informacao e informatica

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Infor ormao Informao.........

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Infor ormtica Inf or mtica

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niver ersidade Feder ederal Univ er sidade Feder al da Bahia Reitor Heonir Rocha Vice Reitor Othon Jambeiro

Editor Univ ersitria ora niver sitr Edit or a Univ er sitr ia Diretora Flvia Garcia Rosa

Iniciativa Instituto de Cincias da Informao Teresinha Fres Burnham Departamento de Biblioteconomia Marilene Lobo Abreu Barbosa

Apoio CADCT Centro de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico/Seplantec REDPECT Rede Interativa de Pesquisa Sobre (In)formao, Currculo e Trabalho

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Organizao

Ndia M. L. Lubisco Ldia M. B. Brando

Salvador - 2000 EDUFBA

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Direitos para essa edio, Editora da Universidade Federal da Bahia. Feito o deposito legal. Edio de texto Nanci Oddone Projeto Grfico e editorao Alana Carvalho Capa Alana Carvalho Joenilson Lopes

Ficha Catalogrfica Snia Chagas Vieira143 Informao & informtica/organizao Ndia M.L. Lubisco, Ldia M.B. Brando. Salvador : EDUFBA, 2000. 307 p. ISBN 85-232-0207-2 1. Informao 2. Tecnologias de informao 3. Inovaes tecnolgicas 4. Sociedade da informao I. Lubisco, Ndia M.L., II. Brando, Ldia M.B. III. Ttulo CDU 007 CDD 303.4

EDUFBA Rua Augusto Viana 37, Canela 40110-060 Salvador-BA Tel: (71) 235-8991/331-9799 www.edufba.ufba.br e-mail: [email protected]

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Sumrio

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Guisa de Introduo

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Derrubando-se as Barreiras ao Fluxo Transfronteira do Conhecimento

Afrnio Carvalho Aguiar

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A Profissionalizao da Cincia da Informao no Marco da Globalizao: Paradigmas e Propostas Infometria e Cincia da Informao Informao e Comunicao: Novas Fronteiras, Novas Estratgias

Antonio Miranda

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Jaime Robredo

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Ktia de Carvalho

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Bases de Dados e suas Qualidades

Lus Fernando Sayo

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Realidade Virtual: Novo Luiz Felippe Perret Serpa Modo de Produo de Paradigmas Gesto e Tratamento da Informao na Sociedade Tecnolgica Introduo ao GED Gerenciamento Eletrnico de Documentos

Othon Jambeiro

207

Paulo Cattelan

233

Sociedade da Informao, Sociedade do Conhecimento, Sociedade da Aprendizagem: Implicaes tico-polticas Teresinha Fres no Limiar do Sculo

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Guisa de Introduo

Ndia M. L. Lubisco Ldia M. B. Brando Professoras do Instituto de Cincia da Informao da Universidade Federal da Bahia

A idia de publicar este livro foi gestada no Departamento de Biblioteconomia da antiga Escola de Biblioteconomia e Documentao da Universidade Federal da Bahia, quando se encontrava em curso o processo de transio que culminou alterando o nome da unidade para Instituto de Cincia da Informao (1997/1998). Alinhandose a outras iniciativas acadmicas da ento Escola - como a criao do programa de ps-graduao stricto sensu, a reviso do currculo do curso de Biblioteconomia, a implantao do curso de Arquivologia, o projeto de novas habilitaes, a concepo do ncleo de pesquisa e a instituio do CINFORM Laboratrios de Cincia da Informao, evento planejado para ser realizado anualmente pelo Instituto - esse movimento renovador estava inserido num contexto de mudanas e novas demandas da Universidade como um todo que refletia, por sua vez - como ainda reflete - a nova ordem da sociedade contempornea. Esse ambiente onde o novo Instituto de Cincia da Informao tem se colocado como sujeito e objeto constitui-se, de fato e de direito, num espao privilegiado de reflexo, pesquisa e debate sobre as questes

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que envolvem a informao e o conhecimento, elementos considerados, tcita e explicitamente, lastro do desenvolvimento estratgico na busca de uma sociedade mais justa. Microeletrnica e telemtica, de modo inequvoco, marcaram a ltima dcada do sculo como a que mais avanou em relao s condies de comunicabilidade entre os homens. E se por um lado tal associao permite que circulemos o planeta ao simples click do mouse, por outro ela amplia o fosso existente entre ricos e pobres. A preocupao das organizadoras da coletnea, portanto, foi trazer a pblico textos que ensejassem o esclarecimento de questes associadas a essa temtica, cuja gnese remonta aos primrdios do homem na Terra. O que ocorre no atual cenrio de fim de sculo e de milnio que esto em debate questes que j vm preocupando os organismos responsveis pela definio das polticas nacionais - independente da diferena entre as abordagens quanto a caractersticas, origens e impactos do setor informacional, ou de modo mais abrangente, da sociedade da informao, e do quanto o modo de produzir, acessar e usar a informao est se modificando. Essas questes podem ser sintetizadas da seguinte forma: - acesso tecnologia: o aumento da dependncia das tecnologias, o custo dessa dependncia e o receio de que ela constitua uma barreira para os pases mais pobres; - segurana, privacidade e liberdade de expresso: a existncia de tecnologias que fomentam e protegem cada vez mais a circulao da informao; o dilema da propriedade industrial

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versus o acesso universal, inclusive em relao a questes socialmente indesejveis; - participao democrtica e social: a abertura dos canais atualmente existentes, para que funcionem como foros de discusso para a sociedade civil; o risco de que esses canais atuem como meio de manipulao da opinio pblica; - ampliao do poder: o acesso instantneo informao e a possibilidade de tomar decises de grupo on-line podem ampliar o poder dos detentores das tecnologias de informao e comunicao; - qualidade e transparncia dos servios pblicos: as tecnologias atualmente disponveis oferecem ao estado a oportunidade de modernizar-se, principalmente nos setores de informao, educao e sade, o que funcionaria como antdoto concentrao de poder, m qualidade dos servios prestados e frgil conscincia de cidadania por parte da populao em geral; - aquisio e gesto do conhecimento: a diversidade de fontes e meios de acesso informao amplia as condies de construo do conhecimento, mas sua gesto se torna complexa; - reorganizao do trabalho: a terceirizao, a jornada flexibilizada e o teletrabalho podem representar isolamento para as pessoas e insegurana quanto aos novos tipos de vnculo; - educao e treinamento na sociedade da informao: o enriquecimento do ensino presencial e a introduo do ensino distncia; os altos custos para atualizar a infra-estrutura tecnolgica e os riscos da universalizao de estruturas arcaicas e reacionrias;

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- propriedade intelectual: o acesso e a circulao ilimitados de dados e idias j mostram a necessidade de regulamentao, principalmente quanto a possveis salvaguardas para bibliotecrios e professores; - desenvolvimento sustentvel: a menor produo e o menor consumo de materiais e energia, elementos tpicos de uma sociedade baseada no conhecimento, trazem benefcios que devem ser disseminados para conscientizar e educar a sociedade em relao sua participao e ao usufruto dos benefcios; - produo e distribuio de informao: as atuais tecnologias de editorao e distribuio levantam problemas relativos forma de prover acesso universal ao trabalhador de baixa renda e forma de garantir a produo nacional nas mesmas mdias - visando a comunidade local e o mercado internacional - e a preservao da identidade cultural, face homogeinizao cultural promovida pela Internet; - organizao da informao: reconhecendo-se que a rea de controle bibliogrfico foi pioneira no uso da informtica, a produo nacional deve ser disponibilizada em bases de dados elaboradas sob critrios de qualidade e dentro de padres e normas internacionais que assegurem sua plena utilizao pelo usurio final, seu intercmbio e sua anlise gerencial; - acesso informao: a ampliao dos ambientes distribudos e a perspectiva de sistemas mais amigveis favorecem cada vez mais as buscas personalizadas; o reconhecimento de que h tendncias de repasssar os custos ao consumidor final leva a indagaes do tipo: como sobrevivero as bibliotecas do setor pblico? como poder-se- garantir acesso informao

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para todas as classes sociais? como adequar os preos populao de menor poder aquisitivo - estudantes, professores, funcionrios pblicos? quem educar a populao para o uso das novas tecnologias, j que s bibliotecas pblicas est prevista a funo de clearinghouse (IBICT, 1998, p. 8-14). Levantadas por Anna Soledade Vieira em trabalho elaborado para o Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia (IBICT, 1998), essas questes so reveladoras do estgio de desenvolvimento em que o homem se encontra. Ao aproximar-se o terceiro milnio, surge uma natural indagao: que caminhos foram esses que o homem trilhou at aqui? O que se supe, no mnimo, uma trajetria de sucesso biolgico da espcie humana (pelo menos) at o presente, ou seja, mais de cinco bilhes de habitantes hoje, contra dez milhes h dez mil anos (CARAA, 1993, p. 11 e 22). Mason, em sua Histria da cincia, evoca essa trajetria quando diz: [...] A cincia, tal como a conhecemos hoje, foi um resultado relativamente tardio do desenvolvimento geral da civilizao humana [...]. As razes da cincia, no entanto, so profundas, remontando ao perodo que precedeu o aparecimento da civilizao. No importa quo remotamente recuemos no cenrio histrico, sempre haveremos de deparar com algumas tcnicas e concepes, conhecidas por artesos ou sbios, que possuem carter cientfico; contudo, antes dos tempos modernos, tal conhecimento era, em geral, subordinado a exigncias quer da tradio filosfica, quer da artesanal. [...](MASON, 1962, v. 1, p. 1).

