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1 INCLUSÃO ESCOLAR: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE ALUNOS DEFICIENTES MENTAIS NA EDUCAÇÃO REGULAR MÁBIA CARDOSO OLIVEIRA 1 ARLETE APARECIDA BERTOLDO MIRANDA 2 RESUMO O presente trabalho teve como objetivo compreender as concepções de professores de alunos com deficiência mental inseridos em suas salas de aula. Consideramos importante analisar as concepções dos professores, pois sabemos que eles constroem sentidos que retratam o seu modo de ser e agir, a partir das relações estabelecidas ao longo de sua vida, tanto ao nível pessoal quanto profissional. Daí a importância de se conhecer de maneira mais aprofundada o que pensam e como agem os professores de alunos com deficiência mental, pois sua maneira de ser traz pistas importantes para compreendermos sua prática pedagógica. Para o cumprimento deste objetivo analisamos as concepções de nove professoras da pré-escola a 4ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual da cidade de Uberlândia/MG. Delimitamos nossa opção metodológica a uma abordagem qualitativa e como estratégia de coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada. Os dados obtidos apontaram que as formas de pensar das professoras sobre temas relacionados à inclusão escolar ainda estão em construçao. Observamos também que os deficientes mentais incluídos na escola pesquisada estão à mercê do processo ensino-aprendizagem, e que os professores ainda estão se familiarizando com a idéia de tê-los em suas salas de aula, de ensino regular. Acreditamos que os resultados deste estudo possam contribuir, de alguma forma, com as discussões atuais em torno da temática sobre formação de professores de alunos com necessidades educacionais especiais. Palavras-chave: Educação Especial – Inclusão Escolar – Deficiência Mental – Formação de Professor. 1 Aluna do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Endereço: Rua Planalto, n. 234, Bairro Progresso, Uberlândia/MG, Cep: 38408-064. E-mail: [email protected] 2 Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Endereço: Rua Jataí, n. 803. Bairro: Aparecida. Uberlândia/MG. Cep: 38400-632. E-mail: [email protected]

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INCLUSÃO ESCOLAR: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE ALUNOS DEFICIENTES MENTAIS NA EDUCAÇÃO REGULAR

MÁBIA CARDOSO OLIVEIRA1

ARLETE APARECIDA BERTOLDO MIRANDA2

RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo compreender as concepções de professores de alunos

com deficiência mental inseridos em suas salas de aula. Consideramos importante analisar as

concepções dos professores, pois sabemos que eles constroem sentidos que retratam o seu

modo de ser e agir, a partir das relações estabelecidas ao longo de sua vida, tanto ao nível

pessoal quanto profissional. Daí a importância de se conhecer de maneira mais aprofundada o

que pensam e como agem os professores de alunos com deficiência mental, pois sua maneira

de ser traz pistas importantes para compreendermos sua prática pedagógica. Para o

cumprimento deste objetivo analisamos as concepções de nove professoras da pré-escola a 4ª

série do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual da cidade de Uberlândia/MG.

Delimitamos nossa opção metodológica a uma abordagem qualitativa e como estratégia de

coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada. Os dados obtidos apontaram que as

formas de pensar das professoras sobre temas relacionados à inclusão escolar ainda estão em

construçao. Observamos também que os deficientes mentais incluídos na escola pesquisada

estão à mercê do processo ensino-aprendizagem, e que os professores ainda estão se

familiarizando com a idéia de tê-los em suas salas de aula, de ensino regular. Acreditamos que

os resultados deste estudo possam contribuir, de alguma forma, com as discussões atuais em

torno da temática sobre formação de professores de alunos com necessidades educacionais

especiais.

Palavras-chave: Educação Especial – Inclusão Escolar – Deficiência Mental – Formação de

Professor.

1 Aluna do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Endereço: Rua Planalto, n. 234, Bairro Progresso, Uberlândia/MG, Cep: 38408-064. E-mail: [email protected] 2 Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Endereço: Rua Jataí, n. 803. Bairro: Aparecida. Uberlândia/MG. Cep: 38400-632. E-mail: [email protected]

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SUMMARY

The present work had as objective understands the students' teachers' conceptions with mental

deficiency inserted in your class rooms. We considered important to analyze the teachers'

conceptions, because we know that they build senses that portray your way of to be and to act,

that is, your conceptions, starting from the established relationships along your life, so much

at the personal level as professional. Then the importance of knowing in a deepened way what

think and as the students' teachers act with mental deficiency, because your personality brings

important tracks for us to understand your pedagogic practice. For the execution of this

objective we analyzed the nine teachers' conceptions of the pré-school to 4th series of the

Fundamental Teaching of a state public school of the city of Uberlândia/MG. We delimited

our methodological option to a qualitative approach. As strategy of collection of data was

used the semi-structured interview. The obtained data pointed that the forms of thinking of the

teachers on themes related to the school inclusion are being built. We also observed that the

deficient ones mental included at the researched school they are at the mercy of the process

teaching-learning, and that the teachers are still familiarizing if with the idea of having them

in your regular class rooms. We believed that the results of this study can contribute, in some

way, with the current discussions around the thematic about students' teachers' formation with

special educational needs.

Word-key: Special education - School Inclusion - Mental Deficiency - Formation of Teacher.

3

INTRODUÇÃO

Atualmente, observamos uma

mobilização da escola frente ao novo

modelo escolar, que é a inclusão dos

alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais nas salas de aulas,

de ensino regular. Esse movimento obriga

a escola a refletir sobre princípios desse

novo paradigma, que vai desde a

convivência com esses alunos em um

mesmo espaço até uma mudança na

organização de todo o trabalho pedagógico

da escola.

Em relação à criança deficiente

mental, acreditamos que a sua inserção na

escola, realizada dentro desse paradigma

da inclusão escolar, possa constituir uma

experiência fundamental que venha a

definir o sucesso ou fracasso de seu futuro

processo de inclusão na sociedade. Desse

modo, todos os indivíduos, inclusive os

deficientes mentais, devem ter garantido

seu direito de acesso e permanência na

escola pública gratuita e de qualidade,

possibilitando, assim, uma vida

independente e uma postura crítica frente

aos fatos ocorridos no cotidiano.

