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Informativo 850-STF (19/12/2016) Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL SUBSTITUIÇÃO PRESIDENCIAL Réu em processo criminal não pode assumir, como substituto, o cargo de Presidente da República. DIREITO PROCESSUAL CIVIL RECURSOS Juntada extemporânea de prova documental em recursos interpostos no STF. DIREITO PROCESSUAL PENAL DENÚNCIA Inépcia caso a denúncia se baseie apenas no fato de que o réu era Diretor-Presidente da empresa. DIREITO CONSTITUCIONAL SUBSTITUIÇÃO PRESIDENCIAL Réu em processo criminal não pode assumir, como substituto, o cargo de Presidente da República Importante!!! Os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80 da CF/88, caso ostentem a posição de réus criminais perante o STF, ficarão impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República. No entanto, mesmo sendo réus, podem continuar na chefia do Poder por eles titularizados. Ex: o Presidente do Senado Renan Calheiros tornou-se réu em um processo criminal; logo, ele não poderá assumir a Presidência da República na forma do art. 80 da CF/88; porém, ele pode continuar normalmente como Presidente do Senado, não precisando ser afastado deste cargo. STF. Plenário. ADPF 402 MC-REF/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/12/2016 (Info 850). Ação proposta pela REDE Em 2016, tivemos um período em que tanto o então Presidente da Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha) como o então Presidente do Senado Federal (Renan Calheiros) possuíam contra si inquéritos instaurados no STF para investigar a suposta prática de crimes. O rito, no caso de autoridades com foro privativo no STF, funciona da seguinte forma: o Supremo primeiro autoriza a instauração de inquérito (investigação) contra a autoridade. São feitas diligências investigativas e depois, se houver indícios de autoria e prova da materialidade, o Procurador-Geral da República oferece denúncia. O STF se reúne, então, e decide se há elementos ou não para receber a denúncia. Se a denúncia for recebida, a autoridade deixa de ter o status de mero investigado e passa a ser formalmente acusado, ou seja, réu em um processo penal.

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Informativo 850-STF (19/12/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

SUBSTITUIÇÃO PRESIDENCIAL Réu em processo criminal não pode assumir, como substituto, o cargo de Presidente da República.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECURSOS Juntada extemporânea de prova documental em recursos interpostos no STF.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

DENÚNCIA Inépcia caso a denúncia se baseie apenas no fato de que o réu era Diretor-Presidente da empresa.

DIREITO CONSTITUCIONAL

SUBSTITUIÇÃO PRESIDENCIAL Réu em processo criminal não pode assumir, como substituto, o cargo de Presidente da República

Importante!!!

Os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80 da CF/88, caso ostentem a posição de réus criminais perante o STF, ficarão impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República. No entanto, mesmo sendo réus, podem continuar na chefia do Poder por eles titularizados.

Ex: o Presidente do Senado Renan Calheiros tornou-se réu em um processo criminal; logo, ele não poderá assumir a Presidência da República na forma do art. 80 da CF/88; porém, ele pode continuar normalmente como Presidente do Senado, não precisando ser afastado deste cargo.

STF. Plenário. ADPF 402 MC-REF/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 7/12/2016 (Info 850).

Ação proposta pela REDE Em 2016, tivemos um período em que tanto o então Presidente da Câmara dos Deputados (Eduardo Cunha) como o então Presidente do Senado Federal (Renan Calheiros) possuíam contra si inquéritos instaurados no STF para investigar a suposta prática de crimes. O rito, no caso de autoridades com foro privativo no STF, funciona da seguinte forma: o Supremo primeiro autoriza a instauração de inquérito (investigação) contra a autoridade. São feitas diligências investigativas e depois, se houver indícios de autoria e prova da materialidade, o Procurador-Geral da República oferece denúncia. O STF se reúne, então, e decide se há elementos ou não para receber a denúncia. Se a denúncia for recebida, a autoridade deixa de ter o status de mero investigado e passa a ser formalmente acusado, ou seja, réu em um processo penal.

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A denúncia formulada contra Eduardo Cunha foi recebida pelo STF e a que foi proposta contra Renan Calheiros também estava prestes a ser analisada. Ocorre que, em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente da República, quem exerce o cargo é o Presidente da Câmara dos Deputados e, sucessivamente, o do Senado Federal, conforme prevê o art. 80 da CF/88:

Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.

Deste modo, se o Presidente da República Michel Temer fizesse alguma viagem internacional ou por qualquer outro motivo se afastasse momentamente do cargo, quem assumiria seria uma pessoa que responde a processo criminal no STF. O partido Rede Sustentabilidade entendeu que esta possibilidade seria contrária aos valores defendidos na Constituição Federal e, por essa razão, ajuizou arguição de descumprimento de preceito fundamental pedindo que o STF fixasse o entendimento, com eficácia vinculante, de que o exercício dos cargos que estão na linha de substituição da Presidência da República por pessoas que estejam na condição de réus perante o STF é incompatível com a Constituição. Em outras palavras, o autor da ADPF pediu que o STF declarasse que indivíduos que são réus em processo penal não podem assumir o cargo de Presidente da República, ainda que apenas temporariamente. Assim, o referido partido pediu que Eduardo Cunha, na época Presidente da Câmara e já réu no STF, fosse afastado do seu cargo a fim de não ter a possibilidade de assumir a Presidência da República. Além disso, pediu-se que se Renan Calheiros também se tornasse réu, igualmente fosse afastado da Presidência do Senado. Quais os fundamentos invocados pelo autor? Para o partido, a permanência de um indivíduo que é réu na Presidência da Câmara ou do Senado ofende o art. 86, § 1º, I, da CF/88, que prevê o seguinte:

