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Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 630-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL DEFENSORIA PÚBLICA Defensor Público não precisa de inscrição na OAB para exercer suas funções. DIREITO ADMINISTRATIVO CONCURSO PÚBLICO Surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de restrição orçamentária = direito subjetivo à nomeação. SERVIDORES PÚBLICOS São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de perseguição política praticada na época da ditadura militar. DIREITO CIVIL USUCAPIÃO É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda. DIREITO DO CONSUMIDOR INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Validade do repasse da comissão de corretagem ao consumidor pela incorporadora imobiliária mesmo no Programa Minha Casa, Minha Vida. DIREITO EMPRESARIAL SOCIEDADES Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a ação de complementação de ações. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ATO INFRACIONAL Superveniência da maioridade penal. DIREITO PROCESSUAL CIVIL CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Qual é o recurso cabível contra o pronunciamento que julga a impugnação ao cumprimento de sentença? RESTAURAÇÃO DE AUTOS Tribunal de Justiça não pode editar provimento fixando prazo para a propositura da ação de restauração de autos.

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Page 1: Informativo comentado: Informativo 630-STJ€¦ · O art. 4º, § 6º, da LC 80/94 afirma que a capacidade postulatória dos Defensores Públicos decorre exclusivamente de sua nomeação

Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 630-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

DEFENSORIA PÚBLICA Defensor Público não precisa de inscrição na OAB para exercer suas funções.

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONCURSO PÚBLICO Surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de restrição orçamentária = direito subjetivo

à nomeação. SERVIDORES PÚBLICOS São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de

perseguição política praticada na época da ditadura militar. DIREITO CIVIL

USUCAPIÃO É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da

demanda.

DIREITO DO CONSUMIDOR

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Validade do repasse da comissão de corretagem ao consumidor pela incorporadora imobiliária mesmo no Programa

Minha Casa, Minha Vida.

DIREITO EMPRESARIAL

SOCIEDADES Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a ação de

complementação de ações.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

ATO INFRACIONAL Superveniência da maioridade penal.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Qual é o recurso cabível contra o pronunciamento que julga a impugnação ao cumprimento de sentença? RESTAURAÇÃO DE AUTOS Tribunal de Justiça não pode editar provimento fixando prazo para a propositura da ação de restauração de autos.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO As autoridades listadas no art. 105, I, “a”, da CF/88 somente terão foro por prerrogativa de função no STJ para os

crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Iminência da ocorrência da prescrição fez com que o STJ permanecesse competente para julgar Desembargador que

praticou crime fora do exercício de suas funções. TRIBUNAL DO JÚRI Jurado que fala “é um crime” durante a sessão de julgamento viola o dever de incomunicabilidade acarretando a

nulidade absoluta da condenação.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA Não é possível incluir, nos cálculos dos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada

de previdência privada, as horas extraordinárias habituais incorporadas por decisão da Justiça trabalhista à remuneração do participante.

Em ação de revisão de benefício de previdência privada, o patrocinador não possui legitimidade passiva para figurar em litisconsórcio com a entidade previdenciária.

DIREITO CONSTITUCIONAL

DEFENSORIA PÚBLICA Defensor Público não precisa de inscrição na OAB para exercer suas funções

Importante!!!

Os Defensores Públicos NÃO precisam de inscrição na OAB para exerceram suas atribuições.

O art. 3º, § 1º, da Lei 8.906/94 deve receber interpretação conforme à Constituição de modo a se concluir que não se pode exigir inscrição na OAB dos membros das carreiras da Defensoria Pública.

O art. 4º, § 6º, da LC 80/94 afirma que a capacidade postulatória dos Defensores Públicos decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público, devendo esse dispositivo prevalecer em relação ao Estatuto da OAB por se tratar de previsão posterior e específica.

Vale ressaltar que é válida a exigência de inscrição na OAB para os candidatos ao concurso da Defensoria Pública porque tal previsão ainda permanece na Lei.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.710.155-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 01/03/2018 (Info 630).

O candidato ao cargo de Defensor Público precisa de inscrição na OAB? O candidato precisa ser advogado? Em regra, sim. Essa é uma exigência prevista na LC 80/94 (Lei Orgânica da Defensoria Pública) para os cargos de Defensor Público Federal e de Defensor Público do Distrito Federal. Veja:

Art. 26. O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la (ex: o candidato é Delegado), e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense, devendo indicar sua opção por uma das unidades da federação onde houver vaga. (...) § 2º Os candidatos proibidos de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil comprovarão o registro até a posse no cargo de Defensor Público.

Obs: o art. 26 trata sobre a DPU.

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Essa mesma disposição é encontrada no art. 71, caput e § 2º, que versa sobre a Defensoria Pública do Distrito Federal:

Art. 71. O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense. (...) § 2º Os candidatos proibidos de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil comprovarão o registro até a posse no cargo de Defensor Público.

No caso das Defensorias Públicas estaduais, a LC 80/94 não traz uma exigência semelhante porque, na época da sua edição, entendeu-se que exigir ou não OAB do candidato (requisito para a posse) seria uma decisão relacionada com a autonomia de cada Defensoria Pública estadual, a ser definida em lei estadual. Logo, uma lei federal não poderia impor essa determinação. Assim, se você observar as leis estaduais das Defensorias Públicas, algumas exigem do candidato a inscrição na OAB e outras, não. • Exemplo que exige: DPE/AC, DPE/AL, DPE/SP, DPE/AM e a imensa maioria. • Exemplo que não exige: DPE/RJ. Editais dos concursos Diante disso, vários editais de concursos para o cargo de Defensor Público exigem a inscrição na OAB como sendo um dos requisitos da posse. Exemplos:

DPU 2017 3 DOS REQUISITOS BÁSICOS PARA A INVESTIDURA NO CARGO (...) 3.7 Estar inscrito na OAB, ressalvada a situação dos candidatos que exerçam atividade incompatível com a advocacia

DPE MA 2.1 O candidato deverá declarar, na solicitação de Inscrição Preliminar: (...) d) estar inscrito na OAB, na data da posse, dispensado deste requisito os incompatibilizados com o exercício da advocacia;

DPE AC 2017 3 DOS REQUISITOS BÁSICOS PARA A INVESTIDURA NO CARGO (...) 3.11 Possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, comprovado mediante cópia autenticada da carteira de advogado ou certidão emitida pelo órgão, nos termos do art. 15 da Lei Complementar Estadual nº 158/2006.

O Defensor Público precisa ter inscrição na OAB para exercer as suas funções? O Defensor Público, para exercer suas atribuições, precisa ser advogado?

1ª corrente: SIM 2ª corrente: NÃO

Se a LC 80/94 exige a inscrição na OAB como um requisito para a posse, isso significa que se trata de um requisito para o exercício do cargo.

A capacidade postulatória do Defensor Público decorre diretamente da Constituição Federal. Assim, não é necessária a inscrição na OAB para o exercício das funções.

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Além disso, essa primeira corrente sustenta que o Defensor Público exerce advocacia, razão pela qual deve ser inscrito na OAB, conforme prevê o art. 3º, § 1º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB).

O Defensor Público não é um advogado. Desse modo, o Defensor Público está obrigado a se inscrever na OAB apenas para tomar posse, mas não para o exercício de suas funções.

Principal dispositivo invocado: Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). § 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.

Principal dispositivo invocado: Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...) § 6º A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público. (Incluído pela LC 132/2009)

É a corrente defendida pela OAB. É a tese institucional defendida pelas associações de Defensores Públicos.

Qual foi a posição adotada pelo STJ? A 2ª corrente. Os Defensores Públicos NÃO precisam de inscrição na OAB para exerceram suas atribuições. Defensor Público não é advogado A Defensoria Pública é disciplinada pela Constituição Federal dentro das “Funções Essenciais à Justiça”, ao lado do Ministério Público, da Advocacia e da Advocacia Pública. A Defensoria Pública não deve ser considerada como Advocacia Pública, dada a nítida separação entre as funções realizada pela Carta de 1988. Os Defensores Públicos exercem atividades de representação judicial e extrajudicial, de advocacia contenciosa e consultiva, o que se assemelha bastante à Advocacia, tratada em Seção à parte no texto constitucional. Apesar disso, não se pode dizer que os Defensores Públicos sejam advogados. Há inúmeras peculiaridades que fazem com que a Defensoria Pública seja distinta da advocacia privada e, portanto, mereça tratamento diverso. Alguns pontos que diferenciam a carreira da Defensoria Pública: • está sujeita a regime próprio e a estatutos específicos; • submete-se à fiscalização disciplinar por órgãos próprios (e não pela OAB); • necessita de aprovação prévia em concurso público, sem a qual, ainda que possua inscrição na Ordem, não é possível exercer as funções do cargo; • não precisa apresentar procuração para atuar. CF/88 não exigiu inscrição na OAB A Constituição Federal não previu a inscrição na OAB como exigência para o exercício do cargo de Defensor Público. Ao contrário, o § 1º do art. 134 proibiu o exercício da advocacia privada:

Art. 134 (...) § 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

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Art. 3º, § 1º da Lei nº 8.906/94 x o art. 4º, § 6º da LC 80/94 Existe uma antinomia entre o art. 3º, § 1º da Lei nº 8.906/94 e o art. 4º, § 6º da LC 80/94. A antinomia entre normas da mesma hierarquia deve ser resolvida pelo critério da especialidade (lex specialis derrogat generalis) e da cronologia (lex posterior derrogat priore). No caso, o art. 4º, § 6º da LC 80/94 foi incluído no ordenamento jurídico pela LC 132/2009, sendo, portanto, posterior ao art. 3º, § 1º, da Lei nº 8.906/94. Além disso, trata-se de dispositivo mais específico, considerando que rege a carreira de Defensor Público e a sua atuação. Logo, deve prevalecer o art. 4º, § 6º da LC 80/94, que diz que a “capacidade postulatória” do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público. Em outras palavras, a sua capacidade de pedir e de responder em juízo (capacidade postulatória) surge e depende unicamente de sua nomeação e posse. Não depende de mais nada (nem de inscrição na OAB). Isso significa que a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) não se aplica para nada relacionado com a Defensoria Pública? Não foi isso que se quis dizer. É necessário fazer um diálogo das fontes e alguns dispositivos do Estatuto da Advocacia são sim aplicáveis aos Defensores Públicos, dada a semelhança de suas atividades com aquelas que são exercidas pela advocacia privada. Um exemplo é o art. 2º, § 3º, da Lei nº 8.906/94, que assegura a inviolabilidade por atos e manifestações. Outro é o sigilo da comunicação (art. 7º, III). Tais dispositivos são perfeitamente aplicáveis aos Defensores Públicos. Em suma:

Os Defensores Públicos NÃO precisam de inscrição na OAB para exerceram suas atribuições. O art. 3º, § 1º, da Lei 8.906/94 deve receber interpretação conforme à Constituição de modo a se concluir que não se pode exigir inscrição na OAB dos membros das carreiras da Defensoria Pública. O art. 4º, § 6º, da LC 80/94 afirma que a capacidade postulatória dos Defensores Públicos decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público, devendo esse dispositivo prevalecer em relação ao Estatuto da OAB por se tratar de previsão posterior e específica. Vale ressaltar que é válida a exigência de inscrição na OAB para os candidatos ao concurso da Defensoria Pública porque tal previsão ainda permanece na Lei. STJ. 2ª Turma. REsp 1.710.155-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 01/03/2018 (Info 630).

DIREITO ADMINISTRATIVO

CONCURSO PÚBLICO Surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de restrição

orçamentária = direito subjetivo à nomeação

O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação caso surjam novas vagas durante o prazo de validade do certame, haja manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento e não tenha restrição orçamentária.

STJ. 1ª Seção. MS 22.813-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 13/06/2018 (Info 630).

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O candidato aprovado dentro do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação? SIM. O candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital do concurso público possui direito subjetivo de ser nomeado e empossado dentro do período de validade do certame. O candidato aprovado fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação? Em regra, não. Se o candidato foi aprovado fora do número de vagas, mas durante o prazo de validade do concurso foram criados novos cargos, ele terá direito subjetivo à nomeação? Em regra, não. Imagine que a Administração fez um concurso para 10 vagas, tendo nomeado e dado posse aos 10 primeiros. Alguns meses depois são criadas 5 novas vagas. O prazo de validade do concurso ainda não expirou. Apesar disso, o Poder Público decide fazer um segundo concurso. Os candidatos aprovados no primeiro certame fora do número de vagas inicialmente previsto poderão exigir sua nomeação? Em regra, não. A situação pode ser assim definida: REGRA: o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo durante o prazo de validade do certame anterior não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital.

EXCEÇÃO: Haverá direito à nomeação se o candidato conseguir demonstrar, de forma cabal: • que existe inequívoca necessidade de nomeação de aprovado durante o período de validade do certame; e • que está havendo preterição arbitrária e imotivada por parte da administração ao não nomear os aprovados. Hipóteses nas quais existirá direito subjetivo à nomeação O STF listou as três hipóteses nas quais existe direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público: 1) Quando a aprovação do candidato ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; 2) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; 3) Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração. Tese fixada pelo STF em repercussão geral

O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: a) quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; b) quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; e c) quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima. STF. Plenário. RE 837311/PI, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/12/2015 (repercussão geral) (Info 811).

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Imagine agora a seguinte situação hipotética: João foi aprovado no cargo de Procurador na 20ª posição. O edital do concurso oferecia apenas 15 cargos. Assim, João foi aprovado fora do número de vagas. Os 15 primeiros colocados tomaram posse e começaram a exercer a função. Durante o prazo de validade do concurso, 5 Procuradores se aposentaram, ou seja, surgiram 5 novas vagas. Apesar disso, a Administração Pública não fez mais nenhuma nomeação. Quase no fim do prazo de validade do certame, o Procurador-Geral encaminhou um expediente ao Chefe do Poder Executivo relatando a existência das 5 vagas e afirmando que precisava de autorização para a realização de novo concurso porque a quantidade de Procuradores estava muito abaixo do necessário para o órgão. No expediente, o Procurador-Geral afirmou que havia dotação orçamentária para a nomeação desses novos Procuradores. João e os outros 4 aprovados conseguiram cópia deste expediente e impetraram mandado de segurança alegando que tinham direito de ser nomeados. O STJ concordou com o pedido dos candidatos? SIM.

O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação caso surjam novas vagas durante o prazo de validade do certame, haja manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento e não tenha restrição orçamentária. STJ. 1ª Seção. MS 22.813-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 13/06/2018 (Info 630).