Apesar de reconhecermos a

importância da inclusão, temos de

considerar que o que sabemos sobre esse

novo paradigma é muito pouco, o que não

nos deixa seguros para afirmar quais

seriam suas possibilidades e limitações e,

conseqüentemente, quais as melhores

formas de viabilizar sua execução, sem o

risco de fracassos. No Brasil, as

experiências de inclusão escolar

envolvendo crianças deficientes mentais

ainda são muito incipientes, e questões

fundamentais a respeito deste complexo

processo ainda necessitam ser respondidas.

Temos convicção de que o

professor é uma peça muito importante no

conjunto que movimenta todo o sistema

educacional. Nesse sentido, é fundamental

que o professor da escola regular seja

devidamente capacitado para receber esse

novo alunado que está chegando à escola,

pois “juntar crianças em uma sala de aula

não lhes garante ensino, não lhes garante

escola cumprindo seu papel, não lhes

garante aprendizagem e, portanto, não lhes

garante desenvolvimento” (PADILHA,

2004, p. 96).

Consideramos importante analisar

as concepções dos professores, pois

sabemos que eles constroem sentidos que

retratam o seu modo de ser e agir, a partir

das relações estabelecidas ao longo de sua

vida, tanto no nível pessoal quanto

profissional. Daí, a importância de

conhecer de maneira mais aprofundada o

que pensam e como agem os professores

de alunos com deficiência mental, pois sua

maneira de ser traz pistas importantes para

compreendermos sua prática pedagógica.

Tendo em vista que a prática da

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inclusão tem sido bastante incentivada,

sem que suas implicações sejam

suficientemente conhecidas, parece-nos

relevante estudar as concepções dos

professores. Deste modo o objetivo deste

estudo foi buscar entender as concepções

dos professores de alunos que apresentam

deficiência mental incluídos na classe

comum do ensino regular. Para tanto,

foram consideradas as concepções de

inclusão, de deficiência mental e do aluno

com deficiência mental.

Em meados da década de 1990, no

Brasil, começaram as discussões em torno

do novo modelo de atendimento escolar,

denominado inclusão escolar. Esse novo

paradigma surgiu como uma reação

contrária ao processo de integração, e sua

efetivação prática tem gerado muitas

controvérsias e polêmicas.

O conceito de inclusão passou a ser

trabalhado na educação especial de forma

diferente do conceito de integração, no

entanto, eles têm a mesma proposta, que é

inserir os alunos que apresentam

necessidades educacionais especiais no

ensino regular.

Podemos declarar que a integração

passa a idéia de que a pessoa, para ser

inserida na escola regular, deve estar em

condições para isso, ou em condições de

corresponder às solicitações feitas pela

escola. Nesse sentido, não se questiona

sobre o papel e a função da escola, pois é

ela quem dita o modelo que o aluno deve

seguir. A inclusão considera a inserção de

alunos por meio de outro ângulo, isto é,

aquele que reconhece a existência de

inúmeras diferenças (pessoais, lingüísticas,

culturais, sociais etc.), e, ao reconhecê-las,

mostra a necessidade de mudança do

sistema educacional que, na realidade, não

se encontra preparado para atender a essa

clientela (BUENO, 1999).

É importante destacar que, em

relação à inclusão, dois eventos foram

mundialmente significativos e podem ser

considerados marcos dessa proposta, pois

trataram de questões referentes à

viabilização de educação para todos. Esses

eventos foram “A Conferência Mundial

sobre Educação para Todos”, realizada em

Jontiem, na Tailândia em 1990, que

buscava garantir a igualdade de acesso à

educação a pessoas com qualquer tipo de

limitação; e “A Conferência Mundial sobre

Educação Especial”, ocorrida em

Salamanca, na Espanha, em 1994. Nessa

conferência, foi elaborado o documento

“Declaração de Salamanca e Linha de

Ação sobre Necessidades Educativas

Especiais”, que “inspirada na igualdade de

valor entre as pessoas, propõe ações a

serem assumidas pelos governos em

atenção às diferenças individuais”

(CARVALHO, 1998, p. 146).

De acordo com a Declaração de

Salamanca, o conceito de inclusão é um

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desafio para a educação, uma vez que

estabelece que o direito à educação é para

todos e não só para aqueles que apresentam

necessidades educacionais especiais, como

podemos observar no trecho abaixo:

As escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidas ou marginalizadas (p. 17, 18).

A Declaração de Salamanca

defendia a idéia de que todos os alunos,

sempre que possível, devem aprender

juntos, independentemente de suas

capacidades. Ao mesmo tempo, ela

apontava a escolarização de crianças em

escolas especiais, nos casos em que a

educação regular não pode satisfazer às

necessidades educativas ou sociais do

aluno. No entanto a Declaração de

Salamanca trouxe um avanço importante

ao chamar atenção dos governantes para a

necessidade de aplicar todo o investimento

possível para o redimensionamento das

escolas, para que possam atender, com

qualidade, a todas as crianças, a despeito

de suas diferenças e/ou dificuldades.

Não podemos ser ingênuos ao

ponto de julgar que a inclusão é um

processo fácil e que uma mudança

significativa nas possibilidades

educacionais das pessoas que apresentam

deficiência já está se dando, como afirmam

os documentos oficiais (FERREIRA e

FERREIRA, 2004).

Reconhecemos que trabalhar com

classes heterogêneas, que acolhem todas as

diferenças, traz inúmeros benefícios ao

desenvolvimento das crianças deficientes e

também às não deficientes, porquanto estas

têm a oportunidade de vivenciar a

importância do valor da troca e da

cooperação nas interações humanas.

Portanto, para que as diferenças sejam

respeitadas e se aprenda a viver na

diversidade, é necessário uma nova

concepção de escola, de aluno, de ensinar e

de aprender.

