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INFLUÊNCIAS DO REGIME INTERNACIONAL PARA A EDUCAÇÃO NA NORMATIZAÇÃO DO SISTEMA DE ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO Gisele Lúcio da Costa Petrillo 1 Hugo Tomazeti Neto 2 João Pedro Tavares Damasceno 3 RESUMO: O artigo propõe verificar como diretrizes, orientações e compromissos acordados no regime internacional para a educação – coordenado pela UNESCO -, influenciam a formulação de normas, políticas, planos e programas nacionais na condução do Ensino Superior no Brasil, a partir da década de 1990. Para tanto, a pesquisa bibliográfica e documental possibilitou constatar como os temas acesso, expansão, qualidade da educação, cooperação internacional, internacionalização, discutidos nas principais Conferências Mundiais realizadas durante o período, estão expressos na legislação doméstica para a educação superior. PALAVRAS-CHAVE: Ensino Superior; Legislação Educacional; Regime Internacional. INTRODUÇÃO Na sociedade contemporânea, importante vantagem comparativa dos países é determinada pela sua capacidade de uso do conhecimento e das inovações tecnológicas para alcance de seus interesses. Assim, a educação 4 , nos diferentes níveis, adquire, cada vez mais, papel estratégico para o desenvolvimento econômico, político e social dos Estados e para sua inserção no cenário internacional. Essa centralidade faz do conhecimento “um pilar da riqueza e do poder das nações” (BERNHEIM, 2008, p.7). Ao mesmo tempo, lembra o autor que 1 Mestranda em Ciência Política: Universidade Federal de Goiás, [email protected], especialista em Educação, graduada em Relações Internacionais. 2 Mestrando em Ciência Política: Universidade Federal de Goiás, [email protected], graduado em Relações Internacionais. 3 Mestrando em Ciência Política: Universidade Federal de Goiás, [email protected], graduado em Relações Internacionais. 4 Para entender o estado da arte da educação na sociedade do conhecimento, vide Silva (2011, p.16-29).

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INFLUÊNCIAS DO REGIME INTERNACIONAL PARA A EDUCAÇÃO NA NORMATIZAÇÃO DO SISTEMA DE ENSINO SUPERIOR

BRASILEIRO

Gisele Lúcio da Costa Petrillo1 Hugo Tomazeti Neto2

João Pedro Tavares Damasceno3

RESUMO: O artigo propõe verificar como diretrizes, orientações e compromissos acordados no regime internacional para a educação – coordenado pela UNESCO -, influenciam a formulação de normas, políticas, planos e programas nacionais na condução do Ensino Superior no Brasil, a partir da década de 1990. Para tanto, a pesquisa bibliográfica e documental possibilitou constatar como os temas acesso, expansão, qualidade da educação, cooperação internacional, internacionalização, discutidos nas principais Conferências Mundiais realizadas durante o período, estão expressos na legislação doméstica para a educação superior. PALAVRAS-CHAVE : Ensino Superior; Legislação Educacional; Regime Internacional.

INTRODUÇÃO

Na sociedade contemporânea, importante vantagem comparativa dos países é

determinada pela sua capacidade de uso do conhecimento e das inovações tecnológicas

para alcance de seus interesses. Assim, a educação4, nos diferentes níveis, adquire,

cada vez mais, papel estratégico para o desenvolvimento econômico, político e social dos

Estados e para sua inserção no cenário internacional. Essa centralidade faz do

conhecimento “um pilar da riqueza e do poder das nações” (BERNHEIM, 2008, p.7).

Ao mesmo tempo, lembra o autor que

1 Mestranda em Ciência Política: Universidade Federal de Goiás, [email protected], especialista em Educação, graduada em Relações Internacionais. 2 Mestrando em Ciência Política: Universidade Federal de Goiás, [email protected], graduado em Relações Internacionais. 3 Mestrando em Ciência Política: Universidade Federal de Goiás, [email protected], graduado em Relações Internacionais. 4 Para entender o estado da arte da educação na sociedade do conhecimento, vide Silva (2011, p.16-29).

Os estados têm fronteiras, o conhecimento, horizontes. (...) A emergência do conhecimento sem fronteiras confronta a educação superior contemporânea com desafios sem precedentes. (BERNHEIM, 2008, p.17).

Em todo o mundo, o ensino é a chave para o crescimento econômico. O ensino é

visto como um elemento central para o crescimento e renovação econômica, e também

para o bem-estar e a coesão social. Para Schwartz (2012, p.85) o Brasil, como uma das

novas “economias emergentes” e objetivando tornar-se um importante ator no cenário

internacional, precisa de boas instituições universitárias capazes de produzir cientistas e

engenheiros e de políticas claras para melhorar o nível das instituições de ensino

superior. Segundo o autor, a economia brasileira, cada vez mais complexa e sofisticada,

exige uma população mais qualificada e pesquisas mais relevantes. Para atender a essa

demanda é necessário conhecer (e alterar) as prioridades do ensino superior no país e

traçar estratégias para e educação, ciência, tecnologia e inovação.

A partir desses pontos preliminares, o objetivo proposto neste trabalho consiste

em discutir o regime internacional para a educação existente no cenário externo e seus

impactos nos ordenamentos legais de alcance nacional no sistema de ensino superior no

Brasil. Com o intuito de compreender como a questão da educação superior é abordada,

no âmbito multilateral – conduzida pela Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) –, buscou-se verificar como as discussões

na pauta internacional, durante as Conferências Mundiais sobre o tema e os

compromissos assumidos pelos Estados por meio das Declarações5, são expressos na

elaboração das normas educacionais brasileiras e na formulação de políticas, planos e

programas nacionais para o ensino superior.

