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INDÚSTRIA CULTURAL: ASPECTOS RELACIONADOS A GÊNERO E SEXUALIDADE Cássia Cristina Furlan UEM Márcio de Oliveira UNESPAR/UEM Eliane Rose Maio UEM RESUMO Este trabalho tem como objetivo analisar a influência da indústria cultural no que se refere à banalização da sexualidade e à introjeção das identidades e papéis de gênero na formação dos sujeitos na sociedade capitalista. O referencial teórico adotado são os estudos da Escola de Frankfurt, sobretudo, de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer sobre a produção cultural na sociedade industrial, para refletir questões sobre gêneros e sexualidades na contemporaneidade. Deste modo, a partir do conceito de indústria cultural no contexto da moderna sociedade de massa, buscam-se elementos para maior compreensão desta temática, com enfoque nas propagandas que em grande medida determinam o consumo. A partir da análise de algumas propagandas, pode-se perceber que os corpos femininos são apresentados como mercadoria juntamente com o produto que promovem. Assim, participam nessa lógica mercantil como se estivessem à venda, numa incorporação não-crítica dos produtos e serviços produzidos pela indústria cultural. Palavras-chave: Indústria cultural; Gênero; Sexualidade; Consumo. INTRODUÇÃO O trabalho em questão está pautado no referencial teórico da Escola de Frankfurt - que busca fazer a crítica aos mecanismos culturais pelos quais as lógicas

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INDÚSTRIA CULTURAL: ASPECTOS RELACIONADOS A GÊNERO E

SEXUALIDADE

Cássia Cristina Furlan

UEM

Márcio de Oliveira

UNESPAR/UEM

Eliane Rose Maio

UEM

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a influência da indústria cultural no que se refere à banalização da sexualidade e à introjeção das identidades e papéis de gênero na formação dos sujeitos na sociedade capitalista. O referencial teórico adotado são os estudos da Escola de Frankfurt, sobretudo, de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer sobre a produção cultural na sociedade industrial, para refletir questões sobre gêneros e sexualidades na contemporaneidade. Deste modo, a partir do conceito de indústria cultural no contexto da moderna sociedade de massa, buscam-se elementos para maior compreensão desta temática, com enfoque nas propagandas que em grande medida determinam o consumo. A partir da análise de algumas propagandas, pode-se perceber que os corpos femininos são apresentados como mercadoria juntamente com o produto que promovem. Assim, participam nessa lógica mercantil como se estivessem à venda, numa incorporação não-crítica dos produtos e serviços produzidos pela indústria cultural. Palavras-chave: Indústria cultural; Gênero; Sexualidade; Consumo.

INTRODUÇÃO

O trabalho em questão está pautado no referencial teórico da Escola de

Frankfurt - que busca fazer a crítica aos mecanismos culturais pelos quais as lógicas

Page 2: INDÚSTRIA CULTURAL: ASPECTOS RELACIONADOS A … · mercantis se reproduzem-, apoiado, sobretudo, em Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, para refletir questões da produção cultural

mercantis se reproduzem-, apoiado, sobretudo, em Theodor W. Adorno e Max

Horkheimer, para refletir questões da produção cultural na sociedade industrial.

Esta pesquisa visa analisar a influência das propagandas no que se refere à

banalização da sexualidade e à introjeção das identidades e papéis de gênero na

formação dos sujeitos na sociedade capitalista. Assim, procura-se identificar o que

esses produtos culturais contêm de comprometimento formativo em relação aos

gêneros e sexualidades, que induz ao consumo e à falta de reflexão sobre as

relações sociais capitalistas.

Pode-se dizer que a indústria cultural formula produtos a serem adaptados ao

consumo das massas e que em grande medida o determinam. Nesse sentido,

tomamos como mote da discussão as propagandas que, analisadas, vão abordar a

produção da indústria cultural voltadas para a banalização da sexualidade, enquanto

elemento de manipulação das sensações humanas como padrão, elemento de

controle, e também, a ideologia passada por essas propagandas na construção das

identidades de gênero e papéis de gênero. Tais ideologias norteiam uma formação

que implica na deformação da identidade, revelando processos identificatórios

alimentadores da passividade, reproduzindo relações sociais estereotipadas por um

padrão sexista, heterossexual e cristão1.