O princípio da inclusão exige uma

radical transformação da escola, pois

caberá a ela adaptar-se às condições dos

alunos, ao contrário do que acontece hoje,

quando os alunos é quem têm que se

adaptar à escola. E ainda, a inclusão não se

limita ao atendimento aos indivíduos que

apresentam necessidades educacionais

especiais, mas demonstra apoio a todos que

fazem parte da escola: professores, alunos

6

e pessoal administrativo (STAINBACK e

STAINBACK, 1999; MANTOAN, 1997;

DECHICHI, 2001).

De acordo com Correia (1997), a

proposta da inclusão defende uma escola

que volte o seu olhar para a criança em sua

totalidade, respeitando os três níveis de

desenvolvimento, o acadêmico, o sócio-

emocional e o pessoal, de forma a

propiciar à criança uma educação de

qualidade.

A efetivação de uma prática

educacional inclusiva não será garantida

por meio de leis, decretos ou portarias que

obriguem as escolas regulares a aceitarem

os alunos com necessidades especiais, ou

seja, apenas a presença física do aluno

deficiente mental na classe regular não é

garantia de inclusão, mas sim que a escola

esteja preparada para ser capaz de trabalhar

com os alunos que chegam até ela,

independentemente de suas diferenças ou

características individuais.

De acordo com Bueno (1999),

não podemos deixar de considerar que a implementação da educação inclusiva demanda, por um lado, ousadia e coragem, mas, por outro, prudência e sensatez, quer seja na ação educativa concreta (de acesso e permanência qualificada, de organização escolar e do trabalho pedagógico e da ação docente) ou nos estudos e

investigações que procurem descrever, explicar, equacionar, criticar e propor alternativas para a educação especial (p. 9).

Segundo Skliar (2001), a escola

inclusiva constitui-se num espaço de

consenso, de tolerância para com os

indivíduos considerados diferentes. A

experiência no dia-a-dia, ao lado dos

colegas normais, seria vista como elemento

de integração. Parece mais importante a

convivência com os colegas normais do

que a aquisição de conhecimento

necessário para sua inserção social. Assim,

é oferecido o mesmo espaço escolar, a

mesma escola para todas as crianças, como

se isso fosse suficiente, ou o mesmo

proporcionasse igualdade de condições de

acesso aos saberes.

A idéia de escola inclusiva teve

início com a abertura de suas portas para

receber os que estão fora dela, os

excluídos. No entanto, permanece, em

essência, com as mesmas condições

deficitárias ministradas àqueles que já

estavam supostamente incluídos (SOUZA

e GÓES, 1999), e ainda com um ensino

exatamente igual para todos, sendo que o

que deveria acontecer seria a escola efetuar

as devidas adaptações com propostas

diferenciadas perante a heterogeneidade

das deficiências (GÓES, 2002).

A literatura evidencia que, no

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cotidiano da escola, os alunos com

necessidades educacionais especiais,

inseridos nas salas de aula regulares, vivem

uma situação de experiência escolar

precária, ficando, quase sempre, à margem

dos acontecimentos e das atividades em

classe, porque muito pouco de especial é

realizado em relação às características de

sua diferença.

De acordo com Góes (2002),

Vigotski fez muitas críticas à escola

especial de sua época, no entanto ele

insistiu na existência de uma educação

especial que atendesse àquilo de que a

criança necessitava. Segundo ele, a

educação escolar deveria levar em conta a

organização sociopsicológica peculiar dos

casos de deficiência; embora as leis gerais

do desenvolvimento sejam as mesmas para

todas as crianças, seria preciso manter

metas educacionais elevadas, promovendo

a construção de capacidades, sem se atrelar

ao nível de desenvolvimento já alcançado

pelo aluno, com condições que atendam às

singularidades ligadas ao tipo de

deficiência. Deste modo, os recursos

especiais e caminhos alternativos não

ficam dispensados, porque o aluno está

freqüentando uma escola regular. Portanto,

pensar a inclusão pressupõe políticas

educacionais claras, coerentes e

fundamentadas nas relações sociais.

As questões teóricas do processo de

inclusão têm sido amplamente discutidas

por estudiosos e pesquisadores da área de

Educação Especial, entretanto pouco se

tem feito no sentido de sua aplicação

prática. O como incluir tem se constituído

a maior preocupação de pais, professores e

estudiosos, considerando que a inclusão só

se efetivará se ocorrerem transformações

estruturais no sistema educacional.

Glat (1998) aponta uma série de

perguntas no sentido de problematizar a

implementação da inclusão na realidade

educacional brasileira.

Vamos baixar um decreto desativando as classes especiais? E daí? Vamos instruir as famílias para matricular seus filhos portadores de deficiência diretamente na escola mais próxima de sua casa, independentemente das condições ou do desejo dessa escola de recebê-lo? Vamos colocar, por exemplo, um aluno surdo, que não tem domínio do português oral, assistindo a uma aula de história sobre o mercantilismo? Vamos colocar uma criança com deficiência múltipla numa classe de quarenta alunos com uma professora mal remunerada e sem capacitação, que mal dá conta dos problemas da aprendizagem e da disciplina de seus alunos ‘normais’? Qual será o rendimento acadêmico e cognitivo desses alunos? (p. 27).

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É fundamental haver uma mudança

da escola, pois trabalhar com todos os

alunos tem sido um grande desafio ao

sistema escolar. De acordo com Souza e

Góes (1999), “é quase impossível, no

momento, que uma escola, seja qual for, dê

conta do todo e qualquer tipo de aluno,

como é o caso do deficiente mental, do

surdo, da criança de rua ou do trabalhador

rural” (p.165).

É realmente por isso que a escola

necessita de grandes transformações, e

estas devem sempre estar vinculadas a uma

transformação radical da própria

sociedade; conforme Sassaki (1997), o

movimento de inclusão social é

o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade (p.41).

Portanto, a inclusão social é um

processo que contribui para a construção

de um novo tipo de sociedade por meio de

transformações, pequenas e grandes, nos

ambientes físicos e na mentalidade de

todas as pessoas, atingindo, desse modo, o

próprio indivíduo que tenha necessidades

especiais.