O levantamento bibliográfico e a pesquisa documental adotados como

procedimentos metodológicos da investigação permitiram reflexões acerca da

configuração do regime internacional para a educação e sua alcance no âmbito

doméstico como elementos fundamentais para a compreensão dos atos governamentais,

estabelecidos em leis e políticas, planos e programas nacionais.

O artigo parte da premissa da existência de um regime internacional para a

educação, coordenado pela UNESCO e integrado por 193 Estados-membros, além da

5 Documentos finais formalizando as intenções das Conferências a serem ratificados pelos Estados.

cooperação de outras agências6 da Organização das Nações Unidas (ONU). Empregam-

se algumas definições conceituais para fundamentar a posição. Não se pretende,

entretanto, avançar no debate teórico sobre regimes. A revisão de literatura sobre teoria

dos regimes concentrou-se nos estudos de Lucena (2012) e as fontes primárias

(Declarações, legislação, planos e programas) foram localizadas na rede mundial de

comunicação.

A abordagem do trabalho pretende apresentar de forma descritiva e normativa a

legislação doméstica, ressaltando alguns elementos que caracterizam a influência do

regime internacional na regulamentação do sistema de ensino superior brasileiro.

O REGIME INTERNACIONAL PARA A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DA UNESCO

Existem diferentes concepções acerca do termo regime e não há exatamente um

consenso entre os estudiosos a respeito do conceito. Lucena (2012) aponta três

importantes autores sobre o tema: Krasner, Youg e Keohane. Segundo Krasner (1983)

apud Lucena (2012), o termo pode ser definido como princípios, normas, regras e

processos decisórios, implícitos ou explícitos, para os quais as expectativas dos atores

afluem em determinados domínios das relações internacionais. Ela explica que essa

perspectiva enfatiza os componentes do regime: princípios que são crenças, normas que

são padrões de comportamento criados de acordo com direitos e obrigações, regras que

são prescrições para a ação, e processos decisórios que são práticas preponderantes

que guiam a ação coletiva.

A perspectiva de Young, que procura avançar para além da formalização legal do

conceito, considera que regimes são instituições sociais que direcionam as atividades

daqueles que estão interessados em uma determinada área (YOUNG, 1983 apud

LUCENA, 2012). Já Keohane define regimes como instituições que possuem regras

explícitas aceitas por governos e que fazem parte de um conjunto particular de questões

em relações internacionais (KEOHANE, 1989 apud LUCENA, 2012). Na abordagem da

6 Dentre as principais agências multilaterais destacam-se: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Fundo de População das Nações Unido (UNFPA) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), além da parceria do Banco Mundial.

pesquisa defende-se que esses conceitos não são incompatíveis entre si e que a

aplicação desses pode explicar empiricamente o regime internacional de educação

institucionalizado pela UNESCO.

A UNESCO foi criada logo após a Segunda Guerra Mundial com o objetivo de

garantir a paz por meio da cooperação intelectual entre as nações, acompanhando o

desenvolvimento mundial e auxiliando os Estados-Membros na busca de soluções para

os problemas que desafiam as sociedades. A instituição apresenta como prioridades: a

defesa de uma educação de qualidade para todos e a promoção do desenvolvimento

humano e social. A UNESCO no Brasil desenvolve projetos de cooperação técnica em

parceria com o governo – União, estados e municípios –, a sociedade civil e a iniciativa

privada, além de auxiliar na formulação de políticas públicas que estejam em sintonia

com as metas acordadas, conforme informa a Organização das Nações Unidas (ONU)

(ONU, 2013).

Aplicando-se o conceito de Young, nota-se, então a experiência do regime: a

UNESCO é uma instituição social que direciona as atividades daqueles interessados na

área de Educação (YOUNG, 1983 apud LUCENA, 2012). Segundo a ONU:

No setor de Educação, a principal diretriz da UNESCO é auxiliar os países membros a atingir as metas de Educação para Todos, promovendo o acesso e a qualidade da educação em todos os níveis e modalidades, incluindo a educação de jovens e adultos. Para isso, a Organização desenvolve ações direcionadas ao fortalecimento das capacidades nacionais, além de prover acompanhamento técnico e apoio à implementação de políticas nacionais de educação, tendo sempre como foco a relevância da educação como valor estratégico para o desenvolvimento social e econômico dos países. (ONU, 2013).

No que tange à Educação Superior, a UNESCO (2013) procura incentivar a

formação de professores, a mobilidade, qualidade, mudanças e inovações que surgem na

sociedade. Para tanto, a organização busca articular redes internacionais e regionais de

informação e de conhecimentos; reunir dirigentes e pesquisadores; incentivar o

intercâmbio entre os países e as instituições; apoiar programas inovadores da educação

superior, tanto do poder público, como no caso dos Programas em Educação Superior

promovidos pelo Ministério da Educação, como de universidades, instituições privadas e

entidades da sociedade civil; disponibilizar às universidades e outras instituições

informações e documentos de referência considerados indispensáveis ao processo de

mudança e renovação da educação superior.

Considerando os principais componentes do regime, segundo Krasner (1983)

apud Lucena (2012), a saber: princípios, normas, regras e processos decisórios, é

importante destacar a década de 1990 e início de 2000 para a consolidação do regime.