O STJ entendeu que essa hipótese (surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de restrição orçamentária) foi prevista pelo STF como uma hipótese na qual surge o direito subjetivo à nomeação. Trata-se de situação descrita no final da ementa do julgado do STF no RE 837311. Confira:

(...) reconhece-se, excepcionalmente, o direito subjetivo à nomeação aos candidatos devidamente aprovados no concurso público, pois houve, dentro da validade do processo seletivo e, também, logo após expirado o referido prazo, manifestações inequívocas da Administração piauiense acerca da existência de vagas e, sobretudo, da necessidade de chamamento de novos Defensores Públicos para o Estado. (...) STF. Plenário. RE 837311, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/12/2015.

SERVIDORES PÚBLICOS São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em

razão de perseguição política praticada na época da ditadura militar

Importante!!!

São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de atos de exceção praticados durante o regime militar.

Ex: João era servidor da ALE/PR. Em 1963, João foi demitido em razão de perseguição política perpetrada na época da ditadura militar. Em 2011, João ajuizou ação ordinária contra o Estado do Paraná pedindo a sua reintegração ao cargo. Esta pretensão é considerada imprescritível considerando que envolve a efetivação da dignidade da pessoa humana.

Vale ressaltar, contudo, que a imprescritibilidade da ação que visa reparar danos provocados pelos atos de exceção não implica no afastamento da prescrição quinquenal sobre as parcelas eventualmente devidas ao autor. Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de

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reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do Autor, o qual poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República. Em outras palavras, o recebimento dos “atrasados” ficará restrito aos últimos 5 anos contados do pedido.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.565.166-PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 26/06/2018 (Info 630).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era servidor da Assembleia Legislativa do Paraná. Em 1963, João foi “desligado” de seu cargo (demitido) em razão de perseguição política perpetrada na época da ditadura militar. Em 2011, João requereu o reconhecimento de anistiado político à “Comissão de Anistia”, órgão do Ministério da Justiça que tem a finalidade de examinar os requerimentos formulados e assessorar o Ministro de Estado em suas decisões. Também em 2011, João ajuizou ação ordinária contra o Estado do Paraná pedindo a sua reintegração ao cargo. O pedido de João foi baseado no art. 8º do ADCT da CF/88 e na Lei nº 10.599/2002, que regulamentou este dispositivo constitucional:

ADCT Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

Lei nº 10.599/2002 Art. 1º O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos: (...) V - reintegração dos servidores públicos civis e dos empregados públicos punidos, por interrupção de atividade profissional em decorrência de decisão dos trabalhadores, por adesão à greve em serviço público e em atividades essenciais de interesse da segurança nacional por motivo político. Parágrafo único. Aqueles que foram afastados em processos administrativos, instalados com base na legislação de exceção, sem direito ao contraditório e à própria defesa, e impedidos de conhecer os motivos e fundamentos da decisão, serão reintegrados em seus cargos.

Vale ressaltar que João foi formalmente reconhecido como anistiado político por Portaria do Ministro da Justiça. A Procuradoria Geral do Estado, entre outras matérias defensivas, suscitou a ocorrência de prescrição. Segundo este órgão, a Lei nº 10.599/2002 promoveu uma renúncia tácita ao prazo prescricional. Isso significa que todas as pessoas prejudicadas poderiam ingressar com ações pedindo a reintegração, mas desde que o fizessem no prazo de até 5 anos (art. 1º do Decreto nº 20.910/1932) contados da publicação da Lei nº 10.599/2002.

O STJ concordou com a tese da PGE? A pretensão veiculada por João encontra-se realmente prescrita? NÃO. Não houve prescrição porque essa pretensão é imprescritível. Veja o que decidiu o STJ:

São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de atos de exceção praticados durante o regime militar. STJ. 1ª Turma. REsp 1.565.166-PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 26/06/2018 (Info 630).

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Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

A Constituição Federal não prevê prazo prescricional para o exercício do direito de agir quando se trata de defender o direito inalienável à dignidade humana, sobretudo quando violados durante o período do regime de exceção. É certo que a prescrição é a regra no ordenamento jurídico. Assim, em regra, para uma pretensão ser considerada imprescritível deverá haver um comando expresso no texto constitucional, como é o caso do art. 37, § 5º da CF/88. O STJ, no entanto, excepcionalmente, afirma que, mesmo sem uma previsão expressa, é possível considerar que as pretensões que buscam reparações decorrentes do regime militar de exceção são imprescritíveis considerando que envolvem a concretização da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido:

(...) 1. A dignidade da pessoa humana, valor erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, experimenta os mais expressivos atentados quando engendradas a tortura e a morte, máxime por delito de opinião. (...) 4. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento. 5. Consectariamente, não há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade. (...) 12. A exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos". 13. A Constituição federal funda-se na premissa de que a dignidade da pessoa humana é inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual. (...) STJ. 1ª Turma. REsp 1165986/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16/11/2010.

Assim, é pacífico o entendimento no STJ no sentido de que:

As ações de indenização por danos morais decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime Militar de exceção são imprescritíveis. Não se aplica o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. STJ. 2ª Turma. REsp 1.374.376-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/6/2013 (Info 523).

Mas, no caso de João, ele não está pedindo indenização por danos morais e sim a reintegração no cargo... Mesmo assim. O STJ afirmou que a ação buscando a reintegração ao cargo público deve seguir o mesmo regramento das ações de indenização. Isso porque a causa de pedir também decorre da violação de direitos fundamentais perpetrada durante o regime militar. Ora, o retorno ao serviço público representa uma forma de reparação, estando intimamente ligada ao princípio da dignidade humana, tendo em vista que o trabalho representa uma das expressões mais relevantes do ser humano.

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Entendi... isso significa que João, além de voltar ao cargo público que ocupava, terá direito a toda remuneração retroativa, desde 1963, data em que ele foi demitido? NÃO. Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do autor, que poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República. Isso significa dizer que: • João terá direito de ser reintegrado; • ele terá direito à remuneração retroativa, mas limitada aos últimos 5 anos, contados para trás, tendo marco o ajuizamento. Como o pedido foi formulado em 2011, ele terá direito à remuneração retroativa desde 2006. Essa compreensão, inclusive, restou estampada no art. 6º, § 6º, da Lei nº 10.559/2002:

Art. 6º O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas. (...) § 6º Os valores apurados nos termos deste artigo poderão gerar efeitos financeiros a partir de 5 de outubro de 1988, considerando-se para início da retroatividade e da prescrição quinquenal a data do protocolo da petição ou requerimento inicial de anistia, de acordo com os arts. 1º e 4º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932.

Assim, são imprescritíveis as ações de reintegração a cargo público decorrentes de perseguição, tortura e prisão, praticadas durante o regime militar, por motivos políticos, ficando, contudo, eventuais efeitos retroativos, sujeitos à prescrição quinquenal.

DIREITO CIVIL

USUCAPIÃO É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda

Importante!!!

É possível o reconhecimento da usucapião quando o prazo exigido por lei se complete no curso do processo judicial, conforme a previsão do art. 493, do CPC/2015, ainda que o réu tenha apresentado contestação.

Em março de 2017, João ajuizou ação pedindo o reconhecimento de usucapião especial urbana, nos termos do art. 1.240 do CC (que exige posse ininterrupta e sem oposição por 5 anos). Em abril de 2017, o proprietário apresentou contestação pedindo a improcedência da demanda. As testemunhas e as provas documentais atestaram que João reside no imóvel desde setembro de 2012, ou seja, quando o autor deu entrada na ação, ainda não havia mais de 5 anos de posse. Em novembro de 2017, os autos foram conclusos ao juiz para sentença. O magistrado deverá julgar o pedido procedente considerando que o prazo exigido por lei para a usucapião se completou no curso do processo.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.361.226-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/06/2018 (Info 630).

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Usucapião Usucapião é... - um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel) - por determinados anos - agindo como se fosse dono - adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão) - desde que cumpridos os requisitos legais. Modalidades de usucapião

USUCAPIÃO PRAZO E CARACTERÍSTICAS

1) EXTRAORDINÁRIA (art. 1.238 do CC)

Prazos: • 15 anos de posse (regra) • 10 anos O prazo da usucapião extraordinária será de 10 anos se: a) o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual; OU b) nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé. Não importa o tamanho do imóvel.

2) ORDINÁRIA (art. 1.242 do CC)

Prazos: • 10 anos (caput) • 5 anos (parágrafo único) O prazo da usucapião ordinária será de apenas 5 anos se: a) o imóvel tiver sido adquirido onerosamente com base no registro e este registro foi cancelado depois; e b) desde que os possuidores nele tiverem estabelecido moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Ex: o indivíduo compra um imóvel sem saber que havia um vício na escritura. Nele constrói uma casa ou uma loja. Essa hipótese do art. 1.242, parágrafo único (prazo de 5 anos) é chamada por alguns autores de usucapião tabular (veja item 8 abaixo). Exige justo título e boa-fé. Não importa o tamanho do imóvel.

3) ESPECIAL RURAL (ou PRO LABORE) (ou AGRÁRIA) (art. 1.239 do CC) (art. 191 da CF/88)

Requisitos: a) 50 hectares: a pessoa deve estar na posse de uma área rural de, no máximo, 50ha; b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém; c) tornar a terra produtiva: o possuidor deve ter tornado a terra produtiva por meio de seu trabalho ou do trabalho de sua família, tendo nela sua moradia. Em outras palavras, o possuidor, além de morar no imóvel rural, deve ali desenvolver alguma atividade produtiva (agricultura, pecuária, extrativismo etc). d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural). Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé.

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4) ESPECIAL URBANA (ou PRO MISERO) (art. 1.240 do CC) (art. 9º do Estatuto da Cidade) (art. 183 da CF/88)

Requisitos: a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2; b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém; c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família; d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural). Observações: • Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé; • Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez; • É possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do imóvel é menor que 250m2, não se incluirá a área comum, como salão de festas etc, mas tão somente a parte privativa); • O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

5) ESPECIAL URBANA COLETIVA (USUCAPIÃO FAVELADA) (art. 10 do Estatuto da Cidade)

Requisitos: a) existência de um núcleo urbano informal; b) esse núcleo deve viver em um imóvel cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a 250m2; c) esse núcleo deve estar na posse do imóvel há mais de 5 anos, sem oposição; d) os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Neste caso, poderá haver uma usucapião coletiva da área. Observações: • O possuidor pode, para o fim de contar o prazo de 5 anos, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. • A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. • Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. • O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. • As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

6) RURAL COLETIVA (art. 1.228, §§ e 4º e 5º do CC)

O proprietário pode ser privado da coisa se: - um considerável número de pessoas - estiver por mais de 5 anos - na posse ininterrupta e de boa-fé - de extensa área - e nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Neste caso, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. Alguns doutrinadores, especialmente civilistas, afirmam que esse instituto tem natureza jurídica de “usucapião”.

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Outros autores, no entanto, sustentam que se trata de uma hipótese de “desapropriação”, considerando a posição topográfica (o § 3º do art. 1.228 está tratando sobre desapropriação) e o fato de se exigir pagamento de indenização.

6) ESPECIAL URBANA RESIDENCIAL FAMILIAR (POR ABANDONO DE LAR OU CONJUGAL) (art. 1.240-A do CC)

Requisitos: a) posse direta por 2 anos ininterruptamente e sem oposição, com exclusividade; b) sobre imóvel urbano de até 250m² c) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar; d) utilização do imóvel para a sua moradia ou de sua família; e) não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Observações: • esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez; • o prazo de 2 anos é contado do abandono do lar; • aplica-se ao casamento e à união estável (hetero ou homoafetiva).

7) INDÍGENA (art. 33 do Estatuto do Índio)

Requisitos: a) posse da terra por índio (integrado ou não) b) por 10 anos consecutivos c) devendo ocupar como se fosse próprio trecho de terra inferior a 50 hectares. Não é possível a usucapião indígena de: • terras do domínio da União; • terras ocupadas por grupos tribais; • áreas reservadas segundo o Estatuto do Índio; • terras de propriedade coletiva de grupo tribal.

8) TABULAR (CONVALESCENÇA REGISTRAL) (art. 214, § 5º, da Lei 6.015/73)

Trata-se da possibilidade de o réu, em uma ação de invalidade de registro público, alegar a usucapião em seu favor. O juiz, na mesma sentença que reconhece a invalidade do registro, declara a ocorrência de usucapião, concedendo ao réu a propriedade do bem. A usucapião tabular tem relação com a usucapião ordinária do art. 1.242, parágrafo único, porque exige do possuidor justo título e boa-fé.

9) DE QUILOMBOLAS (art. 68 do ADCT)

O art. 68 do ADCT da CF/88 confere proteção especial aos territórios ocupados pelos remanescentes quilombolas. Confira: Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. O que são as terras dos quilombolas? São as áreas ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e utilizadas por este grupo social para a sua reprodução física, social, econômica e cultural. O que são remanescentes das comunidades dos quilombos? Existe uma grande discussão antropológica sobre isso, mas, de maneira bem simples, os grupos que hoje são considerados remanescentes de comunidades de quilombos são agrupamentos humanos de afrodescendentes que se formaram durante o sistema escravocrata ou logo após a sua extinção. Alguns doutrinadores afirmam que esse instituto teria natureza jurídica de “usucapião”. Essa, contudo, não é a posição que prevalece, considerando que o fundamento jurídico para esse direito de propriedade não é a posse mansa, pacífica e por determinado prazo. A fonte desse direito é uma decisão do legislador constituinte. A previsão do art. 68 do ADCT foi uma forma que o constituinte encontrou de homenagear “o papel protagonizado pelos quilombolas na resistência ao injusto regime escravista” (Min. Rosa Weber).

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Ação de usucapião O CPC/1973 trazia, em seus arts. 941 a 945, um procedimento especial para a ação de usucapião. O CPC/2015 não previu procedimento especial para a ação de usucapião, de forma que a usucapião judicial deverá seguir o procedimento comum. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Em março de 2017, João ajuizou ação pedindo o reconhecimento de usucapião especial urbana, nos termos do art. 1.240 do Código Civil:

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Afirmou que não tem o título de propriedade dessa área, mas lá mora há 5 anos sem oposição de ninguém. Vale ressaltar também que ele não tem outro imóvel, seja urbano, seja rural. Em abril de 2017, o proprietário apresentou contestação pedindo a improcedência da demanda. Foram ouvidas testemunhas. As testemunhas e as provas documentais atestaram que João reside no imóvel desde setembro de 2012, ou seja, quando o autor deu entrada na ação (março de 2017), ainda não havia mais de 5 anos de posse. Em novembro de 2017, os autos foram conclusos ao juiz para sentença. O magistrado deverá julgar o pedido procedente? SIM. Mas, quando o autor ajuizou a ação, ele ainda não havia preenchido o prazo de 5 anos de posse... É verdade. No entanto, como o autor continuou na posse do bem durante a tramitação do processo, esse requisito temporal foi atingido no curso da demanda. E isso é permitido? SIM.