Art. 86 (...) § 1º - O Presidente ficará suspenso de suas funções: I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;

Este dispositivo afirma que o Presidente da República é suspenso de suas funções por 180 dias caso se torne réu em ação penal por crime comum. Ora, se o constituinte previu esta regra para o Presidente da República, ela também deverá ser observada para seus substitutos, como é o caso dos Presidentes da Câmara e do Senado, sob pena de violação aos princípios da separação dos poderes (art. 2º) e republicano (art. 1º). A referida ação foi autuada como ADPF 402 e distribuída, por sorteio, ao Min. Marco Aurélio em 03/05/2016. Eduardo Cunha é afastado do cargo Em 05/05/2016, Eduardo Cunha é afastado do cargo de Deputado Federal por decisão do STF. Em 12/09/2016, ele perde o mandato por decisão da Câmara dos Deputados, que entendeu ter havido quebra do decoro parlamentar. Apesar disso, o STF entendeu que a ADPF 402 não perdeu o objeto e que deveria julgar a ação, considerando que, além do afastamento de Eduardo Cunha, o autor pedia também que o STF declarasse, com eficácia vinculante, que o exercício dos cargos que estão na linha de substituição da Presidência da República por pessoas que estejam na condição de réus perante o STF é incompatível com a Constituição.

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Início do julgamento da ADPF 402 Em 03/11/2016, o STF iniciou o julgamento da ADPF 402. O Min. Relator Marco Aurélio apresentou voto concordando com os argumentos do autor e julgando a ação procedente, tendo sido acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello. Desse modo, já havia 6 votos pela procedência da ação. O julgamento, contudo, não foi concluído em virtude de pedido de vista do Min. Dias Toffoli. Renan Calheiros torna-se réu Em 01/12/2016, o STF recebeu a denúncia formulada pelo PGR contra Renan Calheiros pela prática de peculato, tendo ele se tornado réu. Min. Marco Aurélio afasta Renan Calheiros da Presidência do Senado Em 05/12/2016, o Min. Marco Aurélio, em decisão monocrática (ou seja, sozinho), deferiu liminar para determinar o afastamento do Senador Renan Calheiros do cargo de Presidente do Senado Federal. Na decisão, o Ministro afirmou que, apesar de o julgamento da ADPF 402 ainda não ter sido concluído, já existiam 6 votos no sentido de que indivíduos que são réus não podem figurar na linha sucessória da Presidência da República. Logo, seria possível aplicar, desde logo, este entendimento, de forma cautelar, para afastar o Senador Calheiros da Presidência do Senado. Nas palavras do Ministro, “mesmo diante da maioria absoluta já formada na arguição de descumprimento de preceito fundamental e réu, o senador continua na cadeira de Presidente do Senado, ensejando manifestações de toda ordem, a comprometerem a segurança jurídica”. Plenário do STF analisa afastamento de Renan Calheiros da Presidência do Senado Dois dias depois, em 07/12/2016, o Plenário do STF se reuniu para analisar se iria referendar (confirmar) ou não a liminar concedida. Relembrando o que decidiu monocraticamente o Min. Marco Aurélio: concordou integralmente com o pedido feito na ADPF 402 e afirmou que o indivíduo que for réu não pode ocupar os cargos de Presidente da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal porque são substitutos eventuais do Presidente da República. Logo, decidiu afastar Renan Calheiros da Presidência do Senado. O Plenário do STF referendou a liminar concedida? Apenas parcialmente. O que a maioria dos Ministros decidiu: os substitutos eventuais do Presidente da República (art. 80 da CF/88), caso ostentem a posição de réus criminais, ficarão impossibilitados de exercer a função de Presidente da República. Até aqui tudo bem, todos concordaram. A diferença vem agora: para a maioria dos Ministros, mesmo o indivíduo sendo réu, ele pode continuar exercendo os cargos de Presidente da Câmara ou do Senado. O que ele não pode é assumir, ainda que temporariamente, a função de Presidente da República. Transportando para o caso concreto: Renan Calheiros tornou-se réu e era Presidente do Senado. Ele pode assumir a Presidência da República se o Presidente se afastar e o Presidente da Câmara não puder, por algum motivo, assumir? Não. Ele não poderá assumir a Presidência da República pelo fato de ser réu. Aplica-se o raciocínio do art. 86, § 1º, I, da CF/88. É necessário, no entanto, que Renan Calheiros seja afastado da Presidência do Senado? Não. Ele pode continuar Presidente do Senado, mesmo sendo réu. O que não pode, repito, é assumir a Presidência da República. Neste caso, a substituição a que se refere o art. 80 da CF/88 ocorrerá “per saltum”, de modo a excluir aquele que, por ser réu criminal está impedido de desempenhar o ofício de presidente da República. Assim, se por algum motivo, o Presidente da República e o Presidente da Câmara se afastarem e o Presidente do Senado for réu, quem assumiria, provisoriamente, a Presidência da República, seria a Presidente do STF. Ausência de "periculum in mora" O STF entendeu que não havia periculum in mora na decisão que determinou o afastamento de Renan

