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Informativo 862-STF (08/05/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 862-STF Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de pedido de vista: MS 33527/RJ. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITO À EDUCAÇÃO Universidades públicas podem cobrar mensalidade em cursos de especialização. DIREITO ADMINISTRATIVO CONTRATOS ADMINISTRATIVOS O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público a responsabilidade pelo seu pagamento. SERVIDORES PÚBLICOS Se a pessoa acumular licitamente dois cargos públicos ela poderá receber acima do teto. BENS PÚBLICOS Continuam pertencendo à União os terrenos de marinha situados em ilha costeira que seja sede de Município. DIREITO PROCESSUAL CIVIL COMPETÊNCIA Não compete ao STF julgar execução individual de sentença coletiva mesmo que tenha julgado a lide que originou o cumprimento de sentença. DIREITO PROCESSUAL PENAL PRISÃO PREVENTIVA Descumprimento de colaboração premiada não justifica, por si só, prisão preventiva. HABEAS CORPUS Não cabimento de habeas corpus contra decisão monocrática de Ministro do STJ.

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Informativo 862-STF (08/05/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado:

Informativo 862-STF Márcio André Lopes Cavalcante

Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de pedido de vista: MS 33527/RJ.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO À EDUCAÇÃO Universidades públicas podem cobrar mensalidade em cursos de especialização.

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao

Poder Público a responsabilidade pelo seu pagamento. SERVIDORES PÚBLICOS Se a pessoa acumular licitamente dois cargos públicos ela poderá receber acima do teto. BENS PÚBLICOS Continuam pertencendo à União os terrenos de marinha situados em ilha costeira que seja sede de Município.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Não compete ao STF julgar execução individual de sentença coletiva mesmo que tenha julgado a lide que originou

o cumprimento de sentença.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO PREVENTIVA Descumprimento de colaboração premiada não justifica, por si só, prisão preventiva. HABEAS CORPUS Não cabimento de habeas corpus contra decisão monocrática de Ministro do STJ.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO À EDUCAÇÃO Universidades públicas podem cobrar mensalidade em cursos de especialização

Importante!!!

A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização.

STF. Plená rio. RE 597854/GO, Rel. Min. Edson Fáchin, julgádo em 26/4/2017 (repercussá o gerál) (Info 862).

É possível que uma universidade pública cobre mensalidade dos alunos do curso de graduação? NÃO. Essa cobrança violaria o art. 206, IV, da CF/88, que determina que o ensino público no Brasil seja gratuito:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

Cuidado! Há uma exceção a essa regra, conforme previsto no art. 242 da CF/88:

Art. 242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos.

É possível que uma universidade pública cobre mensalidade dos alunos do curso de especialização (pós-graduação)? SIM.

A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização. STF. Plenário. RE 597854/GO, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 26/4/2017 (repercussão geral) (Info 862).

Por que essa diferenciação? “Ensino”, “pesquisa” e “extensão” são atividades diferentes e, por essa razão, receberam tratamento diferenciado por parte do texto constitucional. Um exemplo disso está nos arts. 212 e 213 da CF/88. O art. 212, caput, afirma que determinado percentual da receita pública deverá ser obrigatoriamente destinado à “manutenção e desenvolvimento do ensino”. O art. 213, § 2º, por outro lado, preconiza que as atividades de pesquisa e de extensão "poderão receber apoio financeiro do Poder Público". A interpretação conjugada desses dispositivos permite chegar a duas conclusões:

Os recursos públicos são destinados de forma prioritária, para o ensino público;

A pesquisa e a extensão também são financiadas por recursos públicos, no entanto, a CF/88 autorizou que tais atividades possam captar recursos privados para o desenvolvimento dessas áreas.

As atividades de pós-graduação enquadram-se como "ensino"? NÃO. O conceito de "manutenção e desenvolvimento do ensino" (art. 212 da CF/88) não abrange as atividades de pós-graduação. A pós-graduação está relacionada com a pesquisa e extensão.

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Como definir os cursos das universidades que deverão ser gratuitos?

Caso a atividade preponderante do curso seja a "manutenção e o desenvolvimento do ensino", este curso deverá ser obrigatoriamente gratuito, nos termos do art. 206, IV, da CF/88.

Caso as atividades do curso sejam relacionadas com a pesquisa e a extensão, então, nesta hipótese, a universidade poderá contar com recursos de origem privada e, portanto, poderá cobrar mensalidades.

A mensalidade cobrada pela universidade no curso de pós-graduação possui natureza jurídica de "taxa" (tributo)? NÃO. Por serem atividades extraordinárias desempenhadas de modo voluntário pelas universidades, estas mensalidades são classificadas como tarifa. Dessa forma, por não ser taxa, a cobrança de mensalidade para os cursos de especialização não está sujeita à legalidade estrita. Em outras palavras, as universidades podem regulamentar a forma de remuneração desse serviço desempenhado sem necessidade de lei. Princípios As universidades gozam de autonomia para definir as atividades que serão ofertadas ao público. No entanto, não se pode esquecer que se trata de um serviço público. Diante disso, a oferta dos cursos de pós-graduação pelas universidades e a cobrança de mensalidade deverão:

garantir os direitos dos usuários (art. 175, II, da CF/88);

observar a modicidade tarifária (art. 175, III); e

manter serviço de qualidade (art. 206, VII), atendidas as exigências do órgão coordenador da educação (art. 211, § 1º).

Além disso, a regulamentação dessas atividades deverá observar o princípio da gestão democrática do ensino (art. 206, VI). Em suma: Nem todas as atividades potencialmente desempenhadas pelas universidades são relacionadas exclusivamente ao ensino. Existem também atividades de pesquisa e extensão, que podem ser custeadas por recursos privados. Assim, o princípio da gratuidade não obriga as universidades a terem os recursos públicos como única fonte de financiamento. O "ensino" tem como missão a plena inclusão social (direito constitucional à educação) e, por isso, devem obedecer ao princípio da gratuidade (art. 206, VI, da CF/88). Por outro lado, é possível que as universidades, no âmbito de sua autonomia didático-científica, regulamentem, em harmonia com a legislação, atividades destinadas preponderantemente à extensão universitária, sendo-lhes, nesse caso, possível a instituição de tarifa. E a SV 12? Este enunciado não proíbe a cobrança de valores por parte das universidades? A Súmula Vinculante 12 preconiza o seguinte:

SV 12: A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, inciso IV, da Constituição Federal.

Segundo entendeu o STF, esta súmula tem aplicação restrita às hipóteses de cursos de ensino oferecidos pela universidade, não proibindo que haja cobrança de taxa de matrícula em casos de pós-graduação (pesquisa e extensão).

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DIREITO ADMINISTRATIVO

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere

automaticamente ao Poder Público a responsabilidade pelo seu pagamento

Importante!!!

O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.

Obs: a tese acima foi a fixada pelo STF. No entanto, penso que é importante um esclarecimento revelado durante os debates: é possível sim, excepcionalmente, que a Administração Pública responda pelas dívidas trabalhistas contraídas pela empresa contratada e que não foram pagas, desde que o ex-empregado reclamante comprove, com elementos concretos de prova, que houve efetiva falha do Poder Público na fiscalização do contrato.

STF. Plená rio. RE 760931/DF, rel. orig. Min. Rosá Weber, red. p/ o ác. Min. Luiz Fux, julgádo em 26/4/2017 (repercussá o gerál) (Info 862).

Imagine a seguinte situação hipotética: A União possui um contrato com a empresa privada "XXX Vigilância Ltda.". Por meio deste contrato, a empresa, com seus funcionários, obrigou-se a fazer a vigilância armada do prédio onde funciona o órgão público federal, recebendo, em contraprestação, R$ 200 mil mensais. Desse modo, a União terceirizou os serviços de vigilância, algo extremamente comum na administração pública federal, sendo, inclusive, uma recomendação expressa no Decreto nº 2.271/97:

Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.

Ocorre que a empresa "XXX", por estar enfrentando dificuldades financeiras, passou a não mais pagar os salários e demais verbas trabalhistas de seus funcionários. Diante da inadimplência da empresa contratada perante seus funcionários, a responsabilidade pelo pagamento dos salários e demais verbas trabalhistas é transferida para a União (contratante dos serviços)?

O que diz a Lei nº 8.666/93: NÃO A inadimplência do contratado com relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere para a Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento. Essa é a regra expressa no art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032/95)

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Esse dispositivo foi declarado constitucional pelo STF no julgamento da ADC 16:

(...) É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995. STF. Plenário. ADC 16, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 24/11/2010.