A mensagem proposta por essas propagandas aparece muitas vezes como

indução, havendo uma estratégia bem articulada para a manutenção do caráter

pragmático, em que o sujeito influenciado por essa cultura que prima pelo

comprometimento ideológico, desloca a possibilidade de existir como sujeito, ou

seja, falta-lhe consciência do seu momento histórico. As relações influenciadas por

essa cultura passada pelas propagandas massificam-se para manter um eixo de

dominação, sustentando uma organização social manipulada e manipulativa, na

qual, por meio da naturalização do poder, cria-se uma subjetividade entorpecida e,

assim, o sujeito apenas vive a produção dessas relações sociais. Porém, é preciso

sair da vivência para o nível da experiência da realidade circundante, pois,

permanecendo no nível da vivência, o sujeito reproduz as relações dadas por essa

indústria cultural, sem conseguir fazer a crítica, tornando-se uma peça dessa

1 Essa padronização é bem detalhada no trabalho de Furlani (2009).

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sociedade administrada, naturalizando os processos alienantes, numa incorporação

desses esquemas ideológicos.

Este trabalho divide-se em três principais etapas: em um primeiro momento

discorrerá acerca do conceito de indústria cultural; em um segundo momento, a

discussão versará sobre as identidades culturais, bem como suas relações com as

questões de gênero e sexualidade nas propagandas; por fim, serão apresentadas

algumas considerações a fim de propiciar problematizações acerca do debate por

ora apresentado.

CONCEITUANDO A INDÚSTRIA CULTURAL

As propagandas atuam como elemento de identificação. Assim há a

incorporação de representações que criam a existência como assimilação ao modelo

apregoado, havendo a imposição de valores estereotipados. Pela estética, se

manipula uma vida falsa, de estereotipia. A indústria cultural administra o mundo

social e utiliza-se da dominação técnica para conter a consciência das massas.

O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma (HOKHEIMER; ADORNO, 1985, p.114).

Como afirmam os autores, “[...] o mundo inteiro é forçado a passar pela

indústria cultural” (HOKHEIMER; ADORNO, 1985, p.118). O termo indústria cultural

foi empregado pela primeira vez no livro Dialética do esclarecimento, que

Horkheimer e Adorno publicaram em 1947, em Amsterdã. Nesse livro, os autores

explicam que o termo cultura de massa foi substituído por indústria cultural para

excluir as interpretações que abordavam essa cultura como surgida

espontaneamente das próprias massas, ou seja, da arte popular, demonstrando

assim, que a indústria cultural se distingue radicalmente dessa explicação

(ADORNO, 1978). Nas palavras dos autores,

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Sob o poder do monopólio toda cultura de massa é idêntica, e seu esqueleto, a ossatura fabricada por aqueles, começa a se delinear. [...] A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto a necessidade social de seus produtos (HORKHEIMEIR; ADORNO, 1985, p.114).

A lógica capitalista, longe de abolir a circulação de produtos como

mercadoria, é determinante do processo de reprodução que lhe confere o máximo

alcance como domínio privilegiado da ideologia. Assim, essa ideologia é um

processo responsável pela formação da consciência social, e sua eficácia reside na

capacidade para vedar o acesso aos resultados da atividade social como produtos,

mediante o bloqueio da reflexão sobre o modo como foram produzidos, tendo assim,

o seu “momento de verdade” (COHN, 1986).

[...] a ideologia não é algo que se impõe de fora a sujeitos passivos, mas sempre envolve uma secreta cumplicidade, sempre demanda um investimento de energia daqueles que a sustentam [...] Enfim, a ideologia faz mais do que submeter ou iludir os homens: ela os põe a seu serviço, demanda deles um esforço [...] mas nem por isso passivo (COHN, 1986, p.16).

Dessa forma o autor continua expondo que,

[...] a ideologia, além de ser um processo formador da consciência e não apenas instalado nela, opera no nível inconsciente, no sentido forte do termo: ela não apenas oculta dados da realidade, mas os reprime, deixando-os sempre prontos a retornar à consciência, ainda que de novo sob formas ideológicas. Nessas condições, o desenvolvimento da consciência pelo contato reflexivo com a realidade é um processo doloroso, como o é a própria civilização na concepção freudiana. Trata-se de um processo difícil de ser suportado por pessoas cuja estrutura da personalidade foi moldada para reproduzir a heteronomia e para fugir do esforço de defrontar-se com a diferença e o novo (COHN, 1986, p.17).