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Calheiros da Presidência do Senado, pois, na eventualidade do impedimento do Presidente da República, a convocação para substituí-lo recairia, observada a ordem de vocação estabelecida no art. 80 da Carta Política, na pessoa do Presidente da Câmara dos Deputados, inexistindo, desse modo, razão para adotar-se medida tão extraordinária como a imposta pela decisão em causa. Caso existisse periculum in mora, seria em sentido inverso, tendo em conta que a medida cautelar deferida monocraticamente poderia inibir ou interferir no funcionamento do Senado Federal, afetando-lhe as atividades institucionais e projetando-se, ante os inevitáveis reflexos políticos daí resultantes, com grande impacto sobre a própria agenda legislativa, em contexto no qual se destaca, de modo preocupante, a crise gravíssima e sem precedentes que assola o nosso País. Votos vencidos Ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Rosa Weber, que referendavam integralmente a liminar e afastavam Renan Calheiros do cargo de Presidente do Senado. O entendimento acima fixado é definitivo? O julgamento da ADPF 402 foi concluído? Em tese, não. Nesta sessão do dia 07/12/2016 o STF, formalmente, apreciou apenas a liminar concedida. O mérito da ADPF 402 ainda não foi julgado. Assim, em tese, ainda seria possível haver modificação do entendimento. Na prática, contudo, é mais provável que o STF mantenha a posição.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECURSOS Juntada extemporânea de prova documental em recursos interpostos no STF

Como regra, não se admite a juntada extemporânea de prova documental em recursos interpostos no STF. Assim, por exemplo, em regra, não se admite que, em um agravo regimental no STF, seja juntado algum documento que já existia, mas que a parte não havia trazido aos autos por omissão sua.

No entanto, em um caso concreto envolvendo uma apreciação de contas do TCE, o STF relativizou esta proibição e admitiu que o Estado/agravante trouxesse aos autos cópia da intimação do gestor público condenado. O STF considerou que, na situação concreta, o interesse público indisponível presente na lide justifica que se admita a análise do documento.

STF. 1ª Turma. ARE 916917 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 6/12/2016 (Info 850).

Imagine a seguinte situação adaptada: João, Presidente da Câmara Municipal, teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas de SP. Diante disso, ele ajuizou ação ordinária contra o Estado de SP pedindo a anulação da decisão do TCE sob a alegação de que não foi intimado para a sessão de julgamento na Corte de Contas, o que violou os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88). O juiz julgou a ação improcedente, tendo a sentença sido confirmada pelo TJSP. Contra o acórdão, João interpôs recurso extraordinário. No STF, o Ministro Relator, de forma monocrática, deu provimento ao recurso extraordinário afirmando que a SV 3 exige contraditório e ampla defesa nestes casos:

Súmula vinculante 3-STF: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

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O Relator poderia ter decidido monocraticamente o RE? Existe previsão legal para isso? Em tese, SIM. Veja o que diz o art. 932, V, "a", do CPC/2015:

Art. 932. Incumbe ao relator: (...) V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

Agravo Contra esta decisão monocrática, o Estado de SP interpôs agravo regimental para a Turma do STF da qual faz parte o Ministro. Obs: o CPC/2015 (art. 1.021) fala em "agravo interno", mas o RISTF ainda utiliza a nomenclatura "agravo regimental" (art. 317). Veja a redação do CPC:

Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.

No agravo, o Estado de SP juntou um documento que ainda não havia nos autos: cópia do Diário Oficial que demonstra que houve a intimação de João e seus advogados. Desse modo, ficou demonstrada que não era verdadeira a alegação do autor de que não havia sido intimado para o julgamento no TCE. O que decidiu o STF? É possível considerar este documento e, em razão disso, a decisão monocrática ser reformada? SIM. A 1ª Turma do STF, por maioria, deu provimento ao agravo regimental e reformou a decisão monocrática que havia anulado o acórdão do TCE. O próprio Relator reformou sua decisão, tendo sido acompanhado pela maioria dos demais Ministros. Inadmissibilidade da juntada de documentos nos recursos interpostos no STF Como regra, não se admite a juntada extemporânea de prova documental em recursos interpostos no STF. No entanto, no caso concreto, o STF relativizou esta proibição, tendo em vista o interesse público indisponível presente na lide consistente no interesse de toda a coletividade na apreciação da higidez das contas dos gestores públicos. Por conta dessa peculiaridade, admitiu-se a comprovação tardia de que a parte recorrida foi efetivamente intimada da sessão de julgamento.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

DENÚNCIA Inépcia caso a denúncia se baseie apenas no fato de que o réu era Diretor-Presidente da empresa

O Ministério Público ofereceu denúncia contra alguns sócios da empresa, dentre eles o Diretor-Presidente, afirmando, quanto a este, que praticou o crime de evasão de divisas porque detinha o domínio do fato e que não seria crível que a empresa movimentasse altos valores para o exterior sem que ele soubesse.

O STF entendeu que esta denúncia é inepta.