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A evoluo do homem - sabidamente sinuosa, porm ascendente - pode ser representada por trs grandes estgios da comunicao: 1) a oralidade, quando a relao do homem com o meio era ingnua porque contextualizada, ou seja, ele vivia o instante, o grupo. Isso significa dizer que seu tempo era o momento presente; que seu saber era vivo, j que estava encarnado na pessoa; que seu conhecimento era preservado pela oralidade - s a escrita iria promover a descontextualizao, ao isolar a pessoa que l do momento emocional do enunciado. Como um dos recursos da linguagem, a fala ocorreu e com idntica importncia - aps o uso do fogo. Marcando a primeira experincia humana no domnio da energia, a descoberta do fogo caracterizou-se por trazer melhorias na defesa contra os animais e o frio e tambm na obteno de armas e utenslios de culinria - alm do carter ldico que inicialmente identificava a novidade. E isso h cerca de quinhentos mil anos, quando o homo erectus habitava o planeta. quele tempo, alm de utilizar o fogo, fabricar utenslios e caar coletivamente, os grupos pr-histricos haviam chegado a uma estrutura social complexa, incluindo diferentes rituais - provavelmente a primeira inveno coletiva do homem embora seu principal foco de preocupao fosse de natureza material: comer, procriar, defender-se e abrigar-se. Isso permite compreender melhor o quanto a evoluo daquelas comunidades estava condicionada ao sucesso das condies materiais e era, portanto, lenta, tendo em vista as adversidades de toda ordem a que estavam sujeitas. O

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emprego do fogo, alm de mudar os costumes, provocou tambm uma mudana gentica. Por esse motivo, Conti e Lamera consideram que o homo sapiens um filho do fogo (CONTI & LAMERA apud CARAA, 1993, p. 20), sendo tambm autor de outra das grandes transformaes pelas quais a humanidade passou: o desenvolvimento da linguagem, que tornou o homem verdadeiramente humano (CARAA, 1993). Assim como o fogo foi a primeira experincia humana no domnio do material, a linguagem foi sua primeira experincia no terreno do imaterial, constituindo no apenas um sofisticado meio de comunicao, como tambm o produto de um mtodo mais poderoso de pensar (DONALD, Merlin apud CARAA, 1993, p. 21). A respeito da importncia da linguagem como origem do desenvolvimento das tecnologias que vo acompanhar o ser humano em toda a sua evoluo, o trecho de Wilson Martins que se segue bastante ilustrativo: [...] Tudo indica que o homem pr-histrico possua a mesma inteligncia reduzida dos animais de grande porte e talvez menor que a deles: o homem se diferenciou espiritualmente no momento em que vitalizou essa centelha no primeiro fulgor abstrativo e a fez multiplicar-se infinitamente sobre si mesma. Neste instante que se criou o homem: nele nascia a sua qualidade mais alta e mais nobre, a que verdadeiramente o define. [...] Foi a abstrao que permitiu o aparecimento da linguagem; ora, a linguagem o segredo e a explicao do homem. A linguagem, por absurdo que parea, que vai permitir a inveno da mo: na mo e na linguagem est contida toda a histria do homem. [...] (MARTINS, 1957, p. 1).

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Alm de decorrer do aumento de sua capacidade cerebral, o surgimento da linguagem deveu-se tambm s crescentes necessidades sociais e culturais da vida comunitria do homo sapiens, as quais o levaram a caminhar pelo planeta. Sobre esse perodo, Caraa comenta: [...] curioso pensar como a linguagem se desenvolve e frutifica durante a ltima glaciao. Sem dvida, as presses ambientais ligadas sobrevivncia em clima desfavorvel motivam a necessidade de melhor coordenao e a vontade de melhor planificao... A sobrevivncia dos grupos tem que ver com as estratgias que adoptam, as escolhas que efectuam e a coeso com que funcionam. [...](CARAA, 1993, p. 22)

Pode-se observar que a evoluo dos humanos est associada ao binmio energia-cultura. Por esse critrio, o primeiro grande movimento, do ponto de vista energtico, marcado pela necessidade de alimento (cuja busca se dava atravs da caa e da coleta) e pelo gasto de energia nos deslocamentos. J do ponto de vista cultural, o primeiro movimento resulta da construo dos mitos, o mais elevado uso da linguagem em sociedades tribais (DONALD, Merlin apud CARAA, 1993, p. 23). A relao dos grupos com o mundo era construda atravs dos mitos, que so uma forma de inteligir, ou seja, servem como explicao de fenmenos de causa e efeito. Os mitos parecem ter constitudo o primeiro esforo humano para modelar simbolicamente o universo e reconstruir o passado. As decorrentes manifestaes na pintura, na dana e na msica eram reforadas pela

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transmisso oral, que atuava fortemente no sentido de ampliar o campo cognitivo, j que os saberes eram governados pelos ritos e pelos mitos. Naquela poca, dez milhes de antepassados espalhavam-se pelo planeta, fixando-se segundo as vantagens alimentares que encontravam. Tinham conscincia do ciclo da vida e das estaes - tanto que a caa e a fertilidade eram o tema mtico predileto dessas comunidades - e conheciam o solo, a flora e a fauna. No entanto, a vida condicionada caa e coleta permitia apenas a reunio de pequenos grupos - entre 25 e 30 membros. Surge ento o prenncio de uma revoluo. A introduo da agricultura - segundo grande momento - vai afetar tanto a vida material quanto a imaterial: uso de energia solar, possibilidade de concentrao de at mil e quinhentas pessoas, crescimento demogrfico, surgimento de aglomeraes do tipo aldeias - precursoras das cidades - e introduo da troca - precursora do comrcio - foram as mudanas mais significativas dessa fase. nesse momento que emergem o conceito de espao finito e a noo de tempo. Diferente do ambiente cultural da caa e da coleta - caracterizado pela prevalncia do coletivo - percebe-se que o ambiente da agricultura impe ao grupo uma hierarquia, o que significa dizer que comeam a constituir-se relaes de poder entre os indivduos. A complexidade do modus vivendi da agricultura promove o desenvolvimento de um novo componente imaterial, a escrita, outro fator de comunicao. 2) a escrita representando a fala e apenas esta evocando - ao contrrio do cinema e do teatro, que evocam aes e coisas -

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ela est baseada em signos arbitrrios, isto , em signos que no mantm relao direta com seu significado - a representao de fonemas e slabas traz uma certa restrio expresso, pois d poucas indicaes prosdicas: por exemplo, no representa o tom da fala. A relao do homem com o mundo passa, com a escrita, a ser menos ingnua e mais crtica, uma vez que a escrita descontextualiza o enunciado da situao emocional que envolveu sua emisso. Os saberes no esto mais encarnados na pessoa, mas no texto, e o tempo pode ser passado ou futuro. A partir daqui se comea a escrever a histria humana, surgem as teorias, o homem acumula e preserva o conhecimento atravs de registros escritos e no mais apenas oralmente. Sobre essa transio Marlia Levacov emite o seguinte comentrio: [...] Cada nova tecnologia de informao enfrentou resistncia por parte daqueles adeptos da mdia ameaada. Na sociedade grega, uma sociedade basicamente oral at o sculo VI a.C., a introduo da escrita provocou uma forte reao entre os intelectuais da poca. Scrates, por exemplo, achava que assim como uma pintura - diferentemente do ser humano no podia responder perguntas nem argumentar de volta, a palavra escrita no possua vida. J a palavra falada tinha uma alma da qual a palavra escrita no era mais que uma plida imagem. A respeito disso Plato diz o seguinte em Phaedrus, quando Hermes (o deus inventor da escrita) apresenta ao fara Thamus a tecnologia que permitiria s pessoas lembrar o que seria esquecido [...] esta descoberta [...], a escrita, ir criar esquecimento na alma dos que aprendem, porque eles

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no iro mais usar suas memrias internas; em vez disso, confiaro nos caracteres escritos e no se lembraro eles mesmos.[...](LEVACOV, 1997, p. 2).

A escrita mais antiga de que se tem conhecimento a dos sumrios (cerca de 3.100 a.C.), tambm o povo mais antigo de que se tem notcia, que viveu no territrio hoje correspondente ao norte do Iraque. Tudo indica que eles estimularam o surgimento de outros sistemas de escrita, no por derivao direta, mas por influncia cultural. Isso nos leva a concordar com Wilson Martins quando ele afirma que no houve uma evoluo da escrita e sim uma evoluo dentro de cada sistema (MARTINS, 1957, p. 28). Sabe-se, alm disso, que a escrita no foi inventada de uma s vez, tendo sofrido aperfeioamentos durante sculos. Do ponto de vista do componente imaterial, a escrita decorre, como foi dito anteriormente, da complexidade do modus vivendi do homem na agricultura, quando ele passou a se ocupar com a gesto da produo agrcola e pecuria, com o desenvolvimento do comrcio e o controle do territrio. A transmisso do conhecimento passou a depender de quem soubesse registr-lo e interpret-lo (escrever e ler), embora a aprendizagem para o trabalho, mediante o fazer e o falar, ainda ocorresse no seio familiar. Como se pode concluir, foi a escrita que assegurou humanidade as condies estruturais para a ampliao de seu campo cognitivo. Ainda a respeito da transio entre a oralidade e a escrita, convm citar Pierre Lvy, na obra Educao e cybercultura:

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[...] Para codificar seus saberes, as sociedades sem escrita desenvolveram tcnicas de memria apoiadas no ritmo, no relato, na identificao, na participao do corpo e na emoo coletiva. Com a asceno da escrita, ao contrrio, o saber pde desvencilhar-se parcialmente das identidades pessoais ou coletivas, tornar-se mais crtico, almejar uma certa objetividade e um alcance terico universal. [...](LVY, 1998, p. 7)

A revoluo agrcola, bom lembrar, marcou um longo perodo da histria da humanidade - aproximadamente dez mil anos - e assistiu ao surgimento das sementes da revoluo industrial - as grandes navegaes, o expansionismo colonialista europeu e o mercantilismo (sculos XV a XVIII). Ocorrida a partir do sculo XVIII - como terceiro grande momento - a revoluo industrial se caracterizou por um novo modo de produo - a produo em escala - inicialmente empregando energia natural - gua e carvo - e, logo em seguida, passando ao uso da energia eltrica. As inovaes tecnolgicas e cientficas do sculo XIX prepararam a utilizao da energia atmica e da eletrnica no sculo XX. Esta - a eletrnica - que dar origem ao terceiro grande fator de comunicao do homem em sua trajetria: as tecnologias de informao e comunicao. 3) as tecnologias de informao e comunicao emergem no perodo em que o homem passa do tomo ao bit, lembrando Nicholas Negroponte que faz referncia passagem do mundo fsico ao mundo da desmaterializao, passagem que resulta do aparecimento dos circuitos eletrnicos e da comunicao