Qualquer tentativa de inclusão deve

ser analisada e avaliada em seus mais

diversos aspectos, a fim de termos a

garantia de que esta será a melhor opção

para o indivíduo que apresenta

necessidades especiais (CORREIA, 1997).

Atualmente, em todos os

documentos referentes à educação dos

indivíduos com deficiência, o princípio da

inclusão é o eixo norteador, e o

atendimento segregado é visto como

alternativa que deve ser evitada. Apesar do

predomínio de orientações inclusivistas,

fica a preocupação do quanto o eixo

norteador pode se tornar realidade, pois

sabemos que, ainda que os alunos sejam

matriculados em escolas regulares, esse

fato, por si só, não altera a qualidade de

sua escolarização.

É possível observar, por parte dos

professores e de profissionais da educação,

grande resistência em aceitar o desafio

colocado pelo processo de construção da

escola inclusiva, o que consideramos

perfeitamente compreensível, dada à

ausência de sua formação para enfrentar

esse desafio. Tal resistência surge, entre

outros diversos determinantes, em

decorrência da não problematização do

assunto, tendo em vista que, raramente,

este é contemplado nos momentos de

formação inicial e/ou continuada, o que

conduz a formas inadequadas de

entendimento.

Assim, verificamos que uma das

implicações da inclusão escolar mais

discutidas tem sido o aspecto da formação

9

do corpo docente das escolas (tanto a

formação inicial como a continuada).

Quanto a essa questão, julgamos

necessário que os professores sejam

efetivamente capacitados para transformar

sua prática pedagógica. Essa capacitação

não deve resumir-se a uma palestra, a um

curso ou a um seminário isolado, e, sim, a

um acompanhamento contínuo (GLAT,

1998), pois ações isoladas são vistas como

paliativas e não resolvem o problema em

questão.

O atual movimento pela inclusão

escolar de pessoas deficientes mentais,

desencadeou importantes discussões sobre

a qualidade do ensino oferecida em nossas

escolas, não só para deficientes, mas para

todos os alunos.

Revisitando a nossa história a

respeito da deficiência mental, observamos

que ela tem sido entendida, para efeitos

educacionais, como aquela deficiência em

que o desenvolvimento dos indivíduos que

a apresentam é mais lento e mais

comprometido do que os que não a

manifestam. Não podemos negar a

existência de dificuldades individuais

geradas por limitações de ordem

neurológica e intelectual, inerentes ao

próprio indivíduo, que exigem mediações

especiais para sua constituição como na

condição de aprendizes. Essa limitação

afeta de maneira acentuada a sua

capacidade para resolver problemas frente

às exigências a que são submetidos no seu

dia-a-dia. À escola cabe, porém, dispor de

recursos e procedimentos não uniformes

para que os alunos tenham possibilidades

de caminhar além de seus limites.

Essas dificuldades que o deficiente

mental apresenta têm levado os educadores

a proporem atividades curriculares de

menor complexidade, mais pragmáticas

etc. Assim, os alunos que apresentam

deficiência mental sentem-se mais

incapazes, porque essas práticas não

propiciam seu desenvolvimento cognitivo,

o que faz com que eles desenvolvam

baixas expectativas quanto a sua

aprendizagem. Deste modo, podemos

afirmar que a criança se sente excluída de

seu contexto social e escolar.

É importante ponderar que as

pessoas não devem ser rotuladas de

deficientes mentais pelo simples fato de

apresentarem um comportamento

adaptativo prejudicado, pois existem vários

outros fatores que podem levar a um

desenvolvimento maturacional lento, como

um processo escolar sem qualidade ou um

ajustamento social e ocupacional

inadequado. (TELFORD e SAWREY,

1988).

De acordo com Tessaro (2005),

acredita-se que as limitações maiores na

deficiência mental não estão relacionadas

com a deficiência em si, mas com a

credibilidade e as oportunidades que são

10

oferecidas às pessoas com deficiência

mental. Para a autora, a vida de uma

pessoa deficiente passa a girar em torno de

sua limitação ou incapacidade, quando as

suas potencialidades e aptidões não são

levadas em conta.

Estudos demonstram que os

problemas enfrentados pelo indivíduo que

apresenta deficiência mental são mais de

limitações e deficiências da sociedade e do

meio do que do próprio organismo

deficiente (OMOTE, 1994). Nas palavras

de Omote (1994)

O nome deficiente se refere a um status adquirido por essas pessoas. Nesse modo de encarar a deficiência, uma variável crítica é a audiência, porque é ela que, em última instância vai determinar se uma pessoa é deficiente ou não. Significa que ninguém é deficiente apenas pelas qualidades que possui ou que deixa de possuir. Uma pessoa só pode ser deficiente perante uma audiência que a considera, segundo seus critérios como deficiente (p. 07).

Portanto, não se pode pensar a

questão da deficiência sem se analisar o

tipo de relação que as pessoas, de modo

geral, estabelecem com os indivíduos

deficientes mentais. Como a sociedade não

está preparada para lidar com as diferenças

manifestadas pelas pessoas com

deficiência mental, de uma maneira geral,

passa a culpá-las por suas próprias

impossibilidades e limitações. Atentar

apenas para os aspectos orgânicos da

deficiência mental é desconsiderar os

aspectos sociais e isentar a sociedade de

sua responsabilidade na constituição da

deficiência mental.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a compreensão das

concepções das professoras, no contexto da

sala de aula do ensino regular com

deficiente mental incluído, optamos por

encaminhar este trabalho dentro da

abordagem qualitativa.

Por entendermos a pesquisa como

um processo em construção é que

concordamos com Bodgan e Biklen

(1994), quando eles afirmam que o

planejamento da pesquisa qualitativa

precisa ser refeito de acordo com as

necessidades do trabalho, pois os

“investigadores qualitativos partem para

um estudo munidos dos seus

conhecimentos e da sua experiência com

hipóteses formuladas com o único objetivo

de serem modificadas e reformuladas à

medida que vão avançando (p. 84).

Gonzáles Rey (2002) afirma que,

quando estão envolvidos aspectos da

subjetividade humana, somente a

metodologia qualitativa de pesquisa tem

11

condições apropriadas de compreender

melhor essa subjetividade.