Qual foi o entendimento da Justiça do Trabalho: Como o STF declarou que o art. 71, § 1º da Lei nº 8.666/93 é constitucional, a Justiça do Trabalho não poderia deixar de aplicar esse dispositivo. No entanto, a intenção era continuar condenando o Poder Público. Diante disso, o TST criou a seguinte interpretação do art. 71, § 1º:

Em regra, a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento (art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93).

Exceção: a Administração Pública terá responsabilidade subsidiária se ficar demonstrada a sua culpa "in vigilando", ou seja, somente será responsabilidade se ficar comprovado que o Poder Público deixou de fiscalizar se a empresa estava cumprindo pontualmente suas obrigações trabalhistas, fiscais e comerciais.

Assim, para o TST, a Administração Pública deveria ter o dever de fiscalizar se a empresa contratada (prestadora dos serviços) está cumprindo fielmente seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais. Se houve fiscalização, não haveria responsabilidade subsidiária do Poder Público em caso de inadimplemento. Se não houve fiscalização, o Poder Público deveria responder subsidiariamente pelas dívidas deixadas pela empresa, considerando que houve culpa "in vigilando". O TST editou um enunciado espelhando esse entendimento:

Súmula 331-TST: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (...) IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V — Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI — A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Na prática, contudo, o Poder Público era sempre condenado pela Justiça do Trabalho em caso de inadimplemento da empresa contratada. Isso porque a jurisprudência trabalhista construiu a tese de que a culpa da Administração seria presumida. Em outras palavras, o trabalhador não tinha o ônus de provar a culpa da Administração Pública. Esta seria presumivelmente culpada, salvo se conseguisse provar o contrário. Assim, pela tese trabalhista, para não ser condenado a indenizar subsidiariamente, o ente público teria que provar que cumpriu o poder-dever de fiscalizar o contrato. Ocorre que o TST ia além e dizia que se não houve o pagamento dos direitos trabalhistas pela empresa, o Estado falhou em seu dever de fiscalizar. Logo, no fim das contas, sempre em caso de inadimplemento da empresa contratada a Administração era presumida culpada e tinha que pagar o débito trabalhista.

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A Fazenda Pública não se conformou com esse entendimento do TST e conseguiu levar o caso à apreciação do Supremo Tribunal Federal. O STF concordou com a interpretação dada pelo TST? NÃO. O STF não concordou com o posicionamento do TST e editou a seguinte tese:

O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. STF. Plenário. RE 760931/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado em 26/4/2017 (repercussão geral) (Info 862).

A responsabilização do Poder Público não pode ser automática nem genérica como estava sendo decidido pela Justiça do Trabalho. A interpretação dada pelo TST ao art. 71 da Lei nº 8.666/93, com o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Administração Pública de forma quase que automática e genérica, contraria a decisão tomada pelo próprio STF no julgamento da ADC 16/DF, ofendendo, por conseguinte, a coisa julgada. O legislador teve a clara intenção de excluir a responsabilidade subsidiária automática da Administração, tendo o dispositivo sido declarado constitucional. A imputação da culpa “in vigilando” ou “in elegendo” à Administração Pública, por suposta deficiência na fiscalização da fiel observância das normas trabalhistas pela empresa contratada, somente pode acontecer nos casos em que se tenha a efetiva comprovação da ausência de fiscalização. Não se pode considerar válida a interpretação que cria uma culpa presumida da Administração Pública. A Administração Pública não pode responder pelas dívidas trabalhistas da empresa contratada a partir de qualquer tipo de presunção, somente admitindo que isso ocorra caso a condenação esteja inequivocamente lastreada em elementos concretos de prova da falha da fiscalização do contrato. A alegada ausência de comprovação em juízo da efetiva fiscalização do contrato não substitui a necessidade de prova taxativa do nexo de causalidade entre a conduta da Administração e o dano sofrido. Pela tese do STF, a Administração Pública nunca irá responder pelas dívidas trabalhistas geradas pela empresa contratada? É isso? NÃO. É possível sim, excepcionalmente, que a Administração Pública responda pelas dívidas trabalhistas contraídas pela empresa contratada e que não foram pagas, desde que o ex-empregado reclamante comprove, com elementos concretos de prova, que houve efetiva falha do Poder Público na fiscalização do contrato. Ex: a Administração Pública é comunicada que a empresa contratada está descumprindo a legislação trabalhista, atrasando os salários dos seus funcionários etc, no entanto, mesmo assim, o Poder Público não toma nenhuma providência para sanar o problema. Neste caso, está demonstrada a desídia do ente, ensejando a sua responsabilidade subsidiária. E quanto aos encargos previdenciários? A regra é a mesma? NÃO. Caso a empresa contratada não pague seus encargos previdenciários (ex: não pagou a contribuição previdenciária dos funcionários), a Administração Pública contratante irá responder pelo débito de forma solidária. Essa foi a opção do legislador:

Art. 71 (...) § 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela Lei nº 9.032/95)

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SERVIDORES PÚBLICOS Se a pessoa acumular licitamente dois cargos públicos ela poderá receber acima do teto

Importante!!!

Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público.

Ex: se determinado Ministro do STF for também professor da UnB, ele irá receber seu subsídio integral como Ministro e mais a remuneração decorrente do magistério. Nesse caso, o teto seria considerado especificamente para cada cargo, sendo permitido que ele receba acima do limite previsto no art. 37, XI da CF se considerarmos seus ganhos globais.

STF. Plená rio. RE 612975/MT e RE 602043/MT, Rel. Min. Márco Aure lio, julgádos em 26 e 27/4/2017 (repercussá o gerál) (Info 862).

TETO REMUNERATÓRIO A CF/88 prevê, em seu art. 37, XI, o chamado “teto remuneratório”, ou seja, o valor máximo que os agentes públicos podem receber no país. O objetivo do constituinte foi o de evitar que alguns agentes públicos recebessem os chamados “supersalários”, que são incompatíveis com o serviço público. Além de um teto geral (nacional), o dispositivo constitucional prevê limites específicos para o âmbito dos Estados e Municípios (chamados de subtetos). O teto geral do serviço público no Brasil é o subsídio dos Ministros do STF que, atualmente, está em cerca de R$ 37.476,93 mil (bruto). COMO É O TETO REMUNERATÓRIO

Teto NACIONAL: subsídio dos Ministros do STF Ninguém poderá receber acima desse valor; as Constituições estaduais e leis orgânicas podem fixar

subtetos para Estados/DF e Municípios; tais subtetos também deverão respeitar o teto nacional.

Subteto na União

Subteto nos Estados/DF Subteto nos Municípios

Subsídio dos Ministros do STF

Existem duas opções: Opção 1 (subtetos diferentes para cada um dos Poderes): Executivo: subsídio do Governador. Legislativo: subsídio dos Deputados Estaduais. Judiciário (inclui MP, Defensoria e Procuradoria): subsídio dos Desembargadores do TJ, limitado a 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF.* Opção 2 (subteto único para todos os Poderes): o valor máximo seria o subsídio dos Desembargadores do TJ, limitado a 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF.* O subsídio dos Deputados Estaduais/Distritais seguirá regras próprias (§ 2º do art. 27), não estando sujeito ao subsídio dos Desembargadores mesmo que se adote esta 2ª opção. Vale ressaltar que quem define se o Estado-membro adotará subtetos diferentes ou único é a Constituição estadual.

Subsídio do Prefeito

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* A CF/88 dá a entender que o subsídio dos Desembargado-res e dos juízes estaduais não poderia ser maior que 90,25% do subsídio do Ministro do STF. O STF, contudo, declarou que esta interpretação é inconstitucional (STF ADI 3.854). O teto para os Desembargadores e juízes estaduais é 100% do sub-sídio dos Ministros do STF, ou seja, eles podem, em tese, re-ceber o mesmo que os Ministros do STF. Vale ressaltar, no entanto, que o limite de 90,25% do subsídio dos Ministros do STF aplica-se sim para os servidores do Poder Judiciário esta-dual (na opção 1) e para os servidores dos três Poderes esta-duais (na opção 2).

A QUEM SE APLICA O TETO O teto é aplicado aos agentes públicos independentemente do tipo de vínculo: estatutário, celetista, temporário, comissionado, político. O teto vale também para a Administração direta e indireta?

Agentes públicos da administração direta: SEMPRE

Agentes públicos das autarquias e fundações: SEMPRE

Empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista: o teto somente se aplica se a empresa pública ou a sociedade de economia mista receber recursos da União, dos Estados, do DF ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral (art. 37, § 9º).