A lógica da indústria cultural é coerente em si mesma, e a cultura que ela

produz confere a tudo um ar de semelhança. Há nessa indústria a disseminação de

bens padronizados que vão satisfazer as necessidades iguais de milhões de

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pessoas que aderem a essas imposições sem a percepção crítica. E esse público e

suas atitudes fazem parte do sistema da indústria cultural (HORKHEIMEIR;

ADORNO, 1985). Os mesmos autores ainda enfatizam que

Para todos algo está previsto; para que ninguém escape, as distinções são acentuadas e difundidas. [...] Reduzidos a um simples material estatístico, os consumidores são distribuídos nos mapas dos institutos de pesquisa (que não se distinguem mais dos de propaganda) em grupos de rendimentos assinalados por zonas vermelhas, verdes e azuis (HORKHEIMEIR; ADORNO, 1985, p.116).

Assim, afirmam os autores, a sociedade permanece irracional apesar de toda

a racionalização. Há um processo de identificação com uma realidade imposta, na

qual os produtos da indústria cultural vão ser consumidos até mesmo pelos

distraídos, cada qual é um modelo da maquinaria econômica produzida por essa

indústria. “Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz as

pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo” (HORKHEIMEIR; ADORNO,

1985, p.119). No entendimento de Silva (2006, s/p):

A racionalidade desse discurso é, em termos sintéticos, a seguinte: de um lado, as peças são criadas mediante a acentuação tanto descritiva quanto ideológica do produto visto como coisas necessárias – quaisquer que sejam – e pela manutenção ou realce de suas características e funções sociais e pessoais; mas, de outro, e vis-à-vis com esta última, está presente o artifício de qualificar relações emocionais acerca de seu valor de uso, vinculando-o, direta e acintosamente, a uma rede de significados “identitários” entre aquelas características e o padrão de sujeito-consumidor almejado. Em outras palavras, todo e qualquer produto aparece cada vez mais dotado de “personalidade”; ele comunica o que o consumidor é – ou melhor, o que será – ao comprá-lo. Sujeitos como coisas.

Nesse contexto, essa racionalidade irracional adestra o consumidor,

identificando-o imediatamente com o produto a ser consumido. Há uma velocidade

em que os fatos desfilam pelos olhos que a atividade intelectual e crítica do sujeito é

quase nula, representa-se “[...] um sistema da não-cultura, à qual se pode conceber

até mesmo uma certa ‘unidade de estilo’, se é que ainda tem sentido falar em

barbárie estilizada” (HORKHEIMEIR; ADORNO, 1985, p.121). Adorno (1978, p. 93)

ainda enfatiza que

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[...] a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado da consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais ela se dirige, as massas não são, então, o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo; acessório da maquinaria. O consumidor [...] não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto.

A indústria cultural reproduz sempre o mesmo, excluindo o novo. É uma

indústria da diversão, na qual sua ideologia é o negócio.

O espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação: não por sua estrutura temática – que desmorona na medida em que exige o pensamento – mas através de sinais. Toda ligação lógica que pressuponha um esforço intelectual é escrupulosamente evitada (HORKHEIMEIR; ADORNO, 1985, p.128).

Expondo o objeto do desejo, a indústria cultural apenas excita o prazer,

apresentando a satisfação como uma promessa rompida. Ela só se interessa pelos

homens, como afirma Horkheimeir e Adorno (1985), como clientes ou empregados.

“[...] o pão com que a indústria cultural alimenta os homens continua a ser a pedra

da estereotipia” (HORKHEIMEIR; ADORNO, 1985, p.139). Assim, o sujeito

pensante, inimigo desta já está derrotado. A cultura industrializada transmitida

contribui para domar os sujeitos, levando-os a uma condição de “fantoches” dessa

cultura. “As particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente

condicionadas, que se fazem passar por algo de natural” (HORKHEIMEIR;

ADORNO, 1985, p.145).

Essa moderna sociedade de massa visa ao lucro, pois está comprometida

com a lógica mercantil e com o processo de dominação. Na sociedade do consumo,

os sujeitos passam a investir em produtos supérfluos, incitados por uma massiva

internalização dos pressupostos da indústria cultural. Essa indústria surge com a

consolidação da classe burguesa, tendo como finalidade reforçá-la. Assim, como

afirma Nardi (2004), ao invés de proporcionar elementos formativos, experiências

sensíveis, sensibilizar e trazer elementos para a construção da emancipação do

sujeito, essa cultura acaba educando os sentidos humanos para a submissão à

lógica capitalista, embrutecendo as relações humanas com finalidades servis.

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Sendo assim, os produtos culturais produzidos pela indústria cultural são

relacionados aos interesses do capital na acumulação de riquezas e lucros e à

manutenção da ordem social burguesa, por meio da veiculação de ideologias e

mercadorias voltadas para o consumo e para a adaptação social (ARRUDA, 2011).

