito se depara estruturalmente, isso estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos

culturais habitados por eles, "[...] tornando ambos reciprocamente mais unificados e

predizíveis". (HALL, 2003, p.11).

O terceiro tipo de sujeito rompe com aquele unificado do iluminismo e com o

predizível, de acordo com sua estrutura social, pois, devido às características do mundo

atual, o sujeito pós-moderno é fragmentado, sua identidade não é composta de uma

única significação, mas de várias, algumas vezes até contraditórias ou não resolvidas.

"Correspondentemente, as identidades que compunham as paisagens sociais 'lá fora' e

que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as 'necessidades' objetivas da

cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e

institucionais". (HALL, 2003, p.12).

Hall coloca esse sujeito pós-moderno vivendo identidades distintas, em

diferentes momentos, identidades não unificadas ao redor de um "eu" coerente, ou seja,

ele sugere que a identidade plenamente unificada é um discurso tratado por um

simulacro histórico, pois o mundo está em modificação e os sistemas de significação e

de representação cultural se multiplicam, isso faz o sujeito se confrontar com uma

multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis; "[...] com cada uma

das quais poderíamos nos identificar ─ ao menos temporariamente". (HALL, 2003,

p.13).

Nesse sentido, Hall (2003 p.14-30) avança na discussão da identidade pós-

moderna, coloca em xeque as próprias características desse descentramento do sujeito

ao perguntar: O que realmente está em jogo na questão das identidades? E argumenta, a

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identidade se tornou politizada, por isso a importância de um jogo equitativo, com

conscientes da amplitude das regras.

Continuando sua reflexão, Hall aponta os cinco grandes avanços da teoria social

e das ciências humanas ocorridos no pensamento, no período da modernidade tardia ou

pós-modernidade (segunda metade do século XX). Ao conceituar, brevemente, tais

avanços, o primeiro diz respeito às tradições do pensamento marxista, que colocou o

homem como fazedor de sua história, entretanto, apenas sob as condições as quais lhe

são fornecidas, rompendo com a ideia de haver uma essência universal de homem, já

que este só avançaria levando em conta sua estrutura de crescimento cultural, portanto,

diferente entre os seres humanos distribuídos no globo (HALL, 2003, p.34-6).

O segundo lembra os estudos de Freud (apud HALL, 2003, p.36-40) ao definir a

imagem do eu como inteiro e como resultado de um processo, cuja criança trabalha o

aprendizado gradualmente, parcialmente e com grandes dificuldades, mostrando que a

identidade é realmente algo formado ao longo do tempo, e está sempre em processo de

formação. Já o terceiro, associado ao trabalho do linguista estrutural Ferdinand de

Sanssure (apud HALL, 2003, p.40-1), esclarece que os seres humanos não são os

autores de suas próprias afirmações ou dos significados expressos na língua; ele define a

língua como preexistente aos seres humanos, como um sistema social, não como

individual.

Portanto, Hall chama a atenção para o fato de que falar uma língua não "significa

apenas expressar nossos pensamentos mais interiores e originais, significa também

ativar a imensa gama de significados, que já estão embutidos em nossa língua e em

nossos sistemas culturais." (HALL, 2003, p.40).

O quarto avanço é sobre o poder disciplinador das teorias de Michel Foucault

(apud HALL, 2003, p.41-3), ao fornecer um estudo profundo sobre a regulação e a

vigilância às quais o ser humano está subordinado, a partir de locais chamados de novas

instituições, desenvolvidas ao longo do século XIX, a fim de policiar e disciplinar as

pessoas, como oficinas, quartéis, escolas, prisões, hospitais e clínicas. Hall acrescenta a

essa inovação na histórica do homem moderno a reflexão de que "[...] quanto mais

coletiva e organizada a natureza das instituições da modernidade tardia, maior o

isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito individual." (HALL, 2003,

p.43).

O último impacto ressaltado foi o modelo do movimento feminista,

caracterizado aos moldes de outros movimentos sociais da década de 60, que deu

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origem à ideia de "política de identidade", processo responsável, conforme Hall, pela

politização da subjetividade, da identidade e do processo de identificação, com a

generalização reivindicada por cada movimento. "O feminismo questionou a noção de

que os homens e as mulheres eram parte da mesma identidade, a 'humanidade',

substituindo-a pela questão da diferença sexual." (HALL, 2003, p.46).

Nesse sentido, Hall explica que as identidades, atualmente, somam as vivências

do processo histórico da constituição da sociedade e, como na expressão "culturas

nacionais como comunidades imaginadas" (2003, p.47), expõe como as culturas

nacionais são construídas pelo discurso de pertencimento ao local de origem. Reporta

também a formação de um sentimento de identidade e lealdade à ideia de nação,

representada no interior das transformações sociais e políticas. O autor se refere à

maneira como a cultura é narrada pelas histórias vindas da literatura, da mídia e da

cultura popular do cotidiano das pessoas.

A ideia construída de origem da nação, em representar um cenário histórico, a

fim de compreender a "verdadeira natureza das coisas", colabora na problemática de

tentar construir práticas (rituais ou simbologias) que busquem introduzir certos valores e

normas de comportamento por meio da repetição "[...] a qual automaticamente, implica

continuidade com um passado histórico adequado" (HALL, 2003, p.54), o que lembra

bem a ideia de poder disciplinador de Foucault. Outros dois apontamentos de Hall se

relacionam com o mito fundacional, remete a uma história que localiza a origem da

nação (num tempo mítico) e à ideia de um povo puro, original, como se fosse possível

não se hibridizar ou miscigenar em tempos de migração, imigração e guerras. Mas,

como Hall aponta os elementos para se criar uma cultura nacional, implica estabelecer

as forças norteadoras para a aplicação dessa representação de sentido.

Nesse rumo, a formação de uma cultura nacional contribui para criar padrões de

alfabetização universais e colocar uma determinada cultura da nação como hegemônica,

entre várias que circundam o território. Portanto, a educação coerente e unificada,

muitas vezes ou na maioria das vezes, é benefício da classe social em destaque,

intenciona a pacificação do povo e a adesão dele por meio do consentimento ao

pertencimento a uma identidade coletiva nacional (HALL, 2003, p.54-7).

Em função disso, Hall desfaz o conceito de cultura nacional, indicando a ideia de

diferença, miscigenação e a aponta como uma estrutura de poder cultural

representacional, que está se desintegrando pelo complexo ritmo de integração global, a

globalização (HALL, 2003, p.57-8).

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O autor sugere que todo sistema de representação remete aos conceitos de tempo

e espaço como estruturas bem definidas e, no advento da modernidade tardia, a

dinâmica entre o espaço e o tempo tornou-se outra, pois a aceleração dos processos

globais diminuiu a ideia de mundo e as distâncias tornaram-se mais curtas (HALL,

2003, p.67-9).

O outro apontamento globalizacional sobre a representação de cultura nacional

são os fluxos culturais por permitirem o partilhamento com outras identidades, nas

diversas regiões do mundo, já que o espaço não precisa ser o mesmo.

À medida que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a

influências externas, é difícil conservar as identidades culturais

intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do

bombardeamento e da infiltração cultural. (...) Quanto mais à vida

social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e

imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos

sistemas de comunicação globalmente interligados, as identidades se

tornam desvinculadas ─ desalojadas ─ de tempos, lugares, histórias e

tradições específicos e parecem "flutuar livremente" (HALL, 2003,

p.74-75).

Diferente de alguns intelectuais que pensam sobre a identidade na pós-

modernidade, Hall (2003, p.75-6) afirma que, no mundo global, surge simultaneamente

novas identificações globais e locais, ou seja, uma não anula a possibilidade da

existência da outra. Isso não apaga a desigualdade da direção do fluxo globalizacional

do ocidente desenvolvido e moderno para o oriente "exótico", numa definição próxima

à ideia de geometria do poder (ideia presente nas análises dos capítulos VII e VIII,

também inclusa nas considerações finais), em que o muçulmano é representado como o

Outro, aquele ser também desistoricizado da sua própria constituição cultural pelas

representações da mídia, em especial no estudo desta tese, do jornalismo internacional.

Para Hall, o processo de migração acelerado pela globalização permite afirmar

que em cada nação habita uma diversidade de civilizações, culturas e identidades,

proliferando novas posições de identidade e, juntamente com um aumento de

polarização entre elas, "[...] esses processos constituem (...) a possibilidade de que a

globalização possa levar a um fortalecimento de identidades locais ou à produção de

novas identidades." (HALL, 2003, p.84). Outra possibilidade de identidade é aquela

conceituada por Hall (2003, p.85-6) como retorno à tradição, a mesma tradição já

supracitada das culturas nacionais. Esse recuo ao passado "imaginado, criado" constitui

duas outras formas de preocupação atual, o fundamentalismo e o nacionalismo.

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O primeiro não suporta pensar em identidades novas, híbridas. Os adeptos ao

fundamentalismo retornam às raízes culturais de origem simbólica para continuarem

vivendo como seres de identidades antigas "enraizadas" no tempo antigo. Criados pela

tradição, preocupam-se que a mistura entre diferentes culturas inevitavelmente

enfraqueça e destrua sua própria cultura. O segundo produz movimentos separatistas e

de independência baseados no pertencimento a seus grupos de "origem". “Esses novos

aspirantes ao status de ‘nação’ tentam construir Estados unificados tanto em termos

étnicos quanto religiosos, e criar entidades políticas em torno de identidades culturais

homogêneas. O problema é que elas contêm, dentro de suas ‘fronteiras’, minorias as

quais se identificam com culturas diferentes”. (HALL, 2003, p.93-4).

Portanto, a formação das identidades, em especial para o estudo desta tese, é

importante para entender a constituição desse sujeito desenraizado, que procura buscar

no seu passado explicações para o seu “eu” (e com isso recua à tradição), desdobrando-

se em sujeitos até certo ponto nacionalistas, ou fundamentalistas, ou mesmo, no reportar

da informação, como jornalistas; identificam as suas raízes culturais, as suas formas e

olhares de compreender o outro. E, no “jogo das identidades”, tornam seus discursos

jornalísticos unilaterais em razão dos textos apresentarem as notícias de forma

dicotômica por entenderem o contexto universal como binário (BHABHA, 1998,

p.240).

3.4 Reconhecendo o Outro Islã em sua Alteridade

O reconhecimento do “eu”, em qualquer cultura, necessita do construir o “outro”

na sua alteridade. Para o pesquisador em história das religiões, Nicola Gasbarro, a

formação do Islã, enquanto religião, não existe sem a autenticação das outras religiões,

enquanto formação de identidade islâmica, tal como o cristianismo, por exemplo, não

existe sem o Islã. Mas o que Gasbarro (2003, p.91) afirma na teoria sobre Nós e o Islã:

uma compatibilidade possível? Vai além da aparente simplicidade da ideia do

reconhecimento do Outro, pois, no processo do reconhecer os outros para se auto-

reconhecer, verifica-se a complexa rede intercultural, cuja formação costuma ser

peculiar, de acordo com cada costume e valor, os quais são originados da tradição

civilizatória, o que difere significativamente, como exemplo, do Oriente para o

Ocidente.

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É preciso então uma história comparativa das relações entre sistemas

de sentido, bem como uma antropologia radicalmente diferente

daquela construída à nossa imagem e semelhança, sem o orgulho do

próprio pertencimento e, sobretudo, sem o ressentimento contra quem

lhe denuncia a arbitrariedade histórica ou a etnocêntrica pretensão

universalizante (GASBARRO, 2003, p.91).

Mesmo dialogando sobre como a antropologia, como área do conhecimento,

deve posicionar-se em relação aos embates culturais, em especial os religiosos, o estudo

do historiador menciona a possibilidade de socialização no processo de diferenciação

cultural, pois “[...] se o que está em jogo é a nossa relação com a complexidade do Islã,

a comparação tradicional, classificatória e diferencial, não é mais suficiente, porque o

Islã está entre nós, com seu passado e suas aberturas para o futuro, lançando um novo

desafio que certamente não se pode arrastar tão-só com os instrumentos da geopolítica.”

(GASBARRO, 2003, p.91-2).

Seguindo esse raciocínio, Gasbarro (GASBARRO, 2003, p.91-2) afirma que as

civilizações, como toda sociedade, mantêm códigos culturais e relações sociais que dão

suporte social para sua continuidade e segurança. Atualmente, o que tem representado

um problema é justamente o encontro desses macrossistemas civilizatórios e o maior

conflito, em relação ao tema, são as diferenças de formas de sentido que as sociedades,

em confronto, apresentam umas às outras.

[...] não nos admira o fato de vivermos “a oeste de Alá”, mas nos

angustia a impossibilidade de nos comunicarmos no plano histórico e

sociocultural com os fiéis de uma religião monoteísta como a nossa.

Os muçulmanos entram no nosso cotidiano, abalam nosso sistema de

valores, recusam os processos de integração social, reivindicam o

exercício público de seu culto e nos apresentam uma diversidade

cultural irredutível aos nossos atuais sistemas de compatibilidade

política e de tolerância simbólica (GASBARRO, 2003, p.92).

O pesquisador lembra-se dos estudos da modernidade tardia, expostos por Stuart

Hall (2002), suas próprias explicações sobre a simbologia cultural da pós-modernidade

e enfatiza que essa herança conjuntural propõe à constituição das formas de sentido do

Ocidente uma maneira diferente de ver o sagrado, Deus, o cenário divino e outras

vertentes culturais.

Por exemplo, Gasbarro (2003, p.95) explica que a visão estadunidense do

conceito de igualdade remete diretamente ao protestantismo, o qual alicerça a religião

civil, bem como dá força moral à ideia de direito e de política. Quando se diz que todas

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as culturas têm afinal igualdade de respeito, o cerne dessa lógica baseia-se na

legitimação moral e/ou humanística. “a) Há um Deus, b) cuja vontade pode ser

conhecida mediante os procedimentos democráticos, portanto c) a América democrática

tem sido a principal representante de Deus na história, e d) para os americanos a nação

tem sido a fonte de identidade prioritária.” (HAMMOND apud GASBARRO, 2003,

p.95). O posicionamento atribuído pelo autor ao país americano pode ser estendido

tanto aos outros países democráticos como histórias sociais correlatas.

Então, como acontece a diferenciação daquele sagrado, vindo do Oriente, por

parte da visão que o Ocidente faz de seu Deus e de sua maneira de representá-lo na

sociedade? Outra inquietação promovida por Gasbarro é a afirmação de que a

modernidade é a época de dessacralização e desencantamento, e a próxima época, a

atual (pós-modernidade), deve desconstruir esse cenário simbólico, também ideológico.

Desconstruir a dessacralização seria uma “ressacralização” para o autor. Muitos

pesquisadores acreditam que o processo de ressacralização do mundo resolveria

significativa parte do problema do confronto religioso visto entre os “nós” das

sociedades, mas problematiza uma importante dúvida: “[...] quando o Islã encarna de

forma radical, respondendo ao desafio da globalização com a força de sua tradição,

julgam-na ‘fundamentalista’, incompatível, portanto com o universalismo ocidental,

democrático e moderno.” (2003, p.95).

Nesse contexto, ressalta que se são as diferenças que se tornam radicais e

fundamentalistas, o choque de civilizações é iminente, contudo, sugere que, se for a

tolerância a garantir a convivência e “[...] promover formas brandas de integração

cultural” (GASBARRO, 2003, p.95-6) existe a possibilidade de identificação do Outro,

como componente positivo da alteridade.

Mas, o que o autor desenvolve sobre o significado de “integração cultural” deve

ser compreendido como tolerâncias civis entre os indivíduos, como leis precisas, que

sejam abrangentes e possam acoplar as complexas diferenças do mundo globalizado.

A perspectiva supermoderna requer, portanto, uma política da inclusão

das diferenças, não podendo se limitar à ética da tolerância: se os

novos sistemas simbólicos só podem ser construídos a partir das

compatibilidades práticas, qualquer legitimação transcendental perde

sentido, e a única generalização possível é a do direito historicamente

codificado. Prospectivamente, terão maior poder de sentido aquelas

civilizações capazes de elaborar estruturas simbólicas com o maior

grau de generalização “de direito” e, portanto, mais aptas a governar

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94

“de fato” a complexidade das relações entre sistemas (GASBARRO,

2003, p.96).

Outro apontamento que perturba a compatibilidade entre o Islã e o Ocidente é a

compreensão limitada e, excessivamente, comparativa do último a respeito dos

conceitos de “civil” e “religioso” acerca da especificidade cultural do Islã. Gasbarro

afirma que o Ocidente usa paradigmas da ortodoxia laicista. E, em contrapartida, a

religião islâmica nunca se viu utilizando como reflexo os mesmos valores de “cidade”

ou de “civilização”, pois compreende sua religião como “forma de lei”. “O muçulmano

não é um cidadão da ‘cidade de Deus’, conforme a codificação sociocultural de santo

Agostinho, mas, antes de tudo, e em sentido literal, um fiel do Islã.” (GASBARRO,

2003, p.99).

O Islã não possui em sua história nenhuma referência à laicidade nem

muito menos a um fundamento laico do Estado. A estrutura de umma

exclui qualquer fundamento ou princípio que ignore a sua relação com

a Lei de Deus, de modo que qualquer tentativa de compatibilidade

nesse sentido está inelutavelmente destinada ao fracasso (e o

fundamentalismo poderia ser até mesmo a paradoxal resposta do Islã a

uma pretensão considerada tanto aberrante quanto blasfematória)

(GASBARRO, 2003, p.105).

O entendimento que o Islã formula de si, com o “eu”, é intercultural e

multidirecional desde o início; “[...] talvez sua reconhecida capacidade simbólica de

compatibilizar diferenças no interior de uma religião monoteísta e sua grande força

sistemática e reguladora de costumes sociais diversos que possibilitaram sua imediata

expansão cultural e política”. (GASBARRO, 2003, p.97). Essa religião desenvolveu,

segundo Gasbarro (Ibid), uma excessiva fidelidade às tradições e aos fundamentos da fé,

características que soam como paradoxal para o Ocidente, porque “[...] o valor da

verdade histórica, não redutível ao critério empírico da certeza experimental, encontra

fundamento, legitimação, valor e autoridade na tradição.”

Isso porque para o Ocidente,

Um individualismo projetado em nível geral acaba por também pensar

as civilizações como individualidades coletivas que encontram seu

papel no livre-mercado das estruturas simbólicas, legitimado pelos

princípios da democracia liberal. É evidente a estrutura radicalmente

“moderna” dessa visão de mundo tipicamente norte-americana, de

uma civilização que pensa a alteridade apenas com os critérios

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95

sincrônicos da eficiência individualista e da eficácia empírica

(GASBARRO, 2003, p.107).

Portanto, a primeira significativa de incompatibilidade diz respeito à diferença

dos valores Ocidentais e islâmicos; enquanto no Ocidente, é concebida uma visão

individual e “naturalista da democracia e do contrato social”, no Islã, vive-se num

sistema holista das “relações sociais e das elaborações simbólicas” (GASBARRO,

2003, p.106-7).

A derradeira conclusão é que a crítica social e histórica dos grandes

sistemas filosóficos sinaliza uma crise mais profunda: a globalização

das relações entre civilizações evidenciou os limites do velho

humanismo metafísico. É preciso então repensar o universalismo

abstrato em termos históricos e antropológicos, mediante uma

perspectiva crítica e comparativa em que a lógica da identidade dê

lugar à prática da compatibilidade. Se não for acompanhada por uma

ortoprática histórica capaz de relacionar os sistemas de sentido, a

crítica das ortodoxias universalistas pode recair no relativismo

desconstrucionista e na anarquia do sentido (GASBARRO, 2003,

p.108).

Pensar a alteridade do Islã é um desafio para as civilizações, não basta traduzir

ideias para a realidade que se deseja modificar, é preciso encontrar um gancho no

acervo emocional e cognitivo existente e, para isso, o mundo deve repensar sobre os

contratos sociais e o simbolismo civil que as sociedades praticam e aceitam. Nessa

lógica de pensamento, a constituição do Outro, nas representações da mídia, precisa de

investigação e análise, pois identificar quais são os olhares e as ideias sobre esse cenário

é tentar entender se essas promessas da alteridade se cumprem na constituição do

imaginário social (assunto para o próximo capítulo).

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96

“O que é o outro? Como se vê? Como me vê? Posso me

aproximar? Posso tocá-lo? Posso ver o mundo pelos olhos

dele? Posso me ver através de seu olhar? Ele pode ser uma

ameaça?”

(Folder/Script da peça teatral OTRO, de Enrique Diaz e

Cristina Moura com Coletivo Improviso-RJ).

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97

CAPÍTULO IV — O OUTRO ISLÃ NA MÍDIA

4.1 Simplificação, Marcas pejorativas e Discriminação

Como se viu no capítulo anterior, a identificação do Diferente na história da

humanidade é um processo cotidiano, e as afirmações sobre como se constroem essa

identificação dependem tanto de questões culturais, momentos históricos como

políticos, e, mesmo, do posicionamento que representem num contexto de jogo de

poderes sociais. Essas variantes sofrem outras influências no decorrer das épocas e,

atualmente, a posição influente que a mídia desempenha nesse processo é vista com

atenção, tanto por estudiosos da área como por outros advindos da sociologia,

psicologia, antropologia e mesmo da filosofia, pois se vê comumente estudos e

pesquisas que têm a mídia como objeto de questionamento e influência.

Diante dessa leitura de atenção à influência midiática, a pesquisadora em

sociologia, Silvia Montenegro, desenvolveu sua tese de doutorado sobre a formação da

identidade de um grupo islâmico no Brasil, a partir dos retratos da mídia a respeito do

islamismo mundial, bem como através do diálogo dessas visões da mídia no seio da

comunidade islâmica de estudo. Para isso, fez uso da etnografia na comunidade islâmica

carioca, chamada Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ), à

qual estão vinculadas, aproximadamente, cinco mil pessoas (MONTENEGRO, 2002,

p.66).

Nesse estudo, a pesquisadora objetivou entender a dinâmica da identidade social

da SBMRJ a partir da criação e recriação dos agentes da mídia, confrontando os dados

etnográficos com os agentes da própria Sociedade. “Ambas as visões, a ‘própria’ e a

‘externa’, acabam assumindo a forma de um discurso mais ou menos homogêneo ou, no

mínimo, constroem a base de certo consenso sobre um conjunto de temas.”

(MONTENEGRO, 2002, p.64).

A partir disso, o grupo islâmico, junto às suas lideranças intelectuais, recolhia o

que era disposto pela mídia, quando retratava assuntos que o incluía, para “islamizar” o

material e contextualizá-lo à comunidade, tirando as dúvidas e explicando seus erros e

maiores desvios cometidos pelos meios de comunicação.

A SBMRJ realiza a “[...] análise do diálogo entre estereótipos estigmatizantes e

atributos identitários positivos, no marco de processos de reificação de esquemas de

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98

atributos promovidos pela mídia, os quais, finalmente, operam como estímulo na auto-

apresentação dos muçulmanos.” (MONTENEGRO, 2002, p.64).

Foi possível, com esse estudo, delimitar o repertório de temas que foram

frequentes pela mídia, constituindo, assim, um eixo central do discurso midiático sobre

o Islã no País.

Silvia Montenegro também pontua na pesquisa que, esporadicamente, os meios

de comunicação do Rio de Janeiro publicam matérias jornalísticas sobre o Islã no País,

que criam, claramente, um “mal-estar” entre os muçulmanos da SBMRJ (2002, p.67).

“Cada vez que uma aparecia em alguma publicação local, era comentada nas reuniões

da mesquita, analisada e, na maioria das vezes, enquadrada na trama de ‘demonização’

em que a imprensa estaria empenhada.” (MONTENEGRO, 2002, p.67).

Para melhor entender a visão “demonizada” desses temas sobre o islamismo, a

autora centraliza dois eixos de análise: o crescimento do Islã e a representação do lugar

da mulher nessa religião. Desses, deriva-se outras imagens discriminadas sobre o

islamismo, como: “[...] sua difícil adaptação ao Brasil, a perigosa junção entre religião,

política e terrorismo e o papel de submissão da mulher.” (MONTENEGRO, 2002,

p.67).

Sobre crescimento, perigo e inadequação do islamismo, a autora explica que

importantes veículos impressos (revista República, revista Isto é, Jornal do Brasil e

Folha de S. Paulo) caracterizam o islamismo brasileiro como uma religião que não se

encaixa no perfil despojado e moderno do brasileiro, intitulando algumas suítes e boxes

com termos ofensivos, como por exemplo: “Axé Maomé”, ao retratar um grupo de

simpatizantes do islamismo na Bahia, o qual não assume compromisso com o Islã, de

fato. Nesse mesmo sentido, há reportagens que afirmam o quanto o islamismo está fora

do contexto das práticas liberais do País, caracterizando o Islã como uma religião de

“excessiva rigidez” (MONTENEGRO, 2002, p.68-9).

Evidencia-se nas análises, ainda, a “face assustadora do Islã”; em uma nota da

revista Isto é declara-se: “espera-se que o Islã, deste lado debaixo do Equador, não tenha

a cara feia que amedronta o mundo” (apud MONTENEGRO, 2002, p.70). Na análise

Silvia Montenegro observa que a revista relaciona a “face assustadora” com o

“fundamentalismo, o terrorismo, a barbárie e o manto negro (em referência ao vestuário

feminino)”.

No eixo temático sobre as imagens da mulher no Islã, evidencia-se uma

separação de dois mundos do islamismo: um tradicional e o outro liberal. O tradicional

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99

impede a mulher de frequentar o cinema, escutar música, praticar jogos e ter diversões

mistas, já o liberal permite tais hábitos e práticas às mulheres islâmicas.

A ideia central do artigo é predizer que, se aquele mundo tradicional

triunfar, o Islã será uma realidade restrita aos seus territórios habituais,

mas se o Islã liberal preponderar, “o Islã se tornará uma força mundial

a competir em pé de igualdade com o cristianismo, o judaísmo e as

religiões orientais na dominação do mundo” (MONTENEGRO, 2002,

p.71).

Ainda nesse mesmo eixo temático da análise, a socióloga encontra reiterado o

lado obscuro do Islã no plano internacional. Os conceitos de fundamentalismo,

radicalismo e terrorismo aparecem intrínsecos ao tema da submissão da mulher no Islã,

gerando compreensões que potencializam a ideia de conflitos entre crenças, e mesmo,

naturalizando os embates como normais a uma religião que une fé com política. Com

isso, o Islã é demonizado e qualificado para o Brasil como difícil de ser seguido

(MONTENEGRO, 2002, p.72).

A partir dos atos ao World Trade Center de Nova York, ocorridos em 11 de

setembro de 2001, o mundo islâmico tornou-se centro da opinião pública (2002, p.63).

A discussão do retrato do Islã e dos muçulmanos nos meios de comunicação também

tem gerado reflexões nas publicações muçulmanas, por parte dos intelectuais do mundo

islâmico. Dentre essas, Silvia Montenegro, destaca a revista The Diplomat, English-

Arabic Forum for the Dialogue of Culture and Civilizations, editada na Inglaterra e

distribuída pelo mundo. Nessa revista, há inserções periódicas da “[...] delicada tensão

entre o Islã e a mídia” (MONTENEGRO, 2002, p.72-3).

Na emblemática discussão entre Islã e mídia, os intelectuais apontam uma

dimensão mais ampla, a relação entre o Ocidente e o Islã (MONTENEGRO, 2002,

p.73). A maneira de ver o Islã pelo Ocidente é baseada numa visão maniqueísta é “[...]

recriado à luz de um consenso baseado em oposições do tipo eles/nós, Islã/Ocidente,

ativismo/modernidade, autoritarismo/democracia.” (MONTENEGRO, 2002, p.73).

Diante disso, os intelectuais do SBMRJ levam essas visões da mídia para serem

contextualizadas à luz das explicações religiosas da doutrina islâmica, a fim de

responder e clarear as dúvidas dos fiéis.

Cabe considerar então, que existem diferentes planos, ou esferas, em

que a controvérsia mídia/Islã se manifesta. Certamente, podemos

distinguir como, no plano internacional, os meios de comunicação

desempenham papel fundamental na difusão de certa visão sobre o

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100

Islã e os muçulmanos, assim como, no mesmo plano, certos porta-

vozes das comunidades muçulmanas contestam essa visão

(MONTENEGRO, 2002, p.74).

A socióloga afirma que são selecionados temas mais importantes para a

doutrina, que os meios de comunicação fragmentam e descontextualizam, dentre eles o

principal: “Os muçulmanos são violentos, terroristas ou extremistas”. Diante dessa

premissa, os intelectuais e envolvidos na vida institucional do SBMRJ retratam esse

tema à luz de sua verdadeira significação islâmica. Nesse intuito, “foram intercaladas

citações do Corão para reafirmar a denúncia dessa falsa atribuição. Considerou-se

necessário destacar, antes de tudo, que a palavra Islã deriva de uma raiz árabe que

significa paz”. (2002, p.77). Segundo a pesquisadora, a comunidade islâmica, no País,

tem uma influente revista de apoio, a Al- Urubat, da Sociedade Muçulmana de São

Paulo.

Outro tema discutido na mesquita do SBMRJ é a má interpretação que as mídias

estudadas desenvolvem sobre a ideia de jihad, como “guerra santa”, ao invés da noção

real que é mais ampla: “[...] esforço, luta, empenho, uma espécie de luta interior de cada

pessoa contra seus próprios egoísmos, uma luta cujo fim é alcançar a paz interna”

(MONTENEGRO, 2002, p.78).

A temática da opressão da mulher, pela mídia, é respondida pelos fiéis do

SBMRJ como aplicações de práticas de menosprezo às mulheres em locais onde a

cultura corresponde a essa interpretação, pois para a lei corânica não existe essa divisão

opressora; para os dizeres do Alcorão há “[...] equidade entre homens e mulheres”

(MONTENEGRO, 2002, p.78).

E, sobre as roupas específicas das mulheres, o grupo do Rio de Janeiro afirma:

“O chador e o lenço na cabeça são aconselhados e usados entre as muçulmanas do Rio

apenas durante as orações, sendo pouquíssimos os casos de mulheres que assistem a

outras atividades ou permanecem com essas roupas fora dos horários de oração.” (Ibid)

Outra questão que Silvia Montenegro levanta nas suas análises de diário de

campo da comunidade da SBMRJ vincula-se com o equívoco da mídia em afirmar que

todo muçulmano é árabe. Segundo as estatísticas do mundo árabe (MONTENEGRO,

2002, p.82), os muçulmanos que vivem no mundo árabe são apenas 18% do total

mundial.

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101

[...] a comunidade do Rio olha para outros horizontes na hora de traçar

suas linhagens, considerando que o arabismo deixa de fora os

muçulmanos negros da diáspora africana e os novos convertidos. Na

comunidade do Rio, o arabismo aparece atentando contra a ideia de

que o Islã reúne per se uma enorme variedade de raças,

nacionalidades, línguas e culturas (MONTENEGRO, 2002, p.82).

Conclui sua pesquisa apontando que alguns dos problemas sobre a produção dos

consensos reinseridos na mídia, que ancoram o imaginário social, estão “[...] arraigados

a sistemas sociais” e por isso “[...] também produzem significados socialmente

situados.” E destaca outros indícios problemáticos, como os constrangimentos da

profissão jornalística, tais como:

[...] a exploração de certos temas (entre eles a violência), o imperativo

do inédito, o ritmo e simplificação em prol da “clareza”, a suposta

construção de uma reportagem “equilibrada” e a própria formação dos

jornalistas, são aspectos importantes na produção das suas

representações (MONTENEGRO, 2002, p.83).

Em complemento às observações sobre as rotinas de trabalho do jornalismo, o

crítico feroz do posicionamento que o Ocidente, em especial os Estados Unidos,

formula sobre o Islã e o Oriente, Edward Said2 (2007, p.xvii) no livro Covering Islam

afirma que existe um trabalho ideológico anterior, de direcionar o olhar da mídia

estadunidense e mundial sobre o Islã como perigoso, o que, segundo Said, ocorre por

meio da postura intelectual de estudiosos que generalizam o fundamentalismo como

sendo o Islã; e vai além: pontua que esse entendimento influencia o pensar de políticos e

de muitos setores culturais formadores de opinião (SAID, 2007, p.xvi-xvii).

As associações criadas deliberadamente entre o Islã e o

fundamentalismo garantem que o leitor comum passa a ver ambos

como sendo essencialmente a mesma coisa. Devido a tendência de

reduzir o Islã a algumas regras, estereótipos e generalizações à

respeito da fé, e de seus fundadores, e de todo seu povo, o reforço de

todo fato negativo veiculado ao Islã ─ sua violência, primitivismo e

atavismo, qualidades ameaçadoras ─ é perpetuado. E tudo isso sem

nenhum esforço sério de definir o termo “fundamentalismo”, ou dar

um significado preciso ao “radicalismo”, ao “extremismo”, ou

contextualizar esses fenômenos (por exemplo, dizer que 5%, ou 10%,

ou 50%, de todos os muçulmanos são fundamentalistas) (SAID, 2007,

p.xvi-xvii) (TRADUÇÃO NOSSA).

2 Na última introdução revisitada pelo autor em 1997.

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102

Portanto, Said se preocupa com o rótulo que cerca a ideia atual sobre o Islã,

como sendo todos os seus seguidores fundamentalistas, tanto para explicá-lo ou

“condená-lo indiscriminadamente”, o que acaba se tornando “[...] uma forma de ataque,

que por sua vez, provoca mais hostilidade entre aqueles que se autodenominam

muçulmanos e porta-vozes do Ocidente” (SAID, 2007, p.xv-xvi). “[...] up becoming a

form of attack, which in turn provokes more hostility between self-appointed Muslim

and Western spokespersons”. Esse tipo de simplificação, e ao mesmo tempo,

generalização é para Said inaceitável e irresponsável. O pesquisador expõe que

comumente vêem-se jornalistas, ao descreverem o Islã, optarem pelas declarações

“extravagantes”, regadas de oportunismo e dramaticidade (SAID, 2007, p.xvi).

É o que constata o pesquisador e professor da PUC do Rio Grande do Sul,

Jacques A. Wainberg, em Mídia e Terror: Comunicação e violência política. “O ataque

às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001 por terroristas

muçulmanos, por isso mesmo, encontrou campo fértil num imaginário ocidental que

estereotipou um Islã militante e agressivo” (WAINBERG, 2005, p.50).

O enraizamento da ideia de Islã como fundamentalista penetrou no imaginário

da sociedade, para Said o “[...] Islã não é nada além de um problema para a maioria dos

americanos” (apud SAID, 2007, p.xv). “To most Americans, Islam was nothing but

trouble”. Em sua pesquisa de análise contextual da mídia americana, e da literatura

estrangeira e nacional ─ Estados Unidos ─ Said detalha a “aura de perigo” que significa

remeter qualquer assunto próximo às questões islâmicas. No texto do New York Times

de 21 de janeiro de 1996, no título, afirmou-se: “A ameaça vermelha acabou, mas eis o

Islã” (apud SAID, 2007, p.xix) “The Red Menace is Gone. But Here’s Islam”.

A retórica dessa descrição de 1996 foi identificada, modestamente, por Said, em

1992, como sendo proveniente da fala de um antigo membro do Conselho de Segurança

Nacional, Peter Rodman, que escreveu na Nacional Review: “Até o momento, o

Ocidente se encontra desafiado por uma força externa militante e ativista guiada pelo

ódio a todo pensamento político ocidental, repetindo antigas queixas contra a

cristandade” (apud SAID, 2007, p.xvii) “Yet now the West finds itself challenged from

the outside by a militant, atavistic force driven by hatred of all Western political

thought, harking back to age-old grievances against Christendom”. As generalizações

de “todo pensamento político ocidental”, e as vagas provas de “antigas queixas contra a

cristandade”, empobrecem a tentativa de argumentação de Rodman, bem como há um

vazio de clareza e de objetividade. No trecho seguinte que Said também transcreve: “A

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103

maior parte do mundo islâmico está despedaçada por divisões sociais, frustrada por sua

inferioridade material em relação ao Ocidente, amargurada por influências culturais

ocidentais [...]” (apud SAID, 2007, p.xvii) “Much of the Islamic world is rent by social

divisions, frustrated by its material inferiority to the West, bitter at Western cultural

influences […].” Percebe-se mais claramente a postura de Rodman de inferiorizar o

“mundo islâmico”, sem dizer qual é esse mundo, e nem trazer provas que justifiquem a

sugerida marginalização. O “Ocidente”, que segundo a descrição, vai além de um

espaço geográfico, e se aproxima da ideia de divisão em relação ao Oriente, e à cultura

oriental. Essa conceituação indireta do Ocidente conecta-o com um modelo de riqueza

econômica e de superioridade por tal estrutura social.

Na mesma disposição em generalizar e simplificar pseudoconceitos, em solo

brasileiro, a revista semanal Veja tem gerado inspiração como objeto de estudo de

representativas entidades e pesquisadores, para investigar desde assuntos

comportamentais e políticos a culturais e religiosos.

A pesquisadora Ana Virginia Borges Queiroz, no texto A Ocidentalização da

Informação, que é parte do estudo mais extenso do grupo das Faculdades Jorge Amado,

sob o título: Hereges, Satânicos e Terroristas: o mundo islâmico retratado pela mídia

ocidental analisou a revista no período de 12 de setembro de 2001 a 2005, e identificou

o mesmo ponto de vista de Said em Covering Islam, da influencia da mídia e das

pessoas influentes dos Estados Unidos em caracterizar o Islã como perigoso. Na análise,

a pesquisadora verifica o tom preconceituoso e pejorativo sobre as comunidades

islâmicas, em trecho da revista de 17 de outubro de 2001: “Nesse universo de turbantes,

instalou-se uma síndrome depressiva, provocada pelo atrito entre um passado de glórias

e um presente de fracassos” (apud QUEIROZ, 2005, p.03). Em outro fragmento de texto

da edição de 14 de outubro de 2001: “A Arábia Saudita é mais um dos aliados

fundamentais na campanha dos loucos de Alá que querem incendiar o mundo numa

fogueira integrista” (apud QUEIROZ, 2005, p.04). Segundo a análise, a abordagem é

simplista e ocidentalizada, além de conter elementos qualitativos que incitam diferença

e choque entre Ocidente e Oriente. Para Edward Said essa visão pejorativa da mídia,

segundo seu livro Orientalismo (2003), é cunhada como uma típica maneira ocidental

de entender o Outro, no caso o Oriente, portanto intitulada orientalismo.

Em resumo, os termos que a pesquisadora identificou na Veja, que se referiam

aos muçulmanos foram: “barbudos”, “fanáticos islâmicos ensandecidos”, “sociedades

dos turbantes”, “universo de turbantes”, “loucos de Alá” e “fanático muçulmano”; para

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104

se referir aos terroristas foram utilizadas as seguintes expressões: “barbudinhos de

movimentos extremistas”, “fanáticos do Islã”, “soldados numa guerra santa contra o

Ocidente” e “fanáticos muçulmanos” (apud QUEIROZ, 2005, p.04). Contudo, além das

generalizações e discriminação claras na revista, há outro fator em comum com as teses

de Said, a questão do jornalismo de Veja de misturar Islã a fundamentalismo e outras

correntes fundamentalistas.

No complemento das análises de Said e Queiroz o pesquisador Jacques

Wainberg enfatiza que,

A imprensa é também acusada de construir e disseminar rótulos que

ajudam as pessoas a entender o mundo com base em certos

pressupostos ideológicos. Entre esses rótulos estão inúmeras

categorias de pensamento que estimulam a hostilidade contra o

inimigo. A retórica de guerra descreve o opositor como estrangeiro,

diferente, estranho, herege, e outros termos similares que estruturam

as imagens utilizadas nessas disputas. A excitação das emoções com

estereótipos marcantes e poderosos tem sido utilizada nos conflitos ao

longo da história. Suas páginas tornaram-se peças de propaganda

política e ódio. Rótulos estereotipados foram então utilizados à

exaustão na condenação do inimigo (WAINBERG, 2005, p.70).

4.2 Oficialismo na Guerra: o jornalismo também perde

O pesquisador português Silvino Lopes Évora, da Universidade do Minho,

analisa no artigo científico O discurso mediático sobre o terrorismo, a cobertura

midiática, em Portugal, do atentado de 11 de setembro de 2001, um ano depois da

tragédia. Verifica desde editoriais até material noticioso de cunho informativo. Segundo

as primeiras análises, Évora identifica na opinião de editorialistas do jornal Público o

conteúdo em conformidade com a maneira de pensar do então presidente americano

Bush sobre a polarização de ideias, ou seja, de aproximação com o “eixo de Bush”,

contra o “eixo do Mal” (titulações pronunciadas em discursos pelo presidente após os

atentados fundamentalistas de 11 de setembro).

[...] o choque das imagens do colapso das Torres Gémeas, a que

grande parte do mundo assistiu ao vivo pela televisão, criou não só um

novo estado de espírito na opinião pública americana, como permitiu

ao presidente Bush, ao declarar guerra universal ao terrorismo, se

dirigisse a todas as nações, dizendo-lhes que tinham que se definir:

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105

“Ou estão conosco, ou estão com os terroristas” (PÚBLICO: 11 /09

/2002 apud ÉVORA, 2011, p.15).

Évora aponta pesquisas realizadas pelo sociólogo francês Michel Maffesoli,

pronunciadas na Conferência Imaginários e Pós-modernidade, em que afirma que o

discurso da “Guerra contra o Mal” é a “denegação do outro, negando assim a

alteridade” (MAFFESOLI apud ÉVORA, 2011, p.16).

Maffesoli explica que a recusa da alteridade faz-se “através da projecção do

outro como o mal que precisa ser domesticado”, postura capaz de autenticar e legitimar,

porventura, uma ação militar, dado que o outro aparece, aos olhos da maioria, como um

ser “selvagem” (apud ÉVORA, 2011, p.17-8).

E vai além, explicando que a forma de simplificação praticada pela mídia

tradicional é entendida como forma deficiente de pensar, ou seja, “[...] nasce da

intolerância ou desconhecimento em relação à verdade do outro e da pressa de entender

e reagir ao que lhe apresenta como complexo” (ÉVORA, 2011, p.16).

Nesse sentido, Évora esclarece que houve uma premissa dicotômica no discurso

de Bush, visando às ações militares de invasão, que se seguiram na história:

Com a preocupação de mobilizar o maior número de países possível

contra o “Eixo do Mal”, é notório que Bush reconheceu, no 11 de

Setembro, uma mudança no paradigma histórico, consubstanciado

naquilo que Todorov considera como a transformação do estado de

equilíbrio inicial da história. O discurso de “Guerra ao Terrorismo”

não é senão a procura de construir um novo equilíbrio, que passa por

reprimir veementemente todos aqueles que são considerados membros

ou apoiantes da ala do mal, fazendo valer a força do bem. Isto

significa, procurar repor uma legalidade, entendendo que a ordem foi

quebrada com a manifestação da “barbárie” (ÉVORA, 2011, p.18).

Contudo, uma das conclusões importante a que Évora chegou na análise foi que

houve uma significativa influência do 11 de Setembro no jornalismo, tamanha que o

próprio jornalismo mudou o 11 de Setembro: “[...] a forma como os media trataram o

acontecimento influenciou sobretudo a percepção do acontecimento por parte do grande

público” (ZELIZER apud ÉVORA, 2011, p.21).

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106

4.2.1 Cobertura da Guerra do Iraque (2003)

A Guerra do Iraque ocorreu no início de 2003, com o objetivo, segundo o

presidente americano da época, George W. Bush, de achar as armas de destruição em

massa iraquianas. Os EUA invadiram o Iraque com apoio internacional britânico e

australiano, e colaboração local dos curdos (DEMANT, 2008, p.292).

Diante desse momento histórico, dois correspondentes internacionais, Verónica

Goyzueta e Thierry Ogier organizaram um compêndio de textos especiais com

jornalistas colaboradores da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo

(ACE-SP), intitulado Guerra e Imprensa: Um olhar crítico da cobertura da Guerra do

Iraque. Ela é jornalista residente no Brasil, onde fornece material jornalístico para

alguns veículos estrangeiros, dentre eles ABC espanhola, e ele jornalista francês

residente no país, que colabora com material jornalístico para alguns veículos na França,

dentre eles: Les Echos e The Economist Intelligence Unt. Entre os jornalistas

convidados para a realização da obra está o britânico, correspondente da BBC de

Londres em São Paulo, Tom Gibb, que no capítulo Ecos de uma outra guerra, escreve

sobre sua estadia de oito anos em El Salvador, quando cobriu a guerra civil do país, na

época, para a rádio da BBC. Gibb descreve o cenário de um correspondente de guerra,

suas dificuldades jornalísticas e meandros de interesse que operam numa guerra. Sobre

a objetividade que se prima cumprir como técnica jornalística declara, ao descrever

sobre o assassinato de um padre e amigos em comum:

Hoje, quando olho as matérias que escrevi na época, a narração fria

dos fatos reflete apenas uma pequena parte da angústia, da raiva e da

tristeza que senti, naquela manhã quente, ao olhar o jardim da frente

da casa deles ainda pegajoso e coberto pelo sangue e pelos miolos

deles. O quanto é difícil para um jornalista — um forasteiro na guerra

— entender e explicar a esperança, o terror, a empolgação e a

crueldade vivida por aqueles diretamente envolvidos (GIBB, 2003,

p.33).

Gibb relembra a cobertura de El Salvador para explicar que naquela guerra o

apoio dos Estados Unidos à ala conservadora do país era claro e, colaborou para o

mascaramento de fatos, inocência de assassinos e permanência da retórica pró governo

salvadorenho. Diante disso Gibb afirma que na época tinha documentos que

evidenciavam a ligação da CIA nas chacinas ocorridas no país. “A CIA estava

comandando grande parte da guerra suja. Especialistas em terrorismo urbano

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107

contratados pela CIA ─ vindos dos EUA e do sudeste da Ásia ─ estavam envolvidos no

conflito.” E avança: “Muitos dos coronéis salvadorenhos, responsáveis por crimes

contra a humanidade, estavam na lista de pagamentos da CIA e, posteriormente,

ganharam a cidadania norte-americana.” (GIBB, 2003, p.36).

O correspondente britânico pontua a história e destaca sua preocupação com a

sociedade que consome e digere informações de guerra, e que, de maneira indiferente,

não se choca com algumas informações noticiosas que são emitidas de maneira banal e

descuidadas, como foi a cobertura do Iraque, por parte significativa do jornalismo

mundial, segundo Gibb. “Se os telespectadores ficam com a impressão de que os

Estados Unidos podem lutar numa guerra sem matar muitos civis, eu temo que a

imprensa tenha falhado completamente em sua cobertura.” (GIBB, 2003, p.39).

E nesse mesmo sentido critica a postura dos profissionais da área sobre a falta de

questionamento em alguns detalhes de documentos oficiais e depoimentos de

governantes importantes. Em especial chama a atenção ao discurso da mídia americana,

que enfatizava os “depoimentos”: “[...] aos depoimentos dos oficiais seniores e políticos

que diziam estar fazendo o possível para minimizar as baixas civis”.

Outra ausência apontada por Gibb é a negligência em investigar o lado

iraquiano, no que fosse possível, “Não houve contabilidade de baixas dos perdedores da

guerra ─ e nada indica que haverá agora. Ainda não sabemos em detalhes o que

aconteceu com o exército de Saddam Hussein”. Ele também confessa que seria

trabalhoso para o jornalismo de guerra encontrar os sobreviventes e montar o quebra-

cabeça de um material jornalístico contextualizado e primoroso com a informação, pois

levaria tempo, fato que não combina com a apuração instantânea da maioria dos canais

de tevê mundiais, nem mesmo com as agências de notícias, que fornecem o bruto do

material noticioso para os vários tipos de meios de comunicação3 (GIBB, 2003, p.42-3).

Na mesma obra, Guerra e Imprensa: Um olhar crítico da cobertura da Guerra

do Iraque, o jornalista inglês Stephen Cviic, apresentador de rádio da BBC, enfatiza em

seu artigo Objetividade e reportagem de guerra, o caso que envolve o primeiro-

ministro, Tony Blair, em manipulação de informações para fortalecer os argumentos em

favor da Guerra do Iraque frente à opinião pública britânica, para fins de conquistar a

3 Um exemplo de trabalho árduo, mas bem jornalístico, foi o do jornalista George Steer que ficando em

Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola, conseguiu vários testemunhos, e executar um

contextualizado material jornalístico (GIBB, 2003, p.44).

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108

parcela da população do país que ainda estava distante dos argumentos e aliança dos

ingleses com os Estados Unidos (CVIIC, 2003, p. 21).

[...] já havia sido desacreditado após descobrir-se que uma parte fora

plagiada de uma tese de doutorado; o outro ─ publicado em setembro

de 2002 ─ tinha mais credibilidade, mas os jornalistas começavam a

levantar dúvidas inclusive sobre esse relatório. E foi essa reportagem

─ baseada numa conversa entre o jornalista e o especialista em armas

David Kelly ─ que desencadeou a polêmica entre o governo e a BBC

e a morte (aparentemente por suicídio) do cientista (CVIIC, 2003, p.

21).

Mas, a parte mais crítica da análise de Cviic é sobre o “não-jornalismo”

desenvolvido pela mídia, em geral, sobre o uso e apadrinhamento de terminologias

militares norteamericanas na cobertura da Guerra, refere-se à utilização do termo

“bolsões de resistência” pelos porta-vozes estadunidenses e britânicos, para se referirem

a várias cidades. “Essa palavra ‘bolsão’, que sugere uma coisa pequena e de pouca

durabilidade, é parcial. Às vezes a resistência não era tão fraca assim. Acredito que uso

deste termo foi uma falha da nossa parte” (CVIIC, 2003, p.18). E pontua que o “[...] o

emprego das palavras é a parte mais importante em tentar ser objetivo.” (CVIIC, 2003,

p.18).

Outro problema, do uso da linguagem incorreta que contamina o entendimento, é

apontado pelo pesquisador Jacques Wainberg em Mídia e Terror “Os discursos foram

construídos com farta utilização de metáforas e neologismos, em especial o ódio à

“globalização”, termo guarda-chuva que acolhe a conhecida oposição desses grupos ao

capitalismo propriamente dito” (WAINBERG, 2005, p.140). Na análise de Wainberg o

uso de neologismo, referências de ordem comparativa e descrição de metáforas

indiscriminadamente, ou melhor, estrategicamente, leva os linguistas a denominarem

esse tipo de discurso como “falácia”, “[...] ou seja, trata-se de um argumento falso, ou

uma falha no argumento falso, ou uma falha no argumento, ou ainda um argumento mal

direcionado ou conduzido. Uma afirmação falaciosa pode ser composta de fatos

verdadeiros, mas sua forma de apresentação conduz a conclusões erradas.”

(WAINBERG, 2005, p.144).

E vai além, trazendo à luz desse ensaio a preocupação do jornalismo de incitar a

intolerância, que pode ser advinda desse uso errôneo da linguagem. “Por vezes, essas

tensões explodem em conflitos étnicos abertos, perseguições religiosas, homicídios

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109

políticos e terrorismo, que desafiam os valores da tolerância.” (WAINBERG, 2005,

p.148).

Os processos de produção da informação pelo jornalismo internacional levam a

interrogações de como estão sendo utilizadas as vertentes de objetividade, de respeito e

de credibilidade às fontes jornalísticas no contexto do fato reportado, visto as várias

problemáticas que jornalistas e pesquisadores têm levantado sobre a cobertura de

conflitos. Wainberg destaca que,

Entre as técnicas de comunicação utilizadas na promoção de tal

insensibilidade está a “linguagem sanitizada”, permeada de

eufemismos, a distorção e a minimização das consequências quando o

resultado da violência é ignorado ou disputado; a justificativa moral

de tais atos de violência; comparações desvantajosas à paz em relação

aos efeitos esperados da violência e da desumanização da vítima

(WAINBERG, 2005, p.152).

Na sequência analítica sobre o uso frequente de terminologias oficiais, que

exercem poder no contexto a que se referem, a jornalista Verônica Goyzueta, em

Jornalismo na Guerra: nossas falhas em evidência, também especula a cumplicidade da

imprensa na guerra. Descreve que quando a pesquisa da Gallup-CNN confirmava que o

discurso do Bush tinha sido convincente para que 67% dos estadunidenses

concordassem com a guerra, Goyzueta acredita que nada justificaria uma invasão

(mesmo os EUA receber o apoio de 67% da sua população), menos ainda a submissão

da imprensa sobre qualquer crítica a essa ação do governo americano. “Nada justifica,

no entanto, uma resposta bélica com cumplicidade da imprensa, com vítimas civis tão

inocentes como as de 11 de setembro, Afeganistão, Iraque, Pear Harbor, Hiroshima.”