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distncia - telemtica e microeletrnica - e que nos conduz ao que hoje se designa como ciberespao. Assinale-se aqui que os trs grandes fatores de comunicao humana aqui abordados - a oralidade, a escrita e as tecnologias de informao e comunicao - podem ser associados, ou mesmo analisados, sob a tica dos espaos ocupados pelo homem, chamados por Lemos de espaos antropolgicos: - a terra - associada aos ritos e aos mitos, revela a ligao do homem com o cosmos; - o territrio - noo que ele incorpora durante o neoltico, quando da introduo da agricultura, da vida em grupo e da escrita; - o mercado - quando, a partir do sculo XVI, o homem passa a lidar com a relao trabalho e velocidade (mercantilismo), j numa complexa organizao social; - o ciberespao - relacionado ao saber, desvinculado das noes de tempo e espao e caracterstico do final deste sculo, o ciberespao um produto da relao simbitica entre a telemtica e a nova economia globalizada, sustentculos da sociedade da informao (LEMOS, 1998, p. 10). Ainda segundo Lemos, o ciberespao entendido hoje sob duas ticas distintas: um lugar no fsico que nos oferece um ambiente virtual para navegar e um conjunto de redes de computadores que interligadas vo permitir a interao por mundos virtuais em trs dimenses (LEMOS, 1998, p. 2). Contrariamente ao que ocorreu nos momentos de predominncia da oralidade e da escrita - onde espao e tempo eram

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elementos constitutivos da realidade - no ciberespao o espao aniquilado pelo real, o que nos leva a compreend-lo como uma transio entre a era industrial e a ps-industrial (repetindo: como a mudana do tomo para o bit), onde a tela a fronteira entre o individual e o coletivo (LEMOS, 1998, p. 7). O ciberespao um espao imaginrio que, no entanto, est conectado realidade e torna-se capaz de amplila, na medida em que supre nosso espao fsico, em trs dimenses, de uma camada eletrnica. No lugar de um espao fechado, [...] o ciberespao colabora para a criao de uma realidade aumentada. Ele faz da realidade um cyberespao (KELLOG apud LEMOS, 1998, p. 2). O fato do ciberespao no possuir fronteiras, ser transnacional, enseja as mais diversas formas de interao entre as pessoas. Partindo dessas concepes, pode-se dizer que o ciberespao constitui um hipertexto. Embora no se trate de uma idia nova, o hipertexto foi potencializado e otimizado pelos recursos oferecidos pela telemtica, fatores com que Otlet e Bush no contaram, respectivamente, no incio e nos meados do sculo XX, como se ver logo adiante. Quanto s questes que tm surgido em torno das novas tecnologias de informao e comunicao, percebe-se que o tema tem suscitado diferentes enfoques, em relao aos quais pode-se desenvolver algumas reflexes. Considerando a sinuosidade da trajetria humana, onde os fatores de comunicao e os espaos ocupados pelo homem no constituem elementos estanques nem excludentes, ao contrrio, so camadas interativas e complementares, no ser difcil compreender porque essas camadas e os impactos

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por elas causados no modo humano de fazer e de pensar tm suscitado tantas teses, correntes e movimentos. Segundo Cauduro, por exemplo, a corrente otimista do pensamento contemporneo, representada por Lvy e Latour, entre outros, considera que essas tecnologias de comunicao e informao so auxiliares cognitivos do homem e fazem parte de sua subjetividade, uma vez que so criaes que derivam de suas atividades dirias e realimentam sua natureza mutante (CAUDURO, 1997). Sobre essa natureza, Cauduro acrescenta ainda que somos contraditrios, [somos] das rupturas, dos impulsos irracionais e que a racionalidade, como a constncia, uma exceo do pensamento, pois o sujeito da psmodernidade lacaniano e no cartesiano (CAUDURO, 1997). Tais concepes nos permitem compreender, em oposio corrente dos apocalpticos - representada por Baudrillard e Virilo - que essas tecnologias, chamadas por Lvy de tecnologias intelectuais, no so uma fora externa ao homem, autnoma, como que vinda de outra galxia para destru-lo ou desumanizar sua natureza. Ao contrrio, as tecnologias intelectuais fazem parte do prprio homem. Assim, se concordarmos com Lvy e pensarmos - com o olhar voltado para a trajetria humana traada at aqui - que a tecnologia, ao ser influenciada por determinadas exigncias sociais, contextualizadas em uma poca e em uma cultura, tambm interfere, como materialidade mediadora das relaes entre os homens, no condicionamento de certas prticas sociais em detrimento de outras (PINHO, 1997, p. 21), veremos que a pretensa dicotomia entre natureza e cultura no existe. , por assim dizer, uma relao dialtica: a

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cultura dando origem a um determinado tipo de tecnologia e esta condicionando-a. Em oposio ao determinismo cientfico, cuja racionalidade buscava uma verdade absoluta (e futura), a cultura contem-pornea, acrescente-se, tenta resgatar o homem enquanto elemento, enquanto parte integrante da natureza - e no apenas como seu dono, concepo que orienta um apartar-se dela e que consolidada pela metafsica, mas rejeitada pela ps-modernidade. Interessante notar que no momento em que o homem est seguro de dominar determinada situao, um novo conhecimento coloca por terra sua certeza. E assim tem sido: com a oralidade e a escrita, com a narrativa teolgica do medievo e a narrativa cientfica da Idade Moderna, e assim sucessivamente. Buscando talvez uma forma de no ser surpreendido pelo novo, o homem adota hoje um pensamento holstico, global, caracterizado como ps-moderno, que refora e reforado pela viso dos otimistas de no aceitar o determinismo tecnicista, por analogia sua posio contrria ao determinismo cientfico. Homem e mquina, individual e social, natureza e cultura, para os otimistas, so faces da mesma moeda. Ainda para exemplificar, at o advento dos recursos eletrnicos, as tecnologias intelectuais - representadas pelo objetos utilitrios e pelos artefatos de uso corriqueiro e especializado de todos os tempos - eram consideradas, e ainda o so, prolongamentos do corpo. A mdia do ciberespao, no entanto, se constitui, segundo Lvy, como uma expanso das funes cognitivas do homem: imaginao (simulaes), percepo (realidades virtuais), raciocnio (inteligncia artificial) e memria (hipertexto); e esse novo espao

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antropolgico pode propiciar uma inteligncia distribuda em todas as direes, promovendo a circulao do conhecimento, que o prprio autor designa como inteligncia coletiva (LVY apud LEMOS, 1998, p. 10). No seria demais, numa perspectiva antropolgica, comentar, ainda que brevemente, a contribuio de Hannah Arendt temtica das tecnologias de informao e comunicao. Em A condio humana, Arendt faz uma distino entre labor e trabalho (historicamente tratados de forma sino-nmica), tanto por sua estrutura etimolgica quanto pelo muito que esses dois conceitos estiveram, ao longo do tempo, ligados a uma questo de valor: o desprezo pelo labor decorre do fato de que a vida na polis, medida que ocupava cada vez mais o tempo do cidado, aumentava sua ausncia de qualquer atividade que no fosse poltica. A autora ainda se refere a que, na Grcia antiga, a escravido, embora no se constitusse numa forma de explorao, era uma tentativa de excluir o labor das condies da vida humana (ARENDT, 1991, p. 95). Assim, as tarefas ligadas manuteno da vida - nas quais o corpo se desgasta sem deixar vestgios - so atribudas ao animal laborans, diferentemente da atividade do homo faber, que tem nas mos seus principais instrumentos para minorar o nus do animal laborans. Arendt diz que as ferramentas e instru-mentos que podem suavizar consideravelmente o esforo do labor no so, eles mesmos, produtos do labor, mas do trabalho e acrescenta que nenhum trabalho pode ser produzido sem instrumentos: o aparecimento do homo faber e o surgimento de um mundo de coisas, feito pelo homem, so, na verdade, contemporneos da descoberta de instrumentos e ferramentas (ARENDT, 1991).

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No sculo V, tambm na Grcia, as ocupaes eram classificadas de acordo com o esforo despendido pelo corpo, sendo consideradas mais mesquinhas as atividades que exigiam maior esforo, o que provocava uma dicotomia conceitual entre o pensar e o fazer. J na Idade Moderna, apesar de toda a valorizao do animal rationale, no h nenhuma distino clara entre o animal laborans e o homo faber. A primeira diferena entre esses conceitos ser apresentada por Adam Smith e Karl Marx, que desenvolveram suas respectivas teorias a partir da distino entre o trabalho produtivo e o trabalho improdutivo. Posteriormente essas diferenas seriam tratadas como trabalho qualificado e trabalho no-qualificado e, finalmente, como trabalho manual e trabalho intelectual. A propsito do metabolismo do homem com a natureza, Arendt esclarece que o resultado do labor no incorporado ao mundo e que sua atividade, dedicada exclusivamente manuteno da vida, exercida de forma indiferente ao mundo, como se dele no fizesse parte ou como se ele no existisse. Acrescenta ainda que o animal laborans, movido pelo impulso de sobrevivncia, no emprega o corpo de forma livre, a exemplo do que faz o homo faber, que emprega as mos como suas principais ferramentas. Sobre o animal laborans Hannah Arendt nos diz que o nus da vida biolgica [...] s pode ser eliminado mediante o uso de servos, e a funo principal dos antigos escravos era arcar com o nus do consumo da casa, e no produzir para a sociedade em geral (ARENDT, 1991). A autora diz ainda que o enorme aperfeioamento do nosso instrumento de trabalho [...] tornou

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duplo o labor da vida, o esforo de sua manuteno e a dor de ger-la, mais fcil e menos doloroso do que jamais foi antes (ARENDT, 1991). Como enfatiza Benjamin Franklin, o homo faber, caracterizado como fazedor de utenslios, inventa-os com fins objetivos e no por necessidades ou carncias subjetivas. Esses utenslios so to significativos para as civilizaes que serviro at para classific-las - perodo paleoltico e neoltico, por exemplo. Ao longo da histria, o advento de uma nova ferramenta tem sempre exigido que o homem determine o status dessa ferramenta - se meio ou fim - embora para o homo faber todo instrumento seja um meio de atingir um determinado fim prescrito, o que corresponderia, segundo Arendt, a tornar mais fcil a vida do homem e menos doloroso o labor humano (ARENDT, 1991). Isso significa que os instrumentos, ao mesmo tempo que determinam o processo de trabalho, so projetados em funo do produto. A partir da Revoluo Industrial, sem dvida as mquinas tornaram-se condio to inalienvel de nossa existncia como os utenslios e ferramentas jamais o foram em todas as eras anteriores (ARENDT, 1991). Esta ltima afirmativa de Arendt pode, atualmente, ser transposta para o impacto resultante da revoluo promovida pela microeletrnica e pela telemtica (abordadas anteriormente e retomadas aqui), que tem como um dos mais frteis produtos o hipertexto - embora no to inovador como o CD-ROM (DRCKER, 2000). Ele pode ser entendido como um sistema de multimdia interativa que permite que textos, partes de textos, sons, imagens, softwares e objetos digitais em