É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda. STJ. 3ª Turma. REsp 1.361.226-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/06/2018 (Info 630).

É possível complementar o prazo de usucapião no curso do processo, tendo em vista que o CPC autoriza que o magistrado examine e leve em consideração na sentença fatos ocorridos após a instauração da demanda. Veja:

Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.

A decisão deve refletir o estado de fato e de direito existente no momento de julgar a demanda, desde que guarde pertinência com a causa de pedir e com o pedido (STJ. 5ª Turma. REsp 1.147.200/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/11/2012). Assim, cabe ao magistrado examinar o requisito temporal da usucapião ao proferir a sentença, permitindo que o prazo seja completado no curso do processo judicial.

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Evita-se, com isso, que o autor proponha nova ação para obter o direito que já poderia ter sido reconhecido se o Poder Judiciário apreciasse eventual fato constitutivo superveniente, cuja medida se encontra em harmonia com os princípios da economia processual e da razoável duração do processo. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Roselvand têm a mesma opinião:

“(...) Porém, se o prazo for complementado no curso da lide, entendemos que o juiz deverá sentenciar no estado em que o processo se encontra, recepcionando o fato constitutivo do direito superveniente, prestigiando a efetividade processual, a teor do art. 462 do Código de Processo Civil [de 1973]. É de se compreender que a pretensão jurisdicional deverá ser concedida de acordo com a situação dos fatos no momento da sentença". (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais - 6ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 287 - grifou-se)

Essa linha de raciocínio também é confirmada pelo Enunciado nº 497 da V Jornada de Direito Civil (STJ/CJF), segundo o qual “o prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor”. Mas o proprietário apresentou contestação antes de o autor completar o prazo necessário para a usucapião. Isso não pode ser considerado como uma “oposição” (art. 1.240 do CC) para fins de impedir a constituição do prazo de usucapião? NÃO. O STJ entende que a contestação apresentada pelo réu não impede o transcurso do lapso temporal. Essa peça defensiva não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião:

(...) A contestação apresentada na ação de usucapião não é apta a interromper o prazo da prescrição aquisitiva e nem consubstancia resistência ao afastamento da mansidão da posse. (...) STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 180.559/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013.

A contagem do tempo para usucapião somente seria interrompida se o proprietário conseguisse reaver a posse. Desse modo, repetindo: é possível o reconhecimento da usucapião quando o prazo exigido por lei se complete no curso do processo judicial, conforme a previsão do art. 493, do CPC/2015, ainda que o réu tenha apresentado contestação.

DIREITO DO CONSUMIDOR

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Validade do repasse da comissão de corretagem ao consumidor pela incorporadora imobiliária

mesmo no Programa Minha Casa, Minha Vida

Importante!!!

Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.601.149-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 630).

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Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) O “Minha Casa, Minha Vida” é um programa habitacional que tem por objetivo criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (art. 1º da Lei nº 11.977/2009). A Lei nº 11.977/2009, ao instituir o programa, estabeleceu as suas regras gerais, deixando aos regulamentos, principalmente aos editados pelo Ministério das Cidades, dispor acerca das normas específicas de operacionalização, inclusive as faixas de renda, faixas de valor dos imóveis, padrões construtivos e os critérios de seleção dos beneficiários. Campos de atuação do PMCMV O Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV subdivide-se em 4 diferentes faixas de renda familiar mensal: Faixa 1 - até R$ 1.800,00 (ou R$ 3.600,00, excepcionalmente); Faixa 1,5 - até R$ 2.600,00; Faixa 2 - até R$ 4.000,00; Faixa 3 - até R$ 9.000,00. Faixa 1: • Beneficia famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.800,00 (valores da época do julgado) ou famílias com renda mensal bruta de até R$ 3.600,00 (desde que, neste segundo caso, estejam em situações específicas de vulnerabilidade social, como emergência ou calamidade pública). • Nessa faixa do programa, a operação mais se assemelha a um benefício social do que propriamente a um contrato de compra e venda de imóvel. • Não se estabelece relação de consumo entre o beneficiário e a construtora/incorporadora, como ocorre nas outras faixas do programa. • O imóvel é incorporado ao patrimônio de um fundo público (Fundo de Arrendamento Residencial - FAR ou Fundo de Desenvolvimento Social - FDS), e esse fundo assume a condição de “alienante” do imóvel. • A seleção dos beneficiários é realizada pelo Poder Público ou por “entidades organizadoras” previamente habilitadas pelo Ministério das Cidades. • A subvenção econômica nessa faixa alcança até 90% do valor do imóvel, sendo o restante diluído em até 120 parcelas mensais (limitadas a 5% da renda bruta), sem juros e sem formação de saldo devedor, diversamente do que ocorre num típico financiamento imobiliário. • Na Faixa 1 não há venda direta das construtoras aos beneficiários do programa. A seleção, como já dito, é feita por meio de critérios sociais, conjugada com sorteio. Logo, não há campo para a intermediação imobiliária. Demais faixas As atividades do PMCMV nessas outras três faixas de renda são muito parecidas com as demais modalidades de financiamento imobiliário existentes. Em outras palavras, são praticamente iguais a um financiamento imobiliário “comum”. O que é um contrato de corretagem? Pelo contrato de corretagem, o corretor obriga-se a obter para uma pessoa que o contrata (denominada “cliente” ou “comitente”) um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas. O contrato de corretagem está previsto, de forma genérica, nos arts. 722 a 729 do CC. Quando se fala neste contrato, normalmente as pessoas só se lembram da corretagem de imóveis. No entanto, existem outras espécies de corretagem, como é o caso do corretor de ações na Bolsa de Valores ou o corretor de mercadorias (bens móveis).

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No caso do corretor de imóveis, a profissão está regulamentada pela Lei n. 6.530/78 e pelo Decreto n. 81.871/78. Para exercer a profissão de corretor de imóveis, exige-se a aprovação em curso técnico de Transações Imobiliárias ou curso superior em Gestão Imobiliária, com registro no Conselho Regional de Corretores de Imóveis (CRECI). Comissão de corretagem Como remuneração pelo serviço prestado, o corretor receberá o pagamento de uma quantia, que é chamada de “comissão de corretagem”. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes (art. 725). Qual é o valor da comissão de corretagem? O valor da comissão de corretagem deverá estar previsto na lei ou no contrato firmado entre as partes. E se não estiver previsto na lei nem no contrato? Neste caso, este valor será arbitrado segundo a natureza do negócio e os usos locais (art. 724 do CC). Não há lei estipulando o valor da comissão de corretagem na venda de imóveis. Aplica-se, portanto, os usos e costumes. No dia-a-dia imobiliário, quando não há previsão contratual, deverá ser pago ao corretor 6% sobre o valor do imóvel urbano vendido, conforme prevê a tabela do CRECI. É possível que o contrato preveja que a obrigação de pagar a comissão de corretagem será do promitente-comprador? SIM. O STJ definiu a seguinte tese:

É válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. STJ. 2ª Seção. REsp 1.599.511-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589).

Isso vale também para os imóveis vinculados ao programa “Minha Casa, Minha Vida”? O contrato de promessa de compra e venda de imóvel do programa “Minha Casa, Minha Vida” poderá ter cláusula prevendo que a obrigação pelo pagamento da comissão de corretagem será do promitente comprador? É válido transferir para o consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem nas promessas de compra e venda celebradas no âmbito do programa “Minha Casa, Minha Vida”? O STJ fez a seguinte distinção: • Se o contrato estiver na Faixa 1: NÃO. Não há que se falar em pagamento da comissão de corretagem. • Se o contrato estiver nas demais faixas: SIM. É possível transferir ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem. A tese fixada pelo STJ foi a seguinte:

Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. STJ. 2ª Seção. REsp 1.601.149-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 630).

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Faixa 1 Como vimos acima, na Faixa 1 não há comercialização dos imóveis no mercado. A distribuição dos imóveis é realizada por meio das Prefeituras, mediante prévio cadastro das famílias de baixa renda e é o próprio Fundo (FAR / FDS) que figura como vendedor do imóvel. Desse modo, não há envolvimento de imobiliárias, construtoras, incorporadores e corretores na sua venda. Logo, é óbvio que não há razão para a cobrança da comissão de corretagem, até porque nem existe corretor atuando. Repetindo: na Faixa 1, como não há venda direta das construtoras aos beneficiários do programa, mas seleção por meio de critérios sociais, conjugada com sorteio, não há campo para a intermediação imobiliária, sendo descabida eventual cobrança da comissão de corretagem. Demais faixas Nas demais faixas, a venda dos imóveis se assemelha a um financiamento tradicional pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do próprio Fundo, mas com taxas de juros reduzidas e com a possibilidade de amortização de parte do saldo devedor com subvenção da União e/ou a concessão de desconto/subsídio do FGTS, dependendo da renda. Assim, é igual a uma operação de mercado, sendo que, dependendo da Faixa de Renda, pode haver a concessão de um desconto sobre o valor da dívida, bem como redução na taxa de juros e na Taxa de Administração. Também há redução de valor no pagamento de emolumentos cartorários. Tirando a Faixa 1, nas demais Faixas do programa, as construtoras/incorporadoras é que são as proprietárias dos imóveis produzidos e elas vendem, geralmente por meio e corretores, os imóveis para os interessados. Como nessas Faixas o contrato não difere substancialmente das demais modalidades de financiamento imobiliário existentes, deve-se aplicar o mesmo entendimento do STJ firmado no REsp 1.599.511-SP e autorizar a cobrança da comissão de corretagem, desde que o adquirente seja previamente informado sobre o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. Assim, não há nenhuma razão que impeça a cobrança da comissão de corretagem nestes casos. Vale ressaltar que se fosse proibida a cobrança da comissão de corretagem, o custo dela continuaria sendo suportado pelo adquirente, considerando que estaria embutido no preço. Essa é a lógica do mercado imobiliário, pois a venda só produz lucro à incorporadora se o preço final do imóvel superar os seus custos. Significa dizer que, na impossibilidade de transferência da obrigação de pagar a comissão de corretagem ao consumidor, esse custo seria embutido no preço dos imóveis. Não há violação na Lei Vale ressaltar, por fim, que não há, nas normas que regulamentam o PMCMV, expressa vedação quanto à transferência do custo da corretagem ao consumidor, de modo que não cabe ao Poder Judiciário criar uma norma que não existe. Caso concreto: Lucas adquiriu da construtora, por intermédio de uma imobiliária, um apartamento dentro do programa “Minha Casa, Minha Vida”. O contrato previa que o promitente-comprador (Lucas) deveria pagar R$ 4.500,00 de comissão de corretagem. O STJ entendeu que a cobrança era legítima, considerando que: • Lucas não se encontrava na chamada Faixa 1; • o contrato previa essa obrigação do promitente-comprador; • a cláusula contratual foi previamente informada ao consumidor, inclusive com o preço total da aquisição da unidade autônoma e com o destaque do valor da comissão de corretagem.

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DIREITO EMPRESARIAL

SOCIEDADES Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas),

para a ação de complementação de ações

Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a ação de complementação de ações, na hipótese em que as ações originárias tenham sido emitidas pela Telebrás.

A legitimidade passiva para a demanda por complementação de ações é definida de acordo com as seguintes hipóteses:

1) Contrato de participação financeira celebrado com companhia independente não controlada pela TELEBRÁS (ex.: CRT S/A): legitimidade passiva da companhia independente, ou da sucessora desta (ex.: OI S/A);

2) Contrato de participação financeira celebrado com companhia local controlada pela TELEBRÁS (ex.: TELESC S/A), e emissão originária de ações pela controlada: legitimidade passiva da TELEBRÁS, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas);

3) Contrato de participação financeira celebrado com companhia local controlada pela TELEBRÁS, e emissão de ações pela TELEBRÁS: legitimidade passiva da TELEBRÁS, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas).

STJ. 2ª Seção. REsp 1.633.801-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/05/2018 (recurso repetitivo) (Info 630).

Sistema TELEBRÁS Antes da privatização, quem explorava os serviços de telefonia no Brasil era a União, por meio de empresas estatais integrantes do chamado sistema TELEBRÁS. A TELEBRÁS (Telecomunicações Brasileiras S.A.) era uma empresa estatal pertencente à União, sendo responsável por coordenar e controlar outras empresas estatais que atuavam nos Estados prestando os serviços telefônicos. Assim, a TELEBRÁS era uma espécie de holding, que abrangia inúmeras outras empresas estatais, como a TELEBRASÍLIA (que prestava os serviços de telecomunicações no Distrito Federal), a TELECEARÁ (Ceará), a TELEMIG (Minas Gerais), a TELERJ (Rio de Janeiro), a TELESP (São Paulo), a TELAMAZON (Amazonas) etc. Os serviços que atualmente são prestados pelas operadoras TIM, VIVO, CLARO etc. eram desempenhados por essas empresas estatais. Em 1998, as empresas que compunham o sistema TELEBRÁS foram vendidas em leilão internacional para empresas privadas, no processo conhecido como “privatização”. Serviços de telefonia antes da privatização Antes da privatização, o serviço de telefonia era muito ruim, caro e a área de abrangência era pequena. Para poder ter direito ao serviço de telefonia, o consumidor tinha que comprar uma linha. Para isso, pagava antecipadamente e entrava em uma lista de espera que poderia durar meses até chegar a sua vez. Além disso, como na época não havia recursos públicos suficientes para a expansão da rede, as empresas de telefonia obrigavam os usuários dos serviços a serem seus financiadores. Assim, o consumidor, para ter o direito de adquirir o uso de um terminal telefônico, tinha que assinar um contrato de adesão por meio do qual era obrigado a comprar ações da empresa de telefonia. Em outras palavras, para ter acesso ao serviço de telefonia, o usuário tinha que adquirir uma participação acionária na companhia. Por isso, você já deve ter ouvido algumas pessoas mais antigas falarem que tinham ações da TELERJ, da TELESP etc.