Os proventos recebidos pelo agente público aposentado também estão submetidos ao teto? Sim. A redação do art. 37, XI, menciona expressamente os proventos. ACUMULAÇÃO DE CARGO PÚBLICO E TETO REMUNERATÓRIO A CF/88 (art. 37, XVI) proíbe a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto: a) dois cargos de professor; b) um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Se a pessoa acumular cargos em uma dessas hipóteses, ela poderá receber acima do teto? Em caso de acumulação lícita de cargos, o teto será considerado para a remuneração de cada cargo isoladamente?

Literalidade da CF/88 e EC 41/2003: NÃO. A soma das remunerações dos

dois cargos não pode ser superior ao teto.

Entendimento do STJ e do STF: SIM. O limite do teto deverá ser considerado separadamente para cada um dos vínculos.

A redação literal do art. 37, XI e XVI, da CF/88 dá a entender que, mesmo nos casos de acumulação permitida, deve-se respeitar o teto constitucional previsto no art. 37, XI. Veja as partes em cinza: XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de

A jurisprudência entende que, nos casos de acumulação, os cargos devem ser considerados isoladamente para efeitos do teto. Assim, a remuneração de cada cargo não pode ser superior ao teto, sendo possível que a soma dos dois ultrapasse esse limite. Ex: se determinado Ministro do STF for tam-bém professor da UnB, ele irá receber seu

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mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (...) XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver com-patibilidade de horários, observado em qual-quer caso o disposto no inciso XI (...)

subsídio integral como Ministro e mais a re-muneração decorrente do magistério. Nesse caso, o teto seria considerado especifica-mente para cada cargo, sendo permitido que ele receba acima do limite previsto no art. 37, XI da CF se considerarmos seus ganhos glo-bais.

O STF decidiu o tema em sede de repercussão geral e fixou a seguinte tese:

Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público. STF. Plenário. RE 612975/MT e RE 602043/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 26 e 27/4/2017 (repercussão geral) (Info 862).

O fato de a remuneração total do servidor (remuneração dos dois cargos acumuláveis) ultrapassar o teto constitucional não vai contra o espírito do legislador constituinte. O objetivo do teto constitucional foi o de evitar que o servidor obtivesse ganhos desproporcionais. A partir do momento em que o teto existe para cada um dos cargos, não há prejuízo à dimensão ética da norma caso a soma dos dois seja superior ao teto. Se o teto fosse para o conjunto das duas remunerações, haveria um desestímulo à acumulação de cargos que é permitida pelo texto constitucional, o que traria prejuízos inclusive para a eficiência administrativa. A incidência do teto sobre os dois cargos geraria enriquecimento sem causa do Poder Público porque o servidor iria trabalhar e não teria direito à remuneração integral de um dos cargos. Ademais, isso poderia provocar situações contrárias ao princípio da isonomia, já que poderia conferir tratamento desigual entre servidores públicos que exerçam idênticas funções. Ex: um promotor que fosse professor em uma universidade pública receberia menos pela função de professor do que um advogado que também fosse professor na mesma instituição, com a mesma carga horária. STJ O STJ possui o mesmo entendimento:

(...) A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que em se tratando de cumulação legítima de cargos, a remuneração do servidor público não se submete ao teto constitucional, devendo os cargos, para este fim, ser considerados isoladamente. (...) STJ. 1ª Turma. AgRg no RMS 45.937/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/11/2015.

Veja o que disse o ex-Min. Castro Meira sobre o tema: “É incongruente que a norma constitucional assegure o direito ao exercício cumulativo de dois cargos efetivos - não restringindo essa prerrogativa nem àqueles que já recebem o teto - e, ao mesmo tempo, impeça o pagamento dos respectivos rendimentos, isto é, conferindo um direito despido de eficácia. Caso se conclua pela incidência do teto constitucional nesses casos, estar-se-á permitindo o exercício gratuito da atividade pública profissional, o que é vedado, sob pena de autorizar-se o enriquecimento ilícito da

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administração. Ademais, a própria Lei 8.112/90 (art. 4º), norma geral aplicável aos servidores públicos, proíbe a prestação de serviços gratuitos. ” (STJ. RMS 33.170/DF) CNJ Vale ressaltar que, no âmbito administrativo do Poder Judiciário, o CNJ editou a Resolução nº 13/2006 reconhecendo que não se submetem ao teto remuneratório o exercício da magistratura com o desempenho do magistério:

Art. 8º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas: (...) II - de caráter permanente: a) remuneração ou provento decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal;

Vale também para acumulação de aposentadorias ou pensões A conclusão acima exposta vale também para servidores que se aposentaram em dois cargos acumuláveis. Neste caso, a soma dos dois proventos também poderá ultrapassar o teto. Logo, o art. 40, § 11, da CF/88 deverá ser interpretado como sendo um teto para cada aposentadoria:

§ 11 - Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo.

PARCELAS INCLUÍDAS NO TETO Diante de tudo que foi exposto, quais são as parcelas que estão limitadas ao teto? Regra: o teto abrange todas as espécies remuneratórias e todas as parcelas integrantes do valor total percebido, incluídas as vantagens pessoais ou quaisquer outras. Exceções: Estão fora do teto as seguintes verbas: a) parcelas de caráter indenizatório previstas em lei (§ 11 do art. 37); b) verbas que correspondam aos direitos sociais previstos no art. 7º c/c o art. 39, § 3º da CF/88, tais como

13º salário, 1/3 constitucional de férias etc. (posição da doutrina. Ex: Fernanda Marinela); c) quantias recebidas pelo servidor a título de abono de permanência em serviço (§ 19 do art. 40); d) remuneração em caso de acumulação legítima de cargos públicos (RE 612975/MT).

BENS PÚBLICOS Continuam pertencendo à União os terrenos de marinha

situados em ilha costeira que seja sede de Município

Importante!!!

A EC 46/2005 não interferiu na propriedade da União, nos moldes do art. 20, VII, da Constituição Federal, sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos situados em ilhas costeiras sede de Municípios.

STF. Plená rio. RE 636199/ES, Rel. Min. Rosá Weber, julgádo em 27/4/2017 (repercussá o gerál) (Info 862).

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A quem pertencem as ilhas?

ESPÉCIES DE ILHAS FLUVIAIS E LACUSTRES OCEÂNICAS COSTEIRAS

Em regra, pertencem aos Estados. Exceção: pertencem à União se estiverem nas zonas limítrofes com outros países (art. 20, IV).

Em regra, pertencem à União. Exceção: dentro da ilha pode haver áreas que estejam no domínio do Estado, do Município ou de terceiro particular. Neste caso, pertencem ao Estado, ao Município ou ao terceiro. Ex: Fernando de Noronha, que é uma autarquia do Estado de PE.

Em regra, pertencem à União. Exceção 1: dentro da ilha pode haver áreas que estejam no domínio do Estado, do Município ou de terceiro particular. Neste caso, pertencem ao Estado, ao Município ou ao terceiro. Exceção 2: se a ilha costeira for sede de Município, então, neste caso, ela não pertence à União, salvo as áreas da ilha afetadas ao serviço público ou que forem unidade ambiental federal.

EC 46/2005 A exceção 2 acima prevista para as ilhas costeiras foi instituída pela EC 46/2005. Veja a mudança promovida pela emenda:

Redação originária da CF/88 Redação atual (dada pela EC 46/2005)

Art. 20. São bens da União: (...) IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II;

Art. 20. São bens da União: (...) IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;

Antes da EC 46/2005, a regra geral era a de que as ilhas costeiras pertenceriam à União. Esta emenda criou uma exceção. Com a nova redação dada ao art. 20, IV, da CF/88, não mais se pode presumir a propriedade da União sobre terras localizadas nas ilhas costeiras em que contida sede de Município. Antes da EC 46/2005, presumia-se que toda a ilha costeira pertencia à União. Agora não mais. A propriedade da União sobre determinada área localizada dentro de ilha costeira sede de Município depende da existência de outro título para legitimá-la. Exemplos de Municípios que se localizam em ilhas costeiras: São Luís, Florianópolis e Vitória. Terrenos de marinha Terrenos de marinha são “todos aqueles que, banhados pelas águas do mar ou dos rios e lagoas navegáveis (estes últimos, exclusivamente, se sofrerem a influência das marés, porque senão serão terrenos reservados), vão até a distância de 33 metros para a parte da terra contados da linha do preamar médio, medida em 1831” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 417). Os terrenos de marinha são bens da União (art. 20, VII, da CF/88). Isso se justifica por se tratar de uma região estratégica em termos de defesa e de segurança nacional (é a “porta de entrada” de navios mercantes ou de guerra).