Com essa modalidade de pesquisa,

acreditamos que poderemos entender de

maneira mais aprofundada o nosso objeto

de estudo e construir, dessa forma, nossas

reflexões em torno dessa temática.

Participaram desta pesquisa nove

professoras do Ensino Fundamental da pré-

escola à quarta série, que atuam no período

da tarde de uma Escola Estadual de

Uberlândia que possuíam alunos com

deficiência mental inseridos em suas salas

de aula.

Para a realização desta pesquisa,

primeiramente, foi feito um contato da

pesquisadora com a direção da escola, em

que foi exposta a proposta de trabalho para

promover o interesse desta em participar

do projeto. Após a autorização da direção

da escola, houve um encontro com as

professoras para verificar o seu interesse

em participar da pesquisa. Tanto a Diretora

quanto as professoras mostraram-se

bastante interessadas e disponíveis em

participar do processo de pesquisa.

Como procedimento de construção

dos dados, foram realizadas entrevistas

semi-estruturadas com as professoras

participantes.

André e Lüdke (1986) apontam a

entrevista como um dos componentes

fundamentais do trabalho de campo na

pesquisa qualitativa. Assim, optamos pela

utilização de entrevistas semi-estruturadas,

contendo questões abertas. De acordo com

Biasoli Alves & Dias da Silva (1992), com

esta estratégia é possível

Evocar ou suscitar uma verbalização que expresse o modo de pensar ou de agir das pessoas face aos temas focalizados, surgindo então a oportunidade de investigar crenças, sentimentos, valores, razões e motivos que se fazem acompanhar de fatos e comportamentos, numa captação, na integra da fala dos sujeitos (p.6).

Quando a entrevista é utilizada na

análise qualitativa, a complexidade do

fenômeno faz com que os limites da

neutralidade de um simples instrumento de

coleta de dados seja ultrapassado, abrindo

para o pesquisador um imenso campo de

possibilidades de investigação e análise

(DECHICHI, 2001).

As entrevistas com as professoras

foram realizadas na escola, num horário

previamente agendado entre as docentes e

a pesquisadora. As entrevistas foram

registradas em áudio e, posteriormente,

transcritas, transformadas em textos que

foram submetidos à análise.

O roteiro das entrevistas continha

os seguintes questionamentos: 1) Qual a

sua concepção sobre Inclusão? Como você

se posiciona em relação à inclusão? 2)

12

Qual a sua concepção em relação ao

deficiente mental? Para você, quem é o

deficiente mental? 3) Qual foi sua reação

ao receber um aluno deficiente mental? 4)

O que você proporia para a aprendizagem

desse aluno deficiente mental? 5) Você

observa que a escola traz alguma

contribuição para seus alunos? Quais? 6)

Fale um pouco sobre o dia-a-dia da sua

classe: como você lida com as diferenças

das crianças, como você desenvolve sua

prática? 7) Fale sobre as dificuldades que

você encontra para trabalhar com alunos

deficientes mentais? 8) Você já estudou

sobre Educação Especial? Tem cursos na

área?

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para analisar os dados fomos

recortando o discurso das professoras sobre

as suas concepções, o que nos permitiu

compreender os processos de significação

construídos pelas docentes sobre o aluno

com deficiência mental.

Com relação à concepção sobre a

inclusão, constatamos que, no geral, as

professoras relataram que não são

favoráveis e nem contra a inclusão, pois,

para elas, a inclusão que está acontecendo

nas escolas possuem dois lados: há o lado

positivo, que é o lado da socialização, em

que as crianças conseguem interagir muito

bem umas com as outras; e há o outro lado,

em que é importante que aconteça a

inclusão, mas do jeito que está ocorrendo

nas escolas elas são contra, pois falta apoio

por parte da escola e do governo. As

professoras não se sentem preparadas para

lidar com essa clientela, e, para que

acontecesse realmente uma inclusão com

qualidade, as escolas deveriam ter o apoio

de vários tipos de especialistas, como

psicólogos, psicopedagogos,

fonoaudiólogos, neurologistas e assistentes

sociais. Comentou-se, ainda, a relevância

da presença de outra professora na sala de

aula, para auxiliá-las, pois, segundo elas, o

atendimento às crianças deficientes

mentais tem de ser individualizado, e elas

não têm esse tempo, devido ao grande

número de alunos na sala de aula.

Esses dados denotam que as

professoras não têm clareza, ou melhor,

informação suficiente sobre os princípios

que norteiam a inclusão.

De todas as professoras

entrevistadas, apenas uma afirmou com

convicção que não é a favor da inclusão,

para ela, a presença de alunos com

deficiência “acaba que atrapalha as outras

crianças no desenvolvimento da

aprendizagem, porque a gente tem que

diminuir o ritmo das aulas” (Profª Rita).

Manifestando, assim, falta de

credibilidade, considerando a inclusão

como uma utopia, bem como afirma Glat

(1998) em seu estudo. Segundo a autora,

13

para que possa sair do plano imaginário, a

escola inclusiva necessita de condições

muito especiais de recursos humanos,

pedagógicos e, até mesmo, físicos de que

não dispomos no Brasil, nem nos grandes

centros que não dependem do MEC.

Esses resultados também foram

comuns em outros estudos. Tessaro (2005),

em sua pesquisa, concluiu que houve

docentes contrários à inclusão expondo

vários aspectos negativos, o que indica a

necessidade de um maior investimento

nesse processo, bem como maior

envolvimento dos professores nas

discussões, no planejamento e na

implementação da educação inclusiva.

Ao abordar a questão da concepção

sobre o aluno deficiente mental, as

professoras relataram que o deficiente

mental é aquele que tem uma disfunção

neurológica ou outros problemas

provenientes de acidentes, são crianças

mais agressivas e que possuem

dificuldades na aprendizagem, na

assimilação, na memorização e na

percepção. Segundo elas, é uma das

deficiências mais difíceis de ser trabalhada,

pois são crianças que possuem um

comportamento diferente das outras, são

mais inquietas, mais lentas e também

enfrentam uma dificuldade maior em

“pegar as coisas” (Profª Mônica). Uma das

professoras participante relatou que “é essa

criança que não consegue aprender a ler e

escrever nas condições oferecidas pela

escola” (Profª Júlia), ou seja, que vem para

escola somente para socializar. A posição

dessas professoras deixa claro o descrédito

quanto à capacidade intelectual dos alunos

que apresentam deficiência mental.