A UNESCO promoveu eventos, estudos, declarações e normatizações,

estimulando o debate entre especialistas da área e representantes da sociedade civil, a

fim de alcançar consenso e legitimar diretrizes e orientações. Dentre essas se destacam,

conforme assinalam Werthein e Cunha (2001):

A Reunião Internacional de Educação para Todos realizada em Jomtien,

Tailândia, em 1990, onde foi aprovada a Declaração Mundial para o atendimento das

necessidades mínimas de aprendizagem, dando inicio a um amplo movimento mundial de

educação de qualidade para todos.

Em 1991, foi criada a Comissão Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento que

produziu um importante relatório - Nossa Diversidade Criadora – documento de

referência para uma visão mais completa dos processos de desenvolvimento.

Em 1993, foi criada a Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI

que após três anos de estudos e debates produziu o relatório Educação – um Tesouro a

Descobrir, quando foram estabelecidos os pilares e aprendizagens fundamentais para o

Século XXI.

Posteriormente, em 1994, em Salamanca, Espanha, foi realizada a Conferência

Mundial sobre Necessidades Especiais de Educação, oportunidade em que foram

estabelecidos importantes compromissos no setor.

Em 1998, em Hamburgo, Alemanha, foi realizada a V Conferência Internacional

de Educação de Adultos (CONFINTEA). Nesse evento foi aprovada a Declaração de

Hamburgo e instituída a Década Paulo Freire de Alfabetização. No mesmo ano, em Paris,

aconteceu a Conferência Mundial sobre o Ensino Superior para o Século XXI, sendo

aprovada a Declaração Mundial que estabeleceu uma nova política para o setor. Esse

evento destaca-se como o grande marco para a reestruturação do ensino superior no

Brasil e em grande parte dos países.

Realizou-se em 1999, a Conferência Mundial sobre a Educação Técnica e

Profissional. Nesse evento foram aprovadas as Recomendações de Seul, lançando a

política de educação profissional para todos.

Em 1999, em Budapeste, Hungria, realizou-se a Conferência Mundial sobre

Ciência e Desenvolvimento. Posteriormente, foi aprovada a Declaração sobre a Ciência

para o Século XXI, fixando diretrizes e bases para uma nova ética do desenvolvimento

científico e tecnológico.

No ano 2000, em Dakar, Senegal, aconteceu o Fórum Mundial de Educação para

Todos, onde se deu a formalização e aprovação de novos compromissos de educação

para todos – o Marco de Ação de Dakar.

Vale ainda destacar no âmbito mundial, a realização, no ano de 2009, em Paris,

da Segunda Conferência Mundial de Educação Superior. Na oportunidade, as discussões

apontaram para um novo papel das universidades, comprometidas com o

desenvolvimento econômico, social e humano, para a importância da formação de

professores, da promoção da cooperação entre os países e a defesa do ensino superior

como bem público.

Essa conferência foi particularmente importante porque ajudou a chegar a um

entendimento comum e global acerca da definição de ensino superior e os principais

desafios a serem enfrentados pelos governos e stakeholders7. Verger e Maldonado-

Maldonado (2010), dois dos 20 observadores oficiais do evento, contam que por trás da

aparente calma, nos bastidores da Conferência, aconteceram calorosos debates e tensas

negociações. Os maiores embates políticos concentraram-se, não exclusivamente, na

definição de ensino superior.

Os representantes dos países latino-americanos defendiam a educação superior

como um bem público social e um direito humano, enquanto os representantes norte-

americanos relutavam em aceitá-la como categoria de “bem público”. Representantes do

Brasil e da Índia ajustaram com os Estados Unidos a aceitar educação superior como e

não sendo um bem público.

Outros dois pontos de difícil consenso foram: tratamento do ensino superior como

serviço dentro da Organização Mundial de Comércio e estabelecimento de ranking

universitário em todo o mundo. Em ambos os casos, foi preferível a omissão dessas

questões na declaração final a correr o risco do fracasso da Conferência.

7 Empreendedores. Nesse caso são as agências de governo, grupos interessados, competidores.

Ao mesmo tempo aconteceu nesse período uma série de outros eventos, no

âmbito regional, para o debate acerca da educação, coordenada pela Organização dos

Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI)8.

Dentre os mais recentes está a XX Cúpula Ibero-americana, realizada na

Argentina, em 2010, com o tema “Educação para Inclusão Social”. Na ocasião foi

aprovado o documento “Metas 2021: a educação que queremos para a geração dos

Bicentenários” que apresenta objetivos bastante ambiciosos como: melhorar a qualidade

e a igualdade na educação para fazer frente à pobreza e à desigualdade e, desta forma,

favorecer a inclusão social (UNESCO, 2010).

A partir desse quadro, percebe-se que a cada evento, privilegiavam-se as

orientações para um tema educacional específico, seja incluso no nível da educação

básica, técnica-profissional, superior ou pós-graduação. Ao mesmo tempo, as questões

referentes a acesso, expansão e qualidade da educação são recorrentes em todos eles.

Nessa perspectiva, Krasner (2012, p.94) explica que os regimes precisam ser

entendidos como algo mais do que arranjos temporários que mudam com cada alteração

de poder ou interesses dos Estados. Assim, ao mesmo tempo em havia a inclusão de

novos temas durante as subsequentes conferências, aprofundava-se o debate acerca

dos temas anteriores e ampliava-se, também, a compreensão de educação e de sua

relevância como um dos meios de desenvolvimento social e humano.

A característica da metodologia de trabalho da UNESCO, consolidada por meio da

negociação e aprovação posterior de vários documentos e dos compromissos assumidos

pelos Estados-membros ao longo de quase trinta anos, demonstra a instituição do regime

internacional para a educação e, ao mesmo tempo evidencia sua resistência.