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geral sejam armazenados por um estrutura de rede e acessados de forma no-linear, associativa. Assim, um hipertexto um texto aberto a mltiplas conexes com outros hipertextos (LEMOS, 1998, p. 3). No entanto, a idia bsica de hipertexto no nova, como se disse anteriormente. Ela tem suas origens no ideal do homem de reunir o conhecimento como patrimnio coletivo da humanidade. Historicamente, possvel situar momentos representativos desse ideal: - 332 a.C.: Ptolomeu I fundou a Biblioteca de Alexandria no Egito, a mais famosa da Antiguidade, chegando a reunir setecentos mil manuscritos em rolos de papiros (destrudos em 640 d.C.), representando o conhecimento registrado at ento; - 384-322 a.C.: Aristteles foi considerado pelos estudiosos de sua obra como um enciclopedista, em funo de ter estudado e disseminado se no todas, quase todas as reas do saber de ento; - Sculo XVII: Leibniz defendeu a criao de uma organizao bibliogrfica com fins de disponibilizar aos estudiosos tudo que estivesse registrado sobre cada assunto; - Sculo XVIII: os enciclopedistas tiveram como ideal reunir em uma obra os vrios saberes existentes, o que redundou na Encyclopdie ou Dictionnaire Raisonn des Sciences, des Arts et des Mtiers, cuja elaborao foi incentivada pelo livreiro Le Breton, em 1746, que confiou a Diderot a traduo da obra inglesa Cyclopaedia or Dictionary of Arts and Sciences; - 1892 a 1930: o documentalista belga Paul Otlet concebeu um repertrio mundial do conhecimento, a ser elaborado pelo Institut International de Bibliographie. Esse repertrio seria formado por fichas catalogrficas de documentos, cujos

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exemplares ou microcpias seriam depositados no Mundaneum (em 1914, o Rpertoire Bibliographique Universel contava com onze milhes de fichas); concebeu tambm um crebro mecnico e coletivo para realizar diversas operaes - classificao e recuperao de documentos, manipulao de dados para obter novas relaes - mas ainda no havia tecnologia que permitisse a concretizao de sua concepo; - 1945: Vannevar Bush desenvolve o Memex, com estrutura de hipertexto, mas para uso individual: um dispositivo no qual o indivduo armazena seus livros, registros e comunicaes, o qual mecanizado, podendo ser consultado com extrema velocidade e flexibilidade. um suplemento ampliado e prximo de sua memria (BUSH apud PEREIRA, 199?, p. 103); - 1958: Theodor Nelson emprega pela primeira vez o termo hipertexto e desenvolve o Projeto Xanadu, o qual no foi implementado devido s limitaes da informtica; consistia num sistema de armazenamento automtico para manter pequenos pedaos de documentos que podiam ser montados de vrios modos; - 1969: projeto acadmico financiando pela ARPA/US (Advanced Research Projects Agency), visando desenvolver mtodos de trocar informaes entre computadores remotos e que deu origem ARPANet; - 1972: funciona a ARPANet, rede que permitiu a quarenta terminais acessar outros computadores situados em diferentes locais; - 1990: funciona a Internet. No por acaso apelidada a grande teia, em 1999 ela atinge a cifra de mais de 150 milhes de usurios em todo o mundo.

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A histria da tecnologia do hipertexto, possibilitada pela tecnologia da Internet, demonstra que sua concepo e sua aplicao no se restringem ao ciberespao. A leitura convencional, isto , em mdia impressa, tambm leva o leitor a mltiplas associaes; basta lembrar a consulta a uma enciclopdia, ou a um abstract, onde o consulente remetido para outros pontos de expanso do contedo acessado inicialmente. O que diferencia o hipertexto fsico (texto impresso) do digital (links virtuais) que a interao aplicada ao primeiro caso envolve o corpo (deslocamento) alm da memria e da subjetividade; enquanto no segundo a conexo de um ponto para outro se d ao simples toque do mouse (LEMOS, 1998, p. 3). Segundo Lvy, [...] um hipertexto um conjunto de ns ligados por conexes. Os ns podem ser palavras, pginas, imagens, grficos ou partes de grficos, sequncias sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informao no so ligados lineramente, como em uma corda com ns, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexes em estrela, de modo reticular. [...](LVY, 1998, p. 33)

Por ser associativo, o hipertexto uma forma mais natural de produzir conhecimentos, organizar dados, obter informaes e estabelecer comunicao. Isso significa que no se trata de mais uma mdia e sim de um meio de organizar e acessar conhecimentos. Considerando o hipertexto como uma filosofia de gesto da informao (VILAN FILHO, 1994, p. 306), fica fcil compreender sua utilidade para os servios

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de informao, particularmente para as bibliotecas acadmicas e especializadas. Assim, partindo do princpio de que as tecnologias no so excludentes - ao contrrio, tem carter de simultaneidade e de complementaridade - o recurso do hipertexto encontrvel nos provedores de informao em geral e nas bibliotecas eletrnicas/virtuais/digitais em particular cada vez mais imprescindvel aos ambientes de produo, uso e disseminao do conhecimento. Estas e outras questes relativas ao tema informao & informtica esto sendo aqui tratadas, sob diferentes enfoques e nveis de profundidade, por nove autores cujas teorias e cuja prtica tm trazido grande contribuio rea de Cincia da Informao no pas. Numa sequncia de a a z, inicia-se a publicao com o trabalho de Afrnio Aguiar, professor titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais, consultor do Instituto de Cincia da Informao da Universidade Federal da Bahia no ano de 1998 e atual presidente da Fundao de Amparo Pesquisa de Minas Gerais - FAPEMIG. Seu artigo aborda a gerao do conhecimento cientfico e tecnolgico a partir de Newton, chegando ao ciberespao e sua variada gama de implicaes nos campos social, econmico, laboral, cultural e profissional. Segue-se o texto de Antonio Miranda, professor da Universidade de Braslia, doutor em Comunicao e liderana nacional e internacional na rea. Em seu captulo, Miranda trata da polmica insero do profissional da informao no mercado globalizado, fazendo propostas de novos paradigmas. O terceiro autor apresentado nesta coletnea Felippe Serpa, fsico, professor do Programa de Ps-graduao da Faculdade

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de Educao e ex-Reitor da Universidade Federal da Bahia. Enfocando o conhecimento de uma perspectiva histrica, comeando na Idade Moderna e chegando ao papel da leitura da imagem como base para o desenvolvimento das cincias no sculo XX, o texto de Felippe analisa a educao e a relao entre economia e cultura. O autor destaca o conhecimento como formador de novos paradigmas, introduzindo o termo tecien, numa aluso imanncia das cincias com a tecnologia. Jaime Robredo, o autor do quarto artigo, doutor em Cincia da Investigao Cientfica. Possui ainda dois psdoutorados, sendo professor aposentado do Programa de Psgraduao em Cincia da Informao da Universidade de Braslia. Como o prprio ttulo de seu trabalho sugere, Robredo estabelece relaes entre a infometria e a Cincia da Informao, relatando a gnese desses conceitos, estabelecendo questes tericas relacionadas aos dois campos e mostrando algumas aplicaes prticas das tcnicas infomtricas. Ktia de Carvalho, especialista em Sistemas de Informao pela Unesco, doutora em Comunicao e Cultura e professora titular do Instituto de Cincia da Informao da Universidade Federal da Bahia, destaca o papel do peridico cientfico na disseminao da informao e do conhecimento na sociedade global . Luiz Fernando Sayo, cujo artigo representa o sexto captulo do livro, fsico, doutor em Cincia da Informao, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Centro de Informaes Nucleares da Comisso Nacional de Energia Nuclear - CNEN. Em linguagem informativa e atual Sayo aborda as diferentes faces do fenmeno informao e a complexidade do ambiente

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informacional, considerando o grau de sofisticao da informao demandada pelo atual mercado e o aparato tecnolgico que a contm. O autor destaca a necessidade da qualidade como um dos temas mais crticos e o que provavelmente mais afeta a imagem dos servios de informao, incluindo a a prpria Internet e prossegue sua explanao, onde analisa, com citaes, reflexes e parmetros, aspectos referentes ao produto base de dados e suas qualidades. J a questo da informao enquanto recurso estratgico, do ponto de vista de sua gesto e tratamento em ambiente tecnolgico, levantada por Othon Jambeiro, Phd em Comunicao pela Universidade de Westminster (Londres), diretor do Instituto de Cincia da Informao da Universidade Federal da Bahia no perodo de 1997 a 1998, professor titular desse mesmo Instituto e atualmente Vice-Reitor da Universidade, cujo texto ocupa a stima posio na coletnea. Neste trabalho Othon analisa o binmio informao-comunicao luz da convergncia tecnolgica, com destaque para a formao do profissional que a atua, o informata. Segue-se o artigo de Paulo Cattelan, bibliotecrio, consultor da empresa gacha Control Consultoria em Informao e Comunicao, e que traz, numa linguagem didtica, um texto de grande atualidade sobre o gerenciamento eletrnico de documentos. Introduzindo um panorama relativo s mudanas experimentadas pela humanidade na gerao e na difuso da informao, Cattelan aborda as demandas e as tecnologias de transferncia da informao - da base papel para base digital - cuidando de incluir as implicaes de ordem legal que afetam esta nova forma de trabalhar. Encerra a publicao o trabalho de

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Teresinha Fres, doutora em Educao/Currculo/Educao Cientfica e Epistemolgica, coordenadora da Rede Interativa de Pesquisa sobre (In)formao, Currculo e Trabalho, professora dos Programas de Ps-graduao da Faculdade de Educao e do Instituto de Cincia da Informao da Universidade Federal da Bahia e atual diretora desse mesmo Instituto. Seu artigo focaliza a sociedade da informao no apenas como provedora de informaes a demandantes mas tambm como responsvel pela transformao desses insumos em conhecimento, visando a formao da cidadania; nesse sentido, amplia o conceito de sociedade da informao para sociedade da aprendizagem, adotando a perspectiva de um processo contnuo, instaurado mediante o uso de mltiplos espaos para o fluxo da informao.