Para Fabiano (2003), a relação estabelecida com os produtos da indústria

cultural é de consumo imediato, ou seja, os produtos culturais têm como finalidade

atender aos interesses mercantis. Eles comprometem a autonomia social, pois

levam à perda da capacidade de reflexão, e o cliente passa a consumir mercadoria e

tornar-se mercadoria, criando um consentimento total e não crítico. “[...] o sistema da

indústria cultural reorienta as massas, não permite quase a evasão e impõe sem

cessar os esquemas de seu comportamento. [...] por que as massas não veem e

aceitam de há muito o mundo tal como ele lhes é preparado pela indústria cultural”

(ADORNO, 1978, p.98).

Nesse sentido, a dominação técnica, como efeito conjunto da indústria

cultural, se transforma no engodo das massas, impedindo a formação de indivíduos

autônomos, capazes de julgar e decidir conscientemente (ADORNO, 1978).

A indústria cultural é cultura ou indústria? Nem cultura: porque subordinada à lógica de circulação de mercadorias e não à sua própria – nem indústria: porque tem mais a ver com a circulação do que com produção. Isolar um ou outro pólo é consagrar a ideologia. Tratá-los conjuntamente é mostrar no que constituem ideologia – na incapacidade de desenvolver-se, de realizar plenamente seja sua condição de cultura, a cultura subordina-se à industria, não na sua expressão mais moderna, mas no seu significado mais arcaico: a indústria como ardie, como engodo (COHN, 1986, p.19).

Assim, a produção cultural é um mero entretenimento utilitário. A partir dessa

lógica, tudo é condicionado à economia, e o consumidor torna-se a ideologia da

indústria da diversão. O poder econômico é a própria racionalidade técnica numa

sociedade alienada. A cultura passada por essa indústria é retratada pelos valores

econômicos sustentados pela publicidade, sendo seu elixir da vida.

IDENTIDADES CULTURAIS, GÊNEROS E SEXUALIDADES NAS

PROPAGANDAS

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Ao falar em identidade, é preciso considerar a compreensão da fragmentação

das relações sociais permeadas pelo consumismo, o qual fragmenta também a

subjetividade humana, produzindo discursividades que envolvem o indivíduo numa

rede de estereótipos tão convincentes, que “[...] a imagem que ele faz de si mesmo

se confunde com esse jogo de espelhos ideológicos, no qual a sua identidade é

estilhaçada e re-orientada por tais inculcações consumistas” (FABIANO,

PALANGANA, 2011, p.2).

Como dito anteriormente, a publicidade é o elixir da vida da indústria cultural.

Há nessa indústria a introjeção de noções de gênero e sexualidade que criam uma

falsa experiência social. Por meio dessa estereotipia, há a reprodução dos

interesses econômicos do capital e, assim, a própria reflexão sobre gênero e

sexualidade não se coloca na propaganda.

No conceito de comunicação presente no anúncio publicitário, percebe-se a

valorização da sensualidade da mulher, objetificada no produto posto à venda. A

propaganda é uma produtora cultural, ela cria um jogo de significação dos produtos,

tudo dentro de uma lógica mercantil, correspondendo a uma situação social que vem

ganhando espaço nesse mercado. Os anúncios publicitários estabelecem um

significado trabalhando com as sensações e as emoções, constituindo relações

identitárias entre os produtos e os sujeitos-consumidores (SILVA, 2006).

O uso de frases de impacto, mulheres de biquíni e seios fartos, sorriso

estereotipado, dentre outras, mostram modelos repetitivos criados pela publicidade

para cunhar essas relações identitárias culturais entre produto e sujeitos

consumidores.

Há na indústria cultural a transmissão de valores na vida social, quando se

trata, por exemplo, da noção de mulher representada nas publicidades. Essas

publicidades trazem consigo um nível de estereotipia que induzem os sujeitos para

um consumismo cunhado na mercantilização da imagem feminina. Esse processo

produz a fetichização de uma cultura estereotipada, enraizando no sujeito valores

sociais e históricos que legitimam a opressão.

Nessa perspectiva, a publicidade reforça a concepção de mulher como

mercadoria. Por exemplo, nas propagandas de cerveja, há um significante de prazer

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implícito no produto e na mulher que o apresenta, e esse significante se desloca

para o significado econômico, colocando a mulher como um objeto, tanto quanto a

cerveja, destacando-lhe a sexualidade como objeto de prazer e consumo. E essa

visão proposta pelas propagandas reforça e legitima a forma estereotipada de

perceber os gêneros e sexualidades.