Não há óbice para que a denúncia invoque a teoria do domínio do fato para dar suporte à imputação penal, sendo necessário, contudo, que, além disso, ela aponte indícios convergentes no sentido de que o Presidente da empresa não só teve conhecimento do crime de evasão de divisas, como dirigiu finalisticamente a atuação dos demais acusados.

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Assim, não basta que o acusado se encontre em posição hierarquicamente superior. Isso porque o próprio estatuto da empresa prevê que haja divisão de responsabilidades e, em grandes corporações, empresas ou bancos há controles e auditorias exatamente porque nem mesmo os sócios têm como saber tudo o que se passa.

STF. 2ª Turma. HC 127397/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/12/2016 (Info 850).

Imagine a seguinte situação adaptada: Determinada empresa remeteu para o exterior recursos sem o devido registro no Banco Central. Isso foi feito por meio de operações de câmbio atípicas envolvendo compra e venda de títulos da dívida pública norte-americana. O MPF ofereceu denúncia contra três diretores da empresa (Diretor de Negócios, Diretor Administrativo e Diretor-Presidente) pela prática do crime previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86:

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

Denúncia Na denúncia, o Procurador da República descreve as condutas do Diretor de Negócios e do Diretor Administrativo, dizendo que eles autorizaram as remessas, conforme se demonstra pelos indícios materiais constantes dos autos e pela divisão de competências do estatuto social da empresa. No entanto, quanto ao Diretor-Presidente, o único fato apontado contra ele na denúncia foi o de que não seria crível que não tivesse conhecimento das transações que envolveram 1% do capital social da empresa. Veja o trecho da denúncia quanto ao Diretor-Presidente: “(...) FULANO DE TAL (primeiro denunciado) era Diretor-Presidente da empresa XXX (cf. Fls. 186-192, e depoimento, fl. 211). Em razão disto, detinha o domínio do fato concernente às principais ações da referida empresa. E, muito embora tenha negado, no exercício da autodefesa, ter tido ciência das operações, simplesmente não é crível que lhe passassem desapercebidas negociações tão vultosas, que remontavam a cerca de 1% de todo o capital social do grupo."

Esta denúncia, no que tange ao Diretor-Presidente, é válida? NÃO. Trata-se de denúncia inepta. Segundo entendeu o STF, a acusação se baseou na teoria do domínio do fato, sem contudo apresentar descrição mínima da conduta delituosa atribuída ao executivo.

Não há óbice para que a denúncia invoque a teoria do domínio do fato para dar suporte à imputação penal, sendo necessário, contudo, que, além disso, ela aponte indícios convergentes no sentido de que o Presidente da empresa não só teve conhecimento do crime de evasão de divisas, como dirigiu finalisticamente a atuação dos demais acusados. Assim, não basta que o acusado se encontre em posição hierarquicamente superior. Isso porque o próprio estatuto da empresa prevê que haja divisão de responsabilidades e, em grandes corporações, empresas ou bancos há controles e auditorias exatamente porque nem mesmo os sócios têm como saber tudo o que se passa. STF. 2ª Turma. HC 127397/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/12/2016 (Info 850).

Dessa forma, a narrativa dos fatos mostra-se insuficiente e está amparada em mera conjectura. A forma como foi descrita a acusação contra o acusado inviabilizou o pleno exercício da ampla defesa. Vale ressaltar que, em caso de inépcia, o vício reconhecido é de natureza estritamente formal e, por isso, o Ministério Público pode oferecer uma nova denúncia, desde que corrija o vício e individualize, de forma adequada, a conduta do denunciado.

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Atenção: não se exige descrição pormenorizada Importante esclarecer que, nos crimes societários não se exige a descrição minuciosa e detalhada das condutas de cada autor, bastando a descrição do fato típico, das circunstâncias comuns, os motivos do crime e indícios suficientes da autoria, ainda que sucintamente, a fim de garantir o direito à ampla defesa e contraditório (STF. 1ª Turma. HC 136822 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/12/2016). É fundamental, no entanto, que haja o mínimo de individualização da conduta para permitir o recebimento da denúncia (STF. 2ª Turma. HC 127415, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/09/2016). Se a denúncia se limita a descrever a posição hierárquica do denunciado na empresa, ela deverá ser considerada inepta (STF. 1ª Turma. Pet 5629, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 24/05/2016). O ordenamento processual penal veda a responsabilidade penal objetiva, aquela que decorre exclusivamente da relação de propriedade entre a pessoa física e jurídica mediante a qual se praticou o crime (STF. 1ª Turma. HC 122450, Rel. Min. Luiz Fux, Dje 19/11/2014). Assim, imputar a alguém uma conduta penal tão somente pelo fato de ocupar determinado cargo significa, na prática, adotar a responsabilização objetiva na esfera penal (STF. 2ª Turma. AP 898, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 12/4/2016). Resumindo. Denúncia em crimes societários:

Não se exige descrição minuciosa e detalhada da conduta.

Exige-se que haja o mínimo de individualização da conduta. É necessário que o MP estabeleça o vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada.