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Contratos de participação financeira Dessa forma, as pessoas interessadas em ter uma linha de telefone eram obrigadas a assinar um contrato com as empresas de telefonia, por meio do qual pagavam um valor a título de participação financeira, passando a ter acesso a um terminal telefônico e, além disso, o direito de receber determinado número de ações da companhia. Para se ter uma ideia de como isso era caro, algumas pessoas recorriam a um financiamento bancário para obter dinheiro e conseguir comprar uma linha telefônica. Recebimento das ações Ocorre que muitas vezes o usuário firmava o contrato com a companhia, recebia o direito de usar a linha telefônica, mas não recebia na hora as ações a que teria direito. Tais ações somente eram entregues algum tempo depois e o cálculo do número de ações a que teria direito o usuário era feito unilateralmente pelas empresas de telefonia, com base em um valor patrimonial da ação (VPA) futuro. A prática revelou que, muitas vezes, o cálculo realizado pelas companhias estava errado e, por isso, muitos contratantes do serviço de telefonia acabaram recebendo uma quantidade menor de ações do que realmente teriam direito. Ação (demanda) de complementação de ações Diante do cenário acima narrado, diversas pessoas que adquiriram ações das companhias telefônicas e receberam menos do que seria devido ingressaram com demandas judiciais pedindo a complementação das ações. Dessa forma, quando você ouvir falar em “ação de complementação de ações da empresa de telefonia”, nada mais é do que a demanda judicial proposta pela pessoa que pagou para ter direito a um determinado número de ações da companhia telefônica, mas, apesar disso, recebeu menos do que seria devido. Por isso, a pessoa ingressa com o processo judicial pedindo a complementação das ações ou, subsidiariamente, o recebimento de indenização por perdas e danos. Companhias cindendas e sucessoras da Telebrás Em 1998, a fim de potencializar a privativatização, a Telebrás foi cindida em 12 empresas: 3 de telefonia fixa, 1 de longa distância, e 8 de telefonia móvel. Depois da cisão, o Governo fez a desestatização e “vendeu”, por meio de leilão, para empresas privadas (exs: OI, Brasil Telecom, TIM etc.), os serviços desempenhados por essas 12 companhias cindendas (Edital de Desestatização MC/BNDES 01/98). Em outras palavras, o controle acionário dessas 12 empresas foi alienado no leilão público realizado em julho de 1998. Assim, essas empresas privadas (exs: OI, Brasil Telecom, TIM etc.) são consideradas empresas sucessoras. E a Telebrás? A Telebrás continuou existindo, com apenas 1,25% de seu patrimônio. Existe até hoje. Pergunta: essa ação de complementação de ações (que expliquei acima) deverá ser proposta contra quem? Quem tem legitimidade para figurar no polo passivo dessa demanda na qual se busca efetivar a obrigação de emitir, subscrever e integralizar ações (complementação de ações) em favor do consumidor de serviço de telefonia, titular de contrato de participação financeira? O STJ definiu a seguinte tese geral:

Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a ação de complementação de ações, na hipótese em que as ações originárias tenham sido emitidas pela Telebrás. STJ. 2ª Seção. REsp 1.633.801-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/05/2018 (recurso repetitivo) (Info 630).

Além disso, detalhou as teses para cada um dos casos concretos.

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Assim, a legitimidade passiva para a demanda por complementação de ações será definida de acordo com as seguintes hipóteses: 1) Caso o contrato de participação financeira tenha sido celebrado com companhia independente não controlada pela TELEBRÁS (ex.: CRT S/A): a legitimidade passiva será da companhia independente, ou da sucessora desta (ex.: OI S/A); 2) Caso o contrato de participação financeira tenha sido celebrado com companhia local controlada pela TELEBRÁS (ex.: TELESC S/A), e emissão originária de ações pela controlada: a legitimidade passiva será da da TELEBRÁS, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas); 3) Caso o contrato de participação financeira tenha sido celebrado com companhia local controlada pela TELEBRÁS, e emissão de ações pela TELEBRÁS: a legitimidade passiva será da TELEBRÁS, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas). Este tema é complexo e envolve a análise aprofundada de cada uma das hipóteses listadas. No entanto, para fins de concurso, penso que não é necessário avançar tanto e que, se for cobrado algo sobre o tema (o que já é improvável), será exigido o que foi explicado acima.

ECA

ATO INFRACIONAL Superveniência da maioridade penal

A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos.

STJ. 3ª Seção. REsp 1.705.149-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 630).

Súmula 605-STJ: A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 14/03/2018, DJe 19/03/2018.

Ato infracional Quando uma criança ou adolescente pratica um fato previsto em lei como crime ou contravenção penal, esta conduta é chamada de “ato infracional”. Assim, juridicamente, não se deve dizer que a criança ou adolescente cometeu um crime ou contravenção penal, mas sim ato infracional. O que é criança e adolescente, para os fins legais? • Criança: é a pessoa que tem até 12 anos de idade incompletos. • Adolescente: é a pessoa que tem entre 12 e 18 anos de idade. Quando uma criança ou adolescente pratica um ato infracional, não receberá uma pena (sanção penal), considerando que não pratica crime nem contravenção. O que acontece, então? • Criança: receberá uma medida protetiva (art. 101 do ECA). • Adolescente: receberá uma medida socioeducativa (art. 112 do ECA) e/ou medida protetiva (art. 101).

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Adulto Adolescente

Igual ou maior que 18 anos. De 12 até 18 anos. Obs: se a pessoa cometer o fato no dia do seu 18º aniversário, já é considerada adulta, não sendo mais adolescente.

Comete crime e contravenção penal. Pratica ato infracional.

Recebe pena (sanção penal). Recebe medida socioeducativa.

A execução da pena é regulada pela Lei n. 7.210/84.

A execução da medida socioeducativa é regulada

pela Lei n. 12.594/2012.

Quais são as medidas socioeducativas? O rol de medidas socioeducativas está previsto no art. 112 do ECA. Assim, quando um adolescente pratica um ato infracional, ele poderá receber as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das medidas protetivas previstas no art. 101, I a VI do ECA (exs: orientação, matrícula obrigatória em escola, inclusão em programa comunitário, entre outras). Procedimento aplicável no caso de apuração de ato infracional A apuração de ato infracional praticado por criança ou adolescente é regulada por alguns dispositivos do ECA. No entanto, como o Estatuto não tratou de forma detalhada sobre o tema, o art. 152 determina que sejam aplicadas subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente. No caso de apuração de ato infracional, aplica-se subsidiariamente o CPP ou o CPC? Depende. Aplica-se: • o CPP para o processo de conhecimento (representação, produção de provas, memoriais, sentença); • o CPC para as regras do sistema recursal (art. 198 do ECA). Resumindo: 1ª opção: normas do ECA. Na falta de normas específicas: • CPP: para regular o processo de conhecimento. • CPC: para regular o sistema recursal. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João, com 17 anos e 11 meses de idade, praticou ato infracional equiparado a roubo. O Promotor de Justiça ofereceu representação ao Juiz, propondo a instauração de procedimento para aplicação da medida socioeducativa (art. 182 do ECA). A “representação” de que trata o ECA é como se fosse a “denúncia” do processo penal. O Juiz entendeu que não era o caso de rejeição da representação e, assim, designou audiência de apresentação do adolescente. Na audiência de apresentação, o Juiz ouviu o adolescente e seus pais. Em seguida, o magistrado, por entender que não era o caso de conceder remissão judicial, determinou o prosseguimento do processo com a realização de instrução. Depois da instrução foi realizado o debate entre Ministério Público e defesa.

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Chegou o momento de o Juiz proferir a sentença. Ocorre que o magistrado verificou que, em virtude da demora na tramitação do processo, João já está, atualmente, com 19 anos. Diante disso, surgiu a dúvida: é possível que João continue sendo julgado pelo juízo da Vara de Infância e Adolescência mesmo já tendo atingido a maioridade penal (18 anos)? É possível que o magistrado aplique alguma medida socioeducativa em relação a João mesmo ele já sendo adulto (maior de 18 anos)? SIM. A medida socioeducativa pode ser aplicada ao indivíduo maior de 18 anos, desde que o ato infracional tenha sido praticado antes, ou seja, quando ele ainda era adolescente. A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o adolescente ter completado 18 anos durante o curso do processo onde se apura o ato infracional não interfere na sentença. O juiz poderá aplicar normalmente a medida socioeducativa. Outra situação: Pedro, com 17 anos de idade, recebeu medida socioeducativa de internação pela prática de ato infracional. Ele está cumprindo medida em uma unidade de internação de adolescentes infratores. Ocorre que Pedro completou 18 anos. Ele pode continuar cumprindo a internação? SIM. A superveniência da maioridade penal não interfere na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o adolescente ter completado 18 anos durante o cumprimento da medida socioeducativa não faz com que essa execução tenha que ser encerrada. Ela continuará normalmente até que o Juiz entenda que a medida já cumpriu a sua finalidade ou até que o indivíduo complete 21 anos. Se o interno completar 21 anos, deverá ser obrigatoriamente liberado, encerrando o regime de internação. Mas o ECA pode ser aplicado para maiores de 18 anos? Existe possibilidade legal para isso? SIM. Essa autorização encontra-se prevista no art. 2º, parágrafo único e no art. 121, § 5º do ECA:

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Desse modo, um exemplo desse parágrafo único do art. 2º do ECA é justamente a possibilidade de aplicação e cumprimento de medida socioeducativa para pessoas entre 18 e 21 anos, desde que o fato tenha sido praticado antes de atingida da maioridade penal, ou seja, antes dos 18 anos. Idade na data do fato O que interessa para saber se a pessoa deve responder por ato infracional é a sua idade na data do fato, e não na data do julgamento ou do cumprimento da medida (respeitada a idade máxima de 21 anos). Veja o que diz o ECA:

Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

Assim, se na data do fato o adolescente tinha menos de 18 anos, nada impede que permaneça no cumprimento de medida socioeducativa imposta, ainda que implementada a sua maioridade penal. Internação até 21 anos Vale ressaltar que o art. 121 do ECA, que trata sobre a internação, prevê expressamente a possibilidade de o indivíduo permanecer cumprindo a medida até 21 anos. Confira:

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Art. 121 (...) § 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

O art. 121, § 5º dispõe sobre a internação. Essa possibilidade de o indivíduo cumprir medida mesmo até os 21 anos vale para a medida de semiliberdade? SIM. Existe previsão expressa afirmando que as regras da internação, incluindo o art. 121, § 5º, podem ser aplicadas, no que couber, à medida de semiliberdade:

Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. (...) § 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.

O ECA, ao tratar sobre a liberdade assistida, não traz um dispositivo como esse do art. 120, § 2º acima transcrito. Em razão disso, vários doutrinadores sustentaram que, para a liberdade assistida, o cumprimento deveria ficar restrito até os 18 anos por ausência de previsão legal. Essa tese prevaleceu? NÃO. A jurisprudência entendeu que, mesmo sem regra expressa, deve ser permitido o cumprimento da liberdade assistida até os 21 anos, assim como ocorre com a internação e a semiliberdade. Não há qualquer fundamento jurídico ou lógico que autorize uma diferença de tratamento. Isso porque a internação e a semiliberdade são medidas mais gravosas que a liberdade assistida. Desse modo, seria ilógico considerar que é possível a incidência das medidas mais gravosas e, ao mesmo tempo, proibida a aplicação das mais brandas. Assim, o STJ possui o entendimento pacífico de que o art. 121, § 5º do ECA admite a possibilidade da extensão do cumprimento da medida socioeducativa até os 21 anos de idade, abarcando qualquer que seja a medida imposta ao adolescente. Posição do STF O STF possui o mesmo entendimento manifestado na Súmula 605 do STJ. Confira:

O disposto no § 5º do art. 121 da Lei 8.069/1990, além de não revogado pelo art. 5º do Código Civil, é aplicável à medida socioeducativa de semiliberdade, conforme determinação expressa do art. 120, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em consequência, se o paciente, à época do fato, ainda não tinha alcançado a maioridade penal, nada impede que ele seja submetido à semiliberdade, ainda que, atualmente, tenha mais de dezoito anos, uma vez que a liberação compulsória só ocorre aos vinte e um. STF. 2ª Turma. HC 94939, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 14/10/2008.

Apenas a título de informação complementar: Medidas socioeducativas em meio aberto: • Prestação de serviços à comunidade; • Liberdade assistida. Prestação de serviços à comunidade (art. 117 do ECA) A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho.

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Liberdade assistida (art. 118 do ECA) “Baseada no instituto norte-americano do probation system, consiste em submeter o adolescente, após sua entrega aos pais ou responsável, a uma vigilância e acompanhamento discretos, à distância, com o fim de impedir a reincidência e obter a ressocialização. Na prática, consiste na obrigação de o adolescente infrator e seus responsáveis legais comparecerem periodicamente a um posto predeterminado e, ali, entrevistarem-se com os técnicos para informar suas atividades.” (Eduardo Roberto Alcântara Del-Campo e Thales Cezar de Oliveira). Medidas socioeducativas que implicam privação de liberdade: • Semiliberdade; • Internação. Semiliberdade (art. 120 do ECA) Pelo regime da semiliberdade, o adolescente realiza atividades externas durante o dia, sob supervisão de equipe multidisciplinar, e fica recolhido à noite. O regime de semiliberdade pode ser determinado como medida inicial imposta pelo juiz ao adolescente infrator, ou como forma de transição para o meio aberto (uma espécie de “progressão”). Internação (art. 121 do ECA) Por esse regime, o adolescente fica recolhido na unidade de internação. A internação constitui medida privativa da liberdade e se sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Pode ser permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. Se o interno completar 21 anos, deverá ser obrigatoriamente liberado, encerrando o regime de internação.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Qual é o recurso cabível contra o pronunciamento que

julga a impugnação ao cumprimento de sentença?

Importante!!!

Qual é o recurso cabível contra o pronunciamento que julga a impugnação ao cumprimento de sentença?

• Se o pronunciamento judicial extinguir a execução: será uma sentença e caberá APELAÇÃO.

• Se o pronunciamento judicial não extinguir a execução: será uma decisão interlocutória e caberá AGRAVO DE INSTRUMENTO.

Assim, o recurso cabível contra a decisão que acolhe impugnação ao cumprimento de sentença e extingue a execução é a apelação.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.698.344-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2018 (Info 630).