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José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 1311) explica que, em algumas regiões, a União permitiu que particulares utilizassem, de forma privada, imóveis localizados em terrenos de marinha. Como essas áreas pertencem à União, o uso por particulares é admitido pelo regime da enfiteuse (aforamento), que funciona, em síntese, da seguinte forma:

a União (senhorio direto) transfere ao particular (enfiteuta) o domínio útil;

o particular (enfiteuta) passa a ter a obrigação de pagar anualmente uma importância a título de foro ou pensão.

Situação dos terrenos de marinha em ilhas costeiras sedes de Municípios após a EC 46/2005 Quando a EC 46/2005 foi editada surgiu um debate acerca de sua influência sobre os terrenos de marinha. Como vimos acima, os terrenos de marinha pertencem à União (art. 20, VII, da CF/88). No entanto, surgiu uma corrente defendendo que, por força da EC 46/2005, se o terreno de marinha estiver situado dentro da ilha costeira, então neste caso ele teria deixado de ser terreno de marinha e teria passado a pertencer ao Município. Mais uma vez recorremos à lição de Carvalho Filho: "A nova redação do art. 20, IV, tem suscitado interpretações divergentes quanto à situação dos terrenos de marinha situados nas ilhas costeiras. Uma delas reside em que o citado dispositivo teria excluído tais áreas do patrimônio da União, sendo elas repassadas ao Município, o que geraria a extinção das enfiteuses e ocupações legítimas de terrenos nelas situadas." (ob. cit., p. 1114). Essa tese foi acolhida pelo STF? Os terrenos de marinha situados em ilhas costeiras que forem sede de Município deixaram de pertencer à União? NÃO.

A EC 46/2005 não interferiu na propriedade da União, nos moldes do art. 20, VII, da Constituição Federal, sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos situados em ilhas costeiras sede de Municípios. STF. Plenário. RE 636199/ES, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/4/2017 (repercussão geral) (Info 862).

Uma interpretação sistemática do texto constitucional conduz à conclusão de que a alteração introduzida no inciso IV do art. 20 pela EC 46/2005 não teve a intenção de mudar a propriedade dos terrenos de marinha que continuaram previstos normalmente no inciso VII como sendo bens da União. Os terrenos de marinha e seus acrescidos, do ponto de vista histórico, já integravam o rol de bens da União, mesmo antes de as ilhas costeiras passarem a compor o patrimônio federal. Em outras palavras, algumas Constituições não previram as ilhas costeiras como sendo bens da União. No entanto, já diziam que os terrenos de marinha pertenciam ao ente federal. Assim, por exemplo, os terrenos de marinha e seus acrescidos situados na ilha costeira em que está sediado o Município de Vitória (ES) continuam sendo bens federais.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Não compete ao STF julgar execução individual de sentença coletiva mesmo que

tenha julgado a lide que originou o cumprimento de sentença

Importante!!!

Não compete originariamente ao STF processar e julgar execução individual de sentenças genéricas de perfil coletivo, inclusive aquelas proferidas em sede mandamental. Tal atribuição cabe aos órgãos judiciários competentes de primeira instância.

STF. 2ª Turmá. PET 6076 QO /DF, rel. Min. Diás Toffoli, julgádo em 25/4/2017 (Info 862).

Imagine a seguinte situação hipotética: Os servidores do Ministério da Saúde recebiam a gratificação “X”, no valor de R$ 2 mil. O TCU considerou que a gratificação seria indevida e determinou ao Ministério que cessasse o pagamento. Alguns dias depois da decisão, o sindicato dos servidores públicos federais impetrou mandado de segurança, contra o acórdão do TCU pedindo o restabelecimento do pagamento. Não foi concedida a medida liminar e, com isso, a partir de março de 2014, o Ministério da Saúde deixou de pagar a verba aos servidores do órgão. De quem é a competência para julgar este mandado de segurança coletivo impetrado pelo sindicato? Do STF, nos termos do art. 102, I, “d”, da CF/88:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

Voltando ao exemplo: Suponhamos que quase 1 ano depois do ajuizamento, o STF julga procedente o mandado de segurança reconhecendo que a decisão do TCU foi ilegal e determinando o retorno do pagamento. Assim, a partir de abril de 2015, os servidores voltaram a receber, mensalmente, a gratificação “X”. Ocorre que, de março de 2014 até março de 2015, os servidores ficaram sem a gratificação e a Administração Pública não efetuou o pagamento mesmo com o trânsito em julgado do MS. João foi um dos servidores que ficou sem receber a gratificação neste período de 1 ano. O que ele deverá fazer? Ingressar com a execução individual do acórdão do STF (cumprimento de sentença). Execução individual proposta no STF João ajuizou a execução do seu crédito no próprio STF alegando que a competência originária seria daquela Corte em virtude do art. 102, I, “m”, da CF/88:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente:

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(…) m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;

O STF concordou com o argumento do exequente? Compete ao STF julgar execução individual decorrente de acórdão por ele proferido em mandado de segurança coletivo? NÃO. Não se deve conferir uma interpretação literal para o art. 102, I, “m”, da CF/88. Para que o STF seja competente para fazer a execução de seus acórdãos proferidos em julgamentos originários, é indispensável que a “razão” que atraiu a competência para o STF continue existindo. No caso, tratava-se de cumprimento de sentença proferido nos autos de mandado de segurança coletivo proposto em face de ato do Tribunal de Contas da União. A atração da competência do STF se deu em razão do órgão envolvido na celeuma (TCU), com amparo na alínea “d”, do art. 102, I. A ação, portanto, foi julgada originariamente em razão da autoridade coatora ser o TCU. Esse foi o motivo da atração da competência originária do STF: tratou-se de ação mandamental em face do TCU. A execução, todavia, não contará com a participação nem exigirá qualquer atuação por parte da Corte de Contas. Assim, considerando a missão constitucional da Suprema Corte:

Não compete originariamente ao STF processar e julgar execução individual de sentenças genéricas de perfil coletivo, inclusive aquelas proferidas em sede mandamental. STF. 2ª Turma. PET 6076 QO /DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 25/4/2017 (Info 862).

E quem que será, então, competente para julgar esta execução? O juízo de 1ª instância. No caso concreto, a Justiça Federal comum de 1ª instância considerando que se trata de cumprimento de sentença que tem como executada a União (art. 109, I, da CF/88). Sobre o tema, vale ressaltar que o STJ já reconheceu que o beneficiário individuai da sentença coletiva pode, inclusive, executar a sentença no juízo de seu domicílio:

A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo. STJ. Corte Especial. REsp 1243887/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/10/2011.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO PREVENTIVA Descumprimento de colaboração premiada não justifica, por si só, prisão preventiva

Importante!!!

Não se pode decretar a prisão preventiva do acusado pelo simples fato de ele ter descumprido acordo de colaboração premiada.

Não há, sob o ponto de vista jurídico, relação direta entre a prisão preventiva e o acordo de colaboração premiada. Tampouco há previsão de que, em decorrência do descumprimento do acordo, seja restabelecida prisão preventiva anteriormente revogada.

Por essa razão, o descumprimento do que foi acordado não justifica a decretação de nova custódia cautelar.

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É necessário verificar, no caso concreto, a presença dos requisitos da prisão preventiva, não podendo o decreto prisional ter como fundamento apenas a quebra do acordo.

STF. 1ª Turmá. HC 138207/PR, Rel. Min. Edson Fáchin, julgádo em 25/4/2017 (Info 862).

Sem comentários adicionais.

HABEAS CORPUS Não cabimento de habeas corpus contra decisão monocrática de Ministro do STJ

Em regra, não cabe habeas corpus para o STF contra decisão monocrática do Ministro do STJ que não conhece ou denega habeas corpus que havia sido interposto naquele Tribunal. É necessário que primeiro o impetrante exaure (esgote), no tribunal a quo (no caso, o STJ), as vias recursais ainda cabíveis (no caso, o agravo regimental).

Exceção: essa regra pode ser afastada em casos excepcionais, quando a decisão atacada se mostrar teratológica, flagrantemente ilegal, abusiva ou manifestamente contrária à jurisprudência do STF, situações nas quais o STF poderia conceder de ofício o habeas corpus.

STF. 1ª Turmá. HC 139612/MG, Rel. Min. Alexándre de Moráes, julgádo em 25/4/2017 (Info 862).