Figura 1: As propagandas atuais e antigas de cerveja.

Observando as figuras, percebemos que tanto as propagandas atuais como

as antigas direcionam a sensação do consumidor para o prazer, retratando a mulher

como parte da mercadoria à venda. Essa noção abordada cria a impressão de que

ao comprar a cerveja o consumidor terá esse prazer, objetificado na figura da

mulher, transferindo-se, assim, o atrativo sexual para o valor econômico.

Desse modo, essas publicidades introjetam valores consumistas que se

atrelam à lógica mercantil do sistema como um todo, mantendo a lógica da

dominação. Ao visualizar o objeto de prazer (mulher) atrelado à cerveja (consumo),

a lógica do capital permeia as relações sociais incorporando uma busca compulsiva

pelos objetos de prazer. Há um (ab)uso da imagem da mulher pela publicidade de

cervejas.

A imagem da femme fatale não só permanece até hoje como predomina nas propagandas, adicionada de uma problemática. A Tentadora/Prostituta atual apresenta um padrão de beleza exigente: o corpo precisa ser magro, musculoso e cada vez mais à mostra. Além disso, multiplicam-se os anúncios de alimentos light, clínicas de

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beleza e profissionais de cirurgia plástica, que proclamam a perfeição estética como uma necessidade. “Há a banalização da imagem feminina. Em anúncios de cerveja, por exemplo, a contextualização do produto em torno da mulher acaba se tornando absolutamente sem contexto”, analisa a professora Scarleth (LOPES, 2001, s/p).

Essa incorporação naturaliza o consumismo, ou seja, pela lógica mercantil

naturaliza-se a dominação social. Essa introjeção de valores compromete a

construção das identidades, ficando explícitas nessas propagandas os mecanismos

de poder utilizados em torno da construção de um corpo padronizado.

Sabemos hoje que as identidades culturais não são rígidas nem, muitos menos, imutáveis. São resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação. Mesmo as identidades aparentemente sólidas, como a de mulher, homem, país africano, país latino-americano ou país europeu, escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de configurações hermenêuticas que de época para época dão corpo e vida a tais identidades. Identidades são, pois, identificações em curso (SANTOS, 1999, p.119).

As antigas publicidades apresentavam a mulher predominantemente como

dona de casa, cuidadora dos filhos, da casa e da família. Já as novas, que utilizam

da mulher como personagem, a representam como objeto sexual, seja nas

propagandas de cerveja, de perfumes, roupas, etc. Ou, quando não são objetos,

muitas dessas propagandas continuam reproduzindo o papel de mulher responsável

pelos cuidados do lar, alimentação, dentre outras funções estabelecidas socialmente

para ela.

Essa situação é discutida, porém com o viés relacionado à Educação, por

Peixoto e Oliveira (2016, p. 51) quando enfatizam que “[...] a sociedade ocidental

ainda não é igualitária em relação à formação de gênero. Esta sociedade ainda

exclui as diferenças e faz com que a discriminação perpasse vários discursos”,

incluindo os discursos contidos nas propagandas. Ainda nas palavras dos autores:

“[...] meninos e meninas vivenciam situações de provação e desqualificação de um

gênero em detrimento de outro, além de perpassarem por situações de binarismos

em sua formação” (PEIXOTO, OLIVEIRA, 2016, p. 51).

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Há uma generalização da figura feminina nas propagandas, mostrando-as

insistentemente como seres deslocados, insatisfeitos e em constante busca da

autoafirmação. A deturpação da imagem da mulher na publicidade, como já foi

abordado anteriormente, é facilmente observável nos comerciais de cerveja.

Comerciais como esses entram na mente da sociedade, transformando em

“verdade” aquilo que subjetivamente afirmam: mulher é simples objeto sexual,

facilmente comprável e manipulável. As cervejas não foram as únicas a contribuir

para isso. Até mesmo propagandas direcionadas às mulheres, as de absorventes,

por exemplo, conseguiram realçar a questão das desigualdades de gêneros.

Nos anúncios publicitários, há uma relação entre a representação do espaço

social da vida cotidiana e papéis de gênero. Muitos desses anúncios atingem as

pessoas como uma representação a ser seguida, propondo normas, induzindo os

papéis de gênero. Um exemplo disso pode ser visualizado em uma propaganda

antiga de marca de gravata, mas que ainda hoje tem uma representação

significativa. Nessa publicidade podemos verificar como a mulher, no espaço

doméstico é subserviente ao homem. Há a proeminência do papel masculino sobre

o feminino, definindo um sistema patriarcal, concorrendo para a reprodução de um

consenso social acerca da dominação masculina (fig. 2). E, em seguida, uma

propaganda atual, novamente colocando a mulher como objeto sexual a ser

consumido junto com o produto.