(GOYZUETA, 2003, p.52).

Goyzueta cita o renomado jornalista de 64 anos, Robert Fisk, do The

Independent, onde escreveu uma crônica sobre esse assunto das terminologias:

Na sua crônica de 1 de abril de 2003, Fisk criticou o “estilo”da mídia

britânica ao chamar os “invasores anglo-americanos”de “coalizão”ou

de “forças de coalizão”, para descrever a aliança de apenas dois países

com pequenos reforços da Espanha e da Austrália. O termo também

usado pela mídia-americana foi traduzido pela imprensa brasileira na

televisão, nos jornais, mesmo entre veículos considerados

independentes. Fisk critica o uso de termos como “guerra” em vez de

“invasão”; “libertação” em vez de “ocupação”, ou falar de “campanha

aérea” quando “nenhum avião iraquiano deixou o solo.” (FISK apud

GOYZUETA, 2003, p.55).

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110

O jornalista Thierry Ogier em O choque, o espanto e o escriba dos tempos pós-

moderno, também expõe sua análise sobre termos usados despreparadamente pela

mídia,

[...] algumas expressões de cunho militar passaram à linguagem

coloquial, como o chamado “fogo amigo”, que, como muitos já

sublinharam, nada tem de amigo. Na França, em particular, muitos

jornalistas de rádio e televisão abusaram do neologismo “securizar”

repetido pelos porta-vozes militares norte-americanos e britânicos

durante a ofensiva rumo a Bagdá, para garantir que tudo estava sob

controle (“O porto de Um Qasr está securizado”, “Securização de

Basrah” etc.) (OGIER, 2003, p. 73).

Nesse sentido, Goyzueta declara que na Guerra do Iraque existiram 600

correspondentes embedded (encaixados, embutidos), que foram obrigados a respeitar

um manual com 19 normas, entre as quais: “[...] não informar o local da notícia nem

revelar o número de baixas norteamericanas nas operações.” (GOYZUETA, 2003,

p.56).

A jornalista Goyzueta, ao lembrar a história criada pela assessoria americana

para fins manipulativos4, da recruta Jéssica Lynch, que hipoteticamente foi capturada

por iraquianos e resgatada por forças especiais dos Estados Unidos oito dias depois,

numa megaoperação, que rendeu audiência mundial. Segundo Goyzueta, graças ao

trabalho de bons jornalistas, a versão oficial foi questionada, e verificaram que Lynch,

uma secretária do Exército de 19 anos, da cidade de Palestine, West Virginia, nos

Estados Unidos, foi capturada quando sua companhia fez uma curva errada saindo da

cidade iraquiana de Nasyriah. As forças especiais atacaram o hospital, registrando os

"dramáticos" momentos em uma câmera com visão noturna.

Goyzueta conta também a história de Salam Pax, que difundiu informações

narrativas sobre o contexto e os bastidores da Guerra do Iraque, que a maioria, ou senão

quase todos correspondentes, agências e enviados especiais a Bagdá, não trouxeram.

Pax postava informações atuais e diárias em seu blog. Depois de análises e muita

repercussão no campus jornalístico internacional descobriu-se que Salam Pax era o guia

de um jornalista britânico. Uma questão interessante desse cenário construído por Pax,

além da questão já bem teorizada e dita em aulas de jornalismo, que as fontes primárias

4 Esta história da recruta faz a autora desta tese lembrar e observar como as histórias reais podem, às

vezes, ser reflexos da ficção. O filme Wag the Dog (em português Mera Coincidência), conta a história

ficcional da fabricação de uma guerra pelos EUA na Albânia, para tirar o foco da mídia e da opinião

pública, do assédio sexual do presidente americano às vésperas de reeleição.

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111

e testemunhais são imprescindíveis para um jornalismo equilibrado e honesto, é que

houve a reprodução de uma conversa entre duas jornalistas no saguão do Hotel

Meridien, onde estavam hospedados os jornalistas “encaixados”, e neste diálogo as

jornalistas se referiram uma à outra, que logo mais se encontrariam fora dali, numa

outra cobertura, em razão do fim da pauta (do agendamento da Guerra do Iraque), que já

estaria esgotada para a mídia mundial.

A ironia com que Salam se referiu às duas jornalistas no Hotel é, na

verdade, o humor negro de quem viu a imprensa atrás do marketing

que uma guerra pode proporcionar. Uma guerra da maior potência do

mundo contra o país que detém o petróleo é uma pauta e tanto, é uma

oportunidade para aparecer, para vender jornal, para ganhar audiência

(GOYZUETA, 2003, p.61).

Posturas próximas a essa ideia, de aproveitar os rumores de guerra, soaram em

terra brasileira. A Folha de S. Paulo5 foi o único jornal brasileiro que enviou

correspondentes ao Iraque, para a cobertura da Guerra (GOYZUETA, 2003, p.61). O

veículo, que também reproduziu uma série de artigos de Robert Fisk, do diário inglês

The Independent, mandou um correspondente a Bagdá.

Porém, isto se tornou um grande evento: a Folha chegou a publicar

meia página de propaganda durante vários dias para “comemorar” o

fato de ser o único veículo de comunicação brasileiro a ter um

correspondente na capital iraquiana. A TV Record pegou carona.

Após entrevistas diárias com Ségio Dávila, o âncora Boris Casoy

avisou aos seus telespectadores: “Comprem a Folha amanhã”

(OGIER, 2003, p. 72).

O jornalista Thierry Ogier descreve o evento da Folha e da Record como

“oportunismo barato”, e pontua a atitude como uma via de “instrumentalização da

guerra” (OGIER, 2003, p. 72).

Até mesmo o governo brasileiro, ou melhor, o marketing de projetos do governo

aproveitou a propaganda realizada pelo jornalismo, lançando a campanha oficial do seu

programa Fome Zero, proclamando que “A nossa guerra é contra a fome”, o que

segundo Ogier escancara o oportunismo.

5 A permanência dos jornalistas da Folha de S. Paulo foi rápida. “O jornal informou que retirava seus

jornalistas de Bagdá, Sérgio Dávila e Juca Varella, por medida de segurança e por dificuldades para

enviar dinheiro ao Iraque. Num debate sobre a cobertura da guerra, em São Paulo, Dávila confirmou que

o principal problema para permanecer em Bagdá foi dinheiro.” (GOYZUETA, 2003, p.55).

Page 112: Ingrid Gomes.pdf

112

Outra técnica invasiva de propaganda foram as inserções da Coca-Cola entre as

manchetes e a abertura do noticiário. “Resultado: entre as manchetes sobre a guerra e a

apresentação da primeira reportagem sobre a mesma guerra, um minuto de Coca-Cola!”

(OGIER, 2003, p. 74). Normalmente essas inserções costumam ser de trinta segundos,

no máximo.

O formato de informação contínua já mostrou suas limitações e seus

inconvenientes: difusão ininterrupta de comunicados de guerra,

contágio da linguagem militar no vocabulário comum, imperativo na

rapidez da informação, conduzindo, algumas vezes, à superficialidade

─ até o ouvinte/telespectador alcançar a sensação de saturação mental

e de overdose! O Estado de S. Paulo publicou inúmeras matérias de

agências internacionais e reproduziu artigos do New York Times,

Washington Post, entre outros (OGIER, 2003, p. 71).

Ainda para a jornalista Goyzueta, “O caso mais notório e mais criticado dessa

cobertura foi a contaminação da mídia norte-americana pelo espírito de patriotismo que

invade o país desde 11 de setembro” (GOYZUETA, 2003, p.51). Pois a imprensa

estadunidense costuma ser o espelho do jornalismo imparcial e objetivo, praticado por

significativa parcela latinoamericana. Nesse sentido, Goyzueta vê o perigo em

justamente essa mídia brasileira e latinoamericana se espelharem na imprensa

corrompida de patriotismo e de cumplicidade com os ideais do governo americano

(GOYZUETA, 2003, p.51).

4.2.2 Seguindo as trilhas das Fontes Oficiais

A questão da cumplicidade da imprensa americana (que exerce significativa

influência em linhas editoriais de agências internacionais, e, em muitas outras mídias

pelo mundo) com as ações do governo americano é tema de estudo aprofundado pelo

teórico e linguista americano Noam Chomsky. No livro Manipulação do Público com o

outro teórico Edward Herman (2003, p.61), afirmam que a mídia de massa,

[...] serve como um sistema para comunicar mensagens e símbolos à

produção em geral. A função dessas mensagens e símbolos é divertir,

entreter, informar e incutir nas pessoas os valores, credos e códigos de

comportamento que as integrarão às estruturas institucionais da

sociedade maior. O cumprimento desse papel, em um mundo de má

distribuição de renda e de importantes conflitos de interesse de

classes, requer uma propaganda sistemática.

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113

Portanto, a mídia mobiliza e reitera muitos interesses empresariais de sua

instituição como mídia e como apoio ao governo em época que acha oportuno. Com

esse entendimento, os teóricos atribuem cinco filtros que a notícia costuma percorrer até

chegar aos receptores. 1 - o porte, a concentração da propriedade, a fortuna dos

proprietários e a orientação para o lucro das empresas que dominam a mídia de massa; 2

- a propaganda como principal fonte de recursos da mídia de massa; 3 - a dependência

da mídia de informações fornecidas pelo governo, por empresas e por “especialistas”

financiados e aprovados por essas fontes primárias e agentes do poder; 4 - a bateria e

reações negativas (em inglês, flak) como forma de disciplinar a mídia, e 5 - o

“anticomunismo” como “religião nacional” e mecanismo de controle. Esses elementos

interagem entre si e se reforçam mutuamente (CHOMSKY; HERMAN, 2003, p.62).

No primeiro filtro, os comunicólogos desenvolvem a ideia central de que as

“mídias dominantes” são grandes empresas controladas por poderosos, ou por

empresários, ou por forças voltadas para o mercado e o lucro; e estão solidamente

unidas por interesses em comum com outras grandes corporações, bancos e

investidores. Nesse sentido, eles ainda afirmam que muitas empresas de mídia estão

totalmente integradas ao mercado e, assim, como para as outras, as pressões de

acionistas, diretores e banqueiros para se focarem em lucros são muito fortes. “Essas

pressões intensificaram-se nos últimos anos à medida que as ações das empresas de

mídia se tornaram favoritas do mercado [...]”, descobrindo com isso que é possível “[...]

capitalizar maiores audiências e receitas de propaganda em valores multiplicados das

franquias de mídia – e grandes fortunas.” (CHOMSKY; HERMAN, 2003, p.66).

Antes de abordar a importância do segundo filtro que diz respeito à “licença da

propaganda para fazer negócios” é necessário esclarecer que antes de a propaganda se

tornar proeminente, o preço de um jornal teria que cobrir os custos do negócio, da

empresa jornalística. Entretanto, com o crescimento e uso da propaganda, os jornais e

veículos de comunicação que atraíam anúncios puderam se permitir vender seu produto

abaixo do preço que custava a produção. O que ocorreu depois, como consequência, não

fica difícil de imaginar. Os jornais que não tinham anúncios ficaram em grave

desvantagem, sendo vendidos por preço maior do que aqueles com anúncios, tendo suas

vendas prejudicadas e tendo menos condições de investir na melhoria estrutural do

jornal ou de outro veículo. Por essa razão, um meio com base na propaganda tenderá,

pela lógica do mercado, a eliminar a existência ou levar à marginalidade as empresas de

comunicação e os tipos de mídia que dependem unicamente das receitas de vendas.

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114

Respaldados por essa ideia, os autores dos filtros esclarecem que, “As mídias

baseadas em anúncios recebem um subsídio da propaganda que lhes dá vantagens de

preço, marketing e qualidade, que lhes permite abusar de seus rivais que não utilizam

propaganda (ou que ficam em desvantagem) e enfraquecê-los ainda mais.”

(CHOMSKY; HERMAN, 2003, p.73).

Com isso, pode-se afirmar na constatação de Chomsky e Herman (2003, p.73)

que os anunciantes escolhem criteriosamente os meios de comunicação, e mesmo os

programas e demais formatos jornalísticos (revistas, jornais, programas de rádio e TV),

tomando por base seus princípios, e evitam programas que possam interferir no “poder

de compra” dos consumidores. Assim, muitas vezes, programas com conteúdos

educativos são excluídos da programação com facilidade.

Portanto, no outro sentido, o elo entre produção jornalística e propaganda

resultou num fator relevante: a produção do conteúdo jornalístico ficou comprometida.

Para o comunicólogo Ciro Marcondes Filho (2002, p.117) existe uma linha tênue

entre a economia interna da empresa e seus anunciantes, pois, com a entrada e

hegemonia da propaganda na manutenção dos meios de comunicação, o poder do

jornalismo perdeu seu caráter independente, “[...] a produção de notícias perde o que a

caracterizou e deu força em todo o seu ‘período áureo’, aquilo que Albert Londres

chamava de ‘pôr a pena na ferida.’” (MARCONDES, 2002, p.117).

No terceiro filtro “buscando fontes de notícias de mídia de massa” os jornalistas

necessitam de notícias diárias, cumprem horários apertados e dificilmente estão

presentes nos diversos lugares onde fatos importantes podem acontecer. Percebendo

isso, fontes do governo e das corporações se “esforçam” para tornar as coisas mais

fáceis para a mídia, enviando discursos adiantados de conferências e reuniões, releases

e pronunciamentos de acordo com o horário de fechamento dos jornais. Isso facilita a

atividade da mídia e, em troca, as grandes entidades e o governo obtêm acesso especial

na mesma.

Com isso, a “mídia de massa” é levada a um relacionamento simbiótico com as

poderosas fontes de informação pela necessidade econômica das empresas jornalísticas

e pela reciprocidade de interesse do governo (tanto local quanto prefeituras e outros

departamentos federais) e também de corporações de negócios e grupos comerciais que

são considerados por essa mídia confiáveis e tidos com o mérito de serem fornecedores

regulares. Portanto, estabelece-se nessa lógica um fluxo programado de matérias

pautadas por essas organizações de notícias.

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115

Segundo Chomsky e Herman (2003, p.78), as “[...] fontes governamentais e

corporativas também têm seu mérito de ser reconhecíveis e confiáveis por seu status e

prestígio [...]”. Seguindo essa linha de pensamento, Chomsky e Herman apontam outra

razão para o alto prestígio concedido a fontes oficiais: é que a mídia afirma produzir

notícias de caráter objetivo, com a finalidade primeira de manter sua imagem de mídia

objetiva e depois se proteger de críticas quanto às tendenciosidades e de possíveis

ameaças de ações cíveis, já que é necessário que ela tenha, entre seu hall de matérias,

notícias que lhes dê base de precisão. Para os autores,

Trata-se em parte de uma questão de custo: tomar a informação de

fontes que podem ser presumivelmente confiáveis reduz as despesas

de investigação, ao passo que o material de fontes que a uma vista não

são confiáveis, ou que darão margem a críticas e ameaças, exige uma

cuidadosa verificação e uma pesquisa dispendiosa (CHOMSKY;

HERMAN, 2003, p.78).

No quarto filtro, “a bateria de reações negativas e os fiscais de cumprimento”, os

autores usam o termo bateria de reações negativas para se referir às respostas negativas

dadas a um programa ou declaração da mídia que tem a finalidade de regulamentar,

ameaçando e “corrigindo” a mídia, tentando conter qualquer desvio da linha

estabelecida. O noticiário em si está projetado para produzir essa reação. Nesse sentido,

os geradores de reações negativas somam suas forças e reforçam o comando da

autoridade política em suas atividades de gerenciamento de notícias. Segundo Chomsky

e Herman (2003, p.87) o governo é o principal produtor de reações negativas, atacando

a mídia.

O quinto e último filtro ressalta a presença da ideologia do anticomunismo na

produção do material veiculado pelos meios de comunicação. O “anticomunismo como

mecanismo de controle” é utilizado pela mídia como forma de manipulação da classe

dominante, tornando-se um “sistema de mercado guiado” por governos, líderes de

comunidades e acionistas destas mídias.

Isso ocorre com frequência em razão de o conceito do comunismo ainda ser

obscuro no mundo contemporâneo. Portanto, o comunismo em seu sentido pejorativo6 é

utilizado pela mídia contra qualquer um que defenda políticas que ameacem os

interesses de proprietários ou apóie países comunistas. Esse último filtro aparece nas

6 No sentido que aterroriza os proprietários de imóveis e ameaça a raiz de sua posição de classe e de

status superior.

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116

mais comuns das matérias veiculadas pelos meios de comunicação criminalizando os

movimentos sociais e outros que estejam a favor de causas sociais que remetam a

estudos das raízes dos problemas sociais, como o exemplo o Movimento dos Sem Terra,

no Brasil.

Portanto, segundo os autores pode-se afirmar que o mecanismo do controle

anticomunista difunde-se na sociedade para exercer profunda influência sobre a mídia.

Em tempos normais, assim como em períodos de Pânico Vermelho, as

questões tendem a ser enquadradas em termos de um mundo

dicotomizado entre forças comunistas e anticomunistas, com ganhos e

perdas distribuídos aos lados em disputa, e a torcida pelo ‘lado norte-

americano’ considerada como uma prática jornalística inteiramente

legitimada (2003, p.89).

Nesse sentido, a legitimidade da opinião anticomunista na mídia mantém traços

conservadores da história dicotomizada da Guerra Fria (EUA e União Soviética) e

permite a observação atual de seu poder na retórica da Guerra do Iraque, por exemplo,

no discurso de Bush e de parcela da mídia (como se viu nas análises dos autores neste

Cap. IV).

Outra influência importante nessa análise das fontes oficiais é o uso das

terminologias trazidas pelo governo americano, na maioria das vezes, reiteradas pela

mídia indiscriminadamente. O jornalista Robert Fisk no texto O Jornalismo e as

Palavras de Poder, pronunciado numa conferência no Canadá, expõe pontualmente as

terminologias que são assimiladas pela mídia americana e reproduzidas sem

questionamento.

Quando nós ocidentais descobrimos que “nossos” inimigos — a Al-

Qaeda, por exemplo, ou o talibã — explodiram mais bombas e

patrocinaram mais ataques do que o esperado, chamamos isso de “um

pico de violência”. Ah, sim, um ‘pico’. Um ‘pico’ de violência,

senhoras e senhores, foi uma frase primeiro usada, de acordo com

meus arquivos, por um general na Zona Verde de Bagdá em 2004

[inicialmente quartel-general da ocupação dos Estados Unidos no

Iraque]. No entanto, nós usamos a frase agora, discutimos a partir

dela, replicamos como se fosse nossa. Estamos usando, literalmente,

uma expressão criada para nós pelo Pentágono. Um “pico”,

naturalmente, significa algo que sobe rapidamente e que em seguida

cai rapidamente. Um ‘pico’, assim sendo, evita o uso do terrível

“aumento da violência” — já que um aumento, senhoras e senhores,

pode não ser seguido por uma redução posteriormente (FISK, 2010,

p.01).

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117

Outro exemplo citado faz alusão a quando os generais dos Estados Unidos se

referem a um repentino aumento de suas forças, como um apoio a um ataque contra

qualquer movimento, o Pentágono chama isso de “surge”. “O que esses ‘surges’ são, na

verdade, — para usar as palavras verdadeiras do jornalismo sério — são reforços. E

reforços são mandados para as guerras quando os exércitos estão perdendo essas

guerras. Mas nossos meninos e meninas nos jornais e nas emissoras de TV estão falando

em ‘surges’ sem atribuir isso ao Pentágono!” (FISK, 2010, p.03). Da mesma forma, a

expressão estratégica “Af-Pak” usada pela mídia para simplificar “Afeganistão-

Paquistão”, em operações dos EUA nesses países, foi originalmente “[...] uma criação

do Departamento de Estado, no dia em que Richard Holbrooke foi indicado como

mediador dos Estados Unidos no Afeganistão e no Paquistão”.

Mas a frase evita o uso da palavra “Índia”, de influência no

Afeganistão (cuja presença no Afeganistão é parte vital da história).

Além disso, “Af-Pak” — ao apagar a Índia — eficazmente apaga toda

a crise de Kashmir do conflito no sudeste da Ásia. E assim o Paquistão

ficou sem qualquer papel na política dos Estados Unidos para Kashmir

— afinal, Holbrooke foi nomeado para o “Af-Pak”, especificamente

proibido de discutir Kashmir. E assim a frase “Af-Pak”, que nega

totalmente a tragédia do Kashmir — significa que quando nós

jornalistas usamos a mesma frase, “Af-Pak” — que com certeza foi

criada para nós — estamos fazendo o trabalho do Departamento de

Estado americano (FISK, 2010, p.02).

Fisk, ao concluir, identifica uma questão positiva, dizendo que o público

receptor das mensagens viciadas está atento. “Eles [o público] sabem que estamos

afogando nosso vocabulário na linguagem dos generais e presidentes, das assim-

chamadas elites, na arrogância dos experts do Brookings Institute, ou daqueles da Rand

Corporation ou o que eu chamo de ‘think tanks7’. Então nós nos tornamos parte desta

linguagem.” (FISK, 2010, p.03).

4.3 Enquadrando o Discurso Jornalístico

A pesquisadora na área da comunicação da UERJ, Alessandra Aldé, no artigo

Mídia e guerra: enquadramentos do Iraque promove interessante pesquisa na análise

7 Esse conceito de think tanks (em português, Usina de Ideias) foi redirecionado pelos pesquisadores da

área crítica do uso da retórica de filosofias neoliberais da economia americana. Está relacionado ao

significado de “pensadores que policiam as atribuições valorativas do establishment americano”.

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118

dos discursos jornalísticos que retratam o Oriente Médio, em especial em período de

guerra, como deixou transparecer no artigo sobre a Guerra no Iraque.

Ampliando a discussão, Aldé não apenas realiza as análises posicionando os

discursos em seus respectivos “enquadramentos”, como também traz a presença do

Estado, enquanto ator da esfera política no debate de apropriação do discurso da mídia.

E interroga se este Estado, numa democracia como a brasileira e a estadunidense, se

fortalece com os enquadramentos analisados do papel da mídia, ou seja, identifica o

jogo de interesses entre enquadramentos, mídia, Estado e sociedade ─ opinião pública.

“Também interessa a perspectiva da sociedade cujo poder, numa democracia, o Estado

representa, e cujos interesses podem ou não coincidir com os deste último”. Contudo,

diagnostica que em situações de crise o clima entre a mídia e o Estado é singular “[...]

percebemos que os atores políticos oficiais contam com vários recursos para procurar

controlar a cobertura dos meios de comunicação de massa, fornecendo-lhes eventos de

mídia, declarações oficiais, imagens exclusivas ou pitorescas. Para questões políticas,

polêmicas ou não, a imprensa dificilmente deixará de ouvir a versão oficial” (ALDÉ,

2004, p.03). Pois ter os “[...] jornalistas alinhados ao enquadramento oficial é estratégia

fundamental.” (ALDÉ, 2004, p.03).

Nesse sentido, Aldé esclarece que quanto mais pluralidade de enquadramentos

nos discursos da mídia, maiores serão as opções democráticas para a sociedade. E o

inverso é prejudicial à população. “O fechamento de enquadramentos, numa guerra,

pode levar no limite à adoção restrita da versão oficial, reduzindo a possibilidade dos

cidadãos de elaborarem suas opiniões a partir da comparação entre diferentes aspectos e

perspectivas sobre o conflito.” (ALDÉ, 2004, p.06).

Na análise da cobertura jornalística do conflito do Iraque a pesquisadora Aldé

verificou quatro enquadramentos principais,

a) O enquadramento militar ou belicista, centrado nas táticas e

estratégias de guerra, nos arsenais e equipamentos, foi o que enfatizou

as informações sobre armamentos, trajetórias, mapas, manobras,

movimentos, comparação de forças etc. Trata-se de uma perspectiva

naturalmente atraente para os meios de comunicação de massa, dada a

carga dramática e imagética de qualquer conflito, e portanto é

previsível que seja um dos enquadramentos mais recorrentes (ALDÉ,

2004, p.09).

O segundo enquadramento — o econômico — diz respeito às “[...] eventuais

motivações econômicas da guerra, e para as possíveis conseqüências da derrota e

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119

ocupação do país inimigo”. Segundo a autora, esse enquadramento permitiu uma

perspectiva mais crítica pela mídia, pois trazia à luz questões da guerra ligadas às

reservas petrolíferas do Iraque (ALDÉ, 2004, p.9).

O terceiro refere-se ao enquadramento humanista que destaca os efeitos da

guerra sobre as sociedades e grupos inclusos da disputa, nas mortes e na destruição

civil, como um todo.

O quarto e último enquadramento, o político, “[...] aponta para os significados

públicos da guerra, o processo de tomada de decisões e exercício do poder, com suas

relações de alianças e repúdios, e seus efeitos para a ordem internacional.” (ALDÉ,

2004, p.9).

Na opinião da pesquisadora, o enquadramento humanista, neste conflito, pode

ser visto, de certa forma, pela pressão das imagens fornecidas pelas redes árabes de

televisão às agências e emissoras internacionais, imagens que, ao passo que deram

visibilidade do enquadramento, forçaram inclusões mais humanas à mídia americana.

A comparação com a cobertura da primeira Guerra do Golfo, em

1991, é esclarecedora. As centenas de milhares de iraquianos mortos

naquela ocasião e nos anos que se seguiram tiveram menos destaque,

nas imagens da mídia, dos que os pássaros grudados nos vazamentos

marítimos de petróleo. Predominaram, em geral, as imagens de

bombardeios esverdeados, ao longe, que reforçavam o caráter “limpo

e cirúrgico” da intervenção americana, enquadramento que se impôs à

cobertura internacional pela censura americana, em uma estratégia

deliberada de desinformação do público (KELLNER apud ALDÉ,

2004, p.10).

Analisando esses enquadramentos na cobertura da mídia brasileira, Aldé

identificou que a revista Veja adotou a perspectiva militarista da guerra, embora

hibridizasse, dependendo do interesse editorial da revista, os enquadramentos políticos e

econômicos. “As capas e maioria das matérias, no entanto, sempre chamavam a atenção

para a disparidade de forças, enfatizando a superioridade americana”. Completa,

afirmando que em várias matérias, nos primeiros meses de 2003, mostravam as

“monstruosidades de Saddam Hussein e seu regime”, dando poucas linhas para

descrever o papel dos Estados Unidos na consolidação de seu poder imperialista. “Em

vários momentos, a revista reproduziu as ridicularizações dos norte-americanos às

manifestações pacifistas de outras partes do mundo, inclusive do Brasil, dando a guerra

como inevitável e tecnológica, política e economicamente eficiente.” (ALDÉ, 2004,

p.10-11).

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120

Nas análises telejornalísticas predominaram-se o enquadramento belicista, que

reforçou a visão militar dos mais poderosos no conflito, os EUA e seus aliados. Nesse

sentido, a pesquisadora salienta que ocorreu uma “disparidade de forças”, e mostra que

foi a versão oficial dos invasores que permaneceu nos discursos.

O Jornal Nacional reservou vários minutos de cada bloco dedicado ao

assunto para descrições minuciosas dos equipamentos e rotas de

invasão, com o apoio gráfico de um mapa tridimensional. Trata-se de

um enquadramento evidente, é claro, em se tratando de uma guerra,

mas a ênfase ou fechamento, no caso deste se tornar exclusivo, arrisca

a fortalecer o argumento da força, destacando o caráter “inócuo” das

gestões contra a guerra e as previsões otimistas do lado mais forte

(ALDÉ, 2004, p.12).

Para o pesquisador em cultura contemporânea da UFBA, Antônio Brotas, em

Guerra e Terrorismo: os diferentes discursos e enquadramentos da mídia, houve a

representação contaminada da realidade muçulmana no conflito, em razão desses

enquadramentos estarem ligados a uma visão oficial e, mesmo, de propaganda da guerra

pelos invasores.

Ao aceitar imagens e textos puramente propagandísticos como

verdadeiros acontecimentos, o jornalismo dificulta a formação de uma

cultura de aceitação do outro como seu contemporâneo, não inferior,

mas diferente no seu modo de vida. Os jornalistas realizam uma

extrema simplificação da religião, das reflexões teológicas, das

divisões internas, da complexidade da história, das regiões, das

culturas e dos movimentos políticos que existem nessa vasta região

chamada de “mundo islâmico” (BROTAS, 2005, p.10).

Além do enquadramento oficial, Brotas identifica que as imagens sobre o mundo

muçulmano foram construídas a partir de elementos “[...] etnocêntricos, que associam

toda uma população, ao atraso, ao fanatismo e extremismo religioso” retratando o Outro

Islã em uma representação de inferioridade e distanciamento mais profundo da visão

Ocidental, reproduzida por uma parcela significativa da mídia internacional (BROTAS,

2005, p.03). E conclui que esse discurso “patológico” sobre o terrorismo esconde suas

motivações políticas e todas as questões de fundo que ajudam a compreender a

realidade daquele povo (BROTAS, 2005, p.10).

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121

“É ilusão acreditar que as possibilidades virtuais, capazes de

reproduzir imagens de realidades do outro lado do mundo

dentro das nossas salas, nos façam entender aquelas

realidades. Quanto mais a câmera focaliza os detalhes, menos

vemos do quadro completo. Tão perto e, mesmo assim, tão

longe.” (MILZ, 2003, p.67).

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122

CAPÍTULO V – JORNALISMO INTERNACIONAL

A formação dos enquadramentos e visões da informação jornalística transcende

suas constituições textuais, imagéticas, sonoras e ilustrativas, depende

significativamente das suas inter-relações com fatores externos e da área jornalística.

Como elementos externos entendem-se as constituições vindas da história (interesses,

políticos, sociais), do repertório cultural das sociedades e da ligação que a mídia

desenvolve com esses elementos. Como área jornalística compreende-se a rotina

produtiva do veículo de comunicação (seus valores jornalísticos internos e sua maneira

de conceber a informação), a postura como determinado veículo se relaciona com os

interesses dos fatores externos, e a forma como, ao desenvolver o jornalismo, é visto e

apreciado pelas audiências, e o quanto esse retorno é reincorporado a essas rotinas de

produção pelo veículo. Nesse sentido, é importante observar e analisar as características

que colaboram para a formação do jornalismo, em especial o jornalismo internacional,

que é a editoria delimitada no estudo desta tese.

5.1 Breve Resgate do Jornalismo Impresso

No decorrer dos tempos, com a complexidade da estrutura organizacional da

vida cotidiana, foi inventada em 14508, por Johann Gutenberg de Mainz, a prensa

gráfica, que tensionou o período em questão com o debate acerca de sua utilidade. Antes

de ser utilizada como órgão publicitário, no sentido abrangente que o termo abriga,

depois de incorporado pela Igreja Católica, — não havia diversidade de temas na

maioria dos livros impressos — no final do século XV e começo do XVI, basicamente

aludiam à vida dos santos (biblioteca azul) e aos romances de cavalaria: “Levando

alguns historiadores à conclusão de que a literatura era escapista, ou mesmo uma forma

de anestesia, além de representar um modo de difundir entre as camadas mais baixas de

artesãos e camponeses os modelos culturais criados por e para o clero e a nobreza”,

afirma Peter Burke e Asa Briggs em Uma História Social da Mídia (2004, p.31).

É nesse cenário inquietante da Prensa Gráfica que o poder político, na

representação do Clero — a maior parte membros do alto escalão da hierarquia da Igreja

Católica — e da nobreza se destacavam como agentes opinativos dos comportamentos e

8 Segundo outros levantamentos históricos, foi na China que se originou a impressão, que era feita em

bloco, no século VIII. Usava-se madeira entalhada para imprimir uma página de texto específico.

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123

ideais de pensamento. Logo, a imprensa, no formato de livros literários servia como

extensão das oratórias difundidas nos púlpitos da Igreja. Entretanto, foi nesse mesmo

momento histórico que a organização do comércio crescia por meio das viagens

marítimas (transatlânticas). Com isso, as notícias de como era a vida em territórios

distantes, as várias formas de culturas de outros lugares, as histórias contadas pelos

viajantes, juntaram-se com a invenção da imprensa e o resultado foi a constatação de

panfletos desenvolvidos pelas pessoas interessadas em novas óticas na acepção da vida,

com patrocínio do comércio emergente.

A resposta da Igreja9 veio em seguida, rotulando de errôneos e mentirosos,

realizando a censura dos mesmos por meio de uma lista que foi denominada de Índex

(os livros proibidos). Mas, com o surgimento das teses de contraposição10

aos

ensinamentos que a Igreja Católica pregava no século XIV, Lutero, um ex-monge,

firmou uma postura alternativa à Igreja Católica, fundando a Igreja Protestante, fator

histórico que mudou significativamente o rumo da história das publicações. Primeiro

porque Lutero escrevia na linguagem das pessoas comuns, na maior parte delas

camponeses. Com isso, ele unificou a língua da região (alemã), que se difundia com

certa facilidade, mas de forma gradual11

. No começo, as poucas pessoas que eram

letradas liam coletivamente os escritos de Lutero.

As consequências do aumento do letramento e sua penetração na vida

diária foram muitas e variadas. Cresceu o número de pessoas em

ocupações ligadas à escrita: empregados de escritório, contadores,

escrivãos, notários, escritores públicos e carteiros. Alguns desses

cargos possuíam status social relativamente alto (BRIGGS; BURKE,

2004, p.43).

Paralelo ao evangelho segundo Jesus Cristo, do qual Lutero reescreveu boa

parte, havia outros ensinamentos da nova Igreja Protestante.

As imagens impressas cresciam juntamente com os textos, livros — obras

religiosas, romances — e demais informativos. As notícias já eram vistas como

mercadorias no século XV, e os editores de livros e produtores de panfletos comerciais

9 A Igreja Católica começou a sentir que a imprensa poderia acabar com seu poder sobre o povo, ou que

pelo menos era algum risco à sua hegemonia e o papado criou o Índex com o fim de resolver a

proliferação dos livros e panfletos que os ameaçassem. 10

Uma das descobertas de Lutero era que para conseguir o amor de Deus os devotos não precisavam

castigar-se ao pedir perdão. Era necessário apenas ter fé em Deus e conciliar-se com ele. 11

Com o apoio das Universidades que emergiam na época, dando poder de leitura aos povos através de

debates formais e palestras, entre outros meios de aprendizagem.

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124

ou mesmo literários se envolviam cada vez mais em outras formas de publicidade. Com

isso, a inscrição da prática da leitura na vida cotidiana ficava mais comum.

Na França, em 1789, na época da Revolução Francesa, os jornais davam

embasamento histórico para os governantes resgatarem as matérias anteriores para

afirmar que, com a prática revolucionária, o ambiente cotidiano seria outro. Ou seja, os

jornais eram utilizados como documento comprobatório.

Nessa dinâmica Antonio Albino Canelas Rubim (2000, p.19) aponta que

[...] tanto os jornais que proliferaram em torno da Revolução Francesa

e de suas lideranças, quanto os pasquins políticos do século 19 no

Brasil, por exemplo, atuavam como meros amplificadores das

opiniões e idéias políticas e não como meios submetidos a alguma

lógica oriunda da comunicação, a não ser aquela elementar que

garantia a comunicabilidade. A rigor, tais publicações caracterizam-se,

antes de tudo, como extensões da (dinâmica) política e somente nessa

operação (instrumentalizada) podem ser analiticamente elucidadas.

Logo, a imprensa era utilizada para fins de interesses particulares, ou melhor, na

maioria das vezes como órgão multiplicador de opiniões de grupos sociais em certa

hierarquia social de destaque, pois detinham os meios de produção e os discursos

sociais estabelecidos.

Nesse sentido, é interessante repensar de que maneira a imprensa já se

apropriava de valores latentes para reafirmá-los socialmente, operando intelectual e

moralmente na vida das sociedades, o que supõe sempre e simultaneamente

“argumentos, emoções, sentimentos, preconceitos, interesses, etc., todos eles

indissociáveis e inerentes ao relacionamento social e humano. A hegemonia intelectual

e moral operam neste nível de pregnância e complexidade, emaranhando consciente e

inconsciente.” (RUBIM, 2000, p.23).

A impressão gráfica colaborava, em contrapartida, para a apropriação pública de

valores, com o surgimento da leitura crítica, em decorrência do aumento das

oportunidades de se comparar opiniões diversas em livros, panfletos e jornais diferentes

sobre o mesmo assunto. Os primeiros jornais da Europa do século XVIII enfrentavam

os governos locais e encorajaram o público leitor a refletir sobre a política estabelecida.

O amadurecimento da imprensa gráfica ocorreu com o desenvolvimento e

engrandecimento do comércio mundial, que começava a acrescentar a propaganda nos

jornais como forma de mantê-los em circulação. “Em Londres, por volta de 1650, um

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125

jornal teria em média seis anúncios; cem anos depois, 50.” (BRIGGS; BURKE, 2004,

p.64).

Os jornais eram publicações vantajosas para os produtores, e uma mercadoria

bem aceita pela sociedade européia. No início do século XVII, a cidade de Amsterdã era

o maior centro de jornais e maior polo industrial e financeiro europeu.

Briggs e Burke (2004, p.67) comentam que entre os jornais — que saíam uma,

duas ou três vezes por semana em latim, francês, inglês e também em holandês —

estavam os primeiros impressos em inglês e francês, The Corrant out of Italy, Germany

e o Courant d’Italie, que começaram a ser publicados em 1620. “A partir de 1662, um

jornal semanal em francês, a Gazette d’Amsterdam, oferecia não somente informação

sobre negócios europeus, mas também críticas sobre a Igreja Católica e às políticas do

governo francês.” (BRIGGS; BURKE, 2004, p.67).

Como foi visto, o desenvolvimento das primeiras máquinas impressoras

significaram um forte aumento da economia capitalista do fim da Idade Média e início

da Idade Moderna na Europa. A imprensa se tornou a nova base de poder simbólico que

tanto poderia ser usada para o engrandecimento das instituições políticas dos estados

emergentes, quanto poderia ser aplicada como forma de reivindicação de autoridade por

instituições religiosas que perdiam cada vez mais seus postos hierárquicos no exercício

do poder simbólico.

Segundo o pesquisador John Thompson, em A Mídia e a Modernidade (2005,

p.54), “O advento da indústria gráfica representou o surgimento de novos centros e

redes de poder simbólico que geralmente escapavam ao controle da Igreja e do Estado,

mas que a Igreja e o Estado procuraram usar em benefício próprio e, de tempos a

tempos, suprimir”.

Essa indústria gráfica era formada por organizações tipográficas e editoras que

se caracterizaram como instituições culturais e econômicas. O duplo caráter marcava

esses lugares como algo mais do que centros de comércio, pois neles se reuniam

frequentemente clérigos, eruditos e intelectuais, e essa miscelânea de opiniões e

interesses demarcavam as dificuldades que os impressores e editores tinham com as

autoridades religiosas, os políticos e outros segmentos sociais.

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126

5.2 Jornalismo Internacional, Fluxos e Agências

5.2.1 Economia determinou o início

Foi nessa mesma época do uso da imprensa para fins religiosos e políticos que

parte dos grandes “nomes de família”, como eram chamados os homens de fortuna,

também se utilizaram da imprensa para se informar de questões internacionais, a

respeito da economia e da política. Em torno do século XVI o banqueiro Jacob Függer

von der Lilie contribuiu, a partir das práticas de uso do material impresso que

protagonizava, para o nascimento do “[...] embrião do jornalismo econômico e político,

voltado para assuntos internacionais.” (NATALI, 2007, p.21). O banqueiro europeu, em

1508, já tinha agentes comprometidos a enviar com regularidade informações que

tivessem alguma utilidade para os negócios.

Como, por exemplo, a cotação de determinadas mercadorias nas feiras

nas quais compravam, vendiam e, sobretudo, negociavam letras de

câmbio. Conflitos regionais e a forma com que esses conflitos,

baseados naquela época em questões teológicas, afetavam de maneira

bem mais secular o risco de tráfego pelas estradas, as cotações dos

pedágios nas alfândegas senhoriais ou o preço das apólices de seguro

(NATALI, 2007, p.21).

Além disso, as correspondências impressas de Függer “[...] permitiam a

manutenção de uma rede que fazia as informações circular por circuitos paralelos aos

utilizados por duas redes previamente existentes, a rede diplomática, que orientava

monarcas, e a rede eclesiástica, que orientava dirigentes da burocracia da Igreja.”

(NATALI, 2007, p.22). Esse início, contado na obra do jornalista João Batista Natali,

Jornalismo Internacional, intitula essas correspondências agenciadas pelo banqueiro

como o começo das newsletters, mas com características centradas na economia

política.

Entre os anos de 1610 a 1645 já existiam jornais baseados em informações

econômicas e políticas de terras estrangeiras, que circulavam na Suíça, Áustria,

Hungria, Inglaterra e França (NATALI, 2007, p.23). No entanto, foi apenas com a

industrialização dos correios (o serviço postal), no século XVIII, que o jornalismo, por

meio dessas newsletters, ganhava uma constituição particular de conceber a informação,

ou seja, as informações internacionais exerciam peso muito relevante na prática das

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127

gestões políticas e sociais da economia, contribuindo para o nascimento específico do

jornalismo internacional (NATALI, 2007, p.21-3).

Em 1770, aproximadamente, o jornalismo internacional ganhou coberturas

advindas de fatos policiais que ocorriam em outras regiões ou mesmo em países

vizinhos, que poderiam comover o público local. “Estamos no espaço verbal da política

ou da fofoca, num espaço de pauta sem muitas fronteiras geográficas.” (NATALI, 2007,

p.27). Nesse sentido, o noticiário internacional contemplava um caráter mais popular,

além do expressivo serviço de utilidade comercial, que atendia a “comunidade business”

da época (NATALI, 2007, p.27).

Diante desse cenário histórico se verifica que os temas internacionais entraram

no jornalismo impresso tarde, pois não existiam formas de gerar e editar fatos ou porque

o interesse ainda não ultrapassava as fronteiras. Para o jornalista e teórico Guillermo

García Espinosa de Los Monteros:

A primeira agência de notícias internacionais é organizada no segundo

quartel do século XIX. As notícias sobre o exterior ganham seu espaço

na imprensa diária, quase um século depois da Revolução Industrial.

O jornalismo internacional não só tiveram que ser antecedido pelo

desenvolvimento da indústria editorial, como também pela

transformação dos transportes, das comunicações telegráficas e do

comércio internacional de metais e produtos agrícolas, especialmente

grãos e o gado. A difusão em Nova York de notícias sobre preços de

grãos em Londres foi um dos elos genéticos do jornalismo econômico

e das variáveis internacionais do mesmo (LOS MONTEROS, 1998, p.

416).

Los Monteros explica que foram as guerras e os conflitos coloniais na Europa

que impulsionaram temas para o jornalismo internacional, em países como Inglaterra e

França, por exemplo. “Até hoje, as guerras são objeto de interesse primordial para os

jornalistas; as motivações são as mesmas ontem e hoje: a vontade de relatar os dramas

da guerra, a ambição de publicar as notícias que estremecem os leitores, a necessidade

de relatar com imparcialidade os fatores de uma mudança social e política.” (LOS

MONTEROS, 1998, p. 416).

E para Natali o período de guerras é a data adulta do jornalismo internacional,

em especial a Guerra Civil Americana (1861-1865), que foi acompanhada por 150

correspondentes de guerra. Nesse momento mais maduro, os jornais já eram vistos

também como empresas, e como tais procuravam mais informações por um preço

menor. Nesse sentido que as agências de notícias tomam forma. “A idéia consistiu,

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128

então, em formar pools pelos quais um mesmo repórter ou equipe de repórteres

produziriam material para muitos órgãos de imprensa. É a idéia da agência de notícias.”

(NATALI, 2007, p.30).

A primeira agência surgiu na França, em 1835, pelas mãos de Charles Havas,

que iniciou a ideia de agência como se concebe hoje, por meio de uma empresa de

tradução de informações publicadas por outros jornais europeus, mas para uso dos

jornais franceses. Ficou chamada agência Havas, hoje AFP ─ Agence France-Presse

(NATALI, 2007, p.30).

Natali descreve que um dos empregados dessa agência pioneira foi um alemão,

Paul Julius Reuter, que, depois de adquirir experiência, desenvolveu um jornalismo

internacional, típico de agência, que captava informações da Europa continental, dos

Estados Unidos e as utilizava para atender às necessidades econômicas dos assinantes

europeus. A empresa Reuters, como ficou chamada, noticiou primeiro o assassinato do

presidente Abraham Lincoln (NATALI, 2007, p.31).

Outra agência que se constitui nessa época foi a AP – Associated Press. A AP

nasceu do pool dos EUA, na guerra com o México, em 1858. Dela ocorreu o primeiro

despacho por cabo telegráfico transatlântico. “O texto, para uso dos jornais norte-

americanos, trazia 48 palavras e se referia a uma rebelião contida na Índia contra os

ingleses” (NATALI, 2007, p.31).

Por meio da constituição das agências o jornalismo internacional ganhou maior

visibilidade.

Um texto distribuído a centenas de jornais que assinam os serviços de

uma agência sai incomparavelmente mais barato que um texto

produzido por um correspondente ou enviado especial cujos custos

são cobertos inteiramente por um jornal ou por uma revista. O

correspondente ou enviado especial passou a ser um diferencial de

peso, mas não o arroz-com-feijão do noticiário (NATALI, 2007, p.31).

Contudo a forma de produção das notícias pelas agências internacionais era

diferente, do que se vê atualmente. O material jornalístico tinha caráter de texto de

crônica e depois, muitas vezes, eram transformados em contos literários, após as

coberturas. Los Monteros conta que o material era produzido com estilo e liberdade, que

cumpriam o propósito de levar a notícia, mas não deixavam de comover com histórias.

“Hoje os textos de informação internacional são em geral informativos e sucintos.”

(LOS MONTEROS, 1998, p. 418).

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129

Para Los Monteros a forma mais industrial que se vê na produção das agências

de notícias advém do próprio momento industrial da Inglaterra que agregou a

tecnificação ao jornalismo diário, bem como do que chama de “uma necessidade da

metrópole colonial” de estimular a formação de uma classe intelectual especializada nos

fenômenos internacionais. Nesse sentido caracteriza o correspondente como “[...] o

típico habitante da diáspora jornalística, destinado a trabalhar em um dos lugares onde o

jornal concentra esforços informativos.” (LOS MONTEROS, 1998, p. 419).

E como tese dessa ideia da informação dependente da metrópole colonial Los

Monteros avança afirmando que “os serviços noticiosos sobre os acontecimentos

internacionais e os ensaios sobre as nações são um produto intelectual europeu,

notavelmente francês e anglo-saxão”, em razão de “uma sequela colonial”.

Mas em contrapartida pontua que o correspondente e o papel das agências

descentraram as visões únicas de pesquisadores viajantes.

No princípio, foi só a tradução de reportagens publicadas em jornais

do exterior, mas em duas ou três décadas os despachos jornalísticos

tomaram sua própria identidade. O correspondente se tornou uma

extensão da figura do repórter, e progressivamente adotou suas

características distintivas. O serviço de agências informativas uniu o

jornalismo à observação de fenômenos do exterior. Antropólogos e

historiadores eram, até então, os principais produtores de testemunhos

etnocêntricos sobre sociedades distantes (LOS MONTEROS, 1998, p.

421).

5.2.1.1 No Brasil

No país, o jornalismo internacional se deu mais lentamente, pois as notícias

demandavam mais tempo para chegar ao Brasil do que nos centros estadunidense e

europeu. Por exemplo, os correios paulistas tinham uma única linha de distribuição, que

partia e chegava ao Rio de Janeiro, com escala em Santos. Apenas em 1825 foi aberta

uma linha postal para o interior de São Paulo, em direção a Itu (NATALI, 2007, p.39).

E, anos depois, em 1874, se estendia um telégrafo, no leito do Atlântico, que conectava

o Brasil à Europa. E três anos mais tarde a agência Reuters-Havas abria uma sucursal no

Rio (NATALI, 2007, p.40).

Na edição de 1º de agosto (1877), o Jornal do Comércio trazia

impressas as duas primeiras notícias internacionais que o Brasil

publicava simultaneamente com os jornais europeus. O primeiro

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130

telegrama informava que nos estaleiros ingleses de Millwal fracassara

a tentativa de lançar ao mar uma fragata, a Independência,

encomendada pela Marinha brasileira. O segundo telegrama

informava a morte de um ex-embaixador britânico no Brasil

(NATALI, 2007, p.40-1).

A partir do século XIX, o Brasil passou a ser palco de fluxos migratórios,

através dos quais traziam imigrantes europeus para trabalhar nas lavouras de café. A

produção jornalística seguiu esse fluxo cultural de imigração no país. Em São Paulo

nasceram dezessete jornais, entre 1878 e 1901, “O primeiro deles foi o Germania, para

a comunidade alemã”. Esses jornais de cunho estrangeiro foram importantes na história

do jornalismo internacional. Outros exemplos de jornais da época: “A comunidade

italiana teria o Fanfulla (1893), a Tribuna Italiana e Il Secolo (ambos de 1894). Os

espanhóis lançariam, entre 1891 e 1900, o Correo Español, El Heraldo, La Ibéria, La

Gaceta Española e La Voz de España. E a comunidade árabe teria, entre 1896 e 1901, O

Brasil, Al Assmaby, Al Munazer e Al Manarat” (NATALI, 2007, p.41).

No decorrer da história do jornalismo brasileiro, o caráter internacional não teve

fortes influências, em partes em razão de o jornalismo local ter evoluído nas técnicas

jornalísticas e de profissionalização, e em termos pela aproximação com a literatura

brasileira, que em 1900 despontava como alicerce no processo de constituição do

jornalismo. Mas, foi no período da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985) que o

jornalismo internacional teve seu crescimento em visibilidade e amadurecimento

profissional (NATALI, 2007, p.44). Isso ocorreu em razão do descentramento do

jornalismo nacional em informar sobre os problemas internos ─ o país passava por

grave e forte censura midiática. “Nesses anos, o mercado de notícias internacionais era

trazido ao jornalismo pelas revistas Visão, e posteriormente, Veja, em que cumpriam

uma função mais didática na mídia.” (NATALI, 2007, p.44). Com o retorno à

democracia, o jornalismo internacional voltou a ter menor importância.

O jornalismo internacional teve início no rádio com a Jovem Pan (Rádio Pan-

Americana), que trazia um boletim diário de notícias, em 1972, elaborado por um

correspondente em Paris. Só em 1991, a CBN trouxe notícias internacionais, de fato,

com aspectos de boletim de notícias. Anos depois, foi delegada boa parte de seu

noticiário internacional à BBC de Londres (NATALI, 2007, p.46).

Na tevê, o jornalismo internacional era trazido pela TV Tupi Difusora de São

Paulo, em 1950, mas até o início dos anos 60, o “[...] jornalismo internacional sofria os

efeitos da tecnologia insuficiente para dotar os programas de imagens de

Page 131: Ingrid Gomes.pdf

131

acontecimentos ocorridos no mesmo dia”. E foi a partir de 1969, por meio dos

transponders de satélite, que o telejornalismo trouxe informações atualizadas do

cotidiano internacional, primeiro pela Rede Bandeirantes, depois pelo Jornal Nacional

(NATALI, 2007, p.47).

Nos anos 70, havia numerosa equipe de correspondentes, em especial do

jornalismo impresso e televisivo. “Há cerca de 25 anos, O Estado de S. Paulo – que

duas décadas antes chegara a manter uma sucursal em Paris – possuía dez

correspondentes permanentes”. A Folha de S. Paulo possuía sete, enquanto o Jornal do

Brasil e O Globo andavam, com equipes equivalentes (NATALI, 2007, p.56). E, hoje, a

questão financeira para manter esses correspondentes é um problema crônico, “[...] as

tarefas das editorias de Política Internacional continuaram a ser cada vez mais atribuídas

aos jornalistas que trabalham nas redações.” (NATALI, 2007, p.56).

Outra data importante na história do jornalismo internacional brasileiro foi o ano

de 1992, que marca a entrada da TVA, primeira rede de programação paga no País.

Com isso, há a abertura também para a importação de programas jornalísticos e, no

Brasil, a Globo e a Bandeirantes lançam canais pagos all news de produção local

(NATALI, 2007, p.47).

Mas para o jornalista brasileiro Antônio Brasil a área internacional passa por

situação de enxugamento profissional, além de se tornar “imóvel e burocrática”. “A

criatividade para buscar alternativas encontra enormes resistências de toda a ordem. O

jornalismo internacional precisa ser sustentado por guerras ou desastres para

sobreviver.” (BRASIL, 2002, p. 66). O jornalista Brasil pontua também que a “pátria de

chuteiras, com o telejornalismo a reboque, esquece o resto do mundo e se torna

apêndice do plantão das agências internacionais. Ou seja, quase nada. A informação

utilitária imediata supera os dividendos de uma cobertura mais ampla, voltada para a

conscientização do público.” (BRASIL, 2002, p. 67). Fato que prejudica a

contextualização e discussão de temas controversos e complexos.