A resistência de um regime pode ser confirmada sempre que as escolhas institucionais feitas por seus membros, em um período anterior, possam levar a decisões e comportamentos coletivos em um momento posterior. (HASENCLEVER; MAYER; RITTBERGER, 1997 apud LUCENA, 2012, p.21).

Lucena (2012) lembra que, conforme Young (2000), um regime resistente é

aquele que, apesar das mudanças ocorridas, continua existindo adequadamente, seja

8 No período, informam Werthein e Cunha (2001) acontecem paralelamente as Cúpulas de Chefes de Estado e de Governo sobre a educação: Madrid (1992), Bariloche (1995), Panamá (2000), Bávaro (2002), Santa Cruz de la Sierra (2003), San José de Costa Rica, (2004), Salamanca (2005), Santiago do Chile (2007), El Salvador 2008.

permanecendo tão estável como outrora, seja fazendo adaptações para continuar

existindo.

Conforme Young (2000) apud Lucena (2012), a eficácia de um regime varia

diretamente com a capacidade de os governos implementarem domesticamente suas

normas. De acordo com a autora, um regime começa a funcionar quando os governos o

implantam no interior de suas próprias fronteiras.

A partir do material pesquisado, entende-se que o Estado brasileiro reconhece os

desafios inerentes à sociedade do conhecimento e a relevância da educação superior

como estratégia para seu desenvolvimento a partir da década de 1990. Ao analisar a

relação do crescimento econômico do Brasil – nos ciclos dos anos 1930, após a 2ª

Guerra, nos anos 1970 e depois de 2002 - com as políticas de educação superior,

Schwartzman (2010) não percebe um elo causal entre o crescimento econômico e os

investimentos na educação, na ciência e na tecnologia. Ainda que o ensino superior não

pudesse ter crescido na ausência do desenvolvimento econômico, para o autor, o

contrário não é verdadeiro (SCHWARTZMAN, 2010, p.86).

Desde a década de 1990, passando por um período de transição, no país, tem-se

alterado e criado uma série de normas internas com a finalidade de atualizar, desenvolver

e consolidar o sistema de educação no país. Trata-se de um grande desafio: encarar a

educação não só como uma política de governo, mas também e, sobretudo, uma política

de Estado, além da eminente participação brasileira em várias conferências

internacionais sobre o tema – do discurso à ação.

IMPLICAÇÕES DO REGIME INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO PARA O SISTEMA DE

ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO

O Brasil enfrenta, há três décadas, uma problemática complexa: a formulação e a

implementação de uma política ampla para o setor educacional, capaz de harmonizar os

diferentes interesses, enfoques e atores, contando com instrumentos normativos

internacionais ratificados internamente, e que, comprometida com o desenvolvimento

social, atenda às demandas brasileiras para o setor.

Para apreensão das iniciativas públicas na condução da área do ensino superior –

tema deste trabalho -, tendo em vista a adesão do país ao regime internacional para a

educação, é necessário destacar as principais conferências para a educação superior,

abordando as respectivas orientações. A partir disso, são demonstradas as implicações

do regime em estudo para a regulamentação do sistema de ensino superior brasileiro.

Um grande marco para o debate mundial acerca da educação é a Conferência

Internacional de Educação para Todos, realizada na Tailândia, em 1990, resultando

posteriormente a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (EPT): Satisfação das

Necessidades Básicas de Aprendizagem. O documento reafirma o direito de todos à

educação, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quanto aos temas

prioritários abordados nas metas a serem alcançadas pelas partes, ao logo da década de

1990, encontram-se: expansão da educação, acesso universal e melhoria da qualidade

do ensino. Apesar de o documento se referir de forma restrita ao ensino superior,

depreende-se que essas três metas incluíam igualmente o ensino superior.

Segundo Silva (2011), após seis anos da Declaração EPT, como muitas das

metas traçadas não tinham sido alcançadas, a sociedade civil e Organizações

Governamentais (ONGs), professores e agências de desenvolvimento pressionaram

governos e organismos internacionais para que o acordo fosse concretizado. Devido a

necessidade de sua revisão e avaliação, foi programada outra Conferência para

Educação para Todos em Dakar, no ano de 2000.

Mais uma vez, constata-se na Conferência que a educação é um tema de

relevância e caminho para a realização de outros objetivos essenciais para uma vida de

qualidade, sendo o esteio para o desenvolvimento social e econômico de todos os países

(SILVA, 2011). A autora lembra o exposto no art. 6º da Declaração de Dakar:

A educação enquanto um direito humano fundamental é a chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a paz e a estabilidade dentro e entre países e, portanto, um meio indispensável para alcançar a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI. Não se pode mais postergar esforços para atingir as metas de EPT. As necessidades básicas da aprendizagem podem e devem ser alcançadas com urgência. (UNESCO, 2000, art. 6º apud SILVA, 2011).

A Declaração de Dakar reafirma as metas da Declaração Mundial (Jomtien, 1990)

e incentiva o comprometimento dos governos dos países participantes para o alcance

das metas, segundo disposições das declarações, e em cooperação com agências e

instituições regionais e internacionais, como OEI, PNUD, UNFPA, UNICEF e também

com o apoio do Banco Mundial, além da sociedade civil e do setor privado9.

Especificamente para o ensino superior, o principal documento que estabelece as

diretrizes, metas, prioridades, prazos estabelecidos como compromissos a serem

cumpridos pelos Estados participantes foi a Declaração Mundial sobre Educação

Superior no Século XXI: Visão e Ação (1998), realizada em Paris10.