A situação foi a seguinte: Em agosto de 2010, o ex-goleiro Bruno foi preso preventivamente suspeito de homicídio. Em março de 2013, foi condenado a 22 anos e 3 meses de reclusão por decisão do Tribunal de Júri da comarca de Contagem/MG, tendo sido mantida a prisão cautelar. Contra esta sentença, a defesa interpôs apelação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Como ainda não havia sido julgada a apelação, a defesa impetrou habeas corpus no STJ alegando excesso de prazo e pedindo que o condenado aguardasse o julgamento do recurso em liberdade. O pedido da defesa foi denegado em decisão monocrática do Min. Sebastião Reis Nunes, do STJ. Contra esta decisão monocrática foi impetrado novo habeas corpus, agora no STF. Em fevereiro de 2017, o Min. Marco Aurélio, monocraticamente, deferiu a liminar e determinou que o paciente aguardasse o julgamento em liberdade. Vale ressaltar que a decisão do Min. Marco Aurélio não julgou o mérito do habeas corpus, mas apenas apreciou a liminar. Em abril de 2017, o habeas corpus impetrado no STF (que teve liminar concedida) foi levado para julgamento colegiado na 1a Turma (formada pelo Min. Marco Aurélio e outros 5 Ministros). O que decidiu o STF? A liminar foi mantida e o habeas corpus concedido? NÃO. A 1a Turma do STF, por maioria (4 x 1), não admitiu o habeas corpus, revogou a liminar anteriormente deferida e determinou o restabelecimento da prisão preventiva do paciente. Não cabimento de habeas corpus contra decisão monocrática de Ministro do STJ EM REGRA, não cabe habeas corpus para o STF contra decisão monocrática do Ministro do STJ que não conhece ou denega habeas corpus que havia sido interposto naquele Tribunal. Confira: Há óbice ao conhecimento de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática - em que não conhecido anterior habeas corpus-, do Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisdição não se esgotou. Precedentes. (...). STF. 1a Turma. HC 122718, Rel. Min. ROSA WEBER, julgado em 19/08/2014.

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Informativo 862-STF (08/05/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

Aplica-se aqui o raciocínio da súmula 691 do STF: Súmula 691-STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar. Por que não cabe? Porque o STF entende que não se exauriu a apreciação do tema no STJ. A defesa, em vez de ter impetrado novo habeas corpus no STF, deveria ter interposto agravo regimental contra a decisão do Ministro do STJ, recurso que seria julgado pela 5a ou 6a Turmas do STJ (art. 258 do RISTJ). Em vez de interpor o agravo regimental, o advogado poderá impetrar novo habeas corpus, dessa vez para o STF, questionando essa decisão monocrática do Ministro do STJ? NÃO. Em situações assim normalmente o STF não conhece do HC:

(...) 3. Decisão monocrática do STJ. Ausência de interposição de agravo regimental. Não exaurimento da jurisdição e inobservância ao princípio da colegialidade. Precedentes. (...) STF. 2ª Turma. HC 131550 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 15/12/2015.

Dessa forma, o exaurimento da instância antecedente é, como regra, pressuposto para ensejar a competência do STF. EXCEÇÕES: A regra acima exposta pode ser afastada em casos excepcionais, quando a decisão atacada se mostrar teratológica, flagrantemente ilegal, abusiva ou manifestamente contrária à jurisprudência do STF, situações nas quais o STF poderia conceder de ofício o habeas corpus. Caso concreto A maioria dos Ministros entendeu que, no caso concreto, não havia nenhuma das hipóteses excepcionais acima explicadas, devendo, portanto, ser aplicada a regra geral segundo a qual não cabe habeas corpus contra decisão monocrática do Ministro do STJ. A custódia cautelar do paciente foi mantida em sentença condenatória devidamente fundamentada e em respeito à soberania dos veredictos do Tribunal do Júri. O STF possui precedentes no sentido de que: A prisão do réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade. STF. 1a Turma. HC 118.770-SP, Red. p/acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 7/3/2017. A decisão soberana do Tribunal popular deve ser respeitada no caso concreto, inclusive porque a decisão dos jurados foi baseada, também, na própria confissão do réu em Plenário. Além disso, o STF entendeu que não havia excesso de prazo atribuível direta e exclusivamente à inércia dos órgãos judiciários. A demora no julgamento da apelação deu-se em virtude da complexidade da causa e de alguns artifícios processuais utilizados pelo réu, em seu legítimo exercício do direito de ampla defesa.

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Informativo 862-STF (08/05/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de

mensalidade em cursos de especialização. ( ) 2) (Promotor MP/PR 2014) A Constituição Federal, dentre os princípios basilares do ensino, inseriu o da

gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Sobre o tema, é posição do Supremo Tribunal Federal, consagrada em súmula vinculante, a impossibilidade de cobrança de taxa de matrícula em Universidades Públicas. ( )

3) (DPE/AC 2012 CESPE) É constitucional a cobrança de taxa de matrícula pelas universidades públicas. ( ) 4) O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere

automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. ( )

5) (Promotor MP/RO 2010 CESPE) A responsabilidade pelos encargos previdenciários resultante da execução do contrato é da empresa contratada, de forma que a administração pública não possui qualquer responsabilidade solidária em caso de inadimplência. ( )

6) (DP/DF 2013 CESPE) Segundo entendimento do STJ, a acumulação de proventos de servidor aposentado em decorrência do exercício cumulado de dois cargos de profissionais da área de saúde legalmente exercidos, nos termos autorizados pela CF, não se submete ao teto constitucional, devendo os cargos ser considerados isoladamente para esse fim. ( )

7) Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público. ( )

8) (Proc. do Município PGM-SALVADOR 2015 CESPE) Os limites fixados para os valores dos subsídios de prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais serão estabelecidos pela Constituição do respectivo estado-membro, observado o teto constitucional nacional. ( )

9) (Juiz TJDFT 2015 CESPE) O salário de agentes públicos de sociedade de economia mista não está limitado ao teto salarial constitucional porque esses agentes estão submetidos ao regime celetista e vinculados a uma pessoa jurídica de direito privado. ( )

10) (DP/ES 2012) De acordo com a CF, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei não são computadas para efeito de cumprimento do teto constitucional da remuneração dos servidores públicos. ( )

11) A EC 46/2005 não interferiu na propriedade da União, nos moldes do art. 20, VII, da Constituição Federal, sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos situados em ilhas costeiras sede de Municípios. ( )

12) (Juiz TRF3 2015 banca própria) Incluem-se entre os bens dos Estados as áreas nas ilhas oceânicas e costeiras que estiverem sob seu domínio, excluídas as que forem da União, dos Municípios ou que pertençam a particulares. ( )

13) (Cartório ES 2013 CESPE) Incluem-se entre os bens dos estados todas as ilhas fluviais e lacustres existentes em seu território ou em zonas limítrofes com outros países. ( )

14) (Cartório TJ/RO 2012 IESES) Integram o patrimônio da União as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países e as praias marítimas; as ilhas oceânicas e costeiras, inclusive, destas, as que contenham a sede de Municípios. ( )

15) Não compete originariamente ao STF processar e julgar execução individual de sentenças genéricas de perfil coletivo, inclusive aquelas proferidas em sede mandamental. Tal atribuição cabe aos órgãos judiciários competentes de primeira instância. ( )

16) (DPE/SP 2015) Em julgamento de recurso representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça assentou que a liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário. ( )

17) (DPE/RR 2013) É vedado ao beneficiário de sentença genérica proferida em ação civil coletiva ajuizar a liquidação e a execução individual no foro do seu domicílio. ( )

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Informativo 862-STF (08/05/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

18) É possível decretar a prisão preventiva do acusado pelo simples fato de o acusado ter descumprido acordo de colaboração premiada. ( )

19) (Delegado PC-GO 2017 CESPE) É cabível habeas corpus contra decisão monocrática de ministro de tribunal. ( )

20) (Promotor MP/PE 2014 CESPE) Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. E 4. C 5. E 6. C 7. C 8. E 9. E 10. C

11. C 12. C 13. E 14. E 15. C 16. C 17. E 18. E 19. E 20. C

OUTRAS INFORMAÇÕES

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada

do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam

despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Plenitude do exercício da liberdade de expressão - Dignidade da pessoa humana (Transcrições)

Rcl 26.841 MC/MS*

Relator: Ministro Dias Toffoli

DECISÃO: Cuida-se de reclamação constitucional, com pedido de tutela de urgência, ajuizada por NÉLIO RAUL BRANDÃO em face de decisão do JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CAMPO GRANDE, que teria afrontado a autoridade do Supremo Tribunal Federal e a eficácia do julgado na ADPF nº 130/DF.