Percebemos que a professora está

muito centrada na falta, no déficit, naquilo

que precisa ser trabalhado para sanar suas

dificuldades. Ao direcionar a intervenção

para as habilidades deficitárias, os

professores podem atribuir ao deficiente

mental mais incapacidades do que ele

realmente manifesta e, conseqüentemente,

agir de acordo com essas expectativas

negativas, podendo, assim, prejudicar o

desempenho desses indivíduos.

Ao interpretar a deficiência como

um fenômeno centrado no indivíduo,

inúmeras distorções de sentido ocorrem.

Os atendimentos educacionais e

terapêuticos são encaminhados para uma

linha de ação que acentua as condições

patológicas do aluno e subestima, entre

outros aspectos, as condições deficitárias

de ensino (FERREIRA, 1995).

Não estamos afirmando com isso

que não exista a deficiência, mas o

professor precisa modificar o seu olhar

sobre ela. As deficiências dos alunos

devem ser consideradas como condições a

que a escola precisa atender. Assim, sem

negar a etiologia orgânica que uma

considerável parcela de deficientes

14

carregam, Pessotti (1984) alerta para os

radicalismos nas considerações sobre a

deficiência, no sentido de evitar uma

postura totalmente organicista e unitária,

lembrando que o conceito de deficiência

mental, seu diagnóstico e classificação

devem considerar o homem dentro de uma

visão integrativa e global.

Segundo Mantoan (1997), o

processo de inclusão exige da escola novos

recursos de ensino e aprendizagem,

concebidos a partir de uma mudança de

atitudes dos professores e da própria

instituição, reduzindo todo o

conservadorismo de suas práticas, em

direção de uma educação verdadeiramente

interessada em atender às necessidades de

todos os alunos.

De acordo com os dados

encontrados, pudemos verificar que a

garantia dos indivíduos que apresentam

deficiência mental de aprender e se

desenvolver está apenas escrito no papel,

pois, quando observamos a realidade da

escola, o que encontramos é bem diferente

do que está determinado nas leis e nos

decretos. Verificamos que os alunos

apenas têm o direito de ocupar o mesmo

espaço escolar e a garantia de aprender é

deixada em segundo plano.

No geral, todas as professoras

relataram que, ao receber o aluno

deficiente mental, sentiram um certo receio

de não saber lidar diante da situação,

acharam que “não fossem dar conta” (Profª

Rosana). Segundo elas, a falta de preparo e

o medo do novo causam essa insegurança;

é interessante citar que uma delas relatou

que “se fosse pra eu optar pra trabalhar

só com crianças deficientes, acho que eu

não tenho muita aptidão, talvez eu não

escolhesse esse ramo” (Profª Júlia). De

acordo com este depoimento da professora

Júlia, podemos concluir que trabalhar com

crianças deficientes torna-se uma

imposição da direção da escola e não uma

escolha voluntária das professoras.

Somente uma professora relatou

que, para ela, foi muito bom receber os

alunos com deficiência em sua sala de

aula, “adoro vê-los assim desenvolvendo”

(Profª Sandra). Essa professora já

trabalhou com crianças deficientes em

escolas especiais e possui experiência com

crianças especiais.

O resultado que prevaleceu entre as

professoras entrevistadas foram

sentimentos negativos, tais como “medo”,

“angústia”, “desespero” etc. É importante

destacar que outros resultados semelhantes

foram obtidos em estudos desenvolvidos

por Miranda (2003) e Tessaro (2005), nos

quais os professores expressaram

sentimentos como: “medo”, “repulsa”,

“impotência”, “insegurança” e “ansiedade”

em relação ao aluno deficiente incluído na

sala de aula regular.

Esses resultados nos levam a

15

questionar sobre o estado emocional dos

docentes que têm alunos deficientes

mentais incluídos em suas salas. Ainda que

a inclusão escolar seja contemplada em lei

e tenha como meta recuperar toda a

história de segregação, discriminação e

preconceito, sua prática está longe desse

ideal. O que encontramos são professores

assustados, amedrontados e inseguros

(TESSARO, 2005).

Para uma melhor aprendizagem

dos alunos deficientes mentais, as nove

professoras propuseram cursos de

capacitação para os profissionais da escola;

uma sala de recursos com muito material

concreto; trabalho em equipe para a troca

de experiências; e um acompanhamento

diário com um psicólogo e um

psicopedagogo, para analisar, acompanhar,

diagnosticar esse aluno tanto na

aprendizagem quanto no comportamento, e

ainda um profissional que saiba libras e

braile para auxiliá-las com os alunos que

apresentam deficiência auditiva e visual.

Para as professoras entrevistadas, as

turmas deveriam ser menores para um

melhor atendimento.

Os resultados obtidos mostram o

quanto às professoras estão preocupadas

com a falta de infra-estrutura das escolas e

com a não preparação dos profissionais,

especificamente, delas mesmas, para

participar da inclusão escolar.

Em nosso contexto social, hoje,

temos a convicção de que os

conhecimentos mudam rapidamente.

Portanto, a formação do professor, assim

como de qualquer outro profissional, não

deve terminar com o diploma de graduação

ou de pós-graduação. É importante uma

constante atualização de seus

conhecimentos e, neste sentido,

entendemos que a pesquisa bibliográfica,

cursos e a leitura de obras sobre temas

educacionais contribuem de modo

fundamental com a formação continuada

do professor.

Melo (1998) acredita que é

conveniente para o professor estar em

constante processo de formação, exigindo-

se iniciativas de formação continuada. O

educador deve criar condições para que o

próprio exercício da profissão seja local de

aperfeiçoamento das práticas pedagógicas,

vendo a competência como algo em

contínuo desenvolvimento, como

desenvolvimento profissional.