Para a pesquisadora na área da internacionalização da mídia, Anamaria Fadul

(1998, p.79), com a entrada dos satélites de comunicação, na década de 80, permitiu-se

uma cobertura dos grandes acontecimentos pelos mais importantes veículos de

comunicação. Fadul destaca a cobertura da Guerra do Golfo, quando o “[...] mundo

inteiro assistiu a uma única versão dessa guerra: aquela mostrada pelas câmeras da

CNN”. A pesquisadora explica que por meio dessa cobertura unilateral a Europa se

interessou ainda mais pela internacionalização da comunicação. “Esse fato teve grande

Page 132: Ingrid Gomes.pdf

132

repercussão na Europa que decidiu criar um serviço especial de notícias televisivas, o

Euronews, é uma colaboração de diferentes países europeus para produzir informações

sob a ótica desses países.” (FADUL, 1998, p.79).

Mas o Brasil, diante do caráter fechado de sua economia antes dos anos 90, não

colocou em prática essas visões estratégicas do poder da mídia em nível internacional,

como fez a Europa. Contudo, anteriormente, surgiram algumas experiências pioneiras

no país. “As primeiras vão se dar no início dos anos 50 quando o grupo Diários

Associados decidiu criar uma edição internacional de sua mais importante revista, O

Cruzeiro. Tratava-se de uma edição latino-americana que teve uma duração de oito

anos, tendo terminado por problemas na distribuição.” (FADUL, 1998, p.87).

5.2.2 Trajetória específica do Jornalismo Internacional

Diariamente, um jornalista internacional recebe em torno de 1.400 textos de

agências internacionais, o que é diferente de 1.400 notícias, pois esses textos são

atualizados pelas agências na medida em que as informações vão ocorrendo e chegando

a elas. Nesse sentido, o jornalista filtra muito do material bruto vindo das agências.

Segundo Natali (2007, p.09) a editoria internacional é a que mais joga no lixo

informações, diariamente.

Dos anos 90 em diante, observa-se que a prática de produção do jornalismo, de

maneira geral, modificou-se em decorrência do uso da internet. O jornalismo

internacional, em especial, sofreu adaptações. O redator também passou a apurar o

material dos repórteres com maior autoridade, mesmo não estando presente onde

correspondentes e outros repórteres estiveram. “De certo modo, desapareceu ou se

tornou bem mais tênue a fronteira que separava o redator do repórter.” (NATALI, 2007,

p.57). Ou seja, a internet fez com que o redator abandonasse seu papel passivo diante

dos despachos das agências. Bem como os repórteres puderam ter mais informações

para contextualizar o material informativo, além dos contatos de fontes de especialistas

pelo hall acadêmico, que antes eram mais burocráticos. Dessa forma, universidades do

país e do exterior introduziam repertório complementar aos assuntos complexos

(NATALI, 2007, p.57).

No decorrer da história, o jornalismo internacional ganhou novas configurações

de profissionais atuantes na área. Atualmente há quatro funções do jornalista

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133

internacional (NATALI, 2007): 1-correspondente internacional, 2- enviado especial, 3-

stringer e 4- fixer.

O primeiro, é um repórter fixo que fica baseado numa cidade, costuma ser

responsável em cobrir um país ou região. Seu trabalho é flexível, pois depende muito do

orçamento da cobertura pelo veículo pelo qual é contratado. As emissoras também

aproveitam ao máximo das informações desse correspondente, tanto que dele se origina

material informativo para várias editorias. Ele costuma trabalhar como seu próprio

pauteiro e editor, além de manter-se sempre atualizado com o que acontece no Brasil,

pois não pode perder as referências.

Já o enviado especial é um repórter da redação (não necessariamente da editoria

Internacional) mandado para outro país para cobrir um fato específico (e suas

repercussões, detalhes, desdobramentos, “interesse humano”). Permanece no local

enquanto a cobertura durar. Diferente do correspondente, ele costuma sair da redação

pautado, e, portanto, acaba, num primeiro momento, desenvolvendo suítes

(continuações, desdobramentos da notícia principal), pois só chega no dia seguinte ao

fato.

O terceiro, o colaborador fixo ou stringer, é um repórter que fica baseado numa

cidade (que costuma ser central numa determinada região), e mantém independência

contratual do veículo pelo qual é contratado (como regime de free-lancer), tanto que

pode vender matérias para mais de uma mídia, mesmo sendo mídias concorrentes. Esse

profissional arca com suas próprias contas.

O último, o fixer ou produtor local, como também é chamado, é um repórter

nativo da região, que trabalha para um enviado ou correspondente estrangeiro baseado

em seu país. Tem como objetivo central do trabalho ambientar o jornalista estrangeiro,

indicar fontes, sugerir personagens, abordagens e imagens e se portar como um guia

local. Às vezes, pode ser intérprete em entrevistas, motorista e assistente, de forma

geral. O fixer apresenta um perfil próximo de um repórter da editoria Cidade/Geral.

5.2.3 Principais Agências Internacionais Impressas

O processo produtivo nas agências de comunicação expandiu-se gradualmente

no decorrer dos anos. Algumas agências começaram a ter papel importante na soberania

dos países de origem nacional, sendo caracterizadas como “agências nacionais” que são

“[...] extensões de um ou mais serviços globais, em determinadas áreas. Assim, a

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134

Canadian Press é a principal agência do Canadá, e a Australian Associated Press

principal da Austrália.” (HOHENBERG, 1981, p. 192).

Como norte técnico cada agência costuma trabalhar as notícias com regras

editoriais da empresa, quais diferem do uso nos jornais. O jornalista e teórico Jonh

Hohenberg identifica dois aspectos diferentes: a programação e a tiulagem.

A programação: antes do início de cada ciclo, envia-se uma

programação a todos os clientes de um determinado circuito para que

tomem conhecimento do material avaliável para transmissão. Essa

programação ou relação de estoque informa os editores sobre cada

matéria que receberão, com título, descrição, e, às vezes, número de

palavras. Não indica o tempo específico em que cada uma será

transmitida, porque este pode variar. Os furos, enviados no momento

em que acontecem, podem desorganizar a programação mais

cuidadosa (HOHENBERG, 1981, p. 201).

Na “titulagem” o conteúdo não é trazido com títulos das páginas numeradas,

“[...] o material da agência consiste em um primeiro ‘take’ e uma série de adições, para

a maioria das matérias. As adições são facilmente identificáveis porque trazem o título,

local e data do original e seqüência da transmissão”. Pois os títulos, nas agências,

exercem o papel de códigos para indicar urgência ou não na transmissão. “As agências

americanas usam geralmente as indicações: ‘Flash’, Boletim e Urgente, em ordem

decrescente de importância.” (HOHENBERG, 1981, p. 202).

5.2.3.1 EFE

É uma agência de notícias em espanhol, que conta com escritórios e

correspondentes em espanhol, português, inglês, árabe, catalão e galego, apresenta 884

clientes na América Latina. A empresa EFE pontua que “mais de quarenta por cento das

informações internacionais de agências publicadas na América Latina” é proveniente de

sua produção12

.

Uma empresa de informações multimídia formada por uma rede

mundial de jornalistas, que conta com mais de três mil profissionais de

60 nacionalidades que trabalham 24 horas por dia em mais de 181

cidades de 120 países e com quatro ilhas de edição em Madri, Miami,

12

Dados disponíveis em:

http://www.efe.com/quesefe/principal.asp?opcion=1&seccion=0&idioma=PORTUGUES. Acessado em:

19/07/2011. 16h20.

Page 135: Ingrid Gomes.pdf

135

Cairo e Rio de Janeiro, procurando atender clientes dos cinco

continentes13

.

Segundo a empresa, a EFE distribui três milhões de notícias por ano em diversas

mídias informativas, trabalha além do texto, com fotografia, áudio, vídeo e multimídia,

“[...] atingindo diariamente mais de dois milhões de meios de comunicação do

mundo”.14

A EFE nasceu em meados de 1865, foi desenvolvida pelo jornalista Nilo María

Fabra. Na época, foi chamada de Centro de Correspondentes e, depois de cinco anos,

por meio do acordo com a Agência francesa Havas, a EFE começou a distribuir notícias

internacionais na Espanha, com característica de agência de notícias. Mas foi no século

XX que a EFE legitimou seu nome como Fundação, entrou no mercado de notícias

como sociedade anônima. Em 1939, a “[...] EFE se une ao grupo de Agências

Associadas. Fica definido que os serviços informativos serão assinados com

denominações diferentes: EFE, para internacional; CIFRA, para nacional; CIFRA

Gráfica, para gráfico e ALFIL, para esportivo”.15

E mais tarde, em 1965, é aberto o primeiro escritório na América Latina em

Buenos Aires, na Argentina. E foi apenas em 1966 que se inaugurou o serviço de

informação internacional de fato, para a distribuição na América Latina, até então o

envio informativo da agência funcionava na Europa e nos Estados Unidos. E seis anos

depois, adquirindo importantes meios de comunicação privados da América Latina,

criou a ACAN ─ Agência Centro-Americana de Notícias, com sede no Panamá,

definindo seu espaço de comunicação no local16

.

Depois do acordo com a agência Havas, a EFE não havia realizado outros

acordos e, em 1984, a Agência se une formalmente à EPA ─ European Pressphoto

Agency, que, na época, além de ser a primeira agência de telefotografia européia,

detinha 20% do capital da sociedade. Cinco anos depois da união, a EFE distribui seus

serviços informativos via satélites de comunicação, diretamente aos seus clientes.

No Brasil, a Agência lança em 2001 um serviço em português, mesmo ano em

que a EFE deixou de depender do Patrimônio do Estado, e passou a fazer parte da

13

Dados disponíveis em:

http://www.efe.com/quesefe/principal.asp?opcion=1&seccion=0&idioma=PORTUGUES. Acessado em:

19/07/2011. 16h20. 14

Ibid. 15

Dados disponíveis em:

http://www.efe.com/quesefe/principal.asp?opcion=1&seccion=1&idioma=PORTUGUES. Acessado em:

19/07/2011. 17h12. 16

Ibid.

Page 136: Ingrid Gomes.pdf

136

Sociedade Estatal de Participações Industriais (SEPI). No mesmo ano, período de

grandes fusões, a EFE, por votação de seus jornalistas, aprova o primeiro Estatuto de

Redação da Agência.17

Perante a tecnologia digital, a EFE também se insere no comércio, em 2001

inicia:

[...] a comercialização de um novo serviço, A Agenda Digital

Mundial. A Agenda Digital Mundial pode ser consultada de qualquer

computador com acesso à Internet e reunirá as inumeráveis pautas e

convocações que chegam às redações e delegações da EFE,

espalhadas pelo mundo. Este produto oferece todos os tipos de

atividades culturais, esportivas, econômicas, políticas, sociais, etc.

tanto a curto, como a médio e longo prazo.18

No período de digitalização do seu acervo, a EFE inaugura o serviço de notícias

em árabe, que se localiza no Cairo, “[...] com o objetivo de construir pontes, unir vozes

e trocar conhecimento, em uma frase: ‘informar para aproximar culturas, aproximar

culturas para unir povos’”.19

No ano de 2007, nascem a TVEFE Brasil (em português) e TVEFE América (em

espanhol), em uma aliança estratégica entre Televisão Espanhola (TVE) e EFE, para

criar o primeiro serviço audiovisual de notícias internacionais. Segundo a EFE “[...]

meses depois o produto foi ampliado, com serviços como TVEFE em Árabe e TVEFE

International (em inglês)”.20

5.2.3.2 Reuters

Em 1851 nascia a Reuter, seu fundador foi Paul Julius Reuter, um visionário no

agenciamento de informações. E foi em 1865 que a Agência tornou-se uma empresa,

Reuters Telegram Company, o que colaborou para sua reputação no mercado

emergente.

Reuter opens an office with the help of an 11 year-old office boy at 1

Royal Exchange Building in London's financial centre and located

close to the main telegraph offices. He transmits stock market

17

Dados disponíveis em:

http://www.efe.com/quesefe/principal.asp?opcion=1&seccion=1&idioma=PORTUGUES. Acessado em:

19/07/2011. 17h12. 18

Ibid. 19

Ibid. 20

Ibid.

Page 137: Ingrid Gomes.pdf

137

quotations and news between London and Paris over the new Dover-

Calais submarine telegraph cable […].21

Reuter abriu um escritório com a ajuda de um office boy de 11 anos,

no Edifício Royal Exchange, no centro financeiro de Londres, situado

perto dos principais escritórios do telégrafo. Transmite as cotações do

mercado de ações e notícias entre Londres e Paris sobre a Dover-

Calais, novo cabo submarino de telégrafo [...].

Em 1967, a Reuters adquire os jornais The Times of London, e o une com o The

Sunday Times, formando o famoso Jornal Times22

. Depois de duas décadas, entra

definitivamente no mercado de notícias por imagem. No início de 2000, anuncia as

principais iniciativas para explorar a Internet e abrir novos mercados, a empresa já se

inseria no campo de pesquisa de investimentos, gestão na bolsa de valores americana e

européia, e na economia mundial. Dois anos depois, a Reuters lança Reuters Messaging,

[…] a reliable, high-security, high-speed instant messaging service

developed specifically for the global financial services industry.

Developed by Reuters and Microsoft and more than 30 financial

institutions, the service allows financial professionals to communicate

instantly with their colleagues and customers. 23

[...] um confiável, de alta segurança, alta velocidade de serviço de

mensagens instantâneas, desenvolvido especificamente para a

indústria global de serviços financeiros. Desenvolvido pela Reuters e

Microsoft e mais de 30 instituições financeiras, o serviço permite que

profissionais da área financeira se comuniquem instantanêamente com

seus colegas e clientes.

A agência Reuters desempenha, desde seu surgimento, um alinhamento com o

império britânico, que passou, depois da Segunda Guerra Mundial, para a abertura de

comércio, “[...] abriu seu capital na bolsa de valores de Londres”, e foi posteriormente

incorporada, em 2007, pela empresa Thomson Corporation, que gastou 8,7 bilhões de

euros, tornando-se a maior agência noticiosa do mundo, com o título de Thomson

Reuters. “Hoje, disputa o painel informativo financeiro com as especializadas no

assunto (Bloomberg e Dow Jones, subsidiária da News Corporation, de Rupert

Murdoch).” (ESPERIDIÃO, 2011, p.99).

21

Dados disponíveis em: http://thomsonreuters.com/about/company_history/#1890_1790. Acessado em:

19/07/2011, 18h14. 22

Ibid. 23

Dados disponíveis em: http://thomsonreuters.com/about/company_history/#2000_present. Acessado

em: 19/07/2011, 18h34

Page 138: Ingrid Gomes.pdf

138

Atualmente a Reuters tem mais de 14 mil funcionários, que operam em 204

cidades e fornece textos em dezenove línguas24

. Para John Hohenberg (1981, p.187-8) a

Reuters disponibiliza um serviço especial de informe econômico para o comércio,

similar ao Dow Jones da AP e ao UNI COM da UPI. “A Reuters compete no mesmo

plano com as agências americanas em certos tipos de notícias estrangeiras importantes,

e tem no Reino Unido fontes de informação que geralmente dão preferência ao seu

serviço. Não se pode dizer, portanto, que os Estados Unidos ocupam posição dominante

no que se refere à origem e transmissão de notícia.” (HOHENBERG, 1981, p.189).

5.2.3.3 AP

A Associated Press ─ AP ─ foi fundada em 1846, segundo dados disponíveis. É

uma agência estadunidense e se intitula como a primeira a aparecer no mercado

americano e internacional. Ela nasceu de um pool entre seis jornais de Nova York, se

considera a “espinha dorsal do sistema de informação do mundo”, servindo a milhares

de jornais diários, rádios, televisões e os clientes online com cobertura em texto, fotos,

gráficos, áudio e vídeo25

.

Headquartered in New York, the AP’s mission is to be the essential

global news network, providing distinctive news services of the

highest quality, reliability, and objectivity with reports that are

accurate, balanced and informed. About 3,700 employees – two-thirds

of them newsgatherers – work in more than 300 locations

worldwide.26

Com sede em Nova York, a missão da AP é ser a rede essencial de

notícias no globo, oferecendo serviços de notícias distintivo da mais

alta qualidade, confiabilidade e objetividade com relatórios que são

precisos, equilibrados e informativos. Cerca de 3.700 funcionários -

dois terços deles newsgatherers ─ trabalha em mais de 300

localidades em todo o mundo.

A AP é uma agência sem fins lucrativos, funciona como uma cooperativa de

notícias entre os jornais e veículos membros, é administrada por um conselho que a

dirige. Dentre seus membros destacam-se mais de 1.200 jornais americanos, embora

menos de 25% de sua receita provenham de seus membros (ESPERIDIÃO, 2011, p.99).

24

Dados disponíveis em: http://thomsonreuters.com/about/company_history/#2000_present. Acessado

em: 19/07/2011, 18h34. 25

Dados cedidos por: http://www.ap.org/pages/about/about.html. Acessados em: 19/07/2011. 19h. 26

Ibid.

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139

5.2.3.4 Monopólio, poder nacional ou interesses rotativos?

Além da Reuters, da AP e da EFE há o serviço informativo francês, Agence

France Presse, importante agência competitiva no noticiário mundial. Naturalmente, é

mais comum na França e nos países de língua francesa. Para Hohenberg a France

Presse tem um serviço em língua inglesa, com poucos clientes. “A agência francesa e

sua predecessora, a Havas, sempre foram mais populares na América Latina do que as

agências de língua inglesa. Essa popularidade existe ainda. Mas não atinge o mesmo

nível das ‘3 grandes’ agências mundiais de notícias ─ AP, UPI e Reuters.”

(HOHENBERG, 1981, p. 188).

Nessa discussão de jogo de interesses o jornalista Clóvis Rossi explica que os

jornalistas nacionais são, muitas vezes, reféns da informação estrangeira advinda das

agências de notícias internacionais.

Como os países industrializados controlam inclusive os meios de

comunicação, e como os centros de produção agrícola ou mineral, na

maioria dos casos, não dispõem de estruturas culturais, empresariais e

noticiosas fortalecidas, até as informações sobre mercados, os boatos e

a barragem de notícias forjadas desencorajam uma eficiente defesa de

interesses dos produtores de matérias-primas, porque sua imprensa

local funciona como satélite do mercado noticioso do exterior

(ROSSI, 1980, p. 78).

Rossi descreve que a Associated Press, com sede central em Nova York,

apresenta 8.500 assinantes em mais de cem países, a britânica Reuters tem vínculo de

distribuição de notícias com 69 países, além de vender seu material para 6.500 clientes

(dos quais 4.700 são jornais), e a France Presse possui 92 sucursais e colabora com

conteúdo para 12.400 assinantes. “O resultado dessa extensão das redes das grandes

agências é o seu domínio quase absoluto do mercado: um estudo realizado em 1967

demonstrou que quase 80% das notícias do Exterior divulgadas na América Latina

foram distribuídas tão-somente por duas agências, ambas norte-americanas, a UPI e a

AP.” (ROSSI, 1980, p.81).

Contudo Rossi afirma que o problema nas agências não é apenas do volume de

informações, mas de um peso simbólico que esse volume confere às notícias, no sentido

de que quando chegam às redações brasileiras se sobrepõem como mais importantes ao

material já produzido sobre outro tema, ou mesmo sobre a mesma temática (ROSSI,

1980, p.80-1). Outra questão que Rossi descreve ser inquieto no jornalismo

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140

internacional são os enfoques jornalísticos preferirem pautas nos assuntos internacionais

que cercam a Europa e os Estados Unidos. “Essa deformação se torna evidente pela

simples conferência do número de correspondente que as publicações brasileiras têm na

Europa Ocidental e nos Estados Unidos, de um lado, e na América latina do outro.”

(ROSSI, 1980, p.82).

5.2.4 Fluxos

A ideia do fluxo de notícias internacionais surgiu do encadeamento

comunicativo desenvolvido pelas agências de notícias, que protagonizaram, a partir do

século XIX, mais significativamente no século posterior, a intensidade das notícias em

nível internacional.

Essas agências dominaram por várias décadas a maior parte do fluxo

internacional de notícias. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o

surgimento da Guerra Fria, a questão do monopólio exercido pelas

agências se transformou no problema mais importante da área da

comunicação internacional. Por que essas agências não apenas

produziam como distribuíam através do mundo as notícias a partir de

uma ótica de interesse dos países do Primeiro Mundo (FADUL, 1998,

p.76).

Nesse sentido, o mundo complexo das relações da comunicação se tornava parte

integrante, como destaca Fadul, do projeto econômico de hegemonia mundial.

Por isso, o pensar acerca da mundialização do conhecimento do Outro deve ser

examinado, também à luz do conceito de fluxo e contrafluxo, da antropologia cultural,

pois é interessante compreender as civilizações “[...] não como objetos estáticos, mas

como processos limitados de fluxo no tempo” (KROEBER apud HANNERZ, 1997,

p.11). Teóricos sociais já consolidam a palavra “fluxo” como transdisciplinar, e a

entendem como “[...] fluxos de capital, trabalho, mercadorias, informações e imagens: e,

por isso, economistas, demógrafos, pesquisadores da mídia, geógrafos e outros

profissionais, todos lidam com os fluxos.” (LASH; URRY apud HANNERZ, 1997,

p.10).

A ideia de fluxos torna-se necessária à medida que se visualiza suas direções na

sociedade contemporânea. De início, é imprescindível descartar uma falsa compreensão

sobre “as direções dos fluxos culturais” para não cometer o erro da simplificação sobre

conceitos entrecruzados às correntes teóricas em estudo. Quando se remete a fluxos de

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141

culturas, automaticamente deve-se negar que não é por que se ganha num lugar que se

perde na origem, eliminando o entendimento prévio de pureza e esvaziamento cultural,

quando se trabalha com a ideia de fluxo cultural, mas, o que se pode afirmar é a

existência de uma reorganização da “cultura no espaço” (HANNERZ, 1997, p.12).

Na lógica dessa reorganização, veem-se redes assimétricas de fluxos culturais,

principalmente, quando se relaciona os posicionamentos imperialistas da história, em

especial nos últimos dois séculos. Por exemplo:

Na disseminação de algumas habilidades fundamentais e formas

institucionais centrais que denominamos coletivamente como

modernidade: é o caso de certos tipos de educação básica e superior de

origem ocidental, práticas administrativas ou biomedicina (mesmo

quando adotadas de forma não exatamente igual ao original)

(HANNERZ, 1997, p.14).

O antropólogo social Ulf Hannerz explica que a “[...] história acumula correntes

de fluxo cultural em padrões cambiantes” (1997, p.14) e que, nesse sentido, houve um

aceleramento do complexo de assimetrias da Europa dos séculos XIX e XX, gerando e

incentivando outras variações, no Ocidente, de fluxos e contrafluxos no mundo.

Contudo, salienta que mesmo diante desse horizonte admirável de produção cultural,

ainda se delimitam os centros das periferias. E se avança na discussão que os

significados e nomenclaturas dados a esses pontos culturais também seguem os níveis

de imperialismo cultural na lógica econômica de poder.

O autor ainda propõe contextualizar a ideia de fluxos e contrafluxos culturais a

partir do entendimento de cultura como um processo para que as questões acerca do seu

significado possam ser problematizadas. E afirma que a ideia dos fluxos culturais não

deve ser vista como uma questão de simples transposição,

[...] simples transmissão de formas tangíveis carregadas de

significados intrínsecos. Ela deve ser vista como originando uma série

infinita de deslocamentos no tempo, às vezes alterando também o

espaço, entre formas externas novamente; uma sequência ininterrupta

carregada de incertezas, que dá margem a erros de compreensão e

perdas, tanto quanto a inovações (HANNERZ, 1997, p.15).

Nesses fluxos para o teórico Homi Bhabha (1998, p.240) existe certo

“indeterminismo” na questão da produção e deslocamente cultural, pois não dá para

firmar segundo Bhabha se o fluxo ou o contra-fluxo inscrevem a cultura

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142

demasiadamente ou em menor escala. Portanto traz a tese de que há uma “arbitrariedade

do signo de significação cultural” emergindo no interior das fronteiras reguladas do

discurso social. Logo o significante cultural originaria das “fronteiras reguladas do

discuro social”, ou seja, pela cultura se deslocar nos fluxos encontra nessas fronteiras

suportes estéticos para serem incorporados nos locais de sociabilidade. E a mídia pelo

seu trabalho como tecnologias globais encontra nessas fronteiras formas de traduzir o

sentido cultural em elementos práticos do seu contexto de ação (BHABHA, 1998,

p.241). A questão é que esses elementos práticos são marcados ideologicamente.

Atualmente, os fluxos culturais se tornam cada vez mais polimorfos ao

percorrerem distâncias, devido ao impacto gerado pelo encontro com as culturas locais.

Em termos ilustrativos, para compreender a ideia do polimorfo na pesquisa, imagina-se

um casal de recém-namorados, ele palestino, ela brasileira, que se encontrara no Brasil,

no Rio de Janeiro. Um não fala fluentemente a língua do outro e, ao se encontrarem no

Brasil, recebem influência de alguns setores da sociedade, alguns com maior impacto

sobre as representações que fazem do outro, criam diferentes formas de se olharem,

cristalizando pessoalmente novas, velhas e outras características culturais acerca do que

são.

À medida que a cultura se move por entre correntes mais específicas,

como o fluxo migratório, o fluxo de mercadorias e o fluxo da mídia,

ou combinações entre estes, introduz toda uma gama de modalidades

perceptivas e comunicativas que provavelmente diferem muito na

maneira de fixar seus próprios limites; ou seja, em suas distribuições

descontínuas entre pessoas e pelas relações. Em parte, elas impõem

línguas estrangeiras, ou algo parecido, no sentido de que a mera

exposição não é o mesmo que compreender, valorizar ou qualquer

outro tipo de apropriação (HANNERZ, 1997, p.18).

A cristalização de retratos acerca desse Outro se deve, em parte, pela

constituição histórica de valores universais, advindos da formação e configuração global

de direitos imperialistas e, posteriormente, do direito soberano e do próprio conceito de

Império.

Pensar em formação de Império, na sociedade contemporânea, torna necessário

compreender o elo da história com a emancipação e desenvolvimento do capitalismo e

suas práticas globalizacionais. O que antes era um conflito ou competição entre diversas

potências imperialistas, hoje, tem se modificado para o ordenamento de apenas um

poder, essencializa e legitima uma única força, uma “[...] noção comum de direito

decididamente pós-colonial e pós-imperialista.” (HARDT; NEGRI, 2001, p.27). Esse

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143

poder não está em uma nação, como se pensava na articulação social do século XIX ao

fim do século do XX, como Estados Nação, configura-se, no final do século XX e início

do século XXI, em uma nova realidade, inaugurando também uma nova noção de

direito: “[...] um novo registro de autoridade e um projeto original de produção de

normas e de instrumentos legais de coerção que fazem valer contratos e resolverem

conflitos.” (HARDT; NEGRI, 2001, p.27).

O Império está surgindo, hoje, como o centro que sustenta a

globalização de malhas de produção e atira sua rede de amplo alcance

para tentar envolver todas as relações de poder dentro de uma ordem

mundial – e ao mesmo tempo exibe uma poderosa função policial

contra novos bárbaros e escravos rebeldes que ameaçam sua ordem

(HARDT; NEGRI, 2001, p.37).

Os sociólogos Michael Hardt e Antonio Negri, em Império (2001), salientam

que essas mudanças sociais se relacionam “[...] não apenas à lei internacional e às

relações internacionais, mas também às relações de poder no plano interno de cada

país.” (HARDT; NEGRI, 2001, p.28).

É por isso que contextualizar e problematizar os valores universais e a formação

de práticas imperialistas contribui para o entendimento complexo das relações de poder

na ordem mundial em vigor. Nesse sentido, a prática de produção do jornalismo, em

especial do jornalismo internacional, evidencia essas relações de poder, nas quais

imperam, em grande medida, as influências ocidentais e estadunidenses na pauta

informativa brasileira.

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144

“A mídia não está fora do mundo que pretende retratar. É

imperfeita, complexa e inacabada como ele, e em seu interior

se movem sujeitos plenos de pensamentos, idéias e interesses a

defender.” (MACHADO; JACKS, 2001, p.02).

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145

CAPÍTULO VI – BATALHA DISCURSIVA

Um estudo científico, como uma tese, tem caráter de pesquisa “[...]

experimental, histórica e teórica [...]”, segundo as formulações de Antonio Joaquim

Severino (1996, p.118), que explica: teórica por estudar as mais variadas vertentes do

conhecimento, por exemplo, da sociologia, da filosofia, da antropologia e da psicologia,

isso quando a pesquisa se refere a temas na área das ciências sociais. Histórica por

inventariar um estudo sobre o contexto histórico do objeto. Experimental em razão da

pesquisa se basear em material empírico, e repercutir seus resultados junto às hipóteses

do estudo.

Portanto, a tese apresenta tipologia híbrida: “[...] experimental, histórica e

teórica [...]”. A experimental por analisar os retratos sobre o Islã na Folha de S. Paulo e

no Estado de S. Paulo. A histórica por levantar o contexto sobre a doutrina e suas

produções culturais modernas. A teórica por descrever as teorias dos principais autores

sobre a formulação do Outro-Muçulmano e suas implicações na história do amanhã.

Além disso, é importante destacar o ângulo de abordagem da pesquisa que,

segundo Lucia Santaella (2001, p.186), varia em: “[...] econômico, político, social,

cultural, histórico, técnico, etc.” Devido ao objetivo da tese de investigar como se

formula a representação do Outro-Muçulmano no cenário do jornalismo internacional,

os ângulos que abarcam a temática são de caráter histórico-cultural e técnico. A

importância do ângulo se correlaciona com a hipótese do trabalho da tese de vislumbrar

o jornalismo internacional como um espaço discursivo em que o Outro muçulmano é

caracterizado como subalterno, inferior, e por vezes fundamentalista e terrorista, numa

esfera política internacional polarizada que o evidencia como o mal, o vilão que deve

ser perseguido continuamente.

Como procedimentos metodológicos, o projeto combinou dois métodos de

pesquisa:

1 - Pesquisa Bibliográfica

2- Análise de Discurso (2.1 Análise Descritiva, 2.2 Análise do discurso

jornalístico e 2.3 Padrões de Manipulação).

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146

6.1 Pesquisa Bibliográfica

A tese nutre-se, como todo trabalho científico, de referências bibliográficas que

abarcam o contexto do objeto de estudo. Para isso, o estudo apresenta parte significativa

dos capítulos de conceitos, teorias e histórias sobre a temática e as hipóteses que se

pretende evidenciar.

A Pesquisa Bibliográfica colabora na formação de leituras sobre o tema estudado

por ter caráter investigativo e bibliográfico. Contudo, conceitua-se como:

[...] um conjunto de procedimentos que visa identificar informações

bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado

e proceder à respectiva anotação ou fichamento das referências e dos

dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na

redação de um trabalho acadêmico (STUMPF, 2006, p.51).

Como método de investigação, a pesquisa bibliográfica padroniza procedimentos

para facilitar a realização dos estudos científicos. Primeiramente, inicia-se pela

identificação do tema e dos assuntos que o cercam para melhor delimitar a busca por

leituras e complementos histórico-teóricos. Para tal identificação, costumam-se

selecionar fontes de pesquisa, como bibliografia especializada, índices com resumo,

portais, resumos de teses e dissertações, catálogos de bibliotecas e catálogo de editoras

(STUMPF, 2006, p.56-8).

Depois de realizada a obtenção do material que será definido como fontes de

pesquisa, inicia-se a leitura aprofundada e a transcrição dos dados. Em seguida, realiza-

se o fichamento com as informações mais pertinentes para auxiliar no desenvolvimento

textual da pesquisa escrita, anotando com aspas as palavras do autor, seguidas da

paginação do texto original. Essas transcrições ajudam o pesquisador a desenvolver a

argumentação teórica, histórica e outras, com maior justificativa e credibilidade

intelectual. Na produção da presente tese foi utilizada a pesquisa bibliográfica para o

desenvolvimento dos capítulos.

6.2 Análise de Discurso

A pesquisadora Helena Brandão em Introdução à Análise do Discurso (AD)

afirma que os anos 50 foram decisivos para compreender a AD como disciplina e

visualizar sua aplicabilidade em trabalhos científicos.

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147

De um lado surge o trabalho de Harris (Discourse analyisis, 1952),

que mostra a possibilidade de ultrapassar as análises confinadas

meramente à frase, ao estender procedimentos da linguística

distribucional americana aos enunciados (chamados discursos) e, de

outro lado, os trabalhos de R. Jakobson e E. Benveniste sobre a

enunciação (BRANDÃO, 2004, p.13).

Para o presente tema da representação do Islã nos jornais brasileiros levaram-se

em consideração algumas variantes. A presença da empresa jornalística, do conteúdo

padrão enviado pelas agências internacionais, da presença ou não do repórter nas fontes

de pesquisa para a produção jornalística, do caráter históricocultural do assunto junto à

sociedade, e outros elementos peculiares das reportagens e das notícias. Esses

pressupostos sociais foram determinantes para a definição do método analítico do

conteúdo jornalístico.

A análise de discurso entende a linguagem como além do texto enunciado, se

preocupa com seu significado no contexto social presente, nesse sentido a análise

discute e reflete a interpretação gerada do enunciado, ou seja, a classificação e

entendimento de mundo que se faz do tema em pauta. Portanto, desta ideia defini-se que

o discurso é o espaço em que emergem as significações.

Contudo, faz-se necessário compreender, antes de entrar nas diferenciações da

AD, alguns conceitos chave sobre esse cenário teórico. A pesquisadora Ingedore Koch

em A interação pela linguagem diferencia as concepções que a linguagem foi

concebida, em diferentes momentos da história, em três principais: “a. como

representação (“espelho”) do mundo e do pensamento; b. como instrumento

(“ferramenta”) de comunicação; c. como forma (“lugar”) de ação ou interação” (2007,

p.07).

A primeira classificação é a mais antiga, mesmo que ainda hoje existam

correntes de estudos que a defendam. Nessa concepção o ser humano representa para si

o mundo por meio da linguagem, ou seja, a função da língua é representar o pensamento

deste ser humano, como conhecimento de mundo. A segunda concepção da autora

entende a linguagem como transmissão de informações, ou seja, a língua neste caso

funciona como um código. E a última concepção tem a linguagem como atividade,

como forma de ação, ou seja, “[...] ação individual finalisticamente orientada; como

lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais

diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comportamentos,

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148

levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos anteriormente inexistentes”

(KOCH, 2007, p.07).

Essa terceira ideia de função da língua permite afirmar que há uma interlocução

entre os elementos envolvidos na atividade da linguagem, além dos que produzem e

recebem as mensagens produzidas, vão se delineando outras “regras” no ato da

interlocução (KOSCH, 2007, p.07-08). Esse entendimento colaborou para o surgimento

de estudos que explicassem o processo de constituição da linguística do discurso, que é

uma linguística “[...] que se ocupa das manifestações linguísticas produzidas por

indivíduos concretos em situações concretas, sob determinadas condições de produção”

(KOSCH, 2007, p.09-10). E como funcionalidade a linguística do discurso visa

descrever e explicar a (inter) ação humana por meio da linguagem, “[...] a capacidade

que tem o ser humano de interagir socialmente por meio de uma língua, das mais

diversas formas e com os mais diversos propósitos e resultados” (KOSCH, 2007, p.10).

Foi a partir dessa classificação que a análise de discurso procura compreender a

língua como um “trabalho simbólico”, em que parte do trabalho social resulta do

homem e de sua história (ORLANDI, 2010, p.15). Em decorrência, a AD emergiu como

disciplina para teorizar a interpretação (ORLANDI, 2010, p.25).

E como teoria a AD pretende compreender como um objeto simbólico produz

sentidos, “[...] como ele está investido de significância para e por sujeitos”. E pensar

essa compreensão implica explicitar, por exemplo, como um texto se organiza, quais

são os elementos que dele despontam “gestos de interpretação”, que relacionam sujeito

e sentido (ORLANDI, 2010, p.26-7). Lembrando que compreender significa mais que

interpretar. Compreender está relacionado aos sentidos que emergem de um objeto

simbólico, como um enunciado, um texto, uma pintura entre outros. Portanto a

compreensão “[...] procura a explicitação dos processos de significação presentes no

texto e permite que se possam ‘escutar’ outros sentidos que ali estão, compreendendo

como eles se constituem.” (ORLANDI, 2010, p.26).

Além do dado linguístico que se poderá discorrer a análise dos textos

informativos dos veículos de comunicação pode-se afirmar que há informações mais

complexas e primordiais para a análise, que estão exteriores a esse dado linguístico,

visto essa realidade de análise se determinou, para o estudo dessa tese, a aplicação da

linha francesa de análise de discurso. Pois a AD, na perspectiva francesa, ao se apoiar

em métodos e conceitos da linguística considera imprescindível analisar: “O quadro das

instituições em que o discurso é produzido, as quais delimitam fortemente a enunciação;

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149

Os embates históricos, sociais etc. que se cristalizam no discurso; e o espaço próprio

que cada discurso configura para si mesmo no interior de um interdiscurso.”

(MAINGUENEAU apud BRANDÃO, 2004, p.17). Portanto a linguagem é entendida

como fenômeno em que se sistematiza interna e externamente, no campo interno como

formação linguística e no espaço externo como formação socioideológica.

Uma prática discursiva não pode se explicar senão em função de uma

dupla competência: 1- uma competência específica, sistema

interiorizado de regras especificamente linguísticas e que asseguram a

produção e a compreensão de frases sempre novas ─ o indivíduo eu

utilizando essas regras de maneira específica (performance): 2- uma

competência ideológica ou geral que torna implicitamente possível a

totalidade das ações e das significações novas (SLAKTA apud

BRANDÃO, 2004, p.18).

Como explicitado os conceitos de ideologia, e de discurso vão influenciar a

corrente francesa. Em especial a teoria dos aparelhos ideológicos de Estado, do estudo

do teórico Althusser, de quem foi cunhado o termo “formação ideológica”, e a teoria do

discurso de Foucault (Arqueologia do Saber) da qual se extrairá o termo “formação

discursiva” (FD). Ambas as expressões formação ideológica e formação discursiva

serão significativas para a análise de discurso.

6.2.1 Análise de Descrição do Material Jornalístico

Antes de realizar a AD é preciso pontuar o corpus de análise e como será a

análise descritiva do material informativo. Serão analisadas 62 edições dos jornais

impressos, sendo 31 da Folha de S. Paulo e 31 do Estado de S. Paulo. O marco (da data)

foi definido a partir do 11 de setembro de 2011, em razão da realização de dez anos do

atentado às Torres Gêmeas, ao Pentágono e a Casa Branca dos Estados Unidos pelos

fundamentalistas islâmicos. Serão 30 dias contando quinze dias anteriores ao 11 de

Setembro e quinze dias posteriores, somando 31 dias de material diário, de ambos os

jornais. A definição da data do corpus de análise foi demarcada pela expectativa

jornalística de os cadernos desenvolverem material especial sobre os dez anos do ato

terrorista, pois desta forma haveria conteúdo com perspectiva menos emocional e mais

contextualização, em razão do maior tempo para reportagens especiais. A escolha dos

veículos Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo decorre da importância que os

impressos apresentam nas embaixadas em São Paulo, e no País, bem como em razão da

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150

alta tiragem e da circulação de ambos no território brasileiro. Para cumprir essa análise

serão descritas as categorias de análise do material informativo.

Segue tabela das três primeiras categorias27

de análise descritiva:

I ─ Gênero

Notícia

Reportagem

Nota

Entrevista

II ─ Fontes

Primária

Secundária

Testemunhal

Expert

Oficial

Oficiosa

Independente

III ─ Abordagem predominante do texto

Descritivo

Analítico/Interpretativo

Investigativo

IV ─ Descrição do Não-verbal (Fotografias, imagens, tabelas, infográficos entre

outros)

Natureza do não-verbal: descrever se o material não-verbal teve origem de

agência de notícias, ou se foi de produção do veículo, do repórter ou ainda de outra

fonte de pesquisa.

Formato do não verbal: além de descrever se o não-verbal é uma fotografia,

uma imagem produzida, uma tabela, um infográfico ou outro da mesma origem, serão

descritos seus tamanhos, cores e posicionamentos nas matérias jornalísticas em relação

aos textos.

Conteúdo do não-verbal: será descrito resumidamente o conteúdo e significados

do não-verbal em sua tipologia.

V ─ Resumo/descritivo do material jornalístico

27

Pensando no maior esclarecimento para pesquisadores e leitores de outra área do conhecimento, a

autora dispôs em glosário as explicações conceituais referentes à gênero, às fontes e à abordagem

predominante do texto, respectivamente em glossário 1.1 Gênero; 1.2 Fontes e 1.3 Abordagem

predominante do texto.

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151

Logo depois desse processo de descrição dos elementos que constituem o

material informativo dos jornais será pontuado um breve resumo das matérias

jornalísticas, da categoria informativa ─ nota, notícia, reportagem e entrevista. O

principal objetivo desse resumo do conteúdo é para facilitar o entendimento, do leitor da

tese, sobre os questionamentos levantados pela AD, posteriormente.

6.2.2 Análise do Discurso Jornalístico

O principal objetivo do uso da AD de perspectiva francesa para esse estudo de

tese foi em razão da AD constituir-se como disciplina mais completa para a

interpretação do discurso jornalístico, que se forma a partir do material textual dos

diários Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. A partir do quadro teórico levantado

pela AD tornar-se-ão presentes nos capítulos de análise (Capítulo VII e VIII) as

seguintes formulações:

I ─ Esquecimentos: Segundo M. Pêcheux (apud ORLANDI, 2010, p.34-5) há duas

formas de esquecimentos no discurso, a primeira conceituada como número dois, e a

segunda conceituada como número um. O esquecimento número dois é da ordem da

enunciação. “Ao falarmos ‘sem medo’, por exemplo, podíamos dizer ‘com coragem’, ou

‘livremente’ etc. Isto significa em nosso dizer e nem sempre temos consciência disso”

(ORLANDI, 2010, p.35). Ou seja, quando o indivíduo fala de uma maneira e não de

outra; e ao longo desse dizer, formam-se “famílias parafrásticas” que indicam que o

dizer sempre podia ser outro. Para Orlandi esse “esquecimento” produz no indivíduo a

impressão da “realidade do pensamento”. E, logo, essa impressão, que se denomina na

AD como “ilusão referencial”, é que faz o indivíduo acreditar que há uma relação direta

entre o pensamento, a linguagem e o mundo, nesse sentido essa relação é tão

fundamentada que o quê é dito, falado, dá o significado que só poderia ser dito e falado

com aquelas palavras, e não com outras. E a autora vai além afirmando que o

esquecimento é parcial, “semi-consciente e muitas vezes voltamos sobre ele, recorremos

a esta margem de famílias parafrásticas, para melhor especificar o que dizemos. É o

chamado esquecimento enunciativo e que atesta que a sintaxe significa: o modo de dizer

não é indiferente aos sentidos” (ORLANDI, 2010, p.35).

O esquecimento número um, também conceituado como esquecimento

ideológico, “[...] é da instância do inconsciente e resulta do modo como qual somos

afetados pela ideologia”. Por meio desse esquecimento tem-se a ilusão, do indivíduo

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152

que fala, ser o primeiro a se expressar com aquelas palavras, quando na realidade, se

retoma sentidos já existentes no cenário social.

Na realidade, embora se realizem em nós: eles são determinados pela

maneira como nos inscrevemos na língua e na história e é por isso que

significam e não pela nossa vontade. [...] Essa é um determinação

necessária para que haja sentidos e sujeitos. Por isso que dizemos que

o esquecimento é estruturante. Ele é parte da constituição dos sujeitos

e dos sentidos (ORLANDI, 2010, p.36).

Nesse sentido é importante que os “sujeitos” tenham esse esquecimento, para

que ao se identificarem com o que dizem, constituam sujeitos. Para Orlandi é desta

forma que as palavras constituem sentido, pois é assim que os sujeitos se significam ao

retomarem palavras que existam como se elas surgissem primeiramente deles, portanto

é nesse cenário que sentidos e sujeitos estão sempre em movimento. “Sempre as

mesmas, mas ao mesmo tempo, sempre outras” (ORLANDI, 2010, p.36).

II ─ Paráfrase e Polissemia: são processos, no funcionamento da linguagem, que

permitem o discurso se constituir, no resultado da tensão entre eles. Os processos

parafrásticos representam a memória, o dizível, ou seja, são aqueles elementos que se

mantém em todo dizer. “A paráfrase está do lado da estabilização” (ORLANDI, 2010,

p.36). E a polissemia está do lado do deslocamento, da ruptura de processos de

significação, porque os processos polissêmicos representam o novo, o diferente.

Essas duas forças que trabalham continuamente o dizer, de tal modo

que todo discurso se faz nessa tensão: entre o mesmo e o diferente. Se

toda vez que falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na

rede de filiação dos sentidos, no entanto, falamos com palavras já

ditas. E é nesse jogo entre paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o

diferente, entre o já dito e o a se dizer que os sujeitos e os sentidos se

movimentam, fazem seus percursos, (se) significam. [...] Daí dizemos

que os sentidos e os sujeitos sempre podem ser outros. Todavia nem

sempre o são. Depende de como são afetados pela língua, de como se

inscrevem na história. Depende de como trabalham e são trabalhados

pelo jogo entre paráfrase e polissemia (ORLANDI, 2010, p.36-7).

A partir desse entendimento que a AD diferencia o que é criatividade do que é

produtividade. O modo de processar o discurso em sua dimensão técnica é

produtividade, ocorre a “reinteração de processos já cristalizados”. A produtividade é

regida pelo processo parafrástico, bem como mantém o indivíduo num retorno constante

ao espaço do dizível, reproduzindo sempre uma variedade do mesmo. Ao contrário da

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153

criatividade, que implica na ruptura do processo de produção da linguagem. Isso ocorre

por meio do deslocamento das regras, possibilitando a intervenção pelo diferente, “[...]

produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os sentidos na sua relação com a

história e com a língua. Irrompem assim sentidos diferentes.” (ORLANDI, 2010, p.37).

Contudo Orlandi adverte que para que haja criatividade é necessário um trabalho

que ponha em conflito o já produzido e o que se vai instituir. “Passagem do irrealizado

ao possível, do não-sentido ao sentido.” (ORLANDI, 2010, p.38). Por isso que se pode

afirmar que a paráfrase é o cerne do sentido, não há sentido sem repetição e nem

identidade com o saber discursivo, e a polissemia é a fonte da linguagem, pois é dela

que há os movimentos distintos de sentido no mesmo objeto simbólico. “Esse jogo entre

paráfrase e polissemia atesta o confronto entre o simbólico e o político. Todo dizer é

ideologicamente marcado. É na língua que a ideologia se materializa. Nas palavras dos

sujeitos. Como dissemos, o discurso é o lugar do trabalho da língua e da ideologia”

(ORLANDI, 2010, p.38). Portanto a partir da compreensão de relação entre a paráfrase

e a polissemia (entre mesmo e diferente) afirma-se que é possível entender como o

político e o linguístico se “[...] interrelacionam na constituição dos sujeitos e na

produção dos sentidos, ideologicamente assinalados” (ORLANDI, 2010, p.38). Ou seja,

como o sujeito (e os sentidos), pela repetição, “[...] estão sempre tangenciando o novo, o

possível, o diferente. Entre o efêmero e o que se eternaliza. Num espaço fortemente

regido pela simbolização das relações de poder.” (ORLANDI, 2010, p.38).

III ─ Relações de Força, Relações de Sentido, Antecipação: Formações

Imaginárias. Esses são os fatores que condicionam a formação dos discursos. O

primeiro a relação de sentidos parte da premissa que não existe discurso que não se

relacione com outros. Ou seja, os sentidos dos discursos resultam de processos de

relação, sempre. “Um dizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou

possíveis.” (ORLANDI, 2010, p.39).

A antecipação funciona como um mecanismo em que o indivíduo se antecipa ao

seu interlocutor, quanto ao sentido que suas palavras produzem. E desta forma “[...] esse

mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo ou de

outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte” (ORLANDI, 2010, p.39).

Logo, o mecanismo de antecipação define o processo de argumentação, e isso se dá

estrategicamente, ou seja, o resultado desse processo objetiva efeitos sobre o

interlocutor (ORLANDI, 2010, p.39). Complementando essa ideia as pesquisadoras e

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154

professoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Marcia Benetti Machado e

Nilda Jacks, no estudo O discurso Jornalístico, afirmam que o jornalista

[...] fala tendo como horizonte um leitor de sua fala. Pesquisas de

opinião procuram enquadrar esse leitor em certas definições

normalmente, referentes às condições socioeconômicas e culturais.

São as formações imaginárias que possibilitam a diferenciação de

linguagens e estilos entre os veículos. O jornalista tem sempre em

mente, mesmo que de modo internalizado ou intuitivo, o seu “público

leitor” (MACHADO; JACKS, 2001, p.05).

A relação de forças se explica com a ideia de que o lugar, o cenário, o contexto

do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz, por exemplo, “[...] se o sujeito fala a

partir do lugar de professor, suas palavras significam de modo diferente do que se

falasse do lugar do aluno.” (ORLANDI, 2010, p.39). As sociedades, de maneira geral,

apresentam hierarquias sociais, e as mesmas exercem relações de força, que são

sustentadas no “poder” desses diferentes lugares, os quais são reincorporados e

mantidos no processo comunicativo.

As formações imaginárias ocorrem da hibridização desses fatores que

condicionam a formação do discurso. Delas se explica que as imagens projetadas dos

lugares sociologicamente concretos e inscritas na sociedade são as formações que atuam

no cenário imagético do discurso, e que apresentam relação com o contexto, com a

memória e com as posições dos lugares (ORLANDI, 2010, p.40).

Orlandi destaca um exemplo de como a formação social consolidada na história

pode ser regida sob as relações de forças, de sentidos e pelo mecanismo de antecipação

no funcionamento da formação imaginária:

Em nossa formação social, se pensamos, por exemplo, a Universidade

podemos explorar algumas dessas possibilidades: a imagem que o

professor tem do que seja um aluno universitário, a imagem que um

aluno tem do que seja um professor universitário, a imagem que se

tem de um pesquisador, a imagem que o aluno (o professor, o

funcionário) tem de um Reitor, a imagem que o aluno (o professor, o

funcionário) tem de um dirigente de um diretor acadêmico, a imagem

que o aluno (o professor, o funcionário) tem de um dirigente de um

associação de professores universitários etc. Mas, pelo mecanismo da

antecipação, também temos, por exemplo: a imagem que o dirigente

sindical tem da imagem que os funcionários têm daquilo que ele vai

dizer. E isto faz com ele ajuste seu dizer a seus objetivos políticos,

trabalhando esse jogo de imagens. Como em um jogo de xadrez, é

melhor orador aquele que consegue antecipar o maior número de

“jogadas” [...] (ORLANDI, 2010, p.41-2).

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155

Portanto, pode-se concluir que o entendimento que se tem, por exemplo, de

professor, não veio do nada, a imagem foi constituída do confronto do político com o

simbólico, num processo que liga discurso e instituições de poder, por isso que a

formação do imaginário faz parte do funcionamento da linguagem, como um importante

fator nessa lógica da produção dos sentidos (ORLANDI, 2010, p.42).

IV ─ Formação Discursiva: Para o pesquisador e teórico da AD, Dominique

Maingueneau, em Os termos-chave da Análise do Discurso, (1997, p.50-1) as

formações discursivas designam todo o sistema de regras que “[...] fundam a unidade de

um conjunto de enunciados dos sócio-historicamente circunscritos”, ou seja, a formação

discursiva determina o que pode e deve ser dito, mas leva em conta para sua

constituição as formações ideológicas dadas ─ a partir de uma posição e uma conjuntura

histórica social dadas. Desse entendimento as pesquisadoras e professoras Marcia

Benetti Machado e Nilda Jacks também entendem as formações discursivas como

ancoradas nas “[...] formações ideológicas também regras de existência, mas agora de

estruturas de pensamento”. Pois a forma com que o indivíduo formula seu mundo deriva

de um modo específico (MACHADO; JACKS, 2001, p.06).