NÉLIO RAUL BRANDÃO sustenta que atua na atividade jornalística há muitos anos, tendo rompido o vínculo empregatício mantido com

sociedade empresária de telecomunicação para dedicar-se à atuação autônoma em espaço virtual de comunicação denominado “Blog do Nélio”, no qual promove o jornalismo investigativo.

Da narrativa apresentada na peça vestibular, tem-se que Nélio Raul Brandão é demandado na “Ação Inibitória c.c. com Reparação de Danos

Morais” nº 0844843-48.2016.8.12.0001, movida pela Associação Sul Matogrossense dos Membros do Ministério Público (ASMMP) em defesa dos interesses de seus associados, contra reportagens publicadas no “Blog do Nélio”.

O reclamante relata que:

a) Em 16/12/2016, foi parcialmente deferida a tutela de urgência requerida na Ação nº 0844843-48.2016.8.12.0001, determinando a exclusão de “trechos de algumas notícias” e mantendo “inalteradas outras, uma vez que a Juíza entendeu corretamente que ‘não há conteúdo dirigido especificamente

à conduta dos representados, em que a remoção da matéria causaria dano inverso, ou seja, além de não se relacionar aos representados, haveria ingerência

indevida no livre exercício de manifestação do pensamento do requerido’.” Nessa decisão, foi determinado também ao reclamante abster-se de publicar novas matérias com conteúdo pejorativo aos associados da ASMMP,

sendo fixada multa diária de R$1.000,00 (um mil reais), limitada a 30 (trinta) dias, no caso de descumprimento das determinações.

b) Ante “nova notícia publicada pelo Reclamante”, a ASMMP peticionou “[á]s f. 138/140” da Ação nº 0844843-48.2016.8.12.0001, alegando descum-primento da decisão liminar, o que foi indeferido em 3/3/2017. Essa decisão não foi objeto de recurso.

c) A ASMMP peticionou novamente na Ação nº 0844843-48.2016.8.12.0001 (petição de fls. 206 a 221), solicitando nova tutela de urgência em

razão de “nova notícia publicada”, no sentido de determinar não apenas a exclusão da notícia do ambiente digital “Blog do Nélio”, mas também a suspensão do acesso ao blog, a qual foi deferida apenas parcialmente para acolher o primeiro pedido, bem como dobrar o valor das astreintes e ampliar

limite de sua aplicação para 90 (noventa) dias.

d) Em 4/4/2017, foi apresentado novo pedido de tutela de urgência pela ASMMP, nos autos da Ação nº 0844843-48.2016.8.12.0001, em razão de nova matéria veiculada no espaço virtual “Blog do Nélio”, o qual foi acolhido para determinar a retirada do domínio eletrônico do ambiente virtual no prazo de 2

(dois) dias, sob pena de prisão do ora reclamante, a qual foi objeto de recurso, bem como deu ensejo à presente reclamação constitucional.

NÉLIO RAUL BRANDÃO argumenta que, ao contrário do que alega a ASMMP e concluiu o Juízo reclamado, a matéria jornalística que motivou a decisão ora questionada “[n]ão é uma notícia falsa ou fantasiosa, nem possui cunho íntimo, pessoal ou ilegal”; antes, “descreve fatos públicos e

notórios de interesse da população sul-mato-grossense, levando a público a prioridade de gastos e o uso do orçamento e da res publica”, estando

fundamentada em dados publicados no “Diário Oficial do próprio MPE, de 07.03.2017”.

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Informativo 862-STF (08/05/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

Defende que as decisões que deferiram as tutelas de urgência na Ação nº 0844843-48.2016.8.12.0001 vão de encontro à eficácia da decisão proferida na ADPF nº 130/DF, na qual o STF “declarou [...] o impedimento de que o Estado, ou qualquer pessoa, restrinja a atividade jornalística,

impedindo a prática, por qualquer órgão estatal, de ato censório contra o mister de imprensa”.

Sustenta, também, que a decisão proferida em 6/4/2017 na Ação nº 0844843-48.2016.8.12.0001 é nula, porquanto: a) assinada pelo juiz Paulo Afonso de Oliveira, cuja designação para auxiliar a Presidência do TJMS até 31/1/2019 (Portaria nº 71/2017) foi

tornada sem efeito – com o seu consequente retorno à atuação na 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande - ocorreu na mesma data em que protocolado o

novo pedido liminar da ASMMP nos autos originários (em 4/4/2017) e b) a decisão reclamada foi “proferida em 06.04.17, às 17:19 horas”, quando já havia sido publicada a nomeação do juiz Paulo Afonso de Oliveira

para ocupar “cargo de direção no TJMS” no Diário Oficial.

Nesse tocante, sustenta que

“[sob] qualquer prisma, há violação ao Juiz Natural, pois há evidência claras do deslocamento do Juiz do Tribunal para aquele Juízo, para deferir a liminar reclamada, em violação ao princípio do Juiz Natural e em um verdadeiro Tribunal de Exceção, resultando na nulidade absoluta

do decisum.”

Requer que seja proferida decisão liminar “para suspender todas as decisões (ab initio) do processo originário que ordenaram ao Reclamante

suspender a veiculação de notícias”. No mérito, postula que seja julgada procedente a reclamação “para cassar as decisões exaradas no processo originário e eventuais decisões que

as confirmem do TJMS (vide precedente), com a liberação do Reclamante para publicar notícias sobre membros do Ministério Público do Mato Grosso

do Sul (sem prejuízo de futura indenização caso extrapole os limites do jornalismo, respeitado o devido processo legal)”. Requeri prévias informações ao pedido liminar, prestadas pelo Juiz de Direito da 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CAMPO GRANDE no

sentido de afirmar a ausência de violação ao postulado do juiz natural, pois a revogação de sua nomeação para atuar como Juiz Auxiliar da Presidência

do TJMS ocorreu em atendimento à Resolução nº 209/2015 do CNJ, bem como porque, ao contrário do que afirma o reclamante, desde de 6/4/2017, exerce a atribuição de Diretor da central de Processamento Eletrônico (CPE) do TJMS, sem prejuízo do “exercício da judicatura na 2ª Vara Cível de

Campo Grande, MS, da qual é titular”.

A autoridade reclamada defende, também, que as decisões proferidas na Ação nº 0844843-48.2016.8.12.0001 não contrariam a autoridade do STF, pois, da ADPF nº 130/DF, é possível extrair também a conclusão de que “a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade são valores que

não se excluem ou se sobrepujam”.

Sustenta, assim, que a medida cautelar por que se determinou a retirada do ar do “Blog do Nélio” justifica-se diante do comportamento reiterado do profissional em descumprir determinação judicial no sentido de se abster de editar matérias que ultrapassam o caráter informativo da atividade

jornalística, imprimindo conteúdo pejorativo à instituição do Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul e à honra e à imagem de alguns de

seus membros. É o relatório. Decido.

A presente reclamação foi interposta em 11/4/2017, após o Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande determinar, em

6/4/2017, a retirada do domínio eletrônico do ambiente virtual no prazo de 2 (dois) dias, sob pena de prisão do ora reclamante, a qual foi objeto

de recurso.

Em precedente Plenário, firmou-se entendimento de que a procedência da ação reclamatória tem o condão de desconstituir a eficácia de decisões,

nos autos originários, proferidas após o ajuizamento do instituto nesta Suprema Corte. Cito precedente:

“I. Reclamação: subsistência à coisa julgada formada na sua pendência.

Ajuizada a reclamação antes do trânsito em julgado da decisão reclamada, e não suspenso liminarmente o processo principal, a

eficácia de tudo quanto nele se decidir ulteriormente, incluído o eventual trânsito em julgado do provimento que se tacha de contrário

à autoridade de acórdão do STF, será desconstituído pela procedência da reclamação. Reclamação: improcedência.

Sentença de liquidação de decisão de Tribunal Superior não afronta a autoridade de acórdão do Supremo Tribunal exarado no processo

de execução que se limitou a afirmar compatibilidade entre o julgado no processo de conhecimento e o do mesmo Tribunal Superior, que reputara ofensiva da coisa julgada, e consequentemente nula, a primitiva declaração de improcedência da liquidação” (Rcl nº 509/MG, Relator o Ministro

Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 4/8/2000 - grifei).