O artigo 1° da Declaração afirma a necessidade de p reservar, reforçar e fomentar

ainda mais as missões fundamentais e os valores da educação superior, em particular a

missão de contribuir para o desenvolvimento sustentável e o aperfeiçoamento da

sociedade como um todo (BERNHEIM; CHAUÍ, 2008, p.16).

9 Bull (1977) apud Krasner (2012) versa que as instituições no regime ajudam a assegurar adesão às regras por meio da formulação, da comunicação, da administração, da imposição, da interpretação, da legitimação e da adaptação das regras – que são prescrições ou proscrições específicas para a ação. 10 Conforme Bernheim e Chauí (2008), as principais orientações da Declaração Mundial (1998) são: (a) Desenvolver uma educação superior acessível igualmente a todos, na base do mérito. (b) Reconfirmar as missões fundamentais dos sistemas nacionais de educação superior (educar, capacitar, realizar pesquisa, contribuir para o desenvolvimento sustentável e para a promoção da sociedade como um todo). (c) Oferecer oportunidades para a educação superior e para a educação permanente. (d) Reforçar a função crítica e prospectiva da educação superior. (e) Oferecer essas atividades com o devido respeito dos padrões éticos. (f) Promover a liberdade acadêmica e a autonomia das instituições de educação superior, mantendo, ao mesmo tempo, sua responsabilidade para com a sociedade. (g) Promover um sistema de educação superior que seja relevante e adaptado às necessidades da sociedade. (h) Fortalecer os laços com o mundo do trabalho e basear sua orientação de longo prazo nos objetivos e necessidades sociais, incluindo o respeito pelas culturas e a proteção ambiental. (i) Promover a contribuição da educação superior ao sistema educacional como um todo. (j) Diversificar os modelos de educação superior e os métodos de formação de estudantes para atender à demanda sem prejudicar a qualidade. (k) Fortalecer a função de pesquisa na educação superior. (l) Promover uma cultura de avaliação. (m) Promover a formação e a experiência do pessoal, de acordo com as Recomendações de 1997 relativas à Condição do Pessoal Docente da Educação Superior. (n) Promover a participação dos estudantes como principais parceiros e participantes responsáveis na renovação da educação superior. (o) Garantir a participação da mulher na educação superior, especialmente no que diz respeito à tomada de decisões. (p) Aproveitar o potencial disponível das novas tecnologias de informação e comunicação para a renovação da educação superior, ampliando e diversificando a circulação e a construção do conhecimento e da informação tendo em vista um público mais amplo. (q) Reafirmar o estatuto de serviço público da educação superior, ainda que em alguns casos a participação do setor privado possa ser necessária. (r) Reafirmar a dimensão internacional da educação superior como elemento inerente à sua essência. (s) Reafirmar a importância da aplicação de normas regionais e internacionais para o reconhecimento de estudos e diplomas. (t) Promover nos participantes um sentido pertencimento a um empreendimento comum processo de formulação de políticas nacionais.

No documento internacional, conforme relata Borges (2011), a educação superior

é compreendida como o nível educacional responsável pelos estudos, pelo treinamento e

pela formação para a pesquisa, oferecido por universidades ou outras instituições de

nível pós-secundário aprovadas pelo Estado. Nessa ótica, a educação superior é

compreendida como o lócus de formação de indivíduos críticos, qualificados e cultos,

contribuindo para o desenvolvimento sustentável de um país (BORGES, 2011).

Ainda que brevemente expostas, as principais diretrizes da Declaração Mundial

EPT de Dakar e a Declaração Mundial sobre Educação no Século XXI se constituem em

documentos internacionais relevantes, os quais vão influenciar a regulamentação e

planejamento da educação, inclusive a superior, no Brasil, desde a década de 1990 até

os dias atuais.

Temas como acesso universal, expansão, qualidade da educação, avaliação,

internacionalização e cooperação internacional, cooperação entre a educação superior e

o setor produtivo fazem parte da agenda do Estado brasileiro, sendo atravessada pelas

tendências globais e impactando a regulamentação do setor educacional no país.

A influência do regime internacional está explícita tanto na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação (LDB n.9394/96)11, que tem como objetivo definir e regularizar o

sistema nacional de educação, bem como no Plano Nacional de Educação (PNE

n.10.172/2001) e a proposta do Plano Nacional de Educação 2011-202012.

O texto da Lei aprovada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em

1996, tendo como Ministro da Educação Paulo Renato Souza, expõe no Artigo 87, § 1º:

11 A primeira LDB foi elaborada no ano de 1961, sendo seguida por uma versão em 1971, a qual vigorou até o ano de 1996, quando então foi elaborada a Lei n.º 9.394, promulgada em 20 de dezembro de 1996. 12 A proposta do PNE 2011 – 2020 do Ministério da Educação continua seguindo a orientação internacional. Inclui entre suas metas a expansão da oferta da educação superior, sobretudo, a pública por meio da ampliação do acesso e permanência na instituição educacional. Em atendimento a Meta 12 constante no PNE (a ser aprovado), que pretende levar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta, o Governo Federal aprovou recentemente no Congresso Nacional, o Projeto de Lei de criação de quatro novas universidades federais, a saber: Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Universidade Federal da Região do Cariri (UFCA), Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOBA) e a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFESBA), vide CÂMARA (2013).

A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos . (BRASIL, 1996).