Figura 2: propaganda de gravata

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1ª) Mostre a ela que o mundo é dos homens. 2ª) Uma gravata pode fazer toda a diferença...

No setor da indústria de eletrodomésticos, a promoção do consumo e uso de

produtos industrializados através de comunicação de massa exploram estereótipos

sociais, como “isto é coisa para mulheres” (fig. 3). As produções na mídia

contemporânea são constituídas na tensão entre informação, publicidade e

entretenimento, atravessadas por práticas socioculturais colonizadas pelo discurso

publicitário, muitas vezes um discurso de estereotipia. A propaganda da Brastemp

(fig. 4) é um exemplo de mercadorização da marca, por meio da imagem da mulher,

ainda representando suas “funções” domésticas.

Figura 3: O chefe faz tudo, menos cozinhar. É para isso que servem as esposas.

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Figura 4: Quem disse que beleza e trabalho não andam juntos? Nova Brastemp Twist, a lavadora que

é igual a você: bonita e moderna.

Lopes (2011) afirma que certos tipos de publicidade reforçam o papel da

mulher como “embelezadora de ambientes”, menosprezando suas habilidades

intelectuais, insinuando que devem alterar seus corpos para terem realização

pessoal.

Os personagens portam valores dos produtos nos anúncios, numa relação

implícita, ou seja, transmitem valores, posicionam as marcas, ligando-as à ideologia

correspondente, personalizado de acordo com as expectativas do público desejado.

O produto é construído e representado segundo os modelos humanos idealizados

socialmente num período e num lugar determinados (GARBOGGINI, 2005).

[...] o segredo da sublimação estética: apresentar a satisfação como uma promessa rompida. A indústria cultural não sublima, mas reprime. Expondo repetidamente o objeto do desejo, o busto no suéter e o torso nu do herói esportivo, ela apena excita o prazer preliminar não sublimado que o hábito da renúncia há muito mutilou e reduziu ao masoquismo. Não há nenhuma situação erótica que não junte à alusão e à excitação a indicação precisa de que jamais se deve chegar a esse ponto (HORKHEIMEIR; ADORNO, 1985, p.131).

A indústria do divertimento cria espetáculos, proporcionando uma indústria do

erotismo, sem a possibilidade de resistência. Ou seja, o indivíduo é um mero

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exemplar, absolutamente substituível. Além disso, a promessa da equivalência do

prazer entre o consumo do produto e o prazer erótico jamais se concretiza. Não há

uma abordagem crítica acerca dos mecanismos utilizados pela indústria cultural

impostos a serviço do consumismo. Esses mecanismos exploram a imagem da

mulher e acabam por construir uma identidade feminina voltada ao mercado, ou

seja, o corpo da mulher é exposto como mercadoria.

Figura 5: Propaganda da bebida Campari e marca Dolce & Gabbana.

Nas duas publicidades apresentadas acima, notamos claramente essa noção

de mulher como objeto de consumo, influenciadora de desejos vinculados a uma

marca de bebida, de roupa, perfume, dentre outros. Mesmo que essas propagandas

possam causar reações negativas às vinculações propostas, elas produzem

sensações que determinam relações de dependências no consumidor, causando

uma “necessidade” de consumo. Assim, o sujeito se torna refém dessa indústria

produtora de uma cultura mercantil, sem possibilidades reflexivas, reproduzindo uma

noção estereotipada, a qual transforma a mulher, como podemos verificar, em um

objeto sexual “consumido” por vontade própria (Campari) ou à força (Dolce &

Gabbana).

As linguagens icônicas do corpo, como os códigos de indumentária, os

códigos de postura corporal, gestos, enfim, toda uma linguagem corporal, compõem

as figuras usadas nos anúncios publicitários para determinar as diferenças entre os

gêneros (GARBOGGINI, 2005).

Assim, como afirma Bandeira e Zanolla (2007, p.5), o

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[...] sujeito tem se afastado cada vez mais da reflexão de sua cultura, reduzindo sua formação a uma Semiformação e sua individualidade a uma Pseudo-individuação. A mediação do sujeito com os padrões estéticos impostos pela indústria cultural corrobora com a redução das experiências formativas e com a legitimação dos ditames da lógica do capital que subjuga o indivíduo a uma lógica cega, irracional e letárgica.