Não é possível imputar a alguém uma conduta penal tão somente pelo fato de ocupar determinado cargo. Isso seria adotar a responsabilização objetiva na esfera penal.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) (PFN 2012 ESAF) Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente da República, ou

vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal, o do Supremo Tribunal Federal e o do Superior Tribunal de Justiça. ( )

2) (Promotor MP/SC 2014) Admitida a acusação contra o Presidente da República, por 2/3 (dois terços) da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. O Presidente ficará suspenso de suas funções: a) nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; b) nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal. Se, decorrido o prazo de 90 (noventa) dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. ( )

3) Os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o art. 80 da CF/88, caso ostentem a posição de réus criminais perante o STF, ficarão impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República. No entanto, mesmo sendo réus, podem continuar na chefia do Poder por eles titularizados. ( )

4) (Juiz TJ/SE 2015 FCC) Com relação ao concurso de pessoas, na dogmática penal brasileira, a teoria do domínio do fato dispensa a identificação de provas de autoria. ( )

5) (Juiz Federal TRF4 2014) Em apertada síntese, segundo a teoria do domínio do fato, o autor de um delito é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. Explica, assim, a figura do autor mediato, ou seja, o "autor atrás de outro autor". Na prática, essa teoria se aplica nas hipóteses em que não se logra obter elementos probatórios que vinculem, por exemplo, um superior hierárquico, que se utiliza de um subordinado para a execução da conduta típica. ( )

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6) (Promotor MP/MG 2013) É insuficiente, nos crimes societários, a denúncia atribuir responsabilidade penal à pessoa física, considerando apenas o cargo ou função desempenhados na empresa. ( )

7) (DPE/MS 2012) No processo penal que visa apurar crimes societários, a inexistência de descrição, na denúncia, do vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada, caracteriza-se, conforme causa de decretação de nulidade do processo já reconhecida pelo STJ, como violação ao princípio constitucional da ampla defesa. ( )

Gabarito

1. E 2. E 3. C 4. E 5. E 6. C 7. C

OUTRAS INFORMAÇÕES

C L I P P I N G D O D JE 5 a 9 de dezembro de 2016

SEGUNDO AG. REG. NO AI N. 844.835-ES RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. SEGUNDO AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. MANDADO DE

SEGURANÇA. SUSPENSÃO DE CONCURSO PÚBLICO NÃO HOMOLOGADO. POSSIBILIDADE. TEORIA DO FATO CONSUMADO. IMPOSSIBILIDADE.

PRECEDENTES.

1. Enquanto não concluído e homologado o concurso público, pode a Administração alterar as condições do certame constantes do

respectivo edital, para adaptá-las à nova legislação aplicável à espécie. Precedente.

2. É inviável a aplicação da denominada teoria do fato consumado como forma de manutenção de candidato em cargo público, em

decorrência de execução provisória ou outro provimento judicial de natureza precária (RE 608.482-RG, julgado sob a relatoria do Ministro Teori

Zavascki).

3. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não é cabível condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº

12.016/2009 e Súmula 512/STF).

4. Agravo interno a que se nega provimento.

HC N. 134.504-AC REDATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. FURTO PRIVILEGIADO. DEFENSORIA PÚBLICA. JULGAMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO EM

HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE PEDIDO PARA INTIMAÇÃO PESSOAL. NULIDADE PROCESSUAL NÃO CARACTERIZADA. CRIMES COMETIDOS CONTRA

CRIANÇA E ADOLESCENTE. COMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. POSSIBILIDADE.

1. À Defensoria Pública, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, compete promover a assistência jurídica

judicial e extrajudicial aos necessitados (art. 134 da Constituição Federal), sendo-lhe asseguradas determinadas prerrogativas para o efetivo

exercício de sua missão constitucional. A intimação pessoal dos atos processuais constitui prerrogativa da Defensoria Pública.

2. Conforme determinação regimental, o julgamento dos habeas corpus e dos recursos ordinários em HC, no âmbito do STJ e do STF,

independem de inclusão em pauta e, por isso, não se faz presente a necessidade da intimação de quaisquer das partes (cf. Súmula 431/STF), salvo

quando houver solicitação expressa nesse sentido.

3. A divisão de competência por ato normativo editado por Tribunal, por se tratar de definição de atribuições próprias dos órgãos

competentes para o exercício da jurisdição, não representa afronta aos princípios constitucionais da reserva legal e da separação dos poderes,

podendo ser realizada, inclusive, através de resolução, sendo prescindível, portanto, a edição de lei formal (v.g. HC 88.660/CE, Tribunal Pleno).

4. Na gestão da organização judiciária, ao Tribunal de Justiça é facultado conferir ao Juízo da Infância e Juventude a competência adicional

para julgamento dos processos criminais que envolvam delitos contra a dignidade sexual, quando vitimadas crianças e adolescentes.

5. Ordem denegada.

AG. REG. NO ARE N. 960.868-MG RELATORA: MIN. ROSA WEBER EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. PROFESSOR. APOSENTADORIA ESPECIAL. CÁLCULO DOS PROVENTOS COM BASE NO TEMPO EXIGIDO PARA

APOSENTADORIA INTEGRAL DA CATEGORIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. CONSONÂNCIA DA DECISÃO

RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO

VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015.

Informativo 850-STF (19/12/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

1. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no

âmbito deste Supremo Tribunal Federal. Compreensão diversa demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, a

tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário.

2. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada.