Incluem-se aí a elaboração e o uso de conceitos sobre o mundo dos

objetos e o próprio conhecimento, o posicionamento a respeito dos

papéis ocupados historicamente pelos sujeitos, a visão do passado e do

futuro, a consciência, ainda que difusa, a respeito do que desejamos

ser e de como devemos agir, as noções de moral e de ética, enfim,

tudo que pode ser sistematizado de forma mais ou menos estruturada

como regras de visão, desejo e ação (MACHADO; JACKS, 2001,

p.06).

Orlandi (2010, p.43) destaca dois pontos importantes da formação discursiva. A

primeira parte da premissa de que o discurso se forma em seus sentidos, porque a fala

que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva, com isso passa a ter um

sentido específico e não outro, aleatório. Nessa lógica permite afirmar que as palavras

não apresentam um sentido nelas mesmo, mas derivam seus sentidos das formações

discursivas em que se inscrevem.

As formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as

formações ideológicas. Desse modo, os sentidos sempre são

determinados ideologicamente. [...] Tudo que dizemos tem, pois, um

traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. E isto não está

na essência das palavras, mas na discursividade, isto é, na maneira

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156

como, no discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se

nele. O estudo do discurso explicita a maneira como linguagem e

ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca

(ORLANDI, 2010, p.43).

Contudo, vale ressaltar que a formação discursiva não se apresenta como blocos

homogêneos, que funcionam independentes, são constituídas por um processo de

contradição, são heterogêneas e apresentam suas fronteiras fluídas, num mecanismo de

configurar-se e reconfigurar-se de acordo com suas relações (ORLANDI, 2010, p.44).

Outra questão importante que Orlandi destaca nesse primeiro ponto da formação

discursiva é o entendimento de metáfora, como noção imprescindível no cenário da AD.

Ela afirma que a metáfora não é considerada, como na retórica, como um termo que se

trata de uma figura de linguagem, a metáfora na AD é definida como “transferência” ─

tomada de uma palavra por outra ─ desta forma a metáfora estabelece a maneira como

as palavras significam. E é por meio dessa superposição (transferência), “[...] que

elementos significantes passam a se confrontar, de modo que se revestem de um

sentido” (PÊCHEUX apud ORLANDI, 2010, p.44). Portanto o sentido acontece

precisamente em razão das relações de metáfora ─ que se apresentam em forma de

sinônimos, paráfrases, como efeito de substituição. Em decorrência dessas relações de

metáfora a formação discursiva é historicamente um lugar provisório.

O outro ponto que Orlandi pontua na formação discursiva é sua importância

sobre o ato de compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos.

Esclarece que palavras iguais podem ter significados diferentes, pois se inscrevem em

formações discursivas que também são diferentes. Dá o exemplo da palavra “terra”, que

para o índio tem um significado, para o agricultor outro, e para um agricultor sem terra,

outro ainda. Ou seja, a palavra “terra” foi usada em condições de produção diferentes, e

para tanto, podem se apresentar em diferentes formações discursivas. Por isso que como

método para o analista, no trabalho de análise dessa tese, deve se observar as condições

de produção, “[...] verificando o funcionamento da memória, ele ─ o analista ─ deve

remeter o dizer a uma formação discursiva (e não outra) para compreender o sentido do

que ali está dito” (ORLANDI, 2010, p.45).

Portanto é possível afirmar que a formação discursiva permite compreender o

processo de produção dos sentidos, verificar sua relação com a ideologia e colaborar ao

analista como estabelecer regularidade no funcionamento do discurso (ORLANDI,

2010, p.45).

Page 157: Ingrid Gomes.pdf

157

V ─ a) O dito e o não dito: A ideia do não dito na AD torna-se, metodologicamente,

necessário para a análise, em razão do dizer ter relação intrínseca com o discurso.

Orlandi (2010, p.82) a partir da teoria de Ducrot (1972) diferencia duas formas de não

dizer: “pressuposto”, como aquilo que não é dito, mas que se origina da própria

linguagem, e o “subentendido”, como aquilo que se observa a partir de um determinado

contexto. Por exemplo, Orlandi trabalha na ideia “Deixei de fumar” (2010, p.82), o

pressuposto é que “eu fumava antes”, e só poderia dizer essa informação se eu

realmente fumava antes. Nesse mesmo exemplo o “não dito”, subentendido, seriam as

questões subsidiárias do dito, se “deixei de fumar”, poderia ser por que faz mal a saúde

ou outra razão subentendida, ou seja, precisa entender o contexto para que o

subentendido se desnude.

Segundo Orlandi (2010, p.83) há outras formas de conceituar o não dito, a partir

da perspectiva do conceito de “silêncio”. Separa em “silêncio fundador” e “política do

silêncio”. O silêncio fundador “[...] indica que o sentido pode ser sempre outro”, e

também faz com que o dizer signifique. A política do silêncio se distingue em “silêncio

constitutivo” e “silêncio local”. O silêncio constitutivo entende que uma “[...] palavra

apaga outras palavras”, ou seja, se constar “sem medo” anula a ideia de “com coragem”,

a autora ressalta que para “[...] dizer é preciso não dizer”. Já o silêncio local se vincula a

ideia de censura, o que não poderia ser dito em determinado contexto e determinada

circunstância, “[...] numa ditadura não se diz a palavra ditadura não porque não se saiba,

mas porque não se pode dizê-lo” (ORLANDI, 2010, p.83).

Entre os conceitos do dizer e do não dizer desenrola-se todo o espaço de

interpretação no qual o sujeito se movimenta. Nesse sentido é importante salientar as

diferentes funções do sujeito na AD:

Locutor: é aquele que se representa como eu no discurso. Enunciador:

é a perspectiva que esse eu constrói. Autor: é a função social que esse

eu assume enquanto produtor da linguagem. O autor é, dentre as

dimensões enunciativas do sujeito, a que está mais determinada pela

exterioridade (contexto sócio-histórico) e mais afetada pelas

exigências de coerência, não-contradição, responsabilidade

(BRANDÃO, 2004, p.84-5).

Portanto o enunciador “[...] é a voz de um ‘ponto de vista’, de uma ‘perspectiva’

a perspectiva de uma posição ideológica que permite ao locutor falar. O locutor é

aquele que fala e que pode ser claramente identificado como o responsável ao menos

Page 158: Ingrid Gomes.pdf

158

imediatamente pelo enunciado”. O enunciador deve ser entendido como “a pessoa de

cujo ponto de vista é apresentado aos acontecimentos” (DUCROT apud MACHADO;

JACKS, 2001, p.07).

O locutor é quem fala, o enunciador é aquele “a partir de quem se vê”,

interpelando o sujeito para que se coloque como locutor naquela

posição. O enunciador deve ser localizado, na análise, como a

perspectiva da qual o locutor enuncia. Nesse sentido, podemos ter

locutores distintos enunciando sob a perspectiva de um único

enunciador. Por outro lado, um mesmo locutor pode se mover entre

dois ou mais enunciadores (em um exercício de argumentação isso

pode ficar claro, quando o locutor se move entre diversas perspectivas

para convencer seu interlocutor) (MACHADO; JACKS, 2001, p.07).

V ─ b) Inferências/Implícitos: são os conteúdos que, em princípio, não são os

verdadeiros objetos da enunciação, mas que nascem (se originam) do conteúdo

explícito. Dominique Maingueneau (1997, p.58) divide o implícito em duas vertentes, o

implícito semântico e o implícito pragmático. Maingueneau propõe o exemplo: “O

Paulo já não vive em Londres, mas em Paris”. O implícito semântico nesse exemplo

orienta-se, pelo contexto do discurso, que o Paulo vive atualmente na França, e que o

Paulo vivia antes em Londres, ou seja, é possível pela semântica direcionar formas

implícitas do discurso. No implícito pragmático o co-enunciador pode retirar do

exemplo, num dado contexto, que talvez Paulo não possa aceitar um convite, ou receber

uma carta, do pragmático verifica-se formas implícitas de acordo com as condições de

produção dada (MAINGUENEAU, 1997, p.58).

VI ─ Considerações

É importante pontuar que o texto é a unidade que o analista da AD tem diante de

si e da qual ele parte. Orlandi interroga: “O que faz ele diante de um texto?”, responde

que o analista deve imediatamente remeter o texto a um discurso que se “[...] explicita

em suas regularidades pela sua referência a uma ou outra formação discursiva que, por

sua vez, ganha sentido porque deriva de um jogo definido pela formação ideológica

dominante naquela conjuntura” (ORLANDI, 2010, p.63).

Pensando nesse aspecto do discurso a tese entende o jornalismo, enquanto

atividade informativa, como um trabalho sob a perspectiva discursiva. Segundo as

pesquisadoras e professoras Marcia Benetti Machado e Nilda Jacks “A informação

Page 159: Ingrid Gomes.pdf

159

jornalística é o dado, o fato, a declaração, o fenômeno apreendido em sua singularidade”

(MACHADO; JACKS, 2001, p.01). Nesse sentido:

O indivíduo cindido em vários sujeitos só pode falar porque se desloca

e se descentra. Esse sujeito disperso fala por meio do que Foucault

circunscreveu como formações discursivas. Uma formação discursiva

é comumente definida como aquilo que pode e deve ser dito, em

oposição ao que não pode e não deve ser dito. Parece uma definição

obscura e intransponível, porque depende de si mesma para se fazer

compreensível. Mas, quando entendemos que o sujeito sempre fala de

um lugar, e que este lugar pode ser diferente daquele que ocupou há

um minuto, a noção começa a fazer sentido. Para “agarrar” uma

formação discursiva, tarefa sempre difícil, o analista de discurso

precisa trabalhar com certas regras de formação, ou seja, com aquelas

regras que definem como um mesmo sentido é construído ao longo de

enunciados distintos (MACHADO; JACKS, 2001, p.03).

Portanto é imprescindível identificar e investigar o “dito e o não dito”, suas

intenções, seus interesses e sua força, nas formações discursivas. Pois se tem como

premissa que o discurso nunca se dá fora do contexto social, é por estar sempre em

relação com a exterioridade que: “Sabemos que o jornalismo é uma narração do real

mediada por sujeitos (no exercício de suas subjetividades) e que as escolhas se dão da

pauta à edição, passando pela apuração, pela seleção das fontes e pela hierarquização

das informações” (MACHADO; JACKS, 2001, p.06). Por isso que o processo de

“relações de força”, “relações de sentido”, “antecipação” e, finalmente, “formações

imaginárias” devem ancorar a análise de discurso, pela importância primária das

formações ideológicas que esses processos indicam, e logo, os sentidos que se originam,

e para que efeitos suas condições de produção ocorrem.

Concluindo o analista de discurso deve partir da materialidade do discurso,

identificando as formações discursivas, e mapeando “[...] as suas respectivas formações

ideológicas para então, a partir destas, chegar aos enunciadores aqueles que realmente

definem o discurso” (MACHADO; JACKS, 2001, p.08).

6.2.3 Outros elementos para a análise do discurso jornalístico

O jornalista Perseu Abramo (2003) foi outro teórico que desenvolveu estudos

sobre padrões de conduta do discurso jornalístico, identificou características da mídia

brasileira que são significativas para o entendimento pontuado das formações do

discurso no jornalismo impresso. Abramo (2003, p.24-36) conceitua quatro padrões de

Page 160: Ingrid Gomes.pdf

160

manipulação. O primeiro refere-se ao “padrão de ocultação”, que diz respeito à ausência

e à presença dos fatos reais na produção da imprensa, ou seja, é o “[...] padrão que opera

nos antecedentes, nas preliminares da busca da informação, isto é, no ‘momento’ das

decisões de planejamento da edição, da programação ou da matéria particular [...]”.

Entende-se que para se tornar real, a priori deve-se existir como fato jornalístico. O que

acontece nesse padrão é a inclusão de um dado, de uma informação, ou a não seleção

desse dado, dessa informação como membros do fato jornalístico. Abramo adverte que

o fato real ausente deixa, simplesmente, de ser real para se transformar em imaginário e

o fato presente (real ou ficcional) passa a tomar o lugar do fato real. Ambas as

ocultações induzem o leitor à conotação de uma realidade diferente da real, algo criado,

portanto artificial.

Um segundo item desenvolvido pelo autor é o padrão de fragmentação. Nele,

parte-se de uma construção que seja estilhaçada, fragmentada em vários fatos

particularizados, desconectados entre si, “[...] despojados de seus vínculos com o geral,

desligados de seus antecedentes e de seus conseqüentes no processo em que ocorrem, ou

reconectados e revinculados de forma arbitrária e que não corresponde aos vínculos

reais, mas a outros ficcionais e artificialmente inventados." (ABRAMO, 2003, p.27) .

Esse padrão acarreta dois procedimentos: a seleção de aspectos, ou

particularidades, do fato e a descontextualização. No primeiro, os fatos são decompostos

em aspectos, e a imprensa seleciona os que apresentarão ou não ao público. O segundo é

uma decorrência da seleção de aspectos, porque isolados como partes de um fato, a

informação, o dado, perdem a essência do seu significado verdadeiro, original, e

recebem outro significado, diferente, que pode ser até antagônico ao significado real.

O terceiro padrão mais utilizado é o da inversão. Ele opera tanto no

planejamento como na coleta e na transcrição das informações, “[...] mas que tem seu

reinado por excelência no momento da preparação e da apresentação final, ou da edição,

de cada matéria ou conjunto de matérias.” (ABRAMO, 2003, p.28-29). Visualizam-se

quatro tipos mais empregados pela grande mídia: inversão da relevância dos aspectos,

inversão da forma pelo conteúdo, inversão da versão pelo fato e inversão da opinião

pela informação (ABRAMO, 2003, p.28-32).

Detalhar-se-á cada um deles:

Inversão da relevância dos aspectos – nesse padrão, ocorre a troca da informação

principal pela secundária, com o objetivo de diminuir o entendimento, ou anular a

compreensão sobre o que seria essencial no fato, ou dado.

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161

Inversão da forma pelo conteúdo – nesse padrão, o formato que o texto toma se

torna mais importante do que o que ele reproduz, ou seja, a palavra, a frase, se

desenrolam principais nas matérias jornalísticas, muitas vezes, impedindo a clareza da

explicação para que justamente seja impedido o real na informação.

Inversão da versão pelo fato – nesse padrão, visualiza-se no texto jornalístico a

versão do fato que o órgão de imprensa quer apresentar, negligenciando a observação e

a exposição dos fatos originais, que existem no mundo natural e social.

Inversão da opinião pela informação – esse último padrão de inversão ocorre

com maior frequência no cenário do jornalismo informativo. Nele, substitui-se, inteira

ou parcialmente, a informação pela opinião que se quer enraizar sobre a informação

real. Os três padrões de inversão acima expostos levam quase inevitavelmente ao padrão

de inversão da opinião pela informação.

Todos esses padrões colocados por Abramo (2003) conduzem ao padrão de

indução, que retira do receptor da informação jornalística a realidade original do dado,

do fato e cria outra realidade que não é verdadeira, mas se passa por tal. Entretanto, ela

foi artificialmente criada, induzindo o receptor a uma compreensão equivocada da

realidade original.

Com isso, avança-se na discussão de que existe uma complementaridade entre a

forma de controle social e o formato de produção de notícias. Para dissecar esses

conceitos, Luiz Gonzaga Motta (2002, p.126-131) propõe explicação em separado.

As formas coercitivas de controle, que podem variar desde controles políticos e

econômicos realizados pelos diretores, chefes de redação, proprietários ou acionistas

dos veículos de comunicação, de forma direta, ou ainda fora do ambiente dos mídia,

exercem poder coercitivo de maneira indireta como empresários, grupos de opinião,

executivos entre outros, sobre as atividades profissionais do jornalista. É no tratamento

ao exercício da profissão do jornalista que o poder coercitivo dessas pessoas se

reproduz, levando em consideração seus interesses por fontes, pautas, condução da

matéria, ausência de foto, enfim, um complexo arsenal de dispositivos que coloca ao

leitor, ouvinte ou telespectador da mídia a lógica desse jornalismo que sofreu fortes

formas de controle social.

Pelo segundo conceito (produção da notícia) que o pesquisador Gonzaga Motta

explicita, existe uma visão mais crítica desse processo coercitivo. Menciona-se: “[...] as

distorções não intencionais internalizadas nos procedimentos profissionais que inclinam

as instituições midiáticas a favor do status quo” (MOTTA, 2002, p.131). Contudo,

Page 162: Ingrid Gomes.pdf

162

verifica-se que há na não intencionalidade um elemento fomentador da manutenção da

estabilidade social. Com isso, pode-se afirmar ainda que a produção de notícias de

forma consensual está localizada no embrião da sociedade humana em suas formas de

viver, agir, comportar-se, interagir, entre outras maneiras de representar-se

culturalmente. Entretanto, o que não se pode negar é que a mídia reforça essa produção

consensuada de “ver a vida”. Os próprios filtros do Controle da Notícia (o modelo de

propaganda comentado por Herman e Chomsky, visto no Capítulo IV) são formas

naturalizadas que se configuram numa lógica em que o poder dos mídia se entrelaça

com a cultura política, conceituada de manutenção do status quo.

6.3 Complementações das fotos no discurso jornalístico

A ideia de entender a fotografia, e na sequência, o fotojornalismo, no estudo

desta tese, como mensagem junto ao texto verbal da matéria jornalística, compreende a

mensagem, o sentido do discurso jornalístico no seu contexto ─ a fotografia, e o texto

discursivo ─, e nas suas respectivas formações ideológicas e conjunturais do dito e do

não dito. Desse momento até chegar a essas caracterizações de uma análise das técnicas

da fotografia jornalística o texto discorrerá numa introdução à análise da imagem

(JOLY, 1996) para contextualizar os elementos técnicos principais de uma análise

fotográfica (BARTHES, 2007).

O autor de Introdução à Análise da Imagem, Martine Joly, comenta que a

generalização do uso da imagem criou um cenário ameaçador sobre sua leitura, e

explica que um dos motivos pelos quais ela pode parecer ameaçadora é

[...] que estamos no centro de um paradoxo curioso: por um lado,

lemos as imagens de uma maneira que nos parece totalmente

“natural”, que, aparentemente, não exige qualquer aprendizado e, por

outro, temos a impressão de estar sofrendo de maneira mais

inconsciente do que consciente a ciência de certos iniciados que

conseguem nos “manipular”, afogando-nos com imagens em códigos

secretos que zombam de nossa ingenuidade. No entanto, nenhuma das

duas impressões se justifica por inteiro. Uma iniciação mínima à

análise da imagem [...] ajudá-nos a escapar dessa impressão de

passividade e até de “intoxicação” e permite-nos, ao contrário,

perceber tudo o que essa leitura “natural” da imagem ativa em nós em

termos de convenções, de história e de cultura mais ou menos

interiorizadas (JOLY, 1996, p.10).

Além disso, a imagem apresenta um caráter universal, o fato de o homem ter

produzido imagens no mundo todo, em espaços de tempo longínquos (da pré-história

Page 163: Ingrid Gomes.pdf

163

aos dias atuais) e das sociedades acharem ser capaz de reconhecer uma imagem em

qualquer contexto históricocultural. Para Joly achar que a sociedade consegue, por uma

leitura universal da imagem, lê-la, revela uma ideia conflituosa. Ele concorda que a

humanidade possui esquemas mentais ligados à experiência comum, mas apenas isso

não a torna merecedora da interpretação, que é um bem particular “[...] vinculada tanto

ao seu contexto interno quanto ao seu surgimento, às expectativas e conhecimentos do

receptor.” (JOLY, 1996, p.42). Por isso conclui a ideia de que reconhecer motivos nas

mensagens visuais e interpretá-los são dois processos mentais, que são complementares.

Por outro lado, o próprio reconhecimento do motivo exige um

aprendizado. De fato, mesmo nas mensagens visuais que nos parecem

mais “realistas”, existem muitas diferenças entre a imagem e a

realidade que ela supostamente deveria representar. A falta de

profundidade e a bidimensionalidade da maioria das imagens, a

alteração das cores (ainda maior com o preto e branco), a mudança de

dimensões, a ausência de movimento, de cheiros, de temperatura etc.

são igualmente diferentes, e a própria imagem é o resultado de tantas

transposições que apenas um aprendizado, e precoce, permite

“reconhecer” um equivalente da realidade, integrando, por um lado, as

regras de transformação, e, por outro, “esquecendo” as diferenças

(JOLY, 1996, p.43).

Joly afirma que esse esquema de aprendizado, e não a leitura da imagem, que

ocorre de maneira “natural” na cultura.

Na pesquisa do teórico Roland Barthes (2007) as imagens carregam signos, os

quais têm o poder de significar no seu contexto, e sempre a partir deste. Nesse sentido

em A Mensagem Fotográfica Barthes define a fotografia no jornalismo como fotografia

de imprensa e a considera uma mensagem. Explica que o resultado dessa fotografia foi

constituído por:

uma fonte emissora ─ a redação do jornal e dentre seu grupo técnico elegeu

alguém para bater a foto, tratá-la, e preparar a legenda;

um meio receptor ─ que é o público que lê o jornal;

um canal de transmissão ─ que é o próprio veículo de comunicação e as

mensagens no material jornalístico.

Nesse sentido o teórico completa que essas constatações não são aleatórias no

desenvolvimento do jornalismo, e que a produção da foto deve apresentar um método

específico de análise de suas técnicas,

Page 164: Ingrid Gomes.pdf

164

[...] pois quaisquer que sejam a origem ou o destino da mensagem, a

foto não é apenas um produto ou um caminho, é também um objeto,

dotado de uma autonomia estrutural: sem de nenhum modo pretender

separar esse objeto de seu uso, torna-se necessário prever aqui um

método particular, anterior à própria análise sociológica, e que não

pode ser senão a análise imanente dessa estrutura original, que uma

fotografia é (BARTHES, 2007, p.326).

No entanto, para início de análise Barthes toca numa questão paradoxal da

imagem fotográfica de imprensa. Primeiro afirma que a imagem da fotografia não é o

real, mas apreende do real, essa constatação da fotografia como um “perfeito analogon”

caracteriza-a como uma mensagem sem código, mas portadora de uma mensagem

contínua. Pela fotografia ser um objeto que comporta outros elementos técnicos, como

quando passa da produção à recepção, tende ser trabalhada, escolhida, construída,

tratada e muitas vezes, esteticamente modifica para uso profissional técnico ou mesmo

ideológico, pelas linhas editorias dos veículos de comunicação. Portanto o paradoxo que

Barthes salienta diz respeito ao teor da fotografia de imprensa representar-se conotação

e denotação. A ideia da denotação é a construção do próprio objeto analagon, e a

conotação ─ que possui códigos ─ se refere à ordem de como a sociedade lê e pensa

esse objeto. A fotografia por se apresentar de início apenas como constituição denotada,

por ser plena e indescritível, quando pensada no seu uso como fotografia de imprensa

soma o caráter conotado, por apresentar-se como além da sua forma plena, analógica,

pois se inclui características portadoras de signos e significados ao definir-se como

mensagem informativa constituída por variadas formas de produção. Ou seja, o

“paradoxo fotográfico seria então a coexistência de duas mensagens, uma sem código

(seria o análogo fotográfico) e outra com código (seria a ‘arte’ ou o tratamento ou a

‘escritura’ ou a ‘retórica’ da fotografia).” (BARTHES, 2007, p.328-9).

Nesse sentido o processo conotado, que inclui formas de se conotar, dar valor,

que significam, dispõe de técnicas fotográficas que permitem ser analisadas, no

contexto da informação jornalística. Barthes (2007, p.330-3) descreve e explica seis:

1─ Trucagem: se define como uma técnica fotográfica que constituí um efeito de

aproximação, vista claramente como artificial, mas que em determinado contexto pode

significar-se como um código histórico. No exemplo que Barthes ressalta da fotografia

publicada numa das épocas de maior receio ao sistema comunista, o período de Guerra

Fria, quando difundiram a fotografia de um senador americano conversando, bem

próximo ─ por um efeito de trucagem ─ a um famoso líder comunista. O significante da

Page 165: Ingrid Gomes.pdf

165

conversa entre ambos foi repreensível pela sociedade americana, no determinado

contexto (BARTHES, 2007, p.330).

O interesse metódico da trucagem é que ela intervém no próprio

interior do plano de denotação sem avisar; ela utiliza a credibilidade

particular da fotografia, que não é, conforme se viu, mais que seu

poder excepcional de denotação, para fazer passar como simplesmente

denotada uma mensagem que na verdade é fortemente conotada; em

nenhum outro tratamento a conotação toma completamente a máscara

“objetiva”da denotação (BARTHES, 2007, p.330).

2 ─ Pose: Barthes cita o exemplo de uma campanha americana, em que o

presidenciável Kennedy faz uma pose, olhando para o céu, com as mãos juntas, e numa

foto estilo perfil do personagem. Nesse contexto a forma fotográfica de pose do

candidato orienta à leitura dos significados de conotação de “juvenilidade”,

“espiritualidade” e “pureza”. Portanto a pose retira da imagem o efeito do seu princípio

analógico, pois o que vale, enquanto mensagem, por meio da pose, é o “Kennedy

orando.” (BARTHES, 2007, p.330-1).

3 ─ Objetos: é a ideia anterior de pose, mas dos objetos fotografados. “O

interesse reside em que esses objetos são indutores correntes de associações de ideias

(biblioteca-intelectual), ou (...) verdadeiros símbolos [...]”. Ao passo que esses objetos

dizem por eles seus significados, constituem-se elementos importantes de significação,

“[...] o que é para um signo uma qualidade física; e outro remete a significados claros,

conhecidos; são, portanto, os elementos de um verdadeiro léxico estável a ponto de se

poder facilmente erigi-los em sintaxe”. Desta forma dando sentido em seu contexto

(BARTHES, 2007, p.331).

4 ─ Fotogenia: é quando a mensagem conotada “[...] reside na própria imagem”,

por exemplo, quando é tecnicamente embelezada, por meio dos recursos de iluminação,

impressão, desta forma a estrutura informativa, enquanto mensagem, se apresenta

marcadamente de fotogenia (BARTHES, 2007, p.332).

5 ─ Estetismo: é quando a fotografia pretende se caracterizar como pintura, de

uma forma em que sua substância visual (para significar, por exemplo, sutileza), seu

“anunciado estetismo”, dá-lhe forma complexa e próxima, “maliciosamente”, a uma

composição artística (BARTHES, 2007, p.332).

6 ─ Sintaxe: nesse caso o significante de conotação se encontra no

encadeamento de uma sequência fotográfica, e não nos fragmentos da imagem. É o

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166

movimento provido desse encadeamento das fotografias que o significante se constituirá

(BARTHES, 2007, p.333).

Em resumo as três primeiras técnicas são provenientes da modificação do

próprio real, enquanto as outras três não passam por esse processo.

Na sequência Barthes explica que, possivelmente, a fotografia de imprensa virá

com outros fatores externos, que ajudam a definir o significante, como os textos de

legenda, título e o próprio corpo do texto principal da matéria jornalística. Para o teórico

o texto representa uma mensagem parasita, “destinada a conotar a imagem, isto é, a lhe

‘insuflar’ um ou vários significados segundos”. Nesse sentido é a fotografia que se torna

uma espécie de “vibração segunda”, pois o texto, mesmo uma aparente curta legenda,

incorpora à fotografia uma cultura, enraizada de moral, de imaginação e de retórica. Em

resumo o texto amplifica um conjunto de “conotações já incluídas na fotografia”, e às

vezes, também “[...] produz (inventa) um significado inteiramente novo e que é de

algum modo projetado retroativamente na imagem, a ponto de aí parecer denotado [...].”

(BARTHES, 2007, p.334).

Bem como salienta Barthes, essa tese entende que a apreensão da linguagem,

numa análise de discurso do fotojornalismo, deve estudar as fotografias e o uso de suas

técnicas a partir de uma abordagem que leve sua prática como orientada por uma lógica,

em função determinada, considerando os vários organismos externos da cultura nessa

relação de produção.

6.4 Etapas, Corpus e Análise

Primeira etapa: Como mencionado antes o corpus de análise serão 62 edições

dos jornais impressos, sendo 31 da Folha de S. Paulo e 31 do Estado de S. Paulo. O

início será a edição da data de 25 de agosto, e o término 25 de setembro de 2011, tendo

o 11 de setembro o marco central de seleção (quinze dias antes e posteriores). Dessa

seleção serão analisadas as matérias jornalísticas de cunho informativo (nota, notícia,

reportagem e entrevista) que dizem respeito ao objeto de estudo da tese, o Islã.

Segunda etapa: Definido e contabilizado o corpus será descrito o material para

a análise da AD, como consta na categorização do item 6.2.1 deste capítulo, levando

como pontos de análise: gênero, fontes, abordagem predominante do texto, descrição do

não verbal e resumo/descritivo do material jornalístico.

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167

Terceira etapa: Depois da análise descritiva do material, que o resultado será

inserido nessa terceira etapa, serão analisados discursivamente pela AD, explicitada no

item 6.2.2. Os fatores da AD para essa etapa serão: esquecimentos, paráfrase e

polissemia, relações de força, relações de sentido, antecipação, formações imaginárias,

formação discursiva, o dito e o não dito e inferência/implícitos. O material fotográfico

será estudado à luz das técnicas: trucagem, pose, objetos, fotogenia, estetismo e sintaxe.

Quarta etapa: Serão realizadas considerações relacionais entre: material

analisado com base nos elementos da AD (itens 6.2; 6.2.1 e 6.2.3), material estudado de

cunho fotográfico (item 6.3); e material desenvolvido de fundo histórico e conjuntural

(capítulos I e II), de fundo antropológico (capítulo III), e de fundo sociocultural

(capítulos IV e V).

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168

CAPÍTULO VII ─ PRESENÇAS DO OUTRO ISLÃ NO “MUNDO”

7.1 Caderno MUNDO mais de 20 anos de história

A Folha de S. Paulo teve início em 1921, com o Grupo Folha, já atingiu

circulação recorde no País com o número de 1.117.802 exemplares, quando entrou para

o livro de recorde (Guinness Book) de tiragem e vendas na história de jornais e revistas

do Brasil no ano de 1996. Tal façanha deu-se em razão do investimento que a Folha

realizou na política de fascículos encartados ao jornal, isso garante o jornal, que logo no

primeiro fascículo lançado, o Atlas Folha/The New York Times, a Folha bate esse

número celebrado pela empresa de comunicação, que via no encarte uma nova ideia de

ver a informação internacional28

.

Mesmo antes de 1996, a Folha reorganiza seu noticiário em cadernos mais

modernos e temáticos, de circulação diária. Essa modernização se deu em 1991

introduzindo as seções Ilustrada, Brasil, Mundo, Dinheiro, Cotidiano e Esporte, este,

que segundo informações do acervo Folha na internet é autônomo aos domingos e

segundas-feiras29

.

No mesmo ano, outro dado importante que a empresa disponibiliza no site da

Folha é que ela “[...] é o primeiro órgão da imprensa brasileira a pedir o impeachment

do presidente Fernando Collor de Mello”. E em novembro, do mesmo ano, lança cinco

edições regionais (Sudeste, ABCD, Nordeste, Norte e Vale)30

. Como norte ideológico, a

Folha descreve-se como “[...] jornalismo crítico, apartidário e pluralista”31

.

Ainda em 1996, é lançado pelo Grupo Folha o Universo Online, que segundo

dados da empresa Folha é o primeiro serviço online de importância no País. E nesse ano

também, o Universo Online e o Brasil Online, do Grupo Abril, se fundem e dão origem

ao Universo Online S.A32

.

A Folha de S. Paulo, depois da morte de Octavio Frias de Oliveira, em 2007,

mantém como presidente o empresário Luiz Frias e, como diretor editorial, seu irmão

Otavio Frias Filho, ambos filhos de Oliveira.

28

Acessado em 27/12/2011. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_93_94.htm 29

Acessado em 27/12/2011. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_90_92.htm 30

Ibid. 31

Acessado em 03/01/2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/historia.shtml. 32

Ibid.

Page 169: Ingrid Gomes.pdf

169

Segundo a empresa Folha, ela é o jornal de maior tiragem33

e circulação entre os

diários nacionais. Os números são auditados pelo Instituto Verificador de Circulação

(IVC). “Circulação paga ─ Novembro/2011: Domingos: 323.511 exemplares

Dias Úteis: 281.495 exemplares. Média Seg. a Dom.: 287.497 exemplares” 34

.

Em 2000, a Folha passa a publicar uma compilação semanal de “[...] reportagens

e artigos de alguns dos melhores jornais do mundo, como o ‘The New York Times’, dos

EUA, e o diário de economia britânico ‘Financial Times’” 35

.

O caderno “Mundo”, circulando desde 1991, recebeu prêmio “Folha”, na

categoria reportagem, de 1996, com o texto “Bombardeio foi um erro, afirma Israel”,

pelo repórter Igor Gielow.

O espaço da editoria Mundo varia de uma a três páginas ao longo da semana e

pode chegar a cinco aos finais de semana. Mas comumente, a Folha de S. Paulo tem

dado três folhas ao Caderno durante a semana e, aos finais de semana, cinco folhas.

Mantém o destaque à manchete do caderno, ocupando a primeira página do Mundo e às

outras reportagens costumam dividir espaço de duas reportagens maiores por página,

com um ou dois anúncios grandes. O Caderno apresenta ¼ de página de artigo fixo, que

varia a cada edição, desenvolvido por articulistas contratados do jornal:

Segunda-feira: Luiz Carlos Bresser-Pereira

Terça-feira: Clóvis Rossi (e outros dias também)

Quarta-feira: Roberto Abdenur ou Mark Weisbrot

Quinta-feira: Clóvis Rossi

Sexta-feira: Moisés Naím

Sábado: Paul Kiugman

Domingo: Clóvis Rossi

Convidados: Rubens Ricupero; Wolfgang Munchau ─ Financial Times; Newon

Carlos ─ Analista sobre a Líbia e assuntos internacionais; Jodi Kantor ─ do New

York Times; Stephen Jewkes ─ da Reuters de Milão e outros menos frequentes.

Quando o Caderno apresenta mais de quatro folhas, o conteúdo jornalístico

chega a quase três folhas e o restante é destacado para publicidade. Principais

33

Mas segundo o site da Associação Nacional de Jornais a Folha de S. Paulo é o segundo jornal de maior

tiragem, perdendo o posto de primeiro para o diário de Minas Gerais, Super Notícia. Disponível em:

http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-jornais-do-brasil 34

Acessado em 03/01/2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/institucional/circulacao.shtml. 35

Acessado em 27/12/2011. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_2000.htm

Page 170: Ingrid Gomes.pdf

170

patrocinadores do Caderno Mundo: Brookfield incorporações, CVC, Casas Bahia,

Queiroz Galvão, Abyara, Brasil Brokers, EZTEC, General realty even, Rossi, ACS

incorporadora, Tecnisa, Masa, Construtora Imobiliária WZARZUR, Gafisa e

Construtora CPD.

Outros menos comuns: Faculdade Estácio, KIA, Hotéis decolar.com, Telha

Norte, Dell, Ez Aclimação Hotel, Nextel, Banco ABC Brasil, Central Concursos, Extra,

Dicico, Hopes, Edalco, Esser, Feirão Trip, Fecomercio, DPNY Hotel, Claro, Kalunga,

Aiport Bus Service, Localiza, SWU, Uniseb, Albert Einstein, Globo News Jornal das

10, Recal da Honda, ADU tour, Uol, Ponto Frio, SBT, Imac, Fasshop, Ministério da

Educação, Aviso de licitações do Governo (ministérios) e Folha grandes arquitetos.

O conteúdo varia em poucas reportagens, mais notas e notícias, que na maioria

das vezes são apresentados junto com agências de notícias, mais comuns Reuters e

Associated Press, pelo crédito das fotos, pois, nas matérias, o indicado é “Com agências

de notícias”, sem de fato descrever qual ou quais. O Caderno apresenta jornalistas como

autores de significativa parte do seu conteúdo36

, variando de autores na cobertura nos

países.

Temas predominantes por continentes

46%

20%

21%

13% 0%

América

Ásia

Europa

África

Oceania

Dos temas trazidos pelo Caderno Mundo, os que envolvem os Estados Unidos

são os mais pautados pelo jornal, variando de política, economia, cultura até

entretenimento. Depois do país estadunidense vem o Brasil sob a ótica das questões

36

Seguem no glossário 1.4 os principais temas e manchetes do Caderno Mundo, no período de análise.

Page 171: Ingrid Gomes.pdf

171

internacionais e, minimamente, Chile, Argentina, Venezuela, Haiti, México, Equador,

Bolívia e Cuba.

Do continente asiático se destacam Síria, Palestina, Israel, Irã, China e Iêmen e,

em menor porcentagem, Afeganistão, Paquistão, Japão e Índia.

O assunto econômico da União Européia e da Grécia é o destaque do continente

europeu, além de pautas da França, Turquia, Alemanha, Reino Unido, Portugal e

Espanha com menor fluência.

No continente africano, o tema corrente é a Líbia e o desdobramento da

derrubada do ditador Muammar Kadafi com países europeus, brasileiro e com os

Estados Unidos.

Tema sobre o 11 de setembro de 2001 no Caderno Mundo

Análise “Imprensa relembra as vítimas com sobriedade” por Nelson de Sá,

Mundo na A9. 12 de setembro.

Artigo sobre o “11 de setembro, dez anos depois” por Luiz Carlos Bresser –

Pereira na A-11. Segunda, 12 de setembro.

Tema sobre caso Palestina na A3-OPINIÃO

Opinião “Tendências e Debates O Estado palestino em questão”. “É a ONU que

deve agir agora” pelo embaixador da palestina no Brasil, Ibrahim M. Alzeben e

“Para uma paz duradoura” pelo embaixador de Israel no Brasil, Rafael Eldad. 20

de setembro A-3.

7.2 Marcas terroristas no discurso da Folha de S. Paulo

A-14 mundo. 25 de agosto de 2011. “Ao saber que somos brasileiros, rebeldes nos

acusou de pró-Gaddafi” – Depoimento do repórter Samy Adghirni. Nota/Crônica.

ANEXO F1

Fontes Repórter-Participante/Testemunho e Diretor do Hotel que estavam hospedados

(Fonte primária).

Texto com predomínio de abordagem descritiva/coloquial.

Não há recurso não-verbal na matéria.

Resumo da matéria:

Page 172: Ingrid Gomes.pdf

172

Com o chapéu (expressão que se localiza antes das notas e reportagens e que traz

o foco principal do texto a ser lido, lembra, às vezes, o tema da editoria) “Depoimento”,

o repórter Samy Adghirni narra a história da chegada dele e do fotógrafo à “residência

dos engenheiros da refinaria de petróleo”, que servia como hotel para o jornalista e o

fotógrafo e, nessa história, há apenas o comentário dizendo da chegada, da ausência de

atendimento justo e, principalmente, do problema do “proprietário do local” ter passado

o quarto do jornalista e do fotógrafo para os rebeldes líbios.

Análise:

O repórter usa da presença de fatos para caracterizar os rebeldes líbios e os

demais “combatentes” como portadores de hábitos “insalubres”, sinônimos de

prejudiciais a saúde, “O apartamento não era um luxo e estava insalubre de tão imundo,

mas nos garantia um paradeiro seguro” e, logo depois, traz a informação de que esses

combatentes além de deixarem o local “insalubre” também são bagunceiros,

desrespeitosos e muçulmanos: “Pedimos licença aos novos ocupantes do apartamento

para recuperar nossos estoques de comida, já que a residência só oferece jantar para os

rebeldes que observam o jejum do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmamos”.

Entretanto, há um fato novo na discussão, além da questão dos “combatentes”

apresentarem-se como insalubres, agora, por ocuparem o apartamento em que o

jornalista e o fotógrafo estavam, estes serão obrigados a “recuperar” o estoque de

comida. Nessa situação aparece um problema maior, segundo o jornalista: “[...] já que a

residência só oferece jantar para os rebeldes que observam o jejum do Ramadã”, ambos

terão que recuperar a comida que deixaram no local, pois os muçulmanos que fazem o

jejum do Ramadã teriam ocupado o apartamento e, possivelmente, se alimentado das

comidas guardadas, e jornalista e fotógrafo enfrentariam novo problema: não teriam

jantar no “hotel”, pois não eram “daqueles que fazem o jejum do Ramadã, o mês

sagrado dos muçulmanos”.

Ao decorrer do texto, o jornalista afirma que tudo já havia sido consumido, “[...]

com exceção de duas garrafas de água mineral, latas de atum e biscoitos recheados, a

base da nossa alimentação nesta cobertura”. Segundo a fala do repórter, sobrou, depois

da ocupação dos rebeldes que fazem o jejum do Ramadã, ou seja, os muçulmanos,

pouca comida, sendo biscoito, atum e água, e a primeira pergunta que se levanta: “─ Se

são muçulmanos e, por isso, realizam o jejum nesse período, como justificar que eles se

alimentaram da comida? Principalmente porque o repórter não afirma se o período que

Page 173: Ingrid Gomes.pdf

173

ficaram foi durante o dia, pois, se foi, a religião islâmica tem como indicação se

alimentar no mês de agosto (sagrado/Ramadã) ao pôr- do- sol, à noite. E depois, ele fala

que as guarnições que sobraram é a base da alimentação dele e do fotógrafo nessa

cobertura no Líbano. Então as sobras são a base e, se são a base, não tem como

significar que “[...] tudo já havia sido consumido”.

Ao longo do texto jornalístico o repórter declara que de muito implorarem (ele e

o fotógrafo) conseguiram jantar no “hotel” e até foram chamados, por ser brasileiros, de

pró-Gaddafi, pelos “combatentes” que agora são lembrados como “insurgentes”.

Continua dizendo que o problema da hospedagem foi passageiro “graças” “[...] a um

solitário jornalista norueguês que pôs à nossa disposição dois colchões sem lençóis no

quarto de uma casa abandonada situada dentro da mesma refinaria”. E ao falar que o dia

será de muito calor, afirma que irão agir com respeito aos muçulmanos, assim como foi

cordial o norueguês com eles: “Em respeito ao Ramadã, evitamos beber água em

público. Para comer durante o dia só temos os quitutes que são levados na mochila”.

As questões que surgem: ─ O repórter e o fotógrafo irão dar um tratamento

honrado e respeitoso com os que fazem jejum ao longo do dia, no Líbano, vão evitar

beber água em público, pois em “[...] respeito ao Ramadã, evitamos beber água em

público”. E quando vão se alimentar, ao longo do dia, “[...] só temos os quitutes que são

levados na mochila”, ou seja, eles comem em público? Por que o jejum dos

muçulmanos, no mês sagrado de Ramadã, também se estende para alimentos. Para os

leitores que não sabem que no Ramadã o jejum, de alimento e de líquido, vai até o pôr-

do-sol para a cultura muçulmana, a afirmação está solta e fragmentada e, neste caso,

deixa de ser entendida na sua clareza, que os muçulmanos realizam as refeições e

consomem água apenas à noite, ao longo de todo o mês.

Caminhando para a análise de discurso quando a pesquisadora Orlandi (2010, p

34-5) relembra que o “esquecimento” produz no indivíduo a impressão da “realidade do

pensamento”, explica que causa uma “ilusão referencial” relacionando o pensamento, a

linguagem e o mundo. Nesse sentido, quando se analisa a matéria em destaque, percebe-

se que há a marca do “esquecimento” quando não se explica, ou mesmo quando não se

descreve claramente que o mês do Ramadã, em agosto, é um período sagrado para o

Islã, e nele os muçulmanos fazem jejum ao longo do dia, realizam as refeições e bebem

bebidas (menos as alcoólicas), no período da noite, quando o sol ou a luz do dia se foi.

Há dois momentos do texto em que o Ramadã é citado no texto, causando essa

marca de “esquecimento”, como característica de formação da realidade, inclusive como

Page 174: Ingrid Gomes.pdf

174

pensamento sobre o Ramadã sem problematizar o contexto, deixando-o sem significado

original com o Islã.

A forma como é descrita o Ramadã no texto causa a impressão de que essa

citação pode ser dita e falada dessa maneira, ou seja, o esquecimento (ORLANDI, 2010,

p.35) número dois que Orlandi explica como o quê a sintaxe atesta significando. Na

presença do esquecimento dois, o esquecimento número um, de origem ideológica

(Ibid) argumenta que a naturalização do incorporado como Ramadã (do esquecimento

dois) desenrola-se como uma forma de construção da realidade como estruturante,

mesmo antes da afirmação do repórter a forma como o Ramadã se inscreve e causa

sentido no texto já foi estruturado como marca ideológica ao se expressar com aquelas

palavras, quando, na realidade, se retoma sentidos já existentes no cenário social.

Logo, se ambos os esquecimentos um e dois, apontados por Orlandi (2010,

p.36), situam o sentido de Ramadã destas formas: “[...] Ramadã, mês sagrado dos

muçulmanos” e “Em respeito ao Ramadã, evitamos beber água em público. Para comer

durante o dia só temos os quitutes que são levados na mochila”, pode-se trazer algumas

interrogações. Como primeiro: há um mês sagrado, o que fazem nesse período? Há só

um mês sagrado? E no segundo: os jornalistas se fizeram “respeitosos” não bebendo

água em público para não atiçar os muçulmanos que por ventura passassem perto deles.

As afirmações, além de não explicarem o significado do Ramadã na sua origem,

rememoraram raízes ideológicas que menosprezaram o sentido desenvolvido pela ideia

do Ramadã.

Ao passo que dizer “[...] Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos” e não dizer

qual é esse mês, qual a diferença desse mês para os outros, a questão do “sagrado” passa

a questionar o Islã como religião que pode não ser uniforme em sua doutrina, se há só

um mês em que os muçulmanos encaram como sagrado, bem como senão há a

explicação histórica e mesmo teológica desse mês sagrado é como dizer também que os

muçulmanos podem entender a “sacralidade” como pouco importante, visto que

apresentam no Islã apenas um mês sagrado, o Ramadã.

Contudo, outra questão importante dentro dos elementos da análise de discurso é

a ideia do “não dito”, com a descrição do Ramadã, como mês sagrado, solto no texto,

sem suas devidas explicações contextuais, se pergunta: ─ Qual seria o subtendido desse

dito, visto que se preferiu mencioná-lo no texto, apesar de estar apresentado de forma

fragmentada? Qual o porquê ou porquês desse dito?

Page 175: Ingrid Gomes.pdf

175

Dentro do contexto do Islã, ou melhor, das leis na doutrina religiosa, são vistas e

representadas em textos no ocidente, ou outro de influências não islâmicas, satirizando,

ou podem ser representados como fiéis radicais anticivilizados, inferiores e mesmo

como outro, diferente do “eu”, da visão mais comum de onde se escreve, ou seja, do

veículo de comunicação que reporta o texto jornalístico. Portanto, pensar por que trazer

o mês sagrado, lembrando a lei muçulmana, da importância religiosa do Ramadã, sem

contextualizá-la, pode-se afirmar que um subtendido que se origina é o pouco repertório

sobre o Islã diante de suas leis mais importante do calendário muçulmano. Diante disso,

pode-se apontar um requisito básico do jornalismo interpretativo e contextual:

entrevistar especialistas, no caso um teólogo ou mesmo uma fonte primária, muçulmano

que caracterize o Ramadã em sua raiz religiosa.

Outro “não dito” importante na análise do texto jornalístico advém do conceito

de “silêncio”, em que Orlandi (2010, p.83) traz como “política do silêncio”, em

específico na vertente do “silêncio constitutivo” em que para “[...] dizer é preciso não

dizer”: “Em respeito ao Ramadã, evitamos beber água em público. Para comer durante o

dia só temos os quitutes que são levados na mochila”. No trecho, o repórter salienta no

“dito” que respeitam os muçulmanos e não os atiçaram ao longo do dia bebendo água

perto deles, ou em pontos em que algum muçulmano possa ver, entretanto, na próxima

frase, fechando o parágrafo e o texto, ele e o fotógrafo não deixaram de comer seus

“quitutes” durante o dia e omite nessa frase a questão que estão desrespeitando os

muçulmanos que, por ventura, virem-nos comendo os quitutes; pois, no Ramadã, a

doutrina pede jejum ao longo do dia, seja de água e de qualquer alimento, postergando

para a noite as refeições.

Nesse contexto, não dizendo do jejum de alimento, no período do dia, retira-os,

jornalista e fotógrafo, de auto julgá-los como desrespeitosos e, assim, podendo manter o

respeito deles para com os nativos muçulmanos porque evitaram beber água em público,

em pleno mês de Ramadã.

Orlandi (2010, p.38) diz que “[...] Todo dizer é ideologicamente marcado. É na

língua que a ideologia se materializa [...]”, pensando nessas afirmações de Orlandi para

expor o significado da relação entre paráfrase e polissemia, o trecho do texto jornalístico

convida a analisá-lo à luz do escrito da pesquisadora: “Pedimos licença aos novos

ocupantes do apartamento para recuperar nossos estoques de comida, já que a residência

só oferece jantar para os rebeldes que observam o jejum do Ramadã, o mês sagrado dos

muçulmanos”.

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176

Na cultura de texto brasileiro, o mais comum nesse trecho seria o uso da palavra

“cumprem” ou “seguem” ou ainda “respeitam” o jejum, ao invés de “observam o

jejum”, preferiu-se o uso da polissemia do “observam” a “seguem”, de conhecimento

comum. A questão é: se “todo dizer é ideologicamente marcado” e “é na língua que a

ideologia se materializa”, entender o “observam” como “mais suave”, “com menor

poder em obedecer”, faz sentido num parágrafo que além de pontuar que os

muçulmanos observam o jejum também os põem como aqueles que ocuparam o

apartamento do jornalista e do fotógrafo, como também foram aqueles que saquearam

“quase tudo” de “quitutes” que tinham para a cobertura jornalística no Líbano.

Caminhando para o aprofundamento da análise de discurso, encontram-se outros

elementos ricos em comparações explicativas. No contexto geral do texto jornalístico,

“Ao saber que somos brasileiros, rebelde nos acusou de pró-Gaddafi” vê-se a formação

da “relação de sentidos” entre os dizeres ditos e os imaginados ou possíveis.

Na estrutura de narração testemunhal do jornalista no texto, identifica-se a

construção intimista com o leitor, permitindo opiniões camufladas de “fatos possíveis”,

a partir das afirmações que são efetuadas no decorrer do texto, por exemplo, “Nós só

conseguimos jantar após implorar por uma mesa na sala de jantar da residência.

“Nosso pedido foi atacado a contragosto, um dos insurgentes, ao saber que

éramos brasileiros, acusou-nos de ser pró-Gaddafi”.

Depois de negado quarto no local, ficarem sem “quase tudo” de suprimentos

para a cobertura, tiveram que implorar mesa para jantar e ainda um dos “insurgentes”,

ao saber que jornalista e fotógrafo eram brasileiros, acusou-os de pró-Gaddafi.

Certamente o leitor desenvolve a cena de dó que ambos sofreram para, no final do texto,

saírem como respeitosos de não consumirem água em relação ao ensinamento de jejuar

água no mês sagrado. A construção pelo discurso imaginado e pelo contexto ideológico

permite afirmar que os muçulmanos que “observam” o jejum do Ramadã foram

desrespeitosos em ocupar o apartamento, saquear os alimentos e serem muçulmanos,

claro.

Para pontuar o jornalista ressalta: “[...] um dos insurgentes, ao saber que éramos

brasileiros, nos acusou [...]”. O texto no argumento anterior: “[...] nosso pedido foi

acatado a contragosto, e um dos insurgentes ao saber [...]” “antecipa” (ORLANDI,

2010, p.39) ao leitor uma característica negativa do local e do contexto causando no

decorrer do texto a continuação do processo argumentativo de negação, mesmo que

representativamente esse texto ressalte “um insurgente” taxou os brasileiros como pró-

Page 177: Ingrid Gomes.pdf

177

Gaddafi, o que no contexto do tema na Líbia significa dizer contra a democracia, a paz,

e a favor da guerra, da ditadura.

E nesse sentido, a “relação de forças” (ORLANDI, 2010, p.39) do lugar que o

jornalista ocupa no texto, narrando um depoimento pessoal de sofrimento frente aos

obstáculos do ser jornalista, traz a ele a sustentação de poder do sujeito que ocupa o

texto, ou seja, altamente credível.

Tanto a “relação de sentidos” como a “antecipação” e a “relação de forças”

condicionam a formação do discurso numa imagem projetada, como conceitua Orlandi

(2010, p.40) “formações imaginárias”. Dessas formações imaginárias as questões mais

importantes a se destacar são: elas influenciam na memória e na posição dos lugares.