Bibliografia ConsultadaARENDT, Hannah. A condio humana. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p.90-172 AVENA, Armando. Globalizao e suas repercusses. Construir, Salvador, v. 1, n. 1, p. 5-8, mar. 1997. BIRNIE, Arthur. Histria econmica da Europa. Rio de Janeiro : Zahar, 1964. 348p. CARAA, Joo. Do saber ao fazer : porque organizar a cincia. Lisboa : Gradiva, 1993. 204p. (Trajectos portugueses). CAUDURO, Flvio Vinicius. Relato crtico sobre o texto Redes digitais : repensando as novas tecnologias para alm da diviso natureza/cultura, de Jlio Afonso S

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de Pinho Neto. In : ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO, 6., 1997. [Anais . . .]. So Leopoldo : Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao COMPS, 1997. CAVALCANTI, Cordlia Robalinho. Da Alexandria do Egito Alexandria do espao. Braslia : Thesaurus, 1996. 240p. DRUCKER, Peter. O futuro j Chegou. Exame, So Paulo, 22 mar., 2000, p. 112-126. INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAO EM CINCIA E TECNOLOGIA. Comit Gestor da Internet. Grupo de Trabalho sobre Bibliotecas Virtuais. Bases para o Brasil na sociedade da informao. Braslia, 1998. Documento encomendado pelo IBICT a Anna de Soledade Vieira. KUMAR, Krishan. Da sociedade ps-industrial ps-moderna : novas teorias sobre o mundo contemporneo. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1997. 258p. LEMOS, Andr. Comentrio crtico sobre o artigo As bibliotecas virtuais : ..., de Marlia Levacov. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PSGRADUAO EM COMUNICAO, 6., 1997. [Anais . . .]. So Leopoldo : Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao - COMPS, 1997. LEMOS, Andr. As estruturas antropolgicas do cyberespao. Extrado da Internet em 1998. URL : http : // www.cac.ufpe.br/labvit.aulas

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LEVACOV, Marilia. As bibliotecas virtuais : problemas, paradoxos e controvrsias. In : ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO, 6., 1997. [Anais . . .]. So Leopoldo : Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao - COMPS, 1997. LEVACOV, Marlia. Bibliotecas virtuais : (r)evoluo? Cincia da Informao, Braslia, v. 26, n. 2, p.125-135, mar./ago. 1997. LEVACOV, Marlia. As novas tecnologias : digitalizando o mundo. Salvador : Instituto de Cincia da Informao, 1998. Comunicado apresentado no 1 CINFORM Laboratrio de Cincia da Informao. LVY, Pierre. La cibercultura y la educacin. Extrado da Internet em 1998. URL : http ://www.infoage.ontonet.br/levys.html LVY, Pierre. As tecnologias da inteligncia : o futuro do pensamento na era da informtica. Rio de Janeiro : 34, 1993. 208p. MARTINS, Wilson. A palavra escrita. So Paulo : Anhembi, 1957. 549p. MASON, S. F. Histria da cincia : as principais correntes do pensamento cientfico. Porto Alegre : Globo, 1962. Volume 1. PEREIRA, Maria de Nazareth Freitas. Bibliotecas virtuais : realidade, possibilidade ou alvo de sonho. Cincia da Informao, Braslia, v.24, n.1, p.101-109, jan./abr. 1995. PINHO, Jlio Afonso. Redes digitais : repensando as novas tecnologias para alm da diviso natureza/cultura. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAO

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NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PSGRADUAO EM COMUNICAO, 6., 1997. [Anais . . .]. So Leopoldo : Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao - COMPS, 1997. VILAN FILHO, Jayme Leiro. Hipertexto : viso geral de uma nova tecnologia de informao. Cincia da Informao, Braslia, v. 23, n. 3, p. 295-308, set./dez. 1994.

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Derrubando-se as Barreiras ao Fluxo Transfronteira do Conhecimento

Afrnio Carvalho Aguiar Professor Titular da UFMG Eu adoro todas as coisas, tenho pela vida um interesse vido Amo tudo, empresto humanidade a tudo, aos homens e s pedras, s almas e s mquinas Perteno a tudo para pertencer cada vez mais a mim prprio(PESSOA, 1995).

1 Introduo ...................................................................................................................................O homem chega ao final do sculo to impactado pelas transformaes que vm ocorrendo em seus ambientes social, cultural, laboral, econmico e poltico que qualquer reflexo que resolva fazer sobre o que se passa sua volta certamente ser dominada pela perplexidade. Dessa perplexidade no conseguiria fugir nem mesmo Fernando Pessoa ainda mais ele, to angustiado! se aqui ainda estivesse setenta anos depois. Sem dvida o poeta encontraria dificuldade em emprestar humanidade aos homens, s pedras e s mquinas. Isso porque essas transformaes so, em grande parte,

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trazidas pela constante evoluo das tecnologias de informao, um termo que compreende em si muitos conceitos e que vai moldando uma nova organizao e um novo funcionamento da sociedade, a sociedade da informao. A nova realidade afeta, de forma especial, a qualidade, a eficincia e a rapidez do processo de gerao do conhecimento cientfico e tecnolgico. Afeta igualmente, de forma brutal, os mecanismos atravs dos quais o conhecimento resultante do esforo de execuo de pesquisas em cincia e tecnologia comunicado e difundido. preciso reconhecer, portanto, que no so apenas os cientistas de todas as reas os que vivem hoje esse mundo novo, mas que, atnito, o profissional da informao tambm agente e sujeito desses processos de transformao que tanto impactam seu campo de trabalho. Pretendemos discutir um pouco esta questo aqui, direcionando nossa abordagem, na medida do possvel, rea da informao cientfica e tecnolgica que, obviamente, representa apenas uma face entre as muitas que constituem essa complexa questo. Ademais, cada face pode ser vista sob ngulos diversos e raramente se percebe equilbrio quando se discute este nosso tema. Algumas dessas reflexes, fugindo de uma anlise crtica, observam a questo apenas pelo lado tecnicista, material ou fsico, ainda que, no caso, a tecnologia vise constituir um mundo virtual! Outras, resistentes aos avanos tecnolgicos, ou limitadas por barreiras ideolgicas, querem negar os benefcios potenciais desse novo mundo e subtraem, assim, a contribuio que poderiam aportar para que quem sabe? a sociedade da informao pudesse ir se

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constituindo e se conformando mais aos modelos sociais que se deseja preservar ou construir.

2 As Previses Quanto ao Presente ...................................................................................................................................Desvendar o passado e conhecer o futuro parecem ser duas foras motivadoras fortssimas que tm atuado sobre a humanidade, talvez desde sempre. Para exerc-las o homem tem recorrido s prticas esotricas, s teorias religiosas e, mais recentemente, talvez a partir do sculo XVII, busca de conhecimentos cientficos. Apenas esta ltima forma de atender a essa curiosidade atvica do homem merecer aqui alguns comentrios. Isaac Newton (1648-1726) foi o cientista que talvez tenha contribudo mais mais que qualquer outro para compreendermos o mundo. Sua primeira obra foi Quaestiones (1664), abordando problemas de matemtica e filosofia; as ltimas foram Historia Coelestis (1712) e Atlas Coelestis (1716). As idias sobre a gravitao universal apareceram primeiro em Principia, obra iniciada em 1666 e s terminada vinte anos mais tarde (WESTFALL, 1995). A profcua produo que gerou durante sua longeva para a poca existncia de 78 anos, a par do incalculvel impacto que causou nos conhecimentos filosficos, matemticos, fsicos e astronmicos, parece claramente conexa s mencionadas foras motivadoras da humanidade a que nos referimos. Por esse motivo, no apenas aos cientistas mas tambm aos clrigos e aos leigos seus trabalhos sempre interessaram tanto!

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A obra cientfica , por definio, cautelosa e comedida. Seus avanos, principalmente no passado, se davam a passos curtos e, mesmo assim, perigosos. Isso o confirma a histria de Galileu Galilei que, para fugir do caminho das fogueiras da Inquisio, se viu obrigado a negar sua teoria heliocntrica, ainda que resmungando diz a lenda eppur si muove e reafirmando seu ponto de vista de que a Terra se movia e no era o centro do universo. Por curioso e pitoresco, vlido lembrar algo sobre a extensa produo da literatura de fico cientfica que, parece, teria se iniciado na Renascena. Avanando um pouco na histria, recordemos algumas obras que constituram nossas leituras juvenis ou, menos longinquamente, alimentaram nossa formao intelectual, aqui destacadas em especial pela caracterstica de especularem sobre como seria o mundo futuro. No de se estranhar que soltar a imaginao e a criatividade seja mais fcil do que perseguir o rigor da metodologia cientfica Em As Viagens de Gulliver (1726), Jonathan Swift falava de estranhas criaturas csmicas. Voltaire, em Micromgas (1752), j imaginava uma viagem lua! Mas o primeiro livro que realmente pode receber a classificao de fico cientfica talvez seja Frankenstein (1817), de Mary Schelley, uma novela sobre a capacidade da cincia de produzir novas espcies de vida Nas dcadas seguintes, Balzac (1799-1850), na Frana, e Edgar Allan Poe (1809-1849), nos Estados Unidos, foram autores que criticaram suas pocas e especularam sobre o futuro da sociedade (COMPTONS, 1994). No sculo XIX, Jules Verne (1828-1905), abrindo caminho para Herbert George Wells, centrou foco nas

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maravilhas tecnolgicas em Viagem ao Centro da Terra (1864), Da Terra Lua (1865) e Vinte Mil Lguas Submarinas (1870). O ingls Wells (1866-1946), com uma obra vastssima, publicou A Mquina do Tempo (1895), O Homem Invisvel (1897), A Guerra dos Mundos (1898), O Primeiro Homem na Lua (1901) e A Forma das Coisas que Viro (1933). Os ttulos sugerem os contedos (COMPTONS, 1994). No incio do sculo XX, a literatura de fico cientfica da Europa era marcadamente pessimista, o que no surpreendente quando se lembra que o continente praticamente inaugurou o sculo com a Primeira Guerra Mundial. Os autores da Europa oriental foram mestres nessa arte (Zamyatin e Capek, por exemplo). No Ocidente, Aldous Huxley (1894-1963) publicou, em 1932, O Admirvel Mundo Novo, uma novela anti-utopia que se constituiu numa das melhores fantasias sobre o futuro j imaginadas e que lanou uma sombria e crtica luz sobre o presente. Sua voz proftica considerada at hoje surpreendentemente literria. Naquele livro ele construiu uma sociedade em que os indivduos no tinham individualidade e eram todos condicionados por mensagens subliminares e estmulos artificiais para responderem da mesma forma (HUXLEY, 1989). Era a gnese do conceito de aldeia global, muito conexo com o objeto central desta nossa reflexo. Naquela mesma poca surgiam tambm, na Amrica, as primeiras revistas de fico cientfica Amazing Stories, Astounding Stories, The Magazine of Fantasy and Science Fiction, Galaxy Science Fiction (COMPTONS, 1994). O fim da Segunda Guerra Mundial inaugurou a era atmica e a idade espacial veio logo depois. Grandes temas para

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estimular a criatividade na literatura, nas artes e no cinema (2001, uma Odissia no Espao, por exemplo)! Contemporaneamente, Isaac Azimov (1920-1992) e Alvin Toffler so bons exemplos de pensadores que tentaram analisar o passado, entender o presente e lanar luzes sobre o futuro. Toffler, em especial, inicialmente com Choque do Futuro e mais tarde com A Terceira Onda (1980), explora assuntos to diversos quanto a economia oscilante, a personalidade do futuro, a famlia ps-nuclear, a cabana eletrnica, o desastre do estado-nao e as mudanas polticas na transposio do sculo (FINLEY).