3. Agravo regimental conhecido e não provido.

AG. REG. NO RHC N. 136.168-RN RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE SUSTENTAÇÃO ORAL EM AGRAVO

REGIMENTAL. VEDAÇÃO. ART. 131, § 2º, DO RISTF. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. PRISÃO PREVENTIVA. PRESSUPOSTOS E FUNDAMENTOS.

PRESENÇA DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS DA SUPOSTA PRÁTICA DELITIVA. PRISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM

PÚBLICA E NA CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.

1. Conforme proibição expressa constante do art. 131, § 2º, do RISTF, não haverá sustentação oral nos julgamentos de agravo, embargos

declaratórios, arguição de suspeição e medida cautelar. Precedentes

2. Nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, a preventiva poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime

(materialidade) e indício suficiente de autoria, mais a demonstração de um elemento variável: (a) garantia da ordem pública; ou (b) garantia da

ordem econômica; ou (c) por conveniência da instrução criminal; ou (d) para assegurar a aplicação da lei penal. Para quaisquer dessas hipóteses, é

imperiosa a demonstração concreta e objetiva de que tais pressupostos incidem na espécie, assim como deve ser insuficiente o cabimento de

outras medidas cautelares, nos termos do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal, pelo qual a prisão preventiva será determinada quando não

for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319 do CPP).

3. No caso, os fundamentos utilizados revelam-se idôneos para manter a segregação cautelar do recorrente, na linha de precedentes desta

Corte. É que a decisão lastreou-se em circunstâncias do caso relevantes para resguardar a ordem pública, ante a periculosidade do agente,

evidenciada pelo fundado receio de reiteração delitiva e para assegurar a instrução criminal.

4. Pedido de sustentação oral indeferido. Agravo regimental improvido.

HC N. 136.435-PR RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE DEMORA NO JULGAMENTO DO MÉRITO DE RECURSO ESPECIAL MANEJADO

NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CINCO SUBSTITUIÇÕES DE RELATORIA. SITUAÇÃO CONFIGURADORA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM

CONCEDIDA.

I – O excesso de trabalho que assoberba o STJ permite a flexibilização, em alguma medida, do princípio constitucional da razoável duração

do processo.

II – Contudo, no caso dos autos, a situação caracteriza evidente constrangimento ilegal, uma vez que, passados mais de cinco anos de seu

recebimento e distribuição, os autos permanecem, até esta data, sem julgamento de mérito, tendo em vista as sucessivas alterações de relatoria.

III – Inaplicabilidade, nas espécie, dos precedentes da Corte que afirmam não configurar ilícito a demora no julgamento do recurso

decorrente de sucessão de Ministro egresso do STJ.

IV- A demora demasiada para o julgamento do feito naquela Corte Superior, decorrente de elevado número de substituição de relatores, a

saber, o total de cinco, configura negativa de prestação jurisdicional e flagrante constrangimento ilegal sofrido pelo paciente, apto a justificar a

concessão da ordem para determinar o imediato julgamento daquela ação.

V – Habeas corpus conhecido, concedendo-se a ordem para determinar ao Superior Tribunal de Justiça que apresente o recurso especial

em mesa para julgamento até a 5ª sessão, ordinária ou extraordinária, subsequente à comunicação da ordem.

*noticiado no Informativo 848

Inq N. 3.965-DF RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO DOS AUTOS EM RELAÇÃO A ACUSADO SEM FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.

INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE PROCESSAMENTO CONJUNTO COM OS DEMAIS ENVOLVIDOS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PROVA

EMPRESTADA. DECISÕES JUDICIAIS QUE AUTORIZARAM A MEDIDA E SEU COMPARTILHAMENTO JUNTADAS AOS AUTOS. AUSÊNCIA DE

TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DOS DIÁLOGOS E DISPONIBILIZAÇÃO DOS ÁUDIOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DEGRAVAÇÃO DAS

CONVERSAS ALUDIDAS NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. COMPARTILHAMENTO COM AÇÃO PENAL RELATIVA A CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO.

POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DISPENSA

INDEVIDA DE LICITAÇÃO MAJORADA (ART. 89, CAPUT, C/C ART. 84, § 2º, AMBOS DA LEI 8.666/1993). ATUAÇÃO EM CONFORMIDADE COM NORMAS

LEGAIS E INFRALEGAIS VIGENTES. ERRO DE TIPO. PRECEDENTE. DOLO ESPECÍFICO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO OU ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. NÃO

DEMONSTRAÇÃO. ATIPICIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO (ART. 6º, 2ª PARTE, DA LEI 8.038/1990).

1. Conforme firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, afigura-se suficiente, para adimplir a determinação do art. 6º, § 1º, da Lei

9.296/1995 e assegurar o direito de defesa dos acusados, o acesso à degravação dos diálogos aludidos pela denúncia, sendo dispensável a

disponibilização de todo o material oriundo da interceptação telefônica (HC 91.207-MC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão: Min. CÁRMEN

LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe de 21.9.2007; INQ 2.424, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, DJe de 26.3.2010; RHC 117.265, Rel. Min. RICARDO

LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 26.5.2014; INQ 4.023, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 1º.9.2016).

2. Esta Corte já assentou a legitimidade do compartilhamento de elementos probatórios colhidos por meio de interceptação telefônica

autorizada judicialmente com processos criminais nos quais imputada a prática de crime punível com detenção (RE 810.906-AgR, Rel. Min.

ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 14.9.2015; AI 626.214-AgR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, DJe de 8.10.2010; HC

83.515, Rel. Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, DJ de 4.3.2005), e até mesmo com processos de natureza administrativa (RMS 28.774, Rel. Min.

MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 25.8.2016).

3. Não é inepta a denúncia que descreve, de forma lógica e coerente, os fatos em tese delituosos e as condutas dos agentes, com as

devidas circunstâncias, narrando de maneira clara e precisa a imputação, segundo o contexto em que inserida.

Informativo 850-STF (19/12/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

4. O Convênio 001/2008, na visão do ex-Diretor-Geral do Transporte Urbano do Distrito Federal - DFTRANS e dos operadores do sistema de

transporte público coletivo, encontrava embasamento em ato normativo da Secretaria de Transportes que regulamentava lei distrital. Conforme já

decidido pela Segunda Turma em caso análogo, o erro sobre o elemento constitutivo do tipo “fora das hipóteses legais” (art. 89 da Lei 8.666/1993)

exclui o dolo, nos termos do art. 20 do Código Penal (AP 560, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe de 11.9.2015). Desse modo, afigura-se

atípica a conduta atribuída a esses denunciados.

5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que, para a caracterização da conduta tipificada no art. 89 da Lei

8.666/1993, é indispensável a demonstração, já na fase de recebimento da denúncia, do “elemento subjetivo consistente na intenção de causar dano

ao erário ou obter vantagem indevida” (INQ 2.688, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 12.2.2015). No

caso, pelo que se colhe dos autos é possível se afirmar, desde logo, que não se encontra presente essa circunstância volitiva, o que revela a atipicidade,

determina inclusive a improcedência da acusação, nos termos do art. 6º, 2º parte, da Lei 8.038/1990.

6. Acusação julgada improcedente.

Rcl N. 23.101-PR RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Ementa: RECLAMAÇÃO. GARANTIR A OBSERVÂNCIA DE ENUNCIADO DE SÚMULA VINCULANTE. SÚMULA VINCULANTE 14. NEGATIVA DE

FORNECIMENTO DE CÓPIAS EM MEIO MAGNÉTICO, ÓPTICO OU ELETRÔNICO DE DEPOIMENTOS EM FORMATO AUDIOVISUAL GRAVADOS EM

MÍDIAS JÁ DOCUMENTADAS NOS AUTOS. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE AMPLO ACESSO AOS ELEMENTOS DE PROVA. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE.

I – O direito ao “acesso amplo”, descrito pelo verbete mencionado, engloba a possibilidade de obtenção de cópias, por quaisquer meios, de

todos os elementos de prova já documentados, inclusive mídias que contenham gravação de depoimentos em formato audiovisual.

II – A simples autorização de ter vista dos autos, nas dependências do Parquet, e transcrever trechos dos depoimentos de interesse da

defesa, não atende ao enunciado da Súmula Vinculante 14.

III – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende ser desnecessária a degravação da audiência realizada por meio audiovisual,

sendo obrigatória apenas a disponibilização da cópia do que registrado nesse ato. Precedentes.

IV – Reclamação procedente.

Acórdãos Publicados: 367

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Pena - Execução Provisória - Princípio da não Culpabilidade - Habeas Corpus - Liminar - Deferimento

- Liminar - Extensão - Corréu (Transcrições)

HC 137.194/SP*

RELATOR: Ministro Marco Aurélio

DECISÃO: 1. A assessora Dra. Mariana Madera Nunes prestou as seguintes informações:

O Juízo da Vigésima Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP, no processo nº 0069669-78.2009.8.26.0050, condenou o paciente a 4

anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 40 dias-multa, em virtude do cometimento do delito descrito no

artigo 171, cabeça (estelionato), por dez vezes, na forma do 71 (crime continuado), todos do Código Penal.

A defesa formalizou apelação, pleiteando, preliminarmente, o reconhecimento da extinção de punibilidade considerada a prescrição da pretensão punitiva. Sucessivamente, buscou a absolvição por atipicidade da conduta ou a redução da sanção imposta, dizendo injustificado o

aumento da pena-base. A Nona Câmara de Direito Criminal, ao desprover o recurso, afirmou não transcorrido prazo superior a 8 anos. Asseverou ter ficado demonstrado o emprego de fraude, a provocação e manutenção da vítima em erro, a obtenção de vantagem indevida e o

prejuízo alheio. Consignou que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal tendo em vista o elevado valor do prejuízo sofrido pela vítima e o fato de

os réus não terem procurado ressarci-la. Determinou a expedição de mandado de prisão, aludindo ao decidido, pelo Supremo, no julgamento do habeas corpus nº 126.292/SP.

No Superior Tribunal de Justiça, o habeas corpus nº 371.146/SP foi inadmitido pelo Relator.

O impetrante sustenta a ofensa ao princípio da presunção de não culpabilidade, presente o início da execução da reprimenda antes do

trânsito em julgado da condenação. Aponta as condições pessoais favoráveis do paciente – primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência

fixa. Destaca a inexistência de vagas disponíveis no sistema penitenciário para o cumprimento da sanção em regime semiaberto. Aduz ausentes os requisitos ensejadores da custódia preventiva.