CADERNO ESPECIAL 11 DE SETEMBRO

1) Descrição das Entrevistas ANEXO F2:

Na entrevista “Morte e sobrevivência. Pós-11/9 coloca em lados opostos a

última resgatada com vida do WTC e o iraquiano que perdeu 5 filhos em Bagdá” traz

dois depoimentos de dois personagens que foram diretamente prejudicados com o

impacto do World Trade Center.

Genelle Guzman-McMillan, 40 anos, mora em Nova York, foi, segundo o

repórter Diogo Bercito, a última pessoa a ser socorrida com vida dos escombros.

No segundo depoimento, do proprietário de um café em Bagdá, Hadji

Muhammad al Khashali, 76 anos, concedido ao enviado especial a Bagdá, Igor Gielow.

Hadji perdeu cinco filhos em um atentado em Bagdá, depois da invasão no Iraque pelos

Estados Unidos.

Juntos, os depoimentos somam uma página, a E07 do especial da Folha de S.

Paulo do 11 de setembro de 2011. São depoimentos advindos de entrevistas temáticas,

sobre o elo do 11 de setembro de 2001 em suas vidas, realizadas por repórteres

diferentes, com espaços proporcionalmente divididos, mas com fotos de cor e de

tamanhos diferentes.

Resumo dos Textos:

Texto 1: Depoimento de Genelle Guzman-McMillan de 40 anos para Diogo

Bercito de São Paulo.

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178

No depoimento, Genelle conta que é “a prova de um milagre”, por ter

sobrevivido ao 11 de setembro de 2001. Ela estava na Torre Norte, no 64º andar do

WTC, quando o primeiro avião se chocou com o edifício. Segundo trecho do resumo de

sua história, o “[...] prédio se desfez enquanto ela estava no 13º, a caminho do térreo”.

Comenta sua angústia ao saber que poderia morrer e “[...] assistir sua própria morte”,

conta que passou 27 horas embaixo dos destroços da Torre, com uma perna esmagada,

sem conseguir se mover. Ao longo do depoimento ela se pergunta por que saiu viva em

detrimento de tanta gente morta naquela tragédia e afirma preferir se fortalecer na sua

crença, em que “[...] Deus realmente tem um propósito para mim. Escolhi ter fé, em vez

de medo”.

Depois fala que sua vida mudou muito, dá um salto na história dizendo que não

comemorou a morte de Osama bin Laden. E que hoje trabalha como supervisora na

autoridade portuária, no aeroporto de La Guardia, em NY. Afirma que leva uma vida

normal, diz não ter medo de aviões e que possui uma ferida na perna que foi esmagada,

e por isso manca, mas que mesmo assim usa salto de 12 centímetros.

A foto parece Genelle em um templo em NY, como afirma a legenda. A foto é

maior que o conteúdo em colunas do depoimento. Está colorida e ressalta Genelle ao

centro do templo com as inscrições de que “Deus é amor”, com Genelle ajoelhada, num

móvel específico para isso no templo, de características cristãs. A foto tem o crédito de

Catrine Genovese da Time & Life Pictures.

Texto 2: Depoimento de Hadji Muhammad al Khashali ao enviado especial a

Bagdá, Igor Giellow, Hadji conta que dia 05 de março de 2007 foi abrir seu café

Shabandar cedo, como de costume. Seu filho Mohammed estava lhe ajudando, enquanto

os outros quatro filhos estavam na sua loja de impressão, que ficava ao lado do café.

Percebeu que um sujeito desceu de uma caminhonete Kia, que teria capacidade

para duas toneladas de carga, parando ao lado do café. E, depois, afirma que só viu seu

filho Mohammed nos escombros, sem as pernas, quando ficou desesperado. Percebeu

que sua loja de impressão estava em ruínas e seus quatro filhos mortos. Afirma também

que sua esposa faleceu dois meses depois. Segundo Hadji, a imprensa falou que

morreram 30 pessoas, mas que o pessoal da rua contabilizou em torno de 70, 20 apenas

vaporizadas pela explosão.

Hadji explica: “[...] É claro que o idiota que fez isso estava no meio de uma

guerra sectária sem sentido algum. Era terrorista sunita. Mas estamos sob ocupação,

então a culpa maior é dos ocupantes. É dos norte-americanos.”

Page 179: Ingrid Gomes.pdf

179

E logo afirma que a marca do povo iraquiano é o perdão e que não pretende se

vingar, entretanto, não consegue explicar para seus netos o que aconteceu, acha que um

dia eles vão querer perguntar para George W. Bush por que seus pais morreram.

Também afirma que é uma injustiça, ele é velho e continuar vivo tendo que

trabalhar para manter a família de órfãos. É proprietário do lugar há 53 anos e descreve

que o Iraque mudou muito. Antes xiita e sunita davam as mãos, conversavam de vários

assuntos no local, mas “[...] veio Sadan e depois essa confusão dos americanos. É

triste.”

Finaliza dizendo que o café foi reconstruído, mas que carrega na parede as fotos

dos cinco filhos, o que afirma não ter como reconstruir.

Análise dos textos

Primeiramente, vale ressaltar que quando se transcreve uma entrevista ou/

depoimento para um texto formatado completamente em primeira pessoa do singular

costuma-se adequar à linguagem, com alguns cortes e enquadramentos textuais, para se

adequar à leitura. Portanto, na análise que segue, terá como base o discurso presente no

texto dos depoimentos finais, encontrados na página 07 da Folha Especial sobre o 11 de

setembro de 2001.

Analisando o primeiro depoimento de Genelle a Diogo Bercito, verifica-se o

elemento da análise de discurso de “relações de força”, na qual explica que a ideia do

lugar, do cenário, do contexto constituem a importância discursiva do sujeito

(ORLANDI, 2010, p. 39). Ou seja, Genelle Guzman-McMillan fala de Nova York,

Estados Unidos, afirma que fortaleceu sua crença depois do envolvimento com o 11 de

setembro, tornando-se mais humilde. A foto dela no templo cristão é o dobro de espaço

da foto de Al Khashali, o iraquiano proprietário do café em Bagdá37

. Por meio do local

de onde fala, Nova York, da presença dela na foto, de suas características de destaque

profissional, bem-estar social, equilíbrio espiritual, estas enquadram o poder de seu

depoimento como cristão americano, ocidental em relevância e positivamente.

Quando Genelle afirma no trecho “Deus realmente tem um propósito para mim.

Escolhi ter fé, em vez de medo”, verifica-se o elemento “subentendido” do “dito e o não

dito” da Análise de Discurso (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82), o qual explica

que a partir da observação de um determinado contexto subentende-se o dito no não

37

Em relação ao discurso das fotos será desenvolvido uma análise em separado, após a análise do texto,

em razão de sua complexidade.

Page 180: Ingrid Gomes.pdf

180

dito. Nesse sentido, a frase analisada do depoimento revela, no contexto sócio-religioso,

que a vida de Genelle é valiosa, “tem propósito”.

Na continuidade de entender mais em profundidade o sentido do depoimento o

“não dito”, traz o conceito de “silêncio constitutivo” (ORLANDI, 2010, p.83) em que

uma expressão ou palavra pode apagar outra, ou outros sentidos, como se exemplifica

na expressão abaixo do “propósito da vida de Genelle”, quando fala que “Ficou feliz”

ao saber da morte de Bin Laden, mesmo sendo um momento humilde para ela. “[...] Eu

não comemorei a morte de Osama Bin Laden; foi um momento humilde para mim.

Fiquei feliz. Estava na hora de eles conseguirem”.

A presença do “Fiquei feliz” anula a ideia de que ficou triste com a morte de

outra pessoa, bem como retira a possibilidade dela “discordar” com o assassinato do

terrorista tão procurado. Contudo, o “Fiquei feliz” não ficou “tão feliz” no parágrafo,

em razão da presença, que representa o padrão de manipulação mencionado por Abramo

(2003, p.25) da existência desse parágrafo para minimizar o realce do “Feliz”, ou seja, a

“presença” da frase mais calma, para apaziguar a alegria da morte, em questão. A frase

antecessora: “[...] Eu não comemorei a morte de Osama Bin Laden. Foi um momento

humilde para mim”, diminui o impacto da expressão “Fiquei Feliz”.

Mesmo que Genelle não tenha comemorado a morte de Osama, ela ficou feliz e

o protagonista desse desfecho foi os Estados Unidos, a perseverança do seu exército e

órgãos especiais não desistirem de procurarem um dos mentores da tragédia no ato

terrorista do 11 de setembro de 2001. Portanto, “eles conseguiram” e já “estava na hora”

dos EUA darem um pouco de felicidade à Genelle e à sociedade estadunidense, em

especial.

No depoimento do iraquiano Al Khashali, que perdeu cinco filhos num ato

terrorista, as suas propriedades e redondezas da comunidade em que trabalha há 53

anos, traz sentidos ideológicos.

Al Khashali afirma que não pretende se vingar, pois “[...] a marca do povo

iraquiano é o perdão”, mas logo no próximo trecho Al Khashali se isenta de que seus

netos podem cobrar respostas, quando descreve: “[...] Mas não consigo explicar para

meus netos o que aconteceu, e acho que um dia eles vão querer perguntar para George

W. Bush por que seus pais morreram.”

A presença do nome do ex-presidente estadunidense, que autorizou a invasão no

Iraque em 2003 para averiguar e procurar armas de destruição em massa, como são

chamados os armamentos nucleares, na frase que identifica os culpados pelas mortes

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181

dos filhos de Al Khashali sentencia pela “presença” (ABRAMO, 2003, p.25) a

descrição de Bush como membro envolvido e, mesmo parte do contexto das mortes, ou

seja, alguém que colaborou com os assassinatos dos pais dos netos de Al Khashali.

No parágrafo “[...] A marca do povo iraquiano é o perdão. Não pretendo

vingança. Mas não consigo explicar para meus netos o que aconteceu, e acho que um

dia eles vão querer perguntar para George W. Bush por que seus pais morreram”

verificam-se também outros elementos da Análise de Discurso. A conjunção “mas”

nega e separa dois sentidos antagônicos. O primeiro que os iraquianos assim como Al

Khashali não são vingativos porque sabem perdoar, entretanto, no segundo sentido, o

“mas” problematiza e interroga se os netos do iraquiano terão o mesmo valor de perdão,

pois ao passo que suas orientações pelo avô não são suficientemente explicativas.

Portanto, o “mas” propõe pela “presença” (ABRAMO, 2003, p.25) o indicativo

de que o sentido que veio antes do “mas” é contraditório à afirmação que vem na

sequência, ou seja, de que possivelmente os iraquianos podem pedir ou desejar

explicações mais factuais sobre o ato terrorista que matou os cinco homens, filhos de Al

Khashali e de que não conseguiram perdoar os protagonistas e envolvidos do contexto

do ato terrorista.

Na “relação de sentidos” que Orlandi (2010, p.39) explica como “[...] Um dizer

tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis [...]” aproxima-se

da ideia da “relação de sentidos” que os trechos do depoimento de Al Khashali têm com

os significados históricos da Guerra do Iraque, com Estados Unidos e Inglaterra. Na

“relação de sentidos” (ORLANDI, 2010, p.39), no depoimento, demonstra a exploração

pela ideia e repertório de vingança do povo iraquiano pelos entes mortos e assassinados,

pela guerra iniciada pelos Estados Unidos, causando divisões civis no Iraque, chamada

pelo iraquiano Al Khashali como “guerra sectária sem sentido algum”. Nessa “relação

de sentidos”, além da relação com os dizeres realizados, no contexto da guerra do

Iraque, há a relação com os dizeres imaginados e possíveis, que nesse sentido poderiam

ser o pensamento vingativo das futuras gerações no Iraque, no caso os netos órfãos de

Al Khashali.

Análise fotográfica

Descrição

Na análise das fotografias, que são duas, e podem ser vistas no ANEXO F2 é

verificado na observação descritiva alguns elementos:

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A foto 1 traz a sobrevivente da destruição do Word Trander Center em 11 de

setembro de 2001, Genelle Guzman-McMillan, à frente e ajoelhada no genuflexório

(móvel típico para rezar) rezando. Atrás dela há várias cadeiras do templo cristão,

identificado na legenda “Genelle Guzman-McMillan, em templo em NY”, e nos

símbolos na parede, no final do espaço religioso, como uma pomba, que costuma

significar o Divino Espírito Santo, e acima dele a expressão “God is love”, “Deus é

amor”, vinculado ao cristianismo de vertente evangélica. A foto foca a Genelle e seu

contexto, o templo vazio e colorido pelas cadeiras unidas.

A fotografia foi mantida em sua cor de origem, colorida, de tons laranja,

magenta, vermelho e verde, todos foscos, Genelle veste uma bata, blusa mais larga de

lembrança indiana, azul clara, com bordados leves distribuídos. Ela é de etnia branca,

com características de mestiçagem negra, cabelos preto lisos, amarrados e está com

brinco azuis pequenos, anéis, pulseiras e relógio. A foto vem com o crédito de Catrina

Genovese da Times & Life Pictures e apresenta 19 cm de altura e 20 cm de largura.

A foto 2 traz o proprietário de um café Hadji Muhammad al Khashali,

identificado pelo jornalista Igor Gielow como café tradicional em Bagdá no Iraque. A

foto esta na cor PB (preto/branco) e posa o personagem no centro da fotografia rodeado

de um possível miniescritório, que traz objetos como arquivos atrás, calendário

pendurado, janelas aos lados e na frente de Al Khashali uma mesa revestida de vidro em

cima, trazendo notas de dinheiro, antigas, embaixo do vidro, como enfeites da mesa. No

porta retratos da mesa, escritos, que parecem árabes, mas sem fotografias. Al Khashali

está sentado olhando para o fotógrafo, com o braço e mão esquerdos escorados no que

parece outra cadeira. Apresenta semblante sério e pensativo. Na legenda: “Al Khashali,

em seu café em Bagdá”, de crédito de Igor Gielow/ Folhapress, com 10,5 cm de altura e

20 cm de largura.

Análise

Como visto no capítulo de metodologia da pesquisa, em que se descreveu os

conceitos e etapas que a análise de discurso percorre nesta tese, verificou-se a partir da

observação, descrição e construção analítica das fotografias da página 07, do especial

dos dez anos do 11 de setembro de 2001, da Folha de S. Paulo, que ambas representam

papéis discursivos de expressão e forte complemento com o texto dos depoentes.

A fotografia 1 traz a técnica da “pose” (BARTHES, 2007, p.330-1) em que

pressupõe que Genelle está posando para a foto, apresenta um estilo central como foco e

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também explora o espaço ao seu redor, o templo e sua cor e magia. No discurso da foto,

Genelle se apresenta rezando, orando, está espiritualmente identificada, direcionando a

“pose” para a linha de equilíbrio espiritual e religioso. Na imagem trazida pela

fotografia posada, a leitura dos significados traz Genelle com característica de “pureza”,

“identidade segura e equilibrada” e, ao mesmo tempo, por meio das cores de seu

vestuário e do templo identifica-se vida e luz à fotografia. No contexto da foto, as cores

são atreladas à própria vida de Genelle, que foi a última resgatada dos escombros do

Word Trade Center, vida que emana equilíbrio, pureza, cristandade e, claro, otimismo e

bondade.

Na foto 2, a técnica utilizada foi desenvolvida a partir dos “objetos”, descrito por

Roland Barthes (2007, p.331) como símbolos, que associados ao personagem central,

caracterizam-no e dizem por eles seus significados no contexto da foto. Na mesa, à

frente de Al Khashali, sentado, propõe o sentido de que o iraquiano se relaciona com o

dinheiro, com o estilo de vida de guardar antiguidades, de antigo, principalmente pelo

cinza da fotografia. Esses objetos existem com a foto e dão sentido à representação de

Al Khashali na imagem.

Tanto as fotos 1 e 2 apresentam “fotogenia” (BARTHES, 2007, p.332) em que a

mensagem conotada “[...] reside na própria imagem”, ou seja, quando a própria imagem

se apresenta embelezada, provida de recursos de iluminação, impressão entre outros. A

foto 1 apresenta cores vivas e alegres, identificando na impressão seus elementos de

fotogenia, de forma positiva. Já a fotogenia da foto 2, traz, a partir da cor escolhida,

preto e branco uma conotação triste, cinza, escuro, sem vida, sem alegria e, quando

atrelada, no encadeamento da primeira, representa negativamente o contexto da foto.

A diferença da cor, do tamanho e dos elementos de “pose” e “objetos” das

fotografias identificam a foto 2, do iraquiano, como inferior da foto um, que tem

Genelle como destaque. E do movimento provido pelo encadeamento das fotografias 1 e

2 que o significante de desigualdade se constitui.

Análise de Texto e de Fotografias Encadeadas

Na análise que junta elementos textuais do discurso e questões observadas no

discurso das fotografias visualiza-se “implícitos” e “inferências”, conceitos da Análise

de Discurso (MAINGUENEAU, 1997, p.58) que se originam de marcas explícitas do

conteúdo analisado. Podem ser divididos em duas vertentes, o implícito semântico e o

implícito pragmático. (Ibid) Na análise do texto 1, sobre Genelle e, do texto 2, sobre Al

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Khashali, o material explícito leva a implicar o implícito semântico ao pragmático, de

que a religião cristã perdoa, reconhece que ao fazer o bem sobre a morte de Bin Laden

(“[...] Estava na hora de eles conseguirem”) torna-a mais justa, bem como mais

“humilde”, como o próprio explícito ressalta em: “[...] Foi um momento humilde para

mim”. Ou seja, elementos positivos do cristianismo são associados à religião da

estadunidense Genelle e vale ressaltar que são valores bem vistos no Ocidente, como

repertório de mundo são os “heróis” da história, aqueles que são humildes e sabem

escolher pelo correto, mesmo que a decisão seja a morte de uma pessoa. Nesse sentido

do texto, a felicidade de Genelle foi justificada, porque o ato foi uma decisão que veio

de entidade (EUA cristãos) de princípios cristãos. Em contraponto, há o explícito do

iraquiano, que ele não conseguirá explicar para seus netos órfãos o que aconteceu com

seus pais, dando a entender que: “[...] um dia eles vão querer perguntar para George W.

Bush por que seus pais morreram”, de que não são humildes, não perdoam de fato, ou

seja, num sentido do implícito pragmático, o que se pensa do Islã nessa comparação

com o Cristianismo? É possível ser tolerante ao Outro-Diferente comparando

características culturais díspares como dos depoimentos de Genelle e Al Khashali?

Nesse contexto de guerra e invasões político-econômicas, as soberanias cultural-

religiosas se consolidam na mídia, de forma geral, seja na escolha da fonte, no caso do

depoente, da posição e características das fotos, da escolha das falas da entrevista ou

depoimento, e da formação discursiva (ORLANDI, 2010, p.44) que os implícitos dos

textos e fotos encadeiam. Segundo Maingueneau (1997, p.50) as formações discursivas

designam todo o sistema de regras que “[...] fundam a unidade de um conjunto de

enunciados dos sócio-historicamente circunscritos”. Nesse sentido, a formação

discursiva se baseia nas formações ideológicas dadas a partir de uma posição, e das

conjunturas histórica e social dadas.

Portanto, a “formação discursiva” na análise entende a presença de “relações de

forças” (ORLANDI, 2010, p.39) dos Estados Unidos soberano versus Iraque coagido, e

da decisão cristã correta, em contrapartida da opção frustrada de morte do iraquiano e

seus netos. Quem fala, como fala, o que fala e de onde fala exercem elementos

importantes para entender a “relação de forças” entre os textos 1 e 2.

A estadunidense Genelle, que sobreviveu ao ato terrorista do 11 de setembro, ao

falar de Nova York, da “pose” bela do templo cristão, cheio de cores e vidas, ao

ressaltar sua sobrevida, como milagre, às vítimas do atentado e seu sentimento de

“humildade” à morte de Osama, mesmo tendo confessado ter ficado feliz com a notícia,

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esclarece que “[...] Estava na hora de eles (EUA) conseguirem” desempenha o poder

histórico de valores ocidentais e imperiais, agora, estadunidense sobre valores mais

fracos de quem fala do outro lado, no caso abaixo, do depoimento de Genelle, o

iraquiano e sua feição séria e cinza.

2) “Uma história, várias lições. Em salas de aula de quatro países Folha vê que

aprendizado sobre o 11/9 traz sementes para conflitos futuros” – Reportagem de Igor

Gielow. Enviado Especial aos EUA, ao Afeganistão, ao Paquistão e ao Iraque. P.06

Especial Memórias do 11/9. ANEXO F3

Fontes: Sharon Craig, 52, dá aulas para imigrantes nos EUA; ONG americana Children

of September 11; Sean Fitzpatrick, 10, aluno estadunidense; Patricia Bell, 35, professora

de duas escolas privadas nos EUA; Karrar Heider, 13, aluno iraquiano, Munsar Heider,

10, aluno iraquiano; Alaa Najeem, 30, atriz de teatro e professora na periferia do Iraque;

Omã Noura, 65, professor no Iraque; Abdel Hakim Khan, 48, professor em Cabul;

Abdel Warez, 17, aluno no Afeganistão; Avesha, 10, aluna em Cabul; Tahir Malik, 40,

pesquisador na Universidade Nacional de Línguas Modernas em Islamabad; Amir, 18,

faz papel de professor de urdu; Mohammad, chefe de Amir; Abran, 11, aluno de Amir;

Hamza Khan, 14, aluno de Amir.

Todas as fontes ocupam o papel de primária e testemunhal, com exceção da ONG

americana que é fonte independente, do terceiro setor, e do professor pesquisador da

Universidade de Islamabad Tahir Malik que é de expert e secundária.

Texto com predomínio de abordagem descritivo-analítica.

Recurso não-verbal na reportagem: Foto 10 cm de altura por 23 de largura, colorida.

Legenda ao lado: “Professor Amir (à esq.) e seus alunos no madraçal (escola religiosa)

da Ghri Afghanan, no Paquistão”, crédito da fotografia: Igor Gielow.

Resumo da matéria: O texto da reportagem destaca qual a repercussão do 11 de

setembro em países chave, envolvidos direta ou diretamente com o ato histórico,

Estados Unidos, Iraque, Afeganistão e Paquistão. O gancho da reportagem é sobre como

os professores apresentam o 11 de setembro de 2001, como o material escolar difunde

esse acontecimento e como os alunos, desses vários países, têm assimilado o assunto

para a educação futura. A reportagem norteia-se em quatro momentos interligados.

O primeiro de “Um terço de página” ressalta a fala do aluno Sean, dos EUA, que

tinha quase oito anos quando os aviões atingiram as Torres Gêmeas de Nova York e

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hoje, com 10 anos, acaba de começar a sexta série na escola pública Lincoln em Nutley,

em Nova Jersey. Esse momento também traz a explicação da professora de Sean, sobre

quão pouco os EUA remetem as explicações do 11 de setembro e uma pesquisa da ONG

Crianças do 11 de setembro, e do professor da ONG, Sharon Craig de 52 anos.

No segundo momento, o repórter Igor Gielow traz em “Terrorismo e Soldado”

versões de alunos do Iraque de 10 e 13 anos, além dos professores dos alunos e suas

implicações em saber como explorar o tema do 11 de setembro sem serem pressionados

pelas famílias dos alunos e pela história. E nesse espaço, destaca o problema da

remuneração dos professores, que chega a ser simbólico, dependendo da região do

Iraque.

No terceiro momento “O Direito à pelada”, acompanha a discussão da pouca

remuneração dos professores, mas agora no Afeganistão, na capital Cabul, o

entendimento de que professores defendem a luta do Taleban, e passam essa ideia aos

alunos de 17 e 10 anos.

Na parte final “No ninho da serpente”, o repórter traz mais incisivamente pela

opinião do pesquisador de Islamabad, capital do Paquistão, Tahir Malik como é o

ensino nas madraçais, que são escolas mantidas pelo Taleban e dinheiro dos

fundamentalistas, como afirma Gielow, e o víeis antiamericano pregado pela educação

dessas escolas, que o repórter chama de “Ninho da serpente”.

Análise:

No terceiro parágrafo, após o início com o lead da reportagem, de dois

parágrafos, o repórter Igor Gielow introduz um trecho sobre o conteúdo que as escolas

infantis públicas dos EUA estão apresentando sobre o 11 de setembro às crianças e

adolescentes, no caso na escola da fonte primária Sean Fitzpatrick, de 10 anos. “[...]

Tudo o que o livro de história lhe conta sobre o evento central da história americana

recente está resumido em um terço de página, sem grandes adjetivações”. Nesse trecho

há a presença dos “esquecimentos” (ORLANDI, 2010, p.34-5) que a pesquisadora

Orlandi ressalta. No esquecimento número dois, de ordem enunciativa, explica que o

“esquecimento” produz no indivíduo a impressão de “realidade do pensamento”, ou

seja, como se aparentasse que o trecho só poderia ser dito dessa forma, só que no

aprofundamento do discurso vê-se que a expressão pode ser dita de outra forma, mas

que essa “ilusão referencial” dá a acreditar que o trecho significa a realidade a qual está

dizendo, pois a “ilusão” tem relação direta com o pensamento, a linguagem e o mundo

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(ORLANDI, 2010, p.34). Por isso quando Gielow afirma “[...] está resumido em um

terço de página, sem grandes adjetivações” induz ao sentido de realidade de pensamento

que dilui a ideia dos “adjetivos” à história americana, contada nas escolas, alimentando

uma educação heróica e sobressalente aos outros países e etnias. Nesse sentido, o

“esquecimento número um” (ORLANDI, 2010, p.35), de ordem ideológica, reafirma

com o trecho um viés ideologicamente marcado sobre a cultural dos EUA, sem

complexizar as realidades envolvidas numa educação histórica sobre o 11 de setembro

de 2001. E o “esquecimento número dois” recupera a retórica ideológica do adjetivo

“herói de guerra” para consolidar sua estrutura de “realidade do pensamento”.

No próximo parágrafo há a entrada da única fala da professora estadunidense, a

qual leciona educação infantil em escolas particulares nos EUA. “Não podemos alienar

eles, mas acho que também não precisamos criar paranóia. E, claro, evitamos qualquer

acusação ao islã como religião”, no trecho ocorre a “antecipação” da análise de discurso

(ORLANDI, 2010, p.39), funcionando como um mecanismo em que o indivíduo se

antecipa ao seu interlocutor, em relação ao sentido que as palavras ditas produzem. E

segundo o conceito, a partir dessa forma “[...] esse mecanismo regula a argumentação,

de tal forma que o sujeito dirá de um modo ou de outro, segundo o efeito que pensa

produzir em seu ouvinte” (ORLANDI, 2010, p.39). Por isso que o mecanismo de

“antecipação” é tão importante, pois define o processo de argumentação, o que se dá

estrategicamente, e o resultado objetiva efeitos sobre o interlocutor (ORLANDI, 2010,

p.39). “[...] E, claro, evitamos qualquer acusação ao islã como religião” não precisaria

ser a resposta escolhida, filtrada pelo repórter para compor a fala da entrevista sobre o

assunto, certamente havia outras respostas, talvez mais condizentes com o conteúdo que

a professora leciona aos alunos, baseado em qual vertente educativa entre outros

argumentos mais importantes para emancipá-lo do assunto da reportagem. Entretanto,

optou-se pela escolha desse trecho, que “antecipa” o fator Islã no tema. Por que

“antecipar”? E, em que sentido a religião islâmica entra para significar? Se a

“antecipação” é estratégica, e objetiva definir o argumento, e se o argumento é que

“sobre o Islã se evita qualquer acusação como uma religião”, isso ausenta a educação

estadunidense de qualquer preconceito, de discriminação à religião islâmica.

O sentido que o argumento traz sobre a educação estadunidense em se preocupar

com o que dizem sobre o Islã, como religião, é verificado no próximo parágrafo, em que

o repórter opina. “Orientação politicamente correta semelhante é dada pela ONG

americana Children of September 11 (crianças do 11 de setembro), que aconselha pais e

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professores”. Como visto o trecho ressalta a opinião do repórter acerca da ideia de que é

“correto” haver uma “orientação” “[...] para evitarmos qualquer acusação ao islã como

religião”. Mas pensar no Islã, original, não há como separá-lo em desempenho religioso

dos outros elementos constituintes à religião, pois são inerentes; pensar muçulmano não

é pensar laicamente a religião, a política, entre outros. A questão do trecho ressalta o

padrão de “inversão da opinião pela informação” (ABRAMO, 2003, p.30), em que o

repórter coaduna com a ideia da professora, do trecho anterior, alimentando a opinião da

“[...] orientação politicamente correta semelhante [...]”, ao invés da informação sobre o

ensino mais aprofundado do que seria “evitar acusações” à religião islâmica, e como são

os conselhos dessa ONG para os pais e professores.

No decorrer da reportagem, a fala de Craig (membro da ONG), que dá aulas para

imigrantes “[...] em processo de naturalização, muitos muçulmanos ‘que querem

esconder sua religião’” levanta algumas questões da frase para que ela faça sentido de

existir no texto jornalístico. Se, são “muitos muçulmanos”, quantos seriam eles? Diante

de que número são representativos na ONG? Já que não foi informado quantos

imigrantes a ONG atende, para afirmar que destes muitos são imigrantes muçulmanos, a

ideia da frase fica “fragmentada” e no encaixe da reportagem “descontextualizada”

(ABRAMO, 2003, p.30). Principalmente em razão de o trecho destacar que esses

imigrantes, “muitos muçulmanos”, “escondem sua religião”. A “fragmentação” ocorre

quando um fato é estilhaçado, desconectando entre si seus elementos que formam a

coerência do fato, como um todo. Sem identificar a origem dos dados numéricos de

imigrantes, e imigrantes muçulmanos, a relevância dessa informação descontextualizada

“[...] em processo de naturalização, muitos muçulmanos ‘que querem esconder sua

religião’” ressaltam aspectos do fato que caracterizam problematicamente o

muçulmano, como aquele que quer “esconder sua religião”, e por quê? Pelo preconceito

que deve sofrer? O discurso enunciado forma um discurso imaginado, em que o

muçulmano apresenta características étnicas as quais o naturalizam xenofobicamente

diante das pessoas não imigrantes nos EUA, e pela ONG atender “crianças do 11 de

setembro”, fica a pergunta: ─ Qual a “relação de sentidos” (ORLANDI, 2010, p.39) que

há com os “imigrantes muçulmanos” e o atentado do 11 de setembro? E dos

muçulmanos que querem esconder sua religião com os terroristas que praticaram o 11

de setembro?

Os sentidos dos discursos resultam de processos de relação, sempre, como

afirma Orlandi (2010, p.39), essa relação fica mais nítida no intertítulo que segue a

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reportagem, logo abaixo dos “[...] muitos muçulmanos ‘que querem esconder sua

religião’”: “TERRORISTA E SOLDADO”, em caixa alta.

A palavra “terrorista”, logo depois do texto em análise, traz na “presença”

(ABRAMO, 2003, p.24), mais ainda em caixa alta, a recuperação negativa do

radicalismo com base religioso do grupo que praticou o 11 de setembro que foram

imigrantes. A inclusão do dado “terrorista” depois de “muçulmanos querem esconder

sua religião” apresenta uma “relação de sentido” (ORLANDI, 2010, p.39) a qual indica

“formações discursivas” (MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) que designam enunciados

social e historicamente comprometidos com uma formação ideológica, a partir da

conjuntura cultural dada.

Na primeira frase, depois do intertítulo “Como seria de se esperar, os jovens

iraquianos sob ocupação americana não têm exatamente como ficar indiferentes à

realidade do pós-11 de setembro” traz, na expressão “como seria de se esperar”, um

início de versão sobre o fato que está sendo desenvolvido ao longo do texto jornalístico.

Na sequência “‘A gente brinca de terrorista e soldado’, diz com um sorriso Karrar

Heider, 13. Ele e o irmão Munsar, 10, mostram suas pistolas de brinquedo bem realistas.

E os americanos? ‘De vez em quando, a gente mata uns junto com os terroristas”,

visualiza-se a diferença de apresentação do garoto americano Sean dos garotos

iraquianos, como visto na frase em análise. Sean foi contextualizado, na idade, na

escola, no contexto em geral, e os irmãos Heider foram identificados brincando, com

armas “bem realistas”. A expressão para as armas “bem realistas” é colocada de forma

irônica, pois está falando com crianças, mas a interrogação que se faz na análise casa

com a dos trechos anteriores de opinião e de versão do repórter, dando continuidade na

ideia de que as crianças iraquianas, em questão, já estão inclusas na lógica do

“terrorismo e soldado”, até brincam com isso, portanto, isso “é de se esperar”, ou seja, o

repórter mantém e complementa a versão do tema no discurso sobre a realidade de

como esses garotos estudam e entendem o mundo, principalmente o Iraque, após a

morte de Sadann Husein e a ocupação americana.

Ainda na análise do trecho em destaque, ressalta-se a pergunta do repórter

incentivando um possível conflito da visão do garoto iraquiano com a ocupação

americana no Iraque, na questão: “e os americanos?”. A “presença” (ABRAMO, 2003,

p.28) desta questão dá continuidade à versão deturpada do fato inicial da reportagem,

além de impulsionar o sentido do discurso à “formação imaginária” (ORLANDI, 2010,

p.40) que reside na ideia de construção de cenários imagéticos para corresponder com o

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contexto criado na “relação de sentidos” (ORLANDI, 2010, p.39) do discurso. E a

“relação de sentidos” está entre quem esses garotos representam e os americanos.

“Relação” que causa a partir da “formação imaginada” um olhar banal da vida dos

americanos, ou seja, se os garotos matam uns americanos, no jogo, junto com

terroristas, eles não têm cuidado com a vida do outro americano.

No próximo parágrafo, destaca-se outra frase, agora do garoto Munsar: “‘Meus

professores não falam nada, mas acho que nem precisa, né? É só olhar na rua, todas

essas barreiras e arames. É tudo culpa dos americanos’”. Orlandi (2010, p.41-2)

esclarece que a ideia de “formação imaginária” trata-se da imagem que foi constituída

pelo confronto do político com o simbólico, num processo que liga discurso e

instituições de poder, e no trecho visualiza-se que dos elementos institucionais

representados pelo “povo iraquiano” e os “americanos” a figura do repórter em dar

margem de existência à fala do garoto Munsar sobre “É tudo culpa dos americanos”,

identifica o garoto e o povo iraquiano numa posição imagética conflituosa, pela

presença das “pistolas bem realistas”, do brincar com um jogo hostil matando uns

americanos junto com os terroristas, agora com a ideia declarada de que os professores

não precisam falar nada, porque é óbvio que o Iraque está nesse cenário de guerra por

estar em período de pós-invasão americana. E os americanos nessa construção

imagética? Os americanos foram ouvidos no início da reportagem, apresenta-se além do

garoto Sean receoso sobre o terror do 11 de setembro, o texto dispõe de uma ONG para

driblar qualquer preconceito com o imigrante muçulmano, portanto, volta-se na

pergunta: E os americanos? Na análise até aqui eles são vítima e não só toleram como

respeitam o outro islã.

Após a fala escolhida pela reportagem do garoto Munsar, o repórter afirma “Há

uma espécie de stalinismo misturado com o politicamente correto no material didático

que ambos os garotos recebem na escola pública”. Nesse trecho pergunta-se quem foi

Stalin? A retórica do stalinismo para junto com o “politicamente correto” serem

acoplados ao material didático que a escola dos garotos ensina seus alunos, significa

dizer que o material passado aos alunos iraquianos por mais que sejam de origem

autoritária são embasados numa vertente educativa politicamente correta sobre o 11 de

setembro. No trecho, há claramente a opinião do repórter sobre o que ele acha como

“correto” sobre o material educativo, bem como sobre sua mistura ter traços

autoritários, em rotular o mesmo material como stalinista. E além da “inversão da

opinião pela informação” (ABRAMO, 2003, p.30) há também a presença da

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continuidade da versão que o repórter vem solidificando no texto jornalístico, “inversão

da versão pelo fato” (ABRAMO, 2003, p.30), a versão de que os garotos iraquianos

recebem uma educação marcada pelo “stalinista”, ou seja, autoritariamente ruins.

No decorrer da análise, há um parágrafo que ressalta a fala de uma professora no

Iraque, que também é atriz, Alaa mantém os dois empregos para sobreviver, segundo a

reportagem. No trecho “Para mim é difícil. Uma vez um avô de um menino me

ameaçou, dizendo que eu falava pouco do islã [...]”, depois não volta a trazer outras

maiores explicações em respostas de Alaa. Nisso se destaca a presença do “não dito”

(DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) da análise de discurso. Os “subentendidos” se

desnudam a partir de um determinado contexto. Se para o avô, que ameaçou a

professora, falava-se pouco do Islã, significa entender que ele gostaria que se falasse

mais sobre o Islã. E pelo fato do trecho apresentar a visão hostil do avô, que no cenário

é alguém bem muçulmano, como aquele que ameaça pela educação falha sobre o Islã,

seria interessante entender melhor esse “ameaça”, mas depois do trecho não prolonga

essa discussão sobre: ─ Como o avô ameaçou a professora Alaa? O que será que ele

gostaria de ver ampliado do Islã na educação do neto? E o pai do garoto não ocupa o

papel de interventor, por que o avô? Será que o pai é vivo? E, afinal, o que de pouco a

professora fala do Islã? Faltou problematizar, principalmente, de como era a educação

antes da guerra e da invasão americana, havia apostilas? Os professores têm

treinamento? Por que não há incentivo do atual governo para melhorar os salários dos

professores e investir em treinamentos nessa área educativa? O “silêncio constitutivo”

de que “[...] dizer é preciso não dizer” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.83) explica

a estratégia dessa ausência de problematização e de fôlego em contextualizar o essencial

para o melhor entendimento do fato.

Caminhando para o conteúdo do terceiro intertítulo, no terceiro parágrafo, o

jovem de 17 anos, Abdel, afirma que no Afeganistão “A gente conversa na escola, meu

professor sempre defende a luta do Taleban”. No trecho se desnuda o “implícito

semântico e o pragmático”, o implícito semântico se orienta a partir do contexto do

discurso, e o pragmático nasce como intervenções do semântico. Na análise do trecho, o

semântico aparece porque no próprio enunciado se esclarece que os professores no

Afeganistão são a favor do Taleban e, portanto, de grupos fundamentalistas radicais do

Islã. E do pragmático pela razão de que saem informações do implícito semântico,

como: os professores são contra as tropas americanas no Afeganistão.

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Três parágrafos adiante, outro garoto, agora de 15 anos, ainda falando da

educação no Afeganistão, afirma que os professores acham mesmo ruim a ocupação

americana no país. “Eu não quero que os americanos vão embora. Meus professores

sempre falam que a ocupação é ruim, mas acho que a segurança vai piorar sem eles”. Há

a presença de “relação de forças” na ideia do trecho, salientada anteriormente, mas mais

clara nesse discurso. Na “relação de forças” (ORLANDI, 2010, p.40) se explica com a

ideia de que o lugar, o cenário, o contexto do qual fala o sujeito é constitutivo do que

ele diz, há relação de poder entre os envolvidos no fato, forças benevolentes das tropas

americanas “que ocupam” o Afeganistão, com o ensino transmitido pelos professores do

país que acham ruim os americanos estarem “ocupando” o Afeganistão.

No conteúdo do último, quarto intertítulo “NO NINHO DA SERPENTE”,

presencia-se, a partir do texto do intertítulo, a continuidade do padrão de “inversão da

versão pelo fato” (ABRAMO, 2003, p.30) pela reportagem, bem como a “inversão da

opinião pela informação” do repórter sobre as futuras gerações de muçulmanos

educados no “ninho da serpente”, ou seja, serem “serpentinhas”. A construção dessas

gerações como futuros terroristas é vinculada à ideia de “formações discursivas”

(MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) que entendem um conjunto de enunciados como

demarcados ideologicamente, a partir de posições do enunciado que levam em conta a

conjuntura histórica e social dadas.

Na sequência da reportagem, apresenta-se um parágrafo com a fala de um

pesquisador da Universidade Nacional de Línguas Modernas em Islamabad, Malik, que

fala “Quero que você vá para um madraçal bem pobre para ver como é”, e nos próximos

dois parágrafos da reportagem Igor Gielow destaca o que seria as escolas madraçais e

traz dados dessas escolas no país, 8 mil registradas e 30 mil informais, mas esses dois

parágrafos contextuais não apresentam fonte, como crédito da informação, talvez

tenham vindo do pesquisador da Universidade em Islamabad, entretanto, Malik não foi

apresentado como fonte secundária de tais informações pontuais que contextualizam a

realidade das escolas madraçais na capital do Paquistão, bem como no país como um

todo, segundo os dados informados pelo repórter.

No decorrer da análise há o seguinte parágrafo: “A Folha visitou uma em Gahri

Afghanan, área rural em Taxila. ‘Não ensinamos terrorismo, mas você tem que entender

que este é um país atacado pelos EUA, e nada melhora com eles aqui’, disse Amir, 18,

que faz o papel de professor de urdu para 35 alunos entre cinco e 15 anos”. Nesse

sentido, confiando na tradução do repórter, percebe-se que a escolha deste trecho de

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Amir para ilustrar o conteúdo do intertítulo do “ninho da serpente” demonstra pela

contradição da conjunção “mas” que por mais que o professor de urdu, cujo idioma

nacional é do Paquistão (idioma também oficial no Afeganistão e Índia é baseado na

cultura persa, turca e árabe), não ensine terrorismo aos seus 35 alunos, ele pede atenção

ao repórter para entender a complexidade de que é ensinar urdu num país que foi

atacado pelos EUA, e, mesmo diante da permanência das tropas americanas no local, a

situação dele, dos alunos, da família, da política, da área de educação, do saneamento

básico entre outros não melhora. Nessa colocação do professor Amir, o repórter deixa o

leitor pensar, pela simplificação da frase sem outras questões para complementá-la, que

o professor deve ensinar algo contra a invasão americana, mesmo que não seja o

terrorismo, mas que tenha no ensino dose de insatisfação sobre o país do ocidente,

podendo gerar na insatisfação conflitos sobre esses grupos invasores, já que também

esses madraçais são sinônimos de “ninhos da serpente”.

Nos parágrafos seguintes, a ideia de que o Islã faz parte dessa educação, que

pode não chegar a ser terrorista, mas que incentiva conflitos, torna-se real no discurso.

“‘Se o governo reclama, por que não põe dinheiro?’, questiona seu chefe, Mohammad.

Cada criança custa o equivalente a R$ 20 mensais, e o dinheiro é recolhido na vila.

‘O islã fala que não devemos matar inocentes, mas inocentes são mortos em todos os

lugares do nosso país”, afirma Abnan, 11, que quer virar sacerdote”.

Para analisar esses trechos é oportuno o resgate do conceito de “formações

discursivas” que segundo Dominique Maingueneau (1997, p.50) são elas que designam

o sistema de regras que “[...] fundam a unidade de um conjunto de enunciado dos sócio-

historicamente circunscritos”. Nesses parágrafos, a presença da “formação discursiva”

de que os EUA não têm melhorado a situação da educação paquistanesa, do Paquistão

de forma geral, e, portanto quem paga a manutenção educativa para netos e filhos

estudarem são as pessoas das vilas, os familiares das crianças e adolescentes, que são de

formação islâmica. Ou seja, a “formação discursiva”, além de incluir os muçulmanos

como mantenedores das escolas, reafirmam-nos na fala do repórter, como aqueles que

alimentam o “ninho da serpente”.

Nos parágrafos finais da reportagem, o repórter afirma, agora com base na fonte

de Malik, que não há literatura recente no país. E depois, opinando, sentencia: “De fato,

entre um grupo de jovens da escola pública do setor H-9 de Islamabad, havia grande

ignorância dos detalhes da vida política do Paquistão, o ‘ninho da serpente’ do terror

jihadista”. A presença do padrão de “inversão de opinião pela informação” e da

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“inversão da versão pelo fato”, ambos os conceitos de Perseu Abramo (2003, p.30),

norteiam o entendimento da ideia de que a educação lecionada aos alunos paquistaneses

é fraca e rudimentar, “havia grande ignorância”, além de perigosa por incentivar

conflitos com os EUA e com todos aqueles que não fazem parte do teor ideológico do

jihad. E a “formação discursiva” (MAINGUENEAU, 1997, p.50) que, a partir dessas

inversões levam até a frase “‘ninho da serpente’ do terror jihadista”, serve como prova

final da “formação ideológica” em que a reportagem conduziu o sentido da luta

islâmica, do Islã, da educação islâmica, da forma dos muçulmanos pensarem sobre seus

países e sobre quem os invadem, enfim, sentidos que conduz no discurso uma

ancoragem negativa, conflituosa e primitiva de educar e viver a religião Islã nesses

países Paquistão, Afeganistão e Iraque.

Quando Dominique Maingueneau (1997, p.58) explica que as “inferências ou

implícitos” são elementos que se originam da enunciação discursiva, isso permite ao

analista voltar ao trecho “De fato, entre um grupo de jovens da escola pública do setor

H-9 de Islamabad, havia grande ignorância dos detalhes da vida política do Paquistão, o

‘ninho da serpente’ do terror jihadista” e visualizar que no “implícito semântico” a jihad

é o mal representado pela serpente, além de significar um animal peçonhento que

costuma estar preparado para o bote ao “inimigo”. E como a jihad na frase leva também

a outra característica, a de terror, no “implícito pragmático”, que leva em conta o

contexto do semântico, a jihad é além de perigosa, é o horror que está sendo educado

para envenenar mais alunos à guerra contra o inimigo. E qual seria esse inimigo?

A resposta está no “implícito semântico” (MAINGUENEAU, 1997, p.58) da

próxima frase que finaliza a reportagem: “Mas há antiamericanismo. ‘Não acho que o

que Bin Laden fez foi certo. Mas também não é certo bombardearem muçulmano

inocentes com esses aviões-robôs”, disse Hamza Khan, 14. Ele quer fazer ‘sua parte’:

ser piloto da Força Aérea e ‘um dia lutar contra americanos’”. Além do “implícito

semântico”, visualiza-se também, desde o início do texto jornalístico, as “formações

discursivas” que designam os sentidos a partir do discurso e das regras sócio-históricas

dadas, além dos elementos ideológicos do contexto. E se há antiamericanismo e o

garoto de 14 anos sonha em pilotar aviões para lutar contra os americanos, os sentidos

tornam-se mais claros e convincentes ao pensar que são vindos de falas de alunos das

escolas madraçais e que são preparados, envenenados para serem terroristas em prol da

jihad contra o americano invasor, desde suas brincadeiras com pistolas “bem realistas”,

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até no sonho profissional, em fazer “sua parte” para “um dia lutar contra os

americanos”.

Fotografia

Foto 10 cm de altura por 23 de largura, colorida. Legenda ao lado: “Professor

Amir (à esq.) e seus alunos no madraçal (escola religiosa) da Ghri Afghanan, no

Paquistão”, crédito da fotografia: Igor Gielow.

Análise fotográfica

A foto é significativa em tamanho, cor e o número de pessoas em foco, somando

onze alunos e um professor. Além dos garotos e do professor, a foto encaixa partes de

cinco bancos de madeiras, no lado superior esquerdo, o chão é pintado de verde e parece

ser cimentado e a parede, no fundo dos alunos, amarelo claro, para branco. Sete alunos

estão com o chapéu muçulmano masculino, em especial vestem quando oram em

público ou em mesquitas, e há quatro garotos, que parecem ser os mais novos sem o

adorno da cabeça. Diferente dos chapéus muçulmanos clássicos, mais refinados, esses

parecem ser feitos a mão com pontos de tricô. O professor já veste hijab, o véu islâmico,

de cor branca, como véu masculino, mais solto, e deixa o rosto aparecer. E o vestir de

todos são as túnicas masculinas típicas da cultura árabe, com as cirwals, que são

próximas às calças, túnica e cirwal do mesmo tecido e cor. Um dos garotos apresenta o

abaya, que durante o dia é um adereço lateral à túnica e em tempos mais frios, como nas

noites, é usada como capa para proteger e esquentar. Todos de cabelos bem curtos. O

professor, em razão do véu, não dá para ver o cabelo, apresenta barba e bigode

discretos.

A fotografia apresenta a “fotogenia” de uma foto bem focada, de impressão com

boa resolução colorida. Para alguns focados na foto, é novidade o ato de posar para a

foto, já para outros, há a segurança de ser um ato recorrente ou mesmo divertido. A pose

do professor é um pouco séria. Estão todos sentados e alguns semissentados para a pose

da foto.

Por estarem posando para a fotografia, há na leitura da foto elementos diferentes

para cada pessoa focada. O que universaliza a foto como elemento da “pose” de Roland

Barthes (2007, p.330) é o parentesco de roupas e adereços do vestuário árabe que os

padronizam. Logo, a partir dos “objetos” (BARTHES, 2007, p.331) que vestem os

alunos e professor são identificados como pertencentes à cultura árabe, neste caso, a

árabe muçulmano.

Relação da Análise da Reportagem com a Análise Fotográfica

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As crianças e adolescentes na foto são alunos em um madraçal no Paquistão e,

segundo a reportagem, eles frequentam o “ninho da serpente” e serão o futuro jihadistas

do terror contra os Estado Unidos. E se eles estudam para serem terroristas e se

apresentam de forma característica árabe, a identidade cultural em vestir-se, a cultura

árabe está sendo atrelada às questões negativas do “ninho da serpente”. E vendo a foto,

vinculando-a com os intertítulos da reportagem, dá a impressão comprometida do

muçulmano árabe, como aquele que é padrão, sem vida (pelas cores comuns das roupas)

e sem esperança.

3) “No Brasil, estudantes misturam desinformação com tolerância.” – Nota de Diogo

Bercito. p.06 Especial Memórias do 11/9. ANEXO F4

Fontes: Alunos da Escola Estadual Clarice Seiko Ikeda Chagas, em Interlagos na cidade

de São Paulo-SP: Ana da Silva, 11; Sameir Dahonk, 11; Rebeca dos Santos, 11; Nicolas

Fernandes, 12; Isabela Bombardi, 12. As fontes são primárias.

Texto com predomínio de abordagem descritiva.

Recurso não-verbal na reportagem: Foto 15,5 cm de largura por 11 cm de altura,

colorida. Legenda ao lado: “Desenho feito pelo americano Sean Fitzpatrick, 10, após

sua primeira visita ao Marco Zero, em agosto”, crédito da fotografia: Reprodução.

Resumo da matéria:

Em treze parágrafos curtos a reportagem “No Brasil, estudantes misturam

desinformação com tolerância” completa à reportagem principal da página 06 do

Especial da Folha “Memórias do 11/9”. A matéria traz uma conversa com cinco alunos

de uma escola pública em Interlagos, bairro de São Paulo, são alunos de 11 e 12 anos.

Em especial o repórter foca na ideia do que esses alunos sabem sobre o 11 de setembro,

e o que aprenderam dessa história na escola.

Análise

O primeiro parágrafo “Um grupo de cinco alunos se reúne ao redor de uma

fotografia de Osama Bin Laden” traz o argumento da nota sobre conversas dos cinco

alunos de 11 e 12 anos sobre a fotografia de Osama. A primeira interrogação “por que

esse assunto em discussão com os alunos?” A “presença” (ABRAMO, 2003, p.29) do

início desse trecho sobre a discussão que virá sobre Osama Bin Laden é

estrategicamente inserida para comandar o argumento do texto, e demarca o sentido que

o discurso formará.

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No segundo parágrafo apresenta-se: “São estudantes da escola estadual Clarice

Seiko Ikeda Chagas, na periferia de Interlagos. Um deles, por coincidência, é filho de

palestinos”. Nesse trecho salienta-se o conceito de “dito” (DUCROT apud ORLANDI,

2010, p.82) em que Orlandi explica que o “não dizer” como “pressuposto” é a afirmação

que se origina do dito, mas que não necessariamente esteja no enunciado com o

“implícito”, usado por Maingueneau.

No parágrafo em análise, se não fosse mencionado que um deles é filho de

palestinos, a informação da nota não faria diferença, mas ao passo que o repórter

destacou que “um deles, por coincidência, é filho de palestinos”, traz no “dito”

(DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82), mesmo que tenha um “por coincidência” no

meio, um sentido pressuposto. O que o garoto tem a ver com Osama Bin Laden, seria só

por que ele é de parentesco familiar étnico do mesmo Oriente Médio? O que um garoto

que mora no Brasil, filho de palestino, se liga com o terrorista assassinado Osama?

Segundo a ideia do “pressuposto” que há na frase da “coincidência”, a presença do

garoto entre os outros quatro brasileiros e o assunto se tratar de Osama Bin Laden dá

sentido de envolvimento. Nesse sentido, o dizer significa, embora o repórter pudesse ter

optado por simplesmente enquadrar o garoto, filho de palestino, por mais um brasileiro

junto à turma de amigos brasileiros que talvez também tenham parentesco com italiano,

português etc.