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Imagine a seguinte situação hipotética: João foi condenado a pagar R$ 300 mil a Pedro. A sentença transitou em julgado. O que acontece agora? Pedro terá que ingressar com uma petição em juízo requerendo o cumprimento da sentença. O início da fase de cumprimento da sentença pode ser feito de ofício pelo juiz? NÃO. O cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo, só pode ser feito a requerimento do exequente (art. 513, § 1º do CPC/2015). Cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante demonstrativo discriminado e atualizado do crédito (art. 524 do CPC/2015). Em outras palavras, o início da fase de cumprimento da sentença exige um requerimento do credor:

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

Pedro requereu, então, o início do cumprimento de sentença. O que o juiz deve fazer? O juiz deverá determinar a intimação do devedor para pagar a quantia em um prazo máximo de 15 dias. Não ocorrendo pagamento voluntário neste prazo, o débito será acrescido de multa de 10% e, também, de honorários de advogado de 10% (art. 523, § 1º, do CPC/2015). Esse prazo de 15 dias, previsto no art. 523 do CPC 2015 (art. 475-J do CP 1973), é contado a partir de quando? Da intimação do devedor para pagar. Não basta que o devedor já tenha sido intimado anteriormente da sentença que o condenou. Para começar o prazo de 15 dias para pagamento, é necessária nova intimação. Assim, a multa de 10% depende de nova intimação prévia do devedor. A forma dessa intimação está prevista no art. 513 do CPC/2015 Na fase de cumprimento de sentença existe alguma forma de “defesa” do devedor? João poderá apresentar alguma defesa? SIM. A defesa típica do devedor executado no cumprimento de sentença é a chamada impugnação. Para que o devedor apresente impugnação, é indispensável a garantia do juízo, ou seja, é necessário que haja penhora, depósito ou caução? NÃO. A impugnação independe de prévia garantia do juízo. Qual é o prazo para a apresentação da impugnação? 15 dias. Se for mais de um executado (litisconsórcio) e eles tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, o prazo para impugnação será em dobro, ou seja, 30 dias (art. 525, § 3º). A partir de quando é contado o prazo para que o executado ofereça impugnação? O prazo de 15 dias para impugnação inicia-se imediatamente após acabar o prazo de 15 dias que o executado tinha para fazer o pagamento voluntário (art. 525, caput). Não é necessária nova intimação. Acabou um prazo, começa o outro. Nesse sentido:

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Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

Quais as matérias que poderão ser alegadas na impugnação? O executado poderá alegar (art. 525, § 1º do CPC): 1) falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; 2) ilegitimidade de parte; 3) inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; 4) penhora incorreta ou avaliação errônea; 5) excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; 6) incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; 7) qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença. Voltando ao nosso exemplo: Na impugnação, ele alegou nulidade da citação e que, na fase de conhecimento, o processo corréu à sua revelia (art. 525, §1º, I, do CPC/2015). O juiz julgou procedente a impugnação e extinguiu a execução (cumprimento de sentença). Pedro interpôs agravo de instrumento contra esta decisão do magistrado, fundamentando o recurso no art. 1.015, parágrafo único, do CPC:

Art. 1.015 (...) Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Agiu corretamente o credor? NÃO. O recurso cabível contra a decisão que julga a impugnação ao cumprimento de sentença é o seguinte: 1) Se na decisão que julgou a impugnação o juiz não extinguiu a execução: cabe agravo de instrumento. 2) Se na decisão que julgou a impugnação o juiz extinguiu a execução: cabe apelação. Desse modo, se quisermos analisar por outro prisma, podemos afirmar o seguinte: 1) Se o juiz rejeita a impugnação: cabe agravo de instrumento (porque a execução irá prosseguir); 2) Se o juiz acolhe a impugnação, poderá caber agravo de instrumento ou apelação. 2.1) Se o juiz acolhe a impugnação, mas não extingue a execução (ex: apenas reduz o valor que estava excessivo): caberá agravo de instrumento; 2.2 ) Se o juiz acolhe a impugnação e extingue a execução (ex: falta de citação): caberá apelação. No caso concreto, o juiz julgou procedente a impugnação e extinguiu o cumprimento de sentença. Logo, caberia apelação. É como decidiu o STJ:

O recurso cabível da decisão que acolhe impugnação ao cumprimento de sentença e extingue a execução é a apelação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.698.344-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2018 (Info 630).

Sentença São dois os critérios utilizados para definir que um pronunciamento jurisdicional é sentença: a) tem conteúdo equivalente a uma das situações previstas nos arts. 485 ou 489 do CPC/2015; e b) determina o encerramento de uma das fases do processo (fase de conhecimento ou de execução).

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De acordo com o § 1º do art. 203 do CPC/2015, a decisão que extingue a execução é uma sentença:

Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

Agravo de instrumento O agravo de instrumento é o recurso cabível, em primeiro grau de jurisdição, contra específicas decisões interlocutórias previstas em lei (art. 1.015 do CPC/2015). O agravo de instrumento só cabe contra pronunciamentos decisórios que não encerram a fase cognitiva nem a fase de execução. É um conceito construído por exclusão: • se a decisão encerra a fase cognitiva ou a execução, esse pronunciamento é uma sentença. • caso contrário, ou seja, se a decisão não encerra a fase cognitiva ou a execução, estaremos diante de uma decisão interlocutória. É o que preconiza o art. 203, § 2º do CPC:

Art. 203 (...) § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.

RESTAURAÇÃO DE AUTOS Tribunal de Justiça não pode editar provimento fixando prazo

para a propositura da ação de restauração de autos

Tribunal de Justiça não tem competência para, por meio de provimento da respectiva Corregedoria, estabelecer prazo para a propositura de ação de restauração de autos.

Caso concreto: houve um incêndio no fórum de Poção de Pedras (MA) e os autos queimaram. Diante disso, a Corregedoria do TJ/MA editou um provimento fixando um prazo para que as partes requeressem a restauração dos autos, sob pena de serem obrigadas a propor novamente a ação principal. O STJ não concordou e afirmou que o TJ não poderia ter editado essa norma. Ao estabelecer prazo para a propositura da ação de restauração de autos com a apresentação dos documentos necessários, o TJ/MA editou uma verdadeira norma sobre processo civil (norma processual), cuja competência legislativa foi atribuída privativamente à União (art. 22, I, CF/88).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.722.633-MA, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/08/2018 (Info 630).

Desaparecimento de um “processo” É possível que os autos de um processo sumam. Ex: o advogado faz carga de um processo, deixa em seu carro enquanto almoça e o veículo é furtado. Ex2: o MP faz carga de um processo, deixa em sua sala e há um alagamento, destruindo os autos. Nesses casos, será necessário recuperar tudo aquilo ou pelo menos a maior parte do que havia nesses autos. O CPC prevê que isso deverá ser feito por meio de um procedimento chamado “restauração de autos”. Conceito e características A restauração de autos é...

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- uma ação incidental, - de procedimento especial e contencioso, - que tem por objetivo recompor (recuperar) - as peças e documentos - que estavam em um “processo” (aqui no sentido de “autos”) que desapareceu - e, além disso, destina-se também a responsabilizar o causador do desaparecimento. Previsão A restauração de autos está disciplinada nos arts. 712 a 718 do CPC. Responsabilização do causador do desaparecimento Quem houver dado causa ao desaparecimento dos autos responderá pelas custas da restauração e pelos honorários de advogado, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal em que incorrer. Quem tem legitimidade para dar início ao procedimento de restauração? Verificado o desaparecimento dos autos (físicos ou eletrônicos), qualquer das partes ou o Ministério Público poderá ingressar com ação de restauração. Vale ressaltar que o juiz pode, de ofício, ou seja, mesmo sem requerimento, determinar a restauração. Trata-se de exceção ao princípio da inércia da jurisdição. É o que diz o art. 712 do CPC:

Art. 712. Verificado o desaparecimento dos autos, eletrônicos ou não, pode o juiz, de ofício, qualquer das partes ou o Ministério Público, se for o caso, promover-lhes a restauração.

Vale ressaltar que se houver “autos suplementares” (uma espécie de autos de “reserva”), não será necessária a restauração e o processo prosseguirá nos autos suplementares. Obs: na prática, isso é raríssimo. Petição inicial Na petição inicial, o autor da ação declarará o estado do processo ao tempo do desaparecimento dos autos, oferecendo: I - certidões dos atos constantes do protocolo de audiências do cartório por onde haja corrido o processo; II - cópia das peças que tenha em seu poder; III - qualquer outro documento que facilite a restauração. Obs: no polo passivo desta ação deverão estar presentes “todos os sujeitos que participam do processo como parte e que não estejam no polo ativo da ação de restauração de autos” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo CPC comentado. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1132). Contestação A parte contrária será citada para contestar o pedido no prazo de 5 dias, cabendo-lhe exibir as cópias, as contrafés e as reproduções dos atos e dos documentos que estiverem em seu poder. Se a parte concordar com a restauração, será lavrado um auto que, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, suprirá o processo desaparecido. Se a parte não contestar ou se a concordância for parcial, observar-se-á o procedimento comum. Audiência Se a perda dos autos tiver ocorrido depois da produção das provas em audiência, o juiz, se necessário, mandará repeti-las. Serão reinquiridas as mesmas testemunhas que, em caso de impossibilidade, poderão ser substituídas de ofício ou a requerimento. Não havendo certidão ou cópia do laudo, será feita nova perícia, sempre que possível pelo mesmo perito.

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Não havendo certidão de documentos, esses serão reconstituídos mediante cópias ou, na falta dessas, pelos meios ordinários de prova. Os serventuários e os auxiliares da justiça não podem eximir-se de depor como testemunhas a respeito de atos que tenham praticado ou assistido. Se o juiz houver proferido sentença da qual ele próprio ou o escrivão possua cópia, esta será juntada aos autos e terá a mesma autoridade da original. Sentença Julgada a restauração, seguirá o processo os seus termos. E se os autos aparecerem? Aparecendo os autos originais, neles se prosseguirá, sendo-lhes apensados os autos da restauração. Prazo para ajuizamento da ação O CPC não estabeleceu um prazo para a propositura da ação de restauração de autos. Diante disso, a Corregedoria do TJ/MA editou um provimento fixando o termo final para o seu ajuizamento, sob pena de a parte perder o direito à restauração dos autos e ser obrigada a propor novamente a ação principal. A situação concreta foi a seguinte: Houve um incêndio no fórum de Poção de Pedras (MA) e os autos queimaram. Todos os processos foram suspensos e a Corregedoria do TJ/MA editou um provimento fixando um prazo para que as partes requeressem as restaurações dos autores que foram destruídos. O provimento previa, ainda, que, “transcorridos os prazos fixados, as partes somente poderão pleitear seus direitos através de nova ação”. O objetivo da Corregedoria foi o de evitar que os processos cujos autos foram queimados ficassem indefinidamente suspensos. O argumento do órgão correicional foi o de que essa previsão seria uma mera norma de procedimento e que, portanto, poderia ser tratada por intermédio de provimento. O STJ, contudo, não concordou e afirmou que o TJ não poderia ter editado essa norma. O que a Corregedoria do TJ fez foi criar um verdadeiro prazo decadencial para o ajuizamento da ação de restauração, de forma que ela impôs um limite ao exercício do direito pela parte e, consequentemente, à prestação da atividade jurisdicional pelo Estado. Logo, não se pode dizer que se trata de mera regra de procedimento. Normas puramente procedimentais não podem adentrar aspectos típicos do processo, como competência, prazos, recursos ou provas. Normas de procedimento são regras que versam sobre questões internas do órgão jurisdicional (interna corporis), de simples organização judiciária, a exemplo da autuação, distribuição e protocolo, custas processuais, lavratura de certidões, informações estatísticas, etc. Além disso, o STJ considerou que esse provimento violou a garantia do devido processo legal, na sua vertente substancial, considerando que não é razoável que o silêncio do legislador possa ser interpretado em prejuízo da parte que não deu causa ao desaparecimento dos autos. Assim, ao estabelecer prazo para a propositura da ação de restauração de autos com a apresentação dos documentos necessários, o TJ/MA editou uma verdadeira norma sobre processo civil (norma processual), cuja competência legislativa foi atribuída privativamente à União (art. 22, I, CF/88). Conclui-se, portanto, que houve ofensa ao devido processo legal. Em suma:

Tribunal de Justiça não tem competência para, por meio de provimento da respectiva Corregedoria, estabelecer prazo para a propositura de ação de restauração de autos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.722.633-MA, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/08/2018 (Info 630).

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO As autoridades listadas no art. 105, I, “a”, da CF/88 somente terão foro por prerrogativa de

função no STJ para os crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas

As hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função.

STJ. Corte Especial. AgRg na APn 866-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018 (Info 630).

Decisão do STF restringindo o foro Em 2018, o STF decidiu restringir o foro por prerrogativa de função dos Deputados Federais e Senadores. O art. 53, § 1º e o art. 102, I, “b”, da CF/88 preveem que, em caso de crimes comuns, os Deputados Federais e os Senadores serão julgados pelo STF. Ocorre que o Supremo conferiu uma interpretação restritiva a esses dispositivos e afirmou o seguinte:

O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

Em outras palavras, os Deputados Federais e Senadores somente serão julgados pelo STF se o crime tiver sido praticado durante o exercício do mandato de parlamentar federal e se estiver relacionado com essa função. O entendimento que restringe o foro por prerrogativa de função vale para outras hipóteses de foro privilegiado ou apenas para os Deputados Federais e Senadores? Vale para outros casos de foro por prerrogativa de função. Foi o que decidiu o próprio STF no julgamento do Inq 4703 QO/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12/06/2018, no qual afirmou que o entendimento vale também para Ministros de Estado. O STJ também decidiu que a restrição do foro deve alcançar Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais. Explico. O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que compete ao STJ julgar os crimes praticados por Governadores de Estado e por Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

A Corte Especial do STJ, seguindo o mesmo raciocínio do STF, limitou a amplitude do art. 105, I, “a”, da CF/88 e decidiu que:

O foro por prerrogativa de função no caso de Governadores e Conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados deve ficar restrito aos fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste.

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Assim, o STJ é competente para julgar os crimes praticados pelos Governadores e pelos Conselheiros de Tribunais de Contas somente se estes delitos tiverem sido praticados durante o exercício do cargo e em razão deste. STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/06/2018. STJ. Corte Especial. APn 866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018.