Requer, em âmbito liminar, a expedição de contramandado de prisão. No mérito, pretende a confirmação da providência, para que seja

reconhecido ao paciente o direito de aguardar, em liberdade, a preclusão maior do título condenatório.

Por meio da petição/STF nº 52.690/2016, o impetrante buscou comprovar não haver transitado em julgado a condenação, apresentando

cópia das peças reveladoras da interposição dos recursos especial e extraordinário.

A fase é de exame da medida acauteladora.

Informativo 850-STF (19/12/2016) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

2. Não se pode potencializar o decidido pelo Pleno no habeas corpus nº 126.292, por maioria, em 17 de fevereiro de 2016. Precipitar a

execução da pena importa antecipação de culpa, por serem indissociáveis. Conforme dispõe o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal,

“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja, a culpa surge após alcançada a preclusão maior. Descabe inverter a ordem natural do processo-crime – apurar-se para, selada a culpa, prender-se, em verdadeira execução da reprimenda.

O Pleno, ao apreciar a referida impetração, não pôs em xeque a constitucionalidade nem colocou peias à norma contida na cabeça do artigo

283 do Código de Processo Penal, segundo a qual “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude

de prisão temporária ou prisão preventiva”. Constrição provisória concebe-se cautelarmente, associada ao flagrante, à temporária ou à preventiva, e não a título

de sanção antecipada. A redação do preceito remete à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, revelando ter sido essa a opção do legislador. Ante o forte patrulhamento vivenciado nos dias de hoje, fique esclarecido que, nas ações declaratórias de constitucionalidade nº 43 e nº 44, nas quais questionado

o mencionado dispositivo, o Pleno deixou de implementar liminar.

A execução provisória pressupõe garantia do Juízo ou a possibilidade de retorno, alterado o título executivo, ao estado de coisas anterior, o que não ocorre em relação à custódia. É impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão.

O fato de o Tribunal, no denominado Plenário Virtual, atropelando os processos objetivos acima referidos, sem declarar, porque não podia

fazê-lo em tal campo, a inconstitucionalidade do artigo 283 do aludido Código, e, com isso, confirmando que os tempos são estranhos, haver, em agravo que não chegou a ser provido pelo Relator, ministro Teori Zavascki – agravo em recurso extraordinário nº 964.246, formalizado, por sinal,

pelo paciente do habeas corpus nº 126.292 –, a um só tempo, reconhecido a repercussão geral e “confirmado a jurisprudência”, assentada em processo

único – no citado habeas corpus –, não é obstáculo ao acesso ao Judiciário para afastar lesão a direito, revelado, no caso, em outra cláusula pétrea – segundo a qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” – incisos XXXV e LVII do artigo 5º da

Carta da República.

Ao tomar posse neste Tribunal, há 26 anos, jurei cumprir a Constituição Federal, observar as leis do País, e não a me curvar a pronunciamento que, diga-se, não tem efeito vinculante. De qualquer forma, está-se no Supremo, última trincheira da Cidadania, se é que continua sendo. O

julgamento virtual, a discrepar do que ocorre em Colegiado, no verdadeiro Plenário, o foi por seis votos a quatro, e o seria, presumo, por seis votos a

cinco, houvesse votado a ministra Rosa Weber, fato a revelar encontrar-se o Tribunal dividido. A minoria reafirmou a óptica anterior – eu próprio e os ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida República! Que cada qual faça a sua

parte, com desassombro, com pureza d’alma, segundo ciência e consciência possuídas, presente a busca da segurança jurídica. Esta pressupõe a

supremacia não de maioria eventual – segundo a composição do Tribunal –, mas da Constituição Federal, que a todos, indistintamente, submete, inclusive o Supremo, seu guarda maior. Em época de crise, impõe-se observar princípios, impõe-se a resistência democrática, a resistência

republicana.

3. Defiro a medida acauteladora para suspender a execução provisória do titulo condenatório. Recolham o mandado de prisão, ou, se já cumprido, expeçam o alvará de soltura, a ser implementado com as cautelas próprias: caso o paciente não se encontre preso por motivo diverso do

retratado no processo nº 0069669-78.2009.8.26.0050, da Vigésima Vara Criminal da Comarca de São Paulo/SP, considerada a execução açodada,

precoce e temporã da pena. Advirtam-no da necessidade de permanecer na residência indicada ao Juízo, atendendo aos chamamentos judiciais, de informar eventual transferência e de adotar a postura que se aguarda do homem médio, integrado à sociedade.

4. Sendo idêntica a situação do corréu Roldão César do Nascimento, estendo-lhe esta medida acauteladora, com os mesmos cuidados,

consoante o disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal. 5. Colham o parecer da Procuradoria-Geral da República.

6. Publiquem.

Brasília, 7 de dezembro de 2016.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

*decisão publicada no DJe em 15.12.2016

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 5 a 9 de dezembro de 2016

Lei nº 13.367, de 5.12.2016 - Altera a Lei no 1.579, de 18 de março de 1952, que dispõe sobre as Comissões

Parlamentares de Inquérito. Publicada no DOU, Seção nº1, Edição nº 233, p. 1, em 06.12.2016.

Secretaria de Documentação – SDO Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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