Fica mais claro o “pressuposto do dito” (DUCROT apud ORLANDI, 2010,

p.82) três parágrafos à frente, quando numa conversa de “quem sabe mais”, “quem

sabe”, o repórter destaca uma impressão da fala do garoto, filho de palestino, destoante

dos outros e da própria conversa. “‘Sei que o número de mortes é de ...’, diz Rebeca, em

tom de ditado. ‘Ei, também decorei isso!, briga Sameir. ‘Deixa eu falar meu texto”. Por

meio do contexto, retira-se do enunciado a “inferência pragmática” (MAINGUENEAU,

1997, p.58) de que por ele ser o filho de palestino, teve que se destacar e “brigar” para

responder antes, ou mesmo responder ao repórter. E como no próximo parágrafo, o

repórter não volta à questão da “briga”, pergunta-se se não seria mais oportuno o verbo

“retrucar” ao invés de “brigar”? A ideia do brigar remonta à “realidade imaginada”, que

sintoniza com o “filho de palestino” do parágrafo inicial.

Mais à frente, no discurso “Os estudantes têm opiniões moderadas”, caracteriza

o conceito de “antecipação” que funciona como um mecanismo em que o indivíduo se

antecipa ao seu interlocutor, quanto ao sentido que suas palavras produzem. Para

Orlandi (2010, p.39) a antecipação define o processo de argumentação e por isso é

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198

estratégico, ao passo que o resultado desse processo objetiva efeitos sobre o

interlocutor. E qual seria o efeito de sentido que o discurso produz? A partir de “Os

estudantes têm opiniões moderadas”, se eles têm opiniões moderadas, como fica a fala

do filho de palestino que já arrumou briga para falar? O resultado da “antecipação” se

dá ao leitor no próximo trecho: “Condenam os atentados (“Não é porque sou árabe que

vou achar que está certo”, afirma Sameir), mas também desconfiam da participação dos

EUA”. Outra questão que aparece com esse “dito”: Se os alunos brasileiros condenam

os atentados por que do “dito” entre parênteses? Também pelo repórter não

problematizar (contextualizar) a questão de que o garoto é árabe, pode deixar a entender

que tem relação com o mundo islâmico, pois mesmo que seja árabe pode não ser

muçulmano. Há, contudo, ao longo da nota, principalmente nesse último trecho em

análise, a presença de “relações de sentidos” do “filho de palestino”, da “coincidência”,

do “brigar”, da frase se justificando “Não é porque sou árabe que vou achar que está

certo”, pois todo discurso se relaciona com outros. “Um dizer tem sempre relação com

outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis” (ORLANDI, 2010, p.39). Logo, a

nota disse que o garoto é filho de palestino, que é uma coincidência tal entrevista com

ele entre o grupo, e que o garoto querer falar em tom de “briga”. A “relação de

sentidos” relaciona esses elementos que significam e colaboram na construção

imagética [“formações imaginárias” (ORLANDI, 2010, p.40)] dos cenários sobre esse

sentido. Das “formações imaginárias” explica-se que as imagens projetadas dos lugares

sociologicamente concretos e inscritas na sociedade são as formações que atuam no

cenário imagético do discurso, e que apresentam relação com o contexto, com a

memória e com as posições dos lugares na história (ORLANDI, 2010, p.40). Nas

“formações imaginárias” (ORLANDI, 2010, p.40) o filho do palestino será aquele que

quando quer falar não esperará seu amigo, partirá para o desentendimento, para a briga,

caso necessário, mesmo sendo um garoto.

“Vida noturna restrita sobrevive às guerras”, “Após anos de conflitos, Iraque tem

noitadas com cerveja, prostituição e bingos; no Afeganistão, restam duelos de pipas”

por Igor Gielow, enviado especial a Bagdá e Cabul. A15 Terça-feira, 13 de setembro de

2011. No chapéu: “11/9/2011 O dia que marcou uma década”. ANEXO F5

Fontes: A fonte primária Mohammad, gerente do restaurante italiano em Bagdá; a fonte

secundária, de pesquisa, do Manual de Instrução para Soldados Americanos no Iraque

na Segunda Guerra Mundial; a fonte primária da atriz Naila Marouf de 28 anos; a fonte

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primária de Pahlawan Karim, proprietário do Mercado Shor e a fonte primária do

jornalista Ali Ahmad de 32 anos.

Texto com predomínio de abordagem descritiva e narrativa.

Recurso não-verbal na reportagem: Foto 20 cm de largura por 12 cm de altura,

colorida. Legenda a baixo da foto: “Iraquianos passam a noite jogando bingo e bebendo

cerveja no clube da União dos Cinematógrafos, em Bagdá”, crédito da fotografia: Igor

Gielow.

Resumo da matéria:

A reportagem traz em vinte parágrafos em ½ da página A15 o assunto da vida

cultural nas capitais do Iraque e do Afeganistão. O texto é desenvolvido em argumentos

descritos sobre os locais de entretenimento das cidades e utiliza a narração do repórter

como jornalista observador/participante, apresentando falas reduzidas dos entrevistados

e mais argumentos com base na descrição e no depoimento do autor/repórter.

A reportagem se divide em dois momentos. No primeiro, resgata a “vida

noturna” de Bagdá e costumes de diversão; e, na segunda parte, traça um perfil de

entretenimento na cidade de Cabul. No início da reportagem, o repórter comenta que

“Uma balada em Bagdá não parece exatamente o mais provável dos programas para

quem está acostumado com a ideia de uma cidade desfigurada por anos de guerra,

violência sectária, atentados, toques de recolher e barreiras de todos os tipos.” Ao longo

dos sete primeiros parágrafos, traça a ideia dessa “balada” dos iraquianos em Bagdá, em

especial sobre o comércio de bebidas alcoólicas praticado por não muçulmanos e a

compra de cerveja e de destilado de anis por todos nesses encontros de diversão

noturnos. Para isso, traz, como única fonte, o gerente do restaurante italiano da cidade

Mohammad: "Eu só parei de servir vinho aqui porque abriram o escritório da TV do

Hizbollah aqui na frente, e ameaçaram explodir minha casa. Mas todos ainda me

pedem". Segundo o repórter, o restaurante é o único de Bagdá “[...] fora dos domínios

ocidentais ─ hotéis e a ultraprotegida Zona Verde”.

No próximo assunto, Igor Gielow fala das prostitutas do lugar: “Aqui e ali

aparece uma moça solitária que aceita ‘passear’ no matagal à beira rio pelo equivalente

a R$ 40. Uma versão mais sofisticada, por assim dizer, ocorre nos restaurantes da rua

Arasat al Hindya. Locais como Al Awad ou o Blue Dan são frequentados por homens

de negócios. Ali, as prostitutas eventuais são cantoras que se apresentam à noite.” E no

próximo parágrafo destaca a fonte do manual de Instrução para Soldados Americanos

no Iraque na Segunda Guerra Mundial, que, em 1943, “alertava” para o assunto das

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200

mulheres sozinhas “‘Nunca dê em cima de muçulmanas, é problema certo. E, de todo

jeito, não levará a lugar algum. Prostitutas não andam nas ruas, ficam em instalações

específicas’”. E no decorrer da matéria, o tema é modificado para a questão da

dramaturgia “A dramaturgia tenta viver um renascimento, com uma temporada fixa de

peças no velho Teatro Nacional. ‘Mas ainda é muito difícil, tenho que fazer bicos’”.

A partir desse fato, o repórter explica os lugares de fumar e a presença dos

iraquianos na União dos Cinematógrafos. Daí ressalta que quando o governo iraquiano

tentou fechar os bares frequentados por esse grupo, ocorreu uma revolta deles, tendo o

governo de manter os estabelecimentos abertos. Desse assunto, até o final da

reportagem, fala-se sobre o entretenimento no Afeganistão. “Já no Afeganistão, a balada

é mais, digamos, familiar. Em Cabul, a outra capital que foi violentada pelos anos de

conflito, álcool só é consumido de forma discreta, em casa ou em hotéis que atendem

estrangeiros.” Destaca-se também a paixão do afegão pela prática de soltar pipas com

cerol, e entrevista o proprietário do mercado de Shor, Pahlawan Karim.

"Em 40 anos vendendo pipas, só tivemos problemas mesmo na época do Taleban,

quando éramos obrigados a vender panos e roupas aqui para disfarçar o negócio

escondido. Hoje, é o que sobrou de diversão na cidade". E para finalizar comenta que há

na cidade muitas publicidades e anúncios em que modelos homens apresentam-se de

forma esculturais, bastante musculosos, e, nesse sentido, finaliza a reportagem com a

fala do jornalista Ali Ahmad que palpita sobre uma hipótese para o culto ao

fisiculturismo: “‘Eu acho que tem a ver com a ideia de ser forte contra tantos problemas,

mas sinceramente é só um chute’”.

Análise

No final do segundo parágrafo, quando o repórter fala de “Noitadas regadas a

cerveja e destilado de anis, escondem combinações tão exóticas quanto prostituição e

bingos.” A ideia de exótico é um adjetivo que diz respeito a países estrangeiros, quando

se fala em “animais exóticos”, bem como a outros sinônimos como esquisito,

extravagante e estranho. Nesse sentido, o “exótico” refere-se ao hábito cultural do povo

iraquiano. Logo depois, no terceiro parágrafo, Gielow traz uma inquietação: “Álcool em

país muçulmano?”. Na sequência: “Pois é. Por conta do legado secularista da época da

monarquia (1921-1958) e dos anos de Saddam Hussein (1968-2003), o consumo é visto

com poucas reservas”. O trecho caracteriza duas épocas históricas no Iraque como

heranças culturais a “pouca reserva” do muçulmano tradicional ao consumo de álcool.

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Na ideia do texto, o “exótico” e “o muçulmano, aquele que, agora, vê o álcool

com poucas reservas”, são características atribuídas ao povo iraquiano e também ao

“país muçulmano”. Nesse sentido, por meio do “implícito semântico”

(MAINGUENEAU, 1997, p.58) há como inferir que antes, nesse país, os muçulmanos

não consumiam bebidas alcoólicas e, no “implícito pragmático” (MAINGUENEAU,

1997, p.58), que em razão disso são “exóticos” ao repórter, em que o hábito cultural é

visto de forma rotulada. Inferência pragmática, algo visto no próximo parágrafo.

“Muçulmano não pode vender bebida, mas sempre há um cristão, como o dono do Al

Rif ou da minoria religiosa iezida disposto a fazer o sacrifício e auferir os lucros. Mas

beber pode”. Logo, o significado de “exótico” fica mais claro, como adjetivo ao

muçulmano que não fica com o lucro da venda da bebida, pois não vende, apenas bebe.

Na ideia posterior, o texto desenvolve a questão da prostituição na cidade de

Bagdá. Para isso, o repórter destaca como fonte de pesquisa o manual de Instrução para

Soldados Americanos no Iraque na Segunda Guerra Mundial, que fala em tom de

“alerta” que, já em 1943, os soldados estadunidenses no Iraque não devem flertar com

nenhuma muçulmana. “Nunca dê em cima de muçulmanas, é problema certo. E, de todo

jeito, não levará a lugar algum. Prostitutas não andam nas ruas, ficam em instalações

específicas.” Quando o repórter, enquanto sujeito na reportagem, destaca uma afirmação

utilizando-se como fonte o dito de um manual de Soldados Americanos, já insere no

discurso a “relação de forças” entre Estados Unidos e Iraque, em que os “soldados

americanos” devem se proteger (pelo alerta do manual de instruções) da cultura

“exótica” do inimigo, no caso do muçulmano iraquiano. Na “relação de forças”

(ORLANDI, 2010, p.39), o repórter se reveste da força do “manual de Instruções dos

Soldados Americanos” e quem ele irá combater no uso desse material instrutivo da

Segunda Guerra Mundial? A cultura muçulmana do Iraque, em especial na conduta da

muçulmana. Além do poder da fonte oficial do manual, há também a “relação de

sentidos” (ORLANDI, 2010, p.39) discursados pelo texto. Lembrando não haver

discurso que não se relacione com outros, ou seja, os sentidos dos discursos resultam de

processos de relação, é por isso que, ao utilizar a fonte do manual para esclarecer como

lidar diante da procura do soldado americano à prostituição, ou a qualquer mulher

muçulmana, embasa-se no sentido de discurso desenvolvido pelo olhar estadunidense

diante da cultura local, além desse olhar estar fundado numa lógica imperial da Segunda

Guerra Mundial, como consta a época do manual.

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202

No decorrer da análise o repórter afirma que “O governo tentou fechar esses

bares, e a disputa no [sic bar] da União dos Escritores foi o estopim da versão iraquiana

da Primavera Árabe”. A retomada da expressão “primavera árabe” popularmente trazida

pela mídia para caracterizar as revoltas populares dos países que enfrentam e/ou

enfrentaram governos ditatoriais, na maioria, no Oriente Médio, desde o início de 2011

até a data atual de janeiro de 2012, revela uma aproximação simplificada e deturpada de

analisar os fatos históricos. A mesma expressão foi e está sendo usada massivamente

pela maioria dos veículos de comunicação, a expressão é “[...] publicitária, grotesca,

distorcida, que nada diz sobre o grande despertar árabe/muçulmano, que está sacudindo

o Oriente Médio [...]”, explica Robert Fisk38

. Do ponto de vista histórico, a expressão

“primavera árabe” trata com eufemismo a realidade de “revolta”, manifestada pela

sociedade em questão, contra regimes ditatoriais no Oriente Médio.

No trecho em análise, o repórter traz a expressão da “primavera árabe” como

“algo parecido” com a “versão iraquiana”, da reivindicação do grupo da União dos

Escritores contra o possível fechamento dos bares frequentados por eles em Bagdá. Essa

comparação das revoltas no Oriente Médio com a contraposição do grupo ao

fechamento de bares em Bagdá caracteriza de forma vazia e pobre, de caráter político, a

reivindicação no Oriente Médio.

Ainda para o jornalista Robert Fisk,

O que levou os árabes, às dezenas de milhares e depois aos milhões,

às ruas das capitais do Oriente Médio foi uma demanda por dignidade:

a recusa em aceitar os ditadores e famílias e claques de ditadores que,

de fato, viviam como se fossem donos de seus respectivos países. Os

Mubaraks e os Ben Alis e os reis e emires do Golfo (e da Jordânia),

todos acreditavam que tinham direitos de propriedade sobre tudo e

todos. O Egito pertencia à Mubarak Inc.; a Tunísia, a Tunisia à Ben

Ali Inc. (e à família Traboulsi) etc. Os mártires árabes, das lutas

contra as ditaduras, morreram para provar que seus países pertencem a

eles, ao povo.

Logo, o esvaziamento do que significa as revoltas populares, de parte

significativa de civis, nos países que sofrem em ditaduras por décadas, demarca um

caráter despreocupado do repórter com a realidade histórica que está sendo gerada por

meio do material informativo. Além disso, as palavras derivam seus sentidos das

38

No artigo traduzido do The Independent. Disponível em: http://www.outraspalavras.net/2011/12/12/os-

banqueiros-sao-os-ditadores-do-ocidente/ Acessado em 18/01/2012.

Page 203: Ingrid Gomes.pdf

203

“formações discursivas” em que se inscrevem, ou seja, as formações discursivas

representam no discurso as formações ideológicas (ORLANDI, 2010, p.43).

Desse modo, os sentidos sempre são determinados ideologicamente.

[...] Tudo que dizemos tem, pois, um traço ideológico em relação a

outros traços ideológicos. E isto não está na essência das palavras mas

na discursividade, isto é, na maneira como, no discurso, a ideologia

produz seus efeitos, materializando-se nele. O estudo do discurso

explicita a maneira como linguagem e ideologia se articulam, se

afetam em sua relação recíproca (ORLANDI, 2010, p.43).

O sentido, construído a partir do trecho enunciado, permite, ideologicamente,

afirmar que há o esvaziamento político da realidade histórica sobre os acontecimentos

de revolta em países no Oriente Médio, bem como “o estopim da versão iraquiana da

Primavera Árabe” se enquadra em um cenário histórico-político desconectado com o

ocorrido na revolta, portanto, incoerente na analogia, moralizando a “versão iraquiana”

política e culturalmente. Especialmente, ao pontuar que a reivindicação da “versão

iraquiana” é pela permanência de bares para o grupo da União de Escritores, no sentido

de que um “bar” valha prestígio entre o grupo, pela “revolta” fazer sentido de

comparação.

Avançando na análise “A Meca da produção de pipas fica a 20 minutos dali, no

mercado de Shor. Lá está a loja mais famosa da cidade, de Pahlawan Karim, que tem

desde pipas baratas de R$ 1,60 até elaborados modelos de até R$ 32”. No trecho, o

mesmo não cuidado com expressões de significado ideológico permite afirmar que o

repórter ao opinar sobre uma característica descritiva da loja que vende pipas em Cabul,

desenvolve uma discursividade marcadamente ideológica (ORLANDI, 2010, p.43). E

nesse caso, a palavra “meca” remete a origem do Islã, a cidade mais sagrada para o

islamismo, onde Maomé nasceu e para onde vão peregrinos muçulmanos todo ano, além

de simbolicamente os muçulmanos orarem em “direção à Meca”, em honra à cidade

sagrada. Portanto, quando o repórter aponta que a loja é a “meca da produção de pipas”

em Cabul, remete um sentido sagrado a um espaço logístico, ou seja, descaracteriza a

“Meca” como um local importante para a religião islâmica, com a tentativa

despreocupada em caracterizar a loja de pipas como ponto referência (talvez cultural) da

produção de pipas da cidade.

Na parte final da reportagem, o repórter traz a ideia de que no Afeganistão há

uma moda atual de valorização à estética corporal, no sentido de ter e apresentar

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204

músculos definidos. “Fisiculturismo, por algum motivo insondável, é outra mania

nacional, com cartazes de homens ridiculamente musculosos por todos os cantos de

Cabul”. A presença de “homens ridiculamente musculosos” ressalta a versão opinativa

do repórter, que também adjetiva esse homem musculoso como ridículo. Esse é um

padrão de manipulação da “inversão da opinião pela informação” (ABRAMO, 2003,

p.30), bem como da “inversão da versão pelo fato” (ABRAMO, 2003, p.31) que o

repórter tem diante do assunto da busca de homens por corpos musculosos, em especial

em Cabul. É uma versão porque o repórter optou pela qualificação de “ridículo” do

corpo musculoso ao invés de tentar entender esse momento cultural na cidade, e talvez

no Afeganistão, se é algo tão importante para esse destaque ao final da reportagem. E é

claramente uma opinião pois “ridículo” é a expressão que o repórter utilizou para

descrever a forma de “musculoso”, na fonte do jornalista Ali Ahmad que fecha a

reportagem não há descrição dessa expressão que adjetiva: “‘Eu acho que tem a ver com

a ideia de ser forte contra tantos problemas, mas sinceramente é só um chute’”.

Contudo, na reportagem, construiu-se “formações imaginárias” em que as

imagens projetadas dos lugares, sociologicamente concretos e inscritas na sociedade,

são as formações que atuam no cenário imagético do discurso, e que apresentam relação

com o contexto, com a memória e com as posições dos lugares (ORLANDI, 2010,

p.40). As “formações imaginárias” foram do iraquiano que reivindica, confronta o

governo local, pela permanência de bar, mesmo sendo os iraquianos, em parte

significativa, muçulmanos. Mas, ao mesmo tempo, as imagens a eles são de “exotismo”,

pois bebem e não podem vender bebidas alcoólicas. Dos afegãos, as “formações

imaginárias” são de muçulmanos que cultuam o corpo musculoso e têm adoração por

soltar pipas, de forma sagrada. E pensar que o repórter se baseia no manual de Instrução

para Soldados Americanos no Iraque na Segunda Guerra Mundial para realizar a

cobertura aos países, em especial ao Iraque, como fonte e resgate à direção de conduta

comportamental às mulheres iraquianas; disso infere-se o cenário imagético do discurso,

autenticando o que ele disse no enunciado do texto jornalístico sobre as sociedades

indicadas.

Resumo da Fotografia

A foto apresenta espaço de 20 cm de largura por 12 cm de altura. Na legenda, a-

baixo da foto: “Iraquianos passam a noite jogando bingo e bebendo cerveja no clube da

União dos Cinematógrafos, em Bagdá”, por Igor Gielow. A fotografia colorida destaca

Page 205: Ingrid Gomes.pdf

205

um cenário ao ar livre de um bar, em que há muitas mesas com cadeiras de plástico e

apenas homens no local, um ou dois homens passando pelo local, e todos os outros

sentados conversando, entre amigos, poucos com turbante, todos no foco estão com

camisas, ou camisetas e calças jeans ou sociais. Há ao centro um poste de luz que

também serve de ventilador que borrifa água.

Análise da fotografia

Na fotografia apresentam-se vários elementos significando o ambiente de

entretenimento que num estabelecimento de bar reside, as pessoas sentadas, cadeiras e

mesas, na maioria das vezes, de plástico e mesas repletas de objetos, como copos,

garrafas, pratos de comida, petiscos, além das pessoas conversando. Nesse sentido, os

objetos são as associações que induzem a simbologia que significa no caso o significá-

los como adeptos ao jogo de entretenimento e demais associações dos objetos. Como

“objetos” “[...], o que é para um signo uma qualidade física; para outro, remetem a

significados claros, conhecidos; são, portanto, os elementos de um verdadeiro léxico,

estável a ponto de se poder facilmente erigi-los em sintaxe” (BARTHES, 2007, p.331).

Dessa forma, dando sentido ao seu contexto, no caso, a um ambiente de bar, com todas

as mesas ocupadas, frequentado por homens, e pela foto, apenas um caracterizado como

muçulmano pela vestimenta, do turbante, e na foto são muitos para apenas um se vestir

com característica cultural muçulmana, para generalizar sobre se são de fato

muçulmanos, ou estrangeiros e/ou adeptos de outras religiões.

Na legenda “Iraquianos passam a noite jogando bingo e bebendo cerveja no

clube da União dos Cinematógrafos, em Bagdá”, o repórter, que é o mesmo autor da

fotografia, indica que os iraquianos, além de saírem simplesmente ao bar, também

jogam bingo, fato novo à foto. Mas na legenda, há novamente, junto com o texto da

reportagem, a repetição do “bebendo cerveja”, dizendo na construção da “formação

imagética” (ORLANDI, 2010, p.40): não esqueçam que os iraquianos bebem cerveja!

7.2.1 Características principais do Islã no MUNDO ─ Material secundário

7.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã

1) “‘Nos EUA, se você se chama Muhammad, é uma fonte de terrorismo’”, e

subtítulo “Comunidade árabe reclama de preconceito em Nova York, mas diz que em

outros locais situação é ainda pior”. Repórter Álvaro Fagundes, de Nova York, na A22

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206

de Domingo, 04 de setembro de 2011. No chapéu especial na página “11/9/2001 O dia

que marcou uma década”. ANEXO F6

A reportagem traz em quinze parágrafos, com pouco menos de ¼ da página, sem

fotografias, um texto jornalístico comprometido em informar o aumento do preconceito

sobre a população árabe que vive em Nova York, em especial nos últimos dois anos. Na

fonte expert o presidente da Associação Árabe-Americana de Nova York, o palestino

Ahmad Jaber fala que parte desse momento histórico é um complicador político, em que

o Islã vem sendo “atacado como inimigo” pelos republicanos. “Segundo ele, dez anos

depois dos ataques, o governo continua a considerar que, ‘se você se chama Muhammad

ou Yusef, é uma fonte potencial de terrorismo”. Além das observações da Associação, o

repórter descreve por outras fontes de expert, agora da nova-iorquina Márcia Kannry,

presidente do Dialogue Project (organização que auxilia na integração do imigrante),

que comenta de uma senhora de um bairro tradicional italiano sobre o preconceito

contra árabes, e por não saber distinguir árabe de muçulmano, segundo a presidente, a

senhora é claramente racista. E caminhando para o fim da reportagem, o repórter

Fagundes traz a fala de um rabino, que tem um trabalho conjunto com a comunidade

islâmica, e afirma que atualmente as pessoas estão menos indiferentes às diferenças

culturais, e vê esse dado como positivo. E na parte final, de dois parágrafos, informa

sobre a pesquisa do Censo e não conclui se houve crescimento da comunidade árabe em

Nova York, pois o método da pesquisa não faz distinção das divisões étnicas, só

informa que 42% do total da população nova-iorquina advêm de asiáticos e hispânicos.

Nas reportagens, notícias e notas, no período de análise, houve poucos assuntos

sobre o Islã cujo foco tenha sido positivo ou pelo menos que colaborassem com um

olhar mais realista e respeitoso sobre a religião islâmica. O texto é curto, não apresenta

fotos, ou outro material iconográfico, mas traz elementos informativos sobre a

existência do preconceito em Nova York, algo visto, inclusive na reportagem, como

“Nações Unidas”, e indaga: Se Nova York apresenta essa situação de preconceito,

imagine uma outra cidade ou estado estadunidense?

Achar uma fonte que queira falar sobre preconceito, de ter sofrido ou ser

preconceituoso é raro no cotidiano de entrevista no jornalismo. Por isso, diante do tema

da reportagem, do espaço da matéria, e dos entrevistados e dados coletados, a

reportagem pode ser considerada, viabilizando o cenário conflituoso existente entre os

olhares sobre o mundo muçulmano vividos em Nova York, além de deixar claro que

Page 207: Ingrid Gomes.pdf

207

muito do preconceito é infundado até na diferenciação da origem árabe com a opção

religiosa muçulmana.

O texto da reportagem constrói, a partir da escolha do tema e das fontes, a

“formação discursiva” (MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) do Islã encarando dificuldades

de liberdade de pensamento e intolerância cultural, ou seja, como vítima e “bode

expiatório” da política de grupos republicanos nos EUA que alavancam o Islã como

inimigo. A ideia de “formação discursiva” (MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) leva em

conta a formação ideológica e as conjunturas históricas e sociais.

As formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as

formações ideológicas. Desse modo, os sentidos sempre são

determinados ideologicamente. [...] Tudo que dizemos tem, pois, um

traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. E isto não está

na essência das palavras mas na discursividade, isto é, na maneira

como, no discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se

nele. O estudo do discurso explicita a maneira como linguagem e

ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca

(ORLANDI, 2010, p.43).

Portanto, o fato do tema estar presente no caderno Mundo, recuperando a

realidade do preconceito que assola as comunidades árabes, muitas muçulmanas, em

Nova York, representa a “formação discursiva” pela formação ideológica

correspondente ao Islã na sua alteridade, questionando e problematizando as relações de

sentido vistas no contexto.

2) “Minha história Maher Arar, 40. Tortura é para sempre. Vítima da Guerra ao Terror,

canadense passou 12 meses preso na Síria após ser entregue por autoridades americanas,

sob a acusação de terrorismo; inocentado, relembra seu ‘pesadelo’”. Depoimento a

Luciana Coelho de Washington. Na A15 de quinta-feira, 08 de setembro de 2011. No

chapéu especial na página “11/9/2001 O dia que marcou uma década”. ANEXO F7

O texto depoimento ocupa a A15, com espaço dividido para uma publicidade de

cruzeiro de ¼ de página, traz resumo e fotografia de Maher Arar pelo fotógrafo Tom

Hanson da Associated Press. A questão para a análise está ao lado da matéria principal,

numa retranca/box “saiba mais” de sete parágrafos curtos. No texto “EUA enviaram

suspeitos a países que torturam” informa que Maher, no depoimento, é fonte primária;

foi um de dezenas de prisioneiros da “Guerra ao terror” enviado a prisões “[...] em

países onde a tortura é permitida”. Além de a pequena nota trazer informações do

número de suspeitos torturados, data outros dados sobre o caso de Maher Arar e, no

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208

último parágrafo, fala da opinião de Arar sobre a presença da mídia na questão do

preconceito sobre a religião islâmica. “Para ele, a mídia dos EUA faz cobertura rasa

sobre questões de segurança e ajuda a perpetuar o preconceito sobre o Islã”.

O parágrafo fecha a nota e argumenta sobre a importância do papel da mídia. É

uma crítica da postura à mídia estadunidense sobre as prisões ilegais de suspeitos de

terrorismo, sem julgamento, sem respaldo social entre outros fatores imprescindíveis

para a aceitação de prisões. Além do argumento “pressuposto” de que tal cobertura pela

mídia perpetua o preconceito sobre o Islã, ou seja, ao fato da mídia não problematizar

sobre a segurança de muçulmanos, como Maher Arar, ao governo estadunidense e

aliados, se cria a herança cultural discriminatória e perversa.

Nos conceitos de “pressuposto” e “subentendido”, Orlandi ressalta que o

“pressuposto” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) é a ideia de que se origina do

enunciado, se diz “deixei de fumar” significa que “fumava antes”, e o “subentendido”

(DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) são ideias subsidiárias ao pressuposto, como

“tenha deixado de fumar por fazer mal à saúde”.

Como “pressuposto” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82), há a ideia de que

se a mídia estivesse interessada em colaborar com um olhar de respeito sobre o Islã, ela

deveria ser mais contextual, se aprofundar mais nas questões correlacionadas com a

religião islâmica. E, como “subentendido” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82), de

que o exercício do jornalismo não é praticado beneficamente ao Islã, pela mídia

estadunidense, e que as “questões de segurança” são más problematizadas e informadas

pelo mesmo setor de comunicação.

Logo a presença dessa frase com a fala, no discurso indireto, da fonte de Maher

Arar, traz “pressuposto” e “subentendido” de que o entendimento sobre o Islã, pela

mídia estadunidense, ao trazer de forma “rasa” esse tema, não só empobrece seu

significado como “perpetua o preconceito” sobre a religião islâmica. A presença da

importância da mídia para a história que é e será contada do Islã não é comum pela

mesma mídia, mesmo que seja internacional. Contudo, o reconhecimento pela mídia da

fraqueza do seu papel social e histórico alimenta a ideia de que a representação feita do

Islã é fragmentada e, portanto, não comprometida com a realidade. Pelo fato do Caderno

Mundo recuperar essa ideia de que o Islã é vítima de preconceito das coberturas “rasas”,

pela mídia estadunidense, favorece um olhar mais crítico à mídia e mais exigente da

representação feita sobre o Islã.

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209

7.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã

1) “O mártir. Folha visita cidade na Tunísia em que imolação do vendedor de frutas

Mohamed Bouazizi deu início à Primavera Árabe”, pelo repórter Marcelo Ninio,

enviado especial a Sidi Bouzid (Tunísia). A22, Domingo, 25 de setembro de 2011.

ANEXO F8

A reportagem traz, em uma página, o contexto histórico-político da Tunísia nos

antecedentes do ato de Mohamed e, depois de seu suicídio, que representou o ápice de

desleixo social à população tunisiana, e culminou com os conflitos árabes contra as

ditaduras políticas sofridas há décadas. No texto, a fonte do amigo de Mohamed,

Wissem Dhaoui, 29, exercendo o papel de fonte primária sobre o tema, fala que a

“insatisfação era enorme. Só faltava uma faísca para explodir tudo”, explicando sobre a

origem do ato de Mohamed. E logo depois, o texto comenta que Wissem “[...] não

considera o amigo um mártir, pois o suicídio é proibido pelo islã”.

A afirmação de que na religião islâmica, dentro do contexto da reportagem, não

aceita suicídio, traz simplesmente uma explicação sobre a proibição do suicídio no Islã.

Representa um aposto, explicativo sobre a diretriz, que prima à vida. A passagem sobre

o Islã aparece no meio para o final da reportagem e está entre parágrafos, argumentam a

fim de questões sobre a “primavera árabe”, a “mãe de Mohamed Bouazizi” e a “situação

econômica da Tunísia”. E numa nota, ao lado desta reportagem principal, fala-se sobre a

nova marca política do país, a constituinte.

7.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã

1) “Livro para colorir sobre 11/9 irrita muçulmanos nos Estados Unidos”. Por Alison

Flood, do Guardian. A16, Sexta-feira, 02 de setembro de 2011. ANEXO F9

Na nota de cinco parágrafos, há uma fotografia, reproduzindo a imagem do livro

de colorir infantil sobre o 11 de setembro de 2001, onde há um soldado americano

mirando uma metralhadora para Osama bin Laden, protegendo-se atrás de uma

muçulmana. A reprodução é maior em relação às duas colunas de nota, a legenda:

“Reprodução de livro infantil sobre atentados de 11 de Setembro e morte de Bin

Laden”.

O texto ressalta, nos quatro primeiros parágrafos, a fala da editora do livro, esta

ocupa o papel de fonte primária, pontuando sobre o que está escrito nas legendas das

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210

ilustrações para colorir, como “[...] extremistas muçulmanos islâmicos radicais que

odeiam a liberdade”, e no último parágrafo traz a fala do Conselho para Relações

Islâmico-Americanas (CAIR, na sigla em inglês), que está no papel de fonte

independente, condena a publicação e afirma que dessa forma “caracteriza todos os

muçulmanos como ligados ao extremismo, terrorismo e radicalismo, isso pode levar as

crianças a acreditar que todos os muçulmanos foram responsáveis pelo 11 de Setembro

e que os seguidores da fé islâmica são seus inimigos”.

Ao passo que a nota traz mais espaço sobre o livro e a opinião da editora,

deixando para um parágrafo a defesa do CAIR sobre a independência do islamismo do

terrorismo, a imagem que se sobressai do Islã é a ideia do muçulmano vilão, daquele

como diz no título se “irrita”. Os muçulmanos poderiam, ao invés de se “irritar”, serem

contrários à publicação? Como: ─ CAIR é contra livro para colorir sobre 11/9. Além

dessa evidência do espaço maior para o olhar da editora, e do verbo “irritar” adjetivar

negativamente o muçulmano, a nota não amplifica a discussão do texto por outras

fontes testemunhais, como famílias de muçulmanos, o que pensam os pais? De

muçulmanos e não muçulmanos? E a posição da secretaria de educação? E a voz de um

psicólogo para argumentar sobre a influência de imaginários infantis na consolidação do

eu e do outro na fase inicial da vida? O que publicações como estas comprometem o

pensar da criança?

O “subentendido” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) do “irrita” do título

com o contexto da nota traz o muçulmano como personagem vilão, aquele que se irrita,

que não tem voz atuante para se defender, bem como aquele que ganha papel caricatural

no livro infantil estadunidense. Pois, se no texto não há problematização do conteúdo do

livro, do existir do livro, sobre sua verdade, sentencia a visão positiva do olhar do livro,

da editora, sobre o Islã, e os muçulmanos do título são aqueles que se irritam com a

verdade do livro, qual seria o subentendido do contexto? Que o livro traz a verdade

sobre o Islã e que o muçulmano se irrita com os EUA por isso, ou seja, o islamismo

prega a censura e inibe liberdades de expressão, em especial, as estadunidenses.

Portanto, o Islã, além de ser um radical, extremista, também é contra a modernidade e

suas mais variadas liberdades que são as representações de “herói”, quem? Os Estados

Unidos.

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211

2) “Medo de ataques afetou crianças, afirma pesquisa”, por Luciana Coelho de

Washington. A15, Segunda-feira, 05 de Setembro de 2011. No chapéu especial na

página “11/9/2001 O dia que marcou uma década”. ANEXO F10

A reportagem é composta por nove parágrafos e divide a página com mais dois

textos, uma nota e outra reportagem, de assuntos paralelos à reportagem em análise.

Destes dois outros textos maiores à folha A15 apresenta um gráfico e uma fotografia de

Spencer Platt e Getty Images da France Presse que traz pessoas caminhando perto do

World Trade Center, na legenda: “Vista do World Trade Center, que se prepara para

lembrar os dez anos do ataque às torres”.

Na reportagem em análise, descreve e reflete que a “política do medo nos EUA”

afeta mais crianças e adolescentes do que o 11 de setembro, e cita a pesquisa recém-

publicada pela fonte de expert, no caso, também primária da Associação Americana de

Psicologia. O trabalho foi desenvolvido por Nacy Eisenberg (Universidade Estadual do

Arizona), Roxane Gohen Silver (Universidade da Califórnia) e baseado em outras

pesquisas do assunto. Na tese se “[...] afirma que o impacto dos ataques de 11 de

setembro de 2001, entre os mais jovens, teve mais reflexos em suas atitudes sociais e

políticas do que em sua saúde mental”. No decorrer da reportagem, o texto traz fatos

importantes da tese e sua repercussão social nos Estados Unidos. Depois do intertítulo

“Preconceito”, na sequência dos três últimos parágrafos, há uma fala de Brian Michael

Jenkins, da consultoria Rand de segurança, que ocupa o papel de fonte primária, diz:

“Muita gente me pergunta se estamos mais seguros agora. É pergunta errada, porque ela

vem da perspectiva da vítima”. E no parágrafo posterior, a repórter afirma que

consequência disso é o que alerta a tese, de tema da reportagem, “[...] pode ser um

aumento do preconceito em relação a determinados grupos ─ neste caso, muçulmanos

(a Al Qaeda, rede terrorista por trás dos ataques, defende o fundamentalismo islâmico)”.

E logo depois, no último parágrafo, resgata integral no trecho os estudos, sem trazer

melhor a explicação do envolvimento desses grupos, em especial os muçulmanos, com

o 11 de setembro, com a fala da perspectiva da vítima e com a Al-Qaeda.

No trecho, a inclusão dos “muçulmanos” e, entre aspas, a explicação da rede Al-

Qaeda demarcam a descontextualização do significado de “muçulmanos”, enquanto

seguidores do Islã, do entendimento comum com o grupo terrorista Al-Qaeda, entre

parênteses na passagem. A “descontextualização” é um padrão de manipulação da teoria

de Perseu Abramo (2003, p.27) que explica quando num trecho textual há a recuperação

de um conceito, frase, ou fala, tirando do original seu significado para que o trecho, ou

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212

expressão, no outro local incluso na matéria jornalística passa a significar outro dizer,

num contexto díspare do original, em que seu teor ideológico passa a resignificar. “[...]

despojados de seus vínculos com o geral, desligados de seus antecedentes e de seus

conseqüentes no processo em que ocorrem, ou reconectados e revinculados de forma

arbitrária e que não corresponde aos vínculos reais, mas a outros ficcionais e

artificialmente inventados." (ABRAMO, 2003, p.27).

No parágrafo em análise, os “muçulmanos” e depois a presença da explicação do

que é Al-Qaeda, entre parênteses, passa a direcionar os “muçulmanos” como fiéis

fundamentalistas, tal como os seguidores da Al-Qaeda. Nesse sentido, outro diagnóstico

preciso nos trechos, primeiro na fala de Brian Michael Jenkins, da consultoria Rand de

segurança, de que: “Muita gente me pergunta se estamos mais seguros agora. É

pergunta errada, porque ela vem da perspectiva da vítima”, ou seja, existe uma vítima

nessas relações de sentido entre EUA, preconceito, muçulmanos e 11 de setembro. A

partir desse entendimento, há a segunda questão que o grupo de “muçulmanos” é

caracterizado por ter de enfrentar “um aumento de preconceito”, logo autentica os

mulçumanos como comprometidos com a segurança estadunidense e como inseridos

nesse contexto de estudo em que os fazem estar no espaço de réu, em que passa na

“descontextualização” (ABRAMO, 2003, p.27) o resignificado de muçulmano como um

fiel ao Islã terrorista e deturpador da segurança estadunidense.

7.2.2 Considerações sobre a representação do muçulmano no Caderno Mundo

Do material analisado, antecessor da data do 11 de setembro, a partir do dia 25

de agosto de 2011, a Folha de S. Paulo, no Caderno Mundo, trouxe apenas um texto

jornalístico, no perfil de depoimento/crônica desenvolvido por um repórter. Nesse texto,

por ainda estar incluso no mês do Ramadã, em agosto, trouxe considerações sobre o

olhar do repórter sobre o outro muçulmano, identificando-o num cenário em que ele e o

fotógrafo se comportaram de forma "respeitosa" ao espaço que co-dividiam no país com

a cultura islâmica, mas que o mesmo olhar de respeito não foi condicionado a ele e sua

equipe, de forma que o muçulmano foi caracterizado como o vilão, em contraponto a ele

de "vítima". Também receberam o estereótipo de salteadores de comidas em quarto do

hotel e de não respeitosos, além da jornalista trazer, simplificadamente e de forma

descontextualizada, a ideia do significado do Ramadã.

No especial do 11 de setembro e na data no Caderno Mundo, houve três

matérias, uma entrevista, uma reportagem e uma nota da reportagem. Na entrevista

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213

ressaltou o outro Islã como apto à vingança e a polarização do entender o mundo

muçulmano entre Estados Unidos e Iraque, além do reforço dessa ideia pelas fotos da

entrevista. A reportagem se caracterizou pela abordagem opinativa do repórter,

caricaturando o muçulmano fundamentalista como aquele que desde garoto aprende na

convivência no "ninho da serpente" a ser a semente de desentendimento. Na

simplificação dos contextos, também se destacou o muçulmano como o gerador dos

"futuros conflitos". E na ideia da reportagem, a nota do especial do 11 de setembro traz

para o Brasil, o assunto para ser discutido entre grupo de adolescentes de São Paulo,

onde identifica o filho de palestino como briguento e antiamericano.

E no período pós-11 de setembro, verifica-se uma reportagem com versão e

opinião e descuido no uso de expressões genéricas e preconceituosas pelo repórter.

Utiliza também enquadramento de pensar na fonte oficial, coloca o muçulmano como

aquele que bebe bebidas alcoólicas e apresenta uma cultura exótica.

Do material secundário do período de análise, observa-se em um trecho do

depoimento de Maher Arar, a crítica da fonte, que sofreu tortura pelos Estados Unidos

por ser um suspeito de terrorismo. Na frase analisada, Arar cita que a mídia

estadunidense faz cobertura rasa sobre o Islã, gerando preconceito e discriminização

sobre o islamismo. E na outra matéria com dado positivo sobre o Islã, traz uma notícia

sobre o preconceito ao muçulmano em Nova York, citando pesquisa e fontes

diversificadas, num espaço regular.

Ainda no material secundário, verifica-se em uma reportagem com citação sobre

o Islã, em que a religião é vista de forma neutra, com um simples aposto explicativo. E

duas outras matérias, na nota sobre a polêmica do Livro de colorir infantil, que traz o

muçulmano como igual à radical, extremista e aqueles terroristas do 11 de setembro de

2001. Na reportagem sobre um estudo do psíquico e a violência na mente da sociedade

após o 11 de setembro de 2001 enfatiza o muçulmano, num trecho, como igual a Al-

Qaeda, o grupo terrorista.

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214

CAPÍTULO VIII ─ ESPORACIDADE DO OUTRO ISLÃ NO

“INTERNACIONAL”

8.1 Conhecendo o Caderno INTERNACIONAL

O Estado de S. Paulo, desde 1875, é o mais antigo dos jornais da cidade de São

Paulo ainda em circulação, segundo dados históricos do acervo Estado. A primeira

circulação tinha o nome de “A Província de S. Paulo”, que durou de 1875 a 1890,

quando passou a ser chamado com o nome conhecido até hoje. “O jornal foi fundado

por 16 pessoas reunidas por Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense,

concretizando uma proposta de criação de um diário republicano, surgida durante a

realização da Convenção Republicana de Itu, com o propósito de combater a monarquia

e a escravidão”39

.

Como marca histórica, o jornal descreve que, em 1992, a Agência Estado, em

que o grupo Estado detinha, adquiriu a Broadcast, e no ano seguinte fez modificações na

cor do logotipo para azul. Nesse caminho, as pautas do Internacional, na ativa desde o

início do jornal, ganharam em 1950 a 1970 mais destaque, em razão da época de

significativa censura sobre o noticiário nacional. E, em 2000, ocorre a importante fusão

dos órgãos Estado, Agência Estado, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde

possibilitando em tempo real a visualização do portal Estadao.com.br. O site do Estado,

depois de três anos de lançamento, chega à marca de um milhão de visitantes mensais

“[...] consolidando sua posição de liderança em consultas a veículos de jornalismo em

tempo real no Brasil”40

.

Segundo informações obtidas pelo site do Estado “Pesquisas de mercado, há

décadas, apontam o jornal como aquele que desfruta da maior credibilidade dentre todas

as empresas jornalísticas brasileiras”41

. Hoje, o jornal tem em média 236.369 de tiragem

diária, variando 11%, e, aos finais de semana, principalmente domingos, esse número

aumenta significativamente42

. Ocupa o quinto lugar na tiragem de jornais do País.

Atualmente, além do Jornal Estado de S. Paulo, o Grupo Estado publica o Jornal

da Tarde (na ativa desde 1966) e controla a OESP Mídia (1984), empresa que atua no

39

Acessado em 23/12/2011. Disponível em: http://www.estadao.com.br/historico/resumo/conti7.htm 40

Ibid. 41

Ibid. 42

Acessado em 03/01/2012. Disponível em: http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-

brasil/maiores-jornais-do-brasil.

Page 215: Ingrid Gomes.pdf

215

ramo de Publicidade por meio de Classificados. Também pertencem ao Grupo Estado as

rádios Eldorado AM e FM (1958) e a Agência Estado (1970). Quando Júlio de Mesquita

Neto faleceu em 1996, o jornal passou a ser dirigido por seu irmão, Ruy Mesquita, que

hoje ocupa o cargo de diretor de opinião do Grupo Estado. Em dias atuais, no Conselho

de Administração Presidente está Plínio Villares Musetti; o Editor Responsável é

Antonio Carlos Pereira.

Hoje, apresenta dois colunistas fixos Gilles Lapouge e Mac Margolis, além dos

esporádicos comentaristas, articulistas, repórteres correspondentes e outros, que

escrevem quase diariamente, com maior visibilidade aos finais de semana.

O caderno Internacional varia de duas a oitos páginas por edição na semana, de

segunda-feira já chegou a apresentar duas páginas e, aos fins de semana, o número

aumenta significativamente, chegando até a oito páginas. Mas o caderno fica na média

de quatro páginas, somando duas páginas de publicidade e de anúncios.

Principais patrocinadores: Brookfield incorporações, CVC, Casas Bahia,

Queiroz Galvão, Abyara, Brasil Brokers, EZTEC, General realty even, Rossi, ACS

incorporadora, Tecnisa, Masa, Construtora Imobiliária WZARZUR, Gafisa e

Construtora CPD.

Outros patrocinadores menos comuns: Faculdade Estácio, KIA, Hotéis

decolar.com, Telha Norte, Dell, Ez Aclimação Hotel, Nextel, Banco ABC Brasil,

Central Concursos, Extra, Dicico, Hopes, Edalco, Esser, Feirão Trip, Fecomercio,

DPNY Hotel, Claro, Kalunga, Aiport Bus Service, Localiza, SWU, Uniseb, Albert

Einstein, Globo News Jornal das 10, Recal da Honda, ADU tour, Uol, Ponto Frio, SBT,

Imac, Ministério da Educação, Fastshop e Trânsito Estadão.

Apresenta o padrão de título e linha fina, ou subtítulo, mais explicativo, com

fotos nos textos de maior destaque. As reportagens costumam apresentar dez parágrafos

com intertítulo, ou intertítulos. Recebe notas, notícias e reportagens de agências como

se verifica no material analisado e observado diariamente. As agências mais comuns nas

páginas do Internacional são, em ordem de frequência, a AP, AFP, EFE e Reuters.

Entretanto, há mais conteúdo assinado por jornalistas correspondentes, freelances entre

outros.

O Caderno apresenta dois espaços fixos: a coluna “Websfera” e a coluna de

artigos e análises “Visão Global”.

A coluna “Websfera” ─ notas, seleção de três à seis fatos sensacionais dos

jornais internacional ─ é fixa no Jornal, variando de três a seis notas de um parágrafo.

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216

O espaço “Visão Global” ─ artigos e textos aleatórios de articulistas ou dos

autores especialistas listados abaixo ─ é uma análise mais aprofundada de um tema que

está em pauta na edição do Internacional; há dias da semana que pode não estar presente

no Caderno, mas é raro.

Os principais articulistas do Estado de S. Paulo: Gilles Lapouge ─

Correspondente em Paris e Mac Margolis ─ colunista do Estado, correspondente da

“News-Week” no Brasil.

Outros autores de maior destaque entre os especialistas (políticos, jornalistas e

escritores) convidados e/ou artigos comprados em outros veículos estrangeiros:

J.M. Berger ─ Foreign Policy, editor do site intelwire.com;

Rick Gladstone ─ Jornalista do New York Times;

Road Nordland ─ Jornalista do New York Times (convidado para escrever sobre

crise Líbia);

Yoani Sánchez ─ Jornalista Cubana, autora do blog Generación Y;

Joseph Nye ─ Project Syndicate, é professor na University Harvard, autor de

“The future of power” e ex-secretário adjunto Americano de defesa;

Ayad Allani ─ do The Washington Post, foi primeiro-ministro do Iraque e

atualmente lidera o maior bloco político do parlamento do país;

Brian Michael Jenkins ─ TWP, é coeditor do livro “The long Shadow of 9/11:

America’s response to terrorism”;

Gareth Evans ─ Project Syndicate, Presidente Emérito do Internacional Crisis

Group e ex-chanceler da Austrália;

David KirkPatrick & Rod Nordeand ─ reporters do New York Times;

Helene Cooper ─ reporter do New York Times;

Roger Cohen ─ reporter do New York Times;

Ronald K. Noble ─ do New York Times, é scretário-geral da Interpool;

Patrick J. McDonnell ─ Los angeles Times;

Thomas Friedman ─ do New York Times (mais comum dos autores no Estado);

Neil Macfarquhar ─ jornalista e escritor;

Felix Marquardt ─ The Internacional Herald Tribune, é fundador da empresa

Atlantic Dinners;

Jenn Yardley ─ repórter do New York Times;

Jorge C. Castañeda ─ Project Syndicate (ex-chanceler do México).

Page 217: Ingrid Gomes.pdf

217

Do conteúdo no período analisado43

(como se verifica no gráfico abaixo) se

destaca que no continente africano, o assunto mais comentado e pautado em diversas

vertentes foi sobre a derrubada do ditador Muammar Kadafi, na Líbia. Muito distante

em número de material jornalístico desse assunto, vêm questões sobre o Quênia, o Egito

e a Somália.

Na parte européia se destaca os países da França, Inglaterra, Alemanha, Espanha

e Turquia.

Os Estados Unidos é destaque na América, sobre economia, questões políticas e

assuntos internacionais que envolvem falas do presidente Barack Obama e secretários

de Estado, secundariamente há material especial sobre o 11 setembro de 2001. Depois,

no continente americano, o Brasil é retratado no enquadramento do caso da Líbia, da

Síria e da Autoridade Palestina pelo Estado Palestino na ONU. Argentina, Hugo Chávez

da Venezuela, Reivindicações dos estudantes chilenos, Colômbia e Cuba vêm na

sequência.

No continente asiático, Palestina e Israel são os assuntos predominantes nas

notas, notícias, reportagens e artigos. Distantes em porcentagem desse assunto, saem os

países Irã, Paquistão, Afeganistão, Síria, Iêmen, Arábia Saudita, Iraque, China, Rússia

Oriental, Índia e Japão.

Tema sobre o 11 de setembro de 2001 na A2-OPINIÃO

“O mundo não mudou com o 11 de Setembro” por Rubens Barbosa. Artigo A2

de 13 de setembro.

“11/9/2001, recordações e reflexões” por Celso Lafer. Artigo no A2 de 18 de

setembro.

Tema sobre caso Palestina na A2-OPINIÃO

“Palestina Mutilada” por Demétrio Magnoli. Artigo na página A2 de 15 de

setembro.

43

Seguem no glossário 1.5 os principais temas e manchetes do Caderno Internacional, no período de

análise.

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218

Temas predominantes por continente

22%

28%32%

16%2%

África

América

Ásia

Europa

Oceania

8.2 A discursividade do Islã no Estado de S. Paulo

1) A-18 Internacional. 25 de agosto de 2011. “Oposição Líbia toma missão de Kadafi

no Brasil”. Bandeira rebelde é hasteada na embaixada de Trípoli em Brasília;

embaixador se isola. Lisandra Paraguassu. Notícia. (ANEXO E1)

Fontes: Família do embaixador Salem Zubeide, como fonte testemunhal e fala oficial

do Itamaraty.

Texto com predomínio de abordagem descritiva.

Presença de duas fotos, uma mostrando a bandeira verde, que representa o governo de

Kadafi, na residência oficial do embaixador Salem Zubeide; outra, ao lado, mostrando a

bandeira da oposição ao governo de Kadafi na sede da embaixada Líbia em Brasília.