As pessoas são guiadas por normatizações e padronizações para a

manutenção de um perfil homogêneo, visando à construção da identidade de

indivíduos, facilitando o exercício do poder.

Ocorre, então, um duplo movimento: o sujeito se reduz ao corpo e a consumidor, e o próprio corpo se transforma em objeto de consumo, de modo que, no limite, o sujeito se torna objeto. O sujeito é, então este estranho elemento: corpo-que-consome-corpo (GHIRALDELLI JR, 2002, p. 37).

O corpo da mulher é cada vez mais visto como sensual e objeto desejado que

gera prazer. As propagandas que o utilizam como instrumento de divulgação de

seus produtos empregam um padrão de mulher esbelta, bonita, sexualmente

atraente, transpondo essa noção de corpo não somente para os homens que irão

“consumir” o produto, como no caso das cervejas - almejando o corpo feminino -,

mas, também para as mulheres, exercendo uma padronização do comportamento

social, cultural e sexual feminino na sociedade comtemporânea veiculada pela

ideologia consumista, como uma forma de a produção capitalista manter sua

hegemonia econômica e cultural. Assim, essa publicidade ocasiona uma guerra

contra o corpo, exercendo um autocontrole das vontades: é preciso mudar, modelar

e disciplinar o corpo (FRANÇA, 2007; ALBINO, 2011). Albino (2011, p. 08) ainda

ressalta que

A ênfase no esclarecimento, a realização de promessas que não se cumprem, e o apelo à novidade, são mecanismos da indústria cultural que norteiam o controle e domínio dos corpos no tempo presente. A velha disciplina cada vez mais cede espaço para esse novo modo de dominação do indivíduo que se realiza pela difusão de pretensas possibilidades, ainda que o poder disciplinar não deixe de existir e complementar esse mecanismo de controle das condutas.

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A indústria cultural se articula nesse contexto, produzindo a ideia de uma

corpo belo, (de)formando a subjetividade humana. É preciso ter um corpo belo para

se adequar aos padrões impostos pelas propagandas. O corpo passa a ser fomento

do consumo, pensado como uma mercadoria a ser consumida, na qual o homem,

compactuando com essa lógica, se torna objeto e se coisifica. A publicidade

apresenta-se, assim, como um instrumento de indução ao consumo dos mais

variados produtos, criando necessidades supérfluas, direcionando os sujeitos

consumidores para padrões de corpos socialmente impostos (BANDEIRA;

ZANOLLA, 2007).

As mulheres, em diferentes épocas e através de diferentes discursos, foram

se re-significando. Ao longo da história, a mulher teve diferentes papéis, passando

de conotações depreciativas, até um mundo moderno que parece dar vez e voz a

ela. Porém, esses discursos, vestidos em novas roupagens, permanecem

mascarando ideologias tradicionais e machistas sobre o papel feminino na

sociedade. Interessante ressaltar o que enfatiza Louro (2001, p. 09) quando escreve

que “[...] as muitas formas de fazer-se mulher ou homem [...] são sempre sugeridas,

anunciadas, promovidas socialmente”. Isso contribui para pensar nessas diferentes

possibilidades de papéis, que tem se modificado ao longo do tempo, e que muitas

vezes são anunciadas, mas, em outras vezes são “[...] reguladas, condenadas ou

negadas” (LOURO, 2001, p. 09).

Nesse cenário da indústria cultural, os recursos utilizados na venda são os

mais variados. A figura feminina é facilmente observável em promoções de

diferentes produtos como cerveja ou carros. Este fenômeno é denominado por

Faiclough (1992 apud OLIVEIRA, 2011) como comodificação. Pela comodificação, a

mulher assume o lugar de produto, ela é o produto.

Os desejos incitados por essa propaganda são usados como dispositivos que

correspondem aos esquemas utilizados pela indústria cultural. Diferentes

mecanismos midiáticos interferem na concepção de corpo, gênero e sexualidade

estereotipados. Assim, como afirmam Delconti e Fabiano (2011, p.8), “[...] com o

nível cultural cada vez mais empobrecido o poder capitalista cria o sujeito ideológico

de que necessita para manter seus interesses econômicos”.