3 Os Dias de Hoje. Derrubamos as Barreiras ao Fluxo da Informao? ...................................................................................................................................s vsperas do terceiro milnio, a cincia explicou muito do passado e dos fatos atuais, a tecnologia incorporou extensivamente os conhecimentos cientficos, o esoterismo e o misticismo fazem a glria de Paulo Coelho, um dos mais lidos escritores brasileiros de todos os tempos, e a religio, de qualquer credo, multiplica-se em um sem nmero de seitas e ritos. O mundo novo, admirvel, sim, por muitos aspectos, e a aldeia global dos indivduos sem individualidade j constituem a inexorvel realidade. Considerando a enorme rapidez com que se do as mudanas tecnolgicas, surpreendemo-nos com o captulo 14 O Meio Inteligente de A Terceira Onda de Toffler, especialmente quando levamos em conta que ele foi escrito em 1980. Eis dele um trecho:

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A disperso dos computadores para o lar, para no mencionar sua interligao em redes ramificadas, representa outro avano na construo de um ambiente inteligente. Mas isso no tudo. A difuso da inteligncia da mquina chega totalmente a outro nvel com a chegada de microprocessadores e microcomputadores, essas pequeninas fichas de inteligncia congelada que, ao que parece, esto prestes a se tornar parte de quase todas as coisas que fazemos e usamos. Excetuando-se suas aplicaes nos processos de fabricao e no comrcio em geral, elas j esto embutidas,ou estaro em breve, em tudo, dos aparelhos de ar condicionado e dos automveis a mquinas de costura e balanas. Ajustaro o sistema de combustvel do carro. Avisarnos-o quando alguma coisa precisar de conserto. Tocaro o relgio do rdio e de manh ligaro para ns a torradeira, a cafeteira e o chuveiro. Aquecero a garagem, fecharo as portas e realizaro uma vertiginosa variedade de tarefas humildes e outras no to humildes. (TOFFLER,1980). Estamos no ano 2000. A frtil produo e as prodigiosas mentes de nossos ficcionistas, de Voltaire a Toffler, no foram suficientes para prever at onde iramos nessa transformao to intensa do mundo: a construo de um ciberespao ou de uma info-sociedade propiciados, por um lado, por engenhosas associaes entre tecnologias diversas,

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materiais (fibras ticas e semicondutores), miniaturizao (chips e microprocessadores), informtica (computao, software e hardware, redes), telecomunicaes (telefonia, compactao de dados, transmisso por satlites) e servios como os tornados possveis pela Internet e, em especial, pelos sistemas e servios de informao de carter factual, documental, pictrico, bibliogrfico, estatstico, etc. e impulsionados, por outro, pelas novas relaes econmicas e polticas que se foram construindo. O fato que, para o bem ou para o mal, a nova sociedade que se estabelece derruba progressivamente as barreiras ao fluxo transfronteira do conhecimento. Os mecanismos e recursos de que se dispe atualmente e que permitem a constituio do ciberespao so, entre outros: os meios de comunicao mais tradicionais, como o telefone e a televiso, por si, isoladamente porm mais difundidos e eficientes ou combinados com tecnologias associadas; a teleconferncia e a videoconferncia (interao visual, auditiva e verbal com pessoas participantes) (QU es, 1998); a Internet I (correio eletrnico, World Wide Web); as bibliotecas virtuais; a Internet II, baseada em gigapops, centros de distribuio ultra-rpida de dados que mantm alta interatividade com os usurios, os quais decidiro, em cada caso, como ser seu acesso. A Internet II j uma realidade nos Estados Unidos e no Brasil inicia-se a sua implantao. A rede acadmica canadense j se associou Internet II e a

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rede acadmica TEN-34 j est se adequando para a sua conexo (COEN); a televiso do futuro, o ImmersaDesk ou Idesk, que j est sendo produzido pela empresa americana Pyramid System e que combina televiso gigante com computador de grande performance, trabalhando com imagens em 3D; as bibliotecas digitais multimdia, que incluiro texto, vdeo e audio com grande fidelidade de imagem, permitindo sua visualizao em 3D com alta definio, baseada nos recursos da Internet II; DVD Digital Video Disk; os livros digitais, que so dispositivos eletrnicos com cara de livro, cheiro de livro e que, conectados a um modem, se transformam em verdadeiras bibliotecas. J esto venda o Softbook e o RocketBook, produzidos por trs firmas norte-americanas, uma delas com participao societria da famosa livraria Barnes & Noble; as centrais de processamento de alto desempenho.

4 Conseqncias de se Integrar ao Ciberespao ...................................................................................................................................Em artigo publicado no nmero de agosto de 1997 do Le Monde Diplomatique, o editorialista Joel de Rosnay afirmou que o fenmeno maior do final de sculo a nova relao espaotempo em que passamos a estar inseridos, dentro do que ele chamou de cybermonde. O encurtamento das distncias e a reduo do tempo relativo trouxe profundas modificaes s regras polticas, econmicas e industriais (ROSNAY, 1997). No

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apenas! Philippe Quau tambm se preocupa com a cyberculture e com a info-thique (QUAU, 1998a). O que inegvel parece importante frisar que to profundas transformaes trazidas pela nova ordem tecnolgica, especialmente as relacionadas com as tecnologias de informao, alteram, de forma imbricada, as relaes prevalentes de natureza poltica, econmica, cultural, social e at mesmo moral. O universo da pesquisa cientfica e tecnolgica, em si mesmo to complexo, tambm no deixaria de ser impactado por essas alteraes to avassaladoras. Comecemos nossa anlise examinando esse ngulo em primeiro lugar.

4.1 Impacto Sobre o Mundo da Pesquisa Cientfica e TecnolgicaRealizar uma pesquisa cientfica significa gerar conhecimento novo, que venha a ser incorporado ao estoque universal do saber humano sobre um determinado fato, fenmeno ou realidade. Allen, em sua importante obra Managing the Flow of Technology, nos lembra que a pesquisa tecnolgica tem por objetivo produzir uma mudana no hardware fsico do mundo (ALLEN, 1979). Obviamente, no possvel incorporar conhecimento novo, de natureza cientfica ou tecnolgica, ao estoque universal se no se sabe, num dado momento, em que nvel se encontra o saber humano sobre o fato em relao ao qual se pretende haver produzido conhecimento incremental ou radical. por isso

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que essencial, em qualquer atividade de pesquisa cientfica ou tecnolgica, comear com uma pesquisa bibliogrfica que permita definir o estado-da-arte do conhecimento a respeito do objeto pesquisado. Claro, pois, que quanto mais rpida e amplamente o pesquisador puder perscrutar o universo do conhecimento para conhecer suas limitaes em dado instante, mais eficientemente estar investindo seu esforo na atividade de pesquisa. J inteiramente factvel, com um notebook provido de modem, configurado para acesso a um provedor da rede Internet, alm de um corriqueiro telefone celular, ter acesso a apontadores como o Yahoo ou o Alta Vista, ou mesmo bibliotecas virtuais, e obter assim praticamente toda a informao de que se necessita. Com a telefonia celular por satlite em breve vamos estar carregando de c para l, sem qualquer barreira geogrfica, no uma, mas todas as bibliotecas disponveis, em uma parafernlia de uns dois quilos de peso! O resultado da pesquisa cientfica precisa ser rapidamente comunicado, pois a autoria intelectual do trabalho assegurada a quem primeiro publica ou d divulgao formal aos resultados obtidos. A pesquisa tecnolgica, ainda que seus resultados sejam menos claramente conexos com a informao verbalmente codificada, se relaciona questo dos direitos da propriedade industrial, atravs de patentes, licenas, contratos, etc. E, claro, est sempre preocupada com a questo do mercado, quer para cri-lo, quer para preservlo ou ampli-lo. A prpria forma de execuo das atividades de pesquisa se modifica na medida em que pode contar com instrumentos

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novos de comunicao entre os pares. Os colgios invisveis espontaneamente formados para troca informal de resultados ainda parciais ou preliminares entre pesquisadores de uma mesma frente de pesquisa do lugar agora a colgios virtuais, ou academias virtuais na terminologia de Coadic (COADIC, 1994), em que investigadores, trabalhando remotamente entre si, desenvolvem pesquisas comuns e simultneas e escrevem livros em conjunto atravs de terminais de computador distantes entre si dezenas de milhares de quilmetros. Quebra das barreiras tecnolgicas ao fluxo transfronteira do conhecimento! Vem da, ento, a razo pela qual, do ponto de vista dos profissionais da informao, as novas tecnologias de informao, enquanto instrumentos facilitadores do acesso dos pesquisadores informao cientfica e tecnolgica e da comunicao dos resultados das pesquisas por eles empreendidas, constituem questo central quando se discute o papel tcnico e social desempenhado por esses profissionais neste final de sculo. No h como negar que, sob esse ponto de vista, a integrao ao ciberespao revoluciona o mundo em que as pesquisas cientficas e tecnolgicas so desenvolvidas e altera profundamente a forma, o valor e o espao relacionados com o trabalho do profissional da informao. Como conseqncia da indiscutvel transformao do mercado de trabalho, ampliam-se de maneira antes impensvel os postos de trabalho associados essncia da sociedade da informao. A competitividade marca registrada dos novos tempos exige, em contrapartida, profissionais competentes, criativos e versteis, que so disputados, atravs de vantagens

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salariais diretas e indiretas, por empresas vidas em agregar a seus quadros os melhores talentos que puderem encontrar. Isso explica porque muitos dos brilhantes estudantes que completam os cursos de cincia da computao de nossas melhores instituies tm sido atrados, de forma crescente, por empresas americanas, em especial as do Vale do Silcio, na Califrnia. O mesmo fenmeno que destri postos de trabalho na indstria convencional cria essas novas oportunidades e, como s possvel em algumas outras poucas reas, tambm possibilita, com grandes chances de sucesso, a criao de empreendimentos prprios que, em geral, se viabilizam porque demandam mais talento do que capital.