O texto do PNE 2001, por seu turno, menciona, diretamente, por duas vezes, a

Declaração Mundial de Educação para Todos. A primeira referência afirma que essa é o

mais importante documento internacional de educação daquele século e a segunda

enfatiza a importância da universalização da oferta de uma educação de qualidade e

satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, nos termos da declaração

(BRASIL, 2001).

Demonstrando a influência direta do regime internacional na elaboração da

política para o setor educacional do país, Silva (2011) aponta que:

O PNE se consubstancia num plano de Estado em regime de colaboração, atuando em sua prática os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o qual deve ser desdobrado pelos Estados, Distrito Federal e Municípios em planos decenais correspondentes. Nestes moldes, o documento Plano Nacional de Educação, elaborado conjuntamente pelo Senado Federal e pela UNESCO. (SILVA, 2011, p. 50).

Para se adaptar às orientações internacionais, a LDB n.9394/96 sofre uma série

de reformas visando cumprir os postulados da Declaração Mundial sobre Educação para

Todos. As alterações na principal norma sobre o sistema nacional de educação se

deram, sobretudo, com a finalidade de assegurar o acesso e a permanência de todos na

escola, como demonstram os exemplos: a obrigatoriedade de matrícula; a idade de

ingresso; a duração dos níveis de ensino; os processos nacionais de avaliação do

rendimento escolar; as diretrizes curriculares nacionais; o calendário escolar; as

definições para o aluno com necessidades especiais, entre outros.

Entretanto, conforme comenta Castro (2007), a LDB de 1996 pouco alterou a

educação superior devido, em grande parte, aos fortes e conservadores lobbies ligado ao

setor. Manteve-se o caráter indissociável entre ensino e pesquisa, acrescentando-se

extensão como terceira atividade da universidade.

Quanto às inovações para o ensino superior na referida Lei se destacam o fim da

obrigatoriedade do vestibular como único acesso aos cursos de graduação, embora

continue a ser o mecanismo mais adotado, e a criação dos cursos sequenciais, de

duração mais breve, com menor grau de exigência em sua admissão e sem direito a

diplomas ou ao exercício de profissões reconhecidas.

Experiências alternativas para acesso aos cursos de graduação são o processo

seriado de avaliação, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), criado em 1998 e o

Sistema de Seleção Unificado, criado em 2010 pela Portaria Normativa n.º2 de 26 de

janeiro de 2010.

Para atender aos interesses imediatos do mercado de trabalho e a expansão do

ensino tem-se o Decreto nº 2.208, de 1997, que permite a multiplicação dos cursos de

educação profissional no Brasil.

Referente às orientações de acesso universal, no entendimento de Castro (2007),

durante a tramitação da LDB, não se levantou a questão acerca de ações afirmativas em

favor dos grupos sociais historicamente discriminados, particularmente os

afrodescendestes, os indígenas e os estudantes oriundos de escolas públicas de nível

médio. Segundo o autor, o tema ainda não havia adquirido projeção no país, embora já

fizesse parte de discussões acadêmicas e mobilizasse grupos de defesa dos direitos dos

negros, a partir do estudo das iniciativas tomadas em outros países, principalmente nos

Estados Unidos (CASTRO, 2007, p.14).

Passados mais de quinze anos, a mais recente inovação no que tange ao acesso

nas universidades federais foi regulamentada pela Lei n.º 12.711/12:

Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita. (BRASIL, 2012).

A expansão do setor privado pela oferta de vagas no ensino superior foi

favorecida tanto no governo FHC quanto no governo Lula. Foram flexibilizados os

processos de autorização de funcionamento de novas instituições de ensino particulares

e de novos cursos nos estabelecimentos já existentes. Isso foi possível devido a criação,

em 1999, do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) e, em

2004, do Programa Universidade para Todos (PROUNI). No âmbito do setor público, a

instituição do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais (REUNI), em 2007, também atende à orientação internacional

para o tema de expansão da educação13.

No âmbito do setor público do sistema federal de ensino, o Decreto n. 5.773 de

maio de 2006 regulamenta esse nível de educação ao dispor sobre o exercício das

funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e

cursos superiores. Essa norma acolhe os dispositivos internacionais no que se refere ao

tema qualidade da educação.

Quanto às diretrizes internacionais orientadas para a cooperação internacional e

internacionalização da educação superior, em atendimento às prerrogativas do Plano

Nacional de Educação (2001), tem-se o Projeto de Capacitação das Instituições Federais

de Ensino Superior (IFES), segundo o qual cabe às universidades o desafio de

desenvolver ações de ensino, pesquisa e extensão que contribuam para a superação

desigualdades sociais e regionais, qualidade e cooperação internacional.

Segundo Miura (2006) o conceito de internacionalização vem se

aprimorando nas últimas décadas. Para comprovar sua posição, a autora

compara os estudos de Arum e Van de Water (1997) e Knigt (1994). Os primeiros

propõem uma definição do termo com foco nas atividades: “internacionalização

refere-se às múltiplas atividades, programas e serviços relacionados aos estudos

internacionais, cooperação técnica e intercâmbios educacionais internacionais”