As professoras relataram que a

contribuição que a escola traz para esses

alunos deficientes mentais é a socialização,

ou seja, a escola dá-lhes a oportunidade

para esses alunos estarem interagindo com

as crianças normais. Para elas, é

importante tais crianças estarem

convivendo com a diversidade, pois, desta

forma, aprendem a conviver coletivamente,

e assim todos se beneficiam, já que os

colegas aprendem a lidar com o diferente.

16

Em relação à contribuição da escola

na aprendizagem dos alunos, também

houve um consenso, todas as professoras

relataram que a escola não traz

contribuição nessa área, ou seja, os alunos

com deficiência mental não aprendem

“nada”. Pode ser que isto ocorra porque as

professoras querem que elas aprendam,

como, por exemplo, a ler e a escrever nos

métodos oferecidos pela escola. Contudo,

de acordo com a fala da Profª Simone,

“essas crianças deficientes mentais tem um

crescimento, não tanto na aprendizagem,

mas no relacionamento, na socialização

que é o objetivo nosso, estamos

conseguindo”. Nota-se que o objetivo

maior dos profissionais da escola com os

alunos deficientes mentais é a socialização,

e não a aprendizagem de conteúdos

significativos, o que demonstra falta de

compreensão e clareza dos princípios

norteadores da inclusão escolar, segundo

os quais, a escola deve se adequar às

necessidades dos alunos, garantindo-lhes

aprendizagem e desenvolvimento.

Quatro professoras referiram que,

para a melhor aprendizagem das crianças

deficientes, o ensino especial seria mais

conveniente, pois as escolas especiais estão

preparadas para atender a essas crianças

com toda a estrutura necessária, seja de

recursos humanos ou físicos. Resultado

semelhante foi encontrado por Miranda

(2003), no seu estudo sobre a prática

pedagógica do professor de alunos com

deficiência mental. Segundo a autora, as

professoras participantes da pesquisa

acreditavam que a escola especial era o

melhor espaço para trabalhar com crianças

deficientes mentais, porque elas precisam

de muita ajuda de profissionais, como

fonoaudiólogo, fisioterapeuta, psicólogo,

neurologista etc, e a escola comum não

tem esses profissionais para atendê-las.

De acordo com o resultado desses

estudos, está claro que as professoras têm

uma visão médica da deficiência mental.

Observamos uma tendência em avaliar a

deficiência sob o ponto de vista biológico,

passando o deficiente mental a ser tratado

como um doente, ou seja, uma pessoa

fragilizada sempre necessitada de

assistência (MARQUES, 2001).

A história aponta que, ao serem

percebidos como doentes, os indivíduos

deficientes mentais eram tratados

socialmente com atitudes paternalistas,

benevolentes e custodiais, que visavam a

cuidar mais do seu bem estar físico, do que

de alguém que poderia se desenvolver e

cujos problemas exigissem soluções

educacionais (MENDES, 1995).

Em relação ao desenvolvimento da

prática pedagógica com alunos deficientes

mentais, todas as professoras mencionaram

que usam atividades lúdicas que englobam

músicas, poesia, teatro, artes, e outras

atividades que fazem com que todas as

17

crianças interajam. Explicaram, também,

que tentam dar uma formação crítica para

eles, conversando muito com eles, pedindo

opinião deles em tudo o que fazem. A

respeito das atividades, foi questionado

também se há o uso de atividades e

avaliações diferenciadas, todas as nove

professoras confirmaram que usam, sim,

atividades e avaliações diferenciadas,

“porque você não consegue trabalhar

igual, você tem que atender aos objetivos

de cada aluno” (Profª Simone). Essa é

uma fala de uma professora de quarta série

que tem uma aluna deficiente mental em

sua sala, com dezoito anos de idade, e que

não sabe ler e nem escrever.

As professoras relataram também

que procuram tratar as crianças com

deficiência como se fossem crianças

normais, no entanto não fazem a mesma

cobrança que fazem com os outros alunos

no sentido da aprendizagem, o tratamento

para eles tem de ser mais individual,

segundo uma professora, “você tem que

achar tempo para eles, e também você não

pode deixar eles na sala sem fazer nada”

(Profª Cristina).

A respeito das dificuldades

encontradas em lidar com aluno deficiente

mental, as professoras mencionaram que as

maiores dificuldades estão centradas nos

aspectos pedagógicas. Segundo elas, para o

aprendizado da criança deficiente ser mais

produtivo precisaria haver mais apoio,

como a assistência de um psicopedagogo,

de um psicólogo, de um fonoaudiólogo, de

um neurologista, isto é, uma orientação

diária com esses especialistas.

Não podemos negar a importância

desses serviços, entretanto, dentro de uma

instituição escolar, o atendimento na área

da saúde não deveria se sobrepor ao

atendimento pedagógico.

Para as professoras, falta material

pedagógico e de consumo, e a estrutura

física da escola é inadequada para receber

os alunos deficientes mentais. Temos que

ponderar que as condições físicas

inadequadas são inerentes às dificuldades

de todo o ensino e não só para o deficiente

mental. Assim, não podemos generalizar

esse problema para toda a situação de

inserção escolar de deficientes mentais, e

devemos considerar, também, que é uma

situação possível de ser mudada, ainda que

difícil e a longo prazo.

Segundo uma participante da

pesquisa, as professoras sentem-se muito

sozinhas para trabalhar com salas

numerosas e ainda com crianças com

necessidades educacionais especiais

inseridas, assim, elas propõem um outro

profissional (monitora ou professora)

dentro da sala para estarem auxiliando-as,

pois, de acordo com a Profª Lúcia, “a

gente aqui tem que ser tudo”.

Tais resultados revelam que, para a

maioria das professoras, o que dificulta o

18

processo de inclusão escolar é a falta de

preparo, capacitação dos profissionais e a

falta de estrutura das escolas, e isso,

segundo elas, é uma das barreiras para que

ocorra a inclusão. Parece claro que, se

esses fatores dificultadores não forem

derrubados, a inclusão escolar não passará

de boa intenção (TESSARO, 2005).