4.2 As Implicaes Econmicas do CiberespaoA sociedade da informao impacta severamente a economia e a rearranja de uma maneira nova, contribuindo para que se criem novos nichos de mercado, em sinergia uns com os outros, alavancando mecanismos de propulso do crescimento e do emprego. No esqueamos que as infovias passaram tambm a constituir canais novos de comercializao dos produtos e servios existentes. Negcios on-line e Internet dominaram a palestra do Presidente da Intel, Craig Barret, em So Paulo, conforme noticiou o caderno de informtica do Jornal do Brasil de 17 de agosto de 1998. Disse ele: Estamos chegando rapidamente marca de um bilho de computadores conectados e isso no representa

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apenas uma comunidade on-line, mas sim a formao de um verdadeiro continente virtual. Este stimo continente no tem limite de tempo nem de espao. um lugar onde os negcios podem ser feitos 24 horas por dia, sete dias por semana. Segundo Rosnay, a economia, no ciberespao, faz emergir trs parmetros de competitividade internacional: a velocidade, a inteligncia e a adaptabilidade. Assim como em outros setores da vida real o mundo biolgico, por exemplo quem chega primeiro ao ciberespao leva vantagem. o que os economistas chamam de efeito lock-in. Da o motivo porque no apenas indivduos, mas tambm empresas e pases, tm pressa em se tornarem competentes e competitivos (ROSNAY, 1997). O parmetro inteligncia como fator de competitividade significa, fundamentalmente, ser capaz (outra vez: o indivduo, a empresa ou a nao) de agregar valor produo; isso, claro, no novidade, pois j sabamos que exportar ao, por exemplo, muito melhor negcio do que vender minrio de ferro. Mas o ciberespao impe e valoriza tambm a agregao de valores imateriais economia, como constatamos cada vez mais no setor tercirio: finanas, comrcio eletrnico, automao bancria e comercial, entretenimento, gesto de empreendimentos industriais, comerciais e agrcolas, etc. A adaptabilidade, como fator de competitividade, diz respeito nova exigncia de que empregados e gerentes sejam capazes de compreender e aceitar essa realidade revolucionria:

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a desincronizao, a deslocalizao e a desmaterializao do trabalho, exigindo no mais o campons, o operrio ou o empregado de escritrio, mas sim o que a literatura j chama de travailleurs du savoir. O mercado, na concepo de Rosnay, deixa de ser locacional e passa a ser espacial (ROSNAY, 1997). A crise asitica de 1997, afetando imediatamente as bolsas de valores do mundo inteiro, constitui um exemplo irretocvel desse mercado espacial como conseqncia da fluidez na transferncia de capitais. Seria ingnuo, certamente, imaginar que to rpidas e profundas transformaes pudessem ocorrer sem conseqncias geopolticas, sem conflitos bi e multilaterais, sem protecionismo comercial, sem taxao local, sem questionamento de direitos de aduana e de propriedade industrial. Lembremos aqui a recente proposta de no-taxao do comrcio eletrnico atravs da Web elaborada pelo Presidente Bill Clinton. Paralelamente, ao associar plataforma Windows o browser Explorer, Bill Gates criou um problema que at hoje, por envolver algumas questes de dumping e de monoplio, no chegou a ser resolvido nos tribunais norte-americanos. A Intel est sendo igualmente processada por prticas comerciais desleais. O que pensar das conseqncias econmicas do projeto da Microsoft de lanar, at o ano 2001, 288 satlites de comunicao? Caminha-se para o monoplio mundial das telecomunicaes? O direito comercial e o direito internacional, no ciberespao, esto ainda para ser construdos. Na sociedade da informao mudam-se as formas da gerao de emprego e postos de trabalho (RIFKIN, 1995). A

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anlise das empresas mais exitosas parece comprovar que aquelas que souberam utilizar as tecnologias de informao, agregando valor imaterial sua produo, acabaram por conseguir, em conseqncia, tambm uma agregao de valor material, conferindo-lhes, ao cabo, nveis mais altos de competitividade. Como exemplo, restringindo-nos nossa prpria rea de trabalho, citemos a Amazon Books, uma livraria on-line que vem conquistando o mercado mundial. ainda Rosnay quem nos lembra que a questo que permanece a de como conciliar os imperativos da nova economia com a preservao das razes geogrficas e culturais e com os valores da individualidade (ROSNAY, 1997). Igualdade de oportunidades, respeito aos valores humanistas da dignidade do trabalho, da proteo social do emprego, do sentimento de nao so necessidades fundamentais, que do sentido vida. Como preservar, numa economia ciberliberal, essas aspiraes, bases da solidariedade e da redistribuio que fundamentam uma sociedade centrada nas pessoas? Sobre esses aspectos faremos alguns comentrios a seguir.

4.3 As Conseqncias de Ordem PolticaAt h uma dcada atrs, quando ocorreram a queda do muro de Berlim e o desmantelamento da Unio Sovitica, o mundo se polarizava basicamente em funo das foras ideolgicas representadas pelos posicionamentos Leste e Oeste. Em torno da questo ideolgica gravitavam intensos

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interesses econmicos. A partir da, liberaram-se os entraves para o surgimento de inmeros conflitos de natureza tnica e religiosa, os quais fizeram desaparecer a antiga Iugoslvia, levaram a desentendimentos armados entre outros pases blticos, expandiram as guerras no continente africano e permitiram a continuidade talvez mesmo o recrudescimento das desavenas entre pases do Oriente Mdio e entre a ndia e o Paquisto, por exemplo. A polarizao, antes definida por critrios ideolgicos, leva agora a uma situao em que questes tnicas e religiosas adquirem centralidade indita na era moderna. Ora, as intensas transformaes trazidas pelas estruturas sociais que sobrevivem no ciberespao alteram e ameaam os conceitos fundamentais em que se baseava a ordem poltica. Referimo-nos aos conceitos de nao, tradio, valores culturais, povo, raa e religio. Tais conceitos, claro, esto na base das estruturas de poder que tendem a se perpetuar. Esse fato explica, por exemplo, a posio do governo dos aiatols, no Ir, recentemente anunciada na imprensa geral, determinando a eliminao das antenas parablicas no pas e impondo severas restries para o acesso Internet, tal como j se estabeleceu no Afeganisto. Esse fato esclarece ainda porque na Arbia Saudita somente agora algumas empresas obtiveram licena para acessar a Internet! O livre fluxo transfronteira da informao e do conhecimento ameaa a manuteno do status quo defendido pelos detentores do poder, em especial nos pases autocrticos e nas teocracias. Philippe Quau afirma que hoje se assiste, de maneira global, a uma predominncia absoluta da idia de mercado

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que, com sua mo invisvel, seria capaz de fazer surgir, como num passe de mgica, qualquer coisa que pudesse ser de interesse geral. Isso corresponde claramente posio neoliberal. Mas ele diz pertencer a outra escola de pensamento, uma escola para a qual o poder poltico tem ainda um papel a desempenhar: o de desenvolver uma poltica que se coloque num plano mundial, para fazer com que a lei do mercado tome cincia tanto das diversidades polticas quanto das especificidades culturais (QUAU, 1998b). Outra questo de indubitvel importncia poltica a que se refere natureza dos mecanismos de colonizao. Passada a etapa das conquistas territoriais baseadas em poderio econmico-militar e superada a fase dos alinhamentos automticos com os grandes plos Leste e Oeste, mantidos por questes ideolgicas, fortalecem-se agora, como instrumentos bsicos para sustentar as prticas colonialistas quer de territrios, quer de mercados, ou de ambos a competncia tecnolgica e o domnio das fontes de informao. Mais do que nunca o jargo informao poder, to repetidamente ouvido em nosso meio de profissionais da informao, pode ser compreendido de forma literal. Na medida em que esse fluxo puder contribuir para a expanso e a consolidao da democracia e dos valores da cidadania, corresponder a um progresso desejvel para a sociedade; lamentavelmente, porm, ele corri particularidades e tradies nacionais, regionais e individuais, o que pasteurifica a sociedade e a empobrece dos valores advindos da diversidade

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4.4 A Sociedade e a CiberculturaAs implicaes culturais do ciberespao tm sido objeto de reflexes de educadores, filsofos e intelectuais pelo mundo afora. Foi objeto tambm de um firme posicionamento da Unesco, de cuja Diviso de Informao e Informtica o Diretor Philippe Quau representa bem o pensamento prevalente (QUAU, 1998a). As inquietaes de Philippe Quau sobre essas implicaes culturais e ticas ficam bem claras em seu pensamento, a seguir transcrito: A sociedade planetria da informao no encoraja, por seu prprio dinamismo, a criao de guetos, de lugares de excluso radical? No se trata somente de excluso econmica, mas tambm de excluso cultural. A complexidade e a abstrao da sociedade da informao so, de fato, fatores de acelerao do descompasso entre os info-lus e os infoexclus (includos e excludos do acesso nformao). As cidades mundiais ligadas ao ciberespao so atravessadas em seu prprio seio por zonas de iletrismo e analfabetismo, tanto no sentido literal quanto no sentido da cibercultura. A cibercultura permite conivncias intelectuais e solidariedades sociais novas, das quais so cruelmente privados aqueles que delas tm maior necessidade. Os novos liames sociais globais correm o risco de favorecer reaes exacerbadas, hiper-individualistas, tendendo a se

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excluir desta vez voluntariamente da responsabilidade global. (QUAU, 1998a). Durante o 65. Congresso da Association CanadienneFranaise pour lAvancement des Sciences ACFAS com sede em Montreal, Andre Fortin apresentou um trabalho intitulado Lespace social: mthafore ou ancrage du lien social?, o qual contm elementos importantes para esta nossa reflexo. A idia principal do texto a de que os elos sociais (famlia, comunidade, etnia) tinham como caracterstica, na sociedade tradicional, sua conexo com o espao fsico. Na modernidade, as classes sociais mantiveram um proveito implcito, mas no menos real, do espao fsico. Na ps-modernidade, que poderamos entender como coincidente com a instituio do ciberespao, as diversas identidades particulares, assim como as redes que se construram a partir delas, no remetem a priori ao territrio. Entretanto, a referncia pessoa, ao corpo e intimidade as inscreve imediatamente num espao fsico bem-delimitado. Da mesma forma, o espao poltico indissocivel do territrio, do Estado. Resultam, pois, tenses variadas entre a ancoragem espacial e a desterritorializao dos laos sociais (FORTIN, 1997). Num mundo econmica e informacionalmente globalizado, em competio acirrada, como fica a situao do operrio brasileiro, com 4,5 anos de estudos em mdia considerando o tipo de acesso informao que suas condies culturais, sociais e econmicas lhe permitem ter em comparao com as possibilidades do chileno, com quase 10 anos de estudos, ou do argentino, com 8 anos, em mdia?