O STJ disse o seguinte: • O STF, ao analisar o art. 102, I, da CF/88 decidiu restringir o foro por prerrogativa de função para Deputados Federais e Senadores. Em seguida, restringiu também para Ministros de Estado. A partir dessa restrição, tais autoridades somente poderão ter foro no STF em caso de crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. • Diante dessa decisão do STF, eu (STJ) também irei restringir o foro por prerrogativa de função para as autoridades que estão listadas no art. 105, I, “a”, da CF/88, aplicando o mesmo raciocínio. • O fato de a regra de competência estar prevista no texto constitucional (art. 105 da CF/88) não pode representar óbice à análise, por este STJ, de sua própria competência, sob pena de se inviabilizar, nos casos como o dos autos, o exercício deste poder-dever básico de todo órgão julgador, impedindo o imprescindível exame deste importante pressuposto de admissibilidade do provimento jurisdicional. Em palavras mais simples, a restrição da competência do art. 105 da CF/88 passa por uma nova intepretação do texto constitucional. A função precípua de interpretação à Constituição Federal é do STF. No entanto, eu (STJ), assim como todo e qualquer magistrado, também tenho a prerrogativa de interpretar as normas jurídicas, inclusive a Constituição da República. • Além disso, todo juiz é competente para analisar a sua própria competência (“kompetenz-kompetenz”), de forma que eu (STJ) posso interpretar o art. 105 da CF/88 para dizer se sou ou não competente para julgar determinada autoridade, podendo assim adotar a mesma restrição construída pelo STF. • O foro especial no âmbito penal é prerrogativa destinada a assegurar a independência e o livre exercício de determinados cargos e funções de especial importância, isto é, não se trata de privilégio pessoal. O princípio republicano é condição essencial de existência do Estado de Direito e impõe a supressão dos privilégios, devendo ser afastados da interpretação constitucional os princípios e regras contrários à igualdade. • O art. 105, I, “a”, CF/88 consubstancia exceção à regra geral de competência, de modo que, partindo-se do pressuposto de que a Constituição é una, sem regras contraditórias, deve ser realizada a interpretação restritiva das exceções, com base na análise sistemática e teleológica da norma. • As mesmas razões fundamentais (a mesma ratio decidendi) que levaram o STF, ao interpretar o art. 102, I, “b” e “c”, da CF/88, a restringir as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser também aplicadas ao art. 105, I, “a”. • Assim, é de se conferir ao art. 105, I, “a”, da CF/88, o mesmo sentido e alcance atribuído pelo STF ao art. 102, I, “b” e “c”, restringindo-se, desse modo, as hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função.

As hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função. STJ. Corte Especial. AgRg na APn 866-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018 (Info 630).

O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que os Desembargadores são julgados criminalmente pelo STJ. O entendimento acima exposto será aplicado também para os Desembargadores? Se um Desembargador praticar crime que não esteja relacionado com o exercício de suas funções (ex: lesão corporal contra a esposa), ele será julgado pelo juízo de 1ª instância? Aqui ainda não há uma definição do tema. Durante os debates sobre a APn 857/DF, acima mencionada, alguns Ministros defenderam a ideia de que os Desembargadores continuassem a ser julgados pelo STJ

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mesmo que o crime não estivesse relacionado com as suas funções. Seria uma espécie de “exceção” a esse entendimento. Foi o que sustentou, por exemplo, o Min. João Otávio de Noronha: “A questão envolvendo o Judiciário tem que ser caso a caso. Não há problema nenhum de um juiz do Trabalho, por exemplo, ser julgado por um juiz de primeiro grau. Mas há problema um juiz de primeiro grau julgar um desembargador que o promoveu ou que reforma suas decisões”. Os Ministros Mauro Campbell e Og Fernandes, por outro lado, defendiam a tese de que os Desembargadores devem receber o mesmo tratamento que as demais autoridades e que se o delito não estiver relacionado com as funções, eles deveriam ser julgados em 1ª instância. Como o caso concreto que estava sendo julgado não envolvia Desembargador, este tema ficou para ser novamente debatido e definido em uma oportunidade futura. Enfim, até o presente momento, o STJ ainda não se posicionou definitivamente se a restrição do foro por prerrogativa de função aplica-se ou não aos membros da Magistratura.

FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Iminência da ocorrência da prescrição fez com que o STJ permanecesse competente para julgar

Desembargador que praticou crime fora do exercício de suas funções

A iminente prescrição do crime praticado por Desembargador excepciona o entendimento consolidado na APn 937 - o foro por prerrogativa de função é restrito a crimes cometidos ao tempo do exercício do cargo e que tenham relação com o cargo - e prorroga a competência do Superior Tribunal de Justiça.

STJ. Corte Especial. QO na APn 703-GO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 01/08/2018 (Info 630).

Decisão do STF restringindo o foro Em 2018, o STF decidiu restringir o foro por prerrogativa de função dos Deputados Federais e Senadores. O art. 53, § 1º e o art. 102, I, “b”, da CF/88 preveem que, em caso de crimes comuns, os Deputados Federais e os Senadores serão julgados pelo STF. Ocorre que o Supremo conferiu uma interpretação restritiva a esses dispositivos e afirmou o seguinte:

O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

Em outras palavras, os Deputados Federais e Senadores somente serão julgados pelo STF se o crime tiver sido praticado durante o exercício do mandato de parlamentar federal e se estiver relacionado com essa função. O entendimento que restringe o foro por prerrogativa de função vale para outras hipóteses de foro privilegiado ou apenas para os Deputados Federais e Senadores? Vale para outros casos de foro por prerrogativa de função. Foi o que decidiu o próprio STF no julgamento do Inq 4703 QO/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12/06/2018, no qual afirmou que o entendimento vale também para Ministros de Estado. O STJ também decidiu que a restrição do foro deve alcançar Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais. Explico. O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que compete ao STJ julgar os crimes praticados por Governadores de Estado e por Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente:

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a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

A Corte Especial do STJ, seguindo o mesmo raciocínio do STF, limitou a amplitude do art. 105, I, “a”, da CF/88 e decidiu que:

O foro por prerrogativa de função no caso de Governadores e Conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados deve ficar restrito aos fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste. Assim, o STJ é competente para julgar os crimes praticados pelos Governadores e pelos Conselheiros de Tribunais de Contas somente se estes delitos tiverem sido praticados durante o exercício do cargo e em razão deste. STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/06/2018. STJ. Corte Especial. APn 866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/06/2018.

O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que os Desembargadores são julgados criminalmente pelo STJ. O entendimento acima exposto será aplicado também para os Desembargadores? Se um Desembargador praticar crime que não esteja relacionado com o exercício de suas funções (ex: lesão corporal contra a esposa), ele será julgado pelo juízo de 1ª instância? Aqui ainda não há uma definição do tema. Durante os debates sobre a APn 857/DF, acima mencionada, alguns Ministros defenderam a ideia de que os Desembargadores continuassem a ser julgados pelo STJ mesmo que o crime não estivesse relacionado com as suas funções. Seria uma espécie de “exceção” a esse entendimento. Foi o que sustentou, por exemplo, o Min. João Otávio de Noronha: “A questão envolvendo o Judiciário tem que ser caso a caso. Não há problema nenhum de um juiz do Trabalho, por exemplo, ser julgado por um juiz de primeiro grau. Mas há problema um juiz de primeiro grau julgar um desembargador que o promoveu ou que reforma suas decisões”. Os Ministros Mauro Campbell e Og Fernandes, por outro lado, defendiam a tese de que os Desembargadores devem receber o mesmo tratamento que as demais autoridades e que se o delito não estiver relacionado com as funções, eles deveriam ser julgados em 1ª instância. Como o caso concreto que estava sendo julgado não envolvia Desembargador, este tema ficou para ser novamente debatido e definido em uma oportunidade futura. Enfim, até o presente momento, o STJ ainda não se posicionou definitivamente se a restrição do foro por prerrogativa de função aplica-se ou não aos membros da Magistratura. Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação concreta: Em 2010, determinado Desembargador foi denunciado no STJ pela prática de crime ambiental. O processo estava tramitando e, pouco antes de ser terminada a instrução, veio a decisão do STF restringindo o foro (AP 937 QO/RJ). A defesa pediu, então, que os autos fossem remetidos à 1ª instância. O STJ negou o pedido da defesa afirmando o seguinte: O Tribunal ainda não definiu se a restrição do foro por prerrogativa de função aplica-se ou não aos Desembargadores. No caso concreto, se este Desembargador não for logo julgado haverá a ocorrência da prescrição. Então, diante desta situação excepcional e considerando que ainda não há uma definição sobre o tema, deverá a ação penal contra ele permanecer no STJ.

A iminente prescrição do crime praticado por Desembargador excepciona o entendimento consolidado na APn 937 - o foro por prerrogativa de função é restrito a crimes cometidos ao tempo do exercício do cargo e que tenham relação com o cargo - e prorroga a competência do Superior Tribunal de Justiça. STJ. Corte Especial. QO na APn 703-GO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 01/08/2018 (Info 630).

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Confira a íntegra das palavras do Min. Relator ao fundamentar a manutenção do foro no STJ: “O presente caso concreto, apenas de versar situação em que é réu Desembargador (situação em que, como visto, a extensão da prerrogativa de foro é questão a ser ainda enfrentada pela Corte Especial), veicula quadro fático com peculiaridade que merece especial atenção, qual seja, a iminente ocorrência da prescrição. Com efeito, o réu responde pela prática em tese do delito tipificado no art. 39, c/c art. 53, inciso II, alínea “c”, da Lei nº 9.605/98. A pena em abstrato do delito previsto no art. 39 da Lei 9.605 é de 1 a 3 anos de detenção; com a causa de aumento de pena prevista no art. 53, o aumento pode ser de 1/6 a 1/3. Com isso, a pena máxima prevista abstratamente para o delito é de 4 anos, o que faz com que a prescrição em abstrato se dê em 8 anos (art. 109, IV, do Código Penal). Tal prazo de 8 anos, contudo, será reduzido à metade (a 4 anos, portanto), se à data da sentença o réu for maior de 70 anos (art. 115 do Código Penal), idade que o réu completará em 24/08/2018, uma vez que é nascido em 24/08/1948 (fl. 767). Tendo em vista que os fatos em tese criminosos imputados ao réu na denúncia remontam a 25/08/2009 e que a denúncia só foi recebida na sessão de 24/10/2016, sem que entre 2009 e 2016 se operasse qualquer marco interruptivo da prescrição, haverá de se reconhecer a ocorrência de prescrição em abstrato caso não seja o réu julgado antes de 24/08/2018. Isto considerado, tendo em vista a iminente ocorrência da prescrição, proponho que o processamento desta Ação Penal permaneça no Superior Tribunal de Justiça.” Vale ressaltar, mais uma vez, que ainda não existe posição do STJ sobre a aplicação ou não da restrição do foro por prerrogativa de função aos Desembargadores.

TRIBUNAL DO JÚRI Jurado que fala “é um crime” durante a sessão de julgamento viola o dever de

incomunicabilidade, acarretando a nulidade absoluta da condenação

Importante!!!

Deve ser declarado nulo o júri em que membro do conselho de sentença afirma a existência de crime em plena fala da acusação.

Caso concreto: durante os debates no Plenário do Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça estava em pé na frente dos jurados apresentando seus argumentos. Em determinado momento, o Promotor fez uma pergunta retórica: “aí, então, senhores jurados, eu pergunto a Vossas Excelências: qual foi a conduta que o réu aqui presente praticou?” Uma das juradas acabou “soltando” a seguinte resposta: “é um crime”. O juiz presidente do Júri imediatamente a advertiu dizendo: por favor, a senhora não pode se manifestar. O advogado, contudo, na mesma hora requereu ao magistrado que consignasse este fato na ata de julgamento. O juiz decidiu que não houve quebra da incomunicabilidade e seguiu com o julgamento. O réu foi condenado e a defesa recorreu alegando, entre outros argumentos, que houve nulidade do julgamento por quebra da incomunicabilidade dos jurados. O STJ anulou o júri.

STJ. 6ª Turma. HC 436.241-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/06/2018 (Info 630).

Procedimento do Tribunal do Júri Quando a pessoa pratica um crime doloso contra a vida, ela responde a um processo penal que é regido por um procedimento especial próprio do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP). O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou escalonado) porque se divide em duas etapas.

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1ª fase: sumário da culpa (iudicium accusationis / juízo da acusação) É a fase de acusação e instrução preliminar (formação da culpa). Inicia-se com o oferecimento da denúncia (ou queixa). Ao final da 1ª fase do procedimento do júri, o juiz irá proferir uma sentença, que poderá ser de quatro modos:

PRONÚNCIA IMPRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DESCLASSIFICAÇÃO O réu será pronunciado quando o juiz se convencer de que existem prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação.

O réu será impronunciado quando o juiz não se convencer: da materialidade do fato; da existência de indícios

suficientes de autoria ou de participação.

Ex.: a única testemunha que havia reconhecido o réu no IP não foi ouvida em juízo.

O réu será absolvido desde logo quando estiver provado (a): a inexistência do fato; que o réu não é autor ou

partícipe do fato; que o fato não constitui

crime; que existe uma causa de

isenção de pena ou de exclusão do crime.

Ex.: todas as testemunhas ouvidas afirmaram que o réu não foi o autor dos disparos.

Ocorre quando o juiz se convencer de que o fato narrado não é um crime doloso contra a vida, mas sim um outro delito, devendo, então, remeter o processo para o juízo competente. Ex.: juiz entende que não houve homicídio doloso, mas sim latrocínio.

Recurso cabível: RESE. Recurso cabível: APELAÇÃO. Recurso cabível: APELAÇÃO. Recurso cabível: RESE.

Fase de julgamento (iudicium causae / juízo da causa) Se o acusado foi pronunciado pelo juiz e esta decisão não foi modificada pelas instâncias superiores (houve a preclusão da decisão de pronúncia), significa que agora o réu será julgado pelos jurados em sessão plenária do júri. Antes do julgamento propriamente dito, será necessário que o juiz presidente do Tribunal do Júri tome algumas medidas para preparar a sessão. Assim, nesta 2ª fase do procedimento do júri, haverá a preparação para o julgamento, a organização do júri e a realização da sessão de julgamento. Sessão de julgamento Vamos pular as etapas preparatórias e já ir direto para a sessão de julgamento. A sessão de julgamento é o dia marcado pelo juiz no qual o réu será julgado. Esse julgamento ocorre geralmente em um auditório ou plenário, considerando que envolve a participação de muitas pessoas (réu, juiz, membro do MP, advogados, defensores, jurados, plateia etc.). Sorteio dos jurados No dia da sessão de julgamento, o juiz faz o sorteio de 7 jurados que irão compor o Conselho de Sentença, ou seja, eles é quem irão julgar o réu. Esses 7 jurados são escolhidos a partir de uma lista de 25 jurados que foram previamente selecionados, isto é, no dia do julgamento haverá uma relação de 25 jurados e, destes, serão escolhidos 7. Repetindo: Conselho de Sentença são os 7 jurados sorteados que irão julgar o caso. Incomunicabilidade dos jurados Ao contrário de outros países, como nos EUA, aqui no Brasil os jurados sorteados não podem conversar entre si nem podem manifestar sua opinião sobre o processo, ou seja, não podem dar nenhuma “pista” se irão votar a favor ou contra o réu. Isso está previsto expressamente no § 1º do art. 466 do CPP:

Art. 466 (...)