Ambas realizadas pelo fotógrafo Wilson Pedrosa da Agência Estado, de tamanhos

aproximados com a seguinte legenda: “Divisão. Residência oficial (E) ainda ostenta

bandeira de Kadafi, ao contrário de sede da representação diplomática (D)”.

Resumo da matéria:

A notícia, de caráter descritivo, apresenta como chapéu “sob nova direção”,

escrito por Lisandra Paraguassu e de título: “Oposição Líbia toma missão de Kadafi no

Brasil”, expõe-se sobre a repercussão no Brasil, e em especial, na embaixada Líbia pelo

governo de “rebeldes líbios”. No texto, descreve-se que o embaixador líbio, no país,

esteve pela última vez no prédio da embaixada na tarde de segunda feira, “[...] quando

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219

outros diplomatas e líbios moradores no Brasil ocuparam de vez o prédio, resgataram

fotos de Kadafi e hastearam a bandeira rebelde”. E também descreve que a reportagem

do Estado procurou o embaixador em sua residência na noite de terça-feira, mas que,

segundo a família do embaixador, ele não estava mais em Brasília. Comentou-se que a

embaixada não havia movimento na quarta, “[...] apenas três funcionários brasileiros ─

um segurança, uma secretária e um jardineiro ─ estavam no local” e encerra a notícia

com a frase “Durante o mês sagrado do Ramadã, os muçulmanos só aparecerem (sic.

aparecem) para as tarefas do dia no final da tarde”.

Análise: Ao longo de quase todo o texto, a repórter descreve o impasse de troca

de governo, representado ora pela bandeira, ora pela fala da família e descrição dos

“rebeldes” na embaixada líbia. Contudo, na última frase da notícia de quatro parágrafos,

faz menção ao “mês sagrado do Ramadã” e, automaticamente, aos muçulmanos.

Na frase, verificam-se algumas formulações da análise de discurso conectadas

com o tema da frase do texto. Quando a repórter prefere dizer “Durante o mês sagrado

do Ramadã, os muçulmanos só aparecem para as tarefas do dia no final da tarde”,

propõe no enunciado uma “impressão de realidade do pensamento”, causando ao

indivíduo a impressão de uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o

mundo, conceito de “ilusão referencial”, desenvolvido pelos estudos de Orlandi (2010,

p.35). Na “ilusão referencial”, identificada no texto, ou melhor, na frase, caracteriza-se

na questão do “[...] aparecer para as tarefas do dia no final da tarde”, ou seja, os

muçulmanos só aparecem no final da tarde e logo só trabalharão nesse curto período. A

gravidade contextual aparece também no conceito de “esquecimento número um”

(ORLANDI, 2010, p.35) que pode ser chamado de esquecimento ideológico o qual

propõe que é na instância do inconsciente que ocorre o maior “afetamento” do poder

ideológico do esquecimento número dois, pois é, no enunciado, que se faz conexões

com o sentido que ele ocupa na língua e na história. Portanto, quando Lissandra afirma

que, no mês sagrado, os muçulmanos só trabalham no final da tarde, como era o dia

descrito na notícia, entende-se que esse muçulmano trabalha pouco ou quase nada nesse

mês do Ramadã, ou seja, para o brasileiro ou mesmo outro leitor não muçulmano e não

compreendido da doutrina islâmica, quem “folga” durante o dia e só trabalha no final da

tarde, ou é muito rico e não precisa trabalhar, ou é folgado e preguiçoso, ou ainda pode

ser os dois. E no cenário bipolar da notícia entre “rebeldes” e “pró-Kadafi”, os

muçulmanos podem também se encaixar no cenário como pró-Kadafi, por não

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220

aparecerem no local da embaixada para celebrarem a passagem de governo, pela troca

de bandeiras.

Nessa parte da análise sobre os “esquecimentos” (ORLANDI, 2010, p.35),

questiona-se: será que a repórter gostaria de conversar/entrevistar algum muçulmano na

embaixada líbia ao ir até o local no período do dia, em pleno mês do Ramadã? Que ela

não sabia da informação sobre o mês do Ramadã? Ou ainda, não poderia em razão do

horário do seu trabalho no jornal? Das três questões levantadas, pode-se concluir o

desleixo sobre o contexto do Islã jornalisticamente.

Além do esquecimento, há a presença da “antecipação” (ORLANDI, 2010, p.39)

quando “durante o mês sagrado do Ramadã, [...]” espera-se, aguarda-se explicação do

que acontece durante o mês sagrado do Ramadã e a antecipação argumentativa vem

negativizar o sentido de como o muçulmano desempenha suas atividades profissionais,

trabalhando apenas no final da tarde. “[...] os muçulmanos só aparecem para as tarefas

do dia no final da tarde.” Ainda nessa ideia há o padrão de manipulação da “inversão da

versão pelo fato” (ABRAMO, 2003, p. 28-32) em que, ao invés de expor sobre o que os

muçulmanos fazem no mês do Ramadã, jejuar e rezar de dia até a tarde para depois, por

meio de um especialista ou mesmo um muçulmano, perguntar quando retorna às

atividades e como se posiciona nas tarefas profissionais num país que não seja de

cultura islâmica.

Pois nesse sentido, sem caracterizar o fato principal do mês do Ramadã, o jejum,

ao trazer a informação que os muçulmanos só “[...] aparecem para as tarefas no final da

tarde” pode ser entendida como versão, negligência à observação e exposição dos fatos

originais. Outra questão é a característica apresentada na frase que foi fragmentada e

encaixada num contexto díspare de sua origem. Nesse padrão (ABRAMO, 2003, p.27),

os fatos são separados em aspectos e a imprensa seleciona os que apresentarão ou não

ao público e, depois de determinado, a partir do tema/fato, ele será isolado como

fragmento de um fato e, em decorrência, ao ser acoplado a outro texto ou informação,

perde a essência do seu significado verdadeiro, original e, portanto, recebe outro

significado. Talvez a informação de que os muçulmanos que trabalham na embaixada só

“[...] aparecem para as tarefas do dia no final da tarde” tenha vindo dos três funcionários

brasileiros que não foram claramente entrevistados, pelo menos não aparecem como

fontes. Pois, de onde veio essa informação? Quantos, afinal, eram os muçulmanos que

trabalham na embaixada? São questões que pela fragmentação e pela

descontextualização deixa-se de responder.

Page 221: Ingrid Gomes.pdf

221

Voltando à análise de discurso, percebe-se que na frase “Durante o mês sagrado

do Ramadã, os muçulmanos só aparecerem (sic. aparecem) para as tarefas do dia no

final da tarde” “o dito” (ORLANDI, 2010, p.82) de trazer esse assunto do Ramadã. No

final da matéria, sem conexão intrínseca com o explorado no texto, subentende-se que a

repórter gostaria de deixar evidente que os muçulmanos só “[...] aparecem para as

tarefas do dia no final da tarde”, sendo que os brasileiros estão lá, trabalhando desde

cedo. E o “não dito” (ORLANDI, 2010, p.82) sobre o Ramadã, no final do texto, para

compreender na origem seu significado, foi dito como “silêncio fundador” em que “[...]

indica que o sentido pode ser sempre outro” (ORLANDI, 2010, p.82), bem como faz

com que o dizer signifique. Ao não explicar problematizando a raiz do Ramadã,

preferiu-se significar que os muçulmanos não trabalham durante o dia. Nisso silenciou-

se uma explicação que possivelmente não daria margens a outras significações, como a

que a repórter Lissandra ressaltou sobre o trabalho.

Contudo, no discurso do texto, evidencia-se a “formação discursiva”

(MAINGUENEAU, 1997, p.50) a qual explica que todo o sistema de regras “[...]

fundam a unidade de um conjunto de enunciados dos sócio-historicamente

circunscritos”. Nesse sentido a “formação discursiva” constitui o que é dito a partir das

formações ideológicas recuperadas e a partir das conjunturas históricas e sociais dadas.

Para tanto, a “formação discursiva”, na análise descrita, traça o muçulmano como

aquele que não cuida do emprego, não apresenta responsabilidade com o trabalho, e o

Islã como detentor do tempo de trabalho do muçulmano, ou seja, uma religião que inibe

o trabalhador de agir profissionalmente.

2) A-16 Internacional. 26 de agosto de 2011. El País. Cidade espanhola veta

construção de mesquita. Conteúdo de nota, retirados da Internet. “Websfera. O melhor

da internet”. (ANEXO E2)

Fontes: El País.

Texto com predomínio de abordagem descritiva.

Sem presença de conteúdo não verbal.

Nota: “As autoridades de Salt, na Espanha, vetaram a construção de uma mesquita no

município. A pressão para que a licença de obra não fosse concedida veio do PxC,

partido de ultradireita que ganha força na região com a crise econômica que afeta o

país”.

Análise:

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222

Na nota “Cidade espanhola veta construção de mesquita” traz apenas o fato de

que em Salt, na Espanha, vetaram a construção de uma mesquita. Por ser uma nota,

ocupa pouco espaço no Estado de S. Paulo, que apresenta uma coluna de nome

“Webfesra ─ o melhor da internet” em que Felipe Corazza seleciona de quatro a seis

fatos importantes para ocupar espaço na coluna. Entretanto, nesse mesmo espaço, a

maioria das informações colocadas vem de ordem impactante/incomuns, como, por

exemplo, nas notas ao lado desta em análise: “Trote sobre um panda assusta cidade nos

EUA”; “Homem é condenado por matar urso em casa”.

A “presença” (ABRAMO, 2003, p.24) da nota nesse espaço já salienta o texto

como caráter incomum e, como se destaca o tema religioso, pode-se contextualizá-lo

como exótico, entretanto, há a “presença” também da proibição por parte do partido

ultradireita PxC da construção da mesquita, além da informação de que esse partido

ganha força na região [Européia] com a crise econômica que afeta o país. Logo, ao

passo que se identifica o “padrão de ocultação por presença” (ABRAMO, 2003, p.24),

na edição do Internacional, deste dia 26 de agosto, também se pode perguntar por que

não seria interessante dar à nota espaço de notícia, ou reportagem, visto que a prática

xenófoba do poder em vetar a construção da mesquita no município pode se prolongar

como comum, num país que costuma abrigar mestiçagem étnica e religiosa sem

discriminação. Nesse sentido, a “ausência”, como padrão de “ocultação por ausência”,

explica que um fato real ausente deixa de ser real para se transformar em imaginário e o

fato presente (real ou ficcional) passa a tomar o lugar do fato real. (ABRAMO, 2003,

p.24) A partir dessa lógica de análise da nota jornalística a ausência (Ibid) do texto com

maior contextualização e, mesmo a problematização do fato, permite enquadrá-lo como

discurso que não permitiu que as informações essenciais pudessem existir como reais ao

leitor, como uma reportagem em que interagissem fontes de especialistas, primárias e

testemunhais da cidade.

Com a falta de informações contextuais, identificam-se elementos no texto

enunciado que interrogam, levam à “inferências” (MAINGUENEAU, 1997, p.58). No

conceito de “implícito semântico” (MAINGUENEAU, 1997, p.58) a partir do trecho “A

pressão para que a licença de obra não fosse concedida veio do PxC, partido de

ultradireita que ganha força na região com a crise econômica que afeta o país”, percebe-

se que se a pressão no veto da construção da mesquita veio do partido e este é de

ultradireita, tem ganhado força na Espanha, questiona-se inferindo: Será que esse veto

poderá ser expandido para outras cidades e regiões da Espanha? Já que o partido tem

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223

ganhado força? E num sentido mais político: Com o crescimento do partido de

ultradireita haverá a diminuição do islamismo em Salt? E na Espanha como ficará? Será

uma tendência ao não-Islã?

E na ideia do “implícito pragmático” (MAINGUENEAU, 1997, p.58) em que se

verificam formas pragmáticas originadas do conteúdo explícito, visualiza-se na nota

esse sentido. Ao se afirmar que em Salt, o partido vetou a construção da mesquita e que

o partido tende a crescer em razão de ter ganhado força, pode-se direcionar o fato de

que os muçulmanos em Salt não são do partido de ultradireita, nem têm tendência a

serem, além dos praticantes da fé islâmica se sentirem excluídos de suas atividades

religiosas, bem como estarem deslocados como “Outro” das “normas comuns” de

religiosidade da cidade de Salt. Finalizando a análise, volta-se ao título “Cidade

espanhola veta construção de mesquita”, no subentendido do “dito” (ORLANDI, 2010,

p.82), afirma-se que a “cidade” de Salt, na Espanha, vetou a construção da mesquita,

entretanto, não foi a cidade quem vetou de fato a construção, foi o poder do partido

ultradireita, que tem crescido, mas ainda não é o total da cidade, aliás, é uma afirmação

determinista para se citar.

A partir do “dito” “cidade espanhola”, interroga-se sua veracidade logo no corpo

do texto da nota, que esclarece que o veto vem do partido PxC. O “não dito”, ou seja, o

subentendido da afirmação em análise é de que o “todo”, “a cidade”, é contra o Islã, na

ideia de que vetaram a construção de um templo típico muçulmano, local onde rezam

em coletividade.

Especial Estado de S. Paulo “11.09.2001 A marca do terror no início do século” de 12

páginas, com ilustração, infográficos, material fotográfico e articulistas convidados. O

especial circulou no jornal no domingo 04 de setembro de 2011.

1) Especial p.01. 04 de setembro de 2011. Texto introdutório da capa do especial, com

quatro parágrafos. Sem crédito de autor. (ANEXO E3)

No texto inicial do especial sobre o 11 de setembro de 2001, interrogaram-se

sobre o porquê da tragédia, quais seriam as motivações dos terroristas. Comentou-se

sobre o contra ataque estadunidense no Afeganistão e no Iraque, citou também alguns

problemas atuais consequentes do 11 de setembro de 2011 aos EUA.

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224

Mesmo diante de quatro curtos parágrafos observam-se problemas no enunciado

que prejudicam a representação do Islã, na formação dos sentidos.

No primeiro trecho, há uma citação sobre o Islã em que se identificam

muçulmanos com terroristas, igualando seus significados. “O mundo mudou em questão

de horas. A primeira reação após a catástrofe de 11 de setembro de 2001 foi questionar:

por quê? O que levou 19 muçulmanos a sequestrar jatos comerciais com 40 mil litros de

combustível e transformá-los em bombas contra civis?”. Muçulmanos são os devotos do

islamismo, diferente de fundamentalista islâmico, de extremista, de islamista, bem

como de terrorista. As 19 pessoas que praticaram o ato terrorista em 2001 são

conceituadas como terroristas. Nessa versão, em igualar significados distintos pela

“presença” ─ tornar real ─ (ABRAMO, 2003, p.24) a expressão “muçulmanos”,

observa-se também a “relação de sentidos” em que “[...] um dizer tem relação com

outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis” (ORLANDI, 2010, p.39). A

construção imaginada do muçulmano como terrorista no trecho em análise, resulta,

nesse sentido, de um repertório histórico cultural de proximidade que deturpa e denigre

o imaginário social sobre o Islã, sobre o muçulmano.

O segundo trecho problemático: “A escassez de explicações fez do cientista

político Samuel Huntington o profeta do momento. Ele passou os anos 90 defendendo

que o mundo Pós-guerra Fria seria marcado por conflitos entre identidades culturais,

entre as quais, a islâmica era a mais encrenqueira”. Nele se destaca a religião islâmica

como “encrenqueira” passando o peso do julgamento à teoria de Huntington, sem de

fato citar a página do livro em que o pesquisador descreve tal singularidade sobre o Islã,

bem como sem colocar entre aspas a expressão difamatória como fala do autor do

“choque de civilizações”. Pode-se afirmar na análise de discurso que com base na

formação ideológica do muçulmano como terrorista, do trecho inicial, constrõe-se a

“formação discursiva” desse Outro Islã como o “encrenqueiro”, pois o discurso é

ancorado em formações ideológicas que além das regras existentes, formula, agora,

estrutura de pensamento (MACHADO; JACKS, 2001, p.06) em que o muçulmano é

visto como o causador de conflito, o “encrenqueiro”, aquele que será o terrorista, o mal

em situações díspares, conflituosas.

Ao final dos parágrafos, há uma evidência terminológica que coloca o sujeito,

jornalista responsável pelos parágrafos, próximo à sua crença e “formação imaginária”

(ORLANDI, 2010, p.40) de agir e pensar: “Pouco depois, Bush mandou grampear

telefones e e-mails de cidadãos sem permissão judicial. Viajar de avião virou uma via-

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225

crúcis”. Quando se fala “via crúcis” que é uma expressão cristã em latim que significa

“caminho da cruz” se retoma uma forma de imaginar e se inscrever na sociedade. No

conceito de “formações imaginárias” (ORLANDI, 2010, p.41), Orlandi destaca que é

por meio dessas formações que ocorrem a formação do discurso. Foi a partir de uma

formação imaginária cristã que o muçulmano foi caracterizado nesse texto inicial; sendo

marcado como terrorista e encrenqueiro.

2) Especial p.10. 04 de setembro de 2011. “Islamofobia, o efeito colaterial dos

ataques”. E subtítulo “Hoje, 1/3 dos americanos acha que muçulmanos deveriam ser

proibidos de ocupar a Casa Branca”. Gustavo Chacra/ Correspondente em Nova York.

Reportagem. (ANEXO E4)

Fontes: Fala do ex-presidente estadunidense George W. Bush, de peso oficial.

Entrevista com a fonte secundária James Zogby, presidente do Instituto Árabe-

Americano; Informações do Conselho de Relações Islâmicos-Americanas que traz

dados primários, mas ocupa papel de fonte independente; Pesquisa do Pew Research

Center, como secundária; Dados da Revista Time, fonte secundária; Estudo do Instituto

Center for American Progress, que também traz dados primários para a reportagem, mas

como Instituto é fonte independente e a fonte de pesquisador do Professor Peter

Gottschalk (que está como fonte primária pois origina a discussão do foco principal da

matéria), do Departamento de Estudos da Religião da Universidade Wesleyan e autor do

livro “Islamophobia: Making Muslims the Enemy” (Islamofobia: fazer os muçulmanos

o inimigo) com o outro pesquisador Gabriel Greenberg.

Texto com predomínio de abordagem descritiva e analítica.

Presença de uma foto de crédito da agência Reuters da data de 11/09/2001.

Fotografia

Na imagem fotográfica que ocupa ¼ da página 10 do especial, localizada do lado

direito da reportagem, apresenta 26 cm de altura e 17 cm de largura, com imagem

colorida do 11 de setembro de 2001, em que há cinco pessoas correndo, na Broadway e,

atrás a nuvem de poeira, chegando a eles. Legenda: “Pânico. População corre de nuvem

de poeira levantada por queda das Torres Gêmeas, na Broadway”.

A imagem não faz relação direta com o texto da reportagem, que poderia ter

trazido como ilustração do tema suas fontes primárias, cópias dos estudos, os

pesquisadores, enfim, fontes entrevistadas. Ao invés de uma foto datada do 11 setembro

de 2001, que só se relaciona com o início da reportagem, quando o repórter destaca que

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226

a imagem construída do muçulmano após o 11 de setembro é preconceituosa. Portanto,

não há presença de análise relacional ao Islã.

Resumo da reportagem:

A reportagem apresenta dados de alguns estudos sobre o aumento do preconceito

aos muçulmanos nos EUA, em especial no estudo do Instituto Center for American

Progress. Há informação de que algumas importantes fundações financeiras do país

patrocinam, a dois anos, projetos direcionados à “islamofobia”. “Esses grupos, segundo

o estudo, são o Donors Capital Fund, Richard Mellon Scaife Foundations, Lynde and

Harry Bradley Foundation, The Russell Berrie Foundation, Becker Foundation,

Anchorage Foundation e The Fairbook Foundation”. Um dado ressalta que já foram

investidos em projetos e “think-thank” cerca de US$ 40 milhões. Segundo a pesquisa, o

texto da reportagem, os receptores desse dinheiro são “[...] ativistas classificados como

islamofóbicos pela Liga Anti-Difamação, como Daniel Pipes, Pámela Geller e Robert

Spencer, que costumam atacar o Islã e os muçulmanos”.

A partir desse momento da reportagem, vincula-se o caráter mais prático desse

preconceito ao Islã. Segundo o repórter, com base na pesquisa, o jornal New York

Times afirmou que as recomendações do advogado David Yerushalmi (incluso na lista

dos ativistas islamofóbicos), da Society of Americans for Social Existance, “[...] foram

praticamente recortadas e coladas nos textos aprovados nos estados do Texas, Alasca e

Carolina do Sul, que mudaram a lei local para vetar o código legal do Islã. Outros 20

estados dos EUA estudam adotar a mesma medida”.

Além desse fato de discriminação, o repórter destaca que o plano de construir

uma mesquita no Marco Zero, nas características da “Associação Cristã dos Moços”,

não foi aceito por alvo dos grupos antimuçulmanos, prossegue descrevendo a campanha

“islamofóbica” da ex-governadora do Alasca Sarah Palin e por outros políticos da ala

republicana, citada no Estudo do Instituto. E cita o político Bloomberg, que está na

mesma lista de ativistas, mas do lado contrário, seu nome foi citado no estudo como o

republicano que combate a “islamofobia”, já ganhou até prêmio do Conselho de

Relações Islâmicos-Americanas ─ Cair ─ por esse combate.

Análise:

Primeiramente é necessário observar que a expressão “islamofobia” do título da

reportagem é uma palavra de significado preconceituoso ao islamismo, além de ser

incorporada na fala cotidiana da mídia estadunidense, em especial, como um dizer que

só poderia ser falado desse modo, não de outro; são as palavras, as expressões que

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227

teóricos e jornalistas, como Robert Fisk, chama de “palavras de poder”. Como visto

nesta tese, no Capítulo IV, é comum o uso de terminologias trazidas pelo governo

americano, ou por setores ideologicamente alinhados a esse sentido “islamofóbico” que

a mídia reitera, muitas vezes, indiscriminadamente. Como foi o caso de “um pico de

violência”. “Um ‘pico’ de violência, senhoras e senhores, foi uma frase primeiro usada,

de acordo com meus arquivos, por um general na Zona Verde de Bagdá em 2004

[inicialmente quartel-general da ocupação dos Estados Unidos no Iraque]. No entanto,

nós usamos a frase agora, discutimos a partir dela, replicamos como se fosse nossa.” E,

como Fisk explica o “pico de violência”, evita o uso de “aumento de violência” “[...] já

que um aumento, senhoras e senhores, pode não ser seguido por uma redução

posteriormente”, como a ideia de “pico” (FISK, 2010, p.01).

A expressão “islamofobia” significa medo ou pavor do islamismo, pois o

composto “fobia” junto à ideia do islamismo exerce a função gramatical de adjetivo. Se

é vinculado um adjetivo ao Islã, o substantivo religioso de “islamismo” é visto na ótica

gramatical como doença, epidemia, pois a fobia é tratada, e o que se trata na sociedade,

em termos de saúde pública, são as doenças, as pestes que assolam a sociedade. Outra

questão que se interroga, por que, ao invés de chamar de “islamofobia”, não se chama

simplesmente anti-islâmica, anti-islã, antimuçulmana? Como comumente se lembra os

anticristãos, antijudeus. A simbologia em representar esse Outro Islã advém de

“formações imaginárias” (ORLANDI, 2010, p.40) com a memória e de característica

arcaica, do Islã como exótico e apavorante; e de tão apavorante, ele se torna pela

história, e seus vários processos estruturantes, como o Outro demoníaco, que deve ser

tratado como algo no âmbito espiritual, fora das projeções concretas da ciência, daí

resulta o quadro de adjetivos moralizantes sobre o Islã na sociedade Ocidental.

Voltando à análise do corpo do texto central, identifica-se, ao contrário da

conivência ao usar a expressão “islamofobia” no título, uma reportagem marcada pela

presença crítica do preconceito sobre o Islã nos Estados Unidos.

No início da reportagem, o repórter traz a ideia, na contextualização do assunto,

de que o muçulmano era visto de forma neutra e, com o 11 de setembro, a retórica

mudou. Nesse sentido, introduz o fato jornalístico da presença de preconceito sobre os

“devotos do Islã” no Ocidente, em especial, nos Estados Unidos. Dessa ideia, inclui a

fala do presidente do Instituto Árabe-Americano, James Zogby, sobre como o tema foi

apropriado para uma versão política nos Estados Unidos, em específico, pelo uso

recorrente da aproximação da conjuntura de Obama com o preconceito ao Islã. A

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228

presença da fonte do Instituto traz um caráter à reportagem de conteúdo de credibilidade

e propõe um espaço de diálogo com órgãos ligados ao estudo mais independente em

relação à etnia árabe e a religião islâmica. Pois, para falar do “preconceito ao Islã”, é

necessário entidades de pesquisa ligadas ao tema de forma mais independente,

comparando com os órgãos oficiais, que costumam ser os únicos presentes nas notícias

e reportagens sobre o assunto.

Na mesma lógica de fonte credível, o repórter apresenta a ideia do Conselho de

Relações Islâmico-Americanas (Cair) e do Pew Research Center. Na sequência,

identifica, no estudo do Instituto Center for American Progress, que “nos últimos dois

anos, uma ampla campanha islamofóbica foi lançada nos EUA [...]”, trazendo dados

pontuais sobre a quantidade de investimento, quem são os investidores entre nomes,

empresas e entidades, e quem são os membros da mídia estadunidense que realizam a

“ampla campanha” preconceituosa. “Os receptores da dinheirama incluem

comentaristas e ativistas classificados como islamofóbicos pela Liga Anti-Difamação,

como Daniel Pipes, Pamela Geller e Robert Spencer, que costumam atacar o Islã e os

muçulmanos.” E relembram, a partir de dados do estudo, a correlação dos nomes dos

ativistas contra o Islã com as últimas tragédias internacionais. “Os três tiveram seus

nomes citados dezenas de vezes, de forma elogiosa nos escritos deixados pelo terrorista

extremista norueguês Anders Breivik, que matou 77 pessoas em duplo atentado em Oslo

e na ilha de Utoya no mês passado.”

Ainda na sequência de ações que estão acontecendo discriminadamente contra

os muçulmanos nos Estado Unidos, a reportagem recupera a influência desses ativistas

no setor político e judiciário do país. Foram cinco parágrafos citando três pesquisas de

importante credibilidade junto ao tema da reportagem e expondo como estão sendo

inseridas na sociedade americana as “formações imaginárias” do Islã.

As “formações imaginárias” são projetadas dos lugares sociologicamente

concretos e inscritas na sociedade; são as formações que atuam no cenário imagético do

discurso e que apresentam relação com o contexto, com a memória e com as posições

dos lugares (ORLANDI, 2010, p.40). Nesse conteúdo, houve o cuidado na “formação

imaginária” sobre o Islã, alertando sobre o que tem ocorrido nos Estados Unidos sobre o

cenário de preconceito acerca do muçulmano.

Além do alerta sobre a discriminação ao Islã a reportagem traz no texto uma

“formação discursiva” que revela a realidade das raízes do preconceito, das práticas

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229

discriminatórias ao muçulmano. A “formação discursiva” entende a forma como o

significado se estrutura no discurso.

Incluem-se aí a elaboração e o uso de conceitos sobre o mundo dos

objetos e o próprio conhecimento, o posicionamento a respeito dos

papéis ocupados historicamente pelos sujeitos, a visão do passado e do

futuro, a consciência, ainda que difusa, a respeito do que desejamos

ser e de como devemos agir, as noções de moral e de ética, enfim,

tudo que pode ser sistematizado de forma mais ou menos estruturada

como regras de visão, desejo e ação (MACHADO; JACKS, 2001,

p.06).

Nesse sentido a “formação discursiva”, que o texto ressalta na reportagem,

caracteriza o muçulmano como aquele que é vítima do preconceito dos vários setores

sociais dos Estados Unidos. Essa ideia da “formação” continua na reportagem até

chegar ao gancho que destaca a politização do preconceito, por parte de partidos

políticos e, em especial, de políticos, como “[...] a ex-governadora do Alasca Sarah

Palin, a pré-candidata republicana Michele Bachmann e seu rival nas primárias Herman

Cain. Na imprensa, o principal difusor do ódio são blogs independentes, mas com

grande presença dentro do eleitorado conservador e também a rede de TV Fox News,

segundo o estudo [do professor Peter Gottschalk]”.

Dessa politização do ativismo anti-islâmico, ressalta-se que, para uma

reportagem jornalística ser aprovada dentre sua hierarquia empresarial, observa-se o

elemento de originalidade no gancho jornalístico e a politização, ideia de um gancho

importante para a reportagem, traz o assunto político/eleitoral nos Estados Unidos,

mesmo falando ainda do crescimento do preconceito sobre o Islã e do poder cultural que

há nessa disputa. Daí para o final da reportagem se destaca, com base nos estudos,

ativistas pró-Islã.

Michael Bloomberg recebeu o prêmio do Cair por ser o líder político

que mais combate a islamofobia. O governador de Indiana, Mitch

Daniels, foi o eleito pelo Instituto Árabe-Americano por sua luta

contra os islamofóbicos. A comunidade islâmica também elogia o

governador de Nova Jersey, Chris Christie, e o do Texas, Rick Perry,

que disputa as primárias e, apesar de cristão fervoroso, admira o

islamismo (CHACRA, 2011, ESPECIAL 11/9, p.10).

E para finalizar, o repórter esclarece que “Tirando o independente Bloomberg,

todos são republicanos, mostrando que o partido possui os maiores islamofóbicos, mas

também alguns dos que mais combatem a islamofobia”.

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Contudo, a “relação de sentidos” que a reportagem desenvolve ao longo do

discurso sobre o Islã tende a reunir sentidos que fortalecem a ideia inicial da “formação

discursiva” de alertar que econômica, cultural e politicamente nos Estados Unidos o

crescimento do preconceito sobre o Islã é uma realidade, está sendo usada como

interesse, ora para setores financeiros, ora para reiterar culturalmente questões jurídicas,

por exemplo, e ora como bandeira de ativismo político para ganhar eleitorado. Nessa

relação, o resultado é de um Islã vítima, que, por vezes, tem o papel funcional de “tema”

de interesses maiores no país.

1) A-17 Internacional. 17 de setembro de 2011. “França proíbe muçulmanos de rezar

em público”. “Medida, em vigor desde ontem, afeta 5 milhões de fiéis ─ a maior

comunidade islâmica da Europa; espaços de oração foram oferecidos como

alternativa”. Agências: AP, DPA e Reuters. Notícia. (ANEXO E5)

Fontes: Fala pontual de “manifestantes” (que não se pode afirmar que são fontes); fala

do ministro do Interior da França, Claude Gueant, que é uma fonte oficial; “Um dos

fiéis” (que não se pode afirmar que é fonte); a fonte primária do xeque Mohammed

Salah Hamza; fala do líder do partido de extrema direita Frente Nacional da França,

Marine Le Pen, que é fonte oficial; a frase de uma muçulmana, fonte primária e fala do

presidente francês, Sarkozy, fonte oficial.

Texto com predomínio de abordagem descritiva.

Presença de uma foto de 15 cm de largura e 9 cm de altura, colorida de crédito Michel

Euler/ AP. Legenda: “Passado. Muçulmanos rezando na rua antes da proibição; política

pode usar a força contra fiéis”.

Resumo do texto:

O texto de oito parágrafos apresenta um resumo, o lead, na notícia, e o

desenrolar do assunto pelo gancho. O lead se trata da nova lei que proíbe fiéis

muçulmanos de rezar em público na França e que entrou em vigor dia 16 de setembro

de 2011. O governo francês alugou dois lugares, paralelos às mesquitas existentes, para

suprir os espaços para os 5 milhões de muçulmanos que vivem no país. A notícia traz,

como fontes para contextualizar o assunto, a fala de revolta de “manifestantes”

muçulmanos sobre a lei, a ideia da proibição pelo ministro do Interior da França, Claude

Gueant, um dois fiéis para falar do espaço improvisado pelo governo e do xeque

Mohammed Salah Hamza que comenta sobre o novo espaço como “um início de

solução”. E no decorrer da notícia, no gancho sobre do porquê dessa lei, há a ideia de

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231

que a nova proposta de “banir orações nas ruas” veio do líder do partido de extrema

direita Frente Nacional da França, Marine Le Pen. Além da descrição desse norte da

matéria, há a fala de “uma muçulmana” que autentica que essa lei veio do partido de

extrema direita e encerra a notícia com a fala recuperada do presidente francês, Sarkozy,

este alegou em abril de 2011 que a presença do véu islâmico “contraria valores

seculares da França”.

Ao lado da notícia, há uma retranca, ou seja, ou gancho da notícia, mas num

espaço independente da matéria principal, como um box. Com o título “Holanda

anuncia que banirá o uso do véu islâmico”, discute em um parágrafo a nota oficial do

governo da Holanda que anuncia proibir o véu islâmico, hijab, no país.

Análise do texto:

Na notícia, logo depois do lead, no primeiro parágrafo, sobre o fato da proibição,

o texto destaca a fala de “manifestantes” na rua Mryha, que havia se tornado um ponto

de encontro para a reza dos muçulmanos na França. Na fala dos supostos

“manifestantes”, está uma afirmação indignada: “‘É mais digno rezar na grama do que

em uma falsa mesquita’”. Na fala da fonte dos “manifestantes” não se pode afirmar que

elas existiram falando isso, nesse momento, pois são “manifestantes”, não apresentam

nomes, profissões, idade, pensamentos singulares, ou seja, questões que são

características de um texto jornalístico quando se coleta as informações sobre as fontes

para escrever e publicar um fato jornalístico. Nesse sentido há a “relação de forças”

exercida pela manifestação jornalística do texto (ORLANDI, 2010, p.39). As

sociedades, de maneira geral, apresentam hierarquias sociais e as mesmas exercem

“relações de força”, que são sustentadas no “poder” desses diferentes lugares, os quais

são reincorporados e mantidos no processo comunicativo. A fala dos “manifestantes” é

trazida por um texto jornalístico; parte-se da premissa social que o jornalista ao incluir

informações num texto de notícia, ele coletou aquele fato, entrevistando esses

“manifestantes”. Contudo a “relação de forças” está na autenticidade da lógica

profissional (no habitus) do jornalismo. Entretanto, quando se generaliza com

“manifestantes” sem identificar quem são eles, a veracidade do falado sobre o tema é

empobrecida. Outra questão nessa mesma ideia é que esses “manifestantes” não apenas

afirmam se indignar com a proibição, como “esbravejam”.

No texto, está “‘É mais digno rezar na grama do que em uma falsa mesquita’,

esbravejam manifestantes [...]”. Portanto, o tom de “falar com fúria”, “berrar” do

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esbravejar pede, ainda mais, alguém para assumir a veracidade da afirmação, pois a

notícia não diz que os manifestantes se reuniram em grupos para realizar passeata de

manifesto contra o ato do governo, num sentido que teria como o jornalista gravar falas

únicas da passeata, da multidão, do grupo como quórum.

Seguindo na análise, o próximo parágrafo da notícia destaca que “Agora, quem

estender seu tapete e apontá-lo para Meca sofrerá represálias.” A fala do “[...] ministro

do Interior, Claude Gueant, de que a polícia francesa está autorizada a usar a força

contra os fiéis, se necessário” se transformou como alicerce para: “Agora, quem

estender seu tapete e apontá-lo para Meca sofrerá represálias.” Primeiro a ideia central

da expressão seria que “poderá sofrer”, ao invés do peso do significado de “sofrerá”. E

em segundo, qual o “subentendido” pragmático que há em definir essa expressão do

“sofrerá” para existir na frase?

Nessa ideia, o “subentendido” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) que é o

“não dito” do dito de “sofrerá” se desnuda da afirmação enunciada e do contexto da

frase no cenário conjuntural do tema. A posição da notícia, em sua “relação de força”,

investe-se de poder para afirmar com autoritarismo que “Agora, quem estender seu

tapete e apontá-lo para Meca sofrerá represálias.” Além desse poder, o trecho

jornalístico em “sofrerá” incorpora a simbologia de autoridade da fonte oficial, do

ministro do Interior, que já apontou que a polícia francesa está “autorizada a usar a

força, se necessário”.

No próximo parágrafo, inclui-se novamente a fala de uma fonte genérica, sem

nome, profissão, idade entre outros fatores que consolidariam a veracidade da fonte.

“‘Aparentemente, nós chocávamos as pessoas’, disse um dos fiéis no antigo quartel do

Corpo de Bombeiros convertido em local de reza para 2,7 mil pessoas no norte de

Paris”. Na tradução das agências, a palavra “chocávamos” representa no texto, em seu

contexto, uma “relação de forças” no sentido de que se um muçulmano chega a

conclusão de que sua cultura, em especial no ato de rezar em lugares públicos, “choca”

a sociedade francesa. Certamente ele assina que o governo francês está correto na

proibição. Logo a frase, ao utilizar o peso do verbo chocar, garante que um muçulmano

pensa dessa forma sobre sua cultura causando uma “relação de força” em que esse

reconhecimento do “chocávamos” induz a um sentido positivo da coerção que proíbe a

reza publicamente.

E, nessa ideia, há a “relação de sentidos” que parte da premissa que não existe

discurso que não se relacione a outros. Ou seja, os sentidos dos discursos resultam de

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processos de relação. “Um dizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados

ou possíveis” (ORLANDI, 2010, p.39). Portanto, o significado na “relação de sentido”

do muçulmano se autorreapresentar como alguém que “choca” em rezar em público e

estar inserido numa cultura laica na França, tem passado por fase rígida em relação aos

hábitos culturais do imigrante islâmico, demarca o sentido de que os muçulmanos na

França se veem como infringindo as regras cotidianas, dissipando o desentendimento

cultural. Nesse sentido, a cultura muçulmana é a culpada pelo significado do chocar o

outro francês.

No caminho da “formação imaginária” (ORLANDI, 2010, p.40) do muçulmano

como desconecto da cultural local, laica francesa, a expressão “Invasão” do intertítulo

da notícia finaliza a ideia do estrangeiro da cultura islâmica como invasor. Na notícia, a

fala que autentica o intertítulo vem da fonte oficial do líder do partido de extrema direita

da França, Marine Le Pen, que apresentou a proposta de banir as orações nas ruas.

“Marine disse que as orações nas ruas francesas ─ que aumentaram nos últimos [sic

anos], por causa da chegada de mais imigrantes muçulmanos ao país, são uma

‘invasão’”.

Mesmo quando a fala impactante vem da fonte, no caso oficial, de representar os

muçulmanos como invasores na França é opção do jornalista e do veículo em trazer esse

elemento de significado ideológico para destaque num intertítulo, pois, nesse sentido, o

texto assume essa expressão como parte da discursividade da notícia, o que é diferente

dessa mesma expressão estar na fala da fonte, somente.

O assumir da ideia da invasão da cultura muçulmana, norteia a continuidade do

discurso, no próximo parágrafo, em que o texto remete a comparação da “invasão” à

entrada de Paris por nazistas alemães, dando o crédito ao Le Pen, mas sem citar a época

da semelhança (que se imagina ser os anos de Hitler na Alemanha). “Ele chegou a

comparar o ‘fenômeno’ à invasão de Paris por nazistas alemães”.

O peso negativo que o nazismo ocupa no imaginário social da história é

resgatado para adjetivar a cultura religiosa do muçulmano. O invasor agora não é apenas

aqueles que praticam orações em público nas ruas, mas também aqueles que se

enquadram à cultura muçulmana.

A pesquisadora Orlandi explica que as imagens projetadas dos lugares

sociologicamente concretos e inscritas na sociedade são as formações que atuam no

cenário imagético do discurso e que apresentam relação com o contexto, com a memória

e com as posições dos lugares. (2010, p.40) Portanto, o muçulmano é entendido na

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“formação imaginária” do discurso como invasor, hostil ao ambiente laico francês e que

no “subentendido” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) é imaginado como

encrenqueiro, que deve ser direcionado às regras novas para civilizar-se no contrato

social francês, porque senão sofrerá represálias. Aquele que sofre represálias costuma

ser “marginal” e, muitas vezes, é preso pelos atos ilegais. Mas como no texto ele

também é “invasor” e comparado “a invasor de um período de guerras”, esse

muçulmano “invasor” e encrenqueiro é inimigo, vilão das leis laicas da França.

Nessa abordagem, o sentido do texto desencadeia “formações discursivas” que

além de levar em conta para sua constituição as formações ideológicas dadas ─ a partir

de uma posição e uma conjuntura histórica social dada ─ também designam todo o

sistema de regras que “[...] fundam a unidade de um conjunto de enunciados dos sócio-

historicamente circunscritos” (MAINGUENEAU, 1997, p.50-1), A “formação

discursiva” trabalha esse muçulmano como inimigo invasor e desestabilizador, o qual

entra em conflito com a cultura laica francesa. Essa “formação discursiva” do

muçulmano é complementada no Box ao lado da notícia, “Holanda anuncia que banirá o

uso do véu islâmico” reiterando que caso a “invasão” se alastre à Holanda o país já está

agindo para coibir tal “fenômeno”.

Fotografia

Resumo da fotografia:

A fotografia traz no foco três fileiras de fiéis muçulmanos (aproximadamente 60

homens) voltados a um grande paredão, ajoelhados e curvados ao chão, em posição de

oração muçulmana, numa calçada. Atrás das fileiras de muçulmanos rezando há muitas

pessoas em pé olhando, observando e conversando, provavelmente sobre o ato.

A fotografia é colorida e tem 15 cm de largura e 9 cm de altura, apresenta o

crédito de Michel Euler/ AP. E na legenda: “Passado. Muçulmanos rezando na rua

antes da proibição; política pode usar a força contra fiéis”.

Análise da fotografia:

No discurso fotográfico há a presença da “pose” em que Barthes explica que por

meio dessa técnica há uma mensagem retirada dos próprios princípios e valores da

imagem configurada na pose da fotografia. (2007, p.330-1) Na “pose” da fotografia em

análise veem-se muitos muçulmanos orando numa rua diante de um público espectador.

O sentido que essa imagem caracteriza traz o muçulmano e sua cultura parando pessoas

para olharem o ato religioso, ou seja, quebrando a rotina de passagem livre dessas

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pessoas, na cultura laica, aparentemente francesa, pois não há indicação do local na

França, na legenda.

A mensagem da fotografia se relaciona com os sentidos propostos pela análise

da notícia. Primeiro, na “formação imaginária” (DUCROT apud ORLANDI, 2010,

p.82) da cultura islâmica exótica, em que a imagem do muçulmano é aquela de origem

cultural religiosa exótica, que desloca o olhar das pessoas (não muçulmanas) nas ruas

francesas ao avistarem o cenário de oração. E segundo, por agora, diante da nova lei,

esse exotismo acontecer num local que não seja público, pois na “formação discursiva”

(MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) a proibição das orações em público o exotismo

religioso islâmico foi absorvido como inaceitável. O muçulmano na França, ao renegar

as normas civilizatórias do laicismo, terá que aderir a lugares onde não possam ser

vistos, ou seja, em que as pessoas não muçulmanas não vejam o cenário de oração.

8.2.1 Características principais do Islã no Internacional ─ Material secundário

8.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã

1) “Maioria dos islâmicos nos EUA rejeita a Al-Qaeda”. Internacional/A17. Quinta-

feira, 1 de setembro de 2011. Repórter Gustavo Chacra/Correspondente em Nova York.

(ANEXO E6)

Trecho principal:

A maioria dos muçulmanos dos EUA não apóia a Al-Qaeda, condena

atentados suicidas, demonstra preocupação com o extremismo

islâmico e acha que seus líderes religiosos não têm feito o suficiente

para combater o radicalismo. As informações são de uma pesquisa do

Instituto Pew apara tentar retratar a comunidade islâmica dez anos

depois dos atentados do 11 de Setembro (CHACRA, 2011,

A17/INTERNACIONAL).

Na reportagem além de trazer explicações sobre como pensam comunidades de

muçulmanos que vivem nos Estados Unidos, com base nos dados obtidos pelo Centro

de Pesquisa Pew, renomado nos Estados Unidos, caracteriza separadamente

muçulmanos, devotos do Islã do outro segmento minoritário e, mais difundido na mídia

nacional, os extremistas islâmicos ou os radicais islâmicos.

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2) Entrevista Ali Salabi, xeque e líder espiritual da revolução líbia. “‘O Islã terá de ser

parte da Constituição’” por Lourival Sant’Anna, enviado especial à Trípoli. Entrevista

na A8 de segunda-feira, 05 de setembro de 2011. (ANEXO E7)

A entrevista apresenta sete questões pontuais sobre o futuro da Líbia. O repórter

Lourival Sant’Anna traz um perfil de Salabi de quatro parágrafos, como contexto do

entrevistado desconhecido. No espaço da entrevista, há uma fotografia do entrevistado

de 7 cm de altura por 10 cm de largura, colorida com a legenda: “Governo. Para Salabi,

escolha popular deve ser respeitada”. O conteúdo da entrevista ocupa ¼ da página A8

do Internacional e traz a opinião de uma fonte importante do conflito na Líbia, que

desenrolou na queda do ditador líbio, Muammar Kadafi. O perfil desse entrevistado não

costuma fazer parte do noticiário internacional. Mesmo diante de um título “‘O Islã terá

de ser parte da Constituição’”, fragmentado e descontextualizado o conteúdo na íntegra

traz observações informativas importantes para o contexto do “Caso da Líbia” e o Islã,

como na resposta da questão, pergunta “Que papel o Islã deve desempenhar?” Resposta:

“O Islã é parte da cultura dos líbios. Foi o combustível dessa revolução que levou o

povo a resistir contra a injustiça e a ditadura. O povo acredita que Deus ama a justiça e a

igualdade. O Islã terá sempre de ser parte da Constituição”.

3) Com título “FBI detém suspeito de ameaça terrorista”, e subtítulo “Nova York

reforça segurança, mas presença de policiais de uniformes nas ruas é normal”. Repórter

Gustavo Chacra, correspondente em Nova York. Reportagem na A16 no sábado, 10 de

setembro de 2011. (ANEXO E8)

Na reportagem Gustavo Chacra descreve no lead a diferenciação que o possível

terrorista se enquadra, distanciando do termo “muçulmano”, bem como citando a fonte

do Ministério Público da cidade, nos Estados Unidos, como determinador do termo

“radical islâmico” ao albanês.

Um albanês que vive em Nova York foi preso enquanto se preparava

para viajar ao Paquistão para juntar-se a um grupo radical islâmico

que planeja ações contra alvos americanos, informou o Ministério

Público da cidade. O anúncio ocorreu horas depois de as autoridades

americanas alertarem para a possibilidade de um ataque terrorista às

vésperas do aniversário de 10 anos dos atentados de 11 de setembro de

2001 (CHACRA, 2011, A16/INTERNACIONAL).

4) Na notícia “Ex-presidente é assassinado no Afeganistão” de crédito do jornal New

York Times e da agência Reuters ao final do texto de ¼ de página, traz uma pequena

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foto do ex-presidente assassinado, Rabbani numa imagem de pose colorida. Notícia na

A15 quarta-feira, 21 de setembro de 2011. (ANEXO E9)

Na notícia simples escrita em dez parágrafos traz o uso do termo “radicais

islâmicos” para designar a separação de grupos terroristas de outros religiosos do Islã.

Rabbani era um dos sete soldados mujahedin (soldados islâmicos) que

lutaram com apoio militar e financeiro da CIA contra os comunistas

nos dez anos de ocupação soviética no Afeganistão, entre 1979 e

1989. Após vitória sobre os russos, ele foi nomeado presidente

interino e, com a ascensão do Taleban ao poder, liderou a única força

coesa de oposição contra os radicais islâmicos (NYT & REUTERS,

2011, A16/INTERNACIONAL).

Nos quatro itens citados foram transcritos os trechos que trouxeram o Islã como

foco ou que o relembram de alguma forma. São exemplos de momentos nos textos que

apresentaram assuntos correlatos ao Islã e que tenderam a diferenciar o muçulmano

comum, tradicional, de qualquer prática terrorista ou derivada. Além do descrito, não

foram contextualizados ou ampliado nenhum argumento sobre o Islã nas notícias.

Representam evidencias do jornalismo informativo trazendo pela “presença”

(ABRAMO, 2003, p.24) contextos reais do universo islâmico que saem do imaginário e

passam a ser presentes no fato jornalístico, colaborando na construção de “formações

discursivas” (MAINGUENEAU, 1997, p.50) vinculadas com a história factual e

pertinente a uma formação ideológica mais próxima a respeitar o Islã, nas suas

singularidades e diferenças.

8.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã

1) “Civis desafiam violência para testemunhar queda”. Repórter Lourival Sant’Anna,

enviado especial à Trípoli. A15 de quinta-feira, 25 de agosto de 2011. (ANEXO E10)

Com ¼ de conteúdo na página A15 há dois trechos na notícia, de sete

parágrafos, que traz elementos escritos que se conectam ao Islã. No primeiro, há

simplesmente um aposto explicando, contextualmente, o que é o Ramadã. “Embora

fizessem muito barulho, disparando fuzis para o alto, eram poucos. Trípoli é uma cidade

semideserta, pela combinação do Ramadã, o mês sagrado em que os muçulmanos

jejuam à luz do dia e, de tensão com as escaramuças e a instabilidade na cidade,

abandonada por muitas famílias e por partidários do regime.”

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238

E no segundo trecho que traz a fala de uma fonte, aparentemente muçulmana, na

rua de Trípoli, comemorando a tomada da cidade pelas tropas de contra ação ao regime

de Kadafi.

A maior parte das pessoas na Praça dos Mártires era de combatentes.

Uma das exceções era Fawzie Hajjaj, uma viúva de 40 anos, que veio

com seu filho, Khalil, de 9. “É o mesmo sentimento que os

muçulmanos têm pela liberação de Meca”, comparou Fawzie,

referindo-se à conquista do Profeta Maomé há 13 séculos. “É a

sensação da vitória. Antes, isso parecia impossível” (SANT’ANNA,

2011, A15/INTERNACIONAL).

8.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã

1) “Seis colonos judeus são presos por ataque a mesquita”, nota de crédito pela

Associated Press ─ AP, Reuters e EFE. A12 na terça-feira, 6 de setembro de 2011.

(ANEXO E11)

A nota apresenta três parágrafos e uma foto ao lado, maior que ela, de 15 cm de

altura por 10 cm de largura, colorida, com a legenda: “Alvo. Palestino em mesquita

incendiada e pichada em Ousra”. O crédito da foto é de Nasser Ishtayeh/AP.

A menção ao Islã na nota se apresenta na última frase do último parágrafo

“Pouco depois da demolição, homens usaram pneus em chamas para atear fogo ao salão

de estudos da mesquita em Ousra, Cisjordânia. Além de uma estrela de Davi e do nome

do assentamento pichados nos muros do templo, uma inscrição chamava o Profeta

Maomé de ‘porco’, ofensa gravíssima no Islã.”

O “dito” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) sobre o Islã de forma

agressiva e pejorativa conduz a uma ideia discursiva negativa. A simplificação em nota,

a não problematização do assunto e, consequentemente, a ausência de elementos

interpretativos críticos sobre o “porco”, e a história dos entraves político-culturais nos

assentamentos da Cisjordânia recuperam a visão pejorativa do Islã, como conflituoso,

denegrindo a religião.

2) A nota “Crianças ganham fuzis em concurso na Somália”, na coluna Websfera, de

crédito do jornal MSNBC, reproduzido por Felipe Corazza. A16 de sexta-feira, 23 de

setembro de 2011. (ANEXO E12)

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239

Nota: “Um concurso promovido por extremistas islâmicos da milícia Al-Shabab,

ligada à Al-Qaeda, premia crianças com fuzis e granadas na Somália. A competição

entrega os prêmios aos meninos que conseguirem decorar de forma mais completa o

Alcorão”. Na leitura da nota, verifica-se a separação do fiel do Islã em “extremistas

islâmicos”, contudo, nesse trecho, só a separação em grupos diferenciados de religiosos

não é o suficiente para não vincular o Islã às conotações pejorativas, pois se observa, no

final, que a premiação de fuzis é concedida aos meninos que decorarem o Alcorão de

forma mais completa, ou seja, o fiel que estiver mais ligado à alma do Islã (o Alcorão)

receberá a recompensa de guerra, a arma. Ao não haver espaço numa nota, ou mesmo

numa reportagem maior que trate o assunto em profundidade explicando os elementos

simbólicos da nota de forma contextual, o Islã será aproximado a uma religião rotulada,

como aquela que premia com arma e que faz de meninos seus “guerreiros”, meros

decoradores dos seus ensinamentos.