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A pergunta , pois: como alcanar os info-riches?. A questo, to crtica, evidencia a centralidade do problema educacional. Haver crescentes distncias sociais no ciberespao enquanto o problema educacional no for equacionado em nosso pas. A prpria sociedade da informao, qui, poder fornecer instrumentos para isso. Lembramos, com enorme expectativa, as possibilidades dos programas de educao distncia j largamente empregados em vrios pases (STEINER, 1995). Temos tambm vrias experincias no Brasil, onde destacaramos, no ensino de 1. grau, o que vem sendo feito em Minas Gerais para treinamento de diretores de escolas e de secretrios municipais de educao. A Unesco tem questionado, em suas posies oficiais, a necessidade de se tratar a acessibilidade, no que concerne ao provimento da informao, em bases mais igualitrias e, conforme j mencionado, procurando definir com clareza quais so os justos espaos do pblico e do privado. A premissa a de que quanto maior for a quantidade de informaes pblicas gratuitas e acessveis, mais equilibrada ser a relao de foras entre o pblico e o privado. A poltica da Unesco colocar a informao que dorme em bibliotecas, arquivos, museus e tambm em relatrios de pesquisa, textos jurdicos e regulamentaes governamentais uma massa muito considervel de informaes disposio da sociedade de forma direta, sem interveno dos interesses privados que pasmem! na Frana, atravs do Minitel, j exploram, ao exorbitante preo de setecentos francos a hora, o acesso ao Dirio Oficial (QUAU, 1998a). At nos Estados Unidos esse acesso gratuito

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Lembremo-nos de que a WWW World Wide Web foi desenvolvida em um laboratrio suo de carter pblico o CERN e pertence ao domnio pblico, servindo ao interesse geral. A Unesco pergunta: se a pesquisa pblica executada no CERN conseguiu fazer a Web, por que ela no poderia desenvolver tambm uma plataforma capaz de substituir o Windows, da Microsoft? (QUAU, 1998a). Ser, a esta altura? Bill Gates chegou primeiro e isso conta no universo do desenvolvimento tecnolgico Contudo, esse no o nico projeto grandioso em que a Unesco vem se engajando. Preocupado com a perda do individualismo, das identidades locais, regionais, nacionais e tnicas, o rgo da ONU lanou um programa sobre a Web chamado Memria do Mundo, com o objetivo de evitar a amnsia coletiva. H registros de numerosos arquivos que estiveram em perigo e de colees de livros que sobreviveram guerra de Saravejo. O esforo para evitar as irreparveis perdas de informao, em diversos suportes, ocorridas na primeira metade deste sculo (QUAU, 1998b).

5 Dilema do Profissional da Informao: Como Agir? ..................................................................................................................................Em ambiente de tamanha efervescncia e mantendo nossa prudncia para no aventurar mais previses que, como as anteriores, propostas por outros mais competentes e criativos, certamente sero logo desacreditadas pela realidade convm limitar nossa anlise perplexidade que domina aqueles que profissionalmente atuam no campo da infor-

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mao. Pelo menos uma coisa a realidade prevalente j ajustou: parece superada a discusso estril que ocupou fruns importantes na dcada de 70 no Brasil e que questionava se analistas de sistema, engenheiros, administradores, etc. poderiam atuar, ao lado dos bibliotecrios, na ambincia de centros e servios de informao. A sociedade da informao acabou por criar uma conscincia de que, para planejar, implantar e operar adequadamente centros e servios de informao, as equipes tm que ter, necessariamente, carter multidisciplinar. A unio no se deu por gosto, mas por preciso. Tanto faz! O prprio documento do Grupo de Trabalho sobre Sociedade da Informao, constitudo junto ao Conselho de Cincia e Tecnologia da Presidncia da Repblica, ao relacionar dez objetivos setoriais e priorizar a cincia, a tecnologia e a educao, reafirma que o projeto, a ampliao e a consolidao de uma sociedade da informao no Brasil deveriam proporcionar o aumento radical das capacidades de colaborao e conduo de experimentos cooperativos por pesquisadores e de disseminao de resultados cientficos e tecnolgicos, de forma a melhorar o aproveitamento de oportunidades tecnolgicas (BRASIL. Conselho, 1997). Por certo, as tecnologias de informao favoreceram a ampliao das fontes, a diversificao dos mecanismos de acesso, o compartilhamento real dos acervos ainda que remotamente armazenados a facilidade de tratamento, etc. e, por isso, muito ajudam o provimento de informaes a certa categoria repita-se, a certa categoria apenas de usurios. Dessa forma, um dos atuais grandes desafios para os

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profissionais da informao como lidar com os info-exclus os excludos da informao. Ousaramos dizer que a distncia entre os que tm e os que no tm acesso s tecnologias de informao talvez seja maior hoje do que a que se registra entre alfabetizados e analfabetos. Seria razovel pensar que o carro-biblioteca possa ser substitudo hoje, com reais vantagens, por informao em meios magnticos (CD-ROM, por exemplo)? E a biblioteca pblica e a biblioteca escolar, to importantes no processo educacional, poderiam ser trocadas por acesso facilitado Internet e a colees de DVD ou de livros eletrnicos? No pensamos nesses recursos como substitutivos mas como complementares. Como coadjuvantes no processo educacional, os profissionais da informao deveriam adotar estratgias que utilizassem as tecnologias de informao para amplificar e democratizar o acesso ao conhecimento. Um exemplo louvvel, baseado nessa premissa, so os cursos tutoriais de treinamento e formao distncia que alguns professores da Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal de Minas Gerais utilizam para reduzir o tempo do ensino presencial e assim tornar vivel o j iniciado curso noturno de biblioteconomia com o mesmo pessoal docente existente na Escola. Considerando o elenco de implicaes econmicas, sociais, polticas e culturais que decorre da massiva informatizao da sociedade e das redes de comunicao que permitem, a custos reduzidos, o fluxo transfronteira da informao, parece inegvel que, no ciberespao, o esprito crtico do profissional da informao passa a ser uma qualidade essencial, pois ele, ou a equipe de que faz parte, quem toma

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decises sobre o desenho de sistemas, a aquisio de hardware, a seleo de softwares, a implantao de bancos de dados, o provimento de servios de informao, etc. Ele h de ter a capacidade e o discernimento necessrios, por um lado, para no se lanar em aventuras tecnolgicas caras e extemporneas e, por outro lado, para no se fechar adoo dos recursos tecnolgicos prprios situao com que se defronta. E que tenha bom senso, em qualquer caso, independentemente de qual tenha sido a alternativa adotada, para ampliar, em prol da sociedade, os benefcios de cada soluo e para minimizar seus efeitos adversos, infelizmente no de todo eliminveis. Com o mesmo esprito que nos orientou no comeo, encerramos evocando novamente Fernando Pessoa: A cincia! Como pobre e nada! Rico o que a alma d e tem.(PESSOA, 1995).

Referncias BibliogrficasALLEN, T. J. Managing the flow of technology. Cambridge: MIT, 1979. 319p. BRASIL. Conselho de Cincia e Tecnologia. Grupo de Trabalho sobre Sociedade da Informao. Documento base. Terceira verso. 1997 (http://www.cct.gov.br/gtsocinfo/). COADIC, Yves-Franois. La science de linformation. 2me. ed. Paris: PUF, 1994. 127p.

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COEN, Luciana. Internet 2 : novo padro tecnolgico. JT Web / Informtica. (http://www.jt.com.br/notcias/). COMPTONS Interactive Encyclopedia. Comptons: NewMedia, 1994. FINLEY, Michael. Alvin Toffler and the third wave. FORTIN, Andre. Lespace social: mthafore ou ancrage du lien social? In: CONGRS DE LASSOCIATION CANADIENNE-FRANAISE POUR LAVANCEMENT DES SCIENCES, 65me., Montreal, 1997. HUXLEY, Aldous. Brave new world. New York: Harpener & Row, 1989. 270p. PESSOA, Fernando. Obra potica. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. QUAU, Philippe. Cyber-culture et info-thique. Bulletin Interactif du Centre International de Recherches et tudes Transdisciplinaires, 12, fev. 1998a. 12p. QUAU, Philippe. Tous de savoirs du monde. Regards, jan. 1998b. 4p. QU es la videoconferencia? Mexico: Universidade Autnoma de Mexico, 1998. 12p. RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos. So Paulo: Makron Books, 1995. 345p. ROSNAY, Joel de. La France et le cybermonde. Le Monde Diplomatique, p. 28, ago. 1997. STEINER, Virginia. What is distance education? In: DLRN Technology Resource Guide, 1995. 5p.

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TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 1980. 491p. WESTFALL, Richard. A vida de Isaac Newton. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. 328p.

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A Profissionalizao da Cincia da Informao no Marco da Globalizao: Paradigmas e Propostas

Antonio L. C. Miranda Professor Doutor da Universidade de Brasilia Colocamos mais nfase no f luxo da informao do que em seu uso efetivo.(ROBERTA LAMB)

1 Polticas Pblicas e Iniciativa Privada ..................................................................................................................................Os desafios da sociedade da informao para as profisses tradicionais vm sendo discutidos e as vises ou cenrios previstos vo do otimismo mais alienado ao pessimismo mais renitente. Nas discusses que vimos mantendo com mestrandos e doutorandos, nos ltimos trs anos, na disciplina Informao, Desenvolvimento e Sociedade do Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao da Universidade de Braslia, o debate se restabelece periodicamente, com posies contrastantes conforme a formao ou o engajamento profissional e poltico dos alunos. Os mais voltados para as novas tecnologias assumem opinies mais positivas e os mais comprometidos com ideologias polticas

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