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§ 1º O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2º do art. 436 deste Código. § 2º A incomunicabilidade será certificada nos autos pelo oficial de justiça.

Essa vedação existe para assegurar a imparcialidade dos jurados e para evitar que um possa influenciar o outro. Além disso, a CF/88 determina que a votação dos jurados no Tribunal do Júri deve ser sigilosa (art. 5º, XXXVIII). Se o jurado pudesse se manifestar, isso poderia acabar revelando qual foi o seu voto. Por isso, o juiz deverá fazer a seguinte advertência aos jurados: “Devo adverti-los de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si ou com outras pessoas, nem manifestarem sua opinião sobre o processo. Caso descumpram essa determinação serão multados no valor de 1 a 10 salários mínimos e poderão responder a processo criminal por prevaricação.” Qual é a consequência processual em caso de quebra da incomunicabilidade dos jurados? • Se a sessão do júri ainda está ocorrendo: o juiz deverá dissolver o Conselho de Sentença e marcar uma nova data para o júri. • Se essa quebra da incomunicabilidade só é descoberta ou reconhecida após o júri terminar: neste caso, haverá a nulidade do julgamento. Ex: o jurado fez um comentário durante a sessão, mas o juiz entendeu que não foi uma opinião sobre o processo; o Tribunal, ao julgar o recurso, discordou e considerou que o jurado adiantou seu voto ao proferir aquela frase; logo, o Tribunal deverá anular o Júri. Conforme explica Gustavo Badaró:

(...) A finalidade da incomunicabilidade é garantir a ausência de interferência de um jurado na formação da convicção de outro jurado, bem como a influência de terceiros em relação aos jurados. Diferente do previsto no CPP, a quebra da incomunicabilidade não implica apenas exclusão do jurado do conselho de sentença, mas a dissolução do conselho de sentença, se for constatada durante o julgamento, ou a nulidade absoluta do julgamento, caso somente seja constatada depois de encerrada a sessão.” (Processo penal. Rio de Janeiro: Campus, 2012, p. 498/499)

Solicitação de esclarecimentos pelos jurados Vale ressaltar que é possível que os jurados, durante a sessão de julgamento, peçam esclarecimentos (tirem dúvidas), devendo o Juiz Presidente controlar como o jurado irá fazer a pergunta evitando que ele empregue expressões que possam indicar a sua opinião quanto ao mérito da causa (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 568.650/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 24/04/2018). Para haver quebra da incomunicabilidade, é necessária manifestação sobre o processo Os jurados não precisam ficar totalmente em silêncio. O que a norma proíbe é que o jurado revele opinião sobre o processo, ou seja, indique preferência pela defesa ou acusação. Nesse sentido:

Não há quebra de incomunicabilidade quando o jurado eventualmente se comunica com outro membro do Conselho de Sentença, sem exteriorizar opinião acerca da causa, provas ou o mérito da imputação. STJ. 5ª Turma. REsp 1222356/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/05/2016.

Não ocorre quebra de incomunicabilidade quando o jurado se comunica ou conversa, ainda que durante a sessão, mesmo com os demais membros do Conselho de Sentença, desde que o assunto não seja a causa, as provas ou o mérito da imputação. STJ. 6ª Turma. REsp 1440787/ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07/08/2014.

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Feita esta breve revisão sobre o tema, imagine a seguinte situação hipotética: João foi denunciado e pronunciado pela prática de homicídio doloso. Nos debates no Plenário do Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça estava em pé na frente dos jurados apresentando seus argumentos. Em determinado momento, o Promotor fez uma pergunta retórica para os jurados. Pergunta retórica é aquela na qual a pessoa que pergunta não quer obter uma resposta do seu interlocutor. O objetivo é apenas fazer com que a outra pessoa reflita (pense) sobre aquele assunto. O membro do MP falou o seguinte: “aí, então, senhores jurados, eu pergunto a Vossas Excelências: qual foi a conduta que o réu aqui presente praticou?” Uma das juradas acabou “soltando” a seguinte resposta: “é um crime”. O juiz presidente do Júri imediatamente a advertiu dizendo: por favor, a senhora não pode se manifestar. O advogado, contudo, na mesma hora requereu ao magistrado que consignasse este fato na ata de julgamento. O juiz decidiu que não houve quebra da incomunicabilidade e seguiu com o julgamento. O réu foi condenado e a defesa recorreu alegando, entre outros argumentos, que houve nulidade do julgamento por quebra da incomunicabilidade dos jurados. A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? Houve quebra da incomunicabilidade? SIM. O STJ, ao analisar o caso, entendeu que houve quebra da incomunicabilidade dos jurados e que, diante disso, o juiz deveria ter dissolvido o conselho de sentença e imposto multa à jurada que cometeu a falta. Em suma:

Deve ser declarado nulo o júri em que membro do conselho de sentença afirma a existência de crime em plena fala da acusação. STJ. 6ª Turma. HC 436.241-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/06/2018 (Info 630).

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA Não é possível incluir, nos cálculos dos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada, as horas extraordinárias habituais incorporadas

por decisão da Justiça trabalhista à remuneração do participante

As horas extras habituais incorporadas ao salário do participante de plano de previdência privada por decisão da Justiça do Trabalho produzem efeitos nos cálculos dos proventos de complementação de aposentadoria?

a) A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria.

b) Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho.

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c) Modulação dos efeitos da decisão (art. 927, § 3º, do CPC/2005): nas demandas ajuizadas na Justiça comum até a data do presente julgamento - se ainda for útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias (horas extras), reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar (expressa ou implícita) e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso.

d) Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores correspondentes a tal recomposição devem ser entregues ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência complementar.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.312.736-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 08/08/2018 (recurso repetitivo) (Info 630).

Entidades de previdência privada Existem duas espécies de entidade de previdência privada (entidade de previdência complementar): as entidades de previdência privada abertas e as fechadas.

ABERTAS (EAPC) FECHADAS (EFPC)

As entidades abertas são empresas privadas constituídas sob a forma de sociedade anônima, que oferecem planos de previdência privada que podem ser contratados por qualquer pessoa física ou jurídica. As entidades abertas normalmente fazem parte do mesmo grupo econômico de um banco ou seguradora. Exs: Bradesco Vida e Previdência S.A., Itaú Vida e Previdência S.A., Mapfre Previdência S.A., Porto Seguro Vida e Previdência S/A., Sul América Seguros de Pessoas e Previdência S.A.

As entidades fechadas são pessoas jurídicas, organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, mantidas por grandes empresas ou grupos de empresa, para oferecer planos de previdência privada aos seus funcionários. Essas entidades são conhecidas como “fundos de pensão”. Os planos não podem ser comercializados para quem não é funcionário daquela empresa. Ex: Previbosch (dos funcionários da empresa Bosch).

Possuem finalidade de lucro. Não possuem fins lucrativos.

São geridas (administradas) pelos diretores e administradores da sociedade anônima.

A gestão é compartilhada entre os representantes dos participantes e assistidos e os representantes dos patrocinadores.

"Entidades patrocinadoras" (patrocinador) Patrocinador (ou entidade patrocinadora) é a empresa ou grupo de empresas que oferece plano de previdência privada fechada aos seus funcionários. Funciona da seguinte forma: os empregados pagam uma parte da mensalidade e o patrocinador arca com a outra. Obs: existem alguns entes públicos que também oferecem plano de previdência privada aos servidores. Neste caso, este ente público é que será o patrocinador. A entidade patrocinadora oferece o plano de previdência privada por meio de uma entidade fechada de previdência privada. Enfim, só existe entidade patrocinadora no caso de plano fechado de previdência privada. Os benefícios mais comuns que são oferecidos pela previdência complementar fechada são os seguintes: aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por invalidez e pensão por morte.

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Participante Participante é a pessoa física que adere ao plano de previdência complementar oferecido por uma entidade fechada de previdência complementar (EFPC). O participante, para poder aderir a esse plano, tem que estar vinculado à entidade patrocinadora (ex: ser funcionário do patrocinador). O valor das contribuições vertidas pelo participante para a entidade de previdência é descontado de seu salário no momento do pagamento. Reserva de poupança (ou de benefício) Reserva de poupança é o total das contribuições efetuadas pelo participante para o plano. Sobre este valor, mensalmente, incide correção monetária. Complementação de aposentadoria É a quantia paga pela entidade de previdência privada como aposentadoria à pessoa que contratou a previdência complementar. É como se chama a aposentadoria paga pela previdência privada.

O julgado analisado refere-se aos planos de previdência privada fechada. Imagine a seguinte situação hipotética: A Fundação Banrisul de Seguridade Social é uma entidade fechada de previdência complementar, instituída em 1963, pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A, com o objetivo de complementar os benefícios concedidos pela Previdência Social aos seus empregados. João era funcionário do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (sociedade de economia mista) e, nesta condição, era participante do plano de previdência complementar oferecido para os funcionários da empresa (era participante do plano de previdência do Banrisul). Personagens Fundação Banrisul: entidade fechada de previdência privada. Banco Banrisul: patrocinador. João: participante. Voltando ao caso O regulamento do plano de previdência previa que o valor da “complementação de aposentadoria” deveria ser calculado a partir da média aritmética simples dos salários de participação do associado. Em outras palavras, o valor da aposentadoria deveria ser calculado com base no salário que o indivíduo recebia e que também servia como parâmetro para as contribuições pagas pelo empregado. Assim, suponhamos que o empregado recebia R$ 5 mil de salário. Todos os meses era descontado 10% para a previdência fechada. A sua aposentadoria deveria ser calculada com base no salário recebido. Aposentadoria de João Após muitos anos trabalhando no Banco, João completou o tempo necessário e pediu o pagamento da complementação de aposentadoria. A Fundação Banrisul calculou o benefício com base nos salários recebidos por João e passou a pagar a complementação de aposentadoria. Reclamação trabalhista O que você ainda não sabe é que João, logo após se aposentar, ingressou com uma reclamação trabalhista contra o Banco alegando que trabalhava todos os dias fazendo horas extras e que, apesar disso, a empresa não lhe pagava o respectivo valor. A Justiça do Trabalho julgou a ação procedente e reconheceu o direito do autor à percepção de diferenças salariais por causa do não pagamento de trabalho extraordinário realizado de forma habitual. A sentença transitou em julgado e João recebeu as respectivas verbas trabalhistas.

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Ação revisional de complementação de aposentadoria e cobrança de diferenças João propôs, então, uma segunda ação. Ele ajuizou, na Justiça Estadual, contra a Fundação Banrisul, uma ação revisional de complementação de aposentadoria e cobrança de diferenças. Na ação revisional, João alegou que seu salário foi “aumentado” na Justiça e que essa diferença deverá produzir efeitos também na aposentadoria paga pela entidade fechada. Assim, pediu para que o juiz determinasse a revisão da complementação de aposentadoria em virtude da inclusão das diferenças salariais obtidas por força de decisão judicial. Esse é, portanto, o tema jurídico que foi debatido neste julgado: as horas extras habituais incorporadas ao salário do participante de plano de previdência privada por decisão da Justiça do Trabalho produzem efeito para fins de recálculo da aposentadoria já concedida? É possível incluir, nos cálculos dos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada, as horas extraordinárias habituais incorporadas por decisão da Justiça trabalhista à remuneração do participante de plano de previdência complementar? A complementação de aposentadoria poderá ser recalculada neste caso? NÃO. Se o benefício de complementação de aposentadoria já tiver sido concedido, não será possível a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria. Vamos entender com calma os argumentos. Regime jurídico da previdência privada complementar A previdência complementar privada está prevista na própria Constituição Federal, em seu art. 202:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

A lei mencionada pelo art. 202 é a LC 109/2001. Autonomia da relação previdenciária com a relação trabalhista É importante esclarecer que o texto constitucional diz expressamente que a relação de trabalho (mantida entre empregado e empregador) não se confunde com a relação de previdência privada (estabelecida entre os participantes/beneficiários e as entidades de previdência privada). São relações jurídicas distintas: Veja:

Art. 202 (...) § 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.

Essa autonomia produz inúmeros reflexos. Um exemplo disso está na competência para julgar as ações. • Ação proposta pelo empregado contra a empresa (ex: ação proposta contra João contra o banco): competência da Justiça do Trabalho, considerando que se trata de uma relação trabalhista; • Ação proposta pelo participante contra a entidade de previdência fechada (ex: ação proposta por João contra a Fundação Banrisul): justiça comum estadual, tendo em vista que não se trata de uma relação trabalhista.

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Nesse sentido:

A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta. Desse modo, compete à Justiça COMUM ESTADUAL (e não à Justiça do Trabalho) julgar demandas que envolvam a complementação de aposentadoria por entidades de previdência privada. STF. Plenário. RE 586453/SE, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 20/2/2013 (repercussão geral) (Info 695).

Regulamento do plano A relação jurídica entre o participante e a entidade fechada de previdência privada é uma relação de direito privado. Trata-se de uma relação de caráter civilista, baseada em um contrato. O plano de previdência privada possui um “regulamento” onde são estipulados os benefícios, os pressupostos para a sua concessão, a forma de aporte de recursos, a aplicação do patrimônio, os requisitos de elegibilidade e outros aspectos que formam o conjunto de direitos e obrigações entre as partes (entidade de previdência privada, patrocinadores, participantes e beneficiários). Vale ressaltar que, apesar de ter um caráter privado, os planos de benefícios instituídos pelas entidades fechadas de previdência privada estão sujeitos a um rígido regramento estatal previsto na LC 109/2001. Regime de capitalização As entidades de previdência privada adotam o chamado regime de capitalização. Nesse sentido, veja o que preconiza o art. 18, § 1º da LC 109/2001:

Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador. § 1º O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas. (...)