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Como apontado pelos autores, nas imagens apresentadas pelas publicidades

há um forte apelo erótico, onde mulheres e homens posam de forma sensual com

seus corpos belos e atraentes (apresentando um padrão corporal adequado a ser

seguido). Assim,

[...] a modelo X apresenta o xampu que promete deixar a consumidora tão bela quanto ela. O desodorante Y trará ao consumidor a atração de inúmeras mulheres. A compra do carro trará o poder do herói do seriado americano de sucesso. A propaganda não se restringe a apontar os benefícios de determinado produto, mas associá-lo a uma forma de poder e status incorporando artificialmente valores simbólicos imaginários a esses produtos. O desejo erótico incitado no consumidor poderá ser satisfeito com a compra do produto anunciado. Ao comprar o produto X, por exemplo, existe a ilusão da aquisição do corpo escultural que anuncia tal produto (DELCONTI; FABIANO, 2011, p.11-12).

E, essas publicidades têm grande força, pois o impacto de suas mensagens

na mente dos consumidores faz com que estes queiram aderir voluntariamente aos

seus apelos. Ou seja, ao mesmo tempo em que procuram vender seus produtos,

determinam valores idealizados atribuídos ao corpo e às práticas corporais

(DELCONTI; FABIANO, 2011).

Nessa perspectiva, na concepção adorniana, há uma semicultura que não

possibilita uma formação consistente culturalmente, descaracterizando uma

formação cultural que possibilite o pensamento reflexivo e possibilidades de práticas

sociais emancipatórias.

[...] a mídia é uma esfera social poderosa na construção dos sentidos simbólicos – ou seja, a mídia é uma tecnologia de gênero, nos termos de Teresa de Lauretis. Os bens culturais industrializados e distribuídos pela mídia eletrônica tem a capacidade de produzir certas construções simbólicas, apropriando-se de elementos que já circulam na cultura que produz tais bens, mas os reforçam e ‘normalizam’, constituindo um discurso hegemônico sobre o gênero. Os produtores dessa indústria pesquisam e buscam elementos culturais que imaginam ser aceitos ou até consensuais no seu público, e se utilizam dessas imagens que consideram parte da cultura dos públicos-alvo que visam atingir, mas ao fazer isso selecionam e reforçam determinados tipos de construção (ALMEIDA, 2007, p.178).

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Desse modo, a indústria cultural concorre para normatizar e reforçar

preconceitos e discriminações presentes na sociedade por meio da cultura que

transmite. As mulheres são vista, muitas vezes, como objetos sexuais ou como

limitadas ao ambiente doméstico, preocupadas com os cuidados do lar e da família.

Podemos considerar que, sem sombra de dúvidas, a publicidade reflete e reforça as

tendências comportamentais da sociedade à qual se destina.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Diante do exposto, percebemos a construção de um discurso que produz

sentidos e representações sobre o gênero feminino, através de construções

simbólicas, que são produzidas pela indústria cultural. E esta possui formas de

controle da interpretação, das formas de dizer e não dizer, historicamente

determinadas.

Essa indústria possui modos de conceber o poder pautados nos anseios

capitalistas. Assim, há a incorporação de uma atribuição mercadológica, instituída e

afirmada constantemente com relação ao produto corpo feminino representado na

indústria cultural. O consumidor migra de sujeito para objeto, numa incorporação

não-crítica dos produtos e serviços produzidos e apresentados a ele.

A indústria cultural detém grande poder de influência sobre a criação,

manutenção e difusão dos modelos comportamentais e, nesse sentido, possui

caráter apelativo marcante, seduzindo e interferindo diretamente nos valores

culturais, utilizando-se de constantes estratégias mercadológicas para reafirmar os

discursos que produz.

As representações femininas são apresentadas juntamente com os produtos,

como se o corpo exposto estivesse à venda, tornando-se, nessa lógica mercantil,

mercadoria, juntamente com o produto que promove. Feldmann (2009) afirma que a

verdadeira abordagem sobre a mulher, quando não é superficial, é mínima se

comparada a outras tantas relacionadas ao consumo, o que justifica, nas palavras

de Del Priori (2003), a condenação das mulheres a ser apenas um corpo, o seu

corpo.

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ABSTRACT

This work aims to analyze the influence of the cultural industry on the banalization of sexuality and the introjections of gender identities and roles in the training of subjects in capitalist society. The theoretical reference adopted is the studies of the Frankfurt School, especially, of Theodor W. Adorno and Max Horkheimer on cultural production in industrial society, to reflect questions about genres and sexualities in contemporary times. Thus, from the concept of cultural industry in the context of modern mass society, we seek elements for a better understanding of this theme, focusing on advertisements that largely determine consumption. From the analysis of some advertisements, one can see that the female bodies are presented as merchandise together with the product they promote. Thus, they participate in this mercantile logic as if they were for sale, in a non-critical incorporation of the products and services produced by the cultural industry.

Keywords: Cultural industry; Gender; Sexuality; Consumption.