3) Título: “Chacina em prisão líbia é crime mais lembrado” e subtítulo: “Vala comum

achada ao lado do prédio de Abu Salim materializa ferida aberta com matança de 1.269

presos, admitida só 8 anos depois pelo regime”. Por Lourival Sant’Anna, na A13 de

terça-feira, 27 de setembro de 2011. (ANEXO E13)

Reportagem de 1/3 de página, com uma foto de 10 por 10 cm, colorida em que

traz em pose o professor sobrevivente da chacina, Mustafa Dahmani. Legenda:

“Sobrevivente. Dahmani escapou de massacre em 1996”.

O professor Mustafa Dahmani é um dos sobreviventes do massacre.

Ele contou ao Estado que foi preso em julho de 1993, assim que

voltou de sua peregrinação a Meca, na Arábia Saudita, quanto tinha 28

anos. Um dos cinco deveres de todo muçulmano, a peregrinação,

assim como a oração antes do amanhecer, era proibida por Kadafi, que

se sentia ameaçado por movimentos fundamentalistas islâmicos ─ a

única oposição que restara (SANT’ANNA, 2011,

A13/INTERNACIONAL).

No texto, há esse trecho que, ao citar que Mustafa fez a peregrinação a Meca,

fala, no mesmo parágrafo, que assim como a peregrinação e a oração antes do

amanhecer eram proibidas por Kadafi, pois o ditador se sentia ameaçado por

movimentos fundamentalistas islâmicos, ou seja, o enunciado expôs fundamentalistas

islâmicos como àqueles que realizam a peregrinação a Meca e rezam antes do

amanhecer. Nesse sentido há um problema de conceito. Segundo Demant, a vertente

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240

fundamentalista, embasada no Islã tradicional, simboliza, ao mesmo tempo, uma versão

moderna e propõe a volta aos princípios da civilização islâmica para buscar

justificativas aos iminentes choques culturais com a sociedade Ocidental contemporânea

(DEMANT, 2004, p.17). Realizar peregrinação a Meca e oração antes do amanhecer

não identificam o muçulmano como fundamentalista.

Fiéis de qualquer religião que se norteia por essa vertente mais fundamentalista,

seja ela judia, cristã, islâmica entre outras, possibilita no imaginário social atual

aproximar esse significado religioso do extremismo, radicalismo e mesmo terrorismo.

Por isso, o cuidado ao retomar termos e explicações controvérsias no universo

significante do discurso.

8.2.2 Considerações sobre o Islã no Caderno Internacional

Do material analisado antecessor à data de o 11 de setembro, a partir do dia 25

de agosto de 2011, o Estado de S. Paulo, no Caderno Internacional trouxe uma notícia

curta que teve descomprometimento em explicar termos-chave do Islã, como o sentido

de Ramadã, colocando o muçulmano como aquele que não cumpre seu trabalho integral

de forma correta em razão do tempo que a religião o compromete. Na nota, expressões

generalizadas demarcam a não aceitação do muçulmano em Salt, na Espanha.

O Especial de o 11 de setembro identificou o muçulmano no texto introdutório

como fundamentalista e encrenqueiro. A reportagem do especial caracterizou o Islã

como vítima, desenvolvendo no texto um alerta do crescimento do preconceito sobre o

islamismo nos Estados Unidos

E, no período pós-11 de setembro, verifica-se na notícia que o muçulmano foi

equiparado como estrangeiro invasor, além de ressaltar que a cultura islâmica é

“chocante” para o laicismo francês.

Do material secundário do período de análise, observam-se quatro textos que

desenvolveram um discurso favorável ao Islã. Na primeira reportagem, dividiram-se os

significados de terrorista e extremista de muçulmano, além de dar espaço para a

descrição sobre o preconceito que os muçulmanos têm enfrentado nos Estados Unidos.

Na entrevista identificou-se espaço importante ao líder espiritual da revolta líbia, que é

muçulmano. Na outra notícia também se separou a ideia de muçulmano de radical

islâmico, bem como foi o que ocorreu na última notícia da visão positiva do entender o

Islã. Na visão mais neutra sobre o islamismo, houve uma notícia que abriu o aposto

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241

explicativo sobre o Ramadã, não influenciando o significado da religião. E sobre os

textos negativos a respeito do muçulmano se destacaram três textos jornalísticos. A

primeira nota que julga pejorativamente o Islã; na segunda, ao não aprofundar mais

sobre a religião, caracteriza os meninos muçulmanos como sendo preparados para a

guerra, guerreiros do Islã e, no último texto, a reportagem coloca o muçulmano como

tendo o mesmo conceito de fundamentalista.

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242

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação

de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa,

fixa, de representação que, ao negar o jogo da diferença (que a negação

através do Outro permite), constitui um problema para a representação

do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais.

(BHABHA, Homi K., 1998, p.117)

No decorrer do estudo, observou-se como ocorre um processo de dominar a

diferença com o intuito de homogeneizar o discurso sobre o Outro. Neste trabalho o

Outro é o muçulmano e analisou-se as marcas discursivas da construção de estereótipos

negativos sobre os muçulmanos, em especial, em razão das simplificações sobre a

cultura islâmica apresentadas no material selecionado do jornalismo internacional da

Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo.

Para tanto, quando se caracteriza o muçulmano como fundamentalista se

homogeniza diferenças do Islã. E a quem isso interessa? A quem favorece esse

discurso? Esse Outro não apresenta controle discursivo algum sobre sua representação

no jornalismo internacional estudado e sua diferença é ressaltada como o velho

exotismo conceituado pela antropologia cultural e reestudado pelos autores do pós-

colonialismo cultural. A questão é esse “exótico” ser reconfigurado na lógica político-

social contemporânea como marginal pelo discurso jornalístico apresentado, e as

características culturais-religiosas desse Islã são problematizadas como

fundamentalistas ou terroristas dentro do cenário liberal que os valores sociais

modernos do Ocidente sobrepõem ao modo de viver do Outro-Islã; identificando o

muçulmano como fundamentalista, extremista, radical ou mesmo terrorista.

Dessa forma, como resposta à hipótese da tese, a alteridade do Islã é relegada ao

estereótipo. “A construção da alteridade e do mesmo se move ao compasso das

conjunturas históricas. As mudanças de representações hegemônicas correspondem a

novas necessidades coletivas, oriundas da renovação de projetos políticos, econômicos,

sociais, de situações culturais e outras.” (ARRUDA, 2002, p.41). Diante disso, o

jornalismo assim como seus pressupostos empresariais e políticos semeiam construções

de discurso que ferem a alteridade, e impedem o fazer jornalístico, de desenvolver (de

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243

constituir) a representação do muçulmano como um Outro mais conectado com seus

valores complexos, pois os olhos do repertório jornalístico se alicerçam na hegemonia

social atual. Essas forças hegemônicas impõem ao jornalismo estudado a não

movimentar a representação do muçulmano em sua alteridade histórica, pois os critérios

de noticiabilidade e o fazer jornalístico estão ancorados nos aparelhos de poder das

forças sobressalentes sobre o discurso ocidental acerca do Islã.

“A definição e a escolha daquilo que é noticiável ─ em relação àquilo que, pelo

contrário, não o é ─ são sempre orientadas pragmaticamente, isto é, em primeiro lugar,

para a «factibilidade» de produto informativo a realizar em tempos e com recursos

limitados.” (WOLF, 1992, p.191). Logo, a ideia de procurar valores notícia pressiona

para que o fato jornalístico se insira na lógica do fazer jornalístico, o que

consequentemente interfere na simplificação e no não aprofundamento do tema ou fato.

Outra ideia importante observada no estudo da tese foi entender a existência de

pensamentos, com base na discursividade do material jornalístico, imersos no

entendimento unilateral de construção das representações humanas alicerçadas em

significados morais. “[...] ‘para a organização de uma imagem de natureza pedagógica e

tirânica’, em que ‘as informações oferecidas ao leitor constroem uma percepção unívoca

do universo através de um significado moral construído em meio à descrição.”

(ARRUDA, 1998, p.25). No jornalismo, o significado moral presente na versão

discursiva alimenta um olhar turvo e, ao mesmo tempo, centrado nas forças

hegemônicas de constituição da realidade, em especial as representações do muçulmano

nos veículos analisados.

Do material jornalístico analisado do Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo,

observa-se a partir da descrição realizada pelos jornalistas nos locais dos fatos

ocorridos, o uso de terminologias e discursos embasados nessa visão unívoca sobre o

Outro-Muçulmano. No caderno Internacional do Estado de S. Paulo, apresentou-se

menos descrições opinativas com o entendimento unilateral sobre o Islã, incluindo mais

fontes de pesquisa, de instituições, organizações e entidades ligadas ao árabe, ou

especificamente ao muçulmano, ou aos direitos humanos de forma geral, além da

presença de pesquisas independentes como fontes principais de extensas reportagens.

Em contrapartida, no caderno Mundo da Folha de S. Paulo, visualizou-se mais fontes

oficiais governamentais seja do poder militar estadunidense ou outros como

representantes de governos da França e Estados Unidos, que trouxeram com suas falas

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244

além do simbólico conjuntural, expressões problemáticas sobre o islamismo, que

significam no universo ideológico extraenunciado dos textos.

A posição dos repórteres dos dois jornais nos Estado Unidos, isto é, do lugar que

enunciam, colaborou com o uso frequente de termos oficiais, não sobrando espaço para

a problematização do conteúdo, questionando e interrogando sobre o assunto, com

exceção de duas matérias do Estadão e uma da Folha de S. Paulo. Ainda sobre os casos

de textos preocupados com o significado do Islã na história o caderno Internacional do

Estado de S. Paulo, trouxe reportagens sobre o preconceito que o muçulmano tem

enfrentado em Nova York e nos Estado Unidos de forma geral, além de contextualizar

os conceitos diferentes sobre o que é muçulmano, fundamentalista e terrorista.

Ambos os jornais, no fazer jornalismo internacional, não se preocuparam com a

formação do significado do Islã na conjuntura histórica. Nesse sentido, a ideia do

agendamento reconhece o poder da informação pela mídia e afirma que ela tem “[...]

uma capacidade espantosa para dizer aos seus próprios leitores sobre que temas devem

pensar qualquer coisa.” (WOLF, 1992, p.145). Fato que se torna mais preocupante

quando se constata que no agendamento do tema do Islã na mídia ocorre a repetição da

presença do muçulmano como fundamentalista e, por vezes, como extremista, islamista

e terrorista.

Outra questão entendida nas considerações da tese é a resposta de recuperação

conflituosa e moralista advinda dos momentos de crise humanística, que acaba

caracterizando o Outro no seu estado pejorativo, ou seja, desdobra-se uma simbologia

construída culturalmente que confronta com os fatores que estão em cheque na dinâmica

do “conflito”. Por exemplo, no contexto dos dez anos de o 11 de setembro de 2001,

identificou-se na mídia o resgate de elementos sub-humanos para caracterizar o

muçulmano como aquele que está educando suas gerações na linha fundamentalista

radical, identificada no texto de Igor Gielow como o “ninho da serpente”. Além de

também recordar construções imaginadas de um Islã arcaico e problemático.

Terminologias similares ao Outro-Islã no século XIX que caracterizava-o como

fanáticos, de “aparência diabólica”, “indígenas enfurecidos” e “demônios com aparência

humana” retratados por Robert Fisk (2007, p.71). Na mesma reflexão o jornal da Folha

de S. Paulo trouxe na cobertura internacional dos confrontos na Líbia o repórter Samy

Adghrini em situação conflituosa no dormir, descansar e se alimentar e que no seu

limite recupera a ideia do muçulmano como “fiéis radicais anticivilizados” e que não

merecem o respeito que o repórter e o fotógrafo tiveram de não beber água em público,

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245

em razão do mês do Ramadã. O muçulmano é o subalterno na cultura, na “civilidade” e

no hábito de viver.

Na visão ainda das fontes de pesquisa e das fontes de expert, os jornais

preferiram incluir opiniões nas seções de comentários e artigos, desta forma a maioria

do conteúdo analisado ficou empobrecido diante da ausência de fontes de especialistas

de várias áreas, questão que comprometeu a contextualização e favoreceu a

simplificação sobre o islamismo.

O caderno Internacional do Estado de S. Paulo apresentou mais conteúdo de

agências de notícia comparando com o Mundo da Folha de S. Paulo, entretanto, ainda

assim o conteúdo do Estadão teve menos posicionamento de agências na totalidade das

notícias. Nesse sentido, a Folha de S. Paulo teve mais presença de repórteres em locais

dos acontecimentos e dos temas reportados. Mas o Internacional do Estado de S. Paulo

apresentou o conteúdo mais acertado sobre o Islã em sua alteridade, preocuparam-se

com o preconceito sobre o Islã e deram espaço considerável sobre o tema, por fontes

independentes.

Na tese, averigou-se que as representações do Islã caracterizam o muçulmano

como o Outro, o Diferente, o da cultura distante e anticivilizada, aquele que é

preocupante, encrenqueiro e desleal, que pode representar o terror por ser vingativo e

fanático. Os elementos da alteridade islâmica ainda são tintas raras nos pincéis dos

jornalistas que cobrem o internacional, fato este comprovável na reportagem sobre o

preconceito contra o Islã nos Estado Unidos, desenvolvida pelo repórter Gustavo

Chacra do Estado de S. Paulo.

Contudo, alimenta-se o desejo de mais que um jornalismo internacional

tolerante, um jornalismo internacional que respeita a alteridade, nas suas diferenças e

contradições, pois só assim se compreende por que outras pessoas são verdadeiramente

diferentes. “Há história e tradições. Esta é outra das formas em que o jornalismo serve

ao intercâmbio de informação entre as nações.” (LOS MONTEROS, 1998, p. 423).

Finalizando como argumenta Arruda os “[...] traços históricos da ancoragem que

resultam na construção das representações hegemônicas na sociedade” (2002, p.22) são

pela mídia, e pelo jornalismo internacional, reportados e configura ao Outro, no estudo

o Islã, como desistoricizado, como um não sujeito da sua própria história (BHABHA,

1998, p.273). Pois a negação da alteridade age no jornalismo internacional como um

poder invisível, como visto na conjuntura do Islã e nas análises. A presença da

desumanização em relação a qualquer Outro fere a lógica jornalística do servir à história

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246

factual, além de construir ao amanhã uma realidade controvérsia e saturada de

polarizações e conflitos, sejam religiosos ou de ordem de simples comportamentos. O

jornalismo diante do respeito ao Outro nas suas diferenças é um resgate imprescindível

a um ambiente social mais equitativo e tolerante à esfera pública. Nesse sentido a

alteridade no jornalismo propõe também vislumbrar que há questões complexas sobre o

Islã que estão num espaço fora (extra) da área de atuação jornalística noticiosa e,

portanto que deve ser privada de qualquer intromissão simplista que deteriore sua

historicidade. Há funções de informar que é papel do historiador e de outros

pesquisadores, e seus comentários têm sido pincelados nas notícias ou reportagens,

como cores que não combinam com a rapidez da leitura de um noticiário. Logo,

repensar até mesmo os gêneros jornalísticos para assuntos de ordem complexa é um

bom começo para o jornalismo internacional servir ao leitor conteúdo com respeito e

integridade ao Outro Islã, e aos Outros de forma geral.

“Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz”, simples assim. Na inspiração

da letra de John Lennon “Imagine there's no countries/It isn't hard to do/Nothing to kill

or die for/and no religion too/Imagine all the people/Living life in peace. You may

say/I'm a dreamer/But I'm not the only one/I hope some day/You'll join us/And the

world will be as one.” Assim como o atributo cultural que é a música, que entra, sacode

o pensar e inspira, o jornalismo contextualizado respeita o Outro e pode trazer no

refletir possibilidades de entender as realidades numa ótica que preze a alteridade, bem

como as histórias que as cercam. Pois o jornalismo, em especial o internacional do

estudo desta tese, possa pelo processo da alteridade mostrar nos contrastes dos ‘Outros’

outras construções de diferenças do Eu, e não permitir que o estranhamento dele (Outro)

sirva a “nós” (eu) pontos de eternos desencontros.

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247

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TEXTO introdutório da capa do especial “11.09.2001 A marca do terror no início do

século”. Estado de S. Paulo. São Paulo, p. E-01, 04 de setembro de 2011.

Page 257: Ingrid Gomes.pdf

257

GLOSSÁRIO

1.1 Gênero

O material analisado será o de caráter informativo, em que se encontram:

notícia, reportagem, e nota. Além dessas, serão analisadas também as entrevistas, que se

situam em uma categoria à parte dos gêneros jornalísticos.

Notícia: é um texto, normalmente curto, que traz informações de um evento,

acontecimento, de algo novo que aconteceu ou está se desdobrando, mas costuma por

essência se apresentar de maneira objetiva, contemplando os elementos do lead

jornalísticos, que são as informações básicas que um texto informativo deve conter.

Nilson Lage (2001, p.18) chama o lead como proposição completa, isto é, com as

circunstâncias de tempo (quando), lugar (onde), modo (como), causa (porque),

finalidade (com quê finalidade) e instrumento (o quê). “As notícias são comunicações

sobre fatos novos que surgem na luta pela existência do indivíduo e da própria

sociedade.” (ERBOLATO, 2004, p.52). A notícia também é o texto básico do

jornalismo, informa sobre os aspectos mais relevantes da informação. Para a produção

da notícia o jornalista deve apurar sobre a informação que se transformará em notícia e

trazer as falas das fontes que colheu para escrever e relatar o fato. No contexto

jornalístico costuma-se trabalhar duas ideias de notícias, as quentes e as frias. As

quentes se referem aos acontecimentos que são mais atuais e se não publicadas suas

informações naquele dia, hora, minuto, talvez a informação se torne dispensável do

cenário de mídia. E as notícias frias são aquelas que podem ser trazidas no dia seguinte,

que não pereceram, costumam ser aquelas de menor impacto, e programadas (como

datas comemorativas, calendário de campanhas dos Ministérios de Educação, Saúde,

entre outras) (LAGE, 2001). As matérias frias costumam se desdobrar em reportagens ─

que são os textos informativos mais aprofundados nos fatos ─ pois ao serem mais

trabalhadas pelos jornalistas desenvolvem-se e tendem a originar mais fatos gerados de

interesse, que são os temas que norteiam a busca pela elaboração da notícia.

Nota: é uma pequena notícia, dependendo da informação jornalística a ser

descrita não se contemplam todas as questões do lead tradicional, e a opção para trazer a

informação ao público é por meio de um texto bem curto (varia de um a cinco

parágrafos curtos), com poucos parágrafos que costumam advir de dados de agência de

notícia, de boletim de ocorrência e de fatos que não apresentaram o teor de

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258

noticiabilidade necessário para se tornarem notícia ou reportagem (LAGE, 2005, p.38-

40).

Reportagem: esse texto jornalístico é a alma do jornalismo, dizem muitos

teóricos, pesquisadores e jornalistas. O texto da reportagem é formado pelas

informações das fontes de pesquisa, como a notícia, e a nota, mas que necessariamente

requer profundidade nos elementos de constituição do lead, que, por sua vez, gera

posicionamento editorial e ganchos jornalísticos. O marco editorial se insere nas

reportagens sob a ênfase de fatos geradores, no corpo do texto informativo, com

argumentos e depoimentos de fontes de entrevista, o quê às vezes pode trazer marcas

opinativas do veículo de comunicação ou do jornalista. Os ganchos são os elementos

jornalísticos que nascem do fato gerador de interesse, são aquelas informações sobre

determinado tema que está sendo descrito que ganha mais amplitude, de acordo com a

natureza do fato, talvez o porquê ou o como do lead. A produção da reportagem

costuma ser mais desenvolvida e requer mais tempo do jornalista para produzi-la, por

isso que é o carro chefe de cadernos especiais dos jornais impressos e das revistas

semanais e mensais. Mas também mantém espaço garantido nas páginas dos diários em

cadernos comuns como cotidiano, internacional, político entre outros. O tamanho do

texto costuma ser mais extenso (LAGE, 2001; 2005; ERBOLATO, 2004; COIMBRA,

2004; PEREIRA JÚNIOR, 2006).

Entrevista: por excelência a entrevista é a expansão da consulta às fontes, que

tem como objetivos a coleta de interpretações e a reconstituição de fatos, mas neste caso

de estudo da tese, se contempla o significado da entrevista como matéria publicada que

traz informações que foram coletadas por jornalistas (LAGE, 2001, p.73). Nesse sentido

a entrevista se divide em três formas de ser publicada: modelo ping-pong, modelo de

notícia e modelo expositiva. O ping-pong é muito comum, em partes pela sua maior

facilidade de execução. Pode ser chamada também de entrevistas estilo pergunta e

resposta, são transcritas e editadas ─ para melhor clareza do leitor ─, mas as falas

reportadas dos entrevistados costumam ser fidedignas (LAGE, 2001, p.85).

No modelo entrevista como notícia o procedimento é o mesmo de quando se faz

o resumo noticioso de um documento: selecionam-se as posições mais relevantes dentre

aquelas das respostas, “[...] ordenam-se da mais relevante para a menos relevante e

transcrevem-se nessa ordem, intercalando as informações ambientais (quem, que,

quando, onde, por que, para que, circunstâncias eventuais) e procurando alternar

discurso direto e indireto”. Esse modelo de entrevista é comum no relato de coleta de

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259

informações de entrevistas concedidas pelo entrevistado no formato de entrevista

coletiva ─ que são aquelas entrevistas em que a circunstância teve a presença de vários

repórteres, num ambiente determinado pela fonte entrevistada, que pode ou não

programar quais serão as questões sabatinadas pelos repórteres presentes (LAGE, 2001,

p.84-5).

No último modelo de entrevista como ponto de partida para uma exposição, é de

uso mais comum pelas revistas semanais e mensais, nele se aproveita as declarações do

entrevistado para embasar afirmações genéricas que o próprio repórter faz, a partir

delas. Por exemplo, o repórter pode utilizar a fala do entrevistado de que teve

dificuldade de obter um visto de permanência no Brasil e precedê-la com um tópico

mais geral: a burocracia quase impediu os brasileiros de conhecerem tal pessoa ─ o

entrevistado. Também são comuns no uso de abertura de artigos e ensaios jornalísticos,

como resumo biográfico ou histórico (LAGE, 2001, p.85).

O título não é um gênero jornalístico, mas deve ser lembrado e pontuado, pois é

um fator significativo na constituição da informação jornalística, na nota, na notícia, na

reportagem e na entrevista. O título se caracteriza como um enunciado bastante

resumido do fato principal, da matéria jornalística, bem como é a marca, a identidade da

síntese de uma matéria. Na rotina jornalística pode ser chamado também de

“superlides”, que seria um resumo (no mínimo de palavras) da questão mais importante

do fato principal do lead jornalístico. O título “[...] processa uma interpretação do texto,

que dirige o entendimento do público sobre a notícia”, e num sentido mais crítico o

autor de Guia para a Edição Jornalística, Luiz Costa Pereira Junior, afirma que o título

também “[...] denuncia, na prática, como o veículo pensa o assunto retratado. É opinião

decantada, bem disfarçada, em emissão neutra” (2006, p.148-150).

Pereira Junior destaca a marca histórica dessa herança dos títulos

serem curtos, com poucas palavras, e chamativos, tanto na tipologia

como no sentido do texto.

Com décadas de dependência da venda em banca, os jornais

consolidaram o modelo Pulitzer. As manchetes com grande tipologia

atraíam o leitor e facilitavam a apreensão do cardápio informativo.

Quanto mais garrafais os títulos, mais exemplares exibidos nas laterais

das bancas, para deleite dos passantes, e bom faturamento dos

jornaleiros (2006, p.148).

Contudo as condições que levaram ao uso de títulos chamativos já não se

aplicam mais na atualidade, pois os jornais em sua maioria são vendidos por assinatura,

ou seja, não precisaria mais “chamar a atenção dos passantes nas bancas”. Hoje além

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260

das manchetes ─ títulos principais na capa do jornal ─ há textos curtos, de média de

dois parágrafos, ou apenas um, explicando mais as manchetes e outros títulos

secundários na capa do jornal (PEREIRA JUNIOR, 2006, p.149).

Como característica os títulos costumam apresentar verbos, e na maioria verbos

de ação. Os títulos que se apresentam sem verbos, os chamados referenciais ou

anafóricos, são mais utilizados em revistas, suplementos, cadernos culturais entre

outros, mas como enunciado de material jornalístico, em geral, trazem nos títulos verbos

(PEREIRA JUNIOR, 2006, p.149).

1.2 Fontes

Como visto no quarto capítulo desta tese as fontes são importantes para se

produzir o material informativo no jornalismo, que é o carro chefe do dia a dia de

jornais impressos, telejornais, jornalismo na internet e programas de rádio jornalismo. A

divisão das fontes jornalísticas seguirá a constituição do teórico Nilson Lage (2008,

p.49-73).

Divide as fontes em: primária, secundária, testemunhal, expert (especialista),

oficial, oficiosa e independente. A primária é quando a partir da fonte se origina o fato

gerador de interesse ─ que é o tema que determinará o interesse pelo fato se tornar um

fato jornalístico. No caso de uma notícia sobre a exploração de novas formas de

agricultura no semiárido brasileiro, a fonte primária seria os agricultores que estão

explorando essa nova forma de economia e de subsistência (para colher o essencial de

uma matéria), a fonte secundária nesse mesmo exemplo poderia ser um geólogo ou um

agrônomo, para comentar e explicar tecnicamente essa vertente agrícola.

A fonte testemunhal é aquela que participa ou assiste a um evento, que se tornará

fato gerador de interesse para a cobertura jornalística, e a do expert deriva da opinião de

um especialista sobre o fato gerador de interessante. Por exemplo, diante de uma

enchente num mercado municipal, a fonte testemunhal serão as pessoas que estavam

passando pelo local e foram levadas pela força das águas, ou que simplesmente

sofreram com a tragédia, como os comerciantes e vendedores. A fonte expert nesse caso

poderia ser um arquiteto urbano para comentar sobre a construção do mercado, ou

mesmo, um profissional na área de geografia e meteorologia, para falar do clima e das

mudanças climáticas na área urbana. Um exemplo de fonte oficial nesse caso poderia ser

os bombeiros, que fizeram o resgate das pessoas envolvidas. Além dos bombeiros todos

os seguimentos públicos ligados a órgãos governamentais (do Estado) representam

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261

fonte oficial. Já a fonte oficiosa seria aquela que é reconhecidamente ligada a uma

instituição, entidade (ou a um indivíduo), mas que não a representa, e nem está apto a

falar em nome dela/e. E a fonte independente “[...] são aquelas desvinculadas de uma

relação ou interesse específico em cada caso.” (LAGE, 2008, p.63).

1.3 Abordagem predominante do texto

Descritivo: a abordagem descritiva apenas formula o texto informando sobre os

fatos, de maneira, em que o relato se desnuda em descrições do ocorrido, do evento, do

acontecimento. Nela o lead é informado em sua completude, mas não saí da ordem da

descrição de seus elementos. Não há contextualização dos fatos a serem reportados no

texto. Dependendo da complexidade do acontecimento ou do fato a ser reportado essa

abordagem descritiva prejudica seu entendimento ao leitor, e, mesmo, pode até distorcê-

lo. É a abordagem mais comum no jornalismo, de maneira geral (COIMBRA, 2004,

p.84-100).

Analítico/Interpretativo: nesse segmento o texto segue informando e orientando,

também contribui para enriquecer o acervo de conhecimentos do leitor. Isso se efetiva

por intermédio de informações que esclarecem o que está acontecendo e não é

percebido claramente pelo público. Os fatos são, portanto, esclarecidos, explicados,

detalhados. Deve se ater que a interpretação é um julgamento objetivo, baseado no

conhecimento acumulado de uma situação, tendência ou acontecimento. Nesse texto

também se identifica causas e motivos, com o objetivo de compreender a significação,

efetuar análises, comparações e realizar previsões (SEQUEIRA, 2005, p. 146-155).

Investigativo: A jornalista e pesquisadora Cleofe Monteiro de Sequeira, em

Jornalismo Investigativo: O fato por trás da notícia esclarece que embora qualquer

prática jornalística pressuponha alguma investigação, a categoria do jornalismo

investigativo se diferencia das outras pelo seu processo de trabalho, pelos métodos de

pesquisa e estratégias operacionais incluindo o tempo para produção. O texto da

reportagem investigativa é completo e traz as informações contextuais do fato e além

delas. Nesse estilo de reportagem houve historicamente um divisor de águas, em seu

estudo, a partir dos anos 1972, nos Estados Unidos, com a série de matérias que

começaram a ser publicadas sobre o caso Watergate (que culminou com a renúncia do

ex-presidente americano Richard Nixon, em 1974) por dois repórteres do The

Washington Post. O objetivo específico da reportagem investigativa é não se limitar a

informar o factual, pois visa esmiuçar os acontecimentos e denunciar situações que

Page 262: Ingrid Gomes.pdf

262

prejudicam a sociedade, em busca da “verdade jornalística” (SEQUEIRA, 2005, p. 15-

98).

1.4 Principais temas e manchetes do caderno Mundo, no período de análise

Fantasma da dívida e risco de recessão derrubam Bolsas;

Obama anunciará plano de obras contra desemprego;

Reino Unido investiga ligação com tortura;

China sai vencedora, mas futuro é incerto;

“Sacoleiro do Taleban” lucra com ataques;

Brasil reduz seu efetivo em força de paz no Haiti em 11%;

Brasil envia 1º navio com alimentos para a crise de fome na África;

Lula deve ir à Argentina para ato em apoio à reeleição de Cristina;

Norte-americanos ainda temem ser vítimas de ataque;

Medo de ataques afetou crianças afirma pesquisa;

Obama manteve foco de política antiterror nas ‘vulnerabilidades’;

BC Europeu pressiona Grécia e Itália a cumprirem metas fiscais;

Fim da fome na Somália é impossível, diz médico;

‘Brasil e Turquia superestimaram Obama’;

“Segredos do Itamaraty” Folha Transparência;

EUA e Reino Unido enviaram presos à Líbia;

Brasil sofreu pressão dos EUA contra ‘Lei do abate’;

Década da guerra deixa legado turbulento;

‘Nos EUA, se vê se chama Muhammad, é uma fonte de terrorismo’;

Paquistão financia atividades do Taleban;

EUA fecham o mês de agosto sem criar postos de trabalho;

Regulador processa bancos dos EUA por perda na crise;

Oposição pede que Berlusconi cumpra ameaça de renúncia;

Ocupação no Rio afeta tropas no Haiti;

Após morte de jovem em protesto, cai chefe da polícia no Chile;

Mídia internacional faz críticas a nova divulgação do Wikeleaks;

Rica, Líbia privilegiou lealdade a Gaddafi;

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263

Turquia expulsa embaixador e reduz relações com Israel;

EU proíbe importações de petróleo da Síria;

Casa Branca corta pela metade a previsão de crescimento dos EUA;

Otan manterá ataques indefinidamente;

Marcas da maldade; “minha história”. Shweyga Mullah, 30, babá de dois netos

de Gaddafi, em estado grave de agressão e queimaduras;

Acusados de mercenários, negros se escondem em porto;

Acuado, filho de Gaddafi rejeita rendição;

Líder estudantil chilena pede mediação do Brasil para crise;

Portugal fará maior corte de gasto em 5 décadas;

Criança de 11 anos recebe pena por furtar lixeira;

Ex-senador brasileiro teve nome revelado pelo Wikileaks;

Rebeldes líbios rejeitam força estrangeira;

Líbia tem que seguir modelo ‘inclusivo’ para a redemocratização (entrevista

Daniel Terwer ─ especialista em construção de nações no Midde East Institute);

Greve no Chile;

Desastres – Caso Irene;

Revolta na Líbia;

Brasil na Líbia;

Crescimento da economia brasileira;

Mortes sumárias na Líbia;

Ajuste fiscal na França;

Steve Jobs deixa comando da Apple;

Obama pendura quadro sobre segregação no Salão Oval;

Rancor contra Obama cresce em região carvoeira;

Libertação de jornalista na Líbia;

Rebeldes buscam Gaddafi;

Rebeldes líbios invadem bastão de Gaddafi;

Obama, Grécia e BC Europeu derrubam bolsas;

EUA ficam alerta às vésperas do 11/9;

Infográfico de uma página sobre o que tem no memorial do 11 de setembro;

Queima de carros intriga autoridades da capital alemã;

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264

Suspeita envolve mães de maio e Cristina;

Candidato favorito na Guatemala quer armas brasileiras;

Barack Obama em tendências e debates falando das parcerias que precisam;

Obama revela plano pró-emprego sob críticas;

Presidente do BC Europeu culpa governos por crises;

América Latina quer reduzir tropas no Haiti;

Aviões-robô têm papel central na guerra;

Pacote de empregos de Obama será de US$ 300 milhões;

Justiça aprova a participação alemã em plano de resgate

Rebeldes fazem caça aos aliados de Gaddafi;

Em Jerusalém, Roberto Carlos faz show religioso e “atrevido”;

Dia 11/9 nos deixou mais duros, diz pai de brasileiro morto (em entrevista);

Tortura é para sempre. Memória/depoimento de Maher Arar a Luciana Coelho;

Turquia afirma que o ex-aliado Israel é ‘criança-mimada’;

Haitiano confirma abuso sexual de militares uruguaios da ONU;

Rebeldes líbios esperam rendição negociada;

EUA matem 7.500 agentes infiltrados em solo paquistanês;

Berlusconi rebate greve com mais arrocho;

Hamas evoca luta armada pela criação da Palestina;

Israel anuncia construções na parte leste de Jerusalém;

Paquistão eleva o tom contra os EUA e se aproxima dos chineses;

Premiê grego pede solidariedade à Europa;

Grécia aprova novo imposto imobiliário;

Merkel precisa convencer políticos e mercado;

Morales suspende estrada, mas não detém crise política;

Anistia Internacional condena decapitação no México;

Sabatina Folha Jeff Koons. “Minha arte deve melhorar a vida dos espectadores”

– artista ameriano, que está no Brasil para mostra que celebra os 60 anos da

Bienal de São Paulo, diz que arte “é algo terapêutico e é autoajuda” e nega que

seja irônico;

Faccebook anuncia que vai financiar candidatos nos EUA;

Começa o julgamento do médico de Jackson;

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265

ONU inicia debate sobre adesão da Palestina;

Exército americano cortará 50 mil vagas;

Ex-embaixador nos EUA lança livro hoje;

Ministra da Bolívia deixa posto após repressão;

Explosão misteriosa mata um na Argentina;

Fidel volta a publicar reflexões e critica discurso de Obama na ONU;

Crise faz União Européia discutir o impensável;

Novos cortes levam a greve que para o transporte na Grécia;

Portugal faz planos para reorganizar municípios;

OIT vê risco de alta do desemprego no G20;

Otimismo sobre solução de crise na Grécia eleva Bolsas européias;

Mulheres sauditas ganham direito de voltar;

Rebeldes líbios dizem ter encontrado 1.200 corpos em vala coletiva;

Fidel mostrou “apreço” por Collor em crise política;

Igreja em Havana vive de “truques e subterfúgios”;

Brasil e Cuba trocaram apoio para cargos nas Nações Unidas;

Comando Sul provocou atritos entre EUA e Brasil;

Grandes bancos fazem apelo à Europa;

Órgão mantém otimismo sobre economia dos países emergentes;

Bolívia terá referendo sobre rodovia paga pelo governo do Brasil;

Senado da França terá maioria de esquerdistas;

Amorim vetou diálogo com dissidentes;

Plano de estímulos criou poucas vagas nos EUA;

FMI vai fazer revisão para saber se está preparado para crise;

O mártir. Folha visita na Tunísia em que imolação do vendedor de frutas

Mohamed Bouazizi deu início à Primavera Árabe;

Putin diz que disputará eleições presidenciais;

Tiro de arma de pressão fere segurança do papa;

No Japão, brasileira some após tempestade;

China censura blogueiro que fez ‘relogiômetro’ do governo;

Nova estratégia põe palestinos em rota incerta;

Papa Bento 16 faz críticas a políticos na Alemanha;

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266

Sob pressão, pedido palestino vai à ONU;

Na Cisjordânia, haverá festa, mas Hamas proíbe celebração em Gaza;

Vídeo mostra a morte de ativista por governo sírio;

Rebeldes líbios encontram armas químicas;

Justiça argentina exige fontes de jornalistas;

ONU defende suspensão de obra financiada por BNDES na Bolívia;

Ditador volta ao Iêmen e conflito cresce;

Cai mais tendência de crescimento do comércio mundial;

À espera de juízo divino, fiéis se trancam em igreja de Cuba;

Ataque a países ricos foi decisão de Dilma;

Justiça argentina declara que não quer dados pessoais de jornalistas;

Palestinos fazem festas na Cisjordânia;

Palestinos pedem Estado e ONU sedia duelo com Israel;

Fed manobra para tentar reduzir juros;

Agência rebaixa nota de bancos dos EUA;

Alpinistas dos EUA são libertados no Irã, depois de dois anos presos;

Papa vai enfrentar protestos na Alemanha;

Obama diz não haver ‘atalho’ para Estado;

Leia a íntegra do discurso da presidente;

Na ONU, Dilma ataca ‘teorias velhas’ dos ricos contra a crise;

Gays assumidos poderão servir nas Forças americanas;

Atentado mata ex-presidente e expõe frágil situação afegã;

No Iêmen, 12 são mortos apesar de cessar-fogo;

Palestinos buscam 3 votos para ‘vitória moral’ em Conselho;

ONU hasteia a nova bandeira da Líbia pela 1ª vez;

Dilma e Barack Obama pedem ação conjunta contra a crise;

Tribunal do Equador mantém multa a jornal;

FMI diminui projeções de crescimento;

Iêmen tem um novo dia de massacre e mortos são 53;

ONU deve protelar decisão sobre Palestina;

Crise síria deverá abrir o mercado local ao Brasil;

Grécia tem de reduzir setor público, afirmam credores;

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267

Obama anuncia cortes e desafia oposição;

China tira do ar sua versão de ‘Ídolos’, por estimular “democracia” no público;

Ex-diretor do FMI admite ‘falha moral’;

Subsídios ajudam a explicar favoritismo de Cristina;

Republicanos criticam taxas para ricos;

Por ‘proteção’, minorias na Síria defendem o regime;

Marrocos tenta lucrar com revoltas no norte da África;

Israel prepara pacote de leis de emergência;

EUA investigam acidente durante uma corrida aérea;

Dalai-lama encerra giro com evento pop;

Berlusconi balança após atacar Merkel;

Rebeldes líbios prometem que não vão disputar pleito;

‘Apoio internacional a palestinos mostra isolamento de Israel’;

‘Vizinhos financiam reação à revolução’;

Após sete meses, egípcios disputam o espólio da revolução;

Ato-relâmpago é tática da oposição síria;

Dalai-lama defende autonomia da religião;

Espanha cria novo imposto para taxar mais ricos do país;

Corte interamericana libera a candidatura de opositor a Chávez;

Palestinos querem ser aceitos como ‘Estado pleno’;

Brasil reconhece os rebeldes da Líbia como novo governo do país;

Periferia de Damasco vive guerra popular;

Brasil desconfia de programa iraniano;

Para Egito, acordo com Israel “não é sagrado”;

‘Ocidente ama violência’, diz porta-voz do governo sírio;

Dalai-lama acha paciência budista em SP;

Vândalos ingleses tinham antecedentes;

Após trens, Buenos Aires tem acidente com metrô;

Principais BCs anunciam créditos a bancos europeus;

FMI alerta para tensões causadas por crise global;

Oposição nos EUA faz plano pró-emprego rival ao de Obama;

Bolivianos querem regularizar carros roubados no Brasil;

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Regime sírio mantém lealdade na capital;

Estudantes chilenos compram carro novo para aposentada;

Agência reduz a classificação de dois bancos franceses;

Espanhóis voltam ao campo, tomando lugar de africanos;

China aproveita crise para fazer cobranças à União Européia;

Acidente com trem mata 11 na Argentina;

Ataques do Taleban em Cabul matam 9;

Richard Hamilton, pai da arte pop, morre aos 89;

Pobreza nos EUA atinge o pior nível nos últimos 18 anos;

Chefe do FMI aprova compra de títulos europeus por Brics;

Anistia acusa rebeldes líbios de violar direitos humanos;

Vida noturna restrita sobrevive às guerras;

Explosão mata 75 em favela do Quênia;

Acidente em central nuclear deixa um morto na França;

Medo de um calote grego é ameaça a bancos franceses;

Casa Branca financiará plano de empregos de Obama;

Chilenos vão às ruas para lembrar seu 11 de setembro;

EUA esquecem divisões nos 10 anos do 11/9.

1.5 Principais temas e manchetes do caderno Internacional, no período de análise

Tropas anti-Kadafi cercam cidade leal a ditador e dizem saber onde ele está;

Entrevista: ‘O Islã terá de ser parte da constituição’;

Strauss-Kahn volta à França sem apoio político;

Tufão mata 20 e deixa 50 desaparecidos no Japão;

Turquia vai levar Israel à Corte Internacional;

Al-Qaeda sem Bin Laden perde carisma;

‘É possível derrotar o kirchnerismo’ entrevista de Ricardo Affonsén;

Comércio determina laços com árabes;

Diplomacia turca se afasta de autocratas;

Revolta árabe aproxima EUA e Turquia;

Turquia expulsa embaixador de Israel;

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269

Tropa secreta dos EUA cresce 13 vezes;

Wikeleaks libera os documentos secretos dos EUA sem edição;

União Européia impõe embargo a petróleo sírio;

Demora em encontrar Kadafi começa a causar divisões entre rebeldes líbios;

Irritado, Berlusconi insulta país que dirige;

Caracas ameaça desconhecer decisão de corte;

Houve abuso de força contra flotilha, diz ONU;

Al-Qaeda quer ver EUA ‘sangrarem até a bancarrota’;

Otan promete manter ataque à Líbia e cúpula libera US$ 15 bi a rebeldes;

Kadafi declara Sirte nova capital líbia;

Insurgentes lançam ataque a possível esconderijo de ditador

Líbios esperam por liberação de recursos para salários;

Brasil só reconhecerá rebeldes líbios após aval da ONU

Maioria dos islâmicos nos EUA rejeita a Al-Qaeda;

Obama é mais popular entre muçulmanos;

Corte Interamericana deve decidir futuro de opositor de Chávez;

Sarkozy recebeu doação ilegal, diz testemunha;

Filhos de Kadaffi dão declarações contraditórias;

Potências definem em Paris futuro da Líbia, de olho em contratos e petróleo;

Brigada chefiada por filho de Kaddafi usava armas brasileiras;

Revolta na Líbia;

Caso Ditador;

Greve no Chile;

CNE desmente antecipação de eleição presidencial venezuelana

Embaixada de Israel é invadida no Egito;

FBI detém suspeito de ameaça terrorista;

Rebeldes líbios põem fim a cessar-fogo e avançam contra redutos de Kadafi;

Salas de Odebrecht são saqueadas em Trípoli;

Áudio derruba versão de que caças evitariam ataques;

EUA ajudam a buscar mísseis líbios saqueados;

Ex-presidente do BC boliviano é preso;

EUA anunciam que vetarão Palestina como integrante plena da ONU

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270

Marinha da Turquia escoltará navios a Gaza, diz premiê;

Queda de avião mata equipe de hóquei russa;

Em meio a tensão com Israel, premiê turco anuncia visita oficial ao Egito;

EUA ‘desprezam’ palestinos e árabes, afirma líder da OLP;

EUA põem instalações militares em alerta;

Kadafi estaria a 60 Km de Trípoli, diz rebelde;

Partidário de Kadafi fogem para Níger com fortuna do BC da Líbia;

Negócios do Brasil na Líbia devem ser mantidos;

Turquia ameaça enviar força naval à costa de Israel;

Incêndios florestais destroem mais de mil casas no Texas;

Com ultimato prestes a expirar, forças anti-Kadafi cercam reduto de ditador

Surge vídeo de vôo que caiu na Pensilvânia;

Israelenses denunciam humilhação na Turquia;

Seis colonos judeus são presos por ataque a mesquita;

Israel complica negociações de paz ao anunciar ampliações de assentamentos;

Saudita é sentenciada a 10 chibatadas por dirigir;

Ministro iemenita escapa de atentado no sul do país;

CNT toma porto de Sirte, mas não controla cidade;

Egito terá 1º turno de eleição parlamentar em 28 de novembro;

Choque entre trens deixa 271 feridos no metrô de Xangai;

Crise indígena derruba mais 2 no governo Evo;

BNDES susta financiamento de estrada;

CS começa a debater pedido palestino e Bibi rejeita congelar assentamentos;

Palestinos buscam autonomia e vaga na OMC;

Chacina em prisão líbia é crime mais lembrado;

Ministro de Evo renuncia após repressão;

Comunidades temem invasão de cocaleiros;

Tráfico decapita jornalista no norte do México;

Primeira africana nobel da paz morre no Quênia;

Na Rússia, Medvedev demite ministro por insubordinação;

Abbas quer adesão plena na ONU antes de negociar com israelenses;

Presidente é recebido como herói em Ramallah;

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Mulheres sauditas conquistam direito ao voto;

Medida indica reforma maior, avalia piloto;

Encontrada na Líbia vala com 1.700 corpos;

Saleh promete antecipar eleições no Iêmen;

Alpinistas soltos agradecem pelo esforço do Brasil;

Ministro das Finanças se rebela contra Medvedev;

Esquerda ganha maioria no Senado francês;

Abbas pede pressa à ONU sobre adesão e diz que plano do Quarteto é

inaceitável;

Entrevista com arquiteto dos Acordos de Oslo, Yossi Beilin “Os dois lados não

levaram em conta o poder das minorias”;

Putin anuncia que disputará presidência;

Premiê é a imagem da nova Rússia;

Censura ocultou resistência a Kadafi em Trípoli;

Moradores se mobilizaram contra ditador;

Estado não precisa da ONU para existir;

Desconfiança norteia política externa de Israel;

Na véspera de discursos decisivos na ONU, Clinton culpa Bibi por impasse;

Jordânia critica Israel e ameaça abrir nova crise;

Palestinos protestam contra Obama;

Ato pró-palestino reúne intelectuais de Israel;

Causa palestina une árabes e sul-americanos;

Apesar de protestos, EUA executam condenado;

EUA vêem elo paquistanês em ataque taleban;

Operação na Líbia acabará em três meses, diz general da Otan;

Crianças ganham fuzis em concurso na Somália;

Blindados brasileiros são encontrados em Sirte;

Abbas pede reconhecimento pleno de Palestina, mas Israel mantém oposição;

CS da ONU começa a analisar pedido palestino na 2ª – feira;

Editorial “Uma causa na mira do mundo” (sobre causa Palestina);

Protestos causam morte na Cisjordânia;

Escândalo de comissão ilegal envolve ex-ministro de Sarkozy;

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Saleh retorna ao Iêmen e pede trégua com oposição;

Cristina faz ‘lista negra’ de jornalistas;

Irã liberta alpinistas americanos;

Rebeldes líbios admitem pesadas baixas em Sirte;

Tufão Roke mata cinco no Japão;

Sarkozy faz proposta alternativa para superar impasse na ONU;

Na ONU, Obama agrada a Israel e irrita palestinos;

Confrontos com militares espalham-se pela Cisjordânia;

Ato reúne 15 mil palestinos em Ramallah;

Dilma diz que crise pode causar desequilíbrios;

Na ONU, Dilma prega nova ordem na economia e apóia Estado palestino;

EUA cobram coerência dos brasileiros;

‘País está pronto para a responsabilidade de ser membro permanente do

Conselho’. Discurso na ONU da presidente Dilma Roussef na íntegra;

Ex-presidente é assassinado no Afeganistão;

Carro-bomba mata 3 e fere 15 na capital da Turquia;

Embaixada de Israel no Cairo reabre após invasão;

Combatentes tomam reduto de Kadafi no sul da Líbia;

Palestinos buscam mais 2 votos no CS da ONU;

Fogo destrói abrigo em Lampedusa;

Confrontos no Iêmen deixam mais 23 mortos;

Israel ameaça com represálias econômicas;

Governo de Abbas lidera festa; povo se mantém indiferente;

Polícia impede colonos judeus de marchar até Ramallah;

Em discurso hoje na ONU, Dilma deve defender vaga no CS e Estado palestino;

Obama pedirá negociações direta entre israelenses e palestinos;

Em 1947, divisão também marcou criação de Israel;

Chegam a 53 os mortos em tremor na Índia;

Dilma pedirá na ONU fim de embargo a Cuba;

Navegador que bebeu causou acidente russo;

Vitória de aliado no Chado fortalece Cristina;

Em 2 dias de protestos, 54 morrem no Iêmen;

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Palestinos esperam retaliação americana, diz pesquisa;

Sociedade civil de Israel busca paz por meio de acordo paralelo;

Proposta expõe divisão palestina e resistência do Hamas em aceitar Israel;

Obama e Netanyahu são acusados pela crise;

Palestinos duvidam que adesão mude o dia a dia;

Luta política deve se acirrar após revolução líbia;

Em abertura de sessão histórica na ONU, Dilma dará apoio a palestinos;

Entrevistas com o embaixador de Israel no Brasil, Rafael Eldad ‘Palestinos

querem Estado sem negociar com Israel’, e com o embaixador da Autoridade

Palestina no Brasil, Ibrahim Alzebem;

Agenda eleitoral leva Obama a assumir risco;

Votação na ONU marca recuo nas negociações;

Se adesão fracassar, Autoridade Palestina pode ser desfeita;

Expropriações dão prejuízo a Hugo Chávez;

Islâmicos e laicos se distanciam na Líbia;

EUA tentam dividir com aliados o ônus de vetar Palestina na ONU;

Reviravoltas marcam combates na Líbia;

Dilma chega a NY, onde abrirá reunião da ONU;

Satrauss-Kahn admite ‘falha moral’ e nega estupro;

Chávez inicia em Cuba 4ª sessão de quimioterapia;

Tremor de 6,9 graus mata ao menos 16 na Índia e no Nepal;

Corte Interamericana reabilita rival de Chávez;

Livro sobre Palin fala de sexo e traição;

Brasil acata, na ONU, governo interino líbio;

Na Líbia, premiê turco ameaça presidente sírio;

França proíbe muçulmanos de rezar em público;

Restaurar a economia será desafio palestino;

Abbas ignora pressão e anuncia que buscará status pleno para a Palestina;

Dalai-lama chega para dar palestras no Brasil;

Britânicos anunciam nova descoberta de petróleo nas Malvinas;

Bibi diz que irá à ONU barrar palestina;

Campanha antipalestinos toma ruas de Nova York;

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Heróis entre líbios, Sarkozy e Cameron prometem pegar Kadafi;

Forças anti-Kadafi entram em cidade natal do ex-ditador;

Prevenção do HPV divide republicanos nos EUA;

Perry é acusado de ceder a lobby da Merck;

EUA tentam conter a ação palestina na ONU;

Israel divulga vídeo antipalestino;

Irmandade Muçulmana pede que Turquia não tente dominar região;

Irã, agora, nega ‘iminente’ libertação de americanos;

Cameron e Sarkozy fazem 1ª visita de Estado à Líbia sob regime anti-Kadafi;

EUA preparam reabertura de embaixada em Trípoli;

Rebeldes divulgam ‘nova Líbia’ no exterior;

Turquia programa caças para atacar alvos de Israel;

Acidente de trem na Argentina mata 11;

Venezuela marca eleição para outubro de 2012;

Taleban aterroriza Cabul em ataque a embaixada dos EUA e sede da Otan;

Explosão em usina nuclear mata 1 e assusta França;

Explosão em oleoduto mata 75 e fere 100 em favela no Quênia;

Brasil ajudará em resgate de náufragos na Tanzânia;

Irã inaugura usina nuclear de Bushehr;

Rússia não apoiará sanções à Síria na ONU, diz Medvedev;

Líder no Iêmen autoriza vice a negociar transição;

Turquia prepara navios de guerra para escoltar ajuda a Gaza, diz jornal;

Congresso investigará Mães da Praça de Maio;

Polícia invade escritório da TV Al-Jazira no Egito;

Cerimônia discreta une parentes em Boston;

Emocionados e tensos, americanos lembram mortos do 11 de Setembro;

Ameaça de novos ataques marca as principais cerimônias no país.

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ANEXOS

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FICHA CATALOGRÁFICA

G585o

Gomes, Ingrid

Olhares sobre o outro: estudo das representações do Islã nos

jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo / Ingrid Gomes.

2012.

275 f.

Tese (doutorado em Comunicação Social) --Faculdade de

Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São

Bernardo do Campo, 2012.

Orientação: José Salvador Faro

1. Jornalismo internacional 2. Islã 3. Política - Folha de S.

Paulo (Jornal) 4. O Estado de S. Paulo (Jornal) I. Título.

CDD 302.2