(MIURA, 2006, p. 30). A segunda autora descreve a internacionalização das IES

13 Dados relevantes acerca do crescimento do sistema de ensino superior estão registrados em CASTRO (2007). Nos cursos de graduação, as matrículas aumentaram, entre 1997 e 2005, 129% – de 1,9 milhões para 4,5 milhões. É interessante observar que, nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, o aumento de matrículas superou a média nacional, com os registros de crescimento de, respectivamente, 235%, 172% e 155%. O crescimento de matrículas no País, bem como em todas as regiões, concentrou-se no setor privado, que se expandiu com base em cursos de baixo custo, pouco voltados para a área tecnológica e praticamente dissociados de qualquer atividade de pesquisa. Se, em 1997, os estabelecimentos particulares eram responsáveis por 61% das matrículas de graduação do País, em 2005, respondiam por 73,2% delas. Especificamente na rede federal, as matrículas cresceram 46,4%, elevando-se de cerca de 396 mil estudantes para quase 580 mil. Entretanto, a participação dos alunos de graduação das instituições federais de educação superior no total de matrículas caiu de 20,3% para 13%. O total de estabelecimentos de educação superior cresceu de 900 para 2.165 (aumento de 140,5%). A expansão também foi maior no segmento privado: 180,7% – de 689 estabelecimentos para 1.934. Essa expansão é evidenciada ainda mais pelo crescimento do número de cursos: eram 6.132, em 1997, e 20.407, em 2005 – aumento de 232,8%. Também aqui a predominância é do setor privado, com crescimento de 314% – de 3.434 cursos para 14.216. (CASTRO, 2007, p.11-12).

como um “processo no qual se integra uma dimensão internacional/intercultural

ao ensino, pesquisa e aos serviços de uma instituição” (Knight, 1994 apud Miura,

2006, p. 30). Essa última definição concebe a internacionalização como um

processo dinâmico, indo além das atividades isoladas propostas na perspectiva

dos primeiros autores.

Nessa perspectiva, cabe mencionar o Programa Ciência sem Fronteiras, instituído

pelo Decreto 7.642, de dezembro de 2011. Esse programa busca promover a

consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da

competitividade brasileira por meio do intercâmbio de alunos de graduação e pós-

graduação e da mobilidade internacional. Pretende ainda contribuir para o aumento da

competitividade das empresas brasileiras. O projeto prevê a concessão de até 75 mil

bolsas em quatro anos. Segundo comunicado oficial, a iniciativa é fruto de esforço

conjunto dos Ministérios da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Ministério da Educação

(MEC), por meio de suas respectivas instituições de fomento – CNPq e Capes –, e

Secretarias de Ensino Superior e de Ensino Tecnológico do MEC.

Mesmo recente, não sendo ainda possível uma análise mais profunda, o

programa já é alvo de críticas. Segundo Knobel (2012, p. 20), dentre essas estariam: 1)

as metas muito ambiciosas - enviar 75 mil estudantes brasileiros aos Estados Unidos,

sendo que hoje esse número está em torno 8,8 mil; 2) os recursos públicos brasileiros na

ordem de dois bilhões de dólares em quatro anos – um esforço grande para o envio de

estudantes de graduação (35% das bolsas) e de doutorado (46% das bolsas), ao passo

que o argumento da administração de Barack Obama é que o apoio financeiro para o

aumento de seus estudantes no exterior deve vir de fontes privadas; 3) o financiamento

público do programa criticado pelo governo britânico que recentemente cortou 200

milhões de libras do ensino superior; 4) o caráter unilateral do programa quando deveria

ser um programa real de intercâmbio com reciprocidade das partes e de apoio e incentivo

de estudantes a continuar seus estudos acadêmicos no Brasil; 5) deficiência de

estudantes brasileiros qualificados, principalmente no domínio do idioma inglês para

estudar em universidades de alto nível; e 6) o programa concentrado nas áreas das

ciências da saúde e da vida, e nos campos, principalmente da ciência, tecnologia,

engenharia e matemática e deveria se estender a outras áreas de conhecimento. Enfim,

é preciso uma análise mais detalhada da realidade da educação superior no Brasil e do

setor globalizado da educação superior e entender as metas e prioridades brasileiras na

área para se compreender a problemática.

Referente à questão do domínio de língua estrangeira, foi publicada em dezembro

de 2012 a Portaria do MEC n. 1.466 que institui o Programa Inglês sem Fronteiras (IsF),

ainda em fase de construção. O artigo 1º da portaria descreve o objetivo de propiciar a

formação e capacitação de alunos de graduação das IES para os exames de línguas

como o TOEFL, FCE ou CAE exigidos para ingresso em universidades anglófonas por

meio do programa. Além disso, objetiva-se ampliar a participação e mobilidade

internacional de estudantes e contribuir para o processo de internacionalização das IES e

centros de pesquisa. Operacionalmente, isso se dá por meio do curso de inglês on line de

iniciativa do Ministério da Educação (MEC) e da Coordenação de Pessoal de Nível

Superior (Capes) – My English On line (MEO) destinado a alunos de graduação e pós-

graduação de IES públicas e privadas14.

A Capes, fundação do MEC, como agência governamental de fomento,

desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto

sensu (mestrado e doutorado) e está a frente de vários programas de cooperação

internacional por meio de acordos bilaterais e parcerias universitárias binacionais.

No que tange à cooperação multilateral, a Capes coordenada vários programas

como: Programa Capes/IESALC - Programa Educação Superior na América Latina e

Caribe; Programa Leitorado; Programa de Estudante-Convênio de Pós-Graduação (PEC-

PG); Programa Professor Visitante do Exterior (PVE); Escola de Altos Estudos; Pró-

Mobilidade Internacional (Capes/AULP) - Programas de Graduação, Pesquisa e Pós-

Graduação das universidades integrantes da Associação das Universidades de Língua

Portuguesa (AULP), além de outros no contexto do MERCOSUL.