Uma vez que o próprio reclamante, nas razões da peça vestibular, relata que não interpôs recurso contra as decisões proferidas em

16/12/2016 e 15/3/2017, nos autos da Ação nº 0844843-48.2016.8.12.0001, entendo que não se deve conhecer da presente reclamação quanto a

esses objetos, em respeito à jurisprudência reiterada desta Corte no sentido da inadmissibilidade do uso da reclamatória como sucedâneo de recurso

que a parte tenha deixado de apresentar oportuna e validamente - a juízo da autoridade competente -, a fim de reascender debate precluso no processo de referência. Nesse sentido:

“RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. MEDIDA PROPOSTA QUANDO A QUESTÃO IMPUGNADA JÁ ESTAVA PRE-

CLUSA. 1. A propositura de uma reclamação pressupõe que a questão impugnada ainda possa ser revisitada. Não se admite o manejo da medida

para reabrir pontos já acobertados pela preclusão. 2. O equívoco da parte que deixa de interpor o recurso cabível no momento oportuno não pode ser sanado com o ajuizamento de uma reclamação. Afinal, “[é] defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo

respeito se operou a preclusão” (CPC, art. 273). 3. No caso dos autos, a preclusão já foi até declarada por esta Corte quando apreciou o recurso

extraordinário interposto pela ora agravante (RE 500.411-AgR/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa). Na ocasião, foi reconhecido que a “questão constitucional que serviu de fundamento ao acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região não foi atacada no momento próprio”. 4. Agravo

regimental a que se nega provimento” (Rcl nº 2.517/RJ-AgR, Relator o Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 29/9/14).

“Ementa: embargo de declaração na Reclamação. Conversão em agravo regimental. Direito do consumidor. Código de defesa do consu-

midor. Aplicação retroativa. Afronta à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal. RE 395.384/PR. Inocorrência. Decisão reclamada relacionada à legitimidade ativa da parte. Impossibilidade do manejo de reclamação como sucedâneo recursal. Agravo regimental a que se nega

provimento. 1. Os embargos de declaração opostos objetivando a reforma da decisão do relator, com caráter infringente, devem ser convertidos

em agravo regimental, que é o recurso cabível, por força do princípio da fungibilidade. (Precedentes: Pet 4.837-ED, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJ 14.3.2011; Rcl 11.022-ED, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJ 7.4.2011; AI 547.827-ED, rel. Min. DIAS

TOFFOLI, 1ª Turma, DJ 9.3.2011; RE 546.525-ED, rel. Min. ELLEN GRACIE, 2ª Turma, DJ 5.4.2011). 2. Ausente o alegado descumprimento

da autoridade da decisão desta Suprema Corte (RE 395.384/PR), inviável o manejo da reclamação. 3. In casu: a) No julgamento realizado nos autos do RE 395.3984/PR (Rel. Ministro Sepúlveda Pertence), o Supremo Tribunal Federal assentou inaplicável o Código de Defesa do Consu-

midor a situações anteriores à sua vigência, sob pena de afronta ao art. 5°, XXXVI, da Constituição Federal; b) Neste feito, o acórdão reclamado

dirimiu controvérsia relacionada à legitimidade ativa da APADECO, ressalvando-se que, “quando da propositura da presente ação, o código de

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Informativo 862-STF (08/05/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

Defesa do Consumidor já estava vigente”. 4. A reclamação não pode ser manejada como sucedâneo de recurso. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (Rcl nº 17.045/PR-ED, Relator o Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 2/6/15).

“RECLAMAÇÃO – OBJETO. A reclamação pressupõe tenha sido usurpada a competência do Supremo ou desrespeitada decisão profe-

rida, sendo imprópria a utilização da medida como sucedâneo recursal” (Rcl nº 18.726/SP-AgR, Relator o Ministro Marco Aurélio, Primeira

Turma, DJe de 2/6/15).

“RECLAMAÇÃO – INVIABILIDADE – NÃO OCORRÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS QUE AUTORIZAM A SUA UTILIZAÇÃO – INEXISTÊNCIA, NO CASO, DE SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE

OU DE DESRESPEITO À AUTORIDADE DE SUAS DECISÕES – NÃO CONFIGURAÇÃO DA SUPOSTA TRANSGRESSÃO AOS

ACÓRDÃOS-PARADIGMA – AUSÊNCIA DE QUALQUER RELAÇÃO DE IDENTIDADE ENTRE A MATÉRIA VERSADA NA DECI-SÃO OBJETO DA RECLAMAÇÃO E AQUELA EXAMINADA NOS JULGAMENTOS INVOCADOS COMO PARÂMETROS DE CONFRONTO

– INADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL – IMPOSSIBILIDADE DE EMPREGO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECUR-

SAL – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO” (Rcl nº 14.147/SP-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, Se-gunda Turma, DJe de 2/12/14).

Dessa perspectiva, conheço a ação apenas em relação à decisão proferida em 6/4/2017, na qual se determinou a retirada do ar do “Blog do Nélio”, sob pena de prisão de Nélio Raul Brandão, uma vez que esta decisão foi objeto de recurso. Ressalte-se, ainda, que a presente ação, em caso de procedência, tem o condão de desconstituir eventuais decisões prolatadas nas instâncias recursais relacionadas a esse estrito objeto.

Nesse sentido, passo à apreciação do pedido liminar.

Acerca do tema da liberdade de expressão, e seu consectário relativo à liberdade de imprensa, esta Corte, em momento antológico, no julga-mento da ADPF nº 130, debruçou-se com percuciência sobre a temática, ressaltando, na ocasião, a plenitude do exercício da liberdade de expressão como decorrência imanente da dignidade da pessoa humana e como meio de reafirmação/potencialização de outras liberdades constitucionais.

Na mesma sede, foi assentada a regulação estritamente constitucional do tema, imunizando o direito de livre expressão contra tentativas de

disciplina ou autorização prévias por parte de norma hierarquicamente inferior, a teor do art. 220 da Carta Federal, segundo o qual a “manifestação do

pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Asseverou-se, ainda, a existência de óbice constitucional ao controle prévio pelo Poder Público do conteúdo objeto de expressão, sem, contudo, retirar do emissor a responsabilidade por eventual desrespeito a direitos alheios imputados à comunicação.

Exatamente, por isso, aponta-se como paradigma a ADPF nº 130/DF, na qual o STF, mesmo assentando a natureza essencial da “liberdade

de informação jornalística” para o processo democrático - fundamentada nos direitos de personalidade referentes à livre manifestação do pensamento

e de acesso à informação -, considerou resguardados os direitos de personalidade atinentes a intimidade, vida privada, imagem e honra ante a

subsistência da possibilidade de controle a posteriori da atividade de imprensa exercida livremente. Destaco trecho da ementa, na parte de inte-resse:

“REGIME CONSTITUCIONAL DA ‘LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA’, EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBER-

DADE DE IMPRENSA. A ‘PLENA’ LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER

TIPO DE CENSURA PRÉVIA. (…) LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IM-

PRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. (…) PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE

PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO DOS DI-

REITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POS-

TERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR

RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LI-

BERDADE DE IMPRENSA (…) 3. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DE SUPERIORES

BENS DE PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A LIVRE MANI-

FESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E CO-MUNICACIONAL. TRANSPASSE DA NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO CONSTITUCIONAL

SOBRE A COMUNICAÇÃO SOCIAL. O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa,

porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras

disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal

como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são

de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de

imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações

como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional ‘observado o disposto nesta

Constituição’ (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como

consequência ou responsabilização pelo desfrute da ‘plena liberdade de informação jornalística’ (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se

resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica.” (ADPF nº 130/DF, Relator o Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe 5/11/09, grifei).

No paradigma (ADPF nº 130/DF), a atuação do Poder Judiciário, quando demandado por aquele que entender ter sido atingido em sua intimi-dade, honra ou vida privada por expressão artística, intelectual ou comunicacional de outrem (pessoa física ou jurídica), não restou condenada, des-tacando-se entretanto que, por se tratar de um controle a posteriori, a atividade jurisdicional recai sobre fatos e provas produzidos no caso concreto, a fim de se formar o juízo de procedência ou não do pedido de direito de resposta, indenização ou outra medida que se fizer necessária para fazer cessar o abuso. Vide:

“4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação

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Informativo 862-STF (08/05/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à

honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que

a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos consti-

tucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de persona-

lidade em que se traduz a ‘livre’ e ‘plena’ manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a

cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densifi-

cadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos

subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensa-mento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a

forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado

regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito

de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo

atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa.

5. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MA-TERIAIS. Sem embargo, a excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa, em violação

ao princípio constitucional da proporcionalidade. A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e

a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa

e da concreta situação do ofendido. Nada tendo a ver com essa equação a circunstância em si da veiculação do agravo por órgão de

imprensa, porque, senão, a liberdade de informação jornalística deixaria de ser um elemento de expansão e de robustez da liberdade de pensa-

mento e de expressão lato sensu para se tornar um fator de contração e de esqualidez dessa liberdade. Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público

está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar

oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos” (ADPF nº 130/DF, Relator o Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe 5/11/09, grifei).

É importante destacar que o STF, ao julgar a ADPF nº 130, resguardou expressamente a possibilidade de controle a posteriori pelo Poder

Judiciário do conteúdo jornalístico para fins de apuração de responsabilidade por danos causados à imagem e à honra.

Todavia, ao assim decidir, o STF não atraiu para si a análise concreta, em sede reclamatória, das situações de conflito entre o bloco do direito à intimidade, à vida privada, à imagem e à honra e o bloco dos direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa para calibração entre o conteúdo do pensamento ou da informação veiculados (teor, motivação, preparação etc) e a ação de reparação e/ou a punição almejadas. Essa análise deve ser realizada nas instâncias ordinárias a partir dos fatos e provas produzidos no caso concreto.

No entanto, neste juízo sumário, entendo que a decisão no Processo nº 0844843-48.2016.8.12.0001, objeto da presente ação, justifica a excepcional atuação desta Suprema Corte em sede originária, com fundamento na ADPF nº 130/DF.

De fato, há plausibilidade na tese de que a determinação de retirada do domínio eletrônico “Blog do Nélio” do ambiente virtual, sob pena

de prisão do profissional em caso de descumprimento, constitui intervenção vedada ao poder de polícia estatal perante eventuais abusos no exercício da liberdade de manifestação de pensamento.

Note-se que a decisão reclamada impede, inclusive, a veiculação de notícias outras que sequer têm relação com as notícias que deram ensejo ao ajuizamento da ação inibitória cumulada com reparação de danos morais.

Na presente reclamação, destaca-se a liberdade de expressão em sua dimensão instrumental, ou seja, a forma como se dará a exteriorização da manifestação do pensamento. Para que ocorra a real concretização da liberdade de expressão, consagrada no art. 5º, IX, da Carta Maior, é preciso que

haja liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da Carta Maior, garantindo-se a livre circulação de ideias e informações e a comunicação

livre e pluralista, protegida da ingerência estatal. Nas palavras de José Afonso da Silva:

“A ‘liberdade de comunicação’ consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do

pensamento e da informação. É o que se extrai dos incisos IV, V, IX, XII e XIV do art. 5º, combinados com os arts. 220 a 224, da CF. Compreende ela as formas de criação, expressão e

manifestação do pensamento e de informação, e a organização dos meios de comunicação, esta sujeita a regime jurídico especial” (Comentário contextual à Constituição. 3. ed., São Paulo:

Malheiros, 2007. p. 98).

No caso específico, mais do que o esvaziamento do potencial informativo da atividade jornalística, científica, artística, comunicacional e

intelectual desenvolvida por Nélio Raul Brandão, a efetivação da medida cautelar ora impugnada assemelha-se, considerando o ambiente impresso, à intervenção censória sobre veículos de comunicação impeditiva de novas publicações, tal como o fechamento de uma editora, porquanto inviabilizadora

de um canal de comunicação amplamente difundido na sociedade contemporânea.

Não há de se olvidar da importância da liberdade de expressão na realidade atual de utilização da esfera livre da internet. Nas palavras do sociólogo Manuel Castells, “a internet é nosso contexto de comunicação (…) [e] abriu esferas de liberdade que não tínhamos antes”.

Estamos na Era das Novas Mídias. Essa nova realidade revolucionou os nossos hábitos e, inevitavelmente, as formas de jornalismo. Mudou-se

o suporte, mas não o fim maior, a informação. Esse mesmo raciocínio norteou o julgamento desta Suprema Corte, no julgamento do RE 330.817, de minha relatoria, quando se estendeu a

imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo.

Vide ementa:

“Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Imunidade objetiva constante do art. 150, VI, d, da CF/88. Teleologia multifacetada. Aplicabilidade. Livro eletrônico ou

digital. Suportes. Interpretação evolutiva. Avanços tecnológicos, sociais e culturais. Projeção. Aparelhos leitores de livros eletrônicos (ou e-readers).

1. A teleologia da imunidade contida no art. 150, VI, d, da Constituição, aponta para a proteção de valores, princípios e ideias de elevada importância, tais como a liberdade

de expressão, voltada à democratização e à difusão da cultura; a formação cultural do povo indene de manipulações; a neutralidade, de modo a não fazer distinção entre grupos

economicamente fortes e fracos, entre grupos políticos etc; a liberdade de informar e de ser informado; o barateamento do custo de produção dos livros, jornais e periódicos, de

modo a facilitar e estimular a divulgação de ideias, conhecimentos e informações etc. Ao se invocar a interpretação finalística, se o livro não constituir veículo de ideias, de transmissão

de pensamentos, ainda que formalmente possa ser considerado como tal, será descabida a aplicação da imunidade.

(...)

3. A interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos. Com isso, evita-se o esvazia-

mento das normas imunizantes por mero lapso temporal, além de se propiciar a constante atualização do alcance de seus preceitos.

(...)

8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”

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Informativo 862-STF (08/05/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

Ressalte-se: toda a lógica constitucional da liberdade de expressão e da liberdade de comunicação social aplica-se aos chamados “blogs jornalísticos” ou “jornalismo digital”, o que resulta na mais absoluta vedação da atuação estatal no sentido de cercear, ou no caso, de impedir a atividade desempenhada pelo reclamante, como se tem na espécie.

Conclui-se, portanto, que a determinação judicial cautelar de retirada do domínio eletrônico do ambiente virtual, sob pena de prisão do ora

reclamante, resultou em inaceitável prática judicial inibitória e censória da liberdade constitucional de expressão, configurando afronta ao julgado

desta Corte na ADPF nº 130.

Como já advertia, em 1968, Hugo Lafayette Black, juiz da Suprema Corte norte-americana - e sempre lembrado em seus votos por nosso decano Ministro Celso de Mello -, em relação à Constituição dos Estados Unidos, mas inteiramente aplicável à realidade brasileira, “[n]ão nos deve-ríamos jamais esquecer de que a linguagem clara da Constituição reconhece ser a censura inimiga mortal da liberdade e do progresso, e de que a Constituição a proíbe.”

Ressalto, no entanto, que a decisão nessa reclamação, seja em sede liminar, seja no mérito, não exime de responsabilidade o emissor de opinião, pensamento, reportagem ou outro material veiculado, no caso de comprovação de abuso do direito de informar e de dano, nos autos do Processo nº

0844843-48.2016.8.12.0001, matérias essas que não são objeto da presente ação e devem ser desenvolvidas e solucionadas pelos meios ordinários

colocados à disposição dos jurisdicionados.

Ante o exposto, conheço parcialmente a reclamação e defiro o pedido cautelar para suspender os efeitos da decisão reclamada na parte em que determina a retirada do ar do “Blog do Nélio”, sob pena de prisão de NÉLIO RAUL BRANDÃO em caso de descumprimento, bem como eventual decisão que a confirme em sede recursal, nos autos do Processo nº 0844843-48.2016.8.12.0001.

Publique-se. Int..

Brasília, 3 de maio de 2017.

Ministro DIAS TOFFOLI Relator

*decisão publicada no DJE em 5.5.2017

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 24 a 28 de abril de 2017

Lei nº 13.438, de 26.4.2017 - Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para tornar obrigatória a adoção pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de protocolo que estabeleça padrões para a avalia-ção de riscos para o desenvolvimento psíquico das crianças. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 80, p. 2 em 27.4.2017.

Lei nº 13.439, de 27.4.2017 - Cria o Programa Cartão Reforma e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 81, p. 1 em 28.4.2017.

Medida Provisória nº 776, de 26.4.2017 - Altera a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 80, p. 2 em 27.4.2017.

OUTRAS INFORMAÇÕES 24 a 28 de abril de 2017

Decreto nº 9.034, de 20.4.2017 - Altera o Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012, que regulamenta a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 77, p. 1 em 24.4.2017.

Decreto nº 9.039, de 27.4.2017 - Promulga a Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial, firmada em Haia, em 18 de março de 1970. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 81, p. 2 em 28.4.2017.

Secretaria de Documentação – SDO Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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