Esse regime financeiro pressupõe a constituição de reservas que garantam o benefício contratado, mediante o prévio recolhimento das contribuições vertidas pelo participante e pelo patrocinador, bem como os rendimentos auferidos com os investimentos realizados. Pelo regime de capitalização, o benefício de previdência complementar será decorrente do montante de contribuições efetuadas e do resultado de investimentos, não podendo haver, portanto, o pagamento de valores não previstos no plano de benefícios, sob pena de comprometimento das reservas financeiras acumuladas (desequilíbrio econômico-atuarial do fundo), a prejudicar os demais participantes, que terão que custear os prejuízos daí advindos. Assim, ao contrário do regime financeiro de caixa ou de repartição simples – em que as contribuições dos trabalhadores ativos ajudam a financiar os benefícios que estão em gozo, como ocorre no RGPS –, o regime de capitalização, adotado na previdência complementar, tem como princípio a impossibilidade de haver benefício sem prévio custeio. Dessa forma, para cada plano de benefícios, deve-se formar uma reserva matemática que, de acordo os cálculos atuariais, possibilitará o pagamento dos benefícios contratados. O que isso significa? Que se deve ter muita cautela com mudanças posteriores não previstas nos benefícios concedidos, considerando que irão produzir repercussões no plano que não estavam programadas na reserva matemática, gerando um desequilíbrio atuarial dos planos. Com efeito, diante da exigência legal de se adotar o regime de capitalização e da necessidade de manter o equilíbrio atuarial do plano de benefícios, a interpretação que se dá ao contrato de previdência

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complementar deve visar à preservação desse equilíbrio, tendo sempre em conta os interesses da coletividade dos participantes do plano. Prejuízo ao fundo e aos demais participantes Assim, a inclusão desses valores no cálculo dos proventos de complementação de aposentadoria posteriormente à concessão do benefício, sem prévio suporte financeiro, além de desrespeitar o comando legal do art. 18, §§ 1º a 3º, da LC 109/2001, acarretará prejuízo ao fundo, podendo resultar em desequilíbrio do plano de benefícios, o que representa uma ameaça à preservação da segurança econômica e financeira atuarial para a coletividade dos participantes e a possível necessidade de recomposição das reservas, nos moldes previstos no art. 21 da LC:

Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.

Nenhum ato ilícito foi praticado pela entidade de previdência Vale ressaltar que o presente julgamento trata das hipóteses em que a verba em questão (horas extras) não foi paga enquanto vigente o contrato de trabalho, tendo sido reconhecida a existência de jornada extraordinária em ação autônoma, da qual a entidade de previdência privada não participou, quando o participante já se encontrava em fruição do benefício suplementar. Logo, o valor respectivo não se refletiu nas contribuições vertidas pelo participante, tampouco pela patrocinadora. Em outras palavras, nem o participante nem a patrocinadora pagaram contribuições previdenciárias com base nesse valor que surgiu somente agora. Importante destacar, ainda, que, nesta situação que foi discutida, não se imputa à entidade de previdência privada qualquer ilícito ou violação do regulamento do plano por ocasião da concessão inicial do benefício. Quer dizer: o benefício foi corretamente concedido segundo os salários da época. E se o Judiciário condenasse a empresa patrocinadora a recolher retroativamente as contribuições previdenciárias com base nas horas extras e determinasse que o participante também pagasse essa diferença? Nesse caso, seria possível determinar à entidade de previdência o pagamento da aposentadoria maior? O STJ entendeu que não. Segundo explicou o Min. Relator Antonio Carlos Ferreira, tal providência não se concilia com a expressa exigência legal do prévio custeio (art. 18, §§ 1º, 2º e 3º, da LC 109/2001), resultando processo excessivamente oneroso para o fundo e para a coletividade dos participantes. Isso porque seria necessária a efetiva recomposição atuarial do plano, para possibilitar a inclusão dessas verbas no benefício, com a indispensável formação da reserva matemática (reserva de benefícios a conceder), exigida pela lei. Não se afigura suficiente para essa recomposição que o recurso financeiro ingresse no fundo, com o aporte de valor atualizado das contribuições, que deveriam ter sido feitas pelo participante e pelo patrocinador, por meio de simples cálculo aritmético. De fato, a recomposição das reservas do plano demanda mais que um mero encontro de contas, exigindo a elaboração de complexos cálculos atuariais baseados em análises probabilísticas que devem retroagir ao momento em que cada aporte deixou de acontecer e na forma em que deveria ter ocorrido, impondo um recálculo individualizado em face de um plano mutualista. Além disso, como se sabe, tramitam no Judiciário múltiplas ações individuais com pedidos semelhantes, impondo cada uma delas sucessivos equacionamentos localizados, com todas as dificuldades mencionadas e correspondentes custos operacionais, em prejuízo de toda a coletividade dos participantes, ameaçando a segurança econômica e financeira do fundo, dando a ideia de precariedade aos benefícios concedidos.

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Vale ressaltar, por fim, que a empregadora (patrocinadora), que deixou de reconhecer o trabalho extraordinário realizado no momento oportuno e, consequentemente, deu causa à falta do aporte necessário para o incremento do benefício, nem sequer faz parte da lide em que se pleiteia a revisão do benefício, não sendo possível, dessa forma, determinar, nessas ações, que ela, e não a coletividade dos participantes, assuma esse encargo. Mas o participante ficará, então, no prejuízo? NÃO. A justa reparação pelo eventual prejuízo que o participante do plano de previdência complementar tiver sofrido em decorrência de ato ilícito de responsabilidade da patrocinadora, que implicou em benefício de complementação de aposentadoria menor do que aquele que lhe seria devido, deve ser buscada na via processual adequada, ou seja, em ação movida contra o ex-empregador. Assim, em nosso exemplo, João deverá ajuizar ação, na Justiça do Trabalho, contra o Banco dizendo: além da diferença de salário pelo acréscimo das horas extras, eu quero também que a instituição financeira seja condenada a me indenizar pelo fato de eu ter recebido uma aposentadoria menor do que teria direito. Modulação dos efeitos O STJ decidiu, portanto, que as entidades de previdência não podem ser condenadas a incluir as verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria. O participante prejudicado deverá cobrar esse prejuízo da empresa empregadora (patrocinadora) na Justiça do Trabalho. Ocorre que essa questão demorou muitos anos para ser decidida. Nesse período, muitas ações que foram ajuizadas na Justiça comum contra as entidades de previdência ficaram sobrestadas (suspensas) esperando a definição do STJ. Além disso, em inúmeros casos o prazo que os participantes tinham para ajuizar ação contra a empresa empregadora já passou, tendo ocorrido a prescrição. Diante disso, o STJ decidiu modular os efeitos dessa decisão acima explicada e afirmou o seguinte: No caso das ações ajuizadas contra as entidades de previdência na Justiça comum até a data do presente julgamento (08/08/2018), admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias (horas extras), reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria, desde que: 1) isso esteja previsto no regulamento do plano (de forma expressa ou implícita) e 2) haja a recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso, ou seja, o participante pague retroativamente as diferenças das contribuições previdenciárias que a ele cabia com base no valor maior do salário. Teses fixadas:

a) A concessão do benefício de previdência complementar tem como pressuposto a prévia formação de reserva matemática, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial dos planos. Em tais condições, quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria. b) Os eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador poderão ser reparados por meio de ação judicial a ser proposta contra a empresa ex-empregadora na Justiça do Trabalho. c) Modulação dos efeitos da decisão (art. 927, § 3º, do CPC/2005): nas demandas ajuizadas na Justiça comum até a data do presente julgamento - se ainda for útil ao participante ou assistido, conforme as peculiaridades da causa -, admite-se a inclusão dos reflexos de verbas remuneratórias (horas extras), reconhecidas pela Justiça do Trabalho, nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de

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complementação de aposentadoria, condicionada à previsão regulamentar (expressa ou implícita) e à recomposição prévia e integral das reservas matemáticas com o aporte de valor a ser apurado por estudo técnico atuarial em cada caso. d) Nas reclamações trabalhistas em que o ex-empregador tiver sido condenado a recompor a reserva matemática, e sendo inviável a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria complementar, os valores correspondentes a tal recomposição devem ser entregues ao participante ou assistido a título de reparação, evitando-se, igualmente, o enriquecimento sem causa da entidade fechada de previdência complementar. STJ. 2ª Seção. REsp 1.312.736-RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 08/08/2018 (recurso repetitivo) (Info 630).

PREVIDÊNCIA PRIVADA Em ação de revisão de benefício de previdência privada, o patrocinador não possui legitimidade

passiva para figurar em litisconsórcio com a entidade previdenciária

O patrocinador não possui legitimidade passiva para litígios que envolvam participante/assistido e entidade fechada de previdência complementar, ligados estritamente ao plano previdenciário, como a concessão e a revisão de benefício ou o resgate da reserva de poupança, em virtude de sua personalidade jurídica autônoma.

Obs: não se incluem, no âmbito da matéria afetada, as causas originadas de eventual ato ilícito, contratual ou extracontratual, praticado pelo patrocinador. Em outras palavras, a tese acima definida não engloba a discussão quanto a atos ilícitos cometidos pelo patrocinador.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.370.191-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 630).

Obs: este julgado trata sobre entidade fechada de previdência complementar. Se quiser relembrar os conceitos sobre o tema, veja o julgado anterior (REsp 1.312.736-RS). Imagine a seguinte situação: A Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF) é uma entidade fechada de previdência complementar instituída com o objetivo de oferecer plano de previdência complementar aos funcionários da Caixa Econômica Federal (CEF). Maria era funcionária da CEF e se aposentou, passando a receber complementação de aposentadoria da FUNCEF. Alguns anos depois, Maria ajuizou ação de revisão de benefício de previdência complementar contra a FUNCEF e a CEF, em litisconsórcio, pedindo que elas fossem condenadas a reajustar o benefício de previdência complementar por ela percebido. O argumento foi o de que a remuneração do emprego que ela exercia (gerente geral) foi reajustada para os empregados em atividade e que esse aumento deveria também ser revertido em seus proventos. Personagens Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF): entidade fechada de previdência privada. Caixa Econômica Federal (CEF): patrocinadora. Maria: participante. A Caixa Econômica é parte legítima para figurar nesta ação? O patrocinador é parte legítima para figurar em ação judicial na qual o participante pede a revisão do benefício que ele recebe do plano de

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previdência complementar? Em ação de revisão de benefício de previdência privada, o patrocinador possui legitimidade passiva para figurar em litisconsórcio com a entidade previdenciária? NÃO. O patrocinador não possui legitimidade passiva para figurar no polo passivo de litígio proposto por participante no qual se discuta assuntos estritamente ligados ao plano de previdência, como, por exemplo, a concessão e a revisão de benefício. Esta ação deverá ser proposta apenas contra a entidade fechada de previdência complementar. Autonomia da relação previdenciária com a relação trabalhista Há total autonomia entre o contrato de trabalho celebrado pelo empregado com o empregador em relação ao contrato de previdência privada estipulado entre o participante e a entidade de previdência privada instituída pelo patrocinador, sendo vínculos submetidos à normatização e aos princípios específicos. A relação trabalhista de emprego que a autora mantinha com a patrocinadora não se confunde com a relação também contratual de previdência complementar. São vínculos contratuais autônomos, que não se comunicam. Personalidades jurídicas autônomas No Brasil, a entidade de previdência complementar, ao contrário de outros modelos (v.g., americano), em que o fundo pode ser gerido pelo próprio patrocinador, é necessariamente administrado por pessoa jurídica distinta e que não se confunde com o patrocinador. Assim, o empregador (patrocinador) é uma pessoa jurídica distinta da entidade de previdência complementar que tem personalidade jurídica e patrimônios próprios. Logo, não há que se cogitar em formação de litisconsórcio passivo. Atos ilícitos praticados pelo empregador (patrocinador) Vale ressaltar que o julgado acima não tratou das hipóteses em que o participante está questionando algum ato ilícito que tenha sido praticado pelo empregador (patrocinador). Foram analisadas apenas as ações que envolvam assuntos ligados estritamente ao plano previdenciário. Teses fixadas pelo STJ:

O patrocinador não possui legitimidade passiva para litígios que envolvam participante/assistido e entidade fechada de previdência complementar, ligados estritamente ao plano previdenciário, como a concessão e a revisão de benefício ou o resgate da reserva de poupança, em virtude de sua personalidade jurídica autônoma. Obs: não se incluem, no âmbito da matéria afetada, as causas originadas de eventual ato ilícito, contratual ou extracontratual, praticado pelo patrocinador. Em outras palavras, a tese acima definida não engloba a discussão quanto a atos ilícitos cometidos pelo patrocinador. STJ. 1ª Turma. REsp 1.370.191-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 630).

Obs: reserva de poupança (ou de benefício) é o total das contribuições efetuadas pelo participante para o plano. Ação de resgate da reserva de poupança é aquela na qual o participante pede a devolução do valor que ele pagou para o plano de previdência complementar.

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Os Defensores Públicos não precisam de inscrição na OAB para exerceram suas atribuições. ( ) 2) O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação

caso surjam novas vagas durante o prazo de validade do certame, haja manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento e não tenha restrição orçamentária. ( )

3) São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de atos de exceção praticados durante o regime militar. ( )

4) Não é possível o reconhecimento da usucapião quando o prazo exigido por lei se complete no curso do processo judicial. ( )

5) (PGE/AP 2018 FCC) Adquire a propriedade pela usucapião o índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares. ( )

6) Não é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida. ( )

7) (MP/MS 2018) A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional, nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos. ( )

8) (PGE/AP 2018 FCC) Entre outras hipóteses, cabe agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. ( )

9) (DPE/RS 2018 FCC) Caberá agravo de instrumento, dentre outras hipóteses, contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. ( )

10) Tribunal de Justiça tem competência para, por meio de provimento da respectiva Corregedoria, estabelecer prazo para a propositura de ação de restauração de autos. ( )

11) As hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função. ( )

12) Não deve ser declarado nulo o júri em que membro do conselho de sentença afirma a existência de crime em plena fala da acusação. ( )

13) (MP/MS 2018) Não é causa de nulidade por violação à incomunicabilidade dos jurados quando um dos jurados, após ser sorteado para compor o Conselho de Sentença, fazendo uso de aparelho celular, comunica-se com terceira pessoa para informar que foi sorteado e tratar de assuntos não relacionados ao feito. ( )

14) Quando já concedido o benefício de complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência privada, é inviável a inclusão dos reflexos das verbas remuneratórias (horas extras) reconhecidas pela Justiça do Trabalho nos cálculos da renda mensal inicial dos benefícios de complementação de aposentadoria. ( )

15) O patrocinador possui legitimidade passiva para litígios que envolvam participante/assistido e entidade fechada de previdência complementar, ligados estritamente ao plano previdenciário, como a concessão e a revisão de benefício ou o resgate da reserva de poupança, em virtude de sua personalidade jurídica autônoma. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. C 4. E 5. C 6. E 7. C 8. C 9. C 10. E

11. C 12. E 13. C 14. C 15. E