Por meio do Decreto 6.729 de janeiro de 2010 o Brasil ratifica norma do acordo

internacional do MERCOSUL permitindo que alunos do ensino fundamental e médio do

Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile se matriculem em séries equivalentes

em qualquer desses países, sem prejuízo da continuidade dos estudos15.

14Mais informações disponíveis nos sites: www.isf.mec.gov.br, www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf e www.myenglishonline.com.br. 15Fonte:Comunicação/MEChttp://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11973 ).

Em agosto de 2005 é sancionada a lei Lei nº 11.161, que dispõe sobre o ensino

da língua espanhola no Brasil. Em seu artigo 1º, ela estabelece a obrigatoriedade da

oferta da língua espanhola pelas escolas, a matrícula facultativa para o aluno e a

implantação gradativa nos currículos plenos do ensino médio, num prazo de 5 anos

(ANDRÉS, 2010, p.12).

Quanto à cooperação universitária, o Brasil integra o Setor Educacional do

MERCOSUL e firma, desde 1992, protocolos de intenções que traça Planos Trienais para

a Educação Superior, priorizando três áreas: acreditação de cursos/carreiras; mobilidade

estudantil, sistemas de transferências de créditos e intercâmbio de docentes e

pesquisadores; e cooperação interinstitucional (ANDRÉS, 2010).

Para tanto, existem o Mecanismo Experimental de Credenciamento de Cursos

para Reconhecimento de Títulos de Graduação Universitária nos Países do MERCOSUL

(MEXA) aplicado nos os cursos de Agronomia, Engenharia e Medicina; Programa de

Mobilidade Acadêmica de Cursos Credenciados (MARCA), incluindo quatro novos cursos

a serem credenciados, a saber, Enfermagem, Odontologia, Veterinária e Arquitetura;

Programa de Mobilidade Docente de Curta Duração e o Projeto de Apoio ao Programa de

Mobilidade MERCOSUL/União Europeia.

Em 2005 o Decreto 5.518 promulgou o acordo de Admissão de Títulos e Graus

Universitários para Exercício de Atividades Acadêmicas nos Estados Partes do

MERCOSUL, que não outorga em si o direito ao exercício da profissão nos demais

países.

Assim, o país tem exercido no sistema de ensino superior atividade normativa e

regulatória institucional, ao colocar em prática um conjunto de ações de regulamentação,

regulação, coordenação e controle influenciado pelas diretrizes e orientações do regime

internacional para a educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo procurou demonstrar, a partir da perspectiva da existência do regime

internacional para a educação coordenado pela UNESCO, a influência das diretrizes e

compromissos assumidos pelo país nas Declarações Mundiais na normatização e

regulamentação do sistema de ensino superior brasileiro.

A resistência desse regime pode ser empiricamente observada a partir das

negociações e posterior aprovações, por parte dos Estados-membros, das Declarações

Mundiais resultantes dos eventos.

Com foco na relevância da educação como valor estratégico para o

desenvolvimento social e econômico dos países, as Conferências Mundiais preparadas

pela UNESCO, como a Conferência Internacional de Educação para Todos, realizada na

Tailândia, em 1990, explicitam seus objetivos e metas de expansão, acesso e qualidade,

os quais também foram reafirmados na Declaração de Dakar, em 2000.

A Conferência Mundial sobre o Ensino Superior para o Século XXI, realizada em

Paris no ano de 1998 e a Segunda Conferência Mundial de Educação Superior, também

em Paris, em 2009, corroboram a importância estratégica da educação com ênfase para

a de nível superior. Ambas focam no papel das universidades, comprometidas com o

desenvolvimento econômico, social e humano, e na importância da formação de

professores, da promoção da cooperação entre os países e a defesa do ensino superior

como bem público.

A eficácia do regime internacional para a educação foi comprovada pela

disposição do governo brasileiro em implementar domesticamente as normas

internacionais concordadas.

A LBD (96) e o PNE (2001), por exemplo, trazem clara a perspectiva de estarem

em sintonia com objetivos e metas da Declaração Educação para Todos – EPT.

Os temas de acesso universal e expansão da educação estão contemplados nas

normas brasileiras como no PDE (2007), PROUNI (2004), REUNI (2007), Lei de Cotas

(2012).

A qualidade da educação recomendada internacionalmente está operacionalizada

na legislação nacional como o Decreto 5.773/ 2006 que dispõe sobre a regulação,

supervisão e avaliação dos cursos de ensino superior.

A cooperação universitária e internacionalização das IES são efetivadas por meio

dos programas internacionais e regionais nos quais o Brasil apoia e financia, como o

Programa Ciência sem Fronteiras e MARCA do MERCOSUL.

Frente ao desafio de uma nova visão de educação superior, processo em

construção desde 1990, comprovou-se que o Brasil, buscando atender às demandas

nacionais, também contempla as recomendações internacionais para a educação na

elaboração das normas para estruturação do sistema de ensino superior.

Essa tendência está fundamentada na igualdade de acesso, na facilitação do

acesso de grupos menos favorecidos, no desenvolvimento da pesquisa de longo prazo e

com um maior equilíbrio entre pesquisa fundamental e aplicada; na cooperação com o

mundo do trabalho e outros setores sociais, diversificação da educação superior como

alternativa para ampliar o acesso de grupos excluídos, na cooperação internacional.

Enfim, para ratificar a educação como elemento estratégico para desenvolvimento

econômico, político e social do país, também é preciso uma percepção mais crítica e

reflexiva das prioridades, objetivos e metas da educação superior, precipuamente diante

da crescente influência internacional na área da educação.

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