Nenhuma das nossas professoras

entrevistadas possuía graduação ou pós-

graduação (lato-Sensu) na área de

Educação Especial, apesar da nova LDB,

artigo 59, inciso III (p.319) estabelecer que

deve ser assegurado “professores com

especialização adequada em nível médio

ou superior, para atendimento

especializado, bem como professores do

ensino regular capacitados para a

integração desses educando nas classes

comuns”.

Alguns autores comentam sobre a

precariedade que, em geral, caracteriza o

processo de formação básica nas

universidades. A formação do professor,

tanto para o magistério do Ensino

Fundamental, como para o Ensino Médio,

é realizada, em sua maior parte, por

instituições isoladas de ensino superior,

que funcionam em condições deficitárias

de atendimento, oferecendo uma qualidade

de formação acadêmica discutível

(COLLARES e MOYSÉS, 1995; GATTI,

1992).

Alguns pesquisadores apontam

ainda que a formação dos professores que

trabalham com alunos que apresentam

deficiência mental também é de má

qualidade. Tiveram uma formação baseada

no reprodutivismo e na mera transmissão

do conhecimento (BUENO, 1994;

MASINI, 1994). Além disso, recebem

baixos salários e são muito desvalorizados

profissionalmente, no entanto são

reconhecidos como abnegados guardiões

de “crianças-problema” (MAZZOTTA,

1993; FONSECA, 1995; CARVALHO,

1997).

Nenhuma das professoras

participantes tinha habilitação na área de

educação especial. Questionadas a respeito

da preparação para trabalhar com crianças

deficientes mentais, as professoras

informaram que já fizeram vários cursos,

leram muito a respeito do tema e estão

sempre se atualizando. A respeito dos

cursos, elas esclareceram que eles foram

importantes e que mudaram a sua prática,

tiraram muitas dúvidas, porque há muitas

coisas que elas precisam saber para ajudar

os alunos deficientes mentais na

aprendizagem. Falaram, também, que

ainda são poucos os cursos oferecidos para

o tanto de deficiências diferentes existentes

e que elas não se sentem preparadas para

trabalhar com esses alunos. Ainda

reclamaram dos cursos serem mais teóricos

do que práticos, visto que gostariam que

fossem cursos mais práticos, para que as

19

ajudassem a lidar melhor com os

problemas e possibilidades dos alunos.

Acreditamos que realizar cursos

breves de extensão, palestras, congressos,

são recursos de pouco alcance, apesar de

serem importantes para dinamizar o

conhecimento e possibilitar a troca de

experiências entre as pessoas. Entretanto

tais eventos isolados não dão conta da

complexidade da formação profissional,

nem da apropriação da compreensão sobre

as deficiências.

De acordo com nossa experiência

profissional, e que o presente estudo veio a

confirmar, a precariedade da capacitação

do professor, em nosso país, se faz

principalmente pela ausência de uma

formação continuada, capaz de promover o

desenvolvimento profissional dos

docentes.

Somente uma professora declarou

que não faz cursos devido ao seu tempo ser

muito pouco, “para ser sincera, nem ler

muito, eu não leio, meu tempo realmente é

curtíssimo, não dá tempo, não tenho

tempo” (Profª Rita).

Pelo relato da professora,

constatamos o desinteresse pela busca de

novas informações. A razão deste

desinteresse talvez esteja naquilo que

alguns autores (MAZZOTTA,1993;

FONSECA, 1995) apontam como a

desvalorização do profissional, que

contribui para a falta de motivação do

professor na busca por complementar sua

capacitação, quer seja realizando cursos,

quer seja pesquisando e lendo a

bibliografia disponível na área.

Com base na análise das entrevistas

realizadas, concordamos com Mantoan

(1997), ao afirmar que o atendimento à

pessoa com deficiência é complexo e exige

dos profissionais conhecimentos novos que

contradizem, muitas vezes, o que lhes foi

ensinado e o que utilizam em sala de aula.

CONCLUSÃO

Pode-se afirmar que a inclusão de

alunos deficientes mentais na escola

regular não condiz com o conceito de

inclusão, pois uma escola que adota

princípios inclusivistas deve estar

preparada para receber os alunos com

necessidades especiais, com todos os

recursos necessários. Dentre esses, estão o

oferecimento de cursos para capacitação de

professores; o apoio da família do aluno

com necessidades educacionais especiais;

menor número de alunos na sala de aula; a

eliminação de barreiras arquitetônicas; o

apoio da sociedade política; a destinação

de verbas; a adequação de currículos;

metodologias de ensino; recursos didáticos

e materiais e sistemas de avaliação

diferenciada.

Dessa forma, a inclusão escolar é

um desafio, pois implica mudanças e torna-

20

se um motivo para que a escola se

modernize e os professores aperfeiçoem

suas práticas, não só para os alunos

deficientes, mas para todos os alunos. A

inclusão ainda enfrenta muitas barreiras e

tem caminhos para percorrer, o importante

é que isto já se iniciou e, no futuro, espera-

se que a escola seja um lugar onde não haja

discriminação e preconceito, que seja um

lugar onde as diferenças e o tempo de

aprendizagem de cada um seja valorizado.

Com base nos aspectos que foram

contemplados na pesquisa, podemos

salientar que as formas de pensar das

professoras sobre temas relacionados à

inclusão estão sendo construídas. Também

observamos que os deficientes mentais

incluídos na escola pesquisada estão à

margem do processo ensino-aprendizagem

e que os professores ainda estão se

“familiarizando” com a idéia de tê-los em

suas salas de aulas regulares.

Acreditamos que os resultados

deste estudo possam contribuir de alguma

forma, com as discussões atuais em torno

da temática sobre formação de professores

que trabalham com alunos que possuem

necessidades educacionais especiais.

AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal de

Uberlândia, que me proporcionou a

oportunidade de ampliar meus

conhecimentos na área de Educação.

À Professora Drª Arlete Aparecida

Bertoldo Miranda por ter acreditado no

meu trabalho, pela sua dedicação e